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BEM DE FAMÍLIA E HOLDING FAMILIAR:
O LIMIAR ENTRE A PROTEÇÃO DO ESTADO E A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR
Eduardo Cordeiro Soares Miranda1
O artigo visa à reflexão sobre a proteção do patrimônio familiar e sua efetivação prática na sociedade brasileira. Os conceitos, como não poderiam deixar de ser, partem de breve estudo histórico sobre a proteção dos bens familiares, passando pela atual relação do Instituto do Bem de Família e da Holding Familiar. O Estado garante através da Lei 8.009/90 o Bem de Família Legal e, através do Código Civil de 2002, o Bem de Família Voluntário. O estudo realiza um paralelo entre a previsão legal e a utilização prática do Bem de Família Voluntário em decorrência das exigências legais para sua criação e das vantagens ínfimas que o mesmo pode trazer ao instituidor. Temos, então, o objeto central do presente estudo, aproximar e tecer comparações entre o bem de família e a Holding Familiar. O artigo tem como referências teóricas, principalmente, MAMEDE, AZEVEDO, RITONDO, VENOZA, DIAS e DINIZ.
PALAVRAS-CHAVES : sociedade, Estado, bem de família (legal e voluntário);
propriedade; proteção; impenhorabilidade; inalienabilidade; organização familiar;
holding familiar.
INTRODUÇÃO
O artigo versa sobre a proteção dos bens da família, uma das bases
fundamentais do Estado brasileiro.
E, para compreender como a propriedade da família no Brasil é tutelada pelo
Estado, há que se estudar a cronologia com que esta proteção se apresenta nos
dias atuais.
Nossa atual Constituição, conhecida por sua qualidade social, é o ponto de
partida para a compreensão da necessidade de se garantir a propriedade da família,
neste caso, verificamos que pelo princípio da ponderação ou da proporcionalidade,
1 Bacharel em Direito, 2011, pelo Instituto Superior do Litoral do Paraná – ISULPAR. Artigo apresentado ao Centro de Estudos Jurídicos do Paraná – Curso Prof. Luiz Carlos, como requisito parcial à obtenção de título de Pós-Graduação latu sensu em Direito Civil e Processo Civil, orientado pela professora Liliane Maria Busato Batista.
que a tutela da segurança familiar possui relevância sobre a tutela da segurança
econômica e civil, é a inovadora função social trazida pelo texto constitucional.
A família, hoje compreendida sobre um prisma de possibilidades, atrai a
atenção do Estado por ser a célula da sociedade brasileira, uma micro sociedade
composta por pessoas com afinidade e propósito de cooperação.
O objetivo do estudo é compreender qual a melhor forma de proteger a
propriedade da família, haja vista, que a legislação possibilita algumas variáveis que
serão abordadas e, portanto, buscar a solução para o problema apresentado, qual
seja, escolher a melhor forma de garantir a perpetuação do patrimônio e da célula
familiar.
A estrutura do artigo baseou-se no estudo de doutrinas específicas sobre o
assunto, legislações, artigos, jurisprudência e doutrinas diversas que tratam de
assuntos como família, sucessão, empresa, testamento, dentre outros.
2 BEM DE FAMÍLIA, BREVE OLHAR HISTÓRICO.
O Estado brasileiro tem especial atenção à proteção da família, um dos
alicerces de nossa sociedade que, por seu turno, é fruto do desenvolvimento
ocidental globalizado.
O principal marco para o atual entendimento da matéria foi o término da
Segunda Grande Guerra Mundial, pois se formaram dois principais modelos político
econômicos mundiais, o Socialismo e o Capitalismo, é evidente que não foram
formas absolutas, há variações de sua utilização para cada Estado e sociedade,
mas enfim, utilizaremos os modelos básicos para formar o pensamento antagônico
que se conflitava naquele momento histórico.
Por um lado, tínhamos uma sociedade basicamente europeia soviética que
desenvolvia um Governo baseado no ideal socialista em que o Estado concentrava
as ações no Governo e, depois, dividia as obrigações e direitos para a sociedade.
De outro, havia o modelo norte americano baseado no ideal capitalista, em
que o Estado deveria interferir o mínimo possível, deixando aos particulares a
organização social.
Ocorre que, por diversos fatores históricos, o modelo socialista perdeu força,
vindo a entrar em colapso no final dos anos 1980.
Mas em que pese o modelo norte americano, até mesmo pela menor
necessidade de gastos com o Governo, ter se estabelecido como a principal
referência mundial de forma político econômico governamental, não se pode olvidar
que as influências da origem do socialismo refletiram diretamente no nosso modelo
atual de sociedade.
Após a Guerra a Sociedade Ocidental viu-se diante de realidades que, se
antes já haviam ocorrido, nunca antes afetaram tamanha área territorial e grupos
sociais distintos. O sentimento no pós Guerra era de impotência diante dos
resultados para ambos os lados.
Assim, mesmo os grupos sociais capitalistas perceberam que seu modelo
não poderia evitar a sensação de insegurança que o controle mínimo estatal
privilegia, pois a “ausência” de governo não mais respondia às necessidades dos
indivíduos e, pelo lado socialista, temia-se novamente o aumento do poder
governamental e de seus representantes.
