bioÉtica no sÉculo xxi - universidade do minho · 2018. 9. 10. · entre estes, o direito à...
TRANSCRIPT
1
BIOÉTICA
NO
SÉCULO XXI
ANA FIGUEIREDO SOL
&
STEVEN S. GOUVEIA
287
14. RETRATOS BIOGENÉTICOS NO COMBATE
À CRIMINALIDADE:
DESAFIO ÉTICOS E SOCIAIS
Filipa Queirós 1
Resumo: Ao longo das últimas décadas, as tecnologias de identificação individual por
perfis genéticos têm conhecido ampla expansão no campo da justiça criminal. A
inferência fenotípica (FDP) constitui uma tecnologia relativamente recente que
ambiciona, a partir de materiais biológicos recolhidos em cenas de crime, prever a
ancestralidade geográfica, aparência e características físicas de suspeitos criminais.
Contrariamente a outras tecnologias forenses, a inferência fenotípica não permite
a identificação do indivíduo específico a quem a amostra de DNA pertence, mas antes a
previsão de um conjunto de características biogenéticas associadas a determinados
grupos populacionais. Este processo tem suscitado controvérsias bioéticas relacionadas
com o elevado potencial de estigmatização e criminalização de determinadas minorias
étnicas e grupos populacionais vulneráveis, podendo conduzir a processos que
consolidam categorias de suspeição existentes. Salientam-se, ainda, os dilemas éticos
relacionados com as potenciais ameaças ao direito à autoinformação e autodeterminação
identitária. Por fim, esta tecnologia têm sido alvo de estratégias de comercialização que,
pelo seu poder persuasivo, agudizam preocupações morais e éticas relacionadas com as
consequências imprevisíveis de crenças na infalibilidade de testes genéticos na previsão
de características biogenéticas de suspeitos criminais.
A partir do mapeamento das principais controvérsias associadas à FDP,
procuramos contribuir para o debate em torno de dilemas presentes e futuros associados
a esta tecnologia. Através da apresentação de um caso criminal ocorrido recentemente
na Alemanha, o presente artigo procura refletir acerca das consequências para a
cidadania e sobre os desafios éticos e sociais que se levantam nos cruzamentos da
tecnologia, genética e cidadania.
Palavras-chave: Inferência fenotípica, desafios éticos, desafios sociais, discriminação,
estigmatização
1 Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Instituto de Ciências Sociais da Universidade
do Minho.
288
Introdução
Crescentes preocupações em torno da segurança e controlo do crime, em
particular com a ameaça do terrorismo e do crime organizado, têm dado origem a
grandes investimentos, por partes dos governos, em sofisticadas tecnologias de
vigilância e bio informação que permitam menorizar os riscos das chamadas ‘ameaças
globais’, identificando e controlando determinadas populações e indivíduos ‘suspeitos’,
ao mesmo tempo que procuram prever e quantificar o perigo. Este investimento em
dispositivos tecnológicos tem estimulado a recolha de dados e a construção de sistemas
de informação organizados e sistemáticos, criando uma cultura de controlo do crime
assente num regime intensivo de regulação, inspeção e controlo social (Owen, 2007).
A inferência fenotípica começou a ser desenvolvida no começo dos anos 2000
(Kayser, 2015), como uma técnica forense que procura prever determinadas
características de aparência física de suspeitos criminais a partir de materiais biológicos
deixado em cenas de crime, ou junto de indivíduos. Em termos simples pode dizer-se
que a FDP visa a produção de uma cara a partir de amostras biológicas como a saliva,
sangue ou sémen.
Na medida em que ambiciona prever a ancestralidade geográfica e características
de aparência física de suspeitos criminais, a FDP tem vindo a ser apresentada enquanto
uma ferramenta bastante promissora. Em primeiro lugar, porque permite uma melhoria
dos mecanismos existentes para a identificação de pessoas desaparecidas. Em segundo
lugar, pelas pistas que pode revelar no âmbito de investigações criminais relativamente
à identificação de suspeitos criminais cuja identidade a polícia desconhece, e/ou em
situações em que não existem testemunhas oculares que permitam indicar pistas de
relevo para a condução da investigação criminal (Claes; Hill; Shriver, 2014; Kayser,
2015; Kayser; Schneider, 2009, 2012) e/ou no âmbito de casos arquivados (Maclean;
Lamparello, 2014; Williams; Wienroth, 2014a). Por fim, na medida em que poderá dar
resposta a uma das grandes ambições da genética forense, a possibilidade de obter
informações sobre os suspeitos mesmo quando a sua informação genética não se
encontra inscrita em nenhum dos registos normalmente utilizados para fins de
investigação criminal (Wienroth; Morling; Williams, 2014, p. 98). Pelas potencialidades
289
várias que lhe têm vindo a ser atribuídas, esta tecnologia tem suscitado interesses que
lhe têm conferido aplicações que extravasam o campo da investigação criminal2.
A Tecnologia de Inferência Fenotípica
Embora ainda não tenha sido ‘validada cientificamente’, isto é, considerada
cientificamente robusta para aplicação generalizada no âmbito de processos de
investigação criminal, a inferência fenotípica surge no discurso de vários geneticistas
forenses e investigadores criminais como uma tecnologia cujo futuro se adivinha
bastante promissor. Não obstante, uma revisão de literatura produzida por geneticistas
forenses sobre FDP permite observar que, apesar de apresentada por alguns enquanto
‘testemunha biológica’ (Kayser, 2015), o processo de estandardização e validação
científica desta tecnologia encontra-se envolto em controvérsias técnicas que emergem,
desde logo, de diferentes entendimentos e graus de certeza atribuídos em relação ao tipo
de previsões que a esta pode realizar. Por um lado, é possível afirmar que já foi
alcançado consenso científico no que diz respeito ao grau de certeza atribuído à
inferência de características de pigmentação, tais como a cor dos olhos, cor do cabelo ou
cor da pele (Kayser, 2015; Kayser; Schneider, 2009) e à previsão da ancestralidade
geográfica ou bio ancestralidade (Kayser; De Knijff, 2011). Por outro lado, apesar de
vários estudos realizados até ao momento, existe ainda um conjunto de características
de aparência física para as quais ainda não foi alcançado consenso científico: o
peso/estrutura corporal (Hendriks et al.,2014), a perda de cabelo/calvície (Richards et
al., 2008), a idade (Weidner et al.,2014), a morfologia do cabelo (Medland et al., 2009)
e morfologia da cara/variação nas formas da face (Claes, 2015; Claes; Hill; Shriver,
2014; Kayser, 2015).
Apesar da ambição em torno do futuro desta tecnologia, em particular no que diz
respeito ao potencial para gerar um retrato (biológico), o seu produto final não consegue
incorporar, nem prever, a influência de fatores ambientais que de igual modo exercem
2 No ano de 2015, em Hong Kong, uma campanha de sensibilização para o problema do lixo nas ruas
utilizou a tecnologia de inferência fenotípica para (re)construir as imagens dos rostos daqueles a quem o
lixo abandonado nas ruas pertencera - “The face of Litter” (http://www.ogilvy.com/forceforgood/the-
face-of-litter/).
Em 2012/2013 Heather Dewey-Hagborg, desenvolvou um projeto artístico chamado “Stranger Visions”
(http://deweyhagborg.com/projects/stranger-visions) no qual recriou retratos esculturais de vários sujeitos
a partir da análise de vestígios biológicos encontrados em espaços públicos, usando a tecnologia de
inferência fenotípica.
290
influência na aparência física dos corpos. Por outro lado, tendo em conta o atual nível
de desenvolvimento desta técnica, segundo estudos apresentados (Kayser, 2015), as
margens de erro são ainda elevadas. No que diz respeito às margens de erro e graus de
certeza atribuídos relativamente a cada característica, importa mencionar ainda que os
resultados apresentados, sob a forma de probabilidade, não sofrem os devidos ajustes
face à prevalência dessa mesma característica num contexto populacional mais amplo
(Deutsches Ärzteblatt International, 2017; Lossau, 2017). Desta forma, facilmente se
induzem em erro as possíveis interpretações dos resultados, já que da adequação das
características à prevalência da população, as percentagens apresentadas podem sofrer
consideráveis alterações. A título explicativo:
Num determinado local vivem 1000 pessoas de pele clara e 20 de pele
escura. Após a ocorrência de um homicídio, a análise do DNA dos suspeitos
sugere que estes têm pele escura. A probabilidade atribuída ao grau de
certeza desta informação é de, no máximo, 98%. No entanto, uma vez que os
2% das 1000 pessoas com pele clara ainda constituem um grupo
relativamente grande de "suspeitos" – as pessoas de pele escura-, a
probabilidade de o suspeito ser de pele escura é de 50:503 (Lossau, 2017).
