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BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 692
(Ano VIII)
(01/9/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
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1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56525
Boletim Conteúdo Jurídico n. 692 de 01/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
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SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
01/09/2016 Roberto Monteiro Pinho
» Morosidade e o livre convencimento do juiz
ARTIGOS
01/09/2016 José Gabriel Pontes Baeta da Costa » Da aplicabilidade do incidente de deslocamento de competência
01/09/2016 Maria Eduarda Andrade e Silva
» Forma de devolução dos valores devidos à fazenda pública: revogação da decisão
judicial antecipatória de tutela e benefícios previdenciários recebidos indevidamente
01/09/2016 Felipe Farias Coimbra
» Pedágio: Uma análise histórica interna e externa e a sua natureza jurídica
01/09/2016 André Beltrão Gadelha de Sá
» Considerações gerais sobre o aborto
01/09/2016 Alexsandro Santos Carvalho Filho
» Projeto de Lei que cria o dia da literatura de cordel em Sergipe
01/09/2016 Thaís Ramos de Barros Cavalcanti
» Aspectos jurídicos do gerenciamento dos resíduos sólidos de serviços de saúde
MONOGRAFIA
01/09/2016 Giovanna Brandão de Araújo » A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização e a
responsabilidade solidária do Município de Almenara com os demais entes federativos
no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de
Lupus
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MOROSIDADE E O LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ
ROBERTO MONTEIRO PINHO: Foi diretor de Relações Internacionais da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e a Seção de Dissídios Coletivos ‐ SEDIC, é membro da Associação Brasileira de Imprensa ‐ ABI, escritor, jornalista, radialista, palestrante na área de RH, cursou sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista em Arbitragem (Lei 9.307/96
tem levado alguns intérpretes da Lei 13.105/2015 entender que não mais
existe no Brasil o princípio do livre convencimento motivado. O que vem a ser um
equívoco, se deixar levar pela ausência do diploma. No mais é de se apreciar, que
“o livre convencimento”, é parte integrante do arcabouço jurídico, cabendo ao
julgador, data venia, lançar mão da espontânea dicção legal, sem prejuízo da
segurança jurídica.
Em que pese o “livre convencimento” na fase de instrução, a luz da presença
das partes, creio ser temerário, o livre convencimento fora deste cenário. Um dos
exemplos está na execução, já que no art. 831 do Novo CPC, “a penhora deverá
recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,
dos juros, das custas e dos honorários advocatícios” e, deve seguir a ordem de
preferência, estando o “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em
instituição financeira” a frente dos demais bens, tal qual previsto no art. 835.
O “livre convencimento” pode se tornar uma arma diabólica para a
credibilidade do judiciário (que já não é das melhores). O Órgão Especial do TJ/SP
decidiu há pouco instaurar processo administrativo disciplinar contra a juíza Juliana
Nobre Correia, da 2ª vara do JEC Central de SP.
Alvo de duas representações, a magistrada foi acusada de extinguir processos
sem análise de mérito de maneira reiterada e sistemática. Após a realização de
apuração e análise, o corregedor geral constatou que as ações mostram um
comportamento direcionado à negativa de jurisdição. Em outras palavras: "negar a
essência da função que nós exercemos como magistrados". Trocando em
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números: de 938 sentenças que extinguiram o processo – analisadas durante
determinado período –, 302, ou 1/3, fundamentaram-se no art. 51, III, da lei
9.099/95. Explicou.
A bem da verdade o Judiciário é um poder
verticalizado, em que as instâncias inferiores devem, como
regra, aplicar a lei tal como interpretada pelas cortes
superiores (vide arts. 103-A da CF e arts. 543-A e 543-C, do
CPC/1973) –, a novel regra é de interpretação da lei, não de
valoração da prova (que continua sendo livre).
O CPC/2015 não excluiu o julgador, tolhendo qualquer espaço de liberdade
decisória. Além da autonomia na valoração motivada da prova, mesmo em matéria
de interpretação do Direito há espaço para a liberdade de convicção. O art. 489, §
1º, VI, do CPC/2015, ao indicar, a contrario sensu, que o juiz pode deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, desde que
demonstre, através de fundamentação idônea, a existência de distinção no caso
em julgamento (distinguishing) ou a superação do entendimento (overrulling), prova
isso.
O que houve, portanto, foi apenas o advento de uma disciplina mais clara do
método de trabalho do juiz, não a extinção da autonomia de julgamento. Equivale
dizer que a prova dentro da lei, não é suficiente para atender o direito da demanda.
Parece-me estranho que a cada momento o judiciário por vozes da sua mais
alta Corte, rediscute e informatização do processo judicial. Uma proposta que
visava e era apregoada como a mais eficaz para combater a morosidade, parece
que mergulhou no infinito do nada.
Mas a exemplo de medidas anteriores, saudadas como salutar, a qualidade e
agilidade da prestação judiciária, este apenas beneficia o fluxo interno do trabalho,
enquanto o destinatário, principal ator neste mar de tormenta eletrônica, padece e
se vê fustigado da pior e mais desprezível forma, provocada pela má qualidade
latente e continua do sistema.
Isolados na soberba, onde dirigentes de tribunais (que são juízes), promovem
reformas para tão somente os cartórios e secretarias trabalharem cada vez menos
e os advogados, cada vez mais.
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DA APLICABILIDADE DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA
JOSÉ GABRIEL PONTES BAETA DA COSTA: Graduado em Direito pela PUC/MG, campus Poços de Caldas. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera/UNIDERP. Advogado inscrito na OAB/MG, atuante nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Penal e Civil.
RESUMO: A Emenda Constitucional nº. 45/04 criou um novo instituto
jurídico, chamado de incidente de deslocamento de competência,
aplicável nas hipóteses de graves violações aos direitos humanos,
ensejando a transferência do inquérito ou da ação judicial às instâncias
federais. Esta criação levou a grandes discussões doutrinárias, em função
de uma aparente violação a alguns princípios constitucionais, como o juiz
natural, o contraditório, a ampla defesa, o pacto federativo e a segurança
jurídica. O escopo do presente artigo foi o de ponderar sobre a
constitucionalidade do incidente de deslocamento de competência,
adequando‐o ao ordenamento jurídico pátrio através dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, trazendo à tona algumas lições
sobre os mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos e
analogias à federalização através de casos concretos, como os incidentes
suscitados até hoje, primando pela sua aplicabilidade no ordenamento
jurídico pátrio.
Palavras‐chave: Incidente. Deslocamento de competência. Direitos
humanos. Federalismo. Princípios constitucionais.Cláusulas Pétreas.
Proporcionalidade.
ABSTRACT: The Constitutional Amendment 45 / 04 created a new legal
institute, called the incident displacement of jurisdiction, applicable in
cases of serious human rights violations, allowing for the transfer of the
investigation or the lawsuit to federal authorities. This creation led to
major doctrinal discussions, due to an apparent violation of some
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constitutional principles, as the natural judge, the contradictory, the legal
defense, the federal pact and legal certainty. The scope of the present
paper was to examine the constitutionality of the incident displacement
of competence, adapting it to the national legal system through the
principles of reasonableness and proportionality, bringing up some
lessons about international mechanisms of human rights protection and
analogies to the federalization through specific cases, such incidents
raised to date, striving for its applicability in the national legal system.
Keywords: Incident. Displacement of competence. Human rights.
Federalism. Constitutional principles. Immutable clauses. Proportionality.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. DIREITOS HUMANOS. O sistema interamericano
de proteção dos direitos humanos e as obrigações assumidas pelo Brasil.
A FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES GRAVES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS.
Requisitos e pressupostos para o deslocamento de competência.
Existência de grave violação aos direitos humanos. Assegurar o
cumprimento de obrigações internacionais de direitos humanos. Inércia
ou incapacidade das autoridades responsáveis de responder ao caso
específico. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À CONSTITUCIONALIDADE DO
INCIDENTE. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À CONSTITUCIONALIDADE DO
INCIDENTE. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº 45/04, comumente conhecida por
“reforma do Judiciário”, introduziu no ordenamento jurídico pátrio,
dentre outros institutos, o Incidente de Deslocamento de Competência,
representado pela sigla IDC.
Tal incidente se afigura através da interpretação extraída da
norma contida no § 5º do artigo 109 da Constituição Federal, o qual prevê
a possibilidade de o Procurador‐Geral da República suscitar perante o
Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou do
processo, o aludido incidente de deslocamento de competência, com o
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fito de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário.
O dispositivo legal em comento prevê, pois, a federalização dos
crimes graves contra os direitos humanos, consistindo na possibilidade de
deslocamento de competência da Justiça Comum para a Justiça Federal
nas hipóteses em que houver configurada uma grave e clara violação de
direitos humanos.
Impende ressaltar que para o deferimento do aludido
deslocamento, faz‐se necessário a comunhão de alguns requisitos
objetivos, extraídos da redação do parágrafo 5º do supracitado artigo 109,
assim como a harmonização com os princípios constitucionais que
tangenciam toda a atividade jurisdicional.
Neste ponto, insta consignar que desde o seu nascimento, tal
norma fora alvo de severas críticas dentro das acaloradas discussões
jurídicas, mormente em face de supostas violações a princípios
consagrados na Constituição Federal, destacando‐se a possível afronta ao
princípio do Juiz Natural, ao contraditório e a ampla defesa.
Por conseguinte, o presente estudo objetiva analisar a
compatibilidade do Incidente de Deslocamento de Competência com a
Constituição Federal, e, por consequência, com o ordenamento jurídico
vigente.
Anote‐se que o propósito não é esgotar as concepções teóricas
acerca dos direitos humanos e/ou constitucionais, mas analisar o referido
instituto à luz de uma hermenêutica constitucional que sufraga pela
prevalência e defesa dos direitos humanos e pela harmonização e
constitucionalidade da “Federalização” em comento.
Para tanto, utilizar‐se‐á da o método dedutivo, através do
levantamento bibliográfico para fins de pesquisas, tendo como fonte
primordial a doutrina brasileira, o direito estrangeiro comparado e a
jurisprudência, assim como eventuais fontes necessárias para o bom
desenvolvimento do tema abordado.
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DIREITOS HUMANOS
Para uma eficaz compreensão do tema objeto deste estudo é
imprescindível conhecer um pouco acerca dos direitos humanos, tendo
em vista que sua violação ou grave ameaça é um dos requisitos para o
deslocamento de competência.
Sucintamente, pode‐se asseverar que os direitos humanos são
direitos tidos como fundamentais ao ser humano, fazendo parte das suas
necessidades mais básicas. Sem a garantia de tais direitos, a vida em
sociedade tornar‐se‐ia inviável ou ficaria prejudicada.
Não se pode olvidar que o ser humano é tido com sujeito da
história e, como tal, a constrói ao longo dos anos, trazendo consigo traços
inerentes à sua personalidade. Neste diapasão, Hanna Arendt (1979, p.
32) afirma que “os direitos humanos não são um dado, mas um
construído, uma invenção humana, em constante processo de construção
e reconstrução”.
Pelo magistério de Alexandre de Moraes (1998), tais direitos se
afiguram como previsões necessárias a todas as Constituições, no sentido
de consagrar o respeito à dignidade humana, assim como garantir a
limitação de poder e oportunizar o desenvolvimento da personalidade
humana.
Ressalta‐se que tais direitos são construídos ao longo do tempo,
evoluindo ao lado da própria sociedade, na constante busca por meios que
garantam uma sobrevivência digna a cada ser humano.
Nesta esteira, importante o ensinamento de Dalmo de Abreu
Dallari:
Todos os seres humanos devem ter asseguradas,
desde o nascimento, as condições mínimas
necessárias para se tornarem úteis à humanidade,
como também, devem ter a possibilidade de receber
os benefícios que a vida em sociedade pode
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proporcionar. Esse conjunto de condições e de
possibilidades associa as características naturais dos
seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa
e os meios de que a pessoa pode valer‐se como
resultado da organização social. É esse conjunto que
se dá o nome de direitos humanos (DALLARI, 2004, p.
12).
No magistério de Herkenhoff (1997) entende‐se por direitos
humanos aqueles direitos tidos como fundamentais, que integram a
personalidade do indivíduo pelo simples fato de ser considerado
“humano”. Outrossim, são direitos que não resultam de uma concessão
da sociedade política, pelo contrário, tal sociedade possui o dever de os
consagrá‐los e protegê‐los.
Uma vez reconhecida a existência dos direitos humanos emerge
a discussão da necessidade de afirmação desses direitos no plano teórico‐
normativo: de um lado e sua efetividade e de outro, sua aplicação fática.
O binômio da teoria do direito e da sua aplicação na realidade é um dos
principais problemas que assolam a democracia contemporânea. Isto é, a
existência dos direitos humanos pode ser facilmente comprovada,
entretanto, sua aplicação fática e garantia por parte do Estado
Democrático de Direito nem sempre se concretizam.
Insta destacar que em um primeiro momento histórico, nem
todo ser humano era detentor dos direitos supracitados. Somente através
de revoluções, guerras e revoltas, que se concederam direitos a uma
camada maior da população, abrangendo classes até então esquecidas,
em um lento processo de evolução.
Nesta esteira, preleciona Norberto Bobbio:
Os direitos do homem, por mais fundamentais
que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos
em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e
nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e
nem de uma vez por todas (1992, p. 05).
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Insta salientar que os direitos humanos possuem uma
característica peculiar que lhes permite ter aspecto formal, tendo em vista
que são consolidados por leis, através de tratados internacionais,
incorporando as Constituições contemporâneas.
Nesta esteira, Flávia Piovesan (2006) afirma que a partir da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, introduziu‐se o conceito
hodierno de direitos humanos, cujas características marcantes são: a
universalidade, indivisibilidade e a interdependência. Segue o magistério
mencionado:
Universalidade porque clama pela extensão
universal dos direitos humanos, sob a crença de que
a condição de pessoa é o requisito único para a
dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade
porque a garantia dos direitos civis e políticos é
condição para a observância dos direitos sociais,
econômicos e culturais e vice‐versa. Quando um
deles é violado, os demais também são. Os direitos
humanos compõem, assim, uma unidade indivisível,
interdependente e inter‐relacionada, capaz de
conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao
catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais
(PIOVESAN, 2006, p. 216).
Através da universalidade e da indivisibilidade é possível
garantir tais direitos dentro de qualquer ordenamento jurídico
contemporâneo, primando pelo Estado Democrático de Direito. Souza
Cruz (2001) ensina que o quadro dos Direitos Humanos se integra ao
modelo de qualquer constituição democrática, haja vista que são
elementos indissociáveis, tais quais os órgãos vitais são para o corpo
humano.
A Constituição Federal se encarrega de ditar os parâmetros
gerais que tangenciam a proteção e aplicação dos direitos humanos,
ficando a cargo do legislador infraconstitucional estabelecer os caminhos
que deverão ser seguidos para a concretização destes direitos. Nesta
senda, é sob a tutela da Constituição Federal de 1988 que os direitos
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humanos passam a ser valorados com maior intensidade, ressaltando que
a Emenda Constitucional nº. 45/04, através da norma contida no § 3º do
artigo 5º, elevou os tratados internacionais sobre direitos humanos à
equivalência de emendas constitucionais, após a aprovação em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros.
Flávia Piovesan assevera que “a Constituição de 1988 é o marco
jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos e
garantias fundamentais. O texto demarca a ruptura com o regime
autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático
pós‐ditadura” (PIOVESAN, 2003, p. 39).
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e as
obrigações assumidas pelo Brasil
No âmbito da Organização dos Estados Americanos existem
diversos atos internacionais que fixam o contexto normativo para a
proteção dos direitos humanos, sendo patente que o documento central
do aludido sistema interamericano é a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, conhecida por “Pacto de São José da Costa Rica”.
A referida Convenção, adotada em 22 de novembro de 1969,
consagra em seus 82 artigos um extensivo rol de garantias dentre as quais,
destacam‐se a existência da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, bem como da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
responsáveis por atuar no sistema em cotejo, com funções que se aplicam
a todos os Estados‐membros da Organização dos Estados Americanos,
independentemente de terem ratificado ou não o Pacto de São José da
Costa Rica. (CAZETTA, 2009)
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem como
função precípua promover a observância e a defesa dos direitos humanos,
assim como as atribuições que decorrem do artigo 41 da Convenção
alhures mencionada.[1]
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De outra banda, a Corte Interamericana de Direitos Humanos
tem importante papel de intérprete final do estatuto interamericano de
direitos humanos, podendo manifestar‐se quanto à correta interpretação
das obrigações assumidas pelos Estados que integram o bloco
supracitado.
No que tangencia ao Brasil, além dos impactos da
jurisprudência da Corte na interpretação das obrigações assumidas pelo
país, que devem ser levados em consideração na implementação das
políticas públicas, na atuação judicial e na formulação legislativa, já
subsistem alguns precedentes importantes, como no caso “Ximenes
Lopes”, que resultou na primeira condenação brasileira por
descumprimento de obrigação internacional de proteção aos direitos
humanos. [2]
Ademais, o Brasil adotou uma variedade de atos internacionais
de proteção dos direitos humanos, firmados na seara da Organização das
Nações Unidas e, posteriormente, à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, vindo a ratificar inúmeros instrumentos específicos,
destacando o já citado Pacto de São José da Costa Rica, os Pactos de
Direitos Civis e Políticos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, as
Convenções sobre a eliminação da escravidão, a repressão aos crimes de
genocídio, decorrentes de gênero ou raça, tortura, tráfico de seres
humanos, dentre outros. (CAZETTA, 2009)
Nesse contexto de regras e obrigações assumidas pelo Estado
brasileiro, através da implementação de políticas públicas eficazes,
reconhecendo a imperiosa necessidade de cumprimento das regras
internacionais de direitos humanos, ganha destaque a efetiva repressão e
combate aos crimes que atentem violentamente contra os direitos
humanos, dando o devido enfoque para o Incidente de Deslocamento de
Competência e suas repercussões no plano teórico‐normativo, mormente
em face da sua suposta inconstitucionalidade, consoante avençado por
diversas vozes.
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A FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES GRAVES CONTRA OS
DIREITOS HUMANOS
De maneira sucinta, importa aduzir que a referida federalização
dos crimes graves contra os direitos humanos fora inserida no
ordenamento jurídico vigente através da Emenda Constitucional nº.
45/04. Contudo, a previsão de julgamento de crimes em geral pela Justiça
Federal, conforme previsto em tratados internacionais, remete‐se à
Constituição Federal de 1967.
Convém relembrar que o regime militar havia recriado a Justiça
Federal através do Ato Institucional nº 2, promulgado em 1965. Nesta
esteira, o referido regime ditatorial apresentou um projeto para uma nova
Constituição, através de um processo constituinte contestável, que
resultou na aprovação da Carta Maior de 1967, cuja característica
marcante era o controle sobre os atos do governo, atrasando as decisões
judiciais em que ainda seriam aplicáveis as normas da Constituição de
1946 (SARLET, 2006, p. 39).
Passado uma década, veio a Emenda Constitucional nº 7, data
de 13 de abril de 1977, a qual incluía no artigo 125 o seguinte texto:
“quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter
ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”, conferindo à Justiça Federal
a competência das hipóteses que posteriormente seriam previstas na
Constituição de 1988.
Já no ano e 1996, fora editado o primeiro Plano Nacional de
Direitos Humanos, sendo então, encaminhado ao Ministro da Justiça da
época, Nelson Jobim, a primeira proposta de federalização os crimes
contra os direitos humanos, através do Projeto de Emenda Constitucional
nº 368‐A de 13 de maio do corrente ano. Neste contexto, tal proposta fora
apensada à Proposta e Emenda Constitucional nº 96/92 que originou a
Reforma do Judiciário, anos após. Com muitas discussões acaloradas, no
ano de 2000 modificou‐se o texto, o qual fora aprovado (SARLET, 2006, p.
39).
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Posteriormente, fora aprovada a última redação pelo Senado,
em primeiro turno, na data de 7 de julho de 2004, resultando na
aprovação definitiva em plenário no dia 17 de novembro de 2004, sendo
promulgada a Emenda Constitucional nº 45/04 na data de 8 de dezembro
de 2004 e publicada em 31 de dezembro do mesmo ano. [3]
Outrossim, cumpre anotar que a federalização dos crimes
contra os direitos humanos não é única medida que transfere à seara
federal uma competência que não lhe é originária. Sem adentrar em
maiores discussões, fugindo do escopo principal deste estudo, importante
apenas mencionar a Lei nº 10.446/02 que dispõe sobre as infrações penais
de repercussão interestadual ou internacional, em atendimento ao artigo
144 da Constituição Federal[4], atribuindo à Polícia Federal a competência
para proceder com a investigação, independente da responsabilidade dos
órgãos de segurança do Estado (BONAVIDES, 2010, p. 523).
Urge destacar, pois, que o incidente de deslocamento de
competência representa apenas uma das medidas possíveis de
transferência da competência estadual para a federal. Destarte, seus
requisitos e pressupostos que o diferenciam dos demais instrumentos
serão adiante sublinhados.
Requisitos e pressupostos para o deslocamento de competência
A norma contida no artigo 109, inciso V e em seu § 5º, é apta e
clara a demonstrar como tem início o procedimento de deslocamento de
competência, deixando implícito que não compete ao Procurador‐Geral
da República emitir qualquer decisão acerca do cabimento ou não da
medida pleiteada. Para este, caberá apenas a análise dos pressupostos
constitucionais que dão azo à propositura do deslocamento em cotejo.[5]
Da leitura das normas supracitadas, pode‐se asseverar que para
subsista a prerrogativa de federalização em estudo, três requisitos básicos
devem coexistir, sendo eles: a existência de uma grave violação aos
direitos humanos, a necessidade de assegurar o cumprimento de tratado
internacional do qual o Brasil seja signatário e a inépcia ou incapacidade
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das autoridades originariamente competentes para responder ao caso
específico.
Existência de grave violação aos direitos humanos
De plano, impende mencionar que não se trata de qualquer
violação aos direitos humanos, mas sim, de grave violação. Nesta seara,
surge uma acalorada discussão doutrinária do conceito exato do que
seriam as “graves violações” aduzidas.
Destarte, o exato conteúdo da expressão “direitos humanos”
também suscita grande debate, vez que o legislador transferiu a
responsabilidade de conceituar tais temas para a doutrina e a
jurisprudência. Anote‐se que o presente estudo não busca esgotar tais
questões, objetivando apenas descrever um cenário propício para
adentrar nos argumentos favoráveis e contrários ao instituto em análise.
Acerca da gravidade das lesões ou violações, em que pese o
silêncio do legislador, é grande a contribuição da doutrina e do direito
comparado para que se configure tais violações.
De imediato, é premente destacar que se trata de um conceito
jurídico indeterminado, traço característico dos textos constitucionais
contemporâneos, o que não inviabiliza a aplicação do preceito
constitucional, mas enseja uma análise hermenêutica mais aprofundada.
A indeterminação de conceitos é uma técnica que visa evitar o
engessamento do ordenamento jurídico, conferindo a necessária
permeabilidade, se afigurando como expressões propositalmente vagas
que são utilizadas pragmaticamente pelo legislador, com o fito de
propiciar o ajuste de certas normas a uma realidade cambiante ou ainda
pouco conhecida. (FARIA, 1993, p. 139)
O Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Incidente de
Deslocamento de Competência IDC‐1, sufragou como adequada a não
definição de um rol taxativo do que seriam graves violações, permitindo a
flexibilização da norma diante do caso concreto, in verbis:
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Dada a amplitude e a magnitude da expressão
“direitos humanos”, é verossímil que o constituinte
derivado tenha optado por não definir um rol dos
crimes que passaram para a competência da Justiça
Federal, sob pena de restringir os casos de incidência
do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando‐o de sua
finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento
de obrigações decorrentes de tratados
internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria,
examinando‐se cada situação de fato, suas
circunstancias e peculiaridades detidamente,
motivo pelo qual não há de se falar em norma de
eficácia limitada. Ademais não é próprio de texto
constitucional tais definições (BRASIL, 2005, p. 217).
Pelas palavras do relator, um rol exemplificativo dos crimes
considerados como graves violações poderia criar uma banalização do
instituto da federalização, fugindo do princípio básico do texto
constitucional. Assim, cada caso deve ser analisado sob o prisma dos
princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o “caso
Manoel Mattos” [6] (IDC‐2) decidiu que é de responsabilidade do referido
órgão examinar o caso concreto, observando a razoabilidade e a
proporcionalidade da medida, dando efetividade ao deslocamento de
competência, superando a subjetividade legislativa do mesmo.
Para o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira, a medição de
gravidade da violação aos direitos humanos não está na violência do ato
em si, mas “ao grau de repercussão a conduta, em relação à efetiva
possibilidade de intervenção da Administração e das autoridades federais
para a repressão e prevenção de tais delitos” (OLIVEIRA, 2005, p. 202).
No que se refere à concepção de “direitos humanos”, urge
destacar que se trata de temática extensa, que não se adequaria a
principal proposta deste estudo. Para tanto, importa trazer à baila que a
concepção de direitos humanos ultrapassa a institucionalização da política
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estatal, impondo certa dimensão jusnaturalista, uma vez que são direitos
inerentes à personalidade humana independente de reconhecimento do
Estado para que sejam validados.
