bom crioulo - literatura

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 BOM CRIOULO – ROMANCE NATURALISTA - 1895 de Adolfo Caminha Adolfo Ferreira Caminha ( Aracati, 29 de maio de 1867 Rio de Janeiro, 1 de janeiro de 1897) foi um escritor  brasileiro, um dos principais autores do Naturalismo no Brasil. Era filho de Raymundo Ferreira dos Santos e Maria Firmina Caminha. Mudou-se para o Rio de Janeiro, ainda na infância. Em 1883, Adolfo entra para a Marinha de Guerra, chegando ao  posto de segundo-tenente. Cinco anos mais tarde, transfere-se para Fortaleza ( 1888  ).  Apaixona-se por Isabel de Paula Barros, a esposa de um alferes, que abandona o marido  para viver com Caminha. O casal teve duas filhas: Belkiss e Aglaís. Na sequência do escândalo, vê-se obrigado a deixar a Marinha e passa a trabalhar como funcionário público. A sua primeira obra publicada foi Voos Incertos (1886), um livro de poesia. Em 1893, Adolfo publica A Normalista, história de Maria do Carmo e Jão da Mata – um caso de incesto ? - romance em que traça um quadro pessimista da vida urbana de Fortaleza. Usa as suas experiências e observações de uma viagem que havia feito aos Estados Unidos  em 1886, para escrever No País dos Ianques  (1894). No ano seguinte provoca escândalo, mas firma sua reputação literária ao escrever Bom Crioulo, abordando a questão da homossexualidade . Colabora também com a imprensa carioca, em jornais como Gazeta de Notícias e Jornal do Commercio, e funda o semanário, Nova Revista. Já tuberculoso , lança o último romance, Tentação, em 1896. Morre prematuramente no Rio de Janeiro, no dia 1º de janeiro de 1897, aos 29 anos. Bom Crioulo é um romance de Adolfo Caminha publicado em 1895. É considerado por alguns como o primeiro romance homossexual na história de toda a literatura ocidental . Bom Crioulo foi recebido com um escandalizado silêncio pela crítica literária e pelo público, devido à ousadia de abordagem de temas tabu, como o sexo interracial e a homossexualidade em ambiente militar, com uma frontalidade e erotismo pouco usuais para a época. (Wikipedia – 11.06.2011 – dados conferidos) EFABULAÇÃ O (prof. Élio) Capítulo 01 º – A narrativa é iniciada (em 3ª. pessoa, narrador onisciente) com o narrador descrevendo uma corveta que singra o mar, apesar de já bastante usada e carcomida pela maresia. Nela, marinheiros cansados do longo tempo sem v er terra ou a família levavam uma vida rotineira e modorrenta, até que foram acordados pelo som estridente do corneteiro convocando-os para uma cerimônia que consistiu no seguinte: o comandante mandou trazer três presos e, depois de fazer ler o código de comportamento do marinheiro, ordenou que o guardião Agostinho (homem temido e desprezado) aplicasse 25 chibatadas costumeiras no grumete (marinheiro jovem) Herculano e depois o mesmo número no moreno gago Sant’Ana.O patético deste cena é que os gritos de dor dos castigados não mais comoviam os marinheiros, tão comuns eram aquelas chibatadas.A motivo da prisão de ambos foi a briga deles de madrugada no convés quando todos estavam dormindo e acordaram: Sant’Ana havia pegado em flagrante o grumete Herculano masturbando- se, o que era uma falta grave. A grande atração do castigo, porém, era o terceiro preso – todos queriam ver o negro “  Amaro, o célebre, o terrível Bom-Crioulo ... um latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cabre, desafiando, com um O BRAS L ITERÁRIAS - UFPR  PROFESSOR: ÉLIO 

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BOM CRIOULO – ROMANCE NATURALISTA -1895

de Adolfo Caminha

Adolfo Ferreira Caminha (Aracati, 29 de maio de 1867 — Rio de Janeiro, 1 de janeiro de1897) foi um escritor   brasileiro, um dosprincipais autores do Naturalismo no Brasil.

Era filho de Raymundo Ferreira dos Santos eMaria Firmina Caminha. Mudou-se para o Rio

de Janeiro, ainda na infância. Em 1883, Adolfoentra para a Marinha de Guerra, chegando ao  posto de segundo-tenente. Cinco anos maistarde, transfere-se para Fortaleza ( 1888  ).  Apaixona-se por Isabel de Paula Barros, aesposa de um alferes, que abandona o marido  para viver com Caminha. O casal teve duasfilhas: Belkiss e Aglaís. Na sequência doescândalo, vê-se obrigado a deixar a Marinhae passa a trabalhar como funcionário público.