A utilização de marcadores informativos de ancestralidade (AIM) para localizar a
ascendência biogeográfica dos indivíduos constitui uma ferramenta cujo potencial
poderá permitir uma maior precisão dos registos criminais. Uma revisão da literatura
sobre esta ferramenta permite sinalizar potencialidades ao nível da sua utilização em
casos criminais, uma vez que da análise dos vestígios biológicos dos suspeitos deixados
na cena de crime é possível sinalizar a sua ascendência biogeográfica. Não obstante, é
também possível mobilizar esta ferramenta em situações de dúvida relativamente à
origem de determinada pessoa. Neste caso, a tecnologia de bio ancestralidade poderá ser
utilizada pelas autoridades como forma de comparar a informação declarada pelas
pessoa com aquela que a análise genética prediz (Kayser, 2015). Esta é, no entanto, uma
postura que tem como base uma noção muito estreita de privacidade podendo, inclusive,
comprometer o direito à autodeterminação informacional pela priorização da
informação genética sobre a identificação social (Heinemann et al., 2015; Heinemann;
Lemke, 2014).
Para além das dimensões mencionadas, à FDP acrescem ainda controvérsias
3 Tradução livre
291
relacionadas com a até então classificação utilizada para distinguir e diferenciar zonas
do DNA. Ao analisar as chamadas áreas codificantes do DNA, compostas por
informações de carácter individual, a FDP corrompe a distinção entre DNA codificante
e DNA não codificante, ainda presente na regulação da legislação de alguns países da
UE. Não tendo ainda sido desvendado todo o potencial informativo, existem receios
acerca dos usos futuros sobre tais dados, quer por parte do Estado, quer por parte de
entidades privadas (Machado e Silva, 2008; Williams e Johnson, 2004). Por sua vez, os
perfis de DNA presentes nas bases de dados forenses são construídos com base na
análise de DNA não-codificante (junk DNA), isto é, regiões do genoma humano onde se
considera não existir informação sensível acerca dos indivíduos. Esta é, por vezes,
atribuída como sendo uma das razões para a grande aceitação relativamente da
utilização de perfis enquanto instrumento de combate e controlo da criminalidade
(M’Charek, 2008; Machado; Prainsack, 2014; Machado; Silva; Santos, 2008).
Tal como é possível observar, o desenvolvimento de tecnologias de DNA
constituiu-se num campo de conhecimento onde coexiste tanto um fascínio em
desvendar todo o seu potencial, como um medo no que diz respeito aos seus usos
(Williams e Johnson, 2004). Nas palavras de Williams e Johnson “há uma tensão
essencial que compõe este campo discursivo e que deriva entre o fascínio e
encantamento acerca das capacidades do DNA para identificar autores de crimes e um
pavor acerca da sua capacidade de destruição das liberdades civis e direitos humanos4”
(idem, p. 208).
Por outro lado, a ausência, na maioria dos países da União Europeia, de uma
regulação legal clara relativamente à utilização de FDP faz com que, sempre que a sua
utilização seja ponderada, ou simplesmente debatida, emerjam controvérsias em torno
do dilema do bem-comum versus direitos individuais (Heinemann; Lemke; Prainsack,
2012; Toom et al., 2016). No âmbito destas, por vezes é necessário reforçar “que,
embora o objetivo seja encontrar o "assassino", durante uma investigação estamos a
lidar com um suspeito cujos direitos também constituem os alicerces de nossas
sociedades democráticas5” (Toom et al., 2016). Entre estes, o direito à privacidade.
Alude-se, no âmbito deste artigo, a uma conceção ampla do conceito de
privacidade, que confira aos indivíduos e aos grupos auto liberdade para “determinar
quando e em que circunstâncias aceitam que as suas informações sejam comunicada a
4 Tradução livre5 Tradução livre
292
outros6” (Westin, 1967, p. 7). No que diz respeito às características físicas visíveis
externamente (EVC), debate-se o seu carácter privado na medida em que, segundo
alguns geneticistas, estas não podem ser consideradas informações/dados privados.
“Quando se trata de EVC’s as questões privadas, incluindo o direito de não saber, não
se aplicam (...) porque os traços de aparência não são conhecidos apenas pela própria
pessoa, mas por todos aqueles que já a viram” (Kayser, 2015). Por outro lado, há
autores que consideram que os debates em torno da privacidade relativamente a
vestígios deixados por uma pessoa desconhecida num espaço público não fazem sentido
se a pessoa não for identificada (idem). No entanto, a privacidade desta pessoa é
desrespeitada a partir do momento em que a sua informação biológica, à luz da
tecnologia de inferência fenotípica, se transforma em informação pessoal e é decifrada,
permitindo a sua identificação.
Enquanto recurso no âmbito de processos de investigação criminal, a inferência
fenotípica, pelas características mencionadas anteriormente, tem sido apresentada como
uma “testemunha biológica” (Kayser, 2015) pela sua capacidade não só em reduzir a
subjetividade e fontes de incerteza que normalmente se encontram associadas às
descrições de testemunhas oculares acerca dos suspeitos, mas também, porque permite,
à partida, obter informações idênticas. A este respeito, Toom et al. (2016, p. 4) alertam
não só para o facto de que, ao contrário da inferência fenotípica, o recurso a
testemunhas oculares já provou, repetidas vezes, o seu valor tanto no âmbito de
investigações criminais, como no campo judicial e que, ao contrário da primeira, o tipo
de informação que as últimas revelam encontra-se integrado no contexto em que o
crime decorreu permitindo, por isso, um outro tipo de compreensão acerca do mesmo
(2016, p. 4).
Não obstante, a existência de diferentes barreiras que impedem a utilização da
FDP, mesmo quando se considera que a inferência de algumas características já
transmite algum grau de certeza, desencadeia debates bastante interessantes também em
torno da ideia de “dano público”. Apesar da complexidade de que se reveste este debate,
a possibilidade, ainda que não regulada na maioria dos países da União Europeia, de
utilizar esta tecnologia para desvendar casos criminais originou, ainda recentemente na
Alemanha, cujo caso criminal será mais adiante exposto, intensos debates sobre a FDP,
possibilitando ainda um ambiente de discussão da alteração da legislação, com vista à
6 Tradução livre
293
permissão do seu uso (Lipphardt et al., 2016).
A apropriação privada da biologia humana tornou-se num fenómeno que
envolve negócios de patentes e direitos de propriedade intelectual. O seu potencial foi
explorado, capitalizado e transformado em biocapital (Rajan, 2006). Desta forma, o
desenvolvimento da FDP tem vindo a ser realizado não apenas pela genética forense,
mas também por empresas privadas (Williams; Wienroth, 2014b) ligadas às
biotecnologias que, movidas pelo interesse comercial, começaram a desenvolver os seus
próprios produtos. No âmbito destas, a inovação tecnológica tem-se desenvolvido num
contexto de esperança, em torno das potencialidades e usos que as novas descobertas
tecno científicas podem alcançar (Rose & Novas, 2005, p. 5).
A promessa de uma face, resultado de uma análise realizada ao DNA, é uma
declaração muito forte que vem não só alimentar as dinâmicas de esperança existentes
(Brekke; Sirnes, 2011), mas também levantar grandes expectativas em torno dos seus
usos no futuro. Devido às consequências imprevisíveis relacionadas com a crença na
infalibilidade da ciência, o desenvolvimento da FDP no setor privado agudiza ainda
mais as preocupações morais e éticas relacionadas com as consequências imprevisíveis
de crenças na infalibilidade de testes genéticos na previsão de características
biogenéticas de suspeitos criminais.
Diferentes autores têm vindo a apontar para a necessidade de um
acompanhamento destas tecnologias, regulado e realizado com o contributo de
diferentes grupos de profissionais, no entrecruzamento dos seus diferentes saberes
(biólogos e geneticistas forenses, grupos de discussão ética, cientistas sociais, entre
outros) (Lipphardt et al., 2016; M’Charek, 2016; Toom et al., 2016). A articulação das
competências específicas de cada grupo permitirá uma análise mais ampla e informada
dos impactos associados à inferência fenotípica. Os seus resultados, ao criarem novas
conceções de identidade e modelos de identificação, afetam o mundo fora do laboratório
e do contexto de investigação criminal na medida em que contribuem para um aumento
da suspeição de atividades criminais sobre determinados grupos e minorias étnicas
(Toom et al., 2016, p. 5).