Um conceito recorrente, sustentado por Ingo Sarlet, denota que
os direitos humanos são aqueles direitos previstos em textos
constitucionais, posto que ao atingirem a consagração na Constituição
Federal, passariam a ser considerados como direitos fundamentais
(SARLET, 1998, p. 31).
Embora extremamente útil, tal intepretação não pode ser
levada à cabo, aplicada de maneira automática, pois se assim fosse,
haveria a exclusão do âmbito do incidente de deslocamento de
competência todo e qualquer direito assegurado pelo Texto
Constitucional de 1988, visto que os direitos humanos se tornariam
fundamentais, esvaziando o campo de atuação do deslocamento em
questão (CAZETTA, 2009, p. 149).
Luciano Mariz Maia, citado por Ubiratan Cazetta assevera que
inexiste exclusividade científica no uso das expressões em cotejo, visto
que os direitos humanos já responderam pelo nome de direitos
individuais, civis, políticos, liberdades fundamentais, direitos do homem
etc, sendo destituído de razão que se considerem como direitos humanos
apenas aqueles previstos em tratados internacionais, e como direitos
fundamentais àqueles mesmos direitos integrados na Constituição
Federal (MAIA apud CAZETTA, 2009, p. 149).
Complementando as afirmações retro, Mario Luiz Bonsaglia
sustenta uma interpretação mais ampla do conceito de direitos humanos,
aduzindo que:
[...] quando se fala em “crimes contra os direitos
humanos” naturalmente está a se considerar aquelas
infrações mais graves, que atentam contra os direitos
humanos não apenas garantidos na Constituição e
leis federais, mas, também, por sua especial
relevância, consagrados em instrumentos
internacionais, como convenções e tratados, a cuja
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observância o Brasil encontra‐se vinculado
(BONSAGLIA, 2006, p. 02)
Contudo, insta consignar que, se não é correto uma leitura
estrita sobre os direitos humanos, também não é razoável que se adote
um conceito demasiadamente abrangente, como no caso da possibilidade
de suscitação do incidente de deslocamento em qualquer persecução
criminal.
Para tanto, deve‐se buscar um elemento diferencial, um ponto
de inflexão que demande a premente necessidade de alteração da
competência, derivada da conjugação de várias situações, objetivas e
subjetivas, como o contexto em que atuava a vítima, a vinculação da
ofensa a uma reiterada atuação estatal ilícita, a uma tentativa de
intimidação de minorias ou a prática de crimes internacionalmente
reconhecidos como hediondos, rememorando que o Direito Internacional
Público possui o chamado “núcleo duro” de direitos que devem ser
preservados pela humanidade, tais quais standarts mínimos que
constituem a definição de crimes contra a humanidade, ressaltando
dentre eles, a escravidão, a execução sumária, as detenções arbitrárias, as
discriminações de toda espécie, a tortura, a violência sexual ou contra a
mulher e a violência contra aqueles indivíduos considerados mais frágeis,
como crianças e idosos (CAZETTA, 2009, p. 151‐152).
Nesta seara, se manifestou o Superior Tribunal de Justiça,
quando do julgamento do primeiro incidente de deslocamento proposto:
É imprescindível, todavia, verificar o real
significado da expressão “grave violação de direitos
humanos”, tendo em vista que todo homicídio
doloso, independente da condição pessoal da vítima
e/ou repercussão do fato no cenário nacional ou
internacional, representa grave violação ao maior e
mais importante de todos os direitos do ser humano,
que é o direito à vida (BRASIL, 2005, p. 217)
Assim, o conceito de “grave violação” guarda enorme
intimidade com o caso concreto, o qual será analisado sob a égide da
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proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de impedir a banalização do
incidente de deslocamento de competência e o esvaziamento da Justiça
estadual.
Ademais, pode‐se arguir que a definição de graves violações aos
direitos humanos será uma tarefa imperativa, mas não subjetiva, diante
dos inúmeros parâmetros e normas que possuem ligações com o sistema
internacional de proteção destes direitos. Há de ser um crime que viole
um bem de proteção jurídica elevada no sistema nacional e internacional,
em circunstâncias excepcionais ou que representem práticas sistemáticas
de violações a grupos vulneráveis (BARROSO, 2006, p. 40).
Por todo o exposto, pode‐se adentar a um ponto de
convergência entre este primeiro requisito e um segundo: a garantia de
que o Brasil cumpra as obrigações decorrentes de tratados internacionais
de direitos humanos, dos quais seja signatário. Conclui‐se que a expressão
“grave violação” deve ser analisada em cada caso concreto, importando
ainda, a responsabilidade do Estado brasileiro diante de tratados
internacionais assumidos.
Assegurar o cumprimento de obrigações internacionais de direitos
humanos
A Emenda Constitucional nº 45/04 também introduziu no
ordenamento jurídico pátrio a denominada “constitucionalização dos
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que
aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais”
conforme o artigo 5º, § 3º da Constituição Federal e ainda, a submissão
do Brasil ao Tribunal Penal Internacional, consoante o artigo 5º, § 4º da
Constituição Federal (LENZA, 2009, p.339).
Ademais, o Brasil é signatário de uma série de tratados e
convenções internacionais nos quais se compromete a apurar e punir os
delitos considerados graves contra os direitos humanos,
responsabilizando‐se perante cortes e organismos internacionais.
Portanto, a violação em comento deve estar arrolada entre as
quais a União tem o dever de reprimir, em decorrência da assinatura de
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algum tratado internacional. A partir do momento em que o Brasil passa
a se submeter ao Tribunal Penal Internacional e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, cria‐se um rol de possibilidades de responsabilização.
Nesta esteira, o segundo requisito para o deslocamento de competência
reside justamente nesta possibilidade de responsabilização internacional
do Brasil perante os tratados internacionais dos quais seja signatário.
Neste passo, o Procurador‐Geral da República assim se
manifestou durante o julgamento do IDC nº 1:
No que diz com a possibilidade de
responsabilização internacional decorrente do
descumprimento de obrigações assumidas em
tratados internacionais, é de se ressaltar que a
República brasileira, signatária dos principais atos
internacionais de proteção de direitos humanos,
responsabiliza‐se pelo efetivo cumprimento de tais
obrigações, submetendo‐se tanto ao sistema global,
quanto ao sistema interamericano de direitos
humanos, especialmente diante do reconhecimento
da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (BRASIL, 2005, p. 217)
Novamente, faz‐se necessário a análise de cada caso concreto,
a fim de que seja avaliado se os fatos narrados configuram o
descumprimento de obrigação internacional, indicando aquela que fora
desrespeitada.
Ainda, Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira ensinam que há
vários casos contra o Brasil pendentes de apreciação na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, onde alguns apontam, inclusive,
para a responsabilidade direta da União em face da violação dos direitos
humanos (PIOVESAN; VIEIRA, 2005, p. 08).
Por oportuno, faz‐se necessário mencionar que o Estado
brasileiro fora condenado perante a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, através do caso “Ximenes Lopes”, alhures mencionado.
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Ressalta‐se, por derradeiro, que não se trata de mera presunção
de risco da responsabilidade internacional, mas sim de descumprimento
explícito de obrigação anteriormente assumida pelo Estado brasileiro.
Assim, presentes os dois primeiros requisitos contidos na letra
da lei, mesmo que de caráter subjetivo, faz‐se necessário a existência de
um terceiro pressuposto, a incapacidade das instâncias e autoridades
locais em oferecer respostas efetivas à grave violação ocorrida.
Inércia ou incapacidade das autoridades responsáveis de
responder ao caso específico
A omissão ou demora injustificada na resolução do crime, na
sua apuração ou no seu julgamento, é um requisito implícito ao parágrafo
5º do artigo 109 da Constituição Federal, tendo em vista que não haveria
justificativa em deslocar a competência caso o órgão estadual responsável
cumprisse adequadamente com seu dever de persecução penal e
consequente julgamento.
Tal requisito elucida o caráter subsidiário do deslocamento, no
qual, a federalização não pode ser entendida como prima ratio, ou seja,
como primeira medida a ser tomada no caso de grave violação a direitos
humanos.
Em verdade, o deslocamento de competência é medida
excepcional, de caráter subsidiário tal como as demais medidas
constitucionais que dispõem sobre conflitos federativos, pois se não as
fosse, o legislador teria atribuído a competência diretamente à Justiça
Federal. Sendo assim, a competência do Estado federado resta
reafirmada, transferindo para o âmbito federal apenas os casos em que o
poder estadual não possuir meios efetivos para reprimir e punir a grave
violação aos direitos humanos (CAZETTA, 2009, p. 159).
Outrossim, analisando o bojo constitucional voltado à
autonomia dos entes federados, a transferência dessa autonomia pela
federalização só estará justificada de forma excepcional para preservar
um bem maior, nos estritos limites da legalidade.
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Insta mencionar que a necessidade de esgotamento dos
recursos internos é uma regra geral para que se chegue às cortes
internacionais, e desse modo, não poderia ser diferente com o
deslocamento de competência ora estudado.
Vladimir Aras leciona sobre este requisito:
A omissão ou demora injustificada na elucidação
do crime é pressuposto implícito à norma em
comento, porquanto não haveria razão para o
deslocamento se os órgãos estaduais estivessem
cumprindo adequadamente seu dever na persecução
penal (ARAS, 2005, p. 03).
O posicionamento retro encontra‐se relativamente pacificado
pelo Superior Tribunal de Justiça, através dos dois julgamentos de
incidentes de deslocamento de competência propostos até o presente
momento. É o que preconiza o relator do IDC‐1, caso Dorothy Stang[7]:
Na espécie, as autoridades estaduais encontram‐
se empenhadas na apuração dos fatos que
resultaram na morte da missionária norte‐americana
Dorothy Stang, com o objetivo de punir os
responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do
Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais
importante dos direitos humanos, o que afasta a
necessidade de deslocamento da competência
originária para a Justiça Federal, de forma
subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o
andamento do processo criminal e atrasar o seu
desfecho, utilizando‐se o instrumento criado pela
aludida norma em desfavor de seu fim, que é
combater a impunidade dos crimes praticados com
grave violação de direitos humanos (BRASIL, 2005, p.
217).
Na mesma toada, no julgamento do IDC‐2 fora reconhecido
pelo Superior Tribunal de Justiça o apelo feito pelas autoridades locais no
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sentido de serem incapazes de promover a eficiente apuração dos fatos
tendo em vista a magnitude da infiltração do crime organizado nas
instâncias oficiais.
É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias. Há quase um pronunciamento uníssono em favor do deslocamento da competência para a Justiça Federal, dentre eles, com especial relevo: o Ministro da Justiça; o Governador do Estado da Paraíba; o Governador de Pernambuco; a Secretaria Executiva de Justiça de Direitos Humanos; a Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes e eficientes, as quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram capazes de adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificuldades de coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Mostra-se, portanto, oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e do processamento da ação penal em tela aos órgãos federais (BRASIL, 2010).
Na mesma toada, no julgamento do IDC‐2 fora reconhecido
pelo Superior Tribunal de Justiça o apelo feito pelas autoridades locais no
sentido de serem incapazes de promover a eficiente apuração dos fatos
tendo em vista a magnitude da infiltração do crime organizado nas
instâncias oficiais.
Assim, a proteção dos direitos básicos não se esgota e nem
poderia se esgotar apenas com a atuação dos estados‐membros. A
intervenção federal no âmbito estadual afigura‐se como um reflexo, uma
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manifestação ou particularização da própria noção de soberania, tendo
em mente que o Estado também é expressão de poder interno, possuindo
supremacia no âmbito internacional. Por estes motivos, faz‐se necessário
que a intervenção em comento seja utilizada apenas em última análise,
quando não restarem mais alternativas ao estado‐membro, ou o mesmo
se mostrar ineficaz na persecução que se fizer necessária (CAZETTA, 2009,
p. 159).
Fica caracterizado, por derradeiro, que o incidente de
deslocamento de competência é medida excepcional de caráter
subsidiário, após a comprovação da incapacidade das autoridades locais
em combater a grave violência aos direitos humanos.
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À
CONSTITUCIONALIDADE DO INCIDENTE
Mesmo antes da aprovação da Emenda Constitucional nº. 45, a
constitucionalidade da norma que insere a federalização das causas
relativas aos direitos humanos já era alvo de importantes debates no meio
jurídico e político, sendo patente que tal debate continua mesmo após a
entrada em vigor das alterações extraídas da Emenda alhures aduzida.
Após a suscitação do primeiro incidente perante o Superior
Tribunal de Justiça, foram interpostas duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade contra o inciso V‐A e o § 5º do artigo 109 da
Constituição Federal. Tais ações foram propostas pela Associação dos
Magistrados Brasileiros e pela Associação Nacional dos Magistrados
Estaduais, refletindo a insatisfação que a emenda provocou nas classes
dos magistrados estaduais e alguns membros do Ministério Público
estadual. Do ponto de vista da fundamentação jurídica, as ADINs
argumentam que o incidente de deslocamento de competência não
possui auto aplicabilidade, sendo contrário a determinados princípios
constitucionais. (CAZETTA, 2009, p. 69)
Sem o intuito de esgotar as teses de inconstitucionalidade do
deslocamento de competência, do ponto de vista jurídico, elas possuem
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fundamentações semelhantes. Aduzem que o deslocamento fere as
garantias constitucionais do juiz natural, do devido processo legal e do
pacto federativo.
Lílian Mendes Haber, Carolina Ormanes Massoud e Ibrain José
das Mercês Rocha afirmam que seria fato “menos danoso, se a EC nº.
45/04, pretendendo prestigiar a federalização dos crimes contra os
direitos humanos, sem desmerecer o Ministério Público e a Justiça
Estadual, tivesse atribuído competência expressa à Justiça Federal, pura e
simplesmente” (HABER; MASSOUD; ROCHA, 2005, p. 27).
Luiz Alexandre Cruz Ferreira e Maira Cristina Vidotte Blanco
Tárrega (2005) asseveram ainda:
Mais grave, entretanto, é a fixação de um critério
de competência condicional e fundado na pura
subjetividade de uma única autoridade. Ora, o art. 5º,
LIII, da CF/88 assegura que “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”. É inerente ao princípio do devido
processo legal que a regra de competência seja
objetivamente fixada antes do ajuizamento da lide.
Assim foi durante grande parte da história brasileira.
Ocorre que, a partir da reforma, a competência para
as ações relativas à violação de direitos humanos não
pode ais ser fixada no momento da propositura da
ação, as depende de uma condição extrínseca às
próprias partes litigantes, qual seja o oferecimento
de pedido de “deslocamento de competência”
formulado pelo Procurador‐Geral da República
(FERREIRA; TARREGA, 2005, p. 462).
Pelos argumentos acima elencados, o deslocamento de
competência alteraria a competência das ações relativas à violação de
direitos humanos após o momento oportuno, violando o devido processo
legal.
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Sucintamente, aduzem os defensores da inconstitucionalidade
do presente instituto que haveria clara violação ao pacto federativo, vez
que subsistirá uma livre intervenção federal nos estados, bem como a
volta da avocação por parte do Procurador‐Geral da República. Aduzem
ainda, que há a criação de uma descriminação para com as instituições
judiciárias estaduais e a criação de “tribunais de exceções”, vedados pela
Constituição Federal.
Antonio Scarance Fernandes (2010) afirma que o juiz natural
estaria sendo duplamente violado, em face do artigo 5º, incisos XXXVII e
LIII da Constituição Federal, pois só são órgãos do judiciário aqueles
instituídos pela Constituição, reforçando que ninguém pode ser julgado
por órgão constituído após o fato e entre os órgãos pré‐constituídos,
vigora uma ordem taxativa e hierárquica de competências.
Nesta seara, o incidente de deslocamento de competência
feriria a proibição dos tribunais ex post facto, uma vez que a modificação
da competência se daria após o crime, sendo que tal incidente poderia ou
não ser suscitado pelo Procurador‐Geral da República, ensejando maiores
objetividades sobre quais delitos serão considerados de grave violação aos
direitos humanos. Outrossim, a reforma do judiciário estaria violando o
princípio da segurança jurídica, tendo em vista que o infrator não saberia
ao certo qual juízo será competente para julgar seu caso. Ressalta‐se que
todos os aspectos relacionados à existência do crime, bem como à
persecução e à condenação penal devem ser previamente fixados em lei.
Ademais, a federalização dos crimes atingiria o principio
constitucional do devido processo legal, ignorando a ampla defesa, tendo
em vista que o acusado encontraria grande dificuldade na produção de
provas em razão da distancia às Varas Federais.
Nesta linha de raciocínio, Luiz Alexandre Cruz Ferreira e Maira
Cristina Vidotte Blanco Tárrega comentam:
A primeira matéria que cumpre discutir é o
reconhecimento expresso pelo reformador de uma
maior dignidade e importância da Justiça Federal em
relação à Justiça Estadual. Aquela antiga
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preocupação do constituinte originário de relacionar
a matéria da competência às atividades objetivas
desenvolvidas, preservando‐se uma idêntica
importância institucional, já não existe mais. Fica
reconhecida a indignidade da Justiça Estadual e sua
incapacidade em “assegurar o cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais”.
O critério utilizado é muito claro: quando a violação
dos direitos humanos for leve, a competência é da
Justiça Estadual. Quando a violação for grave, a
competência é da Justiça Federal (FERREIRA;
TARREGA, 2005, p. 462).
A associação nacional dos membros do ministério público
(CONAMP) elenca uma série de argumentos contrários à
constitucionalidade do artigo 109, § 5º da Constituição Federal de 1988,
alguns, já mencionados neste trabalho, quais sejam: a violação da cláusula
pétrea do juiz natural, já que o mesmo será estabelecido por critério
subjetivo, onde não há o exato conceito de “violação de direitos
humanos”; a violação do contraditório por parte do Procurador‐Geral do
estado que deverá simplesmente obedecer ao Procurador‐Geral da
República; a quebra da razoável duração do processo, tendo em vista que
a demora será maior no âmbito federal, levando até a prescrição de alguns
crimes (BRASÍLIA, 2005).
ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À
CONSTITUCIONALIDADE DO INCIDENTE
Os principais argumentos dos defensores da federalização
residem justamente em sua função precípua: preservar os direitos
consagrados como humanos, coibindo e punindo as graves violações que
ensejem uma responsabilização internacional do Brasil.
Por oportuno, faz‐se necessário elucidar que o ato de
interpretar o texto constitucional não se caracteriza por uma atividade
anódina, sem importância, ou ainda de um ato mecânico. Interpretar
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implica a busca de um sentido, através da qual, serão resguardados uma
série de princípios, como bem aduz Eros Grau:
O intérprete produz a norma jurídica não por
diletantismo, porem visando a sua aplicação a casos
concretos. Interpretamos para aplicar o direito e, ao
fazê‐lo, não nos limitamos a interpretar os textos
normativos, mas também, compreendemos os fatos.
A norma jurídica é produzida para ser aplicada a um
caso concreto. Essa aplicação se dá mediante a
formulação de uma decisão judicial, uma sentença,
que expressa a norma da decisão. Aí a distinção
entre normas jurídicas e norma de decisão. Esta é
definida a partir daquelas (GRAU, 2003, p. 09).
De máxima importância para o correto entendimento dos
argumentos favoráveis à constitucionalidade do incidente de
deslocamento de competência, é de se destacar o pensamento de Luís
Roberto Barroso:
[...] a distinção qualitativa entre regra e
princípio é um dos pilares da moderna dogmática
constitucional, indispensável para a superação do
positivismo legalista, onde as normas se cingiam a
regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada
como um sistema aberto de princípios e regras,
permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual
as ideias de justiça e de realização dos direitos
fundamentais desempenham um papel central. A
mudança de paradigma nessa matéria deve especial
tributo à sistematização de Ronald Dworkin. Sua
elaboração acerca dos diferentes papéis
desempenhados por regras e princípios ganhou
curso universal e passou a constituir o conhecimento
convencional na matéria. (BARROSO, 2006, p. 30).
Ainda, o referido autor discorre sobre a valoração dos
princípios, vejamos:
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Os princípios contêm, normalmente, uma maior
carga valorativa, um fundamento ético, uma decisão
política relevante, e indicam determinada direção a
seguir. Ocorre que, em ordem pluralista, existem
outros princípios que abrigam decisões, valores ou
fundamentos diversos, por vezes contrapostos. A
colisão de princípios, portanto, não só é possível
como faz parte da lógica do sistema, que é dialético.
Por isso a sua incidência não pode ser posta em
termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade.
Deve‐se reconhecer aos princípios uma dimensão de
peso ou importância. À visa dos elementos do caso
concreto, o intérprete deverá fazer escolhas
fundamentadas, quando se defronte com
antagonismos inevitáveis, como os que existem
entre a liberdade de expressão e o direito de
privacidade, a livre iniciativa e a intervenção estatal,
o direito de propriedade e a sua função social. A
aplicação dos princípios se dá, predominantemente,
mediante ponderação (BARROSO, 2006, p. 30).
Neste diapasão, se tratando de interpretação constitucional,
José Jesus Cazetta Júnior (2004) afirma que a necessária ponderação é
aplicável ao caráter constitucionalismo pós‐guerra, onde o modelo
tradicional de solucionar conflitos entre regras é inútil, tendo em vista que
a Constituição não mais consagra valores homogêneos, mas um amplo
conteúdo material de princípios de direitos fundamentais, até mesmo
contraditórios. Apenas através da ponderação é possível manter a
coexistência e a igualdade abstrata entre as normas ou direitos que
refletem valores plurais, próprios de uma sociedade heterogênea, mas
que pretende manter‐se unida em torno da Constituição.
Essa é a situação a qual se encontra a análise do incidente de
deslocamento de competência, tendo em vista as supostas violações aos
princípios constitucionais alhures mencionados, em contraposição a
outros princípios de efetividade e proteção aos direitos humanos, como a
consagração da dignidade da pessoa humana, por exemplo. Essa
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contradição aparente enriquece o debate e permite uma melhor
compreensão dos interesses colocados em pauta, desempenhando papel
eminentemente dialético.
Não obstante, é inegável que não existem direitos
fundamentais ilimitados, como afirmou o Supremo Tribunal Federal, veja‐
se:
[...] os direitos e garantias individuais não tem
caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional
brasileiro, direitos ou garantias que se revista de
caráter absoluto, mesmo porque razoes de
relevante interesse público ou exigências derivadas
do princípio de convivência das liberdades
legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção,
por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas
das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria
Constituição. O estatuto constitucional das
liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a
que estas estão sujeitas – e considerando o
substrato ético que as informa – permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica,
destinadas de um lado, a proteger a integridade do
interesse social e, de outro, a assegurar a
coexistência harmoniosa das liberdades, pois
nenhum direito ou garantia pode ser exercido em
detrimento da ordem pública ou com desrespeito
aos direitos e garantias de terceiros (BRASIL, 2000,
p. 20).
Em se tratando de conflito entre princípios constitucionais,
sobre os quais não se podem aplicar as regras da hierarquia das normas
(lei superior prevalece sobre inferior); da cronologia (lei posterior revoga
anterior) ou da especialização (lei específica prevalece sobre lei geral), Luís
Roberto Barroso ensina:
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[...] a denominada ponderação de valores ou
ponderação de interesse é a técnica pela qual se
procura estabelecer o peso relativo de cada um dos
princípios contrapostos. Como não existe um critério
abstrato que imponha a supremacia de um sobre o
outro, deve‐se, à vista do caso concreto, fazer
concessões recíprocas, de modo a produzir um
resultado socialmente desejável, sacrificando o
mínimo de cada um dos princípios ou direitos
fundamentais em oposição. O legislador não pode,
arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo
e anular o outro, sob pena de violar o texto
constitucional. Seus balizamentos devem ser o
princípio da razoabilidade e a preservação, tanto
quanto possível, do núcleo mínimo do valor que
esteja cedendo passo. Não há aqui, superioridade
formal de nenhum dos princípios em tensão, mas a
simples determinação da solução que melhor
atende o ideário constitucional na situação
apreciada (BARROSO, 2006, p. 30).
Por conseguinte, para a análise da constitucionalidade da
federalização em cotejo, interessa analisá‐la sob a égide dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. Nesta toada, explicitam Barcellos e
Barroso:
O princípio da razoabilidade ou da
proporcionalidade [...] não está expresso na
Constituição, mas tem seu fundamento nas ideias de
devido processo legal substantivo e na de justiça
Trata‐se de um valioso instrumento de proteção dos
direitos fundamentais e do interesse público, por
permitir o controle da discricionariedade dos atos do
Poder Público e por funcionar como a medida com
que a norma deve ser interpretada no caso concreto
para a melhor realização do fim constitucional nela
embutido ou decorrente do sistema. Em resumo
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sumário, o princípio da razoabilidade permite ao
Judiciário invalidar atos legislativos ou
administrativos quando: a) não haja adequação
entre o fim perseguido e o instrumento empregado
(adequação) b) a medida não seja exigível ou
necessária, havendo meio alternativo menos
gravoso para chegar ao mesmo resultado
(necessidade/vedação do excesso) e c) não haja
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que
se perde com a medida é de maior relevo do que
aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido
estrito). O princípio pode operar, também, no
sentido de permitir que o juiz gradue o peso da
norma, em uma determinada incidência, de modo a
não permitir que ela produza um resultado
indesejado pelo sistema, assim fazendo a justiça do
caso concreto (BARCELLOS; BARROSO, 2006, p. 362‐
363).
