blecaute revista de literatura e artes n19 completa

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Revista eletrônica editada em Campina Grande - PB, pelo Núcleo Literário Blecaute.

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  • Campina Grande (PB) Ano 6 N19Janeiro - Julho- 2015 - ISSN: 2238-930X

  • Campina Grande (PB) Ano 6 N19Janeiro - Julho- 2015

    ISSN: 2238-930X

    Campina Grande (PB) Ano 6 N19

  • Copyright 2015, Ncleo Literrio Blecaute All Rights Reserved.

    permitida a reproduo total ou parcial desta edio de Blecaute: revista de lite-ratura e artes; Os textos ou fragmentos de textos, quando reproduzidos, devem ter suas referncias (autoria e lugar de origem da obra) devidamente citadas, conforme preconiza a legislao vigente no Brasil acerca dos direitos autorais (Lei 9.610/98); As opinies emitidas nos textos so de responsabilidade exclusiva dos autores, sendo estes ltimos responsveis pela reviso e contedo de suas produes; vedado o direito de qualquer cobrana pela reproduo desta edio.

    Periodicidade: Semestral

    CAPA: Escutando Olhares 02, 2013Infogravura sobre tecido sinttico, Jas-One - Jardel

    Editores:Bruno Rafael de Albuquerque Gaudncio

    [email protected] / @BrunoGaudencioJanailson Macdo Luiz

    [email protected] / @jan_macedoJoo Matias de Oliveira Neto

    [email protected] / @j_matiasFlaw Mendes (Editor Visual)

    fl [email protected] / @fl awmendes

    800

    R454 Blecaute: revista de Literatura e Artes, ano. 6, n. 19

    ( Janeiro - Julho - 2015) Campina Grande, 2015.

    p.: 56, il. color.

    ISSN: 2238-930X

    Editores: Bruno Rafael de Albuquerque Gaudncio, Flaudemir S. S. Mendes,

    Janailson Macdo Luiz, Joo Matias de Oliveira Neto.

    1. Literatura. 2. Literatura Ensaios. 3. Literatura - Contos. 4. Literatura

    Poemas. I. Ttulo.

    21. ed. CDD

    www.revistablecaute.com.brwww.facebook.com/revistaBlecaute

    [email protected]@revistablecaute

  • ndice

    EDITORIAL

    CONTO: A Demanda do Bosque Sombrio - Brulio Tavares (RJ-PB)

    POEMAS: Estrangeiro e outros poe-mas - Diego Callazans (SE-BA)

    O SANTO OFCIO: As Lies de Virginia Woolf - Franklin Jorge (RN)

    POEMAS: preciso que te movas e outros poemas - Vanessa Regina (RS)

    CONTO: To Sel e or Not to Sel e - Julia Antuerpem (SP)ENSAIO: Uma Ausncia, por

    Enquanto: A Melancolia nos Poemas de Hemisf-rio, de Yuri Emanuel - Sidney Andrade (PB)

    RABISCO DO OUVIDO:

    Carcar - Raoni Xavier (PB)TRECHO DE ROMANCE:

    Fade In: Wander Shirukaya (PE-SP)POEMAS: A Marcha dos Sris e outros

    poemas - Diego Mendes (PR-PI)

    ENSAIO: Duas Pelejas para um Caminho sob o Sol Cordelstico - Aderaldo Luciano (RJ-PB)

    OFCIO LITERRIO: Para Gabriel Grcia Mrquez- Reynaldo Bessa (SP-RN)

    POEMAS: Conversa com Poeta e outros Poemas - Hildeberto Barbosa Filho (PB)

    VISUALIDADES: Recortes e ressigni cao da matria em Luiz Barroso - Wellington Medeiros (PB)

    CONTO: O Lobo - Nathalie Loureno (SP)O AEROPAGO: Chega de Saudades (Parte II):

    Os Terroristas da Saudade - Valdnio Menezes (RJ- PB)

    ARTIGO: Eita gota, que cadin de amor pra render tanto em ns! - Jonhniere Alves Ribeiro (PB)

    MEKATRONIA: Will Simes (PB)

    POEMAS: Acho que sou plen e outros poemas - Belle Jnior (PR)ARTISTA DA CAPA: Escutan-

    do olhares 02, - Jas-One (PB)

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  • 5 Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    Editorial

    Habemus Blecaute!

    Ave! Finalmente sai a 19 Revista Blecaute! Antes tarde do que nunca, gostaramos de justifi car nosso injusto atraso com uma data vnia: alguns dos nossos editores estiveram, por estes meses, assu-mindo atividades diversas, passando por mudanas geogrfi cas e pes-soais. Foi tamanha a mudana que a Revista Blecaute, a partir deste primeiro nmero de 2015, passar a ser semestral. Isso mesmo, com vistas a garantir a mesma qualidade de sempre e, apesar de nossas mltiplas atividades, tambm buscando se adequar aos projetos dos editores, a Blecaute optou por ser uma revista semestral, como alis costume entre publicaes de vis acadmico e literrio. Esperamos, com essa mudana, a compreenso e o mesmo carinho de todos os leitores que nos acompanham nestes quase sete anos de atividades. Com a periodicidade semestral, a Blecaute tambm busca se constituir como um espao de debates e discusses mais elabora-das, abrindo maior espao para a crtica literria, artigos acadmi-cos, resenhas e ensaios. De acordo com o conceito Qualis conferido pela CAPES (Comisso de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior) Revista Blecaute, obtivemos a distino B5 em Litera-tura/Lingustica, o que nos qualifi ca, sendo a Blecaute uma revista que no se encontra associada a nenhuma universidade. Acadmica e tambm literria, a Blecaute prima pela qualidade dos contistas, poetas, crticos, artistas e demais intelectuais que nos honram com a publicao de um material de qualidade, merecedor dos olhos crite-riosos de nossos leitores. com esse clima de retorno que brindamos ao leitor com um conto exclusivo do escritor Brulio Tavares, e ainda com a publicao de um trecho do romance vencedor do Prmio Pernambuco de Li-teratura 2015, Ascenso e Queda, da autoria de Wander Shirukaya. Nesta mesma edio, contos de Nathalie Loureno e Julia Antuer-pem reatualizam a Blecaute dentro da cena literria paulistana, apre-sentando uma amostra de duas boas escritoras do gnero. Entre os

    colunistas, Reynaldo Bessa homenageia Gabriel Garcia Mrquez e Valdnio Menezes rendem messes s saudades na coluna O Aeropa-go. Sem contar Franklin Jorge, que nos deleita falando de Virginia Woolf; Welligton Medeiros, sobre o inventivo artista Luiz Barroso. Somam-se, ainda, as colunas visuais de Raoni Xavier e Will Simes, parceiros queridos da revista. So muitas emoes para um s retor-no! Na poesia, um painel de alguns dos mais representativos poe-tas da jovem literatura brasileira contempornea: Diego Callazans, Vanessa Regina, Diego Mendes e Belle Jnior esto na companhia do experiente poeta e crtico literrio paraibano Hildeberto Barbosa Filho. No ensaio, temos um dos mais importantes estudiosos da li-teratura de cordel, Aderaldo Luciano, paraibano radicado no Rio de Janeiro, alm dos jovens escritores e mestres em literatura pela Uni-versidade Estadual da Paraba, Sidney Andrade e Jonhniere Ribeiro, que esboaram estudos sobre fi ccionistas paraibanos. Sem esquecer o artista Jos-One, revelao das artes visuais campinenses, ilustrando a nossa volta depois de muitos meses de ausncia, compomos um belo quadro nesta edio. Diante de um clima de diversidade e retorno s atividades, a Revista Blecaute preparou um sumrio com a melhor e mais diversa equipe de autores selecionados para esta edio. Inaugurando a revis-ta com o conto de Brulio Tavares no seria, por fi m, menos emble-mtico devotar ao mestre da literatura fantstica brasileira nossa mais sincera homenagem. Brulio foi o ganhador do Prmio Blecaute de Literatura em 2014, sucedido por Maria Valria Rezende em 2015, que j publicou em edio passada. Brulio abre a revista com honrarias e distines. Nada mais que o merecido para um grande escritor entre tantos outros.

    Boa leitura!

  • 6 Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    CONTO

    A DEMANDA DO BOSQUE SOMBRIOPor Brulio Tavares

    Quando acordei, um vozerio confuso penetrava pelo arcobo-

    tante da janela do meu quarto, como o burburinho impreciso de

    uma feira na Quaresma. Debruando-me para fora, pude lobrigar

    a azfama dos cavalarios, empilhando feno, renovando a gua dos

    cochos, polindo arreios, alimentando as rdegas cavalgaduras, tudo

    isso ao som dos sinos da capela de So Pancrcio, que repicavam

    festivamente ao sol matinal. Chamei meus criados de quarto para me

    ajudarem a vestir a armadura, pois era fi nalmente chegado o dia da

    Grande Expedio. Vieram Fenelonges e Fidncio, que me ajudaram

    a vestir a ceroula, o espartilho, os suspensrios, a cota de malhas, as

    caneleiras, o peitoral, o boldri, o talim, o broquel, o morrio, os joa-

    netes, a couraa, o elmo, a viseira, os guantes, a durindana, a excalibur,

    os penachos, o rebenque e os culos bifocais. Pendurei meio quilo

    de logotipos herldicos por cima de tudo, e fui escovar os dentes no

    terreiro.

    Chegando ao salo principal, encontrei Lorde Guardim e o

    Baro de Pia-Pouco, que ergueram suas taas em minha saudao.

    Discreteamos um pouco sobre assuntos belicosos e cinegticos, en-

    quanto saborevamos a refeio matinal: peito de cabor ao molho

    de cogumelos, torresmo a escabeche, feijo-da-ndia com rododen-

    dros, doce de quiabo turco. Fomos interrompidos pela chegada de

    um mensageiro do Senescal da Saxofnia, trazendo um sobrescrito

    gtico lacrado com os sinetes del Rei. A mensagem me era destina-

    da, e ao romper os lacres deparei-me com uma obumbrosa caligrafi a

    de traos barrocos, escrita a pena de ganso silvestre. Esforando-me

    para no dar na vista, reli trs vezes o aranzel de garatujas, e supus

    dois possveis contedos da missiva: ou o Rei estava me convidando

    para uma caada morsa no bosque sententrional do Condado de

    Roncro, ou estava me condenando morte pelo barao sacramental

    do Carrasco de Rola-Bosta. Na dvida, agradeci ao mensageiro, dei-

    lhe dois dinares e um ceitil, e aps sua sada ordenei que o decapitas-

    sem para sempre.

    Encerrado o desjejum, despedi-me dos meus confrades e dirigi-

    me para o ptio, onde diversos arqueiros e homens-de-armas ades-

    travam-se no uso da besta, do mantelete, da catapulta, do arete, da

    estrapada, do borzeguim e das bandarilhas. Fui saudado marcialmen-

    te por todos, e encaminhei-me tilintante at a estrebaria principal,

    para ver se Palafrente j estava selado e arreado. Estava. Verifi quei-

    lhe as rdeas, a cilha, a sela, os freios, o porta-luvas, os estribos, a

    manta, os emplastros cordacos, os frisos da crina, as lantejoulas da

    cauda. Ajudado pelos meus escudeiros, Caraminguante e Gongriz,

    me escanchei em cima do bufante ginete, soltei meu grito de guerra

    que fez fugirem os gansos e as galinholas, e samos para o ptio.

    Festiva recepo nos saudou quando emergimos triunfais, com

    um cortejo de bandeirolas rubro-amarelas, cmbalos, estandartes des-

    fraldados ao vento, rufar de tambores e clangor de trombetas. Er-

    guendo a mo para impor silncio, o que consegui depois de berrar

    quase meia hora, proferi uma elocuo de despedida, aps o que dei

    ordem para que abaixassem a ponte levadia, que atravessamos entre

    um agitar de lenos brancos das amuradas, seteiras, ameias e barba-

    cs. O imenso descampado verde-oliva se estendia diante de ns e

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    com ele as vastides tresvariantes da Aventura.

    Descrever as peripcias pelas quais passamos seria tarefa para

    ociosos; portanto, apresso-me a faz-lo. Secundado por Gongriz e

    Caraminguante, que montavam seus respectivos matungos, adentrei

    um frondoso bosque de madressilvas, que trescalava um suave odor

    lils. Enaltecamos em voz alta quanto grande o poder da Natureza,

    quando de repente deparamo-nos com um rstico aldeo campnio,

    escorado no tronco de uma rvore pequena, da famlia das icacince-

    as (Emmotum nitens), de fl ores amarelas por fora e purpreo-escuras

    por dentro, com pilosidade roxa, dispostas em panculas axilares, e

    cujo fruto drupceo, suberoso-lenhoso, tendo a madeira utilidade

    para cercas. Durante esse tempo todo ele continuou escorado na faia,

    olhando para ns com ar meditabundo, e pitando um cachimbo. De-

    pois de nos examinar dos ps cabea, e de certamente concluir que

    o nosso era um trio sem p nem cabea, dignou-se tirar o barrete e

    nos saudar:

    - Salve, nobre senhor.

    Ergui dois dedos em sinal de bno, e argui:

    - Dizei-me, bondoso ancio, qual o nome deste falanstrio e

    qual o braso que o custodia. Somos viajores fatigados pela intempe-

    rana das intempries, e necessitamos de um teto que nos d abrigo

    dos rigores da noite.

    Ele discorreu:

    - Senhor, nasci e fui criado nestes arredores, e antes de mim

    meu pai, e o pai do meu pai. Assevero-vos que pisais terreno perten-

    cente casa dos Falangetas, nobre casa aparentada ao sangue real,

    atravs do seu patriarca, o Baro de Aambarca.

    Eu obtemperei:

    - Entretanto, venervel macrbio, em nossos portulanos de via-

    gem nada consta sobre a existncia de tal feudo nesses arredores.

    Ele argumentou:

    - Senhor, tal anomalia cartogrfi ca por certo se deve s frequen-

    tes defenestraes sucessrias de que estes ducados e baronatos so

    prdigos, difi cultando sobremaneira a atualizao das hierarquias e

    dos ttulos.

    Eu aquiesci:

    - Assim , digno sexagenrio, e podeis estar certo de que em

    nossos prprios latifndios essas sublevaes de subalternos so uma

    verdadeira espada-de-ndrocles suspensa sobre nossos viscondssi-

    mos cangotes.

    Ele aduziu:

    - Sem se falar, nobre senhor, que s vicissitudes do momento

    poltico vm se somar as lacunas produzidas pela peste, pelo escorbu-

    to, pela pelagra, e por outras decorrncias da insalubridade reinante

    no sculo, como o mal-cltico, o mal-americano, o mal-turco, o mal-

    francs, o mal-de-npoles, o mal-escocs, o mal-canadense, o mal-

    germnico, o mal-ilrico, o mal-polaco, o mal-glico e outros nus.

    Eu tergiversei:

    - Mas que isso, provecto antepassado, no vos aquebrante o ni-

    mo nem vos ensombrea o sobrecenho, pois rezam os antigos que

    uma poca vir, na qual tanto o sangue nobre quanto o sangue fi sio-

    lgico estaro a salvo desses traioeiros percalos; uma poca em que

    a polcia ser a salvaguarda da poltica, e a penicilina ser a eminn-

    cia-parda do pnis.

    Ele suspirou:

  • 8 Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    - Ai, nobre senhor, quem me dera crer em vossas preconizaes.

    Mas sucede que meus antigos so diversos dos vossos, em linhagem

    e em profecias. E os meus me dizem que vir uma poca em que o

    mundo estar mais do que nunca repleto de males-do-mundo; e que

    tais males, mais impiedosos e virulentos que os de hoje, no poupa-

    ro nem um s centmetro desse nosso perecvel arcabouo carnal;

    e, mais que isso: que os mal-entendidos e as ms-intenes faro

    propagar uma tal alastrao de crimes de lesa-realeza que o pescoo

    dos plutocratas acabar mais periclitante do que a prstata dos pro-

    letrios.

    Eu inquiri:

    - Ento, primevo gerontiarca, j que o devenir das eras se vos

    afi gura to tenebroso, deveis estar em regozijo, por ter-vos sido dada

    a benesse de cumprir vossos dias num tempo ainda to respirvel

    quanto o atual.

    Ele divergiu:

    - Nem tanto, nobre senhor; porque, mais do que a precria pas-

    maceira a que hoje chamam bem-estar, agradar-me-ia presenciar as

    convulses terremotrizes de que o futuro se anuncia to bem provi-

    do, e contemplar uma poca em que ns, os labregos, os lapuzes, os

    labrostes, empunhssemos os machetes, as foices, as roadeiras, as

    lambedeiras, os trinchetes, os facalhes e sassemos em farndola,

    ululantes! Instituindo o revertrio da malta, a rebordosa da plebe, o

    rebolio das corjas, a recarga do z-povinho, a recada da scia, a re-

    corrncia da caterva, o rodopio do populacho, o rasga-bucho da ral!

    O pega-pra-capar!

    A eu no tugi nem mugi, e sem dizer gua-vai pespeguei-lhe

    uma espaldeirada-em-prancha que o descangotou em ngulo reto,

    berrando:

    - Pois toma logo essa, cascabi-de-sucata, e vai visitar o calca-

    nhar de tua putav!

    Mas a, como num passe de mgica, choveu sobre ns uma re-

    voada de dardos e setas; e vimo-nos cercados por centenas de sic-

    rios maltrapilhos e canibalescos, armados de bestas, chuos e fundas!

    Erguendo-me terrvel no alto do meu cavalo-de-batalha, prorrompi

    em brados guerreiros, enquanto distribua lanaos e cuteladas em

    redor:

    - A mim, Gongriz! A mim, Caraminguante! Eia, sus! Aqui del

    Rei! Viva o imperador! Caluda! A guarda morre e no se rende! Hip,

    hip, hurra! Sacrebleu! Caz, caz, caz! Callooh, Callay! Arreda, gen-

    talha que eu estripo e esquartejo!

    Assim eu vociferava, cercado por um enxame de latages em f-

    ria, desvencilhando-me dos laos, esquivando-me dos acutilamentos,

    escudando-me das fl echadas, e ao mesmo tempo fendendo crnios,

    trinchando espduas e desviscerando abdmens. Enquanto isso, meus

    dois desastrados ajudantes distribuam golpes cegos contra o vento,

    ou um no outro, ou contra a folhagem, cobrindo-nos com uma verda-

    deira chuva de ramculos, brotos, lquens e cips. Por entre o clamor

    da batalha e o troar anacrnico das bombardas, abri caminho por

    entre a tropa inimiga, enquanto eles se apegavam a mim como um

    milho de rs insurretas, grudando-se s minhas costas, mordendo-

    me a nuca, afrouxando meu cinto, desparafusando minha armadura,

    amorcegando-se em Palafrente, cortando a canivete seus arreios e fa-

    zendo com que eu fi nalmente desmoronasse de cima de seu costado,

    aluindo ao cho no meio da turbamulta, por entre um clamor feroz

    de triunfo, e uma chuva de cacetadas, trompaos e muxices, at que

  • 9 Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    meus duzentos quilos de ferragens e perplexidade quedaram atravan-

    cados em campo-de-honra, sendo calcados aos calcanhares por uma

    vintena de hirsutos ferrabrazes que celebravam com alegus o triunfo

    de sua jaqueria.

    Contundido e estonteado, mal tive noo de que Caramin-

    guante e Gongriz eram tambm submetidos e atados um ao outro, e

    que os nossos truculentos vencedores nos conduziam, por entre ver-

    gastadas e algaravia, ao castigo fi nal! Minha cabea febril entrou em

    justifi cado pnico ante a perspectiva de uma morte aviltante, longe

    da elegncia das lias ou do fragor das refregas. Enquanto eles me

    rebocavam, trpego, balbuciante, com uma ponta do correiame atada

    ao meu pescoo e a outra ao rabo de uma burra (manca, ainda por

    cima!) eu prorrompi na vasta objurgatria que depois, sem que eu o

    soubesse sequer, seria preservada nas crnicas e transmitida aos ps-

    teros como minha orao fnebre:

    - Ah, iracundos arautos do pandemnio! Acaso estais pensando

    que vosso trajeto plantgrado conseguir curvar a cerviz de nossos

    brases dicotiledneos? Iluso trda! Brancas nuvens! Doudo af! O

    ao impoluto de nosso sangue nobre dar frutos mais duradouros do

    que a insensata balbrdia com que requentais a febre das sociedades.

    De nada vos adiantar vociferar contra a solidifi cao das artrias

    da aristocracia! Jamais as vossas sedies conseguiro fazer estreme-

    cer os alicerces de nossas pirmides, de nossos ministrios, de nossas

    torres-de-marfi m! A locomotiva da Histria no padece desses reu-

    matismos. O Tempo um dinossauro implacvel que vai roer a corda

    do vosso sino, e a vai dar o cru! Carnifi cinas! Hecatombes! Hero-

    des e So Bartolomeu! Vossos gibes encardidos ho de conhecer a

    tmpera do nosso fi no ao de Toledo! Sereis passados a fi o de espada,

    e os sobreviventes descero s masmorras imperiais, onde vo ver o

    que bom pra tosse! O azorrague! A gua-de-sal! A virgem de ferro!

    O leito-de-Procusto! A roda e o pelourinho!...

    Nesse nterim, bem como nos anteriores, estvamos atravessan-

    do uma clareira que sucedia ao bosque, e terminava abruptamente

    numa encosta pedregosa onde adivinhei um precipcio, bem como a

    sorte que nos esperava. A foi que eu esbravejei!

    - Capadcios e camumbembes! Podeis matar-me, e matar a

    esses dois estrupcios que vm a atrs e s fi zeram me atrapalhar!

    Mas nossas armas luzem cobertas de glria no campo de combate! O

    tempo vos ensinar um dia o signifi cado da palavra Honra! Sabereis

    ento que sois o rebotalho da espcie humana, e que vossas caranto-

    nhas gafentas jamais merecero fi gurar ao lado das nossas, no pan-

    teo dos heris, no sacrbulo dos justos! Ns somos o Sangue Azul!

    A eles j estavam me metendo o p na bunda, e eu bem na beirinha

    do groto a eu tive que apelar:

    - Gongriz, meu santo! Caraminguante, amigo velho! A gente

    t lascado! Arreda, que eu pulo s! Vamos dar s de vila-dioooooo-

    gooooo...

    E mergulhei de cabea pra baixo, logo eu que sofro de vertigem

    e ainda ouvi os berros dos dois abestalhados sendo jogados depois

    de mim e um cho cheio de pedras l em baixo mas o abismo era

    to grande, to grande, mas to grande, que antes de chegar no fundo

    eu peguei no sono.

    F I M*

    BRULIO TAVARES (RIO DE JANEIRO-PARABA) Escritor, compositor e ro-teirista. Tm dezenas de livros publicados, entre coletneas de contos, cordis, poemas, en-saios. Entre as suas obras, destaque para A Espinha Dorsal da Memria (Contos, Rocco, 1990). Possui vrias letras publicadas por diversos cones da msica brasileira, como Elba Ramalho, Antnio Nbrega e Lenine.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    POEMAS DE DIEGO CALLAZANS

    [estrangeiro]

    eu sou estrangeiro

    estrangeiro

    no de carne ou de mapa

    as fronteiras mal barram as palavras

    (num toque me fao esparso

    e lano-me inteiro aos cantos)

    eu sou de fora

    nem de mim trago mais que esse trago

    que ergo a quem me l e verto

    sem que o ar me falte

    no sou formado dos cacos

    de sempres e nuncas que vagam j

    entrecruzados

    eu sou estrangeiro

    no sou retalho ou costura

    tapete que se joga ao sto e caro

    no sou de cinco minutos

    ao p do noticirio

    com o peito a calibrar meu silncio

    (o meu solfejo peca s pela clave)

    eu sou estrangeiro

    mesmo que a mo no tropece

    na lngua em que me ofereo

    que o bero garanta o acesso

    e o umbigo fomente frutos

    na terra que me reclama

    estrangeiro ainda

    zanzando entre os cordis

    daqueles que portam a estada

    estrangeiro

    no gueto de um s pria

  • 11

    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    [Bagd]

    nesta noite

    (pano negro

    sem pires),

    lrios bolorentos

    num convulso

    amarelo parem moscas.

    sobre Bagd

    avoam

    acaus serenas.

    temos olhos surdos.

    mas segredo!

    nosso verso pode ser

    vmito negro.

    [contabilidade]

    sol negro nas ruas.

    em andrajos se arrastam

    os cacos do cenrio.

    a cidade acusa os cus

    com seus dedos de vidro.

    meu dimon febril

    em esqueltico abrao

    me pe

    estilhaos no sangue:

    pulsantes vermes nos sonhos

    de cada ser reticente anseiam

    assassinato!

    da as navalhas nos olhos

    e as vozes de napalm.

    por isso as mes embalam medalhas

    ou veem purezas violadas

    enquanto em tronos de lama

    frgidos grfi cos regem

    maquinarias macabras!

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    meu silncio cheira a

    bebs retalhados.

    metafsico afago:

    o cigarro me necropsia.

    [machina mentis]

    feito uma manufatura,

    fordistamente minha cuca

    torce & destroa as palavras,

    e mal extrai uma metfora,

    ou metonmia, ou insight,

    ou mesmo chiste fugaz.

    a produo no arca mais

    com os vastos custos dirios.

    a mo-de-obra, os Miolos,

    j no recebe sua cota

    como os delrios so caros!

    os burburinhos do conta

    de um indicativo de greve

    um aneurisma pra breve.*

    DIEGO CALLAZANS (SERGIPE-BAHIA) Poeta. Nasceu no dia 26 de julho de 1982 na cidade baiana de Ilhus. Mora em Aracaju desde os cinco anos. Jornalista no praticante, j dirigiu vdeos, atuou em espetculos teatrais e desenhou quadrinhos Autor do livro A poesia agora o que me resta (Patu, 2013), Tem poemas publicados em re-vistas como Celuzlose, Diversos Afi ns, Mallarmargens e Reversos. Seu segundo livro est previsto para sair em 2015.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    O SANTO OFCIO

    AS LIES DE VIRGINIA WOOLFPor Franklin Jorge

    Virginia Woolf [1882-1941] escreveu sobre quase tudo sem

    prestar tributos ou dispensar louvores fi ngidos. Sentimos, ao l-la,

    que um grande escritor tambm um leitor extraordinariamente cul-

    to e apto a atravessar a porta estreita da arte sem carregar as ferra-

    mentas do seu absorvente ofcio.

    Mais conhecida entre ns por sua prosa de fi co e por ouvir

    rouxinis cantando em grego, Virginia mostra-se em O valor do riso

    coletnea traduzida e organizada por Leonardo Froes, que acaba de

    sair no Brasil - a ensasta criteriosa e sagaz que pode dizer-nos que

    a msica incita em ns alguma coisa feroz e inumana; a autora de

    textos analticos e autobiogrfi cos que catalisam suas refl exes est-

    ticas, inquietaes espirituais e tormentos existenciais que a levaram

    ao suicdio em 1941, ao jogar-se nas guas do rio Ouse, perto de sua

    casa, em Sussex. Enchera de pedras os bolsos do casaco. Estava ca-

    sada desde 1912 com Leonard Woolf, com quem fundara em 1917 a

    Hogart Press que se tornaria prestigiosa.

    Prospectou a alma humana e esquadrinhou volta de si mes-

    ma, buscando o riso puro tal como o ouvimos nos lbios das crian-

    as e das mulheres tolas, atualmente em descrdito pois ningum ri

    mais, como previu ento. Como jornalista cultural e cronista, lanou

    olhares perspicazes sobre as diversas camadas e esteios da sociedade

    londrina, ainda formalmente vitoriana mas j solapada pelo talento

    iconoclasta do grupo de Bloomsbury, tertlia que reunia s quintas-

    feiras em Hyde Park Gates e em outros endereos de Kensington

    jovens e brilhantes intelectuais e artistas que pretendiam ser renova-

    dores da literatura inglesa.

    Seus textos mais intimistas, como quando conversa consigo

    mesma, concentram a essncia de sua escrita - uma arte que nos faz

    perceber, num estranhamento, que o escritor no um homem livre

    e a msica de rua, rudimentar enftica, para fazer sucesso deve ser

    estridente.

    Admirvel o que escreveu sobre Th oreau, Henry Davi Th oreau

    [1817-1862], o ltimo de uma linhagem mais antiga de homens ou

    o primeiro de uma ainda por vir. Homem selvagem e indomesticvel,

    comps O lago de Walden e A desobedincia civil, obras transcen-

    dentalistas inspiradoras de movimentos de vida alternativa e mani-

    festaes pacfi cas pelo mundo afora.

    Th oreau desconfi ava de toda atividade que exige roupa nova e

    defendia que todo cidado podia insurgir-se contra o estado que se

    tornasse tirano. Tinha a vocao de fi car em casa e amava as coisas

    comuns, como um dia de sol ou uma tarde de inverno. Um homem,

    enfi m, que no queria viver o que no fosse vida; viver queria a fundo

    Por Franklin Jorge

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    e sugar toda a essncia da vida. De sua mo diz-nos Virginia em seu

    comentrio a sociedade recebeu uma saraivada de golpes. Estico

    que amava o silncio, todo e qualquer aglomerar-se em multides,

    para fazer o bem ou obter prazer, era para ele uma afl io intolervel.

    Achava que no precisava de mais de trs cadeiras em sua casa: uma,

    para a solido; duas, para a amizade; e terceira para os colquios.

    No fi cam atrs outros ensaios desse livro que recebeu no ba-

    tismo o titulo de O valor do riso, como o que tece sobre a publicao

    em dois volumes dos dirios de lady Elizabeth Holland, casada aos

    quinze anos com um baronete e membro do Parlamento 22 anos

    mais velho, Sir Geodfrey Webster, proprietrio rural em Battle Ab-

    bey, cuja manso se transformou em extenso do mundo da poltica,

    da sociedade e da alta cultura de Londres. Divorciada, casou-se no

    mesmo com Lorde Holland, sete anos mais velho. O que escreve

    sobre Jane Austen e o leitor comum so grandes momentos desse en-

    sasmo inteligente que nos ensina a ver e a observar seres complexos,

    e aparentemente normais.

    Virginia tinha o gosto da biografi a, dos dirios e dos documen-

    tos ntimos que, por sua vez, produziria como estes to bem esco-

    lhidos por Leonardo Froes para introduzir o leitor brasileiro em sua

    prosa fl uida e densa. No surpreende que tenha escrito o Orlando,

    obra da fantasia, como em Shakespeare Sonhos de uma noite de ve-

    ro, quando o autor visivelmente se diverte, escrevendo. Seus dirios

    e ensaios so o documento de seu processo individual de criao.

    a escritora cativa do compromisso com a escritura e com o ato de

    escrever como uma pulso de vida. Suas observaes ao comentar as

    memrias da atriz Sarah Bernhardt e sua viso multifacetada da mu-

    lher e do universo feminino, presente em seus pensamentos. Velhas

    casas de Londres, como a de Carlyle, que no consta dessa antologia

    exemplar e outras, mais obscuras, como a da velha senhora que em

    subrbio de Londres recebe todos os dias para o ch alguns velhos

    amigos de uma vida inteira e banal.

    Veneza, a Serenissima Repblica dos Doges, merece-lhe um

    olhar percuciente e extasiado que se benefi cia do conhecimento pos-

    terior. Cidade de palcios e de pintores da Escola Veneziana decan-

    tada e resumida nos quatro volumes da obra de Pompeo Melmonti,

    traduzidos para o ingls. O apogeu seguido da decadncia. Virginia

    escreve sobre Veneza como o ingls passeia, desapressadamente, po-

    rm com essa paixo que no pode faltar arte. Veneza da arte tipo-

    grfi ca de Aldo Manuzio, difusor dos Clssicos Greco-latinos, Ve-

    neza dos palcios submersos e dos pintores da Escola Veneziana, das

    ruas escuras e guas profundas. Cidade que atrai os escritores, como

    Baron Corvo, Ruskin, Proust. Trs diferentes escritores se devotam a

    Veneza, de uma ou alguma forma. Embarcaes, gndolas e o galeo

    dourado que transportava o doge, pai de toda a raa, cortando os

    canais e as lagunas, pem-nas em movimento novamente a prosa de

    Virginia Woolf.

    Admirvel ensasta! Profunda, clara e cheia de pensamentos.*

    FRANKLIN JORGE (RIO GRANDE DO NORTE) Escritor e Jornalista. Vence-dor do Prmio Lus Cmara Cascudo. autor, entre outros, do livro Fices, Frices e Africes (Mares do Sul, 1998).

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    POEMAS DE VANESSA REGINA

    preciso que te movas

    um gro que seja

    neste teu olho de prata

    cabedal de razes

    - so tantas as inundaes

    que no carregam nada -

    preciso, sim

    ferir os ns dos dedos

    e desnudar os ps

    para que colham a ltima chuva

    *

    h quem diga que o vermelho cobrir meus ps

    e as manhs to serenas

    - aquelas de um silncio desastroso -

    permanecero mnimas

    sobre o assoalho plido da cozinha

    eu digo que no

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    *a precariedade dos dias

    e o adiamento da vida

    plantados ali na soleira da porta

    minhas mos desdobrando o tempo

    e guardando num canto escuro o porvir

    a casa que no morada

    *no seria mais apropriado se o tempo

    - este senhor de braos longos

    e punhos para o alto -

    interrompesse a trajetria equivocada?

    mas somos feitos deste cho

    sobre qual pisamos

    ainda hoje ao meio- dia*

    VANESSA REGINA (RIO GRANDE DO SUL) Poeta. Nasceu em Alegrete (RS). Atualmente reside em Rio Grande, onde cursa o Mestrado em Histria da Literatura pela FURG. Edita o blog H quem diga que no era aquela msica.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    CONTO

    TO SELFIE OR NOT TO SELFIEPor Julia Antuerpem

    Segunda feira, 06:07h Acordou querendo mudar o mundo. Original. Necessrio.

    Apenas uma manh de um dia qualquer e c estava ele, deitado, com

    uma epifania em sua mente. No se deixou enganar pelos primeiros

    raios de sol: eram dias sombrios.

    Lembrou que, quando era criana, tinha um grande prazer em

    pensar no infi nito. O cu sempre foi o nico limite. Sonhava noites

    interminveis em estar com voc, Holden, no campo de centeio. So-

    nho adiado. Parava para afagar todos os cachorros que encontrava na

    rua e sonhava em levar todos para casa. Sonho perdido. Todo natal

    se perguntava Papai Noel: voc existe? P, isso era importante! Mas

    foi-se. Hoje, tudo isto no passava de um elixir mgico.

    E foi assim toda a vida: o menino que queria ser astronauta,

    msico, pintor ou inventor, mas foi condicionado para querer ser

    chefe. O adolescente que pensou em estudar fi losofi a, mas teve que

    priorizar a efi cincia capitalista. O adulto que j foi freudiano e yun-

    giano, religioso e atesta, de direita e de esquerda, a favor e contra.

    Mas hoje, preferia no discutir mais nada.

    E assim, atualmente, nada mais era do que um homem que no

    tinha nada a ver com o mundo.

    Ento por que isto agora? O que esta manh tinha de diferente?

    Nada. Eis a questo. A janela de seu quarto continuava a mostrar o

    mesmo mundo de fora, visto pelo mesmo homem de dentro. Ser

    que tantos anos omissos fi nalmente se mostraram como uma pertur-

    bao latente? Algum ouve o que ele ouve, algum sente o que ele

    sente?

    Analisando, ele chegou concluso que o comodismo a peste

    do sculo XXI. Arriscar-se para alargar horizontes? Meu caro, mais

    vale ser pa 06 CONTO To Selfi e or Not to Selfi e - Julia Antuerpem

    SP rvo do que morto. Pergunte a qualquer um. Colombo foi um lou-

    co descompensado de atravessar aquele oceano procurando alguma

    coisa.

    Hoje, em todo lugar do mundo h medo, desconfi ana, desilu-

    so. Dinheiro sujo, conscincia suja, discursos que secretam. Espcies

    se tornam extintas mais agilmente do que qualquer corrupto, que se

    declara socialista, sentenciado. Deus morreu, mas tem um orculo

    Por Julia Antuerpem

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    oportunista em cada esquina. A direita ganha, a esquerda renasce das

    cinzas e tudo recomea do zero nesta tela total. As pessoas no sabem

    mais de si. Ningum admira mais o progresso dos outros, ningum

    quer ajudar, ningum quer melhorar. Esperam ansiosamente (porm

    dentro de uma pacifi ca acomodao), por um mundo melhor. Rotu-

    lam o sistema como mau, mas no como inimigo. E, no fi m do jogo,

    preferem adiar toda a partida. Adorabilssimo este mundo novo.

    Todas aes acontecem pelo medo, no pela busca de uma ple-

    nitude. Algum se aproximou no trabalho? Ou pra te imitar ou

    boicotar. Desafi o algum achar algum outro adjetivo que venha

    mente primeiro. Morra quando quiser, mas, por favor, s no no meio

    da maratona usando o uniforme do patrocinador: no pega bem. No

    divulgue novas oportunidades, no abra os vidros do carro e use todo

    tipo de sorte que tiver disponvel para brincar de sobreviver. Ateno,

    o manual de hoje da sobrevivncia alega: no pea paz, pea armas;

    no reze para ter esperana, reze para ter foras. Amargo o posto

    de fi m do mundo.

    O um por todos e todos por um quase uma utopia, um uni-

    crnio ou uma imagem fssil de um passado longnquo. Agora o

    salve-se quem puder reina como uma constante msica de fundo,

    alta e em bom tom. Sndrome da toda alma moderna. Tem tanta

    coisa desandando que nem sabemos o nome que dar. Capitalistas:

    senhores por mrito, escravos por necessidade. No. Qual o oposto

    do milagre? Este seria um bom nome.

    Pensou nas inmeras revolues perseguidas, exlio de gnios,

    queima de livros e tortura dos que se sacrifi caram por um mundo

    melhor, para acabar assim. Oh, amigos, o desculpem: que ele, cmo-

    do, sobreviveu e vocs j foram. H uma culpa invisvel e presente:

    so estes fantasmas na janela e suas sombras no cho.

    Mas agora ele no conseguia mais imaginar aonde encaixar tais

    coisas num amanh bem escrito. Os erros tero que ser acertados.

    tempo de urgncia, tempo de insurgncia.

    06:25h Ento estava decidido: iria mudar o mundo. Simplesmente. Fi-

    nalmente.

    Seria o idealista, o rebelde, o aventureiro, o altrusta e o incan-

    svel. Tomaria o controle de si mesmo. Pararia de apertar o boto

    da soneca toda vez que o despertador mostrasse que est na hora de

    agir. Agradeceu por ter sido uma criana solitria que s tinha como

    amigos os livros. Estes sim formavam um excelente peloto de en-

    frentamento. Eureca!

    Uma imensa animao e plenitude o atingiram. Um belo co-

    meo: uma ideia se tornou um jeito. Decidiu comear escrevendo a

    verdade. A verdade! H! Aquelas corriqueiras verdades sobre as quais

    pouco se sabe e menos se faz. Afi nal, no foram os prprios humanos

    que criaram esta realidade? Criaram, consentiram e at planejaram.

    Ui. Estudaria, ento, todas as revolues, o mecanismo do sistema e

    reprogramao neuro lingustica. Iria sugerir uma revoluo alm do

    capitalismo e alm dos aspectos destrutivos da modernidade. Seria

    um texto revolucionrio. Ele, que hoje ningum sabia o que se passa-

    va naquele quarto ou em sua mente, mudaria o mundo.

    Pensou em escrever com um pseudnimo para no ser encon-

    trado, mas achou meio covarde logo em seguida. Seria isto covardia

    ou orgulho de querer os louros caso desse certo? Ficou confuso. Pen-

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    sou melhor e resolveu comear pela ocupao das ruas, afi nal no s

    isso que chama ateno? Talvez, tivesse que comear esta revoluo

    fora de casa e no meio das ruas. Mas... nas ruas? Publicamente? E,

    se fosse pego, torturado, exilado? Talvez seja melhor comear uma

    revoluo discreta enquanto fi nge-se um carter miservel, aceitando

    os preconceitos e costumes dominantes, disfarando qualquer coisa

    que denote que esta independncia de esprito possa ser interpretada

    como uma provocao. Realmente, por mais triste que seja, ser toma-

    do por louco traz menos problemas. Difcil a mecnica da revoluo

    moderna, hein?

    Sua cabea doa. Anos estudando e sonhando aparentemente

    sem utilidade, agora vinham tona como um maremoto. Parou e

    pensou.

    06: 43h Um medo tomou conta. Ser?

    O primeiro que levanta a cabea na multido sempre aquele

    que toma a primeira pedrada, no ? Que coragem.

    Repensou. No conseguia achar outro fi nal para sua empreita-

    da: seria, como tantos outros foram, perseguido, exilado, torturado

    ou veria sua morte antecipada selada de segredo. No. Temeu pela

    prpria vida. Estava exagerando talvez? Afi nal, no d pra ser to

    altrusta, to elevado, so seres humanos que habitam a terra, no

    mestres ascencionados.

    Ser que este idealista aventureiro que ele criou no nada mais

    do que um egocntrico, insatisfeito e manaco? H de se convir, que-

    rer ser o despertador da atual letargia meio louco. Sem falar suicida.

    Quis ter seus livros por perto...

    No. Ele no podia fazer tudo. Deixaria algo para deus. No que

    ele tivesse medo da morte, mas no tinha pressa em morrer tambm.

    Afi nal, por mais que ele quisesse lanar novas leis, no seria julgado

    pelas que j existem? Tem como algum transcender e continuar sen-

    do membro dele?

    J estamos to acostumados com o osso, por que que ele que-

    ria pegar a carne agora? Ser o portador das notcias ruins? A verdade

    (e que atormenta a todos, at as mentes mais dotadas) que morrer

    por um ideal fcil, difcil viver por um ideal.

    Ento, brinquemos de poltergeist. Coloquemos-nos na posi-

    o de fantoche. Aceitemos esta gerao perdida de pessoas falsas.

    Cresamos mortos. Sim. So as injustias da vida. No foi isto que

    te ensinaram? A mascara est perfeitamente de acordo com o que se

    deseja ocultar.

    E assim tudo continuaria igual. Ao fi nal do dia s seria mais um

    dia. Sobreviveria, como at agora sobreviveu, junto com esta humani-

    dade numa casca de ns.

    07: 14h No! No poderia ele arranjar uma desculpa. Outra desculpa.

    Outra vez. At a noite mais sombria tem que descansar e o sol h de

    nascer.

    C estava ele: barganhando por minutos de vida desperdiados,

    lutando para ser feliz, mais um pouco que seja. Queria parar de s

    assistir, s reclamar, s curtir o Greenpeace no facebook, s chegar no

    supermercado e chorar de felicidade que o preo abaixou. Manipula-

    dores de todos os tipos reinam imponentemente nesta sociedade viti-

    mal, onde um nada mais faz do que suportar o outro, mas ns somos

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    os verdadeiros guardies deste mundo. No possvel que estejamos

    condicionados ao comodismo.

    melhor tentar, ainda que em vo. Ou combatendo o sistema

    ou criando um novo. A nica coisa errada no fazer nada. Ir sim,

    mudar o mundo. Ir enfrentar o medo, levantar e agir mesmo que isto

    signifi casse desfazer vnculos, vender bens e se despedir.

    07:30 h O despertador tocou e o tirou desta epifania. Lembrou que era

    s um cara em seu quarto, num dia qualquer. E agora?