Quer sejam levantados derivado a determinados casos criminais mediáticos, quer
pelo surgimento no mercado privado de empresas que comercializam FDP, esta é uma
tecnologia que tem suscitado alguns debates em torno dos seus riscos e benefícios. No
que diz respeito aos primeiros, uma revisão da literatura produzida permite identificar:
a) preocupações relacionadas com potenciais ameaças ao direito da autoinformação e
294
autodeterminação identitária; b) vulnerabilização de alguns direitos humanos
fundamentais, nomeadamente a privacidade, liberdade, moral, integridade física,
dignidade e presunção da inocência dos indivíduos (Prainsack; Aronson, 2015;
Williams; Johnson, 2004b; Williams; Wienroth, 2014c); c) risco de divulgação de
informações de caráter sensível, relacionadas com as características de aparência física
dos sujeitos cujo DNA está a ser analisado, ou sobre a existência de doenças ou traços
comportamentais (Williams e Johnson, 2004).
Em suma, se por um lado uma revisão da literatura produzida por geneticistas
evidencia um maior destaque atribuído às descobertas e potencialidades destas
tecnologias (Kayser, 2015; Kayser; Schneider, 2012), por outro as ciências sociais
tendem a apontar maioritariamente para as controvérsias éticas e sociais que a
tecnologia de inferência fenotípica pode dar origem, designadamente, o seu potencial de
estigmatização e criminalização de minorias étnicas e potenciais ameaças ao direito à
autoinformação e à autodeterminação identitária (Duster, 2008; M’Charek, 2013;
Ossorio, 2006; Toom et al., 2016; Vailly, 2016).
A (co)construção dos corpos criminais
As ferramentas tecnológicas da ciência forense caracterizam-se pelo uso de uma
linguagem digital própria (Jones, 2000), binária, adotada por se entender que facilita a
comunicação entre vários interlocutores e países, ultrapassando barreiras linguísticas
que possam existir em diferentes comunidades de prática (Star, 2010). Desde o
momento em que é recolhido um vestígio numa cena de crime, o DNA passa por vários
procedimentos que o tornam tanto num objeto de vigilância como numa fonte de
identificação (Lyon, 2001). Assim, os perfis de DNA constituem e representam o
resultado de um processo de purificação, objetificação e materialização de determinadas
características dos corpos dos indivíduos (Williams; Johnson, 2004a, p. 12) permitindo
a sua observação e mensuração enquanto código, fonte de informação direta,
estandardizada e objetiva (Aas, 2006, p. 154; Lynch et al., 2008) passível de recolher e
classificar (Van der ploeg, 2005a) informações sobre os indivíduos.
Na medida em que se integram num universo binário de produção de respostas
do tipo ‘verdadeiro’, ‘falso’, ‘positivo’ e ‘negativo’ (Aas, 2006), é importante manter
um olhar atento aos riscos inerentes aos diferentes usos e interpretações de tecnologias
295
forenses como sejam a inferência fenotípica. O trabalho de Vailly (2016) sobre
ancestralidade genética em França relembra-nos da importância de olhar para a forma
como diferentes atores problematizam o uso da tecnologia de inferência fenotípica e
também para a forma como esta é expressa. Assim, apesar de se enquadrar num
universo de linguagem binária, como referido anteriormente, a abordagem destas
tecnologias é complexa, combinando a análise de estudos populacionais com a
estatística e o conhecimento da biologia (2016, p. 12). Desta forma, os resultados que
estas tecnologias permitem obter podem não ser homogéneos. Como observou Vailly
(2016, p. 13) no contexto de uma empresa privada, podem ser omitidas deliberada e
estrategicamente as estatísticas específicas de forma a que o resultado final seja
“apenas” uma probabilidade. Desta forma, a empresa pode acautelar o seu grau de
comprometimento com os resultados apresentados na medida em que apenas aponta
uma possibilidade entre várias. Como mencionado anteriormente, a utilização de uma
probabilidade para apresentação dos resultados na análise da tecnologia de inferência
fenotípica pode induzir a interpretações erradas na medida em que as probabilidades
apresentadas não sofrem alterações face à adequação à prevalência da população.
Pelos motivos enunciados, a utilização destas tecnologias deve acautelar uma
correta interpretação dos resultados obtidos na medida em que: 1) nem todos os atores
possuem o mesmo tipo de conhecimento especializado daqueles que trabalham com o
DNA em laboratórios; 2) as representações que existem acerca do DNA são
heterogéneas, podendo corresponder ao imaginário da ciência forense e do DNA
enquanto ‘máquina da verdade’ (Prainsack; Aronson, 2015, p. 10); 3) as probabilidades
que estes métodos expressam sob a forma de ‘resultado’ não são ajustadas face à
prevalência da população (Deutsches Ärzteblatt International, 2017); 4) os resultados
obtidos exercem impactos reais na vida dos indivíduos e grupos populacionais, podendo
acentuar situações de vulnerabilidade social existentes.
Ao conceber o corpo como fonte de verdade (Aas, 2006), a tecnologia de
inferência fenotípica confere agência ao novo corpo e imagens que dela emergem
(Machado, 2015; Prainsack; Toom, 2010; Sayes, 2014; Van der ploeg, 2003). Resulta
da ação de uma rede de interações com outros atores, humanos e não humanos –
objetos, tecnologias e instrumentos - que vai ganhando diferentes formas (Latour, 1996)
com os quais passamos a estar intrinsecamente conectados. A inferência fenotípica
constitui uma forma diferenciada de olhar os corpos, de os compreender e interpretar.
Olhar para o corpo a partir das suas lentes significa informatizá-lo (Van der ploeg,
296
2005b), isto é, transformá-lo não só em diferentes padrões de informação e
representação estatística, mas também desprovê-lo do seu contexto e narrativa (Aas,
2004). Ao mesmo tempo que os desapropria do seu carácter, o mesmo processo atribui
aos corpos vigiados uma nova voz e narrativa, genéticas, que apenas comunicam num
sentido.
Apesar de existirem em estreita relação e em construção com o social, as
categorias utilizadas para conhecer e classificar os indivíduos – como seja o caso das
categorias de raça e etnicidade - são, à luz da tecnologia de inferência fenotípica e na
opinião de alguns geneticistas, compreendidas apenas a partir da forma como se
encontram inscritas no código genético dos indivíduos. Desta forma esta tecnologia não
só produz identidades que são genéticas (Atkinson; Glasner; Greenslade, 2007; Kruse,
2010b; Machado; Silva; Amorim, 2010) como, ignora a influência de outros elementos,
como sejam o social e o individual no seu processo de (co)construção.
A análise de diferentes informações genéticas pode substanciar suspeição sobre
‘identidades’ específicas, nomeadamente indivíduos ou grupos populacionais
classificados como ‘perigosos’ ou com potencial para representar uma ameaça para a
sociedade (Cole; Lynch, 2006). Este traduz-se num processo complexo do qual podem
emergir diferentes identidades técnico científicas individuais ou coletivas (Atkinson,
Glasner e Greenslade, 2007; Machado e Silva, 2011a e 2011b; Machado e Costa, 2012;
Rabinow, 2008; Rose, 2007). Através das relações que estabelecem com diferentes
equipamentos de leitura do corpo, estas identidades conjuntam um novo tipo de relações
sociais, permitindo a surgimento de novas biossocialidades (Aas, 2006; Novas e Rose,
2000; Rabinow, 2008).
A tecnologia de inferência fenotípica baseia-se na construção de categorias
populacionais que têm vindo a ser trabalhadas por diversos atores e campos do
conhecimento. Não obstante, importa enfatizar não só que a tecnologia não é, por si só,
construtora de categorias, mas também que as categorias que emergem não são neutras.
Elas resultam de existência de marcadores socioculturais que, pela diferença que fazem
na forma como se relacionam com o observado se constituem enquanto marcadores de
diferença. Estes não só produzem conhecimento no âmbito de uma investigação
criminal, como integram um coletivo articulado (M’Charek, 2008). Assim, ao socorrer-
se destas categorias a FDP contribui, ainda de que forma subtil, para uma perpetuação
da vigilância sobre os indivíduos aos quais as categorias correspondem. Este “poder
297
vigilante” sobre determinadas características pode potenciar situações de desigualdade,
exclusão e estigmatização social sobre determinados grupos sociais.
Neste sentido, em vez de restrita à tecnologia ou ao contexto onde a mesma de
desenvolve, a normatividade e a política encontram-se nas várias práticas que
relacionam a tecnologia e a sociedade (M’Charek, 2008, p. 527). Segundo M’Charek, as
tecnologias de DNA não devem ser vistas como testemunhas silenciosas, mas sim como
um coletivo articulado. Ou seja, constituem o resultado de um aparato forense,
composto por atores e diferentes objetos. Assim, refere que os perfis de DNA são
objetos normativos e ativos que se articulam com o aparato que os circunda.
Contrariando a ideia de singularidade, e pela forma como se integram numa rede
heterogénea de relações, estes objetos são também coletivos. A normatividade destas
tecnologias e, portanto das características de aparência físicas visíveis encontra-se
dependente do contexto onde as mesmas ocorrem. Assim, a autora reforça que o
coletivo articulado não é nem estável, nem fixo (2008, p. 521).
Como referido anteriormente, apesar das suas raízes no mundo material, a
ciência forense compõe-se e interrelaciona-se de forma complexa com diversas práticas,
dimensões - tecnologia, cultura, lei, crime – atores e objetos, produzindo determinadas
construções de sentido acerca dos corpos, os quais não devem ser ignoradas aquando a
compreensão da prova forense e dos impactos sociais da sua ação (Kruse, 2010). Na
medida em que se encontra relacionada com diferentes práticas – e como tal, pode
sofrer alterações de prática para prática – torna-se redutor conceber a tecnologia
simplesmente enquanto veículo de progresso do conhecimento científico. Assim,
compreendendo as diferentes formas como se interrelaciona com diferentes dimensões
fora do laboratório, esta deve antes ser compreendida enquanto tecnologia-em-prática
(M’Charek, 2008; Toom et al., 2016).
Importa acrescentar que à medida que se têm desenvolvido, estas ferramentas
tecnológicas não só têm conduzido a um apagamento das narrativas dos atores que, até
então, possuíam uma voz ativa no âmbito destes processos, como caminham rumo a um
panorama de genetização das relações sociais (Lippman, 1991; Machado; Silva;
Amorim, 2010). Este constitui um cenário com graves implicações e impactos na forma
como os indivíduos estruturam e regem as suas relações sociais uns com os outros.
298
Biologização dos suspeitos criminais
O desenvolvimento tecnológico no campo da genética forense tem provocado
alterações nas conceções e práticas de regulação da ordem social, ao mesmo tempo que
(re)produz uma narrativa fundamentalmente biológica acerca dos indivíduos. Baseando-
se num discurso normativo e em premissas de objetividade científica da prova forense,
o reducionismo biológico de que se revestem estas evoluções e inovações tecnológicas
ignora a complexidade que compõe e caracteriza o processo de construção desta
narrativa. Assim, apesar de considerar que a identidade e identificação dos indivíduos se
encontra inscrita e pode ser realizada à luz da leitura do seu código genético, enquanto
máquina de verdade (Lynch et al., 2008), esta é uma visão que desconsidera, entre
outros fatores, a existência e consequente influência de pré-noções e conceitos
socialmente construídos sobre determinados grupos sociais e indivíduos dos quais os
profissionais forenses não se conseguem dissociar e, que desta forma, se encontram a
ser mobilizados nesta lógica de classificação – étnica e racial - das populações (Kruse,
2010a, 2010b, 2013; Lipphardt; Niewöhner, 2007; M’Charek, 2008).
Assente no pressuposto de que o DNA constitui uma estrutura biológica única em
cada indivíduo7, o investimento no desenvolvimento de tecnologias de DNA para
identificação e vigilância dos corpos criminais tem passado, em grande medida, por uma
aliança entre velhas, novas técnicas, tecnologia e as potencialidades da bio informação.
Com o objetivo de reduzir, de forma eficaz, os alvos de vigilância e controlo, estas
tecnologias surgem acopladas à ideia de “objetividade mecânica” (Porter, 1995),
científica (Merton, 1973), certeza, validade e infalibilidade da informação da
“testemunha genética” (Aronson, 2007; Lynch et al., 2008; Murphy, 2007; Williams,
2004), por oposição à subjetividade associada aos processos mais tradicionais de
investigação criminal.
O desenvolvimento de novas e inovadoras tecnologias forenses tem procurado
traçar novos caminhos no âmbito das investigações criminais na medida em que
procuram, através do DNA, encontrar novas pistas que permitam reabrir e,
potencialmente, resolver casos criminais arquivados. É desta forma que se tem traçado
um percurso onde pequenos fragmentos biológicos, isolados dos corpos dos indivíduos,
mas aliados ao desenvolvimento tecnológico, se constituem enquanto agente
7 Com a exceção de gémeos monozigóticos cujo DNA é idêntico.
299
(bio)político (M’Charek, 2008; Sayes, 2014), desempenhando um papel cada vez mais
importante no que diz respeito às estratégias de combate à criminalidade.
Genetização da raça e da etnia
Consideram alguns autores que existem algumas lacunas na forma como estes
fenómenos têm vindo a ser compreendidos. As questões raciais constituem um
fenómeno histórico que se expressa de forma idêntica globalmente (M’Charek;
Schramm; Skinner, 2014a, p. 461). Embora se tenha evidenciado uma tentativa de evitar
discutir as questões raciais, enquanto fenómeno biológico, estas carecem de
problematização e visibilidade, dada a natureza particular com que permanecem
enraizadas em diferentes práticas. Na Europa, por exemplo, apesar de ser
problematizada, a raça tende a emergir como um objeto ‘obscuro’ e instável (slippery
object) na medida em que tanto aparece na superfície, como se esconde (M’Charek;
Schramm; Skinner, 2014a, p. 459).
As políticas de raça neoliberais contemporâneas procuraram contornar as questões
raciais através da substituição do termo por outras expressões – identidade nacional,
cultural e religiosa. Esta é uma estratégia que tem como consequência a existência de
racismo, sob a máscara de políticas que, alegadamente, procuram promover a abolição
destas práticas (Goldberg, 2008 apud M’charek et al. 2014, p.462).
A ausência presente da raça pode então ser compreendida de duas formas: 1)
normativamente, na medida em que se procura uma abolição discursiva de determinados
termos, pela associação que ainda persiste a períodos históricos passados que remetem
para as épocas coloniais, eugénicas, entre outras. No entanto, esta tentativa de abolição
falha na medida a raça e as questões raciais continuam a emergir de diversas formas nas
sociedades europeias (M’Charek; Schramm; Skinner, 2014a, p. 462); 2)
Metodologicamente, pela forma como se articula e performa com coisas e conceitos, do
presente e do passado, que tendem a ser excluídos e invisibilizados – ‘othered’8.
Compreende-se assim que a influência do passado e da história da Europa é
fundamental à compreensão das questões raciais. Por um lado, permitem compreender
as relações fortes que esta problemática enceta com as questões de gestão e controlo de
8 Este conceito é trabalhado pelos autores no âmbito do artigo “Topologies of race: doing territory,
population and identity in Europe” (2014c)
300
populações. Por outro, torna evidente as consequências do pensamento hegemónico da
Europa ocidental que tende a produzir uma narrativa simplificada em torno das questões
raciais (2014, p. 464). Não se compreende, por isso, que apenas em estudos e
publicações mais recentes é que este caracter global da raça seja apreendido. Até então,
tanto os debates entre académicos, bem como os estudos de caso utilizados para a
problematização destes fenómenos centravam-se no contexto americano.
Partindo do reconhecimento destas lacunas, é sugerido que se compreendam as
questões raciais através de uma abordagem topológica da raça, observada através da
forma como os diferentes componentes (a)parecem apresentados, como se fossem
inseparáveis uns dos outros – o DNA, a cor, a ancestralidade. Considera-se, por um
lado, que as representações topológicas da raça requerem que o fenómeno seja
compreendido tendo em conta a sua especificidade, na medida em que diferentes
práticas fazem emergir diferentes raças. Por outro, afirmam que esta forma de
compreender a raça permite captar a sua ausência, presente, na Europa (M’Charek;
Schramm; Skinner, 2014a).
Quer pela associação que ainda persiste no contexto europeu relativamente a
períodos históricos passados, que remetem para as épocas coloniais e eugénicas, só
recentemente encontramos na Europa uma problematização das questões raciais em
articulação com tecnologias de identificação criminal.
As tecnologias de ancestralidade procuram localizar a ascendência biogeográfica
dos suspeitos tendo por base a definição de grandes grupos populacionais que servem de
referência para o estudo da origem geográfica. No entanto, a distinção de populações
por continentes ou grupos populacionais pode facilmente conduzir a associações entre
estes e categorias de raça e etnia. Estas associações podem também acentuar fenómenos
de discriminação, estigmatização e racialização sobre determinados grupos
populacionais, tornando-os mais vulneráveis a situações de suspeição (Duster, 2008;
M’Charek, 2013; Ossorio, 2006).