É possível reconhecer que a compatibilidade do incidente de
deslocamento de competência somente acontecerá se este instituto
atender ao princípio da razoabilidade, passando pela adequação ao caso
concreto, pela necessidade de utilização deste meio, pela vedação ao
excesso e pela proporcionalidade em sentido estrito. Muito embora a
comprovação destas adequações esteja diluída pelo trabalho, é possível
justificá‐los sucintamente adiante.
Para que se possa identificar a adequação, faz‐se necessário
aferir qual o fim perseguido e o instrumento que será empregado para
tanto. O incidente de deslocamento de competência possui como objetivo
a criação de um instrumento que permita uma ampliação qualitativa da
proteção dos direitos humanos, agindo como meio eficaz para realizar
diretamente a resposta judicial aos casos de grave violação dos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Objetivando alcançar tal intento, criou‐se um instrumento que,
respeitando o modelo federal do Estado brasileiro, atribuiu a um tribunal
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superior, já responsável pela defesa e pela uniformização da ordem
infraconstitucional, a missão de identificar os casos concretos em que haja
efetiva necessidade de intervenção do ente federal. Concebeu‐se,
portanto, um mecanismo cuidadoso que envolve a manifestação
fundamentada, em processo judicial, e que terá por resultado a
redistribuição do feito a um juízo previamente reconhecível, dotado de
todas as garantias institucionais típicas do Poder Judiciário e do Ministério
Público (CAZETTA, 2009, p. 92).
Não pairam dúvidas de que o fim almejado encontra abrigo em
uma sociedade que preza pelo princípio da dignidade da pessoa humana
como um de seus fundamentos e na prevalência dos direitos humanos.
Outrossim, o referido instrumento preserva a entidade federativa,
salvaguardando a noção de devido processo legal, garantindo a
adequação da federalização.
Ademais, não parece restar questionamento de que o incidente
de deslocamento é uma medida exigível, uma vez que o Estado brasileiro
poderá ser responsabilizado internacionalmente pelas obrigações
assumidas. Afora outros casos de relevância, basta rememorar que o
Brasil já fora condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
pelo caso “Ximenes Lopes”, além de sofrer medidas provisionais adotadas
no caso da Penitenciária “Urso Branco”[8] e do tratamento degradante
nas unidades da FEBEM em São Paulo.
Nesta seara, a federalização é medida exigível diante da
necessidade da concretização dos direitos humanos, em contraposição a
uma realidade muito distante do ideal, com reiteradas situações de
desrespeito aos direitos mais fundamentais do ser humano. Implica, por
oportuno, averiguar se existe meio menos gravoso ou alternativo ao
incidente de deslocamento de competência.
Neste diapasão, Ubiratan Cazzeta leciona que:
O IDC não é instrumento redentor, que trará,
sozinho, a solução para o problema da violação dos
direitos humanos. Todavia, não é, tampouco, um
mecanismo autoritário ou abusivo, como se
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pretendeu configurá‐lo nas críticas; aliado a um
ampla teia de atuações estatais, poderá, sim, vir a
ser um instrumento eficaz para romper situações
concretas de desrespeito aos direitos humanos
(CAZETTA, 2009, p. 93‐94).
No que se refere aos ganhos decorrentes da medida, é patente
que se configuram como maiores do que as eventuais perdas de que se
pode cogitar, pois o incidente preserva os contornos do federalismo,
assegura o juízo natural, sem ofender o devido processo legal, garante a
ampla defesa e se configura por importante aparato para manter alerta os
estados‐membros.
Nesse comenos, o primeiro argumento balizador da
constitucionalidade do instituto reside no término da conjectura
paradoxal onde o Estado brasileiro é responsabilizado pelo
descumprimento das obrigações internacionais na pessoa jurídica da
União, de forma única e exclusiva, sem que a mesma tivesse a
possibilidade de chamar para si tal responsabilidade, investigando,
processando ou julgando os crimes que ensejaram sua punição.
Pedro Lenza (2011) ressalta que a previsão estabelecida no
artigo 109, V‐A e no §5º do mesmo artigo da Constituição Federal fora
muito bem vindo e acertado no sentido de adequar o funcionamento do
Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional dos direitos
humanos, destacando ainda que a União é que será responsabilizada em
nome do Estado brasileiro, por aquilo que fora acordado em tratados
internacionais. Outrossim, havendo descumprimento ou afronta a direitos
resguardados pelos referidos tratados, a União não poderá invocar a
cláusula federativa para se eximir das responsabilidades assumidas
perante os órgãos internacionais.
No mesmo sentido, Flávia Piovesan ressalta que a federalização
será importante instrumento na concretização e realização dos direitos
humanos, quando os mesmos padeçam de graves violações, primando por
um Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no artigo 1º da
Constituição Federal, salientando ainda:
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Se qualquer Estado Democrático pressupõe o
respeito dos direitos humanos e requer a eficiente
resposta estatal quando de sua violação, a proposta
de federalização reflete sobretudo a esperança de
que a justiça seja feita e os direitos humanos
respeitados (PIOVESAN, 2005, p. 42).
Outro argumento que consolida a constitucionalidade do
incidente de deslocamento reside na possibilidade de dotar o sistema
jurisdicional de melhores instrumentos para enfrentar a impunidade e a
afronta à ordem jurídica, em casos quem envolvam as já badaladas graves
violações aos direitos humanos, fato que muitas vezes não ocorre nos
órgãos estaduais. Trazendo à baila sua experiência defronte as Cortes
Internacionais, Francisco Rezek aduz:
Em geral, nas federações os crimes dessa
natureza, os crimes previstos por qualquer motivo
em textos internacionais, são crimes federais e da
competência do sistema federal de Justiça. Isso tem
várias vantagens, como uma jurisprudência
uniforme, uma jurisprudência unida, a não tomada
de caminhos diversos segundo a unidade da
federação em que se processe o crime. É vantajoso e
é praticado em outras federações (REZEK, 2002, p.
150).
Outrossim, pode‐se citar outros casos de federalização através
do estudo do direito comparado, como acontece com o crime de
narcotráfico nos Estados Unidos da América (REZEK, 2002, p. 152).
Ademais, é cediço que o estado brasileiro já se mostrou por
vezes ineficaz e inoperante na persecução e julgamento de crimes de
grande repercussão internacional, como no caso do massacre de Eldorado
dos Carajás[9] e a chacina da Candelária[10]. Ressalta‐se que ambos os
casos foram marcados pela influencia negativa de agentes estatais,
incluindo a presença de policiais no banco dos réus. A então Relatora das
Nações Unidas sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais,
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Asma Jahangir, identificou a Emenda Constitucional 45/2004 como “um
passo bem‐vindo para combater a impunidade” (GAJOP. 2010, p. 28).
Paulo Bonavides (2010) atesta que o incidente de deslocamento
de competência visa preservar os mais altos valores protegidos pela
Constituição Federal, sem que com isso as demais cláusulas pétreas sejam
prejudicadas, pois inexiste direito absoluto, que não possa ser relativizado
diante do choque com outro direito normatizado e de mesma força
hierárquica. Para tanto, faz‐se necessário o uso do princípio da
proporcionalidade, mais elástico que os demais, protegendo o cidadão
contra excessos do Estado e defendendo as liberdades constitucionais.
Não obstante, em regra, tem‐se que a Justiça Federal é mais
isenta e imparcial, não sendo influenciada pelas injunções políticas ou
coorporativas da localidade do crime. Flávia Piovesan e Renato Vieira
corroboram com tal posicionamento, se referindo as vantagens da
“competição saudável” entre as policias judiciárias e entre a Justiça
Federal e a Estadual:
Com a federalização dos crimes contra os
direitos humanos passa a existir uma salutar
concorrência institucional para o combate à
impunidade e para a garantia e justiça, expondo‐se
à sociedade civil os poderes e os limites estatais no
cumprimento de seus compromissos internacionais
e domésticos. De um lado, encoraja‐se a atuação
estatal sob o risco de deslocamento de competência
em razão da matéria, e de outro se aumenta a
responsabilidade das instancias federais para o
efetivo combate à impunidade das violações aos
direitos humanos (PIOVESAN; VIEIRA, 2005, p. 09).
Entrementes, para a real eficácia do incidente em estudo, faz se
necessário que o mesmo esteja balizado pelo princípio da
proporcionalidade, com fito de que tal instituto não se torne uma medida
banalizada, fugindo de seu escopo principal. Segundo Gilmar, citado por
Jorge Assaf Maluly:
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A proporcionalidade se dá quando verificada
restrição a determinado direito fundamental ou a
um conflito entre distintos princípios constitucionais
de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo
de cada um dos direitos por meio da aplicação das
máximas que integram o mencionado princípio da
proporcionalidade. São três as máximas parciais do
princípio da proporcionalidade: a adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido
estrito. Há de perquirir‐se na aplicação do princípio
da proporcionalidade, se em face do conflito entre
os dois bens constitucionais contrapostos, o ato
impugnado afigura‐se adequado (isto é, apto para
produzir o resultado desejado), necessário (isto é,
insubstituível por outro meio menos gravoso e
igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito
(ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre
o grau de restrição de um princípio e o grau de
realização do princípio contraposto)
(MENDES apud MALULY, 2005, p. 06).
Note‐se que o incidente de deslocamento de competência não
chega a subtrair nenhuma competência originária dos estados, tampouco
se apresenta como uma violação ao pacto federativo, tendo em vista sua
natureza subsidiária e mediante a comprovação da incapacidade do
estado‐membro em investigar, processar ou julgar o acontecido. Neste
mesmo sentido, assim se manifestou o Ministro Arnaldo Esteves Lima
quando do julgamento do primeiro incidente de deslocamento de
competência:
O deslocamento de competência – em que a
existência de crime praticado com grave violação aos
direitos humanos é pressuposto de admissibilidade
do pedido – deve atender ao princípio da
proporcionalidade (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito),
compreendido na demonstração concreta de risco de
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descumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais firmados pelo Brasil,
resultante da inércia, negligência, falta de vontade
política ou de condições reais do Estado‐membro,
por suas instituições, em proceder à devida
persecução penal (BRASIL, 2005, p. 217).
Trata‐se, pois, de uma garantia constitucional de eficácia plena,
com caráter eminentemente instrumental, possibilitando o deslocamento
da competência, de forma horizontal, da Justiça Estadual para a Justiça
Federal, pois ambas compõe uma só Justiça, um só sistema judiciário
brasileiro. Assim, embora não seja contemporâneo à Emenda
Constitucional 45, o ilustre magistério de João Mendes Júnior, datado de
1916 ainda sobrevive ao tempo, servindo como base para o presente
estudo:
O Poder Judiciário, delegação da soberania nacional, implica a idéia de unidade e totalidade da força, que são as notas características da idéia de soberania. O Poder Judiciário, em suma, quer pelos juízes da União, quer pelos juízes dos estados, aplica leis nacionais para garantir os direitos individuais; o Poder Judiciário não é federal, nem estadual, é eminentemente nacional, quer se manifestando nas jurisdições estaduais, quer se aplicando ao cível, quer se aplicando ao crime, quer decidindo em superior, quer decidindo em inferior instância (MENDES JR., 1916).
A advertência de ontem há de ser o farol de hoje, pois o Brasil
não é um país de tradição cujos estados‐membros são fortes
individualmente. O papel central da União na manutenção da cidadania é
uma realidade que não se pode olvidar (CAZETTA, 2009, p. 98).
Destaca‐se que o deslocamento de competência está inserido
em um sistema de federalismo considerado cooperativo, nascido a partir
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da crise do Estado Liberal clássico, onde a União foi adquirindo ainda mais
competências, repassando algumas aos seus estados‐membros.
A cooperação de competências jurisdicionais é necessária
sempre que determinado ente da federação não possuir condições para
cumprir as prescrições constitucionais, seja por negligência, por inércia,
ou por falta de vontade dos governantes. Reitera‐se que quando o poder
local não conseguir desempenhar suas tarefas, caberá à União,
subsidiariamente, assumi‐las (CAZETTA, 2009, p. 98).
A federalização dos crimes constitui regra de modificação de
competência interna com base constitucional e subsidiária, no sentido de
complementar a competência residual da justiça estadual e não de
suprimi‐la. Analisando as competências delimitadas pela Constituição de
1988 há, de modo geral, um favorecimento às competências
concorrentes, no sentido de que exista um federalismo cooperativo, com
os olhos voltados mais para a colaboração de seus estados‐membros do
que com a independência total. Segundo Alexandre de Moraes (2002) a
intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária a
autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses
taxativamente previstas no texto constitucional e que visa à unidade e
preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Cumpre anotar que a distribuição da competência entre União
e os estados varia de acordo com condições históricas, relembrando que
no Brasil, os estados‐membros jamais gozaram de autonomia absoluta.
Com o saber de quem ajudou a construir o sistema federativo brasileiro,
Rui Barbosa bem situa a origem unitária da federação:
Senhores, não somos hoje uma federação de
povos até ontem separados, e reunidos de ontem
para hoje, Pelo contrário, é da união que partimos.
Na união nascemos. Na união se geraram e fecharam
os olhos nossos pais. Na união ainda não cessamos
de estar. Para que a união seja a herança de nossa
descendência, todos os sacrifícios serão poucos
(BARBOSA, 2003).
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É justamente embasado nessa substituição de tarefas que o
legislador constitucional previu a possibilidade de intervenção federal,
consoante o artigo 34 da Constituição Federal. Ademais, tal medida possui
caráter mais drástico, possuindo como um dos fundamentos, a proteção
dos direitos humanos, conforme alínea b, inciso VII do artigo em comento.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005),
analisando o instituto da intervenção federal, dissertam que “o Estado
Federal deve conter um dispositivo de segurança, necessário à sua
sobrevivência. Esse dispositivo constitui, na realidade, uma forma de
mantença do federalismo diante de graves ameaças”.
Ora, se é possível tal medida drástica para assegurar os direitos
da pessoa humana, não há de se falar em inconstitucionalidade ao realizar
uma intervenção considerada pontual, apenas em relação à determinado
caso concreto.
Por derradeiro, insta salientar acerca da decisão do Superior
Tribunal de Justiça quando do julgamento do IDC‐1, porquanto as
preliminares de inépcia da inicial e de que o dispositivo seria uma norma
de eficácia contida, carecendo de um rol definidor e exemplificativo dos
crimes considerados graves, foram rejeitadas de plano, restando patente
que “não há incompatibilidade do incidente de deslocamento de
competência com qualquer outro principio constitucional ou com a
sistemática processual em vigor” (BRASIL, 2005, p. 217).
Arrematando a temática, leciona Alexandre de Moraes:
As justiças especializadas no Brasil não podem
ser consideradas justiças de exceção, pois são
devidamente constituídas e organizadas pela
própria Constituição Federal e demais leis de
organização judiciária. Portanto, a proibição de
existência de tribunais de exceção não abrange a
justiça especializada, que é atribuição e divisão da
atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos
do Poder Judiciário (MORAES, 2002, p. 109).
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Importante destacar que a federalização dos crimes graves
contra os direitos humanos reafirmou a competência dos órgãos estaduais
para apuração e julgamento dos mesmos, disponibilizando apenas, um
instrumento subsidiário e extraordinário para ser aplicado quando houver
incapacidade do órgão estadual em cumprir com as obrigações assumidas
internacionalmente pela União. Outrossim, haverá sempre a possibilidade
de não haver o deslocamento, desde que a Justiça Estadual atue de forma
competente diante da grave violação ocorrida.
CONCLUSÃO
Inicialmente, convém destacar que para o Estado brasileiro, se
mostra essencial o papel da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsáveis
por averiguar a responsabilidade do Brasil em decorrência da omissão ou
ação de atos por agentes estatais que violem os direitos humanos.
A presente possibilidade de responsabilização, corroborando
com a expressa aceitação do Brasil à jurisdição da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, implica em um novo modo de agir em relação aos
atos externos, incorporando ao cotidiano nacional o respeito às
obrigações internacionalmente assumidas. Submetem a este crivo, os atos
dos Três Poderes, não importando na seara internacional, como se
organiza o Estado, pois o mesmo é considerado uno e indivisível não
podendo utilizar suas dissonâncias para fugir do compromisso assumido
internacionalmente. Neste diapasão. É patente que o compromisso
externo, mesmo que indiretamente, reforça o compromisso interno, pois
a atuação internacional requer a insuficiência dos meios internos,
impondo um esgotamento dos recursos locais de proteção aos direitos
humanos. Tal esgotamento representa o reconhecimento de que a
instância internacional somente deve atuar após ter dado ao Estado a
chance de fazer valer suas regras internas, coibindo e corrigindo as graves
violações aos direitos humanos.
Neste diapasão, a possibilidade de deslocamento de
competência introduzida pela Emenda Constitucional nº 45 recebeu
diversas críticas, as quais sustentavam ofensas a determinados princípios
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constitucionais. Tais ponderações evocam dois alertas importantes: o
primeiro se refere ao excesso de críticas pelo uso de expressões
indeterminadas; o segundo se faz necessário pelo suposto entendimento
de que os princípios do juiz natural, do pacto federativo e do devido
processo legal teriam um grau de proteção que inviabilizaria uma nova
leitura no sistema constitucional, pautada pela razoabilidade e pela
proporcionalidade. Contudo, ressalta‐se que os conceitos
indeterminados, por vezes tão criticados, visam garantir que o texto
constitucional seja maleável ao avanço social.
Por todo o exposto, é patente que não há violação ao princípio
do pacto federativo, uma vez que o federalismo contemporâneo busca um
modelo de cooperação entre seus entes, relembrando que a União é que
será responsabilizada internamente pelas violações que forem praticadas
dentro de seus estados‐membros.
Não se verifica, também, qualquer violação ao princípio do juiz
natural, eis que não há a criação de um juízo de exceção, mas sim, a
possibilidade de deslocamento para um Tribunal previamente conhecido.
Ademais, o princípio do juiz natural visa garantir um julgamento imparcial
dentro das regras previamente conhecidas. Ora, mesmo com o
deslocamento para a Justiça Federal, não há de se falar em julgamento
parcial, tampouco em ofensa à legislação pátria em vigor. O que se verifica
é apenas uma redistribuição da competência por critérios assumidos
previamente pela Constituição Federal.
No que atine ao devido processo legal e a ampla defesa, tais
princípios estarão resguardados diante da suscitação do incidente de
deslocamento, tendo em vista que o requerido ou investigado terá
interesse legítimo a ser defendido e deverá ser ouvido pelo Superior
Tribunal de Justiça.
Por conseguinte, o uso da expressão “grave violações aos
direitos humanos”, considerada por alguns como genérica em demasia,
não se diferencia de tantos outros conceitos indeterminados presentes no
texto Constitucional, pois a Constituição Federal empregou um termo cujo
conteúdo deverá ser analisado diante do caso concreto, evitando seu uso
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indiscriminado, mas assegurando a sua utilidade. Destarte, analisando a
constitucionalidade da federalização, deve‐se ater ao seu elemento
diferencial, o ponto de inflexão que demande a extraordinária
necessidade de alteração de competência.
Verificou‐se que o incidente de deslocamento de competência
se baseia em três sustentáculos, três requisitos: a identificação da grave
violação aos direitos humanos; o compromisso internacional assumido; a
incapacidade do estado‐membro em oferecer resposta oportuna e
adequada. Assim sendo, não se trata de medida banal, vez que para o
efetivo deslocamento é imperioso que os aludidos requisitos coexistam no
caso concreto.
Não sem razão, pode‐se realizar uma comparação do incidente
de deslocamento a um sistema de freios e contrapesos, onde o controle
recíproco acaba por induzir atuações preventivas, que evitam a ocorrência
do ilícito. A mera possibilidade de deslocamento tem o condão de forçar
o estado‐membro a adotar medidas efetivas, visando evitar a perda da
competência.
Por derradeiro, pelo sucinto estudo dos casos concretos,
mormente o IDC‐1 e o IDC‐2, infere‐se que as características do incidente
derivam da conjugação de várias situações, como o contexto em que
atuava a vítima em defesa dos direitos humanos, a vinculação da ofensa a
uma reiterada atuação estatal ilícita ou, até mesmo, atos constantes de
racismo ou xenofobia. Todos estes exemplos denotam que o conceito de
graves violações se limita aos fatos que se subtraem à normalidade, ao
conjunto de situações rotineiras, impedindo que a federalização seja
banalizada.
Nesse comentos, impende salientar que o instituto em análise
não tem o escopo de ser um instrumento salvacionista de todos os
problemas do judiciário brasileiro. Não serão a Justiça Federal, a Policia
Federal e o Ministério Público Federal que irão acabar com a crescente
impunidade no Brasil. É cediço que os estados‐membros possuem plena
capacidade para investigarem e julgarem os casos de graves violações aos
direitos humanos, sendo inegável que têm juízes capacitados, policiais
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preparados e promotores atuantes. Entrementes, toda regra possui sua
exceção, e a experiência concreta do país demonstra que a transferência
para a Justiça Federal é recomendada face à impunidade, à excessiva
demora e ao envolvimento de agentes estatais nos crimes.
Por derradeiro, é oportuno que o incidente de deslocamento de
competência seja considerado como um instrumento de fortalecimento
dos esforços conjuntos dos estados‐membros e da União, na busca
incessante e essencial para a concretização dos direitos assegurados pela
Constituição, tornando realidade o ideal preconizado como dignidade da
pessoa humana em seu mais amplo escopo, não permitindo a banalização
ou vulgarização o incidente, devendo ser utilizado apenas quando não
houver no plano local, meios hábeis ou eficazes para a apuração,
persecução e processamento de graves crimes contra os direitos mais
básicos do ser humano.
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NOTAS:
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[1] Artigo 41 - A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições:
a) estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; b) formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos; c) preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; d) solicitar aos governos dos Estados-membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos; e) atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes solicitarem; f) atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e g) apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos.
[2] Damião Ximenes Lopes faleceu no ano de 1999, com 30 anos de idade. Damião, que possuía problemas mentais diagnosticados, foi sujeito à contenção física, amarrado com as mãos para trás e a necrópsia revelou que seu corpo sofreu diversos golpes, apresentando escoriações localizadas na região nasal, ombro direito, parte anterior dos joelhos e do pé esquerdo, equimoses localizadas na região do olho esquerdo, ombro homolateral e punho. No dia de sua morte, o médico da Casa de Repouso, sem fazer exames físicos em Damião, receitou-lhe alguns remédios e, em seguida, se retirou do hospital, que ficou sem nenhum médico. Duas horas depois, Damião morreu. (RAMOS, 2006).
[3] Art. 109 – Aos Juízes Federais compete processar e julgar:
V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
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V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o parágrafo quinto deste artigo;
[...]
§ 5º - nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, o incidente de deslocamento e competência para a Justiça Federal).
[4] Art. 1º - Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional eu exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
[...]
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; [...]
[5] Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:
[...]
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo.
[...]
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do
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inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
[6] O defensor de direitos humanos e ex-vereador Manoel Mattos foi executado na noite de 24 de janeiro de 2009, com dois tiros de espingarda calibre 12, no município de Pitimbú, praia de Acaú, litoral sul da Paraíba. Ele foi vereador e denunciava a atuação de grupos de extermínio que teriam assassinado adolescentes, homossexuais e supostos ladrões nos municípios de Pedras de Fogo (PB), Itambé e Timbaúba (PE), na divisa dos dois estados. Quando foi assassinado, Manoel Mattos deveria estar sob proteção policial, conforme entendimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Suspeita-se que mais de duzentas execuções tenham sido cometidas pelos grupos de extermínio enfrentados publicamente por Manoel Mattos. Por se tratar de caso de grave violação a direitos humanos, entendendo que existiam inúmeros processos e inquéritos arquivados sem algum motivo justificável, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime contra o ex-vereador Manoel Mattos será julgado pela Justiça Federal. O assassinato ocorreu em janeiro de 2009 e a apuração do episódio e do envolvimento de cinco suspeitos ocorreria na Justiça estadual da Paraíba, caso a Procuradoria-Geral da República (PGR) não tivesse pedido a federalização.