    Ser que tudo isto no se passava de uma indisposio ou se-

    ria este o sublime e lento comeo das aes? Maldita hora da noite,

    quando nossos sonhos vm. No tinha decidido como fazer. Tambm

    no tinha perdido o medo de fazer. Parou. Ficou. , no. Talvez, no

    cabia a ele, um rele homem, julgar. necessrio liquidar o silencio do

    mundo? No sabia mais.

    Suspirou e sacudiu a cabea. Finalmente se levantou. Afi nal, j

    eram 7:30, e tinha que ir para o trabalho que no gostava, mas pagava

    as contas. E, como bem disse Oxford, a palavra do ano selfi e e no

    sharie.

    07:31h (e todas as horas adiante) E, talvez, o fi m da humanidade seja diferente do que muitos

    esperam. Talvez a humanidade acabe assim, como um suspiro e no

    como um estrondo.

    Infelizmente, mas simplesmente.

    *

    JULIA ANTUERPEM (SO PAULO) roteirista e escritora ps-graduada com espe-cializao em Escrita Criativa por Harvard University. ganhadora de diversos editais e concursos privados de Roteiro e Literatura. Dentre eles, destacam-se Melhor Roteiro de Fico pelo Green Nation Fest 2012 (em parceria com a Rede Globo), Melhor Crnica IV Prmio Martha Medeiros 2013 e Prmio Estmulo de Curta Metragem 2011 com projeto suplente. Atualmente, cronista da Revista Benfazeja de Literatura.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    ENSAIO

    UMA AUSNCIA, POR ENQUANTO: A MELANCOLIA NOS POEMAS DE HEMISFRIO, DE YURI EMANUEL

    Por Sidney Andrade

    Campinenses, efusivos, urbanos e introspectivos, os versos do

    jovem Yuri Emanuel secretam certa bile negra por entre seus vos

    bem encadeados e ritmados, s vezes at ligeiros. Seu livro de estreia,

    Hemisfrio, evoca uma melancolia que, longe de ser confundida com

    tristeza, nos convida a uma introjeo de si mesmo, a partir de seu

    olhar majoritariamente ensimesmado, da celebrao da autoanlise,

    da autocrtica, da esperana no prprio devir. Engastados no cin-

    za plido da cidade industrializada, desenvolvida, longe das imagens

    ridas em tons de spia, os poemas deste livro sobressaltam o leitor

    pela umidade com que tinge as cores montonas do cotidiano que,

    apesar de preenchido de afazeres, se esvazia dentro de um peito an-

    gustiado.

    Mas que angstia essa, de onde ela vem? Apesar de esfera

    integral, a vida se fragmenta e se divide na intimidade do ser. Dois la-

    dos se opem: o eu e o mundo. Um hemisfrio s a metade que me

    vale. O outro pura falta. O peso de ser meio-mundo, mais o cansao

    de esperar pela outra metade, que no se concretiza. O sentimento de

    busca por uma busca um tapa-buraco, tenta suprir a falta de uma

    falta, e desse reconhecimento insuportvel de uma ausncia ausente,

    sobra a espera angustiada como ncleo de uma grande descontinui-

    dade, inrcia agitada que paralisa (HASSOUN, 2002).

    [...]Eu sou uma lasca da casca da rvore,O pasto pisado, vasto e comido:Vez ou outra, regurgito;Vez ou outra, ressuscito.No geral, eu s existo.Quero coresQue esse escuro j no basta.

    (Sincero, p. 10)

    Sendo manuteno de um desejo sem causa, mas cujo objeto

    a prpria ausncia, a angstia aparece como manifestao ativa da

    melancolia, esta que, por sua vez, pura passividade, morosidade. Por

    instantes, o vcuo se preenche e, ainda que indecifrvel, este produto

    que enche o peito oscilante d um sentido, mesmo que fugaz e m-

    nimo, ao hemisfrio que se : Desgraa no ver que se confunde

    pelo amor/ Desgraa ver que se amou direito./ E eu me sinto cheio/

    Cansado/ Meio morto./ Eu sou um cara e tanto/ E fi m da piada.

    (Vcuo, p. 63).

    Vinda da Idade Mdia, quando a peste imps aos homens uma

    intimidade inconveniente com a ideia da morte, a melancolia nasce

    como introverso, medo do inevitvel, do desconhecido, aniquilador.

    A impotncia do ser aplacado pela brutalidade do mundo s se trans-

    formou a partir do momento em que, ps sculo 11, o individuo

    renascentista entra em contato maior com sua prpria natureza, uma

    vez que para se individualizar, precisava se exteriorizar. Esta exterio-

    rizao aproximou o homem de si mesmo e, nesta dinmica, o pro-

    cesso de autoconhecimento ganhou importncia. Analisar a prpria

    melancolia elevou o nmero de biografi as e dotou o objeto espelho

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    de uma importncia perturbadora no cotidiano (Scliar, 2003).

    [...]A paz olhou pra ele e disse: velho, espera que ta difcil chegar aE ele que j encarou lees,Foi arruinado pelos coelhos.Vou comprar um bicho de estimaoDe preferncia,Um espelho.

    (Surpreso, p. 17)

    Sujeito e objeto de si mesmo, o individuo diante do espelho pe

    em cheque o que pensa e o que no pensa, o que sente e o que no

    sente, o que v e o que no v, percebe as falhas, entende as impos-

    sibilidades do eu. Olhar-se ser algoz e vtima, num processo inc-

    modo, desconfortvel, desconcertante, mas imensamente frtil. Do

    embarao com tal confronto, a melancolia leva ao retiro. A retrao,

    introspeco. No entanto, ao invs de isolamento, cumpre o papel

    de espao da descoberta de si. Como atitude sbia, ensimesmar-se

    tentar da conta da metade do mundo que nos cabe, uma vez que,

    aparentemente, a metade vazia, o hemisfrio faltante, no se revelar

    jamais como apreensvel ao sujeito que Poe em confl ito aquilo que se

    e aquilo que se sabe.

    Meio-vazio, estar melanclico difere da tristeza na medida em

    que esta, na verdade, trata-se de uma reao natural com causa di-

    visvel e tempo de durao previsvel, no transcorrer do cotidiano.

    Tampouco se confunde com o tdio, sentimento agudo que surge do

    contato com a dimenso sequencial montona do tempo do relgio,

    que gira em torno do prprio eixo. Para alm destes dois estados, a

    melancolia pode fi gurar como condio existencial envolta em uma

    aura fi losfi ca capaz at de atribuir certo status intelectual ao melan-

    clico (Scliar, 2003).

    [...]E por falar em fazer algo, to sem vontade do que quer que seja.No fastio, no verme, No luto, no gripe, no fome, Nem saudade, muito menos se sentir velhoValha!Banzo esse, ento?Deus que sabe!- Vai ver, tdio.

    (Por eliminao, p. 36)

    O pensar demais, ainda mais sobre si mesmo, tem o curioso

    efeito de ruminao das memrias, alm de corroer a conscincia

    pela incapacidade de esquecer-se: Hoje eu tive vontade de ser crian-

    a outra vez/ Mas no tive tempo de me lembrar/ Como fazia pra es-

    quecer/ Do tempo. (Surpreso, p. 17). Mas, se por um lado, voltar-

    se para si mesmo confi gura farta fonte de pensamento, no produz

    ao quase alguma. Ento, a atitude melanclica, que era vista como

    elevao intelectual apropriada, em tempos de Iluminismo, transfor-

    ma-se em empecilho social para a era ps-industrializao.

    Da modernidade ps-modernidade, os indivduos viram-se

    sujeitados inevitvel falta de tempo. Dedicar-se autoanlise pres-

    supe um intervalo que no pode ser desperdiado por quem precisa

    vender suas horas para garantir o salrio e o sustento. Posteriormen-

    te, quanto mais introspectivo, menos socializvel. No se refl ete, se

    divulga. O espelho perdeu seu lugar para a lente da cmera, porque

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    o tempo de pensamento anula o tempo de exibio. A melancolia,

    assim, passou a se manifestar no campo da inadequao. Consequen-

    temente, tornou-se causa de sofrimento e angstia ao melanclico

    atual.

    A subjetividade se realiza, agora, no tempo presente, no nvel

    do instantneo, na manifestao do desejo, na demonstrao da em-

    balagem imune ao do tempo, no corpo sem marcas. Em plena

    sociedade de consumo, o sofrimento psquico brota da artifi cialidade

    sexual, moral, subjetiva. A introspeco melanclica coloca o indivi-

    duo na borda, uma vez que o destitui da vontade do consumo. Ele

    se encontra no tempo da eternidade, sem pressa, sem desejo que o

    fi sgue, sem limite que o delineie (PEREIRA, 2012). Melancolia, ao

    que parece, submeter-se (ou permitir-se) ao aprisionamento dentro

    de um enorme e indefi nido, mas claustrofbico, por enquanto.

    [...]Eu no quero mais ter que levantar a mo.Quero s chorar se for preciso,E pedir ao tempo que cure a ferida.Continuo sem sentir saudades,Continuo com a memria ruim.Mas s o fato de continuar j me alguma vitria.

    (Trocadilho, p. 20)

    Sem perspectiva, no h o que a psicanlise chama de investi-

    mento. Sem investimento, no h desejo. Sem desejo, como conviver

    harmonicamente na sociedade de consumo? A construo narrati-

    va da prpria histria possibilita que os sujeitos tramem as prprias

    existncias. Investir confi ar na promessa que se faz a si mesmo,

    acreditar no fi nal feliz para o conto que se forja para o futuro da

    prpria vida, ainda que o tempo futuro ps-moderno seja imediato,

    na medida da satisfao de desejos que se sucedem. Quando no se

    consegue articular uma sucesso narrativa que encadeie os fl ashes

    cotidianos e que d base para o prognstico do prprio devir, sobra

    apenas o apego ao por enquanto, uma vez que a imagem do futuro

    revela-se idntica do presente (PEREIRA, 2012). Algo se perdeu,

    mas no se sabe o qu. Talvez a prpria possibilidade de se subjeti-

    var dialeticamente esteja perdida. Por enquanto, tem-se apenas a si

    mesmo, sem querer. E nesse eterno por enquanto, a poesia o que

    promete certa redeno:

    [...]Que jamais me falte a caixa de fotografi a,Pra que os sorrisos venham sempre lavados pelas l-grimas,E as lgrimas por saudade e saudao, que o soluo.

    Que a praga a mim enviada o vento leve,Que os quatro cantos esqueam meu nome,Mas que a Terra um dia me aceite tal como sou.Que eu seja mais do que sou agora,

    (Reza, p. 75)

    Certa crueldade (para consigo e para com o mundo), no en-

    tanto, d ao melanclico a coragem de enfrentar a prpria carncia

    de um futuro. No se ilude, o que bom e mau. Mas encara a falta,

    sem recuar. O medo de no sentir lhe arranca, ironicamente, o medo

    de perder. Esse medo medonho de no viver o que sustenta a vida,

    anestesia o grande por enquanto fl or da pele, torna o tdio e a

    tristeza suportveis, quase bem-vindos, agridoces.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    Os carros passam l na frente, e me deixam no sobres-saltoPanelas assobiam e distribuem calor.E eu que no tenho dinheiro pra fl ores, volto da venda E encaro o coentro como um buqu de rosas sobre a mesa.O sol que embaava a linha do asfaltoD uma trgua atrs de uma nuvem;Me valho da sombra pra me refrescar,E sendo assim, a vida se resolve sem promessasSo minhas as juras que ainda restamDo lado da janela,Guardadas, Na caixinha do sal.