Também as imagens produzidas pela inferência de outras características de
aparência física incorporam determinadas classificações étnicas e raciais (M’Charek,
2008) que resultam de um processo de agregação dos dados dos indivíduos com base na
ideia de que estes partilham características visíveis particulares ou um conjunto de
traços visíveis, isto é culturais (idem). Num contexto de investigação criminal isto
significa que estas pessoas são agrupadas no que se pode designar de “população
suspeita racializada” (M’Charek, 2008, p. 527).
301
Verifica-se que tanto na tecnologia de ancestralidade geográfica como na
inferência de outras características de aparência física há uma presença ausente da raça,
(M’Charek; Schramm; Skinner, 2014a) que resulta não só da ambiguidade das
categorias utilizadas para classificar as populações suspeitas (M’Charek, 2013, 2016),
mas também de um processo performativo sobre o qual a raça se constrói (M’Charek,
2016). Desta forma, a raça encontra-se ausente e invisibilizada nos discursos dos
geneticistas forenses, mas presente nas práticas, na medida em que os resultados
produzidos no âmbito destas tecnologias podem contribuir para um aumento da
suspeição e do foco do policiamento sobre determinados grupos populacionais que já
são alvo de discriminação.
As ‘imagens’ produzidas pela tecnologia de inferência fenotípica incorporam
determinadas classificações étnicas e raciais (M’Charek, 2008) que resultam de um
processo de agregação dos dados dos indivíduos com base na ideia de que estes
partilham características visíveis particulares ou um conjunto de traços visíveis, isto é
culturais (idem). Num contexto de investigação criminal isto significa que estas pessoas
são agrupadas no que se pode designar de “população suspeita racializada” (M’Charek,
2008, p. 527).
Na medida em que os seus efeitos se estendem para além do campo individual,
apresentando um potencial elevado para afetar a privacidade, autonomia e o direito à
igualdade de tratamento de determinadas populações, no seu todo, considera-se que a
tecnologia de inferência fenotípica apresenta um elevado risco na exacerbação das
desigualdades e criminalização de determinados grupos sociais que já sofrem de outros
tipos de (dis)criminação (M’Charek, 2008, p. 527). Esta constitui uma dimensão de
análise importante, uma vez que levanta o debate sobre como a ciência, através de
tecnologias genéticas, pode estar a contribuir para uma renovação dos processos pelos
quais se mantêm e perpetuam a reprodução de desigualdades sociais sobre determinados
grupos populacionais vulneráveis.
De um modo geral a evolução do conhecimento das ciências da vida provocou um
aumento do interesse no estudo das (inter)conexões entre a ciência, tecnologia e raça
(Fujimura; Rajagopalan, 2011; M’Charek, 2010). A FDP resulta da realização diversos
procedimentos técnicos e de cálculos probabilísticos, cuja escolha, de entre os
resultados obtidos, envolve sempre algum grau de subjetividade humana (Kruse,
2010b), isto é, a influência de pré-noções e conceitos socialmente construídos sobre
302
determinados grupos e indivíduos dos quais os profissionais forenses não se conseguem
dissociar (Idem).
Baseando-se na premissa da objetividade da prova forense, os discursos em torno
desta técnica não só ignoram o imaginário social de que fazem parte determinadas
classificações étnicas e raciais, como consideram que estas não interferem
significativamente na identidade da pessoa, na medida em que a sua identificação
‘objetiva’ estará já, à partida, assegurada no código biológico” (Maciel; Machado, 2014,
p. 147). A inferência fenotípica corresponde assim a um produto artificial, gerado no
âmbito de um aparato forense (Kruse, 2010b) - (co)produzido em laboratório com o
auxílio de instrumentos, equipamentos, ferramentas matemáticas e informáticas, sob a
ação e interpretação de geneticistas forenses. As características que emergem desta
tecnologia, em vez de corresponderem à imagem do indivíduo a quem o vestígio
biológico pertence, tendem a incidir sobre um conjunto de características associadas a
determinados grupos populacionais aos quais o indivíduo pode pertencer.
O que distingue estas tecnologias genéticas da terceira vaga é que elas não
ambicionam fornecer dados capazes de identificar probabilisticamente
indivíduos específicos. Em vez disso, elas fornecem informações tipológicas
sobre propriedades e características comuns, mas variáveis, de parentesco
com outras pessoas, características da aparência visual ou aspetos da
ascendência biogeográfica9 (Wienroth; Morling; Williams, 2014, p. 100).
Observa-se uma grande diversidade de posicionamentos entre geneticistas acerca
do uso de categorias raciais e étnicas, que integra uma discussão mais ampla em torno
do foco na diferença versus o foco na semelhança (Fujimura; Rajagopalan, 2011). A
geografia do genoma (idem), por exemplo, ao trabalhar o cruzamento da genética com
informações sobre a origem geográfica dos indivíduos, permite a emergência de ilações
relativas a determinadas categorias raciais. Estes cruzamentos representam um perigo
pelo potencial discriminatório sobre determinados grupos populacionais na medida em
que, subjacente jaz a ideia de legitimidade científica (2016, p. 7).
Apresenta-se de seguida um caso criminal ocorrido recentemente na Alemanha,
através do qual é possível problematizar esta e outras potenciais ameaças.
9 Tradução livre
303
Caso criminal Maria Ladenburger, Freiburg, Alemanha
A 16 de Outubro de 2016 o corpo de Maria Ladenburger foi encontrado nas
margens do rio Dreisam, em Freiburg. Maria Ladenburger estaria a caminho
de casa, de bicicleta, depois de uma festa da faculdade, na noite anterior,
quando o crime ocorreu. Foi violada e morreu afogada no rio.
Na cena de crime foi encontrado um fio de cabelo e um lenço preto contendo
vestígios biológicos que não pertenciam à vítima. O fio de cabelo era longo,
de cor preta, apresentando marcas de ter sido parcialmente pintado de louro.
A partir dos vestígios recolhidos na cena de crime, o perfil de DNA foi
criado e inserido na base de dados de DNA nacional para fins forenses, não
tendo havido qualquer correspondência.
Recuperando as gravações CCTV do dia do crime, as autoridades locais
encontraram, numa estação de transporte local, imagens de um indivíduo
cujas características do cabelo se assemelhavam às do fio de cabelo
recolhido na cena de crime. O suspeito foi mais tarde identificado na rua e
detido por polícias locais. Posteriormente o seu DNA foi recolhido, tendo
correspondido com o DNA presente na cena de crime. A 3 de dezembro de
2016, a polícia organizou uma conferência de imprensa onde anunciou a sua
detenção.
Apesar da presença na cena de crime de elementos que continham vestígios
biológicos do suspeito, este foi encontrado com recurso a outras ferramentas de
investigação criminal. Assim, a prova de DNA, não constituiu um elemento central para
a identificação do suspeito no âmbito deste caso. Na medida em que não houve uma
correspondência na base de dados nacional, esta prova apenas pôde e foi mobilizada
depois da detenção do suspeito para estabelecer uma correspondência entre este e os
vestígios encontrados na cena de crime.
Passado cerca de um mês do homicídio de Maria Ladenburger foi encontrado,
perto de Freiburg, o corpo de Carolin Gruber. Estes casos criminais ocorreram num
curto período de tempo apresentando contornos semelhantes: violação e homicídio de
duas mulheres, cujos corpos foram mais tarde encontrados em parques. Apesar de em
sucessivas declarações a polícia ter reforçado que não havia uma ligação entre os dois
casos criminais, os principais meios de comunicação social desde logo traçaram
comparações entre os dois casos, alimentando o mediatismo em torno dos mesmos. É,
desta forma, que estes surgem vinculados ao debate sobre a necessidade de alterar a lei
na Alemanha, permitindo que análises mais extensivas possam ser realizadas ao DNA
recolhido em cenas de crime.
304
Retomando o caso de Maria Ladenburger, a presença de um fio de cabelo entre as
provas recolhidas fez, logo desde o início da investigação, despontar no espaço público
um conjunto de debates sobre as barreiras legais do país quanto à utilização de
determinadas tecnologias de análise forense. Importa referir que estes debates, envoltos
num discurso xenófobo, já existiam antes da ocorrência deste caso por parte de diversos
grupos partidários, jornalistas e indivíduos com um posicionamento político mais à
direita (Lipphardt, 2017). No entanto, o mediatismo entretanto criado surgiu como uma
‘janela de oportunidade’ para que diversos atores pudessem expor os argumentos de
suporte à alteração da lei nacional, permitindo a utilização da tecnologia de inferência
fenotípica (FDP). Foi, assim, por via do aparato e da notoriedade mediática que o DNA
se tornou num elemento de destaque associado a este caso criminal.
Alguns geneticistas forenses e membros da polícia criminal Alemã já tinham
realizado um trabalho de deliberação, prévio ao caso de Maria Ladenburger, e tomado
considerações sobre a tecnologia de inferência fenotípica. A estas, rapidamente se
juntaram outras vozes (idem, 2017). Desta forma, conseguiram expor no espaço público
os seus argumentos técnicos e científicos de um modo elaborado, fazendo-se ouvir,
conseguindo ainda exercer pressão política para que se começasse a discutir a
possibilidade de alterar a lei nacional, permitindo o uso da FDP em determinadas
circunstâncias.
O caso criminal apresentado mostra como a presença de um fio de cabelo foi mote
para o início de um intenso debate que aponta para a ausência de uma regulação legal
atualizada que dê conta da evolução tecnológica que o campo das ciências forenses tem
registado ao longo das últimas décadas. Na Alemanha, bem como na maioria dos países
da União Europeia, a tecnologia de FDP não está regulada. Neste caso criminal, este
debate acentuou-se quando do DNA recolhido na cena de crime não foi possível obter
qualquer tipo de correspondência nas bases de dados e registos nacionais. Nos meios de
comunicação social são muitas as referências cujo enfoque incidiu nas potencialidades
destas tecnologias caso o seu uso fosse permitido (Müller, 2017; Röderer, 2017), com
destaque para a possibilidade de inferir a origem biogeográfica do suspeito (Heidegger,
2017; Soldt, 2016; Truscheit, 2016).
Por considerarem que o debate em torno das propostas de alteração de lei
apresentava uma visão parcial, centrado nas potencialidades das novas tecnologias
forenses em debate, um grupo interdisciplinar de académicos redigiu uma carta aberta
com o objetivo de expor não apenas a complexidade dos instrumentos forenses em
305
debate – FDP, ancestralidade biogeográfica e pesquisa familiar -, mas sobretudo alertar
para os riscos éticos, sociais e legais que esta ampliação acarreta para a população em
geral e não apenas para a população suspeita (Lipphardt et al., 2016).
Apesar de presentes em menor número, desde então este grupo tem vindo a
aumentar, sendo atualmente composto por cientistas de diversos campos da ciência
(ciências da vida, ciências naturais, ciências sociais) que têm vindo a apresentar uma
problematização mais ampla acerca da extensão deste tipo de análises forenses de DNA
(Berndt, 2017; Kastilan, 2017; Kupke, 2017; Wünnenberg, 2017). Destaca-se em
particular o trabalho pioneiro que Veronika e Anna Lippardt, da Universidade de
Freiburg, têm vindo a realizar não só pela sua presença em diversos meios de
comunicação social, procurando dar visibilidade às dimensões menos tratadas no âmbito
destes debates, os riscos, mas também pela compilação de diversos tipos de materiais,
tornados disponíveis para consulta pública numa página da internet.10
A 3 de dezembro de 2016, a polícia realizou uma conferência de imprensa
onde comunicou a detenção do suspeito do caso de Maria Ladenburger, um
jovem refugiado Afegão que pediu asilo em 2015 como menor não
acompanhado. Uma vez que entrou no país sem documentos, os dados
pessoais que estavam registados foram aqueles que o próprio declarou como
sendo verdadeiros. Após a sua detenção surgiram notícias que confirmam
que este já tinha sido condenado na Grécia em 2015 – no mesmo ano que
terá ido para a Alemanha -, onde cumpriu uma pena parcial num caso
criminal que envolveu o roubo e tentativa de homicídio de uma jovem. Em
2015 saiu em liberdade, estando obrigado a apresentar-se periodicamente.
Terá sido nesta altura que foi para a Alemanha. Uma vez que na Grécia
apenas foi emitido um mandato de detenção nacional, os mecanismos
europeus que permitem um controlo e vigilância ao nível transnacional neste
tipo de situações falharam o seu propósito.
Os episódios narrados permitem-nos abordar a discussão em torno da potencial
fragilidade que a tecnologia de FDP pode representar relativamente ao direito à auto
informação e auto determinação identitária. Após se confirmar, por via de impressões
digitais, que se tratava do mesmo indivíduo, as autoridades Gregas partilharam com as
autoridades Alemãs informações sobre os dados pessoais do suspeito. Entre estes
destaca-se a informação sobre a data de nascimento, segundo a qual, o sujeito terá 20
anos, e não 16, como informou aquando do pedido de asilo. A descoincidência
10 Para mais informações sobre os materiais mencionados, consultar STS @ Freiburg -
https://stsfreiburg.wordpress.com/
306
levantada por estas informações distintas levanta diversas questões sobre as quais urge
refletir.
Tendo em conta o mediatismo que este caso criminal alcançou, nacional e
internacionalmente, estes acontecimentos lançaram novo fôlego em torno das
potencialidades desta tecnologia de DNA, enquanto testemunha biológica, na
confirmação da informação sobre a idade do suspeito. Por outro lado, e porque em causa
poderá estar o seu julgamento enquanto menor ou jovem adulto, associado aos debates
em torno das propostas de alteração da lei, este acontecimento permite problematizar,
em concreto, as potenciais ameaças ao direito da autoinformação e autodeterminação
identitária. Caso seja mobilizada a tecnologia de FDP, existe um risco elevado destes
direitos serem comprometidos face a uma priorização da informação genética
relativamente à identificação social. (Heinemann et al., 2015; Heinemann; Lemke,
2014).
Considerações finais
Ao longo das últimas décadas a evolução tecnológica registada no campo da
genética tem suscitado grandes interrogações relacionadas com os significados e
implicações associados aos usos do DNA. Por um lado, emergem preocupações
relativamente às consequências para a cidadania que advém da eleição de mecanismos
estratégicos de controlo social e combate à criminalidade, pela priorização do
conhecimento biológico, mecanizado e automático em detrimento do social, da
experiência e valores humanos (Prainsack & Aronson, 2015, p. 12). Em segundo lugar,
não só pelos potenciais impactos de um bio-olhar sobre a vida e identidade dos
indivíduos, mas também sobre as construções sociais acerca daqueles que cometem
crimes. Também novos conhecimentos sobre determinados grupos populacionais podem
ser (re)produzidos a partir dos resultados da tecnologia de inferência fenotípica. Ao
mesmo tempo, na medida em que podem reproduzir velhas formas de suspeição sobre
determinadas populações já marginalizadas na sociedade, importa refletir os vários
riscos que a ampliação dos seus usos envolve.
A tecnologia de inferência fenotípica articula o campo da ciência, com o da
biologia e da investigação criminal. Inscreve-se, assim, num conjunto de tecnologias
que classificam e controlam os indivíduos com base nas suas características
307
biogenéticas. Desta forma, o seu resultado apenas permitirá a previsão das
características do sujeito cuja amostra biológica pertence. Não obstante, salienta-se que
sob a ideia da ‘individualização’ esta tecnologia parte do conhecimento de estudos
populacionais ao mesmo tempo que se baseia em categorias coletivas, socialmente
construídas.
Dado que um dos aspetos da FDP é prever a ancestralidade genética, ou seja a
raça do suspeito, importa também compreender de que modo é que este fenómeno de
genetização pode potenciar a criminalização de certos indivíduos e/ou grupos sociais
vulneráveis. Assim, num cenário onde a genética parece constituir um regime de
verdade (Foucault, 1991, p. 74), o estudo da FDP permite dar conta não apenas das
implicações sociais, éticas, políticas e culturais que emergem do entrecruzamento entre
a tecnologia, a genética e cidadania. Ao mesmo tempo, tendo em conta os contínuos
investimentos nestas tecnologias genéticas, permite captar os modos de biopoder e
biopolítica que compõem estas estratégias de governação. Ou seja, permite compreender
de que modo e em que circunstâncias é que determinadas categorias biogenéticas se
transformam em categorias morais e políticas, acabando por se traduzir em modos de
biopolítica.
A evolução do conhecimento nas áreas da genética e da genómica tem-se
traduzido na emergência de diversos mecanismos e tecnologias de prevenção e combate
à criminalidade que, de diferentes formas, têm vindo a reforçar as conceções biológicas
dos indivíduos. Não obstante, esta evolução tem tido como consequência um acentuar
das desigualdades de indivíduos e grupos populacionais que já se encontram em
situação de exclusão e vulnerabilidade social. A este respeito M’charek defende que: a)
a inferência de determinadas características de aparência física é uma tecnologia que
não permite a individualização. Ela organiza os indivíduos em grandes grupos que,
juntos, passam a constituir a população suspeita. Desta forma, o alvo desta tecnologia
não é o indivíduo específico cujo material biológico analisado pertence, mas sim o
grupo populacional que partilha os mesmos traços de aparência do indivíduo cuja
amostra pertence (M’Charek, 2008, p. 525); b) na medida em que os seus efeitos se
estendem para além do campo individual, estas tecnologias apresentam ainda um
elevado risco na exacerbação das desigualdades e criminalização de determinados
grupos sociais que já sofrem de outros tipos de (dis)criminação (M’Charek, 2008, p.
527); c) apesar de ambos os casos estarem envoltos em discursos racistas e xenófobos, a
análise dos efeitos provocados pelos discursos sobre os grupos populacionais a que os
308
suspeitos destes crimes pertencem parece evidenciar que alguns sujeitos conseguem
manter a sua individualidade, ao passo que outros, são mais facilmente associados a um
determinado grupo populacionais e/ou étnico. Consequentemente, é possível afirmar
que existem grupos populacionais minoritários mais vulneráveis e grupos populacionais
minoritários mais permeáveis à discriminação e estigmatização social.
O caso criminal apresentado permite observar diferentes dimensões daquilo a que,
segundo a perspetiva das ciências sociais, em particular dos estudos sociais da ciência e
da tecnologia, se designa de genetização ou biologização da sociedade (Haraway, 1997;
Lippman, 1991; Rose, 2007), isto é, a centralidade que a genética ocupa nas sociedades
contemporâneas em diversos níveis. Entre estes, tem vindo a exercer influência também
sobre os conceitos de identidade e identificação.
As identidades que tecnologias como a FDP criam são identidades biológicas,
definidas com base na ideia de pertença a um determinado grupo populacional. Como
tal, representam um potencial elevado para a criação de novas formas de discriminação
racial sobre as já existentes, com base na identidade biológica e no DNA dos suspeitos
(Vailly, 2016, p. 30). Assim, ainda que a tecnologia de inferência fenotípica possa vir a
constituir uma ferramenta utilizada no âmbito dos processos de investigação criminal,
as consequências relacionadas com a disseminação dos seus resultados devem ser
pensadas também em relação aos possíveis efeitos nas auto e hétero representações de
determinadas populações (M’Charek, 2008, p. 523). Deve, portanto, atender-se que
aquilo que inicialmente pode ser visto como uma questão dirigida a um indivíduo em
particular, rapidamente pode ser colocado como uma preocupação que afeta
determinados grupos sociais e populações por causa das associações que daí podem
derivar entre grupos populacionais específicos e criminalidade (M’Charek, 2008).
Agradecimentos
Este trabalho recebeu financiamento do Conselho Europeu de Investigação (ERC) sob o
programa de pesquisa e inovação da União Europeia Horizonte 2020 (Contrato N.º
[648608]), no âmbito do projeto “EXCHANGE – Geneticistas forenses e a partilha
transnacional de informação genética na União Europeia: Relações entre ciência e
controlo social, cidadania e democracia” liderado por Helena Machado e sediado no
Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Instituto de Ciências Sociais
309
da Universidade do Minho. Agradeço o apoio do projeto EXCHANGE bem como os
comentários críticos de Helena Machado.
Referências
AAS, K. F. From narrative to database: Technological change and penal culture. Punishment &
Society, v. 6, n. 4, p. 379–393, 2004.
AAS, K. F. “The body does not lie”: Identity, risk and trust in technoculture. Crime, Media,
Culture, v. 2, n. 2, p. 143–158, 2006.
ARONSON, J. Genetic witness: Science, law, and controversy in the making of DNA profiling.
Piscataway, NJ: Rutgers University Press, 2007.
ATKINSON, P.; GLASNER, P.; GREENSLADE, H. New genetics, new identities. London and
New York: Routledge, 2007.
BERNDT, C. Excessive hope in the DNA of the perpetrator. Süeddeutsche Zeitung, p. 1–3, 8
jun. 2017.
BREKKE, O. A.; SIRNES, T. Biosociality, biocitizenship and the new regime of hope and
despair: Interpreting “Portraits of Hope” and the “Mehmet Case”. New Genetics and Society, v.
30, n. 4, p. 347–374, 2011.
CLAES, P. Predicting faces from DNA [VIDEO], 2015. Disponível em:
<http://www.ted.com/about/programs-initiatives/tedx-program>
CLAES, P.; HILL, H.; SHRIVER, M. Toward DNA-based facial composites: Preliminary
results and validation. Forensic Science International: Genetics, v. 13, p. 208–216, 2014.
COLE, S.; LYNCH, M. The social and legal construction of suspects. Annual Review of Law
and Social Science, v. 2, p. 39–60, dez. 2006.
DEUTSCHES ÄRZTEBLATT INTERNATIONAL. Pros and Cons: Analysis of DNA areas to
create a perpetrators profile. Deutsches Ärzteblatt International, p. 1–2, 30 mar. 2017.
DUSTER, T. DNA dragnets and race: Larger social context, history and future. GeneWatch, v.
21, n. 3–4, p. 3–5, 2008.
FUJIMURA, J.; RAJAGOPALAN, R. Different differences: The use of “genetic ancestry”
versus race in biomedical human genetic research. Social Studies of Science, v. 41, n. 1, p. 5–
30, dez. 2011.
HARAWAY, D. Modest_Witness@Second_Millennium. FemaleMan©_Meets_OncoMouseTM.
New York: Routledge, 1997.
HEIDEGGER, K. Limits for DNA analysis: A law that protects murderers. Badische Zeitung, p.
1–2, 29 mar. 2017.
HEINEMANN, T. et al. (EDS.). Suspect families: DNA analysis, family reunification and
immigration policies. London and New York: Routledge, 2015.
310
HEINEMANN, T.; LEMKE, T. Biological citizenship reconsidered: The use of DNA analysis
by immigration authorities in Germany. Science, Technology, & Human Values, v. 39, n. 4, p.
488–510, 2014.
HEINEMANN, T.; LEMKE, T.; PRAINSACK, B. Risky profiles: Societal dimensions of
forensic uses of DNA profiling technologies. New Genetics and Society, v. 31, n. 3, p. 249–258,
set. 2012.
KASTILAN, S. On Truth Search. Frankfurt Allgemeine, p. 1–3, 27 mar. 2017.
KAYSER, M. Forensic DNA phenotyping: Predicting human appearance from crime scene
material for investigative purposes. Forensic Science International: Genetics, v. 18, p. 33–48,
2015.
KAYSER, M.; DE KNIJFF, P. Improving human forensics through advances in genetics,
genomics and molecular biology. Nature Reviews Genetics, v. 12, n. 3, p. 179–192, 2011.
KAYSER, M.; SCHNEIDER, P. M. DNA-based prediction of human externally visible
characteristics in forensics: Motivations, scientific challenges, and ethical considerations.
Forensic Science International: Genetics, v. 3, n. 3, p. 154–161, 2009.
KAYSER, M.; SCHNEIDER, P. M. Reply to“ Bracketing off population does not advance
ethical reflection on EVCs: A reply to Kayser and Schneider” by A. M’charek, V. Toom, and B.
Prainsack. Forensic Science International: Genetics, v. 6, p. e18–e19, fev. 2012.
KRUSE, C. Producing absolute truth: CSI science as wishful thinking. American
Anthropologist, v. 112, n. 1, p. 79–91, fev. 2010a.
KRUSE, C. Forensic evidence: Materializing bodies, materializing crimes. European Journal of
Women’s Studies, v. 17, n. 4, p. 363–377, 5 nov. 2010b.
KRUSE, C. The Bayesian approach to forensic evidence - Evaluating, communicating, and
distributing responsibility. Social Studies of Science, v. 43, n. 5, p. 657–680, 15 mar. 2013.
KUPKE, S. “Extended DNA analyzes are often overestimated”. Ärzte Zeitung, p. 1–2, 12 jun.
2017.
LATOUR, B. Aramis or the love of technology. Cambridge, MA: Harvard University Press,
1996.
LIPPHARDT, A. The media development of the debate. Disponível em:
<https://stsfreiburg.wordpress.com/hintergrund/mediale-entwicklung/>.
LIPPHARDT, V. et al. Open letter on DNA analysis in forensics (translated to english).
Disponível em: <https://stsfreiburg.wordpress.com/2016/12/08/offener-brief-zu-dna-analysen-
in-der-forensik/>.
LIPPHARDT, V.; NIEWÖHNER, J. Producing differences in an age of biosociality.
Biohistorical narratives, standardisation and resistance as translations. Science, Technology &
Innovation Studies, v. 3, p. 45–65, 2007.
LIPPMAN, A. Prenatal genetic testing and screening: Constructing needs and reinforcing
311
inequities. American Journal of Law & Medicine, v. 17, n. 1–2, p. 15–50, 1991.
LOSSAU, N. XY - quite unresolved. Welt, p. 1–5, 1 abr. 2017.
LYNCH, M. et al. Truth machine: The contentious history of DNA fingerprinting. Chicago:
University of Chicago Press, 2008.
LYON, D. Surveillance society: Monitoring everyday life. Buckingham: Open University Press,
2001.
M’CHAREK, A. Silent witness, articulate collective: DNA evidence and the inference of visible
traits. Bioethics, v. 22, n. 9, p. 519–528, 2008.
M’CHAREK, A. Fragile differences, relational effects: Stories about the materiality of race and
sex. European Journal of Women’s Studies, v. 17, n. 4, p. 307–322, 2010.
M’CHAREK, A. Beyond fact or fiction: On the materiality of race in practice. Cultural
Anthropology, v. 28, n. 3, p. 420–442, 2013.
M’CHAREK, A. Performative circulations: On flows and stops in forensic DNA practices.
Tecnoscienza, v. 7, n. 2, p. 9–34, 2016.
M’CHAREK, A.; SCHRAMM, K.; SKINNER, D. Technologies of belonging: The absent
presence of race in Europe. Science, Technology, & Human Values, v. 39, n. 4, p. 459–467,
2014a.
M’CHAREK, A.; SCHRAMM, K.; SKINNER, D. Topologies of race: Doing territory,
population and identity in Europe. Science, Technology, & Human Values, v. 39, n. 4, p. 468–
487, 2014c.
MACHADO, H. Genética e suspeição criminal: Reconfigurações atuais de co-produção entre
ciência, ordem social e controlo. In: FONSECA, C.; MACHADO, H. (Eds.). . Ciência,
identificação e tecnologias de governo. Porto Alegre: Coleções Editoriais do CEGOV, 2015.
MACHADO, H.; PRAINSACK, B. Tecnologias que incriminam: Olhares de reclusos na Era do
CSI. Coimbra: Almedina, 2014.
MACHADO, H.; SILVA, S.; AMORIM, A. Políticas de identidade: Perfil de DNA e a
identidade genético-criminal. Análise Social, v. XLV, n. 196, p. 537–553, 2010.
MACHADO, H.; SILVA, S.; SANTOS, F. Justiça tecnológica: promessas e desafios.
Ermesinde: Ecopy, 2008.
MACIEL, D.; MACHADO, H. Biovigilância e governabilidade nas sociedades da informação.
In: MACHADO, H.; MONIZ, H. (Eds.). . Bases de dados genéticos forenses: Tecnologias de
controlo e ordem social. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 141–166.
MACLEAN, C. E.; LAMPARELLO, A. Forensic DNA phenotyping in criminal investigations
and criminal courts: Assessing and mitigating the dilemmas inherent in the science. Recent
Advances in DNA and Gene Sequences, v. 8, n. 2, p. 104–112, 2014.
MERTON, R. K. The sociology of science: Theoretical and empirical investigations. Chicago:
University of Chicago Press, 1973.
312
MÜLLER, A. Investigators hope for the genetic material. Stuttgarter Zeitung, p. 2–3, 3 dez.
2017.
MURPHY, E. The new forensics: Criminal justice, false certainty, and the second generation of
scientific evidence. California Law Review, v. 95, n. 3, p. 721–797, 2007.
OSSORIO, P. N. About face: Forensic genetic testing for race and visible traits. Journal of Law,
Medicine & Ethics, v. 34, n. 2, p. 277–292, jan. 2006.
PORTER, T. M. Trust in numbers: The pursuit of objectivity in science and public life.
Princeton, NJ: Princeton University Press, 1995.
PRAINSACK, B.; ARONSON, J. Forensic genetic databases: Ethical and social dimensions.
International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, v. 9, p. 339–345, 2015.
PRAINSACK, B.; TOOM, V. The Prum regime. Situated dis/empowerment in transnational
DNA profile exchange. British Journal of Criminology, v. 50, p. 1117–1135, 2010.
RÖDERER, J. According to the sex murders - what a DNA analysis can and what it allowed.
Badische Zeitung, p. 1–4, 29 mar. 2017.
ROSE, N. The politics of life itself: Biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first
century. Princeton: Princeton University Press, 2007.
ROSE, N.; NOVAS, C. Biological citizenship. In: COLLIER, S. J.; ONG, A. (Eds.). . Global
assemblages: Technology, politics, and ethics as anthropological problems. Malden, MA:
Blackwell Publishers, 2005. p. 439–463.
SAYES, E. Actor-network theory and methodology: Just what does it mean to say that
nonhumans have agency? Social Studies of Science, v. 44, n. 1, p. 134–149, 2014.
SOLDT, R. Raped and murdered. Frankfurt Allgemeine, p. 1–4, 16 nov. 2016.
STAR, S. L. This is not a boundary object: Reflections on the origin of a concept. Science,
Technology, & Human Values, v. 35, n. 5, p. 601–617, 2010.
TOOM, V. et al. Approaching ethical, legal and social issues of emerging forensic DNA
phenotyping (FDP) technologies comprehensively: Reply to “Forensic DNA phenotyping:
Predicting human appearance from crime scene material for investigative purposes” by Manfred
Kayser. Forensic Science International: Genetics, v. 22, p. e1–e4, 2016.
TRUSCHEIT, K. After murder in Freiburg DNA analysis should be extended. Frankfurt
Allgemeine, p. 1–2, 14 dez. 2016.
VAILLY, J. The politics of suspects’ geo-genetic origin in France: The conditions, expression,
and effects of problematisation. BioSocieties, v. 12, n. 1, p. 66–88, 2016.
VAN DER PLOEG, I. Biometrics and privacy: A note on the politics of theorizing technology.
Information, Communication & Society, v. 6, n. 1, p. 85–104, 2003.
VAN DER PLOEG, I. The machine-readable body. Essays on biometrics and the information of
the body. Maastricht: Shaker Publishing B.V., 2005a.
313
VAN DER PLOEG, I. Biometric identification technologies: Ethical implications of the
informatization of the bodyBITE Policy Paper: BITE Policy Paper. Rome: [s.n.]. Disponível
em: <http://www.biteproject.org/documents/policy_paper_1_july_version.pdf>. Acesso em: 4
out. 2010b.
WESTIN, A. F. Privacy and freedom. New York: Atheneum, 1967.
WIENROTH, M.; MORLING, N.; WILLIAMS, R. Technological innovations in forensic
genetics: Social, legal and ethical aspects. Recent Advances in DNA and Gene Sequences, v. 8,
n. 2, p. 98–103, 2014.
WILLIAMS, R. The management of crime scene examination in relation to the investigation of
burglary and vehicle crime. London: [s.n.]. Disponível em:
<http://library.npia.police.uk/docs/hordsolr/rdsolr2404.pdf>.
WILLIAMS, R.; JOHNSON, P. Circuits of surveillance. Surveillance & Society, v. 2, n. 1, p.
1–14, jan. 2004a.
WILLIAMS, R.; JOHNSON, P. “Wonderment and dread”: Representations of DNA in ethical
disputes about forensic DNA databases. New Genetics and Society, v. 23, n. 2, p. 205–223, ago.
2004b.
WILLIAMS, R.; WIENROTH, M. Ethical, social and policy aspects of forensic genetics: A
systematic review. Newcastle upon Tyne, UK: [s.n.]. Disponível em:
<http://nrl.northumbria.ac.uk/id/eprint/16313>.
WILLIAMS, R.; WIENROTH, M. Suspects, victims and others: Producing and sharing forensic
genetic knowledge. In: CHADWICK, R.; LEVITT, M.; SHICKLE, D. (Eds.). The right to know
and the right not to know. Genetic privacy and responsibility. [s.l.] Cambridge University Press,
2014c. p. 71–84.
WÜNNENBERG, I. German researchers warn of DNA phenotyping. Heise online, p. 1–4,
2017.