[7] A freira Dorothy Stang, de setenta e três anos, chegou ao Brasil em 1966 e desde então passou a atuar na questão de conflitos agrários nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, principalmente no que diz respeito ao assentamento de famílias em regiões rurais e na preservação da floresta amazônica. A missionária atuava também em questões sociais, mostrando intensa preocupação na área da educação. Sua atuação foi de encontro aos interesses dos fazendeiros e grileiros da região, o que fez com que por inúmeras vezes a missionária recebesse ameaças de morte. Dentro desta situação, Dorothy Stang procurou a imprensa e as autoridades regionais a fim de pedir proteção, mas não houve qualquer atitude concreta para solucionar o problema, o que acarretou no assassinato da norte-americana em 12 de fevereiro de 2005 no município de Anapu. O Ministério Público do Pará denunciou os envolvidos. São eles: Vitalmiro Bastos Moura, Amair Feijoli , Rayfran Neves Salles e Clodoaldo Batista. O homicídio teve grande repercussão internacional, tendo sido foco da manifestação de diversas organizações não-governamentais, como
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por exemplo, a ONG Anistia Internacional, que condenou o ocorrido com a missionária norte-americana, afirmando que os governos federal e do Estado do Pará precisam acabar com a violência e com o medo.
[8] Trata-se da chacina que ocorreu nas dependências da penitenciária Urso Branco, no estado de Rondônia, após a tentativa de fuga em massa, onde alguns dos 1,3 mil presos teriam assassinados outros 27 detentos. O caso é o maior massacre de presos do país depois do Carandiru, e ganhou repercussão internacional pela brutalidade dos assassinatos, que envolveram até decapitação, choque elétrico, e enforcamento. Em 2004, o Ministério Público ofereceu denúncia contra 44 presos e 6 agentes públicos: o então diretor geral do presídio, o ex-diretor de segurança, o ex-Superintendente de Assuntos Penitenciários e o ex-gerente do sistema penitenciário de Rondônia, além de dois oficiais da Polícia Militar do estado.
[9] Trata-se da morte de dezenove sem-terra que ocorreu em 17 de abril de 1996 no município de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. O confronto ocorreu quando aproximadamente 1.500 sem-terra que estavam acampados na região decidiram fazer uma marcha em protesto contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A Polícia Militar foi encarregada de tirá-los do local, porque estariam obstruindo a rodovia BR-155, que liga a capital do estado Belém ao sul do estado levando ao conflito mencionado.
[10] Na madrugada do dia 23 de julho de 1993, aproximadamente à meia-noite, vários carros pararam em frente à Igreja da Candelária. Logo após, policiais militares abriram fogo contra mais de setenta crianças e adolescentes que estavam dormindo nas proximidades da Igreja. Como resultado da chacina, seis menores e dois maiores morreram e várias crianças e adolescentes ficaram feridos.
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FORMA DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES DEVIDOS À FAZENDA PÚBLICA: REVOGAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL ANTECIPATÓRIA DE TUTELA E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS INDEVIDAMENTE
MARIA EDUARDA ANDRADE E SILVA: Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília.
RESUMO: A Fazenda Pública goza de rito especial de cobrança de débitos
insertos em Dívida Ativa por meio da Lei 6.830/80. Entretanto, não são
todos os créditos fazendários passíveis de inscrição em tal rol e cobrança
via executivo diferenciado. Precisamente no que se refere aos casos de
devolução de valores recebidos por segurado ou servidor público em
razão de decisão judicial posteriormente revogada, o crédito não poderá,
como regra geral, ser cobrado via execução fiscal, consoante o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Do mesmo modo, os casos
em que se pretende a restituição de quantias recebidas indevidamente
em virtude de fraude ou ilícito civil também não podem ensejar a imediata
inscrição do débito em Dívida Ativa. Nesses casos, o STJ entende que deve
ser prestada reverência ao contraditório e à ampla defesa, como
requisitos essenciais à aferição da certeza e da liquidez do título. Isso
porque, sob o ponto de vista subjetivo, a certeza do título judicial significa
a possibilidade de identificação do devedor. Em se negando o indivíduo a
admitir a prática do ilícito ou da fraude, é necessário prévio processo de
conhecimento para fins de apuração de sua responsabilidade civil.
Posteriormente, em razão do sincretismo processual, mantido e
expandido no novo Código de Processo Civil, será dado início ao
cumprimento de sentença, sem que seja ajuizado o feito executivo
fiscal. Portanto, embora a inscrição em Dívida Ativa e a extração da
respectiva certidão sejam atividades unilaterais da Fazenda Pública, bem
como inobstante a amplitude do conceito de Dívida Ativa não‐tributária
veiculado pelo art. 39 § 2º da Lei 4320/64, não serão todos os débitos que
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poderão ser inscritos como tal, segundo o entendimento do STJ, que vem
se inclinando no sentido da garantia do contraditório.
PALAVRAS‐CHAVE: Dívida Ativa. Execução fiscal. Cobrança. Liminar.
Cassação. Ilícito civil. Fraude. Contraditório.
INTRODUÇÃO
O presente artigo possui como objetivo expor o
entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca da
forma de cobrança, judicial ou administrativa, dos créditos da Fazenda
Pública na hipótese de revogação de decisão judicial precária concessiva
de vantagem patrimonial ou benefício em desfavor do erário público, bem
como o modo de persecução do crédito no caso em que a própria Fazenda
constata a ocorrência de fraude na percepção de quantias pagas a título
de benefício previdenciário.
1. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DECORRENTE DE ORDEM JUDICIAL POSTERIORMENTE REVOGADA
É necessário, primeiramente, analisar a situação na qual,
no bojo de um processo judicial, há a inicial concessão de ordem de
pagamento de verbas a servidor público ou a segurado previdenciário em
sede de decisão interlocutória, a qual, mais adiante, resta revertida.
O STJ entende que, em havendo a revogação de decisão
judicial precária que, em antecipação de tutela, havia determinado à
Fazenda Pública o pagamento de valores em benefício de servidor ou
segurado do RGPS, a devolução desse importe à Fazenda é uma
decorrência lógica da própria revogação da decisão.
As únicas exceções à regra da devolução residem nos casos
em que o Tribunal, em sede de apelação, confirma ser devido o
pagamento do benefício, porquanto, na hipótese, a decisão de segunda
instância criaria, na ótica do segurado, uma justa expectativa e uma
legítima confiança na existência do direito ao recebimento dos valores,
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razão por que eventual ordem judicial contrária não poderia implicar
a repetição da verba (EREsp 1086154/RS, DJe 19/03/2014), bem como no
caso de procedência de ação rescisória de sentença que, já estabilizada
pela segurança da coisa julgada, havia declarado ser devido o pagamento
do benefício previdenciário (AR 4.186/SP, DJe 04/08/2015).
Para além desses casos, a regra, no âmbito do STJ, tem
sido pela devolução dos valores pagos em razão de decisão antecipatória
de tutela posteriormente revogada. Embora haja recente precedente do
STF em sentido oposto, o presente artigo empreenderá análise somente
da posição jurisprudencial vencedora atualmente no âmbito do STJ (Cf.
ARE 734242 AgR, 04‐09‐2015 Publicado em 08/09/2015).
Isso porque, segundo o Superior Tribunal de Justiça, o
caráter precário da decisão não permite supor que o particular tivesse
uma justa expectativa de que os valores seriam recebidos definitivamente.
Ademais, o pagamento da verba não se deu por erro ou equívoco
interpretativo por parte da Administração Pública, mas por decisão do
Judiciário, posteriormente modificada. Por esses motivos não se poderia
alegar boa‐fé objetiva dos beneficiários a fim de sustentar a
irrepetibilidade da verba. Demais disso, não se acolhe a tese de que a
verba seria alimentar e, por isso, não sujeita à devolução. (REsp
n.1.401.560/MT, ‐ recurso repetitivo. Ver, ainda, REsp 1384418/SC, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013,
DJe 30/08/2013).
O tema deste artigo, porém, é pesquisar a forma como
essa devolução deve ser feita. Adiante‐se que o STJ não tem admitido a
inscrição do débito em Dívida Ativa.
1.1. Forma de devolução por parte do servidor público
A Primeira e a Segunda Turma do Sodalício da Cidadania
assentaram a necessidade de que seja aberto umprocesso
administrativo interno contra o servidor que recebeu a verba oriunda da
decisão judicial revogada, tendo em vista a necessidade de respeito ao
contraditório e à ampla defesa. Somente após aberto o processo
administrativo e facultado o exercício do contraditório e da ampla defesa
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serão admitidos osdescontos diretamente na folha de salários (ou
proventos) do servidor público (ativo ou inativo).Confira‐se:
Esta Corte possui jurisprudência no sentido de que é
obrigatória a devolução por servidor público de vantagem
patrimonial paga pelo erário público, em face de
cumprimento de decisão judicial precária, desde que
observados os princípios do contraditório e da ampla
defesa. AgRg no Ag 1337780/RS, Rel. Ministro ARNALDO
ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
21/03/2013, DJe 06/12/2013) Na segunda turma:AgRg no
REsp 1301411/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe
03/09/2014)” (g.n.). Cf. também, STJ, RMS 18.057/RS, Rel.
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJU
de 02/05/2006).
É necessário, ainda, observar os percentuais máximo e
mínimo de desconto em folha, que estão estabelecidos, em regra, na lei
que rege a carreira do servidor em questão. No âmbito da Lei 8.112/90 –
União, autarquias e fundações federais ‐ o limite máximo de desconto é
de 10% da remuneração do servidor:
"Esta Corte Superior de Justiça firmou já
entendimento de que é obrigatória a devolução de
vantagem patrimonial paga pelo erário público, em face de
cumprimento de decisão judicial precária, desde que
respeitados os princípios do contraditório e da ampla
defesa e o limite máximo de desconto previsto em lei, a
saber, a décima parte da remuneração, nos termos do
artigo da Lei n° . / .” (STJ, AgRg nos EDcl no REsp
1.224.995/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO,
PRIMEIRA TURMA, DJe de 18/04/2011) (g.n.)
Na hipótese, porém, em que os descontos não possam ser efetuados até o ressarcimento integral – seja por demissão, exoneração ou cassação da aposentadoria do servidor – a própria lei 8112/90 admite a inscrição do débito em dívida ativa:
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“Art. 47. O servidor em débito com o erário, que for demitido, exonerado ou que tiver sua aposentadoria ou disponibilidade cassada, terá o prazo de sessenta dias para quitar o débito. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Parágrafo único. A não quitação do débito no prazo previsto implicará sua inscrição em dívida ativa” (g.n.)
1.2. Forma de devolução por parte de segurado previdenciário:
Insta voltar a atenção a hipótese distinta, referente ao
caso de débito direto à autarquia previdenciária, fora do âmbito da
relação servidor público‐Estado. No caso de os valores serem devidos pelo
indivíduo ao próprio INSS, como é o caso de benefícios previdenciários
pagos em razão de decisão interlocutória antecipatória de tutela, é preciso
que a autarquia previdenciária execute a sentença em que se consignou a
irregularidade da percepção das verbas, isso é, a sentença de
improcedência proposta pelo segurado. Após a liquidação do valor e caso
o segurado já receba algum outro benefício pago pela autarquia, devem
ser feitos descontos mensais, no percentual máximo de 10%, por analogia
com o serviço público federal. Vide o julgado, em que se analisou hipótese
em que particular recebeu pensão por morte por ordem judicial
posteriormente reformada:
“ À luz do princípio da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de
devolver os valores obtidos por força de antecipação de
tutela posteriormente revogada, devem ser observados os
seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução
de sentença declaratória do direito deverá ser
promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito
executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de
até % da remuneração dos benefícios previdenciários
em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por
simetria com o percentual aplicado aos servidores
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públicos”(art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991.12. Recurso
Especial provido.(REsp 1384418/SC, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
12/06/2013, DJe 30/08/2013) (g.n.)
O débito, caso não seja pago, por, por exemplo, serem
inviáveis os descontos, não pode ser inscrito em dívida ativa.
Isso porque o STJ assentou a compreensão de que não se
mostra impossível inscrever em dívida ativa o débito oriundo de
recebimento indevido de benefício previdenciário, mesmo na grave
hipótese de o beneficiário haver empregado fraude (Resp 867718/PR, DJe
04/02/2009).
2.DEVOLUÇÃO DECORRENTE DE FRAUDE OU ILÍCITO CIVIL
NA PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
Por seu turno, quando esse recebimento indevido não
tiver advindo de decisão judicial precária, deve ser proposta ação de
conhecimento a fim de se apurar a responsabilidade do indivíduo (e não
deve haver a inscrição em dívida ativa). Para o Tribunal, não haveria a
certeza que deve ser inerente à CDA, nem tampouco existiria lei a
autorizar a inscrição. Logo, como regra geral, sendo o caso de ilícito
fundado na responsabilidade civil, sempre deve haver o processo de
conhecimento. Nele, o réu terá a oportunidade de se utilizar dos meios e
recursos inerentes à ampla defesa e ao contraditório, possibilitando‐se o
reconhecimento de seu dolo ou de sua culpa. Vide o aresto, julgado sob o
rito dos recursos especiais repetitivos:
“À mingua de lei expressa, a inscrição em dívida
ativa não é a forma de cobrança adequada para os
valores indevidamente recebidos a título de benefício
previdenciário previstos no art. , II, da Lei n. . /
que devem submeter‐se a ação de cobrança por
enriquecimento ilícito para apuração da
responsabilidade civil. (...)Não há na lei própria do INSS
(Lei n. 8.213/91) dispositivo legal semelhante ao que
consta do parágrafo único do art. 47, da Lei n.8.112/90.
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Sendo assim, o art. , § º, II, do Decreto n. . /
que determina a inscrição em dívida ativa de benefício
previdenciário pago indevidamente não encontra
amparo legal.”(REsp 1350804/PR, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
12/06/2013, DJe 28/06/2013).(g.n.)
No mesmo sentido, abordando diretamente a hipótese da
ocorrência de fraude:
“O crédito oriundo de suposta fraude no
recebimento de benefício previdenciário deve ser
assentado judicialmente no afã de aferir os requisitos
necessários exigíveis para dar início à execução.3. É que a
repetição do indébito impõe ao jurisdicionado manejar o
processo de cognição, assim como, diante do pagamento
indevido, o Poder Público não pode lançá‐lo
unilateralmente, devendo valer‐se da mesma forma de
tutela jurisdicional.4. É cediço nesta Corte que é
necessária a propositura de ação de conhecimento, em
que sejam garantidos o contraditório e a ampla defesa,
para o reconhecimento judicial do direito à repetição, por
parte do INSS, de valores pagos indevidamente a título de
benefício previdenciário, pois não se enquadram no
conceito de crédito tributário, tampouco permitem sua
inscrição em dívida ativa.(...). 3. Crédito proveniente de
responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto
responsável não integra a chamada dívida ativa, nem
autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve
exercer, contra o suposto responsável civil, ação
condenatória, em que poderá obter o título executivo.
4.É nula a execução fiscal por dívida proveniente de
responsabilidade civil, aparelhada assentada em títulos."
(REsp nº 440540/SC) (...)”(REsp 1177342/RS, Rel. Ministro
LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe
19/04/2011) (g.n.).
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Em consequência, ter‐se‐á mero cumprimento de
sentença condenatória, não podendo ser operada a inscrição em dívida
ativa do débito já reconhecido judicialmente. A esse respeito, o STJ já
adotou o entendimento de que violaria a economia processual a
pretensão de cobrança via execução fiscal de valor já constante de título
executivo judicial. No aresto em questão foi analisada a possibilidade de
inscrever em Dívida Ativa os honorários sucumbenciais devidos à Fazenda.
O raciocínio exposto no aresto, contudo, é válido à hipótese presente:
“Com efeito, se no processo judicial o Estado‐juiz
arbitra crédito em favor do Estado‐administração, crédito
esse que pode ser obtido diretamente nos autos, em
procedimento ulterior e consequente ao trânsito em
julgado, não há motivo lógico ou jurídico para conceber
que o Estado‐administração desista – obrigatoriamente,
sob pena de cobrança em duplicidade – da sua utilização,
para então efetuar a inscrição da verba honorária em
dívida ativa e, depois, ajuizar novo processo,
sobrecarregando desnecessariamente o Poder Judiciário
com demandas (a Execução Fiscal, como se sabe, pode ser
atacada por meio de outra ação, os Embargos do Devedor)
cujo objeto poderia, desde o início, ser tutelado no
processo original.(...)” (REsp 1126631/PR, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
20/10/2009, DJe 13/11/2009).
CONCLUSÃO
Conclui‐se, portanto, que, em se tratando de valores a
serem devolvidos pelo servidor à Administração Pública, em razão da
revogação de decisão judicial precária, não deve ocorrer, ao menos em
princípio, a inscrição do devedor em Dívida Ativa, mas sim, a instauração
de processo administrativo em que se oportunize o contraditório e a
ampla defesa. Uma vez reconhecido o dever de devolução da vantagem
patrimonial, devem ocorrer descontos nos salários ou proventos do
servidor, em percentuais ditados pela legislação de regência. No âmbito
da União, autarquias e fundações públicas federais, aplica‐se a
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percentagem de 10% sobre a remuneração, consoante Lei 8.112/90
(art.46).
No caso, porém, de benefício previdenciário pago pelo
INSS em razão de decisão judicial precária posteriormente revertida, como
regra geral, segundo o STJ, a restituição do montante recebido deve
ocorrer por meio de descontos sobre benefícios porventura já percebidos
pelo segurado ou, não sendo a hipótese, através do cumprimento da
sentença que declarou a improcedência do direito alegado pelo segurado.
Por sua vez, em se cuidando de benefício recebido a partir
de mecanismo fraudulento, a repetição desses valores ao erário público
não deve ocorrer por meio de cobrança via execução fiscal, mas deve ser
obrigatoriamente precedida de ação de conhecimento em que se busque
o reconhecimento da fraude e da responsabilidade civil do seu praticante.
Uma vez obtida a sentença de procedência, deve ser dado início ao seu
regular cumprimento. Nesse âmbito, prestando homenagem à economia
processual, a Fazenda não deve optar por cobrar o débito via execução
fiscal.
Em suma, nota‐se que não há imediatismo entre a
existência de um débito não‐tributário perante a Fazenda e sua inscrição
em Dívida Ativa. É necessário ter em mente que, embora amplo, o
conceito de Dívida Ativa não abarca quaisquer débitos, sobretudo aqueles
já proclamados em títulos judiciais (art.39 da Lei 4320/64). Embora o rito
da execução fiscal seja benéfico à Fazenda (Lei 6830/80), nem sempre ele
poderá ser utilizado, devendo ser dada preferência a meios extrajudiciais,
como o processo administrativo, e ao próprio sincretismo processual.
Ademais, a unilateralidade na formação da Dívida Ativa, segundo o STJ,
não permite supor que possa a Fazenda Pública nela inserir quaisquer
débitos. A relevante função orientadora da jurisprudência vem
justamente a delinear essas possibilidades, exercício que, consoante se
expôs em linhas volvidas, vem se inclinando no sentido de favorecer a
garantia do contraditório, da ampla defesa e da economia processual.
REFERÊNCIAS
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BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. Vol. 3.6.ed.São Paulo: Saraiva, 2013.
CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário Administrativo e
Judicial.4.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
NERY JR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao
Código de Processo Civil. Novo CPC – Lei 13.105/2015.São Paulo: RT, 2015.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil.
Volume único.6.ed.São Paulo: Método, 2014.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 7.ed.São Paulo:
Saraiva, 2015.
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PEDÁGIO: UMA ANÁLISE HISTÓRICA INTERNA E EXTERNA E A SUA NATUREZA JURÍDICA
FELIPE FARIAS COIMBRA: ADVOGADO, graduado pela Universidade Católica de Pernambuco.
RESUMO: O artigo em comento tecerá comentários a respeito da inclusão
do pedágio no Brasil e no mundo, analisando‐se, ao final, um dos dilemas
doutrinários que permeiam o instituto jurídico em comento, seria ele uma
taxa ou uma tarifa?
Palavras‐chave: Pedágio, Fundo Nacional Rodoviário, natureza jurídica,
taxa, tarifa.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO, 2. BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO NO
BRASIL, 3. IMPLEMENTAÇÃO DO PEDÁGIO EM OUTROS PAÍSES, 4. DA
NATUREZA JURÍDICA: TAXA OU TARIFA?, 5. CONCLUSÃO, 6. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
Inicialmente, serão demonstrados alguns detalhes a respeito de relatos históricos da instituição do pedágio no Brasil, ingressando-se em seguida em uma demonstração da utilização do instituto em outras localidades no mundo. Ademais, será tratado sobre a discussão doutrinária de qual seria a natureza jurídica do pedágio, tendo por base as normas brasileiras, interpretações de renomados juristas e o posicionamento atual dos tribunais superiores.
2.BREVE HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO NO BRASIL
Em nosso país, o pedágio foi instituído através da Carta Magna de 1946. Nessa Constituição o pedágio foi estipulado no artigo 27, dentre as taxas destinadas a indenizar despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas. [1]
Art. 27- É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de qualquer natureza por
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meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de taxas, inclusive pedágio, destinada exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas.
A partir das décadas de quarenta e cinqüenta, as construções de rodovias ganharam uma extensão devido a alguns fatores, tais como: a criação do Fundo Nacional Rodoviário (Decreto nº. 8.463/1945) – estabeleceu uma modalidade de imposto sobre combustíveis destinando a sua arrecadação para custear a construção de malhas rodoviárias e o forte crescimento da indústria automobilística nacional, no ano de 1957. Entretanto, no final dos anos setenta o país começou a sofrer graves dificuldades financeiras, acabando por afetar diretamente as construções de novas rodovias e a manutenção das já existentes pelo poder público.
Além das séries de prejuízos sofridos pelo estado quanto as suas rodovias, a crise também afetou os usuários acarretando a possibilidade de pessoas virem a sofrer acidentes nas estradas degradadas espelhadas pelo país, causando várias mortes por ocasião de acidentes nas estradas.
Em 1988, o Fundo Nacional Rodoviário foi extinto, e com a falta de verba para a criação e manutenção de rodovias, foi instituído pelo Estado algumas alternativas, como, por exemplo, a concepção do Selo-Pedágio, através da Lei nº. 7.712/1988. A lei do selo-pedágio tratava a respeito da cobrança de pedágio nas pontes e obras especiais que as integravam, bem como, em rodovias federais.
Para fins de análise a respeito do instituto do Pedágio, não obstante destacarmos o que dispunha os artigos 2º, 3º e 5º da Lei em comento (Lei nº. 7.712/1988), senão vejamos:
Art. 2º- Contribuinte do pedágio é o usuário de rodovia federal sob jurisdição do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER.
[...] Art. 3º- O montante calculado para ser
arrecadado com o pedágio não poderá ultrapassar ao necessário para conservar as rodovias federais, tendo em vista o desgaste que os veículos automotores, utilizados no tráfego,
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nelas provocam, bem como a adequação dessas rodovias às necessidades de segurança do trânsito.
Parágrafo único. Fica aprovada a tabela anexa de valores do pedágio, para o exercício de 1989, que será anualmente ajustada na lei de diretrizes orçamentárias.
[...] Art. 5º. Quando o veículo for encontrado
trafegando em rodovia federal sem o comprovante do pagamento do pedágio ou fora do período de tolerância de três dias de sua validade, o usuário sujeitar-se-á ao recolhimento de seu valor, acrescido de multa equivalente a 100% (cem por cento), calculada sobre o valor atualizado.
§ 1º O disposto neste artigo não será aplicável em trecho de rodovia federal que se encontre sob jurisdição do Estado ou do Município, ou em trecho situado no perímetro urbano do Município onde o veículo esteja licenciado.
Contudo, a lei acima fora revogada em 1990 através da Lei nº. 8.075/90.
Para José Antonio Savaris, os pedágios rodoviários no Brasil tiveram três fases, sendo estas:
1ª Antes da Constituição de 1988, eram exigidos, desde 1969, nas rodovias federais de pista dupla, inclusive na Ponte Rio-Niterói e, desde 1947, nas auto-estradas de São Paulo. Nesta fase, estes pedágios eram operados pelos próprios governos, e a maioria era deficitária. Já segunda fase que “se refere à desativação dos pedágios federais, logo após a promulgação da Constituição de 1988, com a instituição do selo - pedágio na área federal, na tentativa frustrada de generalizar a cobrança de pedágio”. A terceira e atual fase é caracterizada pela intensificação do
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pedágio, com a adoção do regime de concessões à iniciativa privada, a partir de 1996, por meio da Lei 9.277, que permitiu a delegação de rodovias federais a Estados e Municípios, mediante convênios com a União, e a implantação de novos pedágios por concessões privadas. [2]
3. IMPLEMENTAÇÃO DO PEDÁGIO EM OUTROS PAÍSES
Conforme será abaixo demonstrado, o instituto do pedágio não é uma forma de concessão de rodovias exclusiva do Brasil, sendo também aplicada em vários países, conforme preceitua o escritor Neuto Gonçalves dos Reis em sua resenha, considerando a lista dos seguintes adeptos ao pedágio espalhados pelo mundo: Japão, Rússia, Malásia, China, Paquistão, Cingapura, Hungria, Filipinas e integrantes da Comunidade Européia”. [3]
A partir de agora, passemos a análise de alguns adeptos da concessão de rodovias, demonstrando suas peculiaridades.