A sua primeira obra publicada foi Voos

Incertos (1886), um livro de poesia. Em 1893,Adolfo publica A Normalista, história de Mariado Carmo e Jão da Mata – um caso de incesto? - romance em que traça um quadropessimista da vida urbana de Fortaleza. Usaas suas experiências e observações de umaviagem que havia feito aos Estados Unidos em 1886, para escrever  No País dos Ianques (1894). No ano seguinte provoca escândalo,mas firma sua reputação literária ao escrever Bom Crioulo, abordando a questão dahomossexualidade. Colabora também com aimprensa carioca, em jornais como Gazeta deNotícias e Jornal do Commercio, e funda osemanário, Nova Revista. Já tuberculoso,lança o último romance, Tentação, em 1896.Morre prematuramente no Rio de Janeiro, nodia 1º de janeiro de 1897, aos 29 anos.

Bom Crioulo é um romance de AdolfoCaminha publicado em 1895. É consideradopor alguns como o primeiro romancehomossexual na história de toda a literaturaocidental.

Bom Crioulo foi recebido com umescandalizado silêncio pela crítica literária epelo público, devido à ousadia de abordagem

de temas tabu, como o sexo interracial e ahomossexualidade em ambiente militar, com

uma frontalidade e erotismo pouco usuaispara a época.

(Wikipedia – 11.06.2011 – dados conferidos)

EFABULAÇÃO (prof. Élio)

Capítulo 01º – A narrativa é iniciada (em 3ª.pessoa, narrador onisciente) com o narrador descrevendo uma corveta que singra o mar,apesar de já bastante usada e carcomida pelamaresia. Nela, marinheiros cansados do longotempo sem ver terra ou a família levavam umavida rotineira e modorrenta, até que foramacordados pelo som estridente do corneteiroconvocando-os para uma cerimônia queconsistiu no seguinte: o comandante mandoutrazer três presos e, depois de fazer ler ocódigo de comportamento do marinheiro,ordenou que o guardião Agostinho (homem

temido e desprezado) aplicasse 25 chibatadascostumeiras no grumete (marinheiro jovem)Herculano e depois o mesmo número nomoreno gago Sant’Ana.O patético deste cenaé que os gritos de dor dos castigados nãomais comoviam os marinheiros, tão comunseram aquelas chibatadas.A motivo da prisãode ambos foi a briga deles de madrugada noconvés quando todos estavam dormindo eacordaram: Sant’Ana havia pegado emflagrante o grumete Herculano masturbando-se, o que era uma falta grave. A grande

atração do castigo, porém, era o terceiropreso – todos queriam ver o negro “ Amaro, océlebre, o terrível Bom-Crioulo ... um latagãode negro, muito alto e corpulento, figuracolossal de cabre, desafiando, com um

OBRAS LITERÁRIAS - UFPR PROFESSOR: ÉLIO 

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formidável sistemas de músculo, a morbidez   patológica de toda uma geração decadente eenervada ... era Amaro, gajeiro de proa, oBom-Crioulo, na gíria de bordo.

Com efeito, o Bom-Crioulço não erasomente um homem robusto, uma dessasorganizações privilegiadas que trazem nocorpo a sobranceira resistente e queesmagam com a força dos músculos ... Aforça nervosa era nele uma qualidadeintrínseca sobrepujando todas as outrasfaculdades fisiológicas, emprestando-lhemovimentos extraordinários, invencíveismesmo, de um acrobatismo imprevisto e raro.... Armava-se de navalha, ia para o cais, todotransfigurado, os olhos dardejando fogo, oboné de uma lado, a camisa aberta numdesleixo de louco, e então era um risco, umatemeridade alguém aproximar-se dele. O 

negro parecia uma fera desencarcerada: faziatodo mundo fugir, marinheiros e homens da praia, porque ninguém estava para sofrer umaagressão.” O motivo de Amaro ter sido preso não foi umabriga de rua, qualquer e costumeira. Amarohavia esmurrado impiedosamente ummarinheiro de segunda classe, porque esteousara, sem o consentimento do negro,maltratar o grumete Aleixo, um belo rapaz deolhos azuis, muito querido de todos e dequem se diziam coisas. O Bom-Crioulo se

havia apaixonado pelo loiro, que eracatarinense. Nesse dia de castigo, Amarorecebeu, sem dizer um ai, 150 chibatadas.(aula do prof. Élio)

ADENDO > Revolta da Chibata – 1910

A Marinha Brasileira do final do século XIXe no começo do século XX tinha por normacastigar os marinheiros quetransgredissem o código decomportamento deles em bordo ou em

terra. Por exemplo: prisão em cela de ferro,uso da santa-luzia e mínimo de 25chibatadas. Em novembro de 1910, cercade 2400 marinheiros (a maioria negros emulatos) se revoltaram contra tais castigos – daí a Revolta da Chibata.

No dia 21 de novembro de 1910, o MarinheiroMenezes, por ter trazido cachaça a bordo e ter ferido com uma navalha outro marinheiro queo havia delatado, recebeu, como castigo, 250

chibatadas. No dia 22, revoltados contra oscastigos e liderados pelo marinheiro negroJoão Cândido, os marujos ocuparam o

Encouraçado Minas Gerais e outros navios nabaía da Guanabara. Foi redigida uma carta dereivindicações pelo marujo Francisco DiasMartins, o Mão Negra. Os revoltadosameaçaram bombardear a capital do Brasil(Rio de Janeiro) se o governo não aceitasseas reivindicações dos marujos: melhoressalários, melhor alimentação e fim daschibatadas. Porém, os marinheirospropuseram diálogo.O presidente Hermes da Fonseca e oCongresso cederam aos revoltados os quaisdepuseram as armas, mas foram traídos: ogoverno prendeu muitos na Ilha das Cobras emandou outros tantos para trabalhosforçados no Acre. Na viagem ao Acre, muitosmorreram por maus tratos. Entre os detidosna Ilha das Cobras, 18 foram colocados nacela 05, encravada na rocha. No dia 24 de

dezembro de 1910, foi colocada cal virgem nacela. 24 horas depois, somente João Cândidoe outro marinheiro tinham sobrevivido. O líder foi colocado num hospício, embora tenha sidoanistiado em 1912. João Cândido morreu em1969, abandonado e pobre. Foi o AlmiranteNegro, o mestre sala dos mares, conforme acanção de João Bosco e Aldir Blanc.

No centro,João Cândido, o Almirante Negro

Capítulo 02º. – Amaro, escravo, maltratado,tinha fugido de uma fazenda de café e forapara o Rio de Janeiro. Escondendo-sesempre, acabou sendo aceito, por ser forte,

como trabalhador em navios atracados noporto. Era bom trabalhador, ganhou aconfiança dos oficiais e o apelido de Bom-

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Crioulo. Depois foi engajado na Marinha comogajeiro de proa, uma espécie de fiscal demastro. Logo fez sua primeira viagem ao Sul.Em Florianópolis, embarcou um rapaz denome Aleixo, quinze anos, filho de pescador,loiro e de olhos azuis. No navio, Aleixo eravítima dos olhares maliciosos de oficiais e demarujos. Para proteger-se, tornou-se amigode Amaro, o Bom- Crioulo. Tal amizade “ nascera, de resto, como nascem todas asoutras afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie alguma, no momentofatal em que seus olhos se fitaram pela primeira vez. Esse movimento indefinível queacomete ao mesmo tempo duas naturezas desexos contrários, determinando o desejofisiológico de posse mútua, essa atraçãoanimal que faz o homem escravo da mulher eque em todas as espécies impulsiona o

macho para a fêmea, sentiu-a o Bom-Criouloirresistivelmente ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho.”  Em um primeiro momento, Aleixo sentia medode Amaro e o chamava de Senhor. Depois, oloiro pegou confiança e a amizade correusolta, obviamente sob o olhar gozador dosmarinheiros e dos oficiais (a pederastia nãoera aceita em bordo e qualquer deslize nessesentido motivava severos castigos; mesmoassim, ela acontecia com frequência).

Capítulo 03º. – A amizade entre Amaro eAleixo se intensificou nos longos emonótonos dias de navegação. Aleixo, ogrumete, foi sendo escolado nas lidas debordo pelo negro que cada vez mais oassediava. Entrementes, Aleixo virou omenino bonito de bordo e querido dosmarinheiros e dos oficiais.” E vinha-lhe àimaginação o pequeno com os seus olhinhosazuis, com o seu cabelo alourado, com assuas formas rechonchudas, com o seu todo provocador.

Nas horas de folga, no serviço, chovesse oucaísse fogo em brasa do céu,ninguém lhe tirava da imaginação o petiz: erauma perseguