bebendo o morto

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CONTO DE ANTENOR INCLUSO NO LIVRO BRAGCITY

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Page 1: BEBENDO O MORTO

CONTOS DE BRAGCITY 2010

1 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

BEBENDO O MORTO.

O Bar do Lelo era assim, quem vinha do Lavapés em

direção ao centro via sua placa reluzindo na poça d’água, néon e

óleo diesel: “elog oriemirp”, o que não tem muito sentido a não

ser para o finado padre Karras, ou seu amigo, o exorcista

Merrin, que facilmente identificariam a mensagem, um tanto

quanto “sublinear”: “primeiro gole”.

O boteco não fechava nunca, nem no dia do enterro de

seu mestre idealizador, o bom e velho Lelo. Pode até parecer

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CONTOS DE BRAGCITY 2010

2 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

bizarro, mas essa estória precisa ser contada; bom... ,o Lelo

morreu, seu coração parou na quarta-feira de cinzas, como um

atabaque que não quer mais samba.

E tudo se deu justo num dia em que as coisas estavam

todas no lugar, íamos fazer churrasco, ouvir na rádio a apuração

do carnaval, tínhamos carne e cerveja, mas o cara estava morto,

precisava ser enterrado, isto é um detalhe que não deve ser

deixado para trás.

Os pinguços começavam a chegar, lágrimas nos olhos,

sede na garganta. Bebiam e choravam como se da família

fossem, indiscriminadamente o estoque do boteco foi abaixo,

desceram tudo que era cachaça, conhaque e todo litro peso

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CONTOS DE BRAGCITY 2010

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pesado, quando a coisa começou a ficar feia escolheram um

Judas, precisavam de alguém para apedrejar.

_Por que, meu Deus? (Gritavam uns).

_Acontece. (retrucavam outros).

Até que alguém bradou:

_Foi aquele merda do filho. Morreu de desgosto.

O Lelo tinha dois filhos, uns safados filhos da puta, bem,

a mulher do Lelo não era puta nem nada, mas os filhos, sim,

eram um bom exemplo de filhos da puta, um bom punhado de

feijão perdido, faziam netos para o Lelo criar, dívidas para ele

pagar, comiam e bebiam, como bebiam, é claro que na conta do

morto, aliás não eram só esses filhos da puta que bebiam as

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4 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

custas do morto, salvo engano, até eu tenho alguma coisa

pendurada com o defunto, mas seu caderno de anotações os

pinguços já tinham botado fogo numa providência quase que

divina.

Não me lembro bem o nome desses Judas, chamarei de

Chitãozinho e Xororó porque um deles, não sei bem qual tinha

uma filha, dezenove aninhos a guria, com a cara da Sandy e

talento prum boquete que... , Meu Deus! uma bela bizerrinha

mamando, dizem que puxou a mãe, esta nunca me chupou,

agora nem quero, cobra dez no Lavapés, por quinze dá até o cu,

prefiro a filha que é mais nova, bonita e higienicamente mais

viável.

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CONTOS DE BRAGCITY 2010

5 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

O pai da Sandy os pinguços perdoaram, deve ter sido por

ela ou pela mãe, quem sabe? Mais o outro, tomou um cacete que

Deus me livre: fivelada na cara, chute na bunda, tapa no pé da

orelha, foi bonito demais de ver. Depois da sova deram-lhe um

banho de esguicho e todos foram abraçados ao velório.

Uma Kombi levou a família do defunto, sua mulher,

filhos, netos e netas, a Sandy foi com eles, um caminhão C60,

Perkins com um motor de 1113 adaptado levou os pinguços, e

uma pampa sem a tampa traseira me levou mais a carne e a

cerveja. Chegamos ao férito umas dez da manhã.

Além do Lelo só mais um corpo estava nas vias de fato de

seu julgamento final, este mais acostumado a julgamentos, era o

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CONTOS DE BRAGCITY 2010

6 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

Fabão patrão mor do morro do Cruzeiro, com uma bala na

cabeça, tinha, depois de quase dez anos, deixado seu posto de

Charles (anjo 45), a rapaziada estava virada, cocaína era

despejada sobre o caixão lacrado do anjo, falavam em vingança,

guerra, em mutilação de gambé, mas ninguém sabia ao certo o

que tinha pegado com Fabão, só que ele já era, foi dormir

acordou morto com uma bala de quarenta e cinco bem no meio

das idéias.