Foram os italianos os primeiros que implantaram o regime de concessão de rodovias, no ano de 1925, a conhecida rota Milano – Laghi. O sistema ali utilizado é aquele que as rodovias são delegadas as sociedades de economia mista. O autor Neuto Gonçalves relata em sua resenha que:
A Itália possui 6.175 km de vias expressas concedidas, gerenciadas pela SPA Societá Autostrade, de economia mista, com 51% de ações estatais. Deste total apenas 3.200 km são concedidos a outras administrações públicas e particulares (vias de menor importância). A construção e a manutenção das rodovias são financiadas pelo pedágio. Desde 1950, o conceito adotado é o de arrecadar recursos para conservar não uma única rodovia, mas uma malha completa, por meio de subsídios cruzados, ou seja, receitas transferidas de uma estrada para outra. Apenas uma entre as 25 concessionárias italianas (a que explora o trecho de Turim a Milão, de 127 km) é privada. As restantes contam com capital público e apoio de organismos regionais ou locais. (grifos nossos). [4]
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A SPA Societá Autostrade, empresa de economia mista, é a responsável pelo gerenciamento das mais importantes rodovias no país, sendo as de menor estimação geridas por outras administrações privadas e públicas espelhadas na Itália. A criação e a manutenção das rodovias são custeadas a partir da cobrança do pedágio. [5]
As concessionárias italianas, a partir dos benefícios gerados pelo Estado, estão incumbidas de gerenciar tanto as malhas rodoviárias lucrativas, como também as não lucrativas, sendo assim, operando por uma grande malha rodoviária no país.
Segundo Schimtz, em sua tese de doutorado, há, portanto, uma ajuda cruzada entre as rodovias naquele país “como se beneficiam de garantias do governo, são obrigadas em contrapartida a operar trechos não lucrativos do sistema, voltando todas as rodovias para o governo após o final do período de concessão. [6]
A Espanha, no intuito de beneficiar e incentivar a concessão de rodovias, implementou um sistema ousado para chamar empresas concessionárias para serem suas parceiras nos contratos de concessão de rodovias, conforme comenta Neuto Gonçalves:
Embora a legislação espanhola permita a exploração de pedágios desde 1953, somente em meados da década de 60 as concessões vieram a florescer, graças ao Plano Nacional de Autopistas, que oferecia muitos atrativos para as empresas: a) Isenção de impostos na compra das ações das concessionárias; b) Garantias do governo para empréstimos obtidos no exterior; c) Seguro contra variação cambial das dívidas; d) Possibilidade de depreciação do investimento; e) Subsídios nos primeiros anos de operação em forma de dinheiro o vantagens. De 1964 a 1980, foram concedidos 3.000 km de vias expressas. Em 1982, o governo socialista aboliu o plano de concessões, os benefícios às concessionárias, assim como seguros cambiais e garantias de empréstimos, e criou uma estatal para coordenar o sistema de rodovias. [7]
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O poder público na Espanha possui significativa participação nos contratos de concessão de rodovias através do intermédio de um delegado nomeado por decreto governamental e encarregado de acompanhar as atividades das empresas concessionárias. [8]
Como demonstrado a partir de alguns exemplos e citado no início, vários países também adotaram o sistema de concessão de rodovias a partir da cobrança do pedágio muito em razão do custo elevado para manter e construir malhas rodoviárias, contudo, utilizando cada nação de suas peculiaridades próprias no intuito de regular a prática do pedágio em seus territórios.
4.NATUREZA JURÍDICA: TAXA OU TARIFA?
Muitos se questionam a respeito da natureza jurídica do pedágio, tratando como ora como taxa (tributo) ora como tarifa (preço público). Neste tópico analisaremos a questão.
Pois bem, alguns autores que defendem a natureza jurídica do pedágio como tributo (taxa), utilizam como principal argumento o fato de que o artigo 150, V, da Constituição Federal de 1988, legitima sua cobrança. Como se trata de norma integrante do capítulo referente ao Sistema Constitucional Tributário, mais exatamente dentro da seção das limitações do poder de tributar, sendo por conseqüência necessariamente um tributo. Abaixo, segue a transcrição literal do dispositivo acima mencionado:
Seção II DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos
antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
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b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
IV - utilizar tributo com efeito de confisco; V - estabelecer limitações ao tráfego de
pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos
outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos
políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser;
A referida tese é sustentada, dentre outros, pelo Tributarista Luciano Amaro, consoante exposto em uma de suas obras:
O pedágio aparece na Constituição de uma forma insólita. O art. 150, V, ao proibir o estabelecimento de limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvou a
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‘cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público’.
Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à ideia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos. [9]
Conquanto, a questão não é tão simples. O fato de a norma estar ou não localizada dentro do Sistema Tributário Nacional não confere certeza absoluta quanto à sua natureza. Como exemplo, deveríamos então avaliar como obrigação não tributária a Contribuição para o Salário-Educação (Constituição Federal de 1988, artigo 212, § 5º) e a Contribuição para o PIS (Constituição Federal de 1988, artigo 239), já que ambas não estão dentro do capítulo referente à Tributação Nacional, nem tampouco dentre as Contribuições mencionadas no artigo 195, da CF/88, sendo estas efetivamente consideradas como tributos conforme reza o artigo 149 da Carta Magna.
A interpretação baseada apenas na disposição geográfica da norma não deve ser considerado como índice seguro e suficiente para identificar a natureza jurídica do instituto. [10]
Analisando o pedágio como forma de tributo, convém recordarmos o conceito desse último instituto segundo o que retrata o Código Tributário Nacional:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Interpretando o que dispõe o dispositivo acima, percebe-se que para uma obrigação ser considerada como tributária deve primeiramente enquadrar-se nos requisitos ali mencionados, dentre os quais a cobrança vinculada.
Ocorre que o valor arrecadado nas rodovias pedagiadas sempre é recolhido para uma empresa privada que desempenha a função de concessionária do serviço público relativo ao amparo da rodovia, sendo assim, não há que se falar em vinculação alguma já que a concessionária poderá, em algumas ocasiões, até mesmo
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deixar de arrecadar o pedágio. Situação esta completamente diferente do que ocorre com a autoridade pública, que, de maneira alguma, poderá vir a dispor da cobrança, arrecadação ou lançamento de receitas tributárias. [11]
Ademais, conforme também disposto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, o tributo deve ser instituído mediante lei. O artigo 97, I e II do Código Tributário Nacional também segue essa mesma linha, conforme a seguir demonstrado:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução,
ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (...)
Percebe-se então que para instituir, extinguir, majorar ou reduzir o tributo, é necessário lei prévia oriunda de autoridade competente para tanto, em respeito ao princípio da estrita legalidade tributária disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal de 1988.
Deste modo, qualquer reajuste sofrido no pedágio, enquadrando este como tributo, dependeria de todo um trâmite legislativo para vingar, contrariando, assim, o que dispõe o artigo 65, §8 da Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), norma esta que também regula as concessões de rodovias, dispondo que o reajuste se dará até mesmo por mera apostila.
Apesar dos argumentos acima expostos, que denegam a natureza tributária do pedágio, alguns ainda o colocam como tributo, mais especificamente como taxa e não como tarifa ou preço público, residindo ai grandes divergências.
Por possuírem semelhanças, mostra-se de suma importância distinguir, as taxas das tarifas, denominadas estas últimas também de preços públicos, a partir de definições doutrinárias.
No dizer de Leandro Paulsen a taxa ““[...] é tributo, sendo cobrada compulsoriamente por força da prestação de serviço público de utilização compulsória ou do qual, de qualquer maneira, o indivíduo não possa abrir mão. Já a tarifa (preço público) “[...] não é tributo, constituindo, sim, receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade. [...]” [12]
A taxa, por ser espécie tributária, está submetida a um regime de direito público e a ela se aplicam todas as limitações
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constitucionais de tributar (tais como a anterioridade nonagesimal e do exercício financeiro). Já o preço público (tarifa) está submetido a um regime de direito privado, por possuir natureza contratual, sendo imprescindível para a validade de sua cobrança a efetiva utilização do serviço prestado ao usuário, de modo que não se admite a cobrança de tarifa pela utilização em potencial do serviço como ocorre com a taxa. [13]
Neste sentido e ciente de possíveis confusões acerca dos institutos em alusão, o Supremo Tribunal Federal intentou superar divergências ao editar súmula, de número 545, que fixou o seu entendimento acerca da diferenciação de tais figuras:
“Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daquelas, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.
Por força da lei de Concessões e por ter previsão contratual, sendo a concessão de rodovia firmada a partir de um contrato administrativo em que houve anteriormente todo um trâmite de licitação sendo lá tratado o valor tarifário, o preço público (tarifa) é o modelo hoje utilizado para remunerar o serviço de concessão de rodovias, já sendo pacífico também tal entendimento na jurisprudência pátria, reconhecendo, assim, a natureza não-tributária do pedágio, consoante ementa do TJ/RS abaixo transcrita:
"PEDÁGIO. NATUREZA JURÍDICA. PREÇO PÚBLICO. A Constituição Federal em vigor de forma expressa, excepcionando a regra, autorizou a cobrança de pedágio pela utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público. A natureza jurídica do pedágio é tarifária e não tributo, conforme o entendimento predominante da jurisprudência pátria. Tratando-se de preço público (tarifa), não está o pedágio sujeito aos requisitos constitucionais que disciplinam os tributos, não havendo em se falar em inconstitucionalidade. Precedentes da Corte. Apelo provido. (TJ/RS – Ap. 70000525071 – 2ª C. Civ. – Rel. Des. Teresinha de Oliveira Silva – j. em 27.11/2002) (grifos nossos)
5. CONCLUSÃO
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O alvo da disposição em questão foi de relatar a respeito do pedágio a partir de uma análise mais didática e histórica do que propriamente jurídica, tornando-se, assim, uma leitura mais célere e de fácil absorção por parte do leitor.
Ademais, tratou-se sobre o debate tributário a respeito da natureza jurídica de tal instituto, muito embora hoje em dia já possua um entendimento consolidado nos tribunais superiores considerando-o como tarifa-preço público, buscando-se, com isso, explanar para sociedade o que de fato está pagando às concessionárias responsáveis pelas rodovias pedagiadas quando as utiliza com os seus veículos automotores.
Certamente, com as avaliações feitas em relação ao presente tema, aguarda-se que outros trabalhos sejam realizados de forma mais específica, para que contribuam cada vez mais para o entendimento da coletividade sobre o pedágio, por se tratar de um tema tão significante e presente na nossa contemporaneidade quando estamos tratando do uso das nossas malhas rodoviárias.
6. REFERÊNCIAS
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SAVARIS, José Antonio. Pedágio: Pressupostos jurídicos. 1. ed., 3 tiragem. Curitiba: Juruá, 2006 p. 49. [2]
REIS, Neuto Gonçalves dos. Um livro a favor do Pedágio (Resenha). Disponível em: <http://www.ntcnet.org.br/Kal_Machado.htm>. Acesso em: 2011. [3] [4] [7]
MACHADO, Kal. Concessões de Rodovias – mito e realidade. São Paulo: Prêmio Editorial Ltda. 2002. p. 85-86. [5]
SCHMITZ, Rutsnei – Tese de Doutorado – Uma contribuição metodológica para avaliação da tarifa de pedágio em rodovias. Florianópolis, 2001. p. 14. [6]
MACHADO, Kal. Concessões de Rodovias – mito e realidade. São Paulo: Prêmio Editorial Ltda. 2002. p. 83. [8]
BERTI, Flávio de Azambuja. PEDÁGIO: Natureza Jurídica. Curitiba, 2009. p. 176/177 c/c AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. [9] [10] [11]
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PAULSEN, Leandro. Direito Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 10ª edição. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado: ESMAFE, 2008. p.40. [12]
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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO
ANDRÉ BELTRÃO GADELHA DE SÁ: advogado criminalista, especialista em Direito Penal, Processual Penal e Segurança Pública pela FESP/PB.
. Etimologia e Conceito de Aborto
Etimologicamente, a palavra aborto deriva do
latim“abortus”. “Ab” significa privação e “ortus” significa nascimento.
Portanto, quanto ao étimo, aborto significa privação do nascimento[1].
De acordo com a Medicina Legal, o termo “aborto” como utilizado
largamente no âmbito jurídico está incorreto. Aborto, segundo esta
ciência, significa o resultado da ação e não a própria ação. Abortamento
seria mais adequado porque trata da ação em si, que é o objeto jurídico
que pretende ser tutelado pelo direito, apesar da imprecisão
terminológica. Entretanto, como já consolidada no âmbito jurídico, se
utilizará da palavra aborto para se referir tanto ao produto do
abortamento, quanto à ação propriamente dita.
Pela definição médico‐legal o delito de aborto é a interrupção
da gravidez feita dolosamente em qualquer momento do ciclo gravídico,
haja ou não a expulsão do feto. Classifica‐se em espontâneo, o qual não
causa repercussão jurídica criminal por se tratar de um fato natural;
acidental, que da mesma forma não repercute juridicamente por não
apresentar um de seus requisitos essenciais, qual seja, o dolo, a vontade
de abortar; eugênico, o que evita o nascimento de pessoas deficientes,
visando o aperfeiçoamento da reprodução humana ‐ quando o feto tem
alguma anomalia séria (principalmente cerebral), não sendo previsto em
nossas leis, e; violento, que são as espécies previstas e punidas
legalmente.
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Tradicionalmente, a palavra aborto é empregada no sentido da
interrupção da gestação com a morte do feto acompanhada ou não da
expulsão do produto da concepção do útero materno. A gravidez pode ser
interrompida e o feto permanecer no claustro materno. De acordo com
Noronha[2], “aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do
produto da concepção (ovo, embrião ou feto).
A distinção entre as fases existentes desde a concepção ao
nascimento são de ordem temporal e biológica: ovo é o produto da
concepção até a segunda semana desde a fecundação – começa a se
dividir por mitose e dá origem ao embrião; posteriormente passa‐se ao
período embrionário, que vai da segunda à oitava semana depois da
fecundação – neste ocorre sua fase de diferenciação orgânica; a partir
deste o concepto é denominado feto (é só neste que começa a se
desenvolver o cérebro)[3].
2. O Aborto na Prática
A cada dia que passa, mais e mais países modificam suas legislações no sentido da legalização da prática abortiva. É pertinente neste sentido a observação de Danda Prado:
Também é preciso lembar que a legislação se põe, com frequência, a serviço de razões político-demográficas do Estado, e situa-se aí a causa da separação que sempre existiu entre a legislação sobre o aborto e o aborto de fato. A esse respeito, o fenômeno observado através dos tempos é que as mulheres abortam dentro ou fora da lei, mas o que se modifica consideravelmente é o índice de abortos mortais ou prejudiciais à saúde da mãe (…), pois este se reduz quando o aborto sai da clandestinidade.[4]
Como prova de que a legislação à respeito do aborto flutua muito mais ao sabor das mudanças político-demográficas do que pelo sentimento moral que rege tal questão, temos o curioso caso da Ilha de Formosa (atual Taiwan), ocorrido até fins do século XIX. Neste local, o aborto era obrigatório para mulheres com menos
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de 36 anos de idade, ou seja, toda e qualquer mulher menor de 36 anos que engravidasse seria obrigada a abortar. A medida era praticada pelo Estado com o único fundamento de que era necessária para garantir a subsistência e condições de vida decentes na ilha através do controle populacional. Atualmente, aquela ilha faz parte da China e tem-se a prática do aborto, em qualquer estágio da gestação, como um crime, sancionando quem a realize com pena de reclusão.
Com base nos dados expostos acima, percebe-se que o fato de um país criminalizar ou não o aborto não se dá por questões de cunho moral, muito menos constitui óbice ou incentivo à sua prática. É um fato presente em todas as civilizações, desde a mais conservadora à mais liberal. O grande diferencial que se encontra é no que diz respeito ao índice de mortalidade das gestantes que praticam aborto, revelando-se extremamente alto nos países em que sua prática é ilegal, e por sua vez praticamente nulo onde aquele é permitido por lei. Por se tratar de crime, o aborto nos países que o proíbem, necessariamente tem que passar pelo tortuoso caminho da clandestinidade.
. O Grave Problema do Aborto Clandestino
Desafortunadamente, não existem dados confiáveis para se
avaliar a ocorrência de aborto provocado no Brasil. Há estimativas de que
são praticados cerca de 1,4 milhão de abortos anualmente, onde cerca de
270 mil levam gestantes ao pronto socorro público em função de
complicações decorrentes do procedimento. A dificuldade de se avaliar o
número preciso do total de abortos é decorrência do fato de todos serem
praticados, salvo os poucos autorizados por lei, na clandestinidade. Se o
procedimento não acarretar nenhum mal à saúde da ex‐gestante, é lógico
que ela não procurará atendimento hospitalar, ficando um sub‐registro da
frequência do aborto provocado.
Como é uma prática proibida e punida por lei, resta às gestantes
que queiram praticá‐la recorrer a clínicas particulares ou auto provocá‐lo,
via de regra em condições precárias. Aquelas que recorrem às clínicas
privadas se valem de um procedimento muito mais seguro e eficiente do
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que aquelas que o realizam sozinhas ou com acompanhamento de
pessoas leigas, despreparadas, em ambientes insalubres e com métodos
inadequados. Naturalmente, quem recorre à primeira opção são pessoas
de considerado poder aquisitivo, já que os médicos que realizam tal
procedimento cobram um “extra” devido ao risco que estão submetidos
(punição com reclusão).
Por outro lado, aquela que pratica o aborto por meios próprios
é, via de regra, a gestante pobre e desinformada sobre sua situação. Não
resta outra opção de socorro a esta, na intenção de realizar um aborto
voluntário, senão sujeitar‐se a condições precárias, charlatanismos e
meios abortivos[5] que podem não só causar mutilações, mas torná‐la
infértil ou mesmo causar‐lhe o óbito. Como consequência, temos os dados
revelados pelos órgãos de saúde, trazendo o assombroso número de
atendimentos hospitalares das vítimas de abortos mal sucedidos.
3.1. Principais métodos utilizados na realização do aborto e o
risco que empreendem à saúde física da mulher
As técnicas mais utilizadas para prática abortiva clandestina são:
1 - Dilatação ou corte: uma faca em forma de foice dilacera o corpo do feto, que é retirado em pedaços.
2 - Drogas: muitas são as substâncias utilizadas, tais como arsênio, antimônio, chumbo, cobre, ferro, fósforo e vários ácidos e sais.
3 - Plantas: Absinto (losna, abuteia, alecrim, algodaro, arruda, cipó-mil-homens, esperradura) e várias ervas amargas. Todas estas substâncias devem ser ingeridas em grande quantidade para que ocorra o aborto.
4 - Esquartejamento: consiste em esquartejar o feto ainda no ventre da mãe.
5 - Retirada do líquido amniótico: retira-se o líquido amniótico de dentro do útero e coloca-se uma substância contendo sal. De 24 a 48 horas iniciam-se contrações e o feto é expulso como num parto normal.
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6 - Sufocamento: também chamado de parto parcial, o feto é puxado para fora deixando apenas a cabeça dentro, já que ela é grande demais. É introduzido um tubo na sua nuca, que sugará sua massa cerebral, levando-o à morte e possibilitando a sua retirada.
As técnicas acima expostas além de serem apresentarem uma potencialidade danosa altíssima para as gestantes, são cruéis e ferem tanto a dignidade da gestante quanto a do feto. Não é pelo fato de se defender a legalização do aborto que se deve permitir que se utilize de meios inadequados e cruéis para acabar com a vida intra-uterina[6]. No capítulo IV se exporá que, na realidade, um dos pontos defendidos neste trabalho monográfico é no sentido de se eliminar por completo o sofrimento do feto.
Já em relação ao aborto legal, são utilizadas as seguinte técnicas
‐ Sucção, aspiração ou AMIU: o colo do útero é imobilizado e
um aparelho de sucção evacua completamente o produto da concepção.
2 - Curetagem: o colo do útero é dilatado e com uma cureta (instrumento de aço semelhante a uma colher) e é feita uma raspagem suave do revestimento uterino, do embrião, da placenta e das membranas que o envolvem.
3 - Mini-aborto: acontece com menos de 7 semanas de gravidez, sem menstruar. O médico examina o tamanho do feto e sua posição no útero. A vagina é lavada com uma solução anti-séptica e anestesiada em três pontos. O órgão é preso por um tipo de fórceps e é introduzida uma sonda ligada a um aparelho de sucção que removerá o endométrio e o embrião/feto.
As técnicas utilizadas no abortamento legal são indiscutivelmente mais seguras para a gestante e possuem a qualidade de, pelo fato de serem praticadas em um ambiente adequado e trazerem comprovadamente um maior índice de sucesso, causarem um enorme benefício à saúde pública, privando-a das internações que viriam dos abortos praticados na clandestinidade.
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3.2. Uma questão de saúde pública
É um fato inegável que existe em nossa sociedade um grande
número de abortos praticados anualmente, fato ocorrido dentre todas as
classes sociais, independentemente de cor, raça, credo ou partido político.
Ocorre que a vulnerabilidade às complicações do aborto são
maiores para as gestantes economicamente frágeis, via de regra mulheres
com pouco acesso à informação e serviços de saúde reprodutiva, tendo
que recorrer a métodos inseguros para consumar o ato. Segundo dados
da OMS, 13% dos casos de morte materna são decorrentes do aborto
praticado sob situação de risco – sessenta e sete mil mortes maternas por
ano[7].
O nosso país encontra‐se com um Sistema Único de Saúde
precário, que mal atende as necessidades básicas de nossa população.
Não é raro ver em notícias jornalísticas casos de pessoas que vêm à óbito
nos corredores hospitalares, sem receber qualquer tipo de atendimento.
A prática clandestina do aborto só vem para lotar ainda mais este já tão
abalado órgão, sendo o número total de internações quase que
exclusivamente de pacientes pobres, vez que não tiveram condições de
abortar em clínicas particulares.
Há a possibilidade de prevenção das consequências negativas
do aborto através da disponibilização de procedimentos para interrupção
da gravidez realizados por profissionais de saúde treinados, com
equipamentos adequados e padrões de higiene. Atualmente no nosso
país, se apresenta como único entrave do emplacamento desta política de
saúde pública o fato do aborto voluntário ser criminalizado pelo nosso
ordenamento jurídico.
3.3. O aborto no Estado da Paraíba
No Estado da Paraíba, pesquisadoras da Cunhã – Coletivo Feminista, Grupo Curumim (Pernambuco), CFEMEA (Brasília), IPAS (Rio de Janeiro) e representantes do movimento de mulheres investigaram no ano de 2009, os números e o impacto da ilegalidade do aborto para as mulheres e o sistema público de saúde do Estado.
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Os resultados integram o Dossiê sobre a Realidade do Aborto Inseguro na Paraíba: O Impacto da Ilegalidade do Abortamento na Saúde das Mulheres e nos Serviços de Saúde de João Pessoa e Campina Grande. De acordo com as pesquisadoras:
Um exemplo de desperdício de dinheiro público é a baixa utilização da AMIU (Aspiração Manual Intra-Uterina) no estado, que tem inúmeras vantagens – inclusive de menor custo para o SUS - em relação ao procedimento de curetagem pós-abortamento, que é a raspagem do útero. A curetagem prolonga o tempo de internação da paciente, oferece riscos de infecção para as mulheres, e é mais cara do que a AMIU. Enquanto João Pessoa realizou apenas 29 AMIU entre janeiro de 2008 e junho de 2009, foram realizadas na capital 2.803 curetagens e, em Campina Grande (onde ainda não é realizado o procedimento de AMIU), foram feitas 2.319 curetagens no mesmo período.[8]
Os gastos públicos em João Pessoa com curetagens pós-abortamento foram de aproximadamente R$ 532 mil e, em Campina Grande, o custo com o procedimento foi de R$ 414 mil. Somando os custos das duas maiores cidades do Estado em questão, foram gastos R$ 946 (novecentos e quarenta e seis mil reais) no tratamento de recuperação de pacientes que realizaram aborto clandestino e sofreram complicações. Ao mesmo tempo, foram gastos com AMIU apenas R$ 3.746, em João Pessoa, no mesmo período.
4. Conclusões
Percebe-se que houve um prejuízo de quase um milhão de reais à saúde pública paraibana em 2009 devido a práticas abortivas clandestinas, enquanto menos de 0,4% deste valor foi gasto com os métodos legais. As despesas foram elevadas devido a criminalização da prática abortiva, o que levou as gestantes a praticarem-no clandestinamente. Caso fosse legalizado, utilizar-se-ia a técnica do AMIU, como exposto acima muito mais barata,
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preservar-se-ia a dignidade da gestante ao oferecê-la tratamento adequado às suas necessidades e ainda sanaria um grave problema de saúde pública, contribuindo para desobstruir o já tão saturado Sistema Único de Saúde.
Como visto, esta questão da legalização do aborto deve ser prioridade dos legisladores pátrios, pois está se ferindo gravemente dois bens jurídicos fundamentais do Estado Brasileiro, que é a saúde pública e a dignidade da pessoa humana, em específico da gestante carente e hipossuficiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VADE Mecum. 3. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2006.
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Paulo: RT, 2008.
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NOTAS:
[1] ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: UNAMA, 1999.