A pacificação destes modelos resultou no Estado do bem estar social e da
estabilização do modelo democrático de governo. Neste desenvolvimento, vamos
utilizar a expressão mesmo sabedores que a história é cíclica e não possui evolução
constante, passamos por diversas gerações de direitos.
A Constituição Federal de 1988 nasceu, portanto, sob as influências destas
mudanças conceituais que a sociedade ocidental sofreu nos últimos anos.
Por certo, a Constituição foi promulgada com uma essência social,
democrática e igual, um modelo de legislação. O Preâmbulo da Promulgação a
define de forma elementar:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.2
2 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil , 1988.
Diante da necessidade de proteção dos indivíduos e da sociedade, o
legislador ampliou garantias e direitos vinculados à família, base da sociedade
brasileira.
O Estado brasileiro, para proteger a família, garantiu na Constituição o
direito à propriedade e, mais especificamente, à moradia. A casa tornou-se asilo
inviolável, conforme o art. 50, caput da Constituição Federal de 1988 e inciso XI do
mesmo artigo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; ... XXII - é garantido o direito de propriedade;3
No artigo 6º da CF, encontramos, como um direito social, a moradia,
conforme segue:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.4
Em que pese a previsão Constitucional em defesa da moradia, sua aplicação
prática depende de leis infraconstitucionais para sua aplicação e, neste caso,
estudaremos algumas legislações específicas, dentre elas, o Código Civil de 2002 e
a Lei 9.009/90, respectivamente a previsão legal do bem de família voluntário e a
previsão do bem de família involuntário ou legal.
Outra variação da proteção da moradia e ou do patrimônio familiar é a
instituição da Holding Familiar que também substancia o estudo do presente artigo.
A história relata a importância da família conforme ensina Álvaro Villaça
Azevedo, na obra Bem de Família Com Comentários à Lei 8.009/90:
Toda vez que se desgastou a instituição da família , mostra-nos a História, desmoronaram-se impérios, perderam sua base, seu sustentáculo.
3 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil , 1988. 4 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil , 1988.
O bem de família representa um meio de assegurar essa mais cara instituição, quanto ao mínimo necessário, quanto ao mínimo suficiente à sua existência, equilibrando os interesses particulares com os coletivos.5
Vale ressaltar que a Constituição protege o direito ao bem, mas o acesso ao
mesmo continua limitado a uma pequena parcela da população, que conforme
veremos, está automaticamente protegida pelo bem de família legal.
3 CONCEITO DO BEM DE FAMÍLIA
Muito se debate a doutrina para definir o momento histórico do nascimento
do conceito de família, inúmeros são os doutrinadores que influenciaram e
continuam influenciando na sua determinação, dentre eles, os sociólogos, os
filósofos, os antropólogos, os biólogos, os operadores do direito e muitos outros, ou
seja, o conceito deve abraçar a multidisciplinariedade da sociedade.
O autor, Álvaro Azevedo Villaça, na obra intitulada Bem de Família com
Comentários à Lei 8.009/90, orienta-se pela evolução social do varão, suas esposas
e filhos:
Embora, como vimos, a questão ora estudada seja palco de grandes discussões entre sociólogos, juristas e de quantos tratam da matéria, parece-me clara a idéia de que o homem mais forte, na sociedade primitiva, apossando-se de suas mulheres e prole, formou o primeiro grupo familiar patriarcal poligâmico, tendo poderes ilimitados sobre os membros da família. Após essa posição inicial, com o crescente reconhecimento do direitos da mulher, predominou a organização familiar sob a forma monogâmica. E, depois, de agnática e patrilinear a cognática.6
Assim, a família passou por inúmeras mudanças até nossa atual concepção.
Hoje, verificamos diversas formas de sua constituição que, ao se tempo, foram
sendo protegidos pelo Estado.
Atualmente, há um pluralismo das entidades familiares conforme ensina
Paulo Luiz Netto Lôbo, citado por Domingo Pietrangelo Ritondo na obra Bem de
Família:
5 Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6 a ed. - São Paulo: Atlas, 2010, p. 2. 6 Ibidem, p. 4.
Embora o art. 226 da Constituição seja interpretado predominantemente no sentido de tutelar apenas os três tipos de entidades familiares, explicitamente previstos, muitos civilistas têm um entendimento diverso, dentre os quais destaca-se o professor Paulo Luiz Netto Lôbo, que apresenta vários tipos de composição familiar possíveis, tais quais:
• casal unido pelo laço do matrimônio, com ou sem filhos; • casal em união estável, com filhos; • comunidade monoparental; • união de parentes e pessoas que coabitam, sem pai ou mãe; • várias pessoas em convívio permanente, sem laços legais e sem
finalidade sexual ou econômica, mas com forte compromisso mútuo; • comunidade afetiva formada com filhos de criação, sem laços de
filiação natural ou adotiva regular. • uniões concubinárias, com ou sem filhos.7
Listar as espécies de famílias é tarefa árdua, principalmente diante das
rápidas mudanças sociais que impõe os atuais meios de comunicação. A sociedade
digital está em constante alteração aumentando o trabalho dos doutrinadores, dos
legisladores e dos operadores do direito.
A primeira legislação com o intuito de proteger a propriedade familiar teve
origem nos Estado Unidos da América, mais precisamente na República do Texas
antes de sua incorporação pelo primeiro, com a finalidade de proteger a pequena
propriedade familiar agrícola.
O chamado Homestead (home = lar e estead = local) também tinha como
objetivo atrair a população (emigração) para as terras daquela localidade, ou seja,
como uma forma de incentivo aos produtores e um atrativo para mantê-los na
região.
Para Álvaro Villaça Azevedo, o bem de família seria (conceito leigo), “O bem
de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a
mesma instala seu domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os
cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.8
Ainda, o mesmo autor define, agora com um conceito jurídico, o bem de
família como:
Podemos dizer, agora, que, no Direito brasileiro, o bem de família é um patrimônio especial, que se institui por um negócio jurídico de natureza especial, pelo qual o proprietário de determinado imóvel, nos termos da lei, cria um benefício de natureza econômica, com o escopo de garantir a sobrevivência da família, em seu mínimo existencial, como célula indispensável à realização da justiça social.
7 LÔBO, 2003 apud RITONDO, 2008, p. 12. 8 Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6a ed. - São Paulo: Atlas, 2010, p. 80.
A primeira finalística de caráter econômico, a segunda de sentido social e político, tudo a mostrar a preocupação do Estado em garantir a residência da família ou a obtenção de rendimentos aptos ao sustento desta.9
Já Ricardo Arcoverde Credie, citado por Ritondo (2008, pg 24), define o bem
de família da seguinte forma:
Hoje, pode-se definir o bem de família como o direito de isenção relativa à apreensão judicial, que se estabelece por força de lei ou por manifestação de vontade, sobre imóvel urbano ou rural, de domínio do integrante da entidade familiar, residência efetiva desta, que alcança ainda os bens móveis quitados que a guarneçam, ou somente esses em prédio que não seja próprio, além das pertenças e alfaias, e eventuais valores mobiliários afetados e suas rendas.10
Em que pese a importância das definições e conceitos do bem de família,
não podemos afastar a concepção social para sua existência. A busca incansável
por segurança e qualidade de vida influenciam diretamente na busca pela proteção à
estes bens e, por consequência, à célula familiar. A sociedade, através da
legislação, procurou dar subsídios para manter a segurança da entidade familiar.
4 BEM DE FAMÍLIA LEGAL – LEI N 0 8.009/1990
O código civil de 1916 possuía previsão legal para o bem de família legal e
voluntário, no entanto, pecava pela restrição conceitual de família, do varão, do
casamento (família), decretos determinavam valores fixos que não acompanhavam a
evolução econômica e social, dentre outros motivos. Portanto, era evidente a
inutilização do instituto em decorrência da modificação social e a distância do
momento histórico da legislação em vigor e, deste modo, totalmente dispare quanto
aos novos conceitos trazidos pela Constituição Federal de 88.
O bem de família legal, instituído antes do bem de família voluntário
(conforme nossa legislação atual), foi tema de legislação específica promulgada no
ano de 1990, dois anos após a Constituição Federal e ainda sob a adaptação da
sociedade brasileira, recebendo grandes críticas conforme aponta Ritondo:
9 Ibidem, p. 93. 10 CREDIE, 2004 apud RITONDO, 2008, p. 24.
Em meio à grave crise econômica por que passava o País no fim do mandado do presidente José Sarney, foi editada a Medida Provisória n0 143, de 8 de março de 1990, com a estipulação da impenhorabilidade ex lege do imóvel residencial e outros bens da entidade familiar, como móveis quitados que guarnecem o prédio. ... Com efeito, apesar das críticas e de seus problemas técnicos, a Lei n0 8.009/90 representou um grande avanço para o instituto do bem de família e foi considerada constitucional de forma majoritária pela doutrina e pela jurisprudência, merecendo, assim, uma análise de seus artigos, que será realizada a seguir.11
Azevedo, em seu Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90, define o
bem de família legal como:
O bem de família, como estruturado na Lei brasileira, no 8.009/90, é o imóvel residencial, urbano ou rural, próprio do casal ou da entidade familiar, e/ ou móveis da residência, impenhoráveis por determinação legal não por iniciativa do proprietário ou do possuidor. ... A criação desse bem de família independe de qualquer formalidade: basta residir em imóvel próprio, para que este seja bem de família, como os bens móveis que guarnecem, ou residir em imóvel alheio, para que os mesmos bens móveis também sejam de família.12
Maria Helena Diniz, no seu curso de Direito Civil Brasileiro conceitua o bem
de família voluntário na mesma linha, conforme segue:
A Lei n0 8.009/90, instituiu o bem de família legal ou involuntário, estabelece, com intuito de preservar o patrimônio familiar, a impenhorabilidade não só do único imóvel rural ou urbano da família, destinado para moradia permanente, excluindo as casas de campo ou de praia, abrangendo a construção, plantação e benfeitorias, mas também o box-garagem não matriculado no Registro de imóveis.13
Assim, a Lei n0 8.009/90 instituiu o bem de família legal com ênfase à
impenhorabilidade automática do bem de família, para tanto, teve de determinar
alguns parâmetros, o art. 10 deste diploma disciplina o seguinte:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
11 RITONDO, Domingo Pietrangelo. Bem de Família - 1a ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 64, 66. 12 Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6a ed. - São Paulo: Atlas, 2010, p. 189. 13 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , vol.5: Direito de Família. 25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 220.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.14
Deste se extrai que, independentemente do casal, a entidade familiar estará
com seu imóvel protegido pelo instituto, daí sua grande extensão nos dias atuais. E,
ainda, garante a proteção dos bens que guarnecem a residência.