    (Meio-dia, p. 13)

    A metade que se e a metade que falta, longe de idealismo ro-

    mntico, constituem a busca pela conscincia de si mesmo em meio

    ao caos de tantos eles mesmos. Delinear este limite entre dois polos

    leva tempo e, no raro, evoca dores abstratas quase invisveis. Em

    Hemisfrio, l-se o encontro grave (e mesmo acidental) do eu com

    sua inquietude autorrefl exiva, colorindo de marrom outonal, silen-

    cioso e quieto, o pasmo de se deparar com um excesso de conscin-

    cia inesperado. Se ser um s j me transborda deste lado, que coisas

    imensas no haver daquele outro lado que me ultrapassa?

    REFERNCIAS:

    EMANUEL, Yuri. Hemisfrio. Cidade do Porto: Editora World Art

    Friends, 2010.

    HASSOUN, Jacques. A crueldade melanclica. Rio de Janeiro: Ci-

    vilizao Brasileira, 2002.

    PINHEIRO, Tereza. O modelo melanclico e os sofrimentos da

    contemporaneidade. In: VERZTMAN, Julio; et. AL. (orgs). Sofri-

    mentos Narcsicos. Rio de Janeiro: Cia de Freud, UFRJ, 2012. pp.

    17-38.

    SCLIAR, Moacyr. Saturno nos trpicos: a melancolia europeia che-

    ga ao Brasil . So Paulo: Companhia das Letras, 2003.*

    SIDNEY ANDRADE (PARABA) - Escritor, Jornalista e mestrando em Literatura pela Universidade Estadual da Paraba (UEPB). Colabora com crnicas para o site de notcias culturais campinenses Livre Pauta (www.livrepauta.com) e tem publicado di-gitalmente o livro de contos A Olho Nu, disponvel para download gratuito em www.sidneyandrade.blogspot.com

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes ISSN 2238-930X - Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015

    RABISCO DO OUVIDO

    Por Raoni XavierCarcar/ L no serto

    um bicho que avoa que nem avio

    um pssaro malvado

    Tem o bico volteado que nem gavio

    Carcar /Quando v roa queimada

    Sai voando, cantando,

    Carcar / Vai fazer sua caada

    Carcar come int cobra queimada

    Quando chega o tempo da invernada

    O serto no tem mais roa queimada

    Carcar mesmo assim num passa fome

    Os burrego que nasce na baixada

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar / Num vai morrer de fome

    Carcar / Mais coragem do que home

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar malvado, valento

    a guia de l do meu serto

    Os burrego novinho num pode and

    Ele puxa o umbigo int mat

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar / Num vai morrer de fome

    Carcar / Mais coragem do que home

    CarcarJoo do Vale

    *

    RAONI XAVIER (PARABA) Ilustrador, Quadrinista e contista.

    ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015

    RABISCO DO OUVIDO

    Por Raoni XavierCarcar/ L no serto

    um bicho que avoa que nem avio

    um pssaro malvado

    Tem o bico volteado que nem gavio

    Carcar /Quando v roa queimada

    Sai voando, cantando,

    Carcar / Vai fazer sua caada

    Carcar come int cobra queimada

    Quando chega o tempo da invernada

    O serto no tem mais roa queimada

    Carcar mesmo assim num passa fome

    Os burrego que nasce na baixada

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar / Num vai morrer de fome

    Carcar / Mais coragem do que home

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar malvado, valento

    a guia de l do meu serto

    Os burrego novinho num pode and

    Ele puxa o umbigo int mat

    Carcar / Pega, mata e come

    Carcar / Num vai morrer de fome

    Carcar / Mais coragem do que home

    Carcar

    *

    RAONI XAVIER (PARABA) Ilustrador, Quadrinista e contista.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    TRECHO DE ROMANCE

    2FADE IN

    Por Wander Shirukaya

    Adrian

    Tava cansado de ouvir aquele prog mais convencional, Floyd,

    Yes, Genesis, aquela coisa toda, e fui na loja que fi cava a dois quartei-

    res de casa. Tinha um cara que nunca tinha visto l, e pelo jeito tava

    trabalhando. Gostava mais da coroa que trabalhava antes, disseram

    que arrumou coisa mais interessante pra fazer do que fi car pesqui-

    sando sobre msica pra entender a lngua da turma que colava por

    ali. Engraado que o cara novo acabou me convencendo a levar o

    London Calling! Puta que pariu, voc sai de casa pra pegar um som

    mais elaborado e volta com aquela coisa to simples! Mas o pior

    que eu pirei no som. Ele ps pra rolar nos falantes da loja, ouvi com

    bastante ateno, j pensando em descer o pau. Acabei fi cando f, eu

    e o cara trocamos uma ideia a tarde toda, Johnny o nome dele. Disse

    a ele o meu nome, e a, sou Adrian. A ele me mostrou um violo que

    estava atrs do balco. Voc um cara legal, s precisa saber que h

    mais coisas no mundo da msica do que picos de vinte e oito mi-

    nutos. Eu ri com a bobagem que ele tava dizendo, uma menina que

    tava escolhendo umas camisetas no outro lado pareceu ouvir e riu. E

    aquela mina? Gostosinha, hein! Eu no sei bem, mas me pareceu que

    ele tava querendo fazer um raio-X da moa. Como ela tava de costas,

    acho que nem percebeu. Peguei o violo, dedilhei alguns arpeggios.

    Voc toca bem, cara! Quando ele disse que tambm era formado em

    msica, acabei desafi ando ele pra uma jam. Apesar das desavenas, ali

    comeou uma grande amizade. Toquei muito na tele dele.

    Lune

    Esse lbum timo. Obrigada. Goo realmente um grande dis-

    co, o que eu tinha em casa era pirata, tava a fi m de encontrar original

    pra completar minha coleo. Assim, me contentava em andar com

    ele estampado na camiseta que o moo da loja elogiou. Onde fi cam

    as camisetas? Ali do lado, perto daquele balcozinho com miniaturas.

    Assobiava uma msica, no me lembro qual, enquanto vasculhava

    os cabides. Stones, Cannibal Corpse, todos os gostos ali, eu ainda

    mal conhecia, quer ajuda, moa? Te preocupa no, moo. Chegou um

    cara esquisito solfejando uma coisa que no entendi o que era, que

    tu tem de prog a? Deixei a conversa deles pra l, passeei por mais

    camisetas, uma estampa legal que fi casse bem com minhas pulseiras

    ou com meu cabelo. Ruiva combina fcil com tudo, ri lembrando do

    que disse um namorado meu uma vez. Pena que eu nunca consegui

    pensar daquela maneira. Resultado: no comprei nada, volto outra

    hora, sa, os dois mal perceberam, conversavam sobre msica. Ainda

    parei na vitrine da loja ao lado, instrumentos, que guitarra linda! No,

    contrabaixo, tinha numa plaquinha com o preo. Deixei de sonho e

    fui pra casa.

    Johnny

    Na loja era proibido fumar, por isso me escondi no banheiro,

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    ouvi um barulho. Como poderia ser algum cliente ou mesmo o dono

    da loja, atirei os restos de cigarro na privada, dei descarga e fui ao

    balco. Para minha sorte, foi apenas uma cliente, uma ruivinha pro-

    curando por camisetas. Tive vontade de recomendar qualquer uma;

    ruivas so mais adaptveis, sem muitos problemas para se vestir. Para

    no ser inconveniente, ative-me a lhe mostrar a seo das camisetas.

    Nesta hora chegou um sujeito de jeans e camiseta preta sem estampa

    alguma. Indiquei-lhe Floyd, Yes, Genesis, ele deve ter achado meio

    primrio. Para no perder o cliente, deixei-o ouvindo algo do meu

    gosto enquanto fui vasculhar algumas coisas do gosto dele, pensei

    ter visto, logo quando comecei a trabalhar, algo do Van der Graaf

    Generator por l, mas no sabia onde. O rapaz me chamou de vol-

    ta, comentando ter gostado do som. Clash. Classico! Achei at

    estranho algum que dizia ter um gosto to refi nado no conhecer,

    mas preferi evitar confl ito. Peguei um violo. Voc um cara legal, s

    precisa saber que h mais coisas no mundo da msica do que picos

    de vinte e oito minutos, disse em tom de brincadeira, acho que ele

    no se importou. Enquanto ele dedilhava algo no instrumento, repa-

    rei que a ruiva das camisetas era atraente. No sei bem por que, mas

    era. Passei uns instantes a observando. Acho que ela percebeu algum

    comentrio, pois foi caminhando para sada enquanto eu e o rapaz

    conversvamos. Queria que ela aparecesse mais vezes. *

    WANDER SHIRUKAYA (PERNAMBUCO/ SO PAULO) Escritor. Mestre em letras pela Universidade Federal da Paraba (UFPB). Autor do livro Balelas (Contos, Muttus, 2012) e ganhador do Prmio Pernambuco de Literatura (2014) com o romance Ascenso e Queda (CEPE, 2014), do qual aqui foi publicado um captulo.

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    POEMAS DE DIEGO MENDES

    A MARCHA DOS SIRISPara Ricardo Cravo Albin Todos os siris resolveram

    acompanhar os meus ps

    Os siris

    - dezenas

    de patas

    azuis

    esto se

    afogando no mar

    a revelar

    a carapaa

    do amor sublimado

    predestinado

    cabala dos sonhos

    (alm do distante)

    nos arrecifes da palavra

    a deslizar sem rumo

    na marcha dos limites

    mar bonito!

    mar infi nito!

    mar de calma!

    Todos os siris e eu

    no horizonte fascinante

    Sombras da noite incompleta

    onde o meu corao

    morreu vivo

    Siris, alma da minha alma,

    direo indiscreta

    do meu dedilhar

    derrotado

    S, vagando no silncio,

    os meus siris e eu,

    em suprema tristeza

    Oh, mar cor da prata

    a ferir os meus olhos

    ignorados!

    Os siris Os siris

    ensinaram-me a nadar

    na solido dos dias

    emirados sob as guas

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    A DESPEDIDAPara Astrid Cabral

    Assemelhou-se neblina

    a doce lgrima da av

    o colo de seu tero

    no poder de proteger

    o viajante

    em sua hora

    composta

    de ardor

    aos pedaos

    sonoros

    de seu calar

    de imensa

    dor

    O ZNGAROPara Ives Gandra da Silva Martins

    Do celeste

    autntico:

    a dor

    a revelar-se

    verdadeira

    Meu relgio parado

    para as bestialidades

    do adormecimento

    em cantos divinizados

    Outra noite,

    o supremo Anjo

    com mantas

    estelares

    pairou sobre os

    meus ombros

    e a luz de seu vulto

    ofuscou o meu corpo

    nas sombras

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    da chuvosa paisagem

    Eu no sei

    ou nada sabia

    sobre mistrios

    iluminados

    de um zngaro

    em predestinao

    terrenal

    Deus aparece azul

    na melancolia das

    palavras doloridas

    e reveste a alma

    de vinhos e fugas

    em sublimes ardentias

    o hino aberto

    nos dias dilacerados

    pelo Medo

    os Tempos pavorosos

    em Amor tempestivo

    na aurora das rosas

    sonoras da sobrevida

    repartida em prantos

    dos cavalos pressgios

    em olhares vrios

    o susto

    e a redeno

    de um vento

    passageiro

    no horizonte

    constelado

    e vocacionado

    dor

    na grande

    fora

    do etreo

    desvelado

    sobre mim

    *

    DIEGO MENDES SOUSA (PARAN- PIAU) Poeta. autor dos livros de poemas Divagaes (2006); Metafsica do Encanto (2008); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2010, Edies Galo Branco); Fogo de Alabastro (2011, Coleo Madrugada, Posfcio de Ldo Ivo); Candelabro de lamo (2012, Posfcio de Astrid Cabral) e O Viajor de Altaba (2013, Posfcio de Carlos Nejar).

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    ENSAIO

    DUAS PELEJAS PARA UM CAMINHO SOB O SOL CORDELSTICO

    Por Aderaldo Luciano

    Um dia eu quis estudar o cordel brasileiro em sua face pica.

    Das pesquisas realizadas poca, conclu que toda a produo refe-

    rente ao denominado ciclo dos cangaceiros, com a fi gura de Lampio

    frente, oferecia elementos capazes de respaldar minhas opinies

    sobre o gnero. E fui procura de aprofundar o bisturi apreciativo.

    Essa ao requeria uma observao mais vasta no todo cordelstico

    brasileiro, alargando o mapa do material para estudo, tanto terico

    quanto literrio. E foi o que destinei-me a realizar.

    Na construo do caminho, porm, acabei por encontrar outros

    elementos, outros sintomas que fugiam ao tema eleito e me pediam

    urgente tomada de deciso. Foi o encontro da peleja Manoel de Aber-

    nal e Manoel Cabeceira o responsvel por alguns questionamentos

    tericos destoantes do modelo que havia edifi cado. Chegara con-

    cluso fi lha da puta que o cordel possua um carter exclusivamente

    narrativo, mas, puta que pariu, vejamos o incio da peleja:

    Cabeceira Sr. Manoel AbernalSou Manoel CabeceiraO cantador mais tmidoQue teve nesta ribeiraPode fi car descansadoQue ou morre ou sai na carreira

    Abernal De onde vossa merc veioTem outro desta maneira?

    No tem medo de dizerQue me bota na carreiraEstar bbedo ou fi cou doudo?Para dizer esta asneira?

    Deparando-me com esse modelo fui obrigado a repassar as ca-

    ractersticas da obra pica e, fazendo o confronto, a comparao, co-

    mecei a ver outro caminho para o estudo. No que o cordel perdera

    seu elemento pico, seno que ganhara outros elementos. A peleja em

    questo, apesar de se desenrolar de maneira igual s outras s quais

    tive acesso, faltava-lhe um mestre de cerimnias para apresent-la.

    Esse mestre de cerimnias, no caso a pessoa que, supostamente, viu

    e descreveu a peleja, um intrujo que sempre aparece nas duas ou

    trs sextilhas precedentes ao embate. Foi seguindo essa tradio que

    o poeta Varneci Nascimento escreveu sua Peleja de Aloncio com De-

    zinho, alis, uma das mais belas e bem construdas sextilhas introdu-

    trias que j pude ler em cordel:

    Pedir o saber a Deus

    praxe dos cordelistas

    E o mesmo eu fao agora

    Pedindo a Jesus as pistas

    Para narrar a contenda

    Entre dois bons repentistas

    O improviso complexo

    Pois no tem um s caminho

    Por isso Deus nessa estrada,

    Peo-lhe um empurrozinho

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    Pra descrever a peleja

    De Aloncio com Dezinho

    J somos acostumados

    Ver repentistas cantando

    E acompanhando os versos

    Duas violas tocando,

    Entretanto essa disputa,

    Aconteceu trabalhando.

    Nessas trs sextilhas iniciais o poeta, pela voz do mestre de ce-

    rimnias, segue risca as orientaes do cordel clssico. Procede a

    invocao pedindo a Jesus que lhe d as pistas para escrever um

    bom poema, na primeira estrofe. Na segunda, pede a Deus sabedoria

    para ser capaz de passar para a escrita o fenmeno do improviso, que

    estritamente oral e, na terceira, adverte que no uma peleja nor-

    mal entre dois repentistas ao som das violas. Dessa maneira envolve o

    leitor e o seduz para que ele se assenhore do motivo dessa peleja ex-

    traordinria passada durante dois turnos de trabalho pesado na roa.

    Preciso apontar, traidor que sou, um detalhe: na primeira estrofe, o

    mestre de cerimnias pede luz para narrar e na segunda pede para

    descrever. Num vou nem dizer que um desses tericos capados, que

    s pensam em lascar os outros, chamado Georg Lukcs, j desenvol-

    veu um estudo inteiro sobre o tema. Considerando que a peleja o

    dilogo entre dois personagens, sem a interveno de um narrador,

    concordamos que a permuta entre narrar e descrever, aqui, no se

    prenda ao acaso, seno a uma confuso intelectual sobre a obra de

    cordel, nesse caso, a peleja, difcil de se conceituar, tanto para o leitor,

    como para o autor, delatada na voz de um personagem. Pela presena

    desse personagem, esse dedo-duro descarado, que quer contar como

    se deu a peleja e descrever a prpria peleja na voz dos pelejantes,

    acontecida no tempo passado, estando o contador no presente, posso

    afi rmar que essa peleja contm traos narrativos. Como suponho que

    o leitor da Blecaute no um ignorante completo, creio que ele saiba

    que o texto literrio puro no existe, que uma caracterstica que

    predomina sobre outra, tambm podemos afi rmar que h uma des-

    crio. Peo at desculpas pelo excessos de ques, mas foi o que deu

    para arrumar. Olhando um pouco mais, sei que posso, ainda, identi-

    fi car traos marcantes do gnero dramtico quando os personagens

    assumem, eles mesmos, a direo do poema, confeccionando a inter-

    locuo, com o narrador (mestre de cerimnias) retirando-se de cena.

    Logo, os trs gneros clssicos se fazem presentes neste texto.

    Nas dezesseis sextilhas seguintes o leitor ambientado sobre

    o local e a ambientao onde se deu o combate potico: no interior

    da Bahia, numa cidade perdida chamada Banza, durante o eito, o

    trabalho na roa, na capinagem, cantando batalhes, os versos im-

    provisados. Ainda descreve os dois debatedores e apresenta seu Nu

    que determina o tema da peleja:

    Na cabeceira da roa

    Fim do eito derradeiro

    Z de Nu disse: Em sextilha

    Quero que cantem ligeiro

    Seu Dezinho vai ser o boi,

    Compadre Aloncio, o vaqueiro!

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    Desse ponto, na vigsima sextilha, os improvisadores assumem

    a direo do folheto:

    ALONCIO Sou um vaqueiro afamado,

    Pego qualquer boi sozinho,

    Inda mais sendo pequeno,

    E mole feito Dezinho.

    De outros correu bastante,

    Mas eu lhe pego, Tourinho!

    DEZINHO Entro por mata e caminho

    E voc no me acompanha,

    Pois, correndo atrs de mim,

    O seu cavalo se acanha.

    Vem metido a estrategista,

    Mas volta sem artimanha.

    A peleja segue seu ritmo natural, com um dos cantadores sendo

    o vaqueiro, que quer pegar o boi, e o outro (o boi) se desvencilhan-

    do das armadilhas do primeiro. Percebe-se o respeito oralidade na

    observao pontual da deixa, ou seja, leitor incauto, o primeiro verso

    da sextilha comeando com a mesma terminao do ltimo verso da

    sextilha precedente, o que no levado em conta durante a fala do

    mestre de cerimnias, tanto que quando ele retorna, na sextilha qua-

    renta e oito, no se prende deixa, para fi car bem marcado o tempo

    narrativo, pois a peleja se deu no passado e o mestre de cerimnias

    est no presente. Assim:

    Algum viu que a disputa

    No iria se encerrar

    (Um prendia, outro soltava)

    E deram pra os dois cantar

    Um mote de sete slabas

    Pra ver no que ia dar.

    A introduo do mote de sete slabas, para ser desenvolvido em

    dcimas outra particularidade da peleja oral, seguida a risca pelo fo-

    lheto. O mote dado Seno aprende a lio/ Trate ento de se calar,

    e os contendores cairo na disputa:

    D Aloncio, tome cuidado,

    Que eu sou um cantador,

    Devo ser seu professor;

    Voc por mim educado,

    Porque ests atrasado,

    No pode me acompanhar...

    Ento, jamais vai chegar

    minha evoluo.

    Seno aprende a lio,

    Trate ento de se calar!

    A Sempre fala a todo mundo,

    Dezinho, a mesma besteira,

    Embora que na carreira

    No corre nenhum segundo.

    Eu sou cantador profundo,

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    Nasci para improvisar,

    Quando chego pra cantar,

    Fao um revoluo,

    Seno aprende a lio

    Trate ento de se calar!

    Quando do desenvolvimento de motes, sejam de sete ou de dez

    slabas, os cantadores fi cam desobrigados de perceberem a deixa, para

    no amarrar o verso a rimas que se esgotariam, prejudicando as estra-

    tgias poticas. O folheto de Varneci Nascimento respeita mais essa

    caracterstica. As falas de cada um dos participantes agora so deter-

    minadas apenas pela primeira letra de seus nomes, D para Dezinho e

    A para Aloncio e o mote tem que ser desenvolvido em dcimas. Ao

    fi nal, o mestre de cerimnias retorna para revelar quem foi o poeta

    vitorioso. Vejamos quem vence a peleja:

    Perceberam que a disputa

    Nunca mais ia acabar:

    Nem Aloncio nem Dezinho

    Queriam se entregar.

    Pararam a li e deixaram

    Pra outra vez e lugar.

    mister que o mestre de cerimnias retorne sempre para fi na-

    lizar o folheto, revelando o veredicto. Graas s benevolncias me-

    moriais do autor, emotivamente envolvido no poema, nesse folheto

    no houve vencedores.

    Usei a peleja de Varneci para exemplifi car como funciona o fo-

    lheto de peleja clssica. Essa peleja um folheto recente, que conser-

    vou a mesma essncia dos folhetos pioneiros. A peleja de Abernal e

    Cabeceira, com a qual iniciamos esse papo de corta Loureno, uma

    das primeiras escritas por Leandro Gomes de Barros e nega esses

    apontamentos todos que fi z sobre texto de Varneci Nascimento.

    Na peleja de Leandro no h mestre de cerimnias, nem qual-

    quer outro personagem entre os dois debatedores. Eles se apresentam

    um ao outro, conduzem suas falas, criam seus estratagemas poticos

    e terminam a peleja com um dos dois se dando por vencido. A peleja

    toda em sextilhas e Cabeceira reconhece-se perdedor:

    Cabeceira Abernal, estou canado

    No posso mais debater

    Ento dizia Abernal

    o que deve fazer

    Bateu aqui est no risco

    De desertar ou morrer.

    Este um caso em que no h narratividade, nem ambientao,

    nem tempo. S os personagens debatendo, senhores de sua voz. Por

    isso eu fi co puto com uns camaradas que no tem saco para estudar o

    cordel em todos os seus aspectos e fi cam escrevendo e falando merda

    por a. Depois a gente fala mais sobre isso. Agradeo e abram dos i,

    como diz um amigo meu de So Joo do Cariri.*

    ADERALDO LUCIANO (RIO DE JANEIRO-PARABA)- Poeta e pesquisador. Tem ps-doutorado em Estudos Culturais pelo Projeto Avanado de Cultura Contem-pornea, da UFRJ. doutor e mestre em Potica pela UFRJ. Licenciado em Letras Ver-nculas pela UFPB. Tem alguns livros publicados, mas cita apenas O Auto de Z Limeira (Confraria do Vento) e Apontamentos Para Uma Histria Crtica do Cordel Brasileiro (Luzeiro-Edies Adaga).

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    OFCIO LITERRIO

    PARA GABRIEL GARCIA MRQUEZ

    A ltima coisa que se encontra ao escrever uma obra aquilo que h de gurar no princpio

    Pascal

    Por Reynaldo Bessa

    Como se comea um livro? Pelo comeo. Mais ou menos. Em

    sua Crnica de uma morte anunciada, Gabriel Garcia Mrquez co-

    meou pelo fi m. Ou seja, de cara contou o que a maioria dos autores

    deixa para o fi nal, porm, como todo grande escritor, arranjou uma

    maneira de manter a isca dramtica presa ao anzol, deixando o leitor

    interessado at o fi nal-comeo. Edgar Allan Poe, em sua A Filosofi a

    da Composio, afi rma que comeou o seu clebre poema, O Corvo,

    pelo fi nal, e disse ainda que toda grande Obra deve mesmo ser inicia-

    da pelo fi m: comear trabalhando-a pelo fi nal e depois arranjar um

    comeo para ela. Entende? Seria o mesmo que imaginar um navio

    chegando ao porto: o anseio dos que o esperam, o desembarque, os

    abraos, o choro compulsivo e a alegria do reencontro, o apito anun-

    ciando que a viagem terminou. Terminou? No, agora preciso pen-

    sar em como essa viagem comeou e todo o seu desenrolar... Assim

    nos aconselha Poe.

    Sobre essa coisa de sentar-se diante do computador, de uma

    mquina, ou mesmo do empunhar uma caneta - seja l qual for o

    seu jeito de escrever um texto - existe um fi lme, uma comdia, com

    Crystal e DeVito. Chama-se: Jogue a mame do trem. Logo no

    inicio do fi lme - o trecho mais engraado, a meu ver mostra exata-

    mente esse momento da angstia da folha em branco: Billy Crystal

    um escritor estabelecido e tenta comear a sua nova obra, mas no

    passa da primeira linha. Escreve, rasga, rasga, escreve. De repente

    tem um vislumbre e ergue os dedos na inteno de castigar a sua

    remington, mas desanima, pois logo ao sentar-se, tudo se esvai fei-

    to bolinhas de sabo. Nisso ele gira pela casa, ri as unhas, coa a

    cabea, urra, se contorce, pensa, repensa, sussurra. De repente abre

    um sorriso iluminado, corre para a mquina como quem procura um

    remdio para dor, porm, logo ao sentar-se diante da companheira,

    tudo se esvai novamente. Imaginar uma coisa, pr o imaginado

    no papel outra completamente diferente. A sensao de que no

    seremos capazes de traduzir exatamente o que concebemos, nos seus

    mnimos detalhes, nos morde feito co raivoso. Mas nem s de dor

    vive o homem. Quando encontramos a ideia certa, a sentena exata,

    a palavra precisa, ou algo muito prximo do que imaginamos ento, a

    rosa desabrocha suas belas, grandes e generosas ptalas... Uma a uma,

    como numa dana de recompensa... E a a coisa vai e vai... E no se

    quer mais parar.

    Comear bem um texto dar ideia de que aquilo que est por vir

    pode ser igualmente bom, ou ainda melhor, e isso desperta a curiosi-

    dade e a expectativa do leitor. Um livro que comea mediocremente

    bem provvel que termine do mesmo jeito ou ainda pior. A primeira

    fi sgada, se bem construda, torna interessante at o tema mais corri-

    queiro.

    Por isso, saiba escolher o tom. Este dever permear todo o resto

    do texto. A maioria dos especialistas afi rma que o primeiro pargrafo

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    do romance Lolita, de Vladimir Nabokov um exemplo disso:

    Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne, Minha alma,

    minha lama. Lo-li-ta: a ponta da lngua descendo em trs saltos pelo

    cu da boca para tropear de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo-

    li-ta.

    A fi ssura do autor, em primeira pessoa, pela sensualidade da

    enteada adolescente j est contida no tom nas primeiras frases do

    texto.

    No coloque todas as cartas na mesa. V dizendo sem dizer.

    Crie expectativas, v enredando, envolvendo. Comece bem, mas no

    perca a mo. Lembre-se: o tom. Albert Camus utilizou-se disso ao

    iniciar o seu clebre livro: O estrangeiro

    Hoje mame morreu. Ou talvez ontem, no sei

    A indiferena do narrador logo apresentada, e com pouqussimos

    elementos verbais, porm sem esgotar o que est por vir, e j conten-

    do o embrio do que o leitor encontrar.

    Ao mesmo tempo em que voc deve criar expectativas, tambm

    pode e deve contrari-las. Iniciar de forma surpreendente mais uma

    maneira de prender o leitor ao mesmo tempo em que lhe passa infor-

    maes. Isso quebra a expectativa. H um indcio disso num captulo

    de Memrias pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis:

    Marcela amou-me por quinze meses e onze contos de ris

    A ideia sobre a pessoa nos foi dada no contraste entre tempo e

    valor em uma s linha, sem a necessidade de uma descrio minucio-

    sa. Isso seria muito chato.

    Outro recurso ousado contrariar o senso comum ou os con-

    ceitos dominantes (a Dxa). Nas primeiras linhas de Anna Karenina,

    de Tolstoi, a ideia dominante da sociedade da poca contrariada

    pelo paralelo inesperado.

    Todas as famlias felizes se parecem, cada famlia infeliz infeliz

    sua maneira.

    Enfi m, existem mil maneiras de preparar Neston, perdo, de

    experimentar o exerccio de como se pode comear um texto de ma-

    neira atrativa. Invente uma. A grande literatura est permeada, no

    s de belos pargrafos inicias, como at mesmo de uma nica linha

    no estilo execuo sumria. Uma linhazinha apenas e tudo j est ali.

    Em O Iluminado, Stephen King usou uma coisa assim:

    Jack Torrence pensou : cretino!

    A primeira frase pode pegar o leitor pelo brao e conduzi-lo.

    Kafka tambm foi mestre nisso, e o seu clssico, A metamorfo-

    se um exemplo concreto do ofcio dessa arte.

    Certa manh, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Sa-

    msa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto mons-

    truoso.

    O que vir depois disso? Pergunta-se o leitor concentrando-se

    ainda mais no livro.

    Gabriel Garcia Mrquez no s falava com conhecimento de

    causa sobre o assunto, provava: Primeiro pargrafo de Crnica de

    uma morte anunciada:

    No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se s

    5h30m da manh para esperar o navio em que chegava o bispo.

    Sou leitor desde muito cedo. Sempre que encontrava um grande li-

    vro, quando descobria um grande autor, sentia-me como algum que

    acabara de entrar num lugar sagrado, secreto. Pensava ter achado algo

    que iria me salvar de todo o mal e de todo o bem tambm. Ainda ve-

    jo-me zanzando pelas ruas, em solilquios desesperados, febris, sem-

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    Campina Grande (PB) Ano 6 N19 Janeiro - Julho de 2015ISSN 2238-930X - Revista Blecaute - Literatura e Artes

    pre e sempre com algum livro debaixo do brao. Eu queria escrever,

    e achava que podia. Mas a juventude o momento dos excessos de-

    liciosos, dos desafi os desenfreados, do posso-que-posso. Nessa poca

    meu pai me perguntava com ares de inquisidor: Enfi m, o que voc

    vai ser?. E eu, sem titubear, sem medo da fogueira, enchia a minha

    boca com a palavra: Escritor, sem ter ainda a menor noo do que

    poderia ser isso. Quando enfi m, achei que poderia, li uma entrevista

    do Garcia Mrquez dizendo que j no primeiro pargrafo quase tudo

    deve ser defi nido do futuro texto. Tuuuudo: estrutura, tom, estilo, rit-

    mo, longitude, e at o carter de um personagem. Isso, de certa forma,

    me bloqueou porque eu no entendi nada do que ele queria dizer.

    Ora, eu ainda no conhecia bem esse universo, e Gabo j era um

    autor estabelecido, vivenciando dia a dia o ofcio da escrita. Escre-

    vendo e rasgando e rasgando h tempos, enquanto eu era apenas um

    adolescente apaixonado pela grande fi co. Eu era s um leitor voraz

    querendo escrever. Como assim, tudo defi nido no comeo do texto?

    Perguntava-me. S tempos depois pude entender. Plimmm. Ahh-

    hh... Ento isso? Ahhh... Gabo queria dizer que pra saber terminar

    um texto, desenvolv-lo, no errar a mo, seguir em frente preciso

    principalmente saber comear. Uma coisa t ligada outra. Tudo est

    interligado. Se algo desanda, todo o resto tambm soobra. E se isso

    acontece, pode ser preciso comear de novo por outro caminho ou at

    mesmo jogar o texto to querido no lixo e pensar em outro.

    Crnica de uma morte anunciada me fez repensar o meu modo

    de escrever. Foi ai que comecei a tentar subverter essa coisa de come-

    o, meio e fi m. Passei a querer embaralh-los, confundi-los. Foi a

    que comecei a buscar outras possibilidades para meus textos. Depois

    disso mantive o autor em minha alma, mas tirei o manto pesado da

    sua infl uncia das minhas costas. Fui atrs dos meus prprios come-

    os.

    Cabe ao leitor-escritor fuar, procurar, ler, descobrir, redesco-

    brir, experimentar, escrever, reescrever e principalmente rasgar muito.

    Um escritor mais apreciado pelo que rasga do que pelo que publica.

    Ter conscincia disso tudo j um bom comeo.*

    REYNALDO BESSA (SO PAULO/RIO GRANDE DO NORTE) Escritor e msico. autor de vrios livros e discos. Entre os livros, destaque para Out