[2] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 49.
[3] MOORE, K. L.; Persaud, T.V.N. Embriologia Clínica. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
[4] PRADO, Danda. Que é o aborto? São Paulo: Brasiliense, 2007, pg 34.
[5] Cf: os principais métodos utilizados no aborto clandestino estão expostos no próximo tópico.
[6] Cf: Fazendo-se uma comparação, não é pelo fato de um país aceitar a pena de morte que se irá apedrejar os condenados em praça pública.
[7] ORGANIZATION, World Health. Abortion and death.Disponível em <www.who.int/> Acesso em 14/10/2009.
[8] CORREIO, da Paraíba. Dossiê revela o estado do aborto na Paraíba. Disponível em <http://jornalcorreio.com.br>. Acesso em 15/10/2009
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PROJETO DE LEI QUE CRIA O DIA DA LITERATURA DE CORDEL EM SERGIPE
ALEXSANDRO SANTOS CARVALHO FILHO: Acadêmico de Direito pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - FANESE.
Resumo: A literatura de cordel é um tipo de poesia popular, originalmente
oral, e depois impressa em folhetos rústicos ou outra qualidade de papel,
expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que deu origem
ao nome que vem lá de Portugal, que tinha a tradição de pendurar
folhetos em barbantes. No Nordeste do Brasil, herdamos o nome (embora
o povo chame esta manifestação de folheto), mas a tradição do barbante
não perpetuou. Ou seja, o folheto brasileiro poderia ou não estar exposto
em barbantes. São escritos em forma rimada e alguns poemas são
ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas.
As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou
cordelistas, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada,
acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações
muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores.
Palavra‐chave: Poesia popular, Manifestação de folheto, Rimas,
Cordelistas, Tradição, Cultura.
Sumário: Resumo; 1. Introdução; 2. História da Literatura de Cordel no
Estado; 3. Importância da Literatura de Cordel; 4. Projeto de Lei aprovado
na Câmara de Aracaju que cria o Dia da Literatura de Cordel; 5. Conclusão;
6. Referências.
1. Introdução
O presente trabalho acadêmico tem por objetivo analisar as
contribuições da Literatura de Cordel e a criação da Lei que marca um dia
comemorativo para a cultura Sergipana, fazendo uma análise sobre o que
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é cultura, e como o cordel contribuiu para o enriquecimento do
reconhecimento de nosso estado. Para tanto, pesquisa a sites, estudos de
obras teóricas, foram as ferramentas metodológicas utilizadas para
alcançar o objetivo proposto.
2. História da Literatura de Cordel
A literatura de cordel é um gênero literário escrito para o povo e que
ao longo dos anos serviu para veicular a informação que algumas vezes
era mais rápida que o jornal. O cordel originou‐se em relatos orais e depois
popularizou‐se na forma "impresso em folhetos". Os folhetos eram
pendurados em barbantes (cordéis ou barbantes em Portugal) e vendidos,
por isso a popularização do seu nome literatura de cordel. O Brasil iniciou
esta literatura impressa no século XIX com características próprias e com
temas locais e da época. Além dos temas da época também eram escritas
lendas, temas religiosos, fatos históricos. Alguns folhetos chegam a ser
pérolas do cotidiano da época como por exemplo as façanhas do
cangaceiro Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, 1900‐1938) e o suicídio do
presidente Getúlio Vargas (1883‐1954) são alguns dos assuntos de cordéis
que tiveram maior tiragem no passado. Não há limite para a criação de
temas dos folhetos. Praticamente todo e qualquer assunto pode virar
cordel nas mãos de um poeta competente.
No Brasil, a literatura de cordel é produção típica do Nordeste,
sobretudo nos estados de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do
Norte e do Ceará. Costumava ser vendida em mercados e feiras pelos
próprios autores. Hoje também se faz presente em outros Estados,
como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O cordel hoje é vendido
em feiras culturais, casas de cultura, livrarias e nas apresentações dos
cordelistas.
3. Importância da Literatura de Cordel
Veículo de fabuloso fomento à identidade regional, o cordel tem nas
camadas populares seus mais constantes e fiéis consumidores, sendo
através dos tempos valorizado e cultuado como a verdadeira e autêntica
literatura nordestina, o livro de bolso do povo da região.
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4. Projeto de Lei aprovado na Câmara de Aracaju que cria o Dia da Literatura de Cordel
No dia 19 de julho de 2014, a Câmara de Vereadores da Capital
aprovou um projeto de Lei que estabelece o dia 19 de julho como Dia
Municipal da Literatura de Cordel.
O Projeto de Lei 51/2014, de autoria do vereador Iran Barbosa (PT)
pretende homenagear os cordelistas sergipanos através de uma figura
representativa da arte dos versos: o cordelista Itabaianense, João Firmino
Cabral.
O dia 19 de julho foi escolhido por ser nesse dia que João Firmino
sergipano, patrono da primeira Cordelteca do País – que funciona na
Biblioteca Pública Clodomir Silva –, tomou posse na Academia Brasileira
de Literatura de Cordel.
Falecido em 2013, João Firmino era bastante conhecido entre os
admiradores do cordel que visitavam o Mercado Antônio Franco. No
mercado, ele mantinha uma banca de venda de inúmeros folhetos de
Cordel e recebia, com muita simpatia, poetas, estudantes, professores,
pesquisadores e turistas de todas as partes.
Joelson Santana Cabral, filho do cordelista, comemorou a
homenagem. “A aprovação desse projeto foi muito boa para todos nós,
que vivemos do Cordel, porque vai incentivar ainda mais a cultura do
Cordel”.
5. Conclusões
Apesar do processo de globalização, que busca a mundialização do
espaço geográfico – tentando, através dos meios de comunicação, criar
uma sociedade homogênea – aspectos locais continuam fortemente
presentes. A literatura de cordel é um desses aspectos: várias
comunidades continuam mantendo seus costumes e tradições.
6. Referências
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103‐
37862015000100097&lang=pt
http://tudodocordel.blogspot.com.br/p/historia.html
http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2014/07/camara‐de‐
aracaju‐aprova‐projeto‐de‐lei‐que‐cria‐dia‐da‐literatura‐de‐cordel.html
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ASPECTOS JURÍDICOS DO GERENCIAMENTO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
THAÍS RAMOS DE BARROS CAVALCANTI: Advogada, formada em Direito, em 2012.2, pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN). Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Anhanguera Uniderp - LFG.
RESUMO: O Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde é uma maneira de buscar melhor qualidade de saúde para os profissionais, na manipulação do lixo hospitalar das Unidades de Saúde. A educação ambiental é muito importante para se ter o correto tratamento do resíduo, uma vez que o manipulador deve saber qual o local indicado onde este deve ser depositado, se no lixo comum ou no hospitalar. O tratamento desses resíduos especiais é feito através da incineração que, após ser queimado, é levado para o aterro sanitário. Aponta-se a partir deste estudo que, sem dúvida alguma, para obter o melhor gerenciamento dos resíduos de saúde é preciso que haja uma educação ambiental permanente nas unidades de saúde para que os profissionais lidem melhor com o lixo hospitalar.
Palavras-chave: Plano de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Educação ambiental.
ABSTRACT: The Health Service Management of Solid Waste is one way to find the best health quality for hospital waste professional workers in Health Centers. Environmental Education is very important for the best treatment of waste because the professionals who manipulate waste must know where to appropriately store garbage and hospital waste as well. The treatment of this special waste is implemented through incineration and then sent to sanitary embankments. It was pointed out starting of this study, in order to get better health solid waste management, it is necessary to develop an environmental education program to help health professionals deal with hospital waste.
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Keywords: Health Service Management of Solid Waste. Environmental Education.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a importância da legislação municipal sobre os Resíduos de Saúde, buscando informações a respeito do que deve ser feito para melhorar o gerenciamento desses resíduos nas unidades de saúde.
O tema de “resíduos de serviços de saúde” (RSSS) é polêmico e amplamente discutido, pois esses são particularmente importantes pelo risco potencial que apresentam à saúde pública e ao meio ambiente, podendo ser fonte de microorganismos patogênicos, componentes químicos e radioativos (GARCIA, 2009).
Destaca-se a conscientização das autoridades na busca de alternativas para a prevenção da saúde dos manipuladores dos RSSS e para a prevenção do meio ambiente. A Lei 12.305 de 2010 vem sujeitar os geradores dos resíduos especiais à elaboração de um plano de gerenciamento nas unidades de saúde.
O objetivo do trabalho é mostrar como a educação ambiental em conjunto com o Plano de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) nas instituições de saúde torna-se fundamental, pois, a partir do correto gerenciamento, alcança-se a minimização de resíduos, como também o aumento de eficiência dos serviços nos estabelecimentos de saúde, proporcionando-se qualidade na saúde do analista, encarregado da disposição dos resíduos especiais, bem como na população em geral e no meio ambiente[1].
2 A PROBLEMÁTICA DOS RSSS NO BRASIL
Muito se discute sobre a temática de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde, isso porque o risco que eles podem acarretar à saúde pública e ao
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meio ambiente é muito alto em função das suas características físico-químicas e biológicas.
Na atualidade, os Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde (RSSS) englobam os resíduos dos hospitais, farmácias, drogarias, clínicas, hospitais veterinários, dentre outros semelhantes[2].
Estão compreendidos como resíduos hospitalares: sangue e hemoderivados, excreções, secreções, restos oriundos de áreas de isolamento, fetos e peças anatômicas, bem como objetos perfurantes ou cortantes capazes de causar punctura ou corte (FIORILLO, 2012).
Tendo vista os problemas trazidos pelos resíduos hospitalares, bem como os riscos de contaminação que representam, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece uma série de normas para conceituar e denominar os resíduos gerados nos hospitais, laboratórios, clínicas e demais serviços de saúde. Busca-se com isso facilitar a classificação, a separação e o destino do material a partir do seu conhecimento (FIORILLO, 2012).
A Resolução 358/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) dispõe sobre a necessidade de estimular a minimização da geração de resíduos, promovendo a substituição por materiais de menor risco, assim como a reciclagem, dentre outras alternativas[3].
O artigo primeiro da Resolução do CONAMA 358/05 diz que:
Esta Resolução aplica-se a todos os serviços relacionados com o atendimento à saúde humana ou animal, inclusive os serviços de assistência domiciliar e de trabalhos de campo; laboratórios analíticos de produtos para saúde; necrotérios, funerárias e serviços onde se realizem atividades de embalsamamento (tanatopraxia e somatoconservação); serviços de medicina legal; drogarias e farmácias inclusive as de manipulação; estabelecimentos de ensino e pesquisa na área de saúde; centros de controle zoonoses; distribuidores de produtos farmacêuticos;
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importadores, distribuidores e produtos materiais e controles para diagnóstico in vitro; unidades móveis de atendimento à saúde; serviços de acupuntura; serviços de tatuagem entre outros similares.
De forma a promover um gerenciamento adequado desses resíduos, a legislação brasileira estabeleceu que os seus geradores sejam os responsáveis pela implantação do Plano de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde (RSSS), elaborado para cada unidade de saúde em função as suas características, conforme o artigo 20°, alínea a, da Lei nº 12.305/2010.
Segundo Machado (2009, p.230) quando se trata de resíduos sólidos o gerador é responsável por eles, do berço ao túmulo[4]. Aplica-se o princípio do poluidor pagador pelo qual o gerador se responsabiliza desde o transporte dos resíduos até a sua disposição final. Devendo tomar todas as providências cabíveis para evitar qualquer poluição ou degradação ambiental.
No que diz respeito à infecção hospitalar, ressalta-se o alto risco oferecido aos agentes que estão em contato com esses materiais, levando-se em consideração, principalmente, a possibilidade de contaminação e acidentes de trabalho, fatos que despertaram a necessidade de legislar-se sobre o assunto a fim de proteger o meio ambiente, como também os agentes profissionais envolvidos, assim como a população em geral.
Nesta seara, é da Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios, proteger o meio ambiente, como também e combater a poluição em qualquer de suas formas, conforme o artigo 23º da Constituição Federal.
Cabe ao Estado promover o equilíbrio entre a produção e conservação ambiental, segundo o artigo 174 da nossa Carta Magna. Portanto, a fiscalização das atividades poluidoras é do Poder Público, competindo-lhe fixar ditames a serem observados por todos.
3 PLANO NACIONAL DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
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São responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as Fundações instituídas pelo Poder Público, assim estruturados na composição do Sisnama (PADILHA, 2010).
A Lei 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos – à exceção dos rejeitos radioativos, objeto de regulamentação específica -, delimitando a esfera de responsabilidade dos geradores de resíduos e do poder público, além de prever instrumentos econômicos (MILARÉ, 2011).
No presente contexto, cita-se o artigo 3º inciso XVI da referida Lei que define esses resíduos da seguinte maneira:
Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
Os resíduos sólidos podem ser classificados, conforme o artigo 13º da Lei 12.305/2010, quanto à origem ou quanto à periculosidade. Quanto à origem, os resíduos podem ser: domiciliares, de limpeza urbana, urbanos, de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, públicos de saneamento básico, industriais, serviços de saúde, construção civil, agrossilvopastoris, serviços de transporte, mineração. Quanto à periculosidade podem ser resíduos perigosos ou não perigosos. Os resíduos perigosos são aqueles em razão de suas características tais como: por exemplo, a corrosividade, reatividade, toxidade, patogenicidade
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apresentam risco à saúde pública ou à qualidade ambiental. Os resíduos não perigosos são aqueles não abrangidos pelos perigosos.
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos deve ser elaborado pela União em colaboração com o Ministério do Meio ambiente e tem como objetivos a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental. Leva-se em consideração a essa proteção ambiental os princípios da prevenção, precaução, do poluidor-pagador, articulados no artigo 9º da Lei 12.305/2010.
A incorreta gestão dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde recebeu um tratamento diferenciado devido à conscientização da população e das autoridades que perceberam que a alta periculosidade desses resíduos apresenta riscos para a saúde de quem os manipula e infecções hospitalares nos pacientes.
A Resolução 306, no capítulo VI, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2004) estabelece quais são os resíduos infectantes ou biológicos dentro do Grupo A (resíduos que apresentam agentes biológicos) separando-se em cinco categorias, a saber:
A1: Culturas e estoques de microorganismos; resíduos de fabricação de produtos biológicos, exceto os hemoderivados; descarte de vacinas de microorganismos vivos ou atenuados, meios de cultura e instrumentais utilizados para transferência, inoculação ou misturas de culturas, resíduos de laboratórios de manipulação genética.
- Resíduos resultantes da atenção à saúde de indivíduos ou animais, com suspeita ou certeza de contaminação biológica por agentes de risco 4, microorganismo com relevância epidemiológica ou causador de doença emergente ou cujo mecanismo de transmissão seja desconhecido.
- Bolsas transfusionais contendo sangue ou hemocomponentes rejeitadas por contaminação ou má
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conservação, ou com prazo de validade vencido, e aquelas oriundas de coleta incompleta; sobras de amostras de laboratório contendo sangue ou líquido corpóreos, recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, contendo sangue ou líquidos corpóreos na forma livre.
A2: Carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos, bem como suas forrações, e os cadáveres de animais suspeitos de serem portadores de microorganismos de relevância epidemiológica e com risco de disseminação, que foram submetidos ou não a estudo anátomo-patológico ou confirmação diagnóstica.
A3: Peças anatômicas (membros) do ser humano; produto de fecundação sem sinais vitais, com peso menor que 500 gramas ou estatura menor do que 25 centímetros ou idade gestacional menor do que 20 semanas, que não tenha valor científico ou legal e não tenha havido requisição pelo paciente ou familiar.
A4: Kits de linhas arteriais, endovenosas e dialisadores, quando descartados; filtros de ar e gases aspirados de área contaminada; membrana filtrante de equipamento médico – hospitalar e de pesquisa, entre outros similares; sobras de amostras de laboratórios e seus recipientes contendo fezes, urina e secreções, provenientes de pacientes que não contenham nem sejam suspeitos de conter agentes Classe de Risco 4, nem apresentem relevância epidemiológica e risco de disseminação, ou microorganismo causador de doença emergente cujo mecanismo de transmissão seja desconhecido ou com suspeita de contaminação com príons.
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- Resíduos de tecido adiposo proveniente de lipoaspiração, lipoescultura ou outro procedimento de cirurgia plástica que gere este tipo de resíduo; recipientes e materiais resultantes do processo de assistência à saúde, que não contenham sangue ou líquidos corpóreos na forma livre; peças anatômicas (órgãos e tecidos) e outros resíduos provenientes de procedimentos cirúrgicos ou de estudo anátomo-patológicos ou de confirmação diagnóstica.
- Carcaças, peças anatômicas, vísceras e outros resíduos provenientes de animais não submetidos a processos de experimentação com inoculação de microorganismos, bem como suas forrações; bolsas transfusionais vazias ou com volumes residuais pós-transfusão.
A5: Órgãos, tecidos, fluidos orgânicos, materiais perfurocortantes ou escarificantes e demais materiais resultantes.
A RDC 306/2004 da ANVISA concentra-se ainda sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, determinando seu processamento, desde a gestão, planejamento, segregação, acondicionamento, armazenamento, transporte até o tratamento. Isso devido ao cuidado que se deve ter com os trabalhadores que estão expostos a esses materiais preservando-se a saúde pública, os recursos naturais e o meio ambiente.
O Gerenciamento dos resíduos gerados nos serviços de saúde (GRSS) visa a preservar a saúde pública e a qualidade do meio ambiente, considerando os princípios da biossegurança referente ao emprego de medidas técnicas, administrativas e normativas para prevenir acidentes, preservando a saúde pública e o meio ambiente; considerando que os serviços de saúde são os responsáveis pelo correto gerenciamento de todos os RSS por eles gerados, atendendo às normas e exigências legais, desde o momento de sua geração até a sua destinação final[5].
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A RDC 306/04 da ANVISA e a Resolução 358/05 do CONAMA classificam os resíduos sólidos em cinco grupos: A, B, C, D e E. O grupo A refere-se aos resíduos com a presença de agente biológicos, tais como placas e lâminas de laboratório, carcaças, tecidos.
O grupo B diz respeito aos resíduos com substâncias químicas como medicamentos, reagentes de laboratório, resíduos com metais pesados. No grupo C estão presentes aqueles materiais com presença de radionuclídeos conforme as normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
O grupo D são os resíduos comuns como, por exemplo, sobras de alimentos, resíduos de áreas administrativas. E, por fim, o grupo E que inclui os materiais perfurocortantes ou escarificantes como lâminas de bisturi, agulhas, ampolas de vidro, pontas diamantadas, lancetas, dentre outros.
Para se ter a redução dos resíduos infectantes é primordial o correto manejamento interno no interior das unidades de serviços de saúde, o que acarretará também, uma menor despesa com o tratamento dos RSS. O manejo interno engloba a segregação que é a separação desses resíduos de outros no local de geração, de acordo com as características químicas, físicas, biológicas e seu estado físico.
Conforme a RDC 306 - Capítulo III - 1.3 (ANVISA 2004) a identificação consiste no conjunto de medidas que permite o reconhecimento dos resíduos contidos nos sacos e recipientes, fornecendo informações ao correto manejo dos RSS.
A identificação deve estar aposta nos sacos de acondicionamento, nos recipientes de coleta interna e externa, nos recipientes de transporte interno e externo e nos locais de armazenamento, em local de fácil visualização, de forma indelével, utilizando-se símbolos, cores e frases, atendendo a NBR 7.500 da ABNT, além de outras exigências relacionadas à identificação de conteúdo e ao risco específico de cada grupo de resíduos. A identificação poderá ser feita por adesivos, desde que seja garantida a resistência destes aos processos normais de manuseio de sacos e recipientes. De acordo com a classificação dos RSS, os resíduos são identificados da seguinte maneira (FREIRE, 2009):
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- Grupo A: é identificado pelo símbolo de substância infectante referenciado na NBR 7.500 da ABNT, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos;
- Grupo B: é identificado mediante o símbolo de risco associado, com a discriminação de substância química e frases de risco, e de acordo com NBR 7.500 da ABNT;
- Grupo C: é representado pelo símbolo internacional de presença de radiação ionizante (trifólio de cor magenta) em rótulos de fundo amarelo e contornos pretos, acrescido da expressão REJEITO RADIOATIVO;
- Grupo D: inclui resíduos comuns, considerando todos os que não se enquadram nos demais grupos;
- Grupo E: é identificado pelo símbolo de substância infectante, mencionado na NBR 7.500 da ABNT, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos, acrescidos da inscrição RESÍDUO PERFUROCORTANTE, alertando para o risco que o resíduo apresenta (ANVISA, 2004).
O acondicionamento compreende a embalagem correta com materiais resistentes à punctura, ruptura e vazamentos, impermeável, baseado na 9191/2000 da ABNT[6], respeitando os limites de peso de cada saco. Cada saco deve ter a identificação dos resíduos que estão sendo transportados, apontando, assim, para o correto manejo dos RSS.
Esses sacos devem ser resistentes à perfuração, dotados de estanqueidade e impermeabilidade, com tampa de abertura sem contato manual, resistentes ao tombamento. Os recipientes de sala de cirurgia e parto não necessitam de tampa de vedação.
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De acordo com a NBR 12.808 (ABNT, 1993) os sacos onde os resíduos sólidos são acondicionados são de dois tipos:
- Sacos Classe I destinam-se para os resíduos comuns ou institucionais podendo, ser de qualquer cor.
- Sacos Classe II, para os resíduos especiais. Nesse caso, os sacos devem ter cor branca e leitosa com a identificação do fabricante. Devem conter o nome “substância infectante” ou “substância radioativa” com área mínima de 5% do saco.
Os resíduos perfurocortantes, devido ao perigo de acidentes em função de sua natureza, devem ser acondicionados em recipientes rígidos antes de serem lançados em sacos plásticos com fechamento e identificação adequados.
Os resíduos líquidos devem ser acondicionados em recipientes constituídos de material compatível com o líquido armazenado, resistentes, rígidos e estanques, com tampa rosqueada e vedante (RDC 306,2004).
O transporte interno é o translado até o local destinado ao armazenamento temporário ou à apresentação para a coleta externa. Deve ser realizado atendendo roteiro previamente definido e em horários não coincidentes com a distribuição de roupas, alimentos e medicamentos, período de visita ou de maior fluxo de pessoas ou de atividades. Deve ser feito separadamente, de acordo com o grupo de resíduos, em recipientes específicos para cada grupo de resíduos (RDC Nº 306 ANVISA, 2004).
Os recipientes para transporte interno devem ser constituídos de material rígido, lavável, impermeável, provido de tampa articulada ao próprio corpo do equipamento, cantos e bordas arredondados, identificados com o símbolo correspondente ao risco do resíduo neles contidos, de acordo com este Regulamento Técnico. Devem ser providos de rodas revestidas de material que reduza o ruído. Os recipientes com mais de 400 l de
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capacidade devem possuir válvula de dreno no fundo. O uso de recipientes desprovidos de rodas deve observar os limites de carga permitidos para o transporte pelos trabalhadores, conforme normas reguladoras do Ministério do Trabalho e Emprego (ANVISA, 2004).
A sala para guarda de recipientes de transporte interno de resíduos deve ter piso e paredes lisas, laváveis e resistentes ao tráfego de recipientes coletores. Deve possuir ponto de iluminação artificial e área suficiente para armazenar, no mínimo, dois recipientes coletores, para o posterior traslado até a área de armazenamento externo. Quando a sala for exclusiva para o armazenamento de resíduos, deve ser identificada como “SALA DE RESÍDUOS”. Caso a sala tenha outra utilidade, deverá dispor de área exclusiva de, no mínimo, 2 m², para armazenar dois recipientes coletores para posterior traslado até a área de armazenamento externo (ANVISA, 2004).
O armazenamento temporário fica em locais em que a coleta seja rápida e próxima ao ponto de geração, isso para que facilite o trabalho dos coletores e geradores do resíduo. Não poderá ser feita a disposição dos resíduos direta dos sacos sobre o piso, sendo obrigatória a conservação dos sacos em recipientes de acondicionamento. O armazenamento temporário poderá ser dispensado nos casos em que a distância entre o ponto de geração e o armazenamento externo justifique (RDC 306,2004).
O armazenamento externo consiste na guarda dos materiais em ambiente ao qual os veículos coletores tenham acesso. Aqui também não é permitida a manutenção dos sacos fora dos recipientes. Conforme a RDC 306/04 a coleta e transporte externos dos resíduos de serviços de saúde devem ser realizados de acordo com a NBR 12.810 e NBR 14652 da ABNT. A coleta e o transporte externo removem os resíduos do armazenamento externo até a unidade de tratamento.
Após fazer todo o processo de Gerenciamento dos Resíduos de Serviços de Saúde vem o tratamento com as técnicas e processos para alterar as características dos resíduos, eliminando o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais ou de dano ao meio ambiente para a destinação final. É fundamental esse processo, uma vez que ao final da desinfecção e
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esterilização os RSSS serão juntados com os resíduos comuns (RDC 306, 2004).