Nos arts 20 e 30 da Lei n0 8.009/90 temos algumas limitações para que o
instituto não prejudique em demasia os credores, bem como limitações à sua
utilização para evitar a fraude intencional contra os mesmos, conforme segue, in
verbis:
Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III -- pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991).15
Em resumo, as limitações legais estão diretamente relacionadas às dívidas
propter rem, ou seja, que decorrem da própria coisa.
Outra definição de suma importância é determinada pelo art. 50 do diploma
em comento, nele define-se o que vem a ser a residência familiar e, em caso de
vários imóveis, qual receberá proteção legal, conforme segue, in verbis:
Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
14 BRASIL, Impenhorabilidade do Bem de Família - LEI Nº 8.009, de 29 de Março de 1990. 15 BRASIL, Impenhorabilidade do Bem de Família - LEI Nº 8.009, de 29 de Março de 1990.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.
Assim, caso a família possua vários imóveis, será impenhorável o imóvel de
menor valor, protegendo-se, deste modo, a entidade familiar.
Na prática, pode-se observar que o bem de família legal abrange a grande
maioria das famílias brasileiras (possuidoras de imóvel), pois as mesmas não
necessitam gastar para valer-se da proteção ao bem em que residem. Silvio de
Salvo Venosa, no seu comentário ao Código Civil, tece a seguinte correlação:
A inspiração desse diploma é, sem dúvida, o bem de família tradicional, perante a lei de ordem pública, deixa de ter maior utilidade prática o bem de família voluntário, por nós já referido como de pouco alcance prático. Estando agora, por força da lei, isento de penhora o imóvel residencial que serve de moradia, não há necessidade de o titular do imóvel se valer do custoso procedimento para estabelecer o bem de família. Como percebemos, a Lei n0 8.009/90 amplia o alcance da impenhorabilidade desses imóveis, não impondo as restrições do art. 70 do Código Civil de 1916.16
Começamos, portanto, o questionamento sobre a utilidade do bem de família
voluntário que passaremos a estudar.
5 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO – CÓDIGO CIVIL DE 2002
Coube ao Código Civil de 2002 delimitar as regras para a instituição
voluntária do bem de família, para tanto, a Lei tratou do assunto nos artigos 1711 a
1722, passando-o da Parte Geral para a Parte Especial, do Direito de Família.
Hoje, com a extensão do conceito de entidade familiar, alinhamento coerente
com a Constituição Federal de 1988, quaisquer integrantes da entidade familiar
podem instituir o bem de família voluntário. Há, por certo, aqueles que criticam a
extensão do conceito constitucional de família no momento da aplicação do instituto,
porém, a discussão sobre o assunto, em que pese ser interessante, não se adapta
ao propósito deste artigo.
Azevedo conceituou o bem de família voluntário como:
16 VENOSA, Silvio de Salvo, Código Civil Interpretado – 2a ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 1753
Assim, pelos conceitos expedidos e em face da lei, inclusive da Constituição de 1988, destacam-se os elementos que, integrados, oferecem a noção do instituto estudado: os cônjuges ou a entidade familiar, por si ou individualmente, que o constituem ou um terceiro (art. 1711); o prédio de propriedade do instituidor, e sua destinação ao domicílio familial, ficando isento de execução por dívidas posteriores à instituição, com exceção dos tributos que recaírem sobre o mesmo prédio ou despesas condominiais (art. 1715 do Código Civil); a imutabilidade da destinação acima dita e a inalienabilidade do referido prédio, sem o consentimento dos interessados (art. 1717 do Código Civil), e a publicidade do Registro de Imóveis (art. 1714 do Código Civil). ... O bem de família é, assim, no Código Civil, um imóvel urbano ou rural, que serve à proteção da família, como domicílio seu, inalienável e impenhorável, sob certas circunstâncias. 17
O art. 1711 do Código Civil de 2002 disciplina o seguinte, in verbis:
Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.18
Extraem-se três regras fundamentais para a instituição do bem de família
voluntário, primeiro, deve haver registro público (investimento), segundo, há
limitação de 1/3 do patrimônio líquido ao tempo da instituição e, por último, que
terceiros podem instituí-lo desde que respeitados as determinações legais. Artigo
1713 do CC, in verbis:
Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. § 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. § 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. § 3o O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.19
17 AZEVEDO, Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6 a ed. - São Paulo: Atlas, 2010, p. 81. 18 BRASIL, Código Civil - LEI no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. 19 BRASIL, Código Civil - LEI no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
A limitação do patrimônio e a necessidade de registro público são
fundamentais para explicar a pouca utilização prática do instituto do bem de família
voluntário, conforme ensina Zeno Veloso, citado por Ritondo:
Tal limitação, resultará na utilização dos institutos apenas por parte dos mais abastados, proprietários de vários prédios. Quem, por exemplo, possuir apenas um imóvel, ou dois de valores equivalentes, não poderá se valer do instituto, a não ser que possua também certa quantidade de bens móveis; quem for proprietário de apenas três imóveis, sem outros bens no seu patrimônio, não poderá instituir o de maior valor, pois o seu preço ultrapassaria a terça parte da soma dos valores de todos.20
A utilização do instituto abre algumas considerações importantes, por
exemplo, quem possui um único imóvel, porém de grande valor, estará em melhor
condição contra seus credores do que aquele que possuir três imóveis que
contemplem o mesmo valor patrimonial. Ainda, caso o segundo pretenda proteger o
bem de maior valor não poderá fazê-lo e deverá gastar para instituir e proteger outro
imóvel que não o de maior valor.