A coisa quase pegou fogo quando a rapaziada percebeu os

pinguços todos com copo na mão dentro do velório._Que falta

de respeito é essa. Pensaram os caras do morro, mas logo

levaram uma invertida cinematográfica, é que os pinguços são

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mais loucos que o chupa cabra e vendo o Fabão e seus soldados,

todos pensaram a mesma coisa, num raciocínio que pula o mata-

burro da própria sinapse, chegaram à seguinte conclusão: o Lelo

morreu... , o culpado foi o Chitãozinho (ou Xororó)... , ele é

culpado porque dava trabalho demais ao pai... , dava trabalho

demais porque era um drogado... , era um drogado porque o

Fabão lhe fornecia droga... ,logo... ,o Fabão é o verdadeiro

culpado... , o Fabão matou o Lelo.

Desta maneira os pinguços como se fossem, Wyatt Earp,

Doc Holiday, Texas Jack, Terkey Johnson, Sherman Mcmasters,

e os outros Earps, Morgam e Virgil, em Tombstone contra o

bando dos caubóis, cuspiram no caixão do anjo 45 e a coisa só

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não explodiu de vez porque eu, nem tanto o céu nem tanto a

terra, com o discurso do deixa disso (pelo menos por hora)

acabei lembrando, os pinguços e a rapaziada, que estávamos do

mesmo lado, éramos Lavapés na disputa do carnaval, a apuração

estava começando. _ vamos torcer juntos contra a Vila, a Nove

o caralho a quatro.

Depois de uns goles e umas 5 gramas para relaxar, a coisa

foi ficando mais amena, o velório ficou com jeito de casamento,

os pinguços e a rapaziada estavam mais para noivos e os

defuntos e seus trajes de gala (pelo menos assim imagino

porque o caixão do Fabão estava lacrado) levavam um jeito

alfaiate para padrinhos.

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9 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

Na apuração, o Lavapés e a Vila estavam lado a lado, nota

a nota de cada jurado, tudo empatado: comissão de frente,

alegoria, samba enredo, mestre-sala e porta-bandeira quase tudo

dez, quando um cambaleava daqui, o outro escorregava também

de lá.

Não sei quem teve a excelente idéia, mas o padre parece

ter aceitado numa boa, já estava mesmo parecendo casório e

resolveram despachar as duas almas com uma ladainha só, o

único problema é que o carnaval ainda não tinha sido decidido e

faltava justamente o quesito bateria, ai é foda, ainda mais com

os pinguços e a rapaziada do lado, coladinhos com os ouvidos

na cobertura da rádio, loucos pra riscar a faca, eu vi a merda

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pronta.

Tudo porque, caso o Lavapés perdesse, justamente na

bateria, os pinguços culpariam a rapaziada que de tão mordidos

teriam quem sabe errado o ritmo e a rapaziada não deixando pra

lá, responsabilizaria os pinguços por serem tão bêbados que

tocaram outro samba, talvez o de 86, “Harley, um cometa na

avenida”, (falo isso porque bêbado que é bêbado do Lavapés

conhece essa estória na ponta da língua, de trás pra frente,

salteado e com a prova dos nove no final).

_ Em nome do pai, do filho, do espírito santo... .Estamos

aqui hoje para rezar pela alma de Fábio Firmino Queiroz e pela

alma de Leandro Lona.

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_ O Senhor é meu pastor, nada me faltará. (_Unidos do

Lavápés...Dez).

_ Do Senhor é a terra e tudo que ela contém.(_

Acadêmicos da Vila Aparecida... Dez).

_ Ainda que eu atravesse o vale escuro da morte, nada

temerei, pois estais comigo. Todos._ O senhor é meu pastor,

nada me faltará._ Vosso bordão e vosso báculo são o meu

amparo.(_ Unidos do Lavapés... Dez)._ O Senhor é meu pastor

nada me faltará.(_Acadêmicos da Vila Aparecida... Dez).

_ Preparai para mim a mesa a vista de meus inimigos._ O

Senhor é meu pastor nada me faltará.(_ Último jurado..._ O

Senhor é meu pastor nada me faltará)._ O Senhor é meu pastor

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12 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

nada me faltará._ O Senhor é meu pastor nada me faltará.(_

Unidos do Lavapés... Dez)._ A vossa bondade e misericórdia

hão de seguir-me por todos os dias de minha vida.(_

Acadêmicos da Vila Aparecida... Nove).

_É-C-A-M-P-E-Ã-O-F-I-L-H-A-D-A-P-U-T-A-V-Á-T-O-

M-A-N-O-C-U-M-O-R-F-É-T-I-C-O-É-C-A-M-P-E-Ã-O.

_ Levanta Lelo nós ganhamos, o Lavapés é campeão. ...

É-C-A-M-P-E-Ã-O-F-I-L-H-A-D-A-P-U-T-A-V-Á-T-O-M-A-

N-O-C-U-M-O-R-F-É-T-I-C-O-É-C-A-M-P-E-Ã-O- C-A-M-P-

E-Ã-O- C-A-M-P-E-Ã-O-C-A-M-P-E-Ã-O.

_ Fabão, morre, mas morre campeão... (anjo 45). ... É-C-

A-M-P-E-Ã-O-F-I-L-H-A-D-A-P-U-T-A-V-Á-T-O-M-A-N-O-

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13 ANTENOR LUIZ SANCHEZ

C-U-M-O-R-F-É-T-I-C-O-É-C-A-M-P-E-Ã-O- C-A-M-P-E-Ã-

O- C-A-M-P-E-Ã-O-C-A-M-P-E-Ã-O.

Com a vitória todos se dissiparam rapidamente, os

ataúdes precisavam ser levados as suas respectivas fossas,

sobrou apenas o padre, a esposa de Lelo, a Sandy e eu. Éramos

seis, dois mortos.

Corri até a rua chamá-los de volta, mas o C60,

esfumaçando perdeu-se na primeira esquerda, _porra; além da

rapaziada e dos pinguços, os filhos e netos de Lelo também

evaporaram na nuvem de fumaça diesel.

Parei uma viatura de polícia, e pedi, imaginando que ali

se encontravam bons cristãos, uma mãozinha para levar os

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caixões aos seus pedaços de terra. Os soldados aceitaram de

pronto, não por serem cristãos ou coisa parecida mas sim por

estarem ajudando no encaminhamento do cão Fabão pros quinto

dos infernos.

Fomos todos de uma só vez, eu e o padre ficamos no

meio tendo que ficar com uma mão em cada caixão, isso porque

os soldados ajudavam mas em uma só viajem ou como eles

mesmo disseram: _Vamos encaminhar os dois presuntos num

fretinho só.

Era uma boa caminhada, talvez uns trezentos passos.

Passeávamos pelo jardim de túmulos entre os Buzzatos, os

Lisas, os Benitez, os Magrinis, os Alvarez, os Sanchez ... todos

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me olhavam como um jure popular do apocalipse.

Abaixei minha cabeça, sem dúvida alguma eu era

culpado, que me condenassem ao fogo eterno, a empáfia desses

mortos corria em meu sangue, o que eu tinha feito a eles para

que me olhassem assim?

Chegamos logo, os coveiros já tinham aberto os buracos,

os meganhas receberam um chamado e deixaram os caixões no

chão mesmo, a coisa toda estava uma verdadeira palhaçada.

Enquanto os coveiros começaram a descer os paletós de

madeira, primeiro do Fabão depois do Lelo, a Sandy começou a

se afastar, e eu é claro, como um verdadeiro gentlemen fui

emprestar meu ombro para ela descansar sua cabeça.

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Estávamos atrás do túmulo de uma família nobre, ou

nobre ou rica, digo isto pois tinham um mausoléu todo de

mármore, não sei o nome a família, como já disse estávamos

atrás e os nomes com as fotos e o epitáfio ficam na frente. Ali

ninguém nos via.

Sandy me chupou o pescoço e quando a coisa começou a

ficar dolorida, cravou os dentes com uma enorme força, não

gritei de vergonha, o padre começou a rezar o pai nosso.

_ Pai nosso que estais no céu (Sandy ajoelhada abriu

minha braguilha) santificado seja o vosso nome (com a

braguilha aberta tirou meu pau pra fora) venha nós o vosso

reino (sugando vagarosamente, cabeça e tronco ficaram dentro

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de sua boca) seja feita a vossa vontade assim na terra como no

céu (... ... ... ...) o pão nosso de cada dia nos daí hoje (ela

abaixou minhas calças até o joelho) perdoai as nossas ofensas

(com meu pinto em sua boca, deixou as mãos livres para me

massagear a bunda) assim como nós perdoamos a quem nos tem

ofendido (eu estava quase gozando) e não os deixei cair em

tentação (G O Z E I) mas livrai-nos do mal (ela enfiou o dedo

no meu rabo) amém (eu a nocauteei com um murro na fronte).

A Sandy era uma menina forte, eu mal levantara minhas

calças ela já tinha se recomposto, arrumou o cabelo e me deu

um grande beijo, no final cuspiu em minha boca, eu tinha me

apaixonado, senti meu gosto pelo seu catarro, acho que minha

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porra veio junto.

O Padre me pegou com as calças na mão e saiu

blasfemando alguma coisa, tenho certeza que esta cena

acompanhará os sonhos deste antigo coroinha, levantei as

calças, as pessoas me olhavam e eu envergonhado e com dor no

cu parecia uma verdadeira bicha.

Voltamos ao Bar do Lelo, a Kombi levou eu e o resto da

família, a Sandy ia ao meu lado, chegamos ao boteco que agora,

do centro à periferia, trazia na placa a inscrição: “último gole”.