O tratamento dos resíduos de saúde pode ser feito no próprio estabelecimento gerador ou em local de tratamento licenciado de acordo com a Resolução 237/1997 do CONAMA podendo ser fiscalizado pela vigilância sanitária e ambiental.
Alguns processos térmicos são utilizados para inativar os microorganismos patogênicos, e que geralmente é conseguido a uma temperatura de 100ºC. A autoclavagem é um vapor superaquecido que desinfecta os resíduos a baixo custo sem emitir efluentes gasosos. Outro procedimento que vem sendo muito utilizado no tratamento dos RSSS devido ao alto teor de umidade diz respeito aos microondas que geram alta temperatura com a radiação eletromagnética.
Os incineradores ocorrem a temperaturas em torno de 1000º C e têm a grande vantagem de serem eficientes no tratamento e reduzir o volume de 95% dos resíduos, todavia importam um alto custo para sua implantação e devendo atentar para os impactos ambientais que podem ocasionar. O sistema pirólise consiste no aquecimento de até 1000ºC em uma atmosfera sem oxigênio.
Quanto ao processo químico, o sistema de esterilização e desinfectação requer primeiro a trituração dos resíduos, após serem estes imersos em líquido desinfectante durante 15 a 30 minutos. A irradiação é um processo químico que rompe o DNA e NA dos microorganismos causando a destruição celular.
Após todo o processo de tratamento, vem à destinação final dos resíduos infectantes que deve ser feita em aterros sanitários com licença do órgão estadual ambiental. Segundo pontua Luís Paulo Sirvinskas (2006, p.115) o aterro sanitário é a forma de disposição do lixo mais adequada e econômica. A escolha do local deverá ser submetida ao estudo prévio de impacto ambiental para constatar a viabilidade da implantação do aterro. Todas as alternativas devem ser analisadas para lograr-se o menor impacto ambiental possível.
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Trata-se de uma área extensa para a disposição do lixo coletado diariamente que, após a sua compactação, é coberta com uma camada de terra no final de cada dia. São colocados respiros e drenos para a saída dos gases e do chorume, observando-se os princípios da engenharia sanitária (SIRVINSKAS, 2006).
Ainda de acordo com Sirvinskas (2006, p. 214) o destino dos resíduos sólidos é uma questão de saúde pública. Compete à engenharia sanitária estabelecer critérios adequados para o destino desses resíduos.
Os métodos mais utilizados no tratamento de RSS são a esterilização a gás ou vapor, desinfecção química, por adição de peróxido de hidrogênio, hipocloritos, ácidos, alcoóis, compostos de amônia quaternário ou cetona e incineração após a compactação ou trituração dos resíduos, se necessário. Esses resíduos podem ainda ser tratados por ativação térmica, irradiação ou por plasma (FREIRE, 2009).
4 CONCLUSÃO
O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde torna-se útil para cada unidade geradora desse resíduo, uma vez que proporcionará melhor qualidade de vida para à população em geral, aos manipuladores nas unidades de saúde e à preservação do meio ambiente da cidade.
O gerenciamento é uma questão complexa envolvendo várias etapas a serem seguidas como o acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos de saúde (FREIRE, 2009).
A educação nas unidades de saúde é o meio de se ter um melhor gerenciamento dos resíduos especiais, já que muitas pessoas que manipulam os resíduos não sabem que destino deve ser dado, se no âmbito do lixo hospitalar ou comum. Com isso acaba quebrando uma futura etapa que deve ser seguida e prejudicando assim futuramente todos que estão direta e indiretamente em contato com o resíduo.
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A prevenção e educação permanente no sentido de evitar novas ocorrências são desafio para todos os envolvidos e demanda esforços intensos de formação e informação aos profissionais e alunos dos cursos da área, visando a prevenção dos acidentes de trabalho que culminam, sempre, em desgaste emocional do profissional, riscos à saúde, problemas de ordem econômica e social, necessidade de investimentos financeiros, problemas éticos e legais, envolvendo os profissionais, pacientes e a instituição, entre outros[7].
Em suma, pode-se afirmar que o gerenciamento de Resíduos Sólidos e de Serviços de Saúde, no que concerne a sua juridicidade, está amplamente amparado por ordenamentos jurídicos, sob muitos aspectos, irretocáveis.
Por estes, são minuciosamente definidos, as competências e responsabilidades dos governantes das três esferas do poder: o federal, o estadual e o municipal. Da mesma forma, neles são estabelecidos os direitos e deveres das comunidades, bem como, dos cidadãos que as integram.
Faltam-lhe, contudo, o complemento de instrumentos eficazes e mais exigentes, susceptíveis de assegurar: a continuidade de uma fiscalização integral; a continuidade de uma fiscalização permanente; a penalização rigorosa e exemplar dos transgressores de seus comandos sejam eles autoridades públicas ou simples cidadãos comuns.
Pois, é de todos, consabido, que as leis são quase sempre, perfeitas, quando definem o quê, como, quando e por quem algo deva ser feito. Mas ela não tem o condão de fazer por nós.
Ora, chega a ser quase uma tara nacional, nosso apuro na formulação das leis, mas nossa incúria e negligência quando se trata de colocá-las em prática, de cumpri-las fielmente e de desencorajar os que as infrigem, pela aplicação sem complacências, de salutar corretivo penal.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Coleta de Resíduos de Serviços de Saúde: NBR 12810. Rio de Janeiro, 1993.
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_________. Resíduos de Serviços de Saúde: NBR 12808. Rio de Janeiro, 1993.
_________. Resíduos Sólidos – Classificação: NBR 10004. Rio de Janeiro, 2004.
_________. Identificação para o transporte terrestre, manuseio, movimentação e armazenamento de produtos: NBR 7.500. Rio de Janeiro, 2004.
_________.Sacos plásticos para acondicionamento de lixo – Requisitos e métodos de ensaio. NBR 9191: Rio de Janeiro, 2002.
_________. Coletor-transportador rodoviário de resíduos de serviços de saúde - Requisitos de construção e inspeção - Resíduos do grupo A: NBR 14.652. Rio de Janeiro, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº. 306, de 07 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o regulamento técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Diário Oficial da República Federativo do Brasil, Brasília, DF, 10 dez, 2004.
_________. Conselho Nacional de Meio ambiente. Resolução CONAMA nº 358, de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Diário Oficial da República do Brasil, Brasília, DF, 04 de maio de 2005.
_________. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
_________.Congresso Nacional. Lei Federal nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 e dá outras providências.
FREIRE, Ivanise Ramos. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde.
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_________. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde no Hospital Universitário Onofre Lopes. Natal, RN: [sn], 2009. Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Educação e sustentabilidade ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
GARCIA. Gisela Gressler. Avaliação do método de tratamento de resíduos de serviços de saúde através as esterilização por meio da autoclavagem. Porto Alegre, RS: [sn], 2009.
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.
LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Vários autores.Sociedade e Meio ambiente: A educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000.
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.15 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente – A gestão ambiental em foco.7. ed. São Paulo: RT, 2011
PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SILVA, Emília Margareth de Melo. Vários autores. Plano Estadual de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Norte – PEGIRS/RN – Estudos de regionalização da gestão integrada de resíduos sólidos do Estado do Rio Grande do Norte e elaboração do plano regional de gestão integrada de Resíduos Sólidos Estadual. Natal, RN: Governo do Estado Do Rio Grande do Norte, 2012.
SÊCCO, Iara Aparecida de Oliveira. Vários autores. Acidentes de Trabalho e Riscos Ocupacionais no dia a dia do trabalhador hospitalar: desafio para a Saúde do Trabalhador.
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SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
SAAD, Caroline D.R. et al. Resíduos Sólidos Infectantes em Unidades de Saúde de média e alta complexidade na visão dos manipuladores. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Potiguar.
SILVA, Ivanilde Ramos. Natal: uma referência para a solução do tratamento dos resíduos sólidos. Urbana Revista de Notícias, Ano 1, n.1, abr. 2006.
[1] FREIRE. Ivanise Ramos. Gerenciamento dos Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde. Natal/RN: 2009.
[2] Artigo científico sobre Resíduos Sólidos Infectantes em Unidades de Saúde de média e alta complexidade na visão dos manipuladores.
[3] Resolução 358 de 29 de abril de 2005 do Conama, dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências.
[4] Essa expressão tem origem no direito ambiental americano – from cradle to grave – Significa que a responsabilidade do gerador de resíduos não se encerra nem com a disposição final nem com a entrega do resíduo a um transportador, mesmo que o contrato possua cláusula específica sobre a transferência de responsabilidade, para que este transporte os resíduos até o local de sua disposição final. Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: ATLAS, 2009.
[5] RDC 306 de 07 de Dezembro de 2004 dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Saúde.
[6] A NBR 9191:2000 foi substituída posteriormente pela NBR 9191:2002 que dispõe sobre sacos plásticos para acondicionamento de lixo – Requisitos e métodos de ensaio.
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107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56525
Boletim Conteúdo Jurídico n. 692 de 01/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
[7] SÊCCO. Iara aparecida de Oliveira. Vários autores. Acidentes de Trabalho e Riscos Ocupacionais no dia a dia do trabalhador hospitalar: desafio para a Saúde do Trabalhador.
1
www.conteudojuridico.com.br
Curso de Gestão Microrregional
SENAC/ MG
Giovanna Brandão de Araújo
Almenara/MG
2012
2
Giovanna Brandão de Araújo
A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização e a
responsabilidade solidária do Município de Almenara com os demais entes
federativos no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil (cellcept) no
tratamento de Lupus.
Trabalho de conclusão do curso de Gestão Microrregional de
Saúde apresentado ao SENAC/MG como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista em Gestão Microrregional de
Saúde.
Orientadora: Fernanda Pereira Zhouri
Almenara/MG
2012
3
Giovanna Brandão de Araújo
A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou
judicialização e a responsabilidade solidária do Município de Almenara
com os demais entes federativos no fornecimento do medicamento
Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.
Trabalho de conclusão do curso de Gestão Microrregional de
Saúde apresentado ao SENAC/MG como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista em Gestão Microrregional de
Saúde.
Aprovada em ______, de ________________ de 2012.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Reginaldo Costa Sakamoto
Especialista – Senac/MG
_______________________________________________________
_______________________________________________________
4
Ao Ministério Público de
Minas Gerais, pela
oportunidade de
aperfeiçoamento nos estudos.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo direcionamento e sabedoria que me destes
nesta nova etapa de aperfeiçoamento dos meus estudos.
Ao meu amor Márcio pelo apoio, incentivo, paciência e
carinho incondicional.
6
RESUMO
Atualmente presenciamos ao crescente número de ações judiciais, nas quais os
cidadãos pleiteiam a observância de um direito constitucional que é o direito à saúde.
A todos os cidadãos é garantido o direito à saúde – direito fundamental indissociável
do direito à vida – sendo dever do Estado, com atuação conjunta e solidária das esferas
institucionais da organização federativa efetivar políticas socioeconômicas para a sua
proteção, promoção e recuperação.
No presente estudo abordaremos a saúde nos Tribunais e a responsabilidade conjunta e
solidária dos entes federados no fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil
(cellcept) no tratamento de Lúpus.
Palavras-chaves: Judicialização da saúde. Responsabilidade conjunta e solidária dos entes
federativos no fornecimento Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.
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ABSTRACT
Today we witness the growing number of lawsuits in which citizens plead for the fulfillment of a constitutional right which is the right to health.Every citizen is guaranteed the right to health - a fundamental right to life inseparable from the right - and duty of the State, acting jointly and severally of institutional spheres of federal organization effective socioeconomic policies for their protection, promotion and recovery.In the present study will cover health in the Courts and joint and several liability of federal agencies in drug delivery Microfenolato Mofetil (CellCept) in treatment of lupus.
Keywords: Legalization of health. Joint and several liability of federal entities in the
supply Microfenolato Mofetil (CellCept) in treatment of Lupus.
8
SUMÁRIO
1. Introdução.................................................................................................................... 09
1.1. Justificativa/Formulação do Problema................................................................... 10
1.2. Formulação do Problema......................................................................................... 11
1.3. Objetivos.................................................................................................................... 12
1.4. Meta............................................................................................................................ 12
1.5. Metodologia............................................................................................................... 12
1.6. Plano de Ação............................................................................................................ 13
1.7. Público Alvo............................................................................................................... 14
1.8. Cronograma Físico-Financeiro................................................................................ 14
2. Referencial Teórico...................................................................................................... 16
2.1. Abordagem das críticas à judicialização da saúde................................................ 16
2.2. A distribuição de competências entre os entes federativos na organização do
sistema único de saúde.....................................................................................................
22
2.3. Da responsabilidade solidária e conjunta dos entes federados no fornecimento
de medicamentos..............................................................................................................
24
2.4. Do medicamento microfenolato mofetil (cellcept)................................................. 27
2.5. Análise de caso concreto........................................................................................... 29
3. Conclusão...................................................................................................................... 32
4. Referências Bibliográficas........................................................................................... 34
9
1. INTRODUÇÃO
A Carta da República de 1988, em seu art.196, preceitua que a saúde é
direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido acesso universal e igualitário às
ações e serviços de promoção, proteção e recuperação. O art. 198 do mesmo diploma legal
que dispõe da integralidade do atendimento, reza que “as ações e serviços públicos de saúde
integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único, organizado
de acordo com as diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da
comunidade”. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm).
Atualmente, presenciamos uma grande movimentação dos cidadãos no
Judiciário pleiteando por medicamentos e tratamentos. A intervenção do Poder Judiciário,
mediante determinações à Administração Pública para que forneça gratuitamente
medicamentos em uma variedade de hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de
prestação universalizada do serviço de saúde.
A questão envolve um direito fundamental social que o Estado
prioritariamente tem o dever de assegurar a todos, sem distinção, com uma de suas atribuições
essenciais. E estas não se restringem a uma programação meramente assistencial, médico-
hospitalar e de oferta de medicamentos, mas seu alcance envolve todo o bem estar físico e
mental do cidadão. Daí decorrem situações por vezes surpreendentes, que o poder público por
desídia, incompetência ou carência de recursos não contorna, queda-se inerte, assim o cidadão
desassistido ou se sentindo preterido, recorre ao judiciário para salvaguardar seu direito,
possivelmente em risco iminente e irreparável dano em caso de demora.
O presente estudo procura contribuir para a racionalização do problema na
microrregião de Almenara, com a elaboração de critérios e parâmetros que justifiquem e
legitimem a atuação judicial no campo particular das políticas de distribuição de
medicamentos discorrendo, também sobre a responsabilidade conjunta e solidária do
município de Almenara com os demais entes federativos no fornecimento do medicamento
Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.
10
1.1. JUSTIFICATIVA
Percebe-se que a Promotoria de Justiça de Almenara é periodicamente acionada
pelos cidadãos pedindo providências, ante a recusa da Secretaria Municipal de Saúde de
Almenara no fornecimento de medicamentos, internações e Transferências de pacientes para
fora do domicílio.
Constata-se que em casos em que o medicamento é de alto custo o município tem
alegado que a responsabilidade do fornecimento é do Estado e não da municipalidade.
Diante de tal quadro, o Ministério Público vem ajuizando ação civil pública e
mandado de segurança para fazer valer o direito constitucional à saúde.
11
1.2. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
A saúde no Tribunal: novas forças em defesa da saúde ou judicialização?
A responsabilidade solidária do município de Almenara com os demais entes
federativos no fornecimento do medicamento não padronizado e de alto custo, Microfenolato
Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus.
12
1.3. OBJETIVOS
Objetivo Geral: Analisar as peculiaridades dessa “judicialização da
prestação de assistência farmacêutica”, indicando os principais aspectos a serem observados
por aqueles que a pleiteiam e a concedem, de modo a racionalizar e equilibrar os direitos que
dela são objeto.
Demonstrar a distribuição de competência dos entes federativos no tocante
ao fornecimento de medicamento de alto custo.
Objetivos específicos: Demonstrar quais os critérios utilizados nas decisões
judiciais para o fornecimento do medicamento de alto custo no município de Almenara.
Proporcionar aos cidadãos os meios para tornar efetivo o direito fundamental
- saúde no que se refere ao fornecimento de medicamentos, diante da responsabilidade
solidária dos entes federados no fornecimento de medicamentos.
1.4. META
Através deste projeto de intervenção objetiva-se reduzir a judicialização do
fornecimento de medicamentos e apresentar argumentos e parâmetros teóricos para a atuação
dos Poderes Judiciários e Executivos, bem como ao Ministério Público de Minas Gerais no
que se refere ao fornecimento de medicamentos de alto custo pelo SUS.
1.5. METODOLOGIA
Com o objetivo de se adquirir os resultados almejados no presente projeto adotarei a
pesquisa bibliográfica sobre o tema da judicialização da saúde e responsabilidade dos entes
Federados no fornecimento de medicamento. Buscando, também verificar a padronização ou
não do medicamento microfenolato mofetil para o tratamento do Lupus, bem como a
comprovação científica da droga.
13
Verificar nas decisões judiciais proferidas na Comarca de Almenara quais os motivos
e fundamentos utilizados para conceder o medicamento.
1.6. PLANO DE AÇÃO
META 1: reduzir a judicialização do fornecimento do medicamento Microfenolato Mofetil
(cellcept) no tratamento de Lupus de Almenara e demonstrar a competência dos entes
federados no fornecimento de medicamento de alto custo.
Ação: Analise bibliográfica.
Local: Projeto de Intervenção.
Motivo: Obter conhecimento sobre a eficácia do medicamento Microfenolato
Mofetil(cellcept) no tratamento do Lúpus.
Como: Através de dados e pesquisas realizadas.
Responsável: Aluna
Data: Início - Fim: 02/01/12 a 15/01/2012.
Custo: zero
META 2: Identificar qual o valor global gasto pelo Município de Almenara na compra do medicamento.
Local: Secretaria Municipal de Saúde.
Motivo: a identificação dos dados em exame permitirá a uma análise diagnóstica da situação em estudo.
Como: analisando a Programação Pactuada Integrada de cada município da região em questão.
Responsável: Curador do SUS.
Data de início e fim: janeiro de 2012
Indicador: valor em reais destinados à compra do medicamento.
Custo: zero, por se tratar de informação que não exige meio complexo de obtenção.
14
META 3 : Identificar e quantificar o número de casos que exigiram o fornecimento do medicamento no município de Almenara nos últimos 12(doze) meses.
Local: Secretaria Municipal de Saúde de Almenara.
Motivo: com a identificação dos dados em exame poder-se-á facilitar a análise diagnóstica do problema enfrentado.
Como: verificando os registros de casos junto aos sistemas de registro da Secretaria Municipal de Saúde.
Responsável: Curador do SUS.
Data de início e fim: fevereiro a março de 2012
Indicador: percentual de usuários do medicamento.
Custo: zero.
1.7. PÚBLICO ALVO
O presente trabalho foi elaborado para atingir a Secretaria Municipal de Saúde de
Almenara e o Poder Judiciário da Comarca de Almenara conscientizando-os da
responsabilidade dos entes federados no fornecimento de medicamento de alto custo, como
Microfenolato Mofetil (cellcept) no tratamento de Lupus de Almenara.
1.8. CRONOGRAMA FISICO-FINANCEIRO
META
reduzir a judicialização do
fornecimento do medicamento
Microfenolato Mofetil (cellcept) no
tratamento de Lupus de Almenara e
conscientizar o município de
Almenara da sua responsabilidade
PERÍODO
15
solidária e conjunta do
fornecimento do supracitado
medicamento com os demais entes
federados
1.1. Ação 01 Analise bibliográfica.
Custo zero
1.2. Ação 02
Identificar qual o valor global gasto pelo Município de Almenara na compra do medicamento.
janeiro de 2012
Custo Inestimável
1.3. Ação 03
Identificar e quantificar o número de casos que exigiram o fornecimento do medicamento no município de Almenara nos últimos 12(doze) meses.
fevereiro a março de 2012
Custo Inestimável
16
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. ABORDAGEM DAS CRÍTICAS À JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
A intitulada judicialização da saúde constantemente vem sendo alvo de inúmeras
críticas, muitas delas consistentes, mas não inafastáveis. No Brasil, por uma distorção, a
implementação das políticas públicas vem saindo das esferas dos Poderes Executivo e
Legislativo e migrando para o Poder Judiciário.
É sabido que o número de ações judiciais foi tão grande que fez com que o Supremo
Tribunal Federal realizasse uma audiência pública. Estamos diante de uma judicialização da
política, que por um lado prestigia o Poder Judiciário com discussões vitais para o país, mas
por outro declara a falência na resolução dos conflitos nas esferas que lhe são peculiares. Já é
comprovado que o Poder Judiciário é sobrecarregado com inúmeras demandas e acaba por se
tornar moroso devido à excessiva litigiosidade.
O direito social à saúde é o que adquiriu maior debate acadêmico e número de ações
na esfera judicial, em prol da efetividade. A acessibilidade ao SUS é de grande vulto, o que
acaba por ser difícil e torna-se mais complexa a resolução do conflito.
Fala-se muito que o Poder Judiciário estaria fazendo a micro-justiça, ante ao
desconhecimento das questões médicas e à pressão das indústrias farmacêuticas. Alega-se que
o Judiciário não possui o conhecimento médico necessário para instituir políticas de saúde¹ e
que o Judiciário deve observar apenas a micro-justiça e não a macro-justiça, destinada à
administração pública².
Ademais, aponta-se que muitos juízes não têm consciência de algumas ações para
obtenção de medicamento e tratamentos que são fomentadas pela indústria farmacêutica, com
a esperança de que um maior número de decisões judiciais concedendo seus medicamentos
pressione o governo a incluí-los na lista do programa oficial de saúde.
________________________________
¹ Ver Gouvêa (2003, p. 22-23 apud BARROSO, 2008, p. 19).
² Ver Barcellos (2006 apud BARROSO, 2008, p. 19).
17
Ocorre que, inúmeros dados demonstraram o contrário do que acima se apontou e que
os juízes, ao proclamarem decisões que optem pelo direito à saúde e à vida, realizam macro-
justiça, ainda que não imediatamente. Isso porque, se fizermos uma estudo mais aprofundado
do desenvolvimento do SUS e de alguns medicamentos, constataremos que muitos deles só
foram implementados por pressão das decisões judiciais. Eis o que confirma o próprio
CONASS (BRASIL, 2007, p. 143):
Nas secretarias Estaduais de Saúde as primeiras ações judiciais eram referentes ao fornecimento de medicamentos de alto custo, de difícil acesso e de medicamentos antiretrovirais para o tratamento de AIDS. No caso dos antiretrovirais, a partir de 1996, com a introdução da terapia combinada para o tratamento de AIDS, o número de ações judiciais para o fornecimento desses medicamentos aumentou significativamente e tiveram grande impacto no orçamento público, chegando a consumir em uma Unidade da Federação, no ano de 2001, cerca de 80% do orçamento previsto para a compra de medicamentos antiretrovirais [...].
Situação semelhante, com aumento expressivo de ações judiciais, ocorreu com o lançamento de novos medicamentos para o tratamento da Hepatite Viral crônica C, entre eles as alfapeginterferonas. Nesse caso, várias ações civis públicas foram movidas pelo Ministério Público para garantia do fornecimento desses medicamentos aos pacientes, além de inúmeras ações judiciais individuais. A maior parte delas determinava o fornecimento de medicamento a pacientes que não se enquadravam nos critérios do Protocolo Clinico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite Viral Crônica C, estabelecido pelo Ministério da Saúde e publicado pela Portaria SAS/MS n. 863, de 4 de novembro de 2002 [...].
Portanto, essas ações forçam o poder público a implementar programas especiais para
certos tipos de doenças, como temos hoje para a Aids, Diabetes, Hepatite, Parkinson e outros,
isso é fazer macro-justiça³.
________________
³ Confira-se, a respeito, a explicação de Ana Paula de Barcellos, Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de direito do Estado 3:32, 2006: “Ainda que superadas as críticas anteriores, o fato é que nem o jurista, e muito menos o juiz, dispõem de elementos ou condições de avaliar, sobretudo em demandas individuais, a realidade da ação estatal como um todo. Preocupado com a solução dos casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para o atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo o controle jurisdicional das políticas públicas, o jurista não disporia do instrumental técnico ou de informação para levá-lo a cabo sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas globalmente considerado”.
18
Forçoso é concluir que as decisões judiciais foram e continuam sendo
imprescindíveis para o aperfeiçoamento do sistema e a efetivação das políticas públicas de
saúde.
Alegam, também que o judiciário estaria violando o princípio democrático da
separação dos poderes, sendo esta argumentação utilizada pela União, pelos Estados e
Municípios em suas defesas, alegando que não se pode retirar dos poderes legitimado pelo
voto popular (Executivo e Legislativo) a prerrogativa de decidir de modo os recursos públicos
devem ser gastos, sob pena de violação ao indigitado princípio da separação dos poderes,
estatuído no art. 2° da CF (Constituição da República de 1988) : “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. (BRASIL.
Constituição -1988).
Em termos acadêmicos, já se reconhece que a Separação dos Poderes, idealizada por
Montesquieu, não representa um divórcio estanque entre os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário. Tal teoria, em verdade, encontra-se suplantada, já que no Estado Contemporâneo o
Legislativo também julga, o Executivo também legisla e o Judiciário também administra, nos
casos expressamente previstos na Constituição.
A Constituição Cidadã de 1988, impôs ao Poder Judiciário a árdua tarefa de dar-lhes
concretude, especialmente quando os demais Poderes, tanto pela omissão legislativa, como
pela administrativa, os colocarem em risco.
Lado outro, a ordem constitucional brasileira adotou o sistema do checks and
balances, com o intuito de evitar abusos no exercício do poder político e proporcionando o
equilíbrio e a harmonia entre os poderes constitucionais, que passaram a agir com fiscalização
mútua, buscando evitar a supremacia de um sobre o outro4.
No que se refere às atribuições do Poder Judiciário, dispôs a Carta Magna que é
função precípua do Poder Judiciário apreciar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV),
____________ 4Moraes, Alexandre de, Direito Constitucional, 11ª Ed. p.369.
19
incluindo-se aí, as atuações do Estado-Administração que prejudiquem os administrados ou
interesses da coletividade e as políticas públicas, também suscetíveis de controle jurisdicional,
como a saúde pública (CF, art. 196 a art. 200).
Logo, tudo isso autoriza o juiz a exercer o controle do ato administrativo questionado,
pois nenhuma lesão a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário.
A doutrinadora Ada Pellegrini Grinover sustenta que os interesses metaindividuais
tornam o Judiciário uma instância política: “[...] é o dado político que altera o próprio
conceito de processo, mais entendido como clássico instrumento de solução de lides
intersubjetivas, mas transformando em meio de solução de conflitos metaindividuais por isso
mesmo tipicamente políticos” (GRINOVER, 1979, p. 30-31).
Conforme expresso na Constituição Federal, apesar de os juízes não serem eleitos pelo
povo, devem fundamentar suas decisões e torná-las públicas. Para Inocêncio Mártires
(MENDES; COELHO; BRANCO, 2007, p. 66), citando Lo Racional como Razonable, “[...] é
especificadamente pela justificação que o autor de uma decisão quer se trate de um juiz ou de
uma autoridade administrativa constrói a credibilidade sobre a qual repousa a confiança que
nele depositam os cidadãos”.
Portanto, o judiciário vem assumindo o seu papel na concretização das normas
constitucionais, sem ferir o princípio da separação dos poderes, até mesmo porque num
Estado Democrático de Direito o Estado soberano deve submeter-se à própria justiça que
institui e o Judiciário nada mais faz senão cumpri-la, determinando a realização prática do
texto constitucional.
A judicialização da saúde ainda enfrenta uma dura crítica: o impacto orçamentário e a
cláusula da reserva do possível, segundo a qual a prestação dos serviços públicos pelo Estado
está condicionada à disponibilidade de recursos necessários para a implementação de tais
serviços, em suma, não é permitido exigir do Estado nada acima de um limite básico social.
Os entes Federados têm alegado em suas defesas nas ações judiciais a cláusula da
reserva do possível apenas em sua parte teórica. Não apresentam os números, não se aponta
quanto foi gasto em saúde pública, em medicamentos.
20
O Supremo Tribunal Federal em suas decisões não vem aceitando a tese da cláusula do
possível no tocante à efetivação de políticas públicas. Ao julgar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental 45/DF, Relator, Ministro Celso de Mello, assim proferiu decisão:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERALIDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRALIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).”
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, também já se manifestou a respeito da
observância da cláusula da reserva do possível no tocante à saúde, senão vejamos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL - DIREITO À SAÚDE -FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - RESERVA DO POSSÍVEL - INAPLICABILIDADE. Em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, não se há de aplicar a denominada Teoria da Reserva do Possível. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0699.08.089466-9/001 -COMARCA DE UBÁ - APELANTE(S): MUNICÍPIO UBA -APELADO(A)(S): ROBERT CRISTIAN DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. MANUEL SARAMAGO -ACÓRDÃO -Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador MANUEL SARAMAGO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO. Belo Horizonte, 30 de setembro de 2010. DES. MANUEL SARAMAGO - Relator
Logo, a indigitada escassez de recursos deve ser comprovada pelos entes públicos.
21
Oportuno ressaltar o entendimento sustentado pelo Ministro Celso de Mello, no
julgamento da Argüição de Descumprimento Fundamental nº 45,:
“Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”
Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica
dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar):
Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir'" (STF, DJ nº 84, 04/05/2004).
Assim, somente após a garantia da vida, requisito básico para o convívio em
sociedade, é que os administradores públicos poderão optar pelo investimento do saldo
remanescente dos recursos públicos.
De todo o exposto, conclui-se que ao deferir uma prestação incluída entre as políticas
sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) o Judiciário não está
criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento.
22
2.2. A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS
NA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
A organização do Sistema Único de Saúde se dá mediante uma divisão
administrativa regionalizada e hierarquizada com base no critério da complexidade das ações
e serviços (inc. II do art. 7º da Lei n. 8.080/90).
Cabe aos Municípios, nesse contexto, a concretização de ações e serviços de menor
complexidade, aos Estados os de média e alta complexidade e à União os de alta
complexidade. É o que se depreende dos artigos 8º e seguintes da Lei n. 8.080/90, bem como
da interpretação sistemática desse diploma legal e de todos os outros atos normativos que
disciplinam a assistência à saúde.
Paralelamente existe um sistema de financiamento dessa atuação Estatal, pautado por
critérios diversos dos que ditam a divisão de atribuições de ações e serviços. Ou seja, não é só
a complexidade das ações e serviços que dita a aplicação e o repasse de verbas destinadas à
saúde, mas também critérios como a densidade populacional e a arrecadação tributária.
Não raro essa divergência de critérios acarreta discrepâncias que tornam inviáveis ou
ineficazes políticas públicas de saúde.
Isso ocorre, por exemplo, nos Municípios que se consubstanciam em pólos regionais
de prestação de serviços, nos quais o Estado atua custeando ações e serviços de alta
complexidade – subsidiando hospitais secundários e terciários, por exemplo – sem se
desvincular das obrigações financeiras que tem para com os serviços de pequena
complexidade prestados pela esfera municipal.
No tocante ao fornecimento de medicamentos, em princípio o raciocínio aplicado é o
mesmo: cabe aos municípios o fornecimento de medicamentos básicos e aos Estados e à
União os de alta e média complexidade.
Fica a cargo dos Estados, por exemplo, a dispensação dos medicamentos
denominados “excepcionais”.
23
Não obstante essa divisão administrativa, o Poder Judiciário brasileiro vem se
posicionando no sentido de que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos é
solidária entre as três esferas de poder, independentemente das atribuições/divisões
administrativas ditadas pela legislação infraconstitucional.
Embora essa solidariedade seja defendida, predominantemente, sob o argumento de
que o direito à saúde, enquanto direito fundamental, deve prevalecer sobre os demais, também
é possível sustentá-la com base na hierarquização de fixação de atribuições.
Ou seja, cabe aos entes políticos, sobretudo à União e aos Estados, definir as ações e
serviços sociais de alta complexidade.
Embora a lei permita a participação de todos os entes e da própria sociedade na
formulação das políticas públicas, é fato que as diretrizes principais são ditadas pela União e,
no caso da assistência farmacêutica, não é diferente.
Não parece coerente afastar a União e o Estado da responsabilidade de prestar a
assistência farmacêutica – em especial na hipótese de medicamentos excepcionais – quando
são eles que estabelecem quais medicamentos devem ser fornecidos.
Da mesma forma, não parece correta a interpretação que afasta a responsabilidade
dos Municípios com base na hierarquia inerente ao sistema. Primeiro, porque essa hierarquia
não exclui a solidariedade havida entre os entes estatais, ditada pela própria Constituição
Federal; segundo porque não nos parece coerente afastar, de forma prematura e peremptória, a
responsabilidade do Município quando há situações em que esses entes são flagrantemente
beneficiados pela atuação do Estado e da União em grandes centros populacionais e/ou
quando se evidencia a negligente aplicação de recursos.
24
2.3. DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E CONJUNTA DOS ENTES
FEDERADOS NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS, SEGUNDO
ENTENDIMENTO DO PODER JUDICIÁRIO.
O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde,
há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios).
O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à
promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no art. 196 da CF.
Conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no Agravo
Regimental, suspensão de liminar 47, 17.03.2010:
“a competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal) de prestações na área de saúde”.
Ainda para o Supremo Tribunal Federal o fato de o Sistema Único de Saúde ter
descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, como
o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a
obrigação solidária e subsidiária entre eles.
Tem-se que o Sistema Único de Saúde é uma instituição descentralizada, não se
podendo estabelecer, para sua atuação, núcleos com competências diferenciadas nos diversos
entes federativos, sob pena de obstar a concretização do direito à saúde, mormente nos casos
de urgência - como no caso em espeque - nos termos do art. 23 e 198 da CF/88.
Nesse sentido, dada a responsabilidade solidária dos entes públicos, não podem estes
se furtarem de sua obrigação constitucional de resguardo ao direito à saúde, mesmo nos casos
de fornecimento de medicamento/insumo e caráter excepcional à população.
Este, também é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, senão
vejamos:
Processo: AgRg no Ag 907820/SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2007/0127660-1 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
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(1141) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 15/04/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 05/05/2010 Ementa: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. 1. Conforme orientação firma na QO no REsp 1.002.932/SP, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça não precisa paralisar a análise de matéria que vem sendo enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral. 2. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que não cabem embargos de declaração para que o STJ enfrente matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros". (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). 4. Agravo regimental não provido.
É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é dever do Estado
fornecer gratuitamente às pessoas carentes a medicação necessária para o efetivo tratamento
médico, conforme premissa contida no art. 196, da Constituição Federal.
Ademais, considerando que o Sistema Único de Saúde é financiado pela União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 198, § 1º, da Constituição
Federal, pode-se afirmar que é solidária a responsabilidade dos referidos entes no
cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população.
O direito constitucional à saúde faculta ao cidadão obter de qualquer dos Estados da
Federação (ou Distrito Federal) os medicamentos que necessite, sendo desnecessário o
chamamento ao processo dos demais entes públicos.
Nesse entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSOESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. IDOSO.LEGITIMIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS(MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO). ARTS. 196 E 198, § 1º, DA CF/88. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.
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2. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde.
3. O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. Legitimidade passiva do Estado configurada. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 828.140/MT, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.03.2007, DJ 23.04.2007) (grifei).
O egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais em consonância com as Cortes
Superiores do STF e STJ, também possui entendimento de que no que toca ao direito do
cidadão à saúde e à integridade física, a responsabilidade do Município é conjunta e solidária
com a dos Estados, do Distrito Federal e da União, vez que a competência de cada Ente
Federado não está explicitada na Constituição Federal de 1988, nem na Lei nº. 8.080/90 - Lei
Orgânica da Saúde.
Para o TJMG a definição de critérios para a repartição de competências é apenas
esboçada por inúmeros atos administrativos federais, estaduais e municipais, que não podem
sobrepor às normas constitucionais e infraconstitucionais que preveem a competência
concorrente dos Entes Federados, bem como a responsabilidade solidária destes.
Ademais, o Sistema Único de Saúde é uma instituição descentralizada, não se
podendo estabelecer, para sua atuação, núcleos com competências diferenciadas nos diversos
entes federativos, sob pena de obstar a concretização do direito à saúde, mormente nos casos
de urgência - como no caso em espeque - nos termos do art. 23 e 198 da CF/88.
Nesse sentido, dada a responsabilidade solidária dos entes públicos, não podem estes
se furtarem de sua obrigação constitucional de resguardo ao direito à saúde, mesmo nos casos
de fornecimento de medicamento/insumo de caráter excepcional à população. Por outro lado,
a ausência de comprovação objetiva de eventual limitação financeira, não pode afastar o seu
dever constitucional de garantir ao cidadão o mínimo de condições para uma vida digna -
mínimo existencial ou mínimo vital-correlacionado com a área de saúde.
Assim, para que qualquer dos entes federados seja compelido a fornecer determinado
insumo/medicamento ou promover o acesso a tratamentos de moléstias, basta que o cidadão
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demonstre a necessidade do provimento e disponibilidade dos meios recomendados pelos
especialistas, haja vista que o direito constitucional é amplo e o direito invocado é de extrema
relevância.
2.4. DO MEDICAMENTO MICROFENOLATO MOFETIL (CELLCEPT)
De acordo com a Portaria n. 2.577/06, medicamentos de alto custo são
medicamentos utilizados para tratamento de doença rara ou de baixa prevalência, com alto
valor unitário ou que, em caso de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo
elevado; doença prevalente, com uso de medicamento de alto custo unitário ou que, em caso
de uso crônico ou prolongado, seja um tratamento de custo elevado desde que haja tratamento
na atenção primária, ao qual o paciente apresentou necessariamente intolerância ou evolução
para quadro clínico de maior gravidade; o diagnóstico ou conduta terapêutica para o agravo
estejam inseridos na atenção especializada. (PORTARIA Nº 2.577/06 do Ministério da Saúde)
De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas
Gerais, o medicamento micofenolato Mofetil Cellept® está no 5º lugar na lista de
medicamentos mais solicitados no tratamento de Lupus e transplante, estando também
inserido no rol de medicamento de alto custo.
TABELA 1
Item Medicamentos mais solicitados Indicação Nº de pacientes
Valor gasto anualmente
Porcentagem em relação ao gasto com ações judiciais no ano de 2008
1º Adalimumabe 40mg (Humira®) Psoríase e Espondilite Anquilosant
e
183 R$ 8.165.650,32 19,19
2º Etanercepte 25 mg e 50 mg (Enbrel®)
Psoríase e Espondilite Anquilosant
e
129 R$ 16.045,872,00 37,71
3º Insulina Glargina 100 UI/ml (Lantus®)
Diabetes Melitus
103 R$ 345.721,44 0,81
4º Ácido Ursodesoxicólio 150mg e 300mg (Ursacol®)
Cirrose Biliar
Primária
99 R$ 382.897,44 0,9
5º Micofenolato Mofetil 500mg - (Cellcept®)
Lupus eritematoso
e Transplante
79 R$ 95.700,00 0,22
6º Infliximabe 100mg (Remicade®) - Psoriáse e Espondilite Anquilosant
e
67 R$ 5.293.998,00 12,44
7º Sildenafil 25 mg, 50mg, 20mg (Viagra® e Revatio) -
Hipertensão pulmonar
67 R$ 1.550.767,20 3,64
8º Temozolomida 5mg, 20mg, 100mg e 250mg
câncer 49 R$ 1.944.961,20 4,57
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9º Rituximabe 100mg e 500mg (Mabthera®) -
Artrite reumatóide e
câncer
44 R$ 4.684,794,84 11,01
10º Adefovir 10mg (Hepseral®) Hepatite 31 R$ 149.209,20 O,35 Total 851 R$ 38.659.571,64 90,85%
Total gasto com ações judiciais no ano de 2008 R$42.552.696,00
Fonte: Dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais obtidos no sítio eletrônico http://www.amep.org.br/docs/apresenta_seminario_aten_prim/judi.pdf
Nos últimos anos, o medicamento micofenolato de mofetil (CellCept) tem sido usado
como um medicamento eficaz para o lúpus, especialmente quando associada à doença renal.
CellCept tem sido útil em reverter a doença renal ativa do lúpus (doença renal do lúpus) e na
manutenção da remissão clínica depois de ser estabelecida. Seu menor perfil de efeitos
colaterais tem a vantagem em relação aos medicamentos tradicionais imunossupressão
(http://www.mavicevap.com/medi/pt/1349.html).
De acordo com o que consta da bula do medicamento CellCept@, medicamento
referência que tem como princípio ativo o microfenolato de mofetila, esse fármaco é indicado
pelo laboratório fabricante para a profilaxia e tratamento de pacientes submetidos a
transplante de rim, coração ou fígado, conforme bula disponibilizada no site do laboratório
fabricante (www.roche.com.br).
Assim, o medicamento pleiteado não possui indicação de uso aprovada e
regulamentada pela Anvisa não é indicado formalmente no tratamento de Lupus. Seu uso para
tais finalidades é feito, portanto, de forma off-label.
(...) Um dos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde é o atendimento às
patologias (codificadas por seus respectivos CID's), autorizadas na referida Portaria, a qual
deve ser obrigatoriamente verificada por todos os gestores do programa, no caso, a Secretaria
de Estado de Saúde.
O medicamento micofenolato de mofetila se encontra autorizado para fornecimento
apenas aos pacientes transplantados (...). Essas indicações englobam todas as previstas na bula
do medicamento pleiteado e, portanto, autorizado pela ANVISA.
29
2.5. ANÁLISE DE CASO CONCRETO
No presente estudo de caso discutiu-se a responsabilidade solidária e conjunta dos
entes federativos no fornecimento de medicamento de alto custo e o entendimento do Poder
Judiciário frentes às inúmeras demandas ajuizadas.
Na Comarca de Almenara há apenas uma ação em curso requerendo o fornecimento do
medicamento micofenolato mofetil cellcept no tratamento do Lúpus e que, em recente
julgamento do recurso de apelação pelo TJMG o indigitado recurso foi provido, reformando a
sentença na qual havia concedido a segurança impetrada pelo Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, na condição de substituto processual da menor G.M.M, nascida em 30/01/1994,
portadora de Lúpus Eritomatoso Sistêmico de evolução crônica, determinando às autoridades
impetradas, quais sejam, a Sra. Prefeita do Município de Almenara e o Sr. Secretário de Saúde
do Município de Almenara a fornecerem o medicamento ao representante legal da menor, na
dosagem prescrita.
O egrégio TJMG ao julgar o recurso supracitado entendeu que: “no contexto enfocado,
como exceção à regra, o Município não deve ser considerado responsável pelo fármaco
pleiteado pelo impetrante (Micofenolato mofetila), cujo fornecimento se dá apenas em caráter
excepcional, sob severa fiscalização e controle da autoridade estadual, mediante adoção de
critérios rígidos. ""A competência do Município para o fornecimento de medicamentos aos
usuários do Sistema Único de Saúde não é ampla e irrestrita. - O Município não pode ser
compelido a disponibilizar medicamento de uso prolongado para doença crônica que não faz
parte da assistência básica à saúde, que não se inclui no âmbito de sua competência e que
assume natureza excepcional”, senão vejamos:
Númeração Única: 0051030-40.2010.8.13.0017
Relator: Des.(a) ARMANDO FREIRE
Relator do Acórdão: Des.(a) ARMANDO FREIRE
Data do Julgamento: 25/10/2011
Data da Publicação: 25/11/2011
Inteiro Teor:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. ADOLESCENTE PORTADORA DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. IMPETRAÇÃO CONTRA AUTORIDADES MUNICIPAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ORDEM DENEGADA. - Regra geral, o sistema de compartilhamento de competências, tal como estabelecido no art.
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23, II, da CRFB/88, reserva competência concorrente ao gestor do fundo municipal de saúde para avaliar as ações e a forma de execução dos serviços públicos relativos à saúde, a ele competindo garantir atendimento público aos munícipes acometidos por doenças e que carecem de recursos para o necessário tratamento, ainda que sua atividade deva obediência às regras previamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde. Todavia, no contexto enfocado, como exceção à regra, o Município não deve ser considerado responsável pelo fármaco pleiteado pelo impetrante (Micofenolato mofetila), cujo fornecimento se dá apenas em caráter excepcional, sob severa fiscalização e controle da autoridade estadual, mediante adoção de critérios rígidos. "A competência do Município para o fornecimento de medicamentos aos usuários do Sistema Único de Saúde não é ampla e irrestrita. - O Município não pode ser compelido a disponibilizar medicamento de uso prolongado para doença crônica que não faz parte da assistência básica à saúde, que não se inclui no âmbito de sua competência e que assume natureza excepcional" (1.ª Câmara Cível - Apelação Cível / Reexame Necessário n.º 1.0153.09.095556-5/002 - Relator para o acórdão: Des. ALBERTO VILAS BOAS - Julg.: 10/05/2011 - Public.: 01/07/2011).
Em pesquisa à jurisprudência do TJMG foi encontrada outra decisão, desta vez concedendo
o medicamento, mesmo que o requerente era acometido de moléstia diversa não mencionada pelo
Ministério da Saúde, senão vejamos:
Númeração Única: 0299727-28.2011.8.13.0000
Relator: Des.(a) ALBERTO VILAS BOAS
Relator do Acórdão: Des.(a) ALBERTO VILAS BOAS
Data do Julgamento: 30/08/2011
Data da Publicação: 16/09/2011
Inteiro Teor:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. DIREITO À SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE PÊNFIGO FOLIÁCIO. MICOFENOLATO DE MOFETIL. MEDICAMENTO DESTINADO A PACIENTES TRANSPLANTADOS, MAS QUE TEM SIDO ÚTIL NO TRATAMENTO DA DOENÇA DO USUÁRIO. TUTELA ANTECIPADA CONFIRMADA. - Malgrado o medicamento prescrito esteja no rol daqueles disponibilizados pelo SUS, se sua utilização é válida para mitigar os efeitos de moléstia diversa - ainda que não mencionada pelo Ministério da Saúde - não há como negar ao paciente a sua utilização, pois é a única forma que se conseguiu encontrar para mitigar os efeitos da doença que possui.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0317.10.011701-7/001 -COMARCA DE ITABIRA - AGRAVANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS - AGRAVADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO VILAS BOAS
_____________________
Consulta ao recurso de apelação n° 0051030-40.2010.8.13.0017(1ªCâmara Cível) no sítio eletrônico do TJMG: http://www.tjmg.jus.br. Todas as citações foram transcritas conforme original.
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ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDUARDO ANDRADE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO. Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011. DES. ALBERTO VILAS BOAS - Relator.
De todo o exposto, é forçoso concluir que o Poder Judiciário ao decidir as ações
acima elencadas possui critérios diferenciados para o julgamento de causas de pedir idênticas.
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3. CONCLUSÃO
Conclui-se do presente estudo que as normas constitucionais garantem o direito à
saúde e, consequentemente ao fornecimento de medicamentos. Portanto, o Poder Público deve
observar respeitando o direito à saúde, a fim de que os princípios garantidos pela Constituição
Federal aos cidadãos, principalmente as normas programáticas, sejam garantidos a todos.
O Poder Judiciário tem o papel de interpretar a Constituição e as leis, resguardando
direitos e assegurando o respeito ao ordenamento jurídico. O controle jurisdicional em relação
a entrega de medicamentos é bastante discutido e o cidadão não tendo seus direitos
devidamente assegurados pelo Poder Público, se vê possibilitado de buscar ajuda na tutela
jurisdicional a fim da efetivação de suas garantias.
Segundo o artigo 23 da Constituição Federal: “É de competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)”. Assim, os entes da federação possuem
responsabilidade solidária quanto à saúde, cabem a eles cumprir os mandamentos
constitucionais.
O tema versado envolve o direito à saúde, à dignidade e a intervenção do Poder
Judiciário nas políticas públicas. A atividade jurisdicional, dessa forma, deve procurar
respeitar as funções executivas e legislativas. Apesar disso, diante de causas de relevância e
urgência os cidadãos podem provocar o judiciário para tomar uma decisão e garantir a entrega
de medicamentos aos necessitados. O sistema de saúde em nosso país deve se mostrar com
mais eficácia para que nos noticiários possamos ter uma melhor visão dos hospitais, do
sistema único de saúde e da entrega de medicamentos. Portanto não é a melhor opção
condicionar a saúde a cargos, uma vez que a vida do ser humano deve ser colocada sempre
em primeiro plano.
Sendo o direito à saúde constitucionalmente assegurado pela Carta Magna os
indivíduos podem cobrar as prestações necessárias a sua concretização. E apesar dos
problemas que ainda enfrentamos nessa esfera, temos que lutar para que a cada dia ele possa
se tornar mais satisfatório aos indivíduos proporcionando a todos uma vida mais digna com
condições de sobrevivência. Os necessitados diante da carência de recursos devem procurar
ao judiciário para que este analise o caso e tome uma decisão coerente com a situação
33
apresentada. A saúde não pode ser afastada do Poder Judiciário visto que este deve garantir o
disposto na Constituição Federal. Caso o Executivo não forneça o medicamento, o Poder
Judiciário pode determinar sua efetivação e o juiz pode utilizar de meios coercitivos para o
cumprimento de sua decisão.
O Poder Judiciário com o intuito de garantir o direito à vida e à saúde possui a
prerrogativa de interferir nas políticas públicas para se ver garantido os dispostos em nosso
ordenamento.
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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, p. 245-246, 2002, Renovar) BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial.Revista de direito social, Porto Alegre: Notadez, v. 9, n. 34, p. 11-43, abr./jun. 2009. BARROSO, Luís Roberto. Semana do Ministério Público da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. 20 anos da Constituição Federal de 1988 pela ótica do neoconstitucionalismo. 2008. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas, apudBARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. , Porto Alegre: Notadez, v. 9, n. 34, p. 52, abr./jun. 2009. GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, n. 14-15, ano 4, abr./set. 1979. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11. ed. – São Paulo: Atlas, 2002.