Para se constituir o bem de família voluntário, há que se respeitar a lei de
registros públicos Lei n0 6.015/73, mais especificamente, os artigos 260 a 265 deste
diploma, assim, in verbis:
Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida.
Art. 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na da Capital do Estado ou do Território.
Art. 262. Se não ocorrer razão para dúvida, o oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual constará: I - o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio; II - o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30) dias, contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o oficial.
Deste modo, verificamos que deve haver o devido registro e a publicação da
instituição do bem de família para que qualquer um, em 30 (trinta) dias, possa
reclamar e indicar a ilegalidade do mesmo.
20 VELOSO, 2003 apud RITONDO, 2008, p. 49.
Ritondo aponta outra particularidade quanto ao instituto do bem de família
voluntário:
Em contrapartida, permanecem em vigor as disposições referentes ao bem de família legal, que protegem o pequeno, o médio e o grande proprietário indistintamente. Cumpre observar, ainda, que a Lei n0 8.009/90 e o Código Civil de 2002 coexistem no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do art. 50, parágrafo único, da Lei n0 8.009/90. Havendo a constituição voluntária do bem de família, na forma do Código Civil de 2002, deixará de incidir a Lei n0 8.009/90, que voltará a ter efeito em caso de desconstituição do bem de família voluntário.21
Ainda, havendo o falecimento de ambos os cônjuges e com a maioridade
dos filhos, extingue-se o bem de família voluntário, conforme ensina Diniz:
Contudo, a inalienabilidade do bem de família é relativa, somente subsiste enquanto viverem os cônjuges ou companheiros (alteração proposta pela PL n. 276/2007 e aprovada pelo Parecer Vicente Arruda) e até que seus filhos atinjam a maioridade, desde que não sujeitos à curatela (CC, art.1722).22
Artigos 1721 e 1722 do Código Civil, in verbis:
Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.
Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.23
Como vimos, as exigências legais avultam as limitações ao uso do Instituto.
Não nos cabe defender a necessidade ou aprofundar o estudo sobre a flexibilização
legal para a sua instituição, é apenas a constatação de um fato. Por um lado, temos
que a flexibilização pode aumentar a fraude contra credores e, de outro, que o fim
buscado pelo instituto do bem de família voluntário, qual seja, a proteção da unidade
familiar através de sua propriedade, resulta inócua diante da previsão do bem de
família legal (Lei n0 8.009/90).
Venosa também aponta crítica quanto à pouca utilização prática do bem de
família voluntário:
21 RITONDO, Domingo Pietrangelo. Bem de Família - 1a ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 64, 66. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , vol.5: Direito de Família. 25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 227. 23 BRASIL, Código Civil - LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.
A inspiração desse diploma é, sem dúvida, o bem de família tradicional, de nosso Código Civil. Entretanto, perante essa lei de ordem pública, deixa de ter maior utilidade prática o bem de família voluntário, por nós já referido com de pouco alcance prático. Estando agora, por força de lei, isento de penhora o imóvel residencial que serve de moradia, não há necessidade de o titular do imóvel se valer do custoso procedimento para estabelecer o bem de família.24
Outra questão que pode resultar em entrave para o bem de família voluntário
é sua inalienabilidade quando da vontade do instituidor, pois pode dificultar a rápida
liquidação do bem e captação de crédito bancário por ausência de bens a garantir.
Sem o necessário estudo sobre os fins a se alcançar com a instituição do
bem de família voluntário, pode o instituidor agravar o bem com a cláusula de
inalienabilidade sem atentar para os efeitos futuros que a medida proporciona.
Segundo Azevedo, a inalienabilidade pode oferecer risco ao instituidor,
conforme ensina:
No Código Civil, o bem de família, além de provocar a impenhorabilidade do imóvel instituído, acarreta sua inalienabilidade, o que o coloca fora de livre disposição de seu proprietário, risco que este tem procurado evitar (art. 1717 do atual Código Civil e art. 72 do Código Civil de 1916).25
Além da inalienabilidade, anotamos também a necessidade do
consentimento dos interessados conforme artigo 1717 do Código Civil como um
entrave à rápida elevação de um imóvel à qualidade de bem de família voluntário
com clausula de inalienabilidade.
6 HOLDING FAMILIAR
A Holding Familiar tornou-se uma opção interessante ao bem de família
voluntário, pois possibilita a proteção dos imóveis da família sem enquadrar-se nas
limitações legais impostas pelos artigos 1711 a 1722 do Código Civil de 2002.
Gladson Mamede, em parceria com Eduarda Cotta Mamede, definem o
termo Holding da seguinte forma:
24 VENOSA, Silvio de Salvo, Código Civil Interpretado – 2a ed. – São Paulo: Atlas, 2011, p. 1753. 25 Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6a ed. - São Paulo: Atlas, 2010, p. 191.
To Hold, em inglês, traduz-se por segurar, deter, sustentar, entre ideias afins. Holding traduz-se não apenas como ato de segurar, deter etc., mas como domínio. A expressão holding company, ou simplesmente holding, serve para designar pessoas jurídicas (sociedades) que atuam como titulares de bens e direitos, o que pode incluir bens imóveis, bens móveis, participações societárias, propriedade industrial (patente, marca, etc.), investimentos financeiros etc.26
Deste modo, verificamos que o fim da Holding aproxima-se sobremaneira do
bem de família, ambos mantém o domínio da coisa, o protege.
A principal característica do bem de família é tutelar o bem jurídico, qual
seja, a propriedade da família através da impenhorabilidade de seus bens, sendo
ainda, no caso do bem de família voluntário, ser protegido também contra a
inalienabilidade a depender da vontade do instituidor. Ocorre que, através de
motivos sui generis, a Holding familiar alcança os mesmos objetivos do bem de
família, porém exige maior conhecimento e organização.
A Holding pode ser uma sociedade empresária ou uma sociedade simples,
conforme ensinam Mamede e Mamede:
O artigo 982 do Código Civil estabelece que as sociedades podem ser: (1) empresária ou (2) simples, as empresárias são aquelas que têm por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, conforme a previsão anotada nos artigos 966 e 967 do Código Civil; as demais são consideradas sociedades simples. ... De qualquer sorte, será proveitoso deixar realçado, já neste ponto, que não há qualquer limitação ou determinação sobre a natureza jurídica de uma holding. Consequentemente, tais sociedades em tese podem revelar natureza simples ou empresária e, dependendo do tipo societário que venham a adotar, poderão ser registradas quer na Junta Comercial, quer no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. Portanto, também a natureza jurídica que se dará à holding constitui uma alternativa estratégica à disposição do especialista que, considerando as particularidades de cada caso, elegerá a melhor escolha.27
A Holding está prevista na Lei nº 6.404/1976, Lei das Sociedades por Ações,
mais precisamente no art. 2º, § 3º, in verbis:
Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. § 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio. § 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.
26 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta, Holding Familiar e suas Vantagens: Planejamento Jurídico e Econômico do Patrimônio e d a Sucessão Familiar - 4a ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 6. 27 Ibidem, p. 11, 12.
§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.28
Porém, nada impede que a sociedade Holding seja instituída como uma
sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ou de outros tipos societários,
pois não há previsão legal que limite a sua instituição.
A Holding, além de possibilitar uma proteção contra os infortúnios da vida,
pode também aumentar consideravelmente o controle da família sobre os seus bens
(quaisquer deles), protegendo-os inclusive da própria família.
Deste modo, a depender do grau de aprofundamento na sua constituição, a
Holding pode atender problemas de ordem pessoal ou social, como por exemplo:
casamentos, comunhão de bens, entrada de terceiros na sociedade, separação de
bens, divórcios, autorização dos cônjuges para a venda de imóveis, testamentos,
amparo econômico para os sócios, dentre outras particularidades.
Dentre as principais características da Holding, podemos destacar a
centralização das decisões, a proteção contra terceiros (impenhorabilidade e
inalienabilidade) e a proteção contra conflitos familiares.
Fica a questão, então a Holding Familiar é o instituto perfeito para a família?
Evidente que não, a mesma deve ser muito bem planejada, desde a sua constituição
ao seu objetivo final.
Os custos envolvidos e o grau de organização não podem ser alcançados
pelo senso comum, há que se procurar apoio técnico para que as decisões não
provoquem prejuízos para a família, sejam eles fiscais, ou sociais, pois sem o
planejamento adequado, a liquidação dos bens em casos de urgência podem ficar
impossibilitados.
Assim, o grande entrave na utilização da Holding familiar é a necessidade de
conhecimento aprofundado para sua criação, porém, como vimos, o bem de família
voluntário também exige certo conhecimento e custo para ser realizado, mas sem as
vantagens que a Holding pode garantir.
Ainda, a Holding alcança um nível muito superior de proteção ao patrimônio
da família, pois todos os seus bens poderão ser protegidos integralmente de
penhora e alienação.
28 BRASIL, Sociedade por Ações - LEI Nº 6.404, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1976.
Outra característica marcante é a possibilidade de planejar a sucessão e,
Segundo Mamede, o planejamento sucessório configura um dos pilares para a
instituição da Holding Familiar, senão vejamos:
De outra face, o planejamento sucessório ainda permite aos pais proteger o patrimônio que será transferido aos filhos por meio de cláusulas de proteção (cláusulas restritivas). Assim, para evitar problemas com cônjuges, basta fazer a doação das quotas ou ações com a cláusula de incomunicabilidade e, assim, os títulos estarão excluídos da comunhão (artigo 1688 do Código Civil), embora não se excluam os frutos percebidos durante o casamento (artigo 1669);29
Para tanto, há que se respeitarem as regras de herança e sucessão. Deste
modo, o fundador da Holding deve atentar para a legítima no momento de sua
instituição e poderá dispor de 50% dos seus bens, respeitando os outros 50%,
realizando, conforme art. 1848 do Código Civil de 2002, a doação com clausulas de
inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão, ou seja, deve
definir qual a justa causa para os mesmos. Artigos 544 e 1848 do Código Civil de
2002, in verbis:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou um de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. ...
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.30
Importante firmar entendimento que estas cláusulas somente oporão efeito
quando respeitado o artigo 979 do Código Civil, ou seja, com o devido registro
público, in verbis:
Art. 979. Além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade.31
29 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta, Holding Familiar e suas Vantagens: Planejamento Jurídico e Econômico do Patrimônio e d a Sucessão Familiar - 4a ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 86. 30 BRASIL, Código Civil - LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. 31 BRASIL, Código Civil - LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.
Uma particularidade interessante e mal utilizada por algumas pessoas é a
possibilidade de diminuir os encargos ficais da sociedade familiar. É importante
frisar, conforme ensina Mamede, que o fim da Holding não deve ser fiscal, mas sim
social, segue trecho sobre o assunto:
O resultado fiscal pode ser vantajoso ou não para a estrutura societária. Portanto, não é correto ver a constituição de uma holding familiar como a solução para todos os problemas e, principalmente, uma garantia de recolhimento a menor de tributos. Não é assim. É indispensável a avaliação por um especialista que, para cada situação, faça uma avaliação dos cenários fiscais para definir, em cada caso, qual é a situação mais vantajosa, sendo possível que, no fim das contas, a constituição da holding se mostre desaconselhável por ser mais trabalhosa e onerosa. Isso pode ocorrer, inclusive, da incidência de tributos a que a pessoa natural não está submetida, como a Cofins e o PIS.32
Há, portanto, que se aprofundar o estudo dos objetivos da família fins de
encontrar a melhor estrutura para a sua constituição, conforme ensina Mamede:
Constitui uma decisão importante a eleição da natureza jurídica que se atribuirá à sociedade, bem como o respectivo tipo societário. Importante por que à ampla gama de alternativas correspondente um leque diverso de possibilidades. O especialista (operador jurídico, contabilista, administrador de empresa) deverá focar-se nas características da (s) atividade (s) negocial (is) titularizada (s) e, até, nas características da própria família para, assim, identificar qual é o tipo societário que melhor se amoldará ao caso dado em concreto. 33
São inúmeras as possibilidades e, mesmo didaticamente interessantes, não
cabe ao presente artigo explorar suas particularidades, nesta linha, e na mesma
obra em comento, Mamede apresenta dois quadros ilustrativos da instituição da
Holding:34
32 MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta, Holding Familiar e suas Vantagens: Planejamento Jurídico e Econômico do Patrimônio e d a Sucessão Familiar - 4a ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 87. 33 Ibidem, p. 93 34 Ibidem, p. 15, 93.
Ato
Constitutivo
Estatuto Social
Fundações (coletividade de bens) Associações
Sociedades
Sociedade por
ações
Sociedades anônimas
Sociedades em comandita por
ações
Sociedades cooperativas
Contrato Social Só sociedades
Sociedade simples comum
Sociedade em nome coletivo
Sociedade em comandita simples
Sociedade limitada
Sociedade
simples
� Registro em Cartório de Registro Público de Pessoas Jurídicas, a quem seus
atos registrais estarão submetidos.
� Não está submetida à Lei 11.101/05: não pode pedir recuperação judicial ou
extrajudicial; submete-se ao processo de insolvência civil (Código Civil e Código
de Processo Civil).
Sociedade
empresária
� Registro nas Juntas Comerciais; seus atos registrais estão submetidos à Junta
Comercial e ao Departamento Nacional de Registro do Comércio.
� Submissão à Lei 11.101/05: pode pedir recuperação judicial ou extrajudicial;
sua insolvência processa-se sob a forma de falência.
A sociedade familiar tem como principal característica unir o patrimônio
desta com o objetivo econômico e de proteção contra os infortúnios da vida. Mas, há
que se anotar que após a sua instituição os patrimônios passam a ser da Holding e
não mais dos seus sócios, os titulares passam a ser possuidores de cotas ou ações
da Holding e a personalidade jurídica desta não se confunde com a personalidade
civil de seus membros.
O registro de uma Holding transmuta a natureza jurídica das relações de
seus quotistas ou acionistas, pois deixam de ser tratados pelo Direito de Família ou
pelo Direito de Propriedade e passam para a tutela do Direito Empresarial e
Societário. Os membros devem ter a ciência que não mais disponibilizarão de seus
bens ao seu prazer ou necessidade e que agora devem tomar decisões conforme o
melhor para a sociedade (Holding).
Na prática, verificamos que a Holding aplica-se a famílias com grande
patrimônio e que exigem uma carga de planejamento em suas estruturas, alguns
doutrinadores apontam como a principal vantagem da Holding familiar ser
justamente a sua transformação em empresa e a possibilidade de retirar o
subjetivismo das relações parentais.
CONCLUSÃO
O estudo dos institutos que protegem a propriedade da família brasileira é
tarefa árdua em decorrência da multidisciplinaridade com que a matéria se
apresenta. Na prática, ocorre o conflito hierárquico de legislações, de bens tutelados
e da vontade de seus titulares.
Por um lado, temos os credores e as dívidas adquiridas pela entidade
familiar, de outro, a tutela da família e a sua função social.
A família que possui um único imóvel está automaticamente protegida contra
credores, exceto as dívidas que advém da própria coisa (propter rem) em
conformidade com a Lei 8.009/90.
Não bastasse a proteção automática da propriedade familiar, o legislador
instituiu o bem de família voluntário no Código Civil de 2002, ampliando a
possibilidade de proteção do patrimônio. No entanto, na prática se verifica pouco uso
do instituto em decorrência das limitações que a própria Lei impõe, lembrando que é
muito tênue a proteção da propriedade familiar e a insegurança jurídica da
inobservância dos direitos dos credores.
Outra solução que se apresenta viável, aliás, quando se fala em um
patrimônio considerável, diríamos recomendável, trata-se da Holding Familiar que,
resumidamente, trata-se da transformação da entidade familiar em uma entidade
empresarial.
Assim, a empresa administra os bens protegendo-os das ações dos próprios
familiares, bem como contra terceiros estranhos à sociedade. Neste caso, não se
penhora a coisa, mas as quotas ou ações de seus membros.
Há bem delimitado que a escolha por um ou outro instituto deve se
relacionar, primeiramente, com a capacidade financeira da família, haja vista, que a
família com uma única propriedade não tem necessidade de gastar para instituir o
bem de família voluntário ou uma Holding Familiar, pois com o bem de família legal
sua propriedade tem impenhorabilidade garantida automaticamente. E, de outra
forma, a família com uma quantidade maior de imóveis estará mais bem servida com
uma Holding do que com o bem de família voluntário pelas razões já comentadas.
Havendo patrimônio suficiente para a Holding, cerca de três ou mais
imóveis, é recomendável a instituição da mesma, porém há que se consultar um
especialista no assunto capaz de apresentar as melhores soluções de acordo com
as especificidades de cada família, de outro modo, o registro da Holding pode
resultar em prejuízos financeiros e sociais para os seus membros caso não seja
realizado um estudo a contento.
A Lei 8.009/90 foi um marco importantíssimo para a garantia da propriedade
familiar, pois retirou a responsabilidade do administrador da família colocando todas
as famílias em iguais condições. A depender da ação do administrador familiar, a
grande maioria das famílias estariam desguarnecidas e sujeitas aos infortúnios da
vida.
Deste modo, o Estado deu um grande passo na defesa da família brasileira,
porém, pouco andou quando instituiu o bem de família voluntário no Código Civil de
2002.
Em que pese o claro avanço na proteção da propriedade familiar, há que se
buscar o constante avanço nas garantias constitucionais. A parcela da população
que hoje se beneficia dos institutos aqui estudados pode ser considerada de
privilegiados, pois o lar continua sendo o grande objetivo das famílias brasileiras.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça, Bem de Família com Comentários à Lei 8.009/90 - 6 a
ed. - São Paulo: Atlas, 2010.
BRASIL. Constituição 1988 : Texto Constitucional de 5 de outubro de 1988 com as
alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 68/2011 e Emendas
Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. Ed. atual. Brasília: Senado Federal
Subsecretaria de Edições Técnicas.
BRASIL. Lei 6.404/1976 Sociedades por Ações - 15/12/1973: Chefe de Governo,
Ernesto Geisel. Fonte: DOU de 17.12.1976 (suplemento).
BRASIL. Lei 8.009/1990 Impenhorabilidade do Bem de Família - 29/03/1990: Chefe
de Governo, Fernando Collor. Fonte: DOFC 30 03 1990 006285 1. Referenda: MJ.
Alteração: LEI 8245 - 18/10/1991: Acresce inc. VII ao art. 3. Correlação: Conversão
da MPV 143, de 08/03/1990 - (ORIGINARIA) - PROMULGADA.
BRASIL. Lei 10.406/2002 Código Civil - 10/01/2002: Chefe de Governo, Fernando
Henrique Cardoso, Fonte: DOU de 11.1.2002.
CERVO, Amado L.; BERVIAN, Pedro A., Metodologia científica . 5ª ed. São Paulo;
Prentice Hall, 2002.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 9ª ed. rev. atualizada e
ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2013.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro , vol.5: Direito de Família.
25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta, Holding Familiar e suas
Vantagens: Planejamento Jurídico e Econômico do Pat rimônio e da Sucessão
Familiar - 4a ed. – São Paulo: Atlas, 2013.
RITONDO, Domingo Pietrangelo. Bem de Família - 1a ed. – Rio de Janeiro: Elsevier,
2008.
VENOSA, Silvio de Salvo, Código Civil Interpretado – 2a ed. – São Paulo: Atlas,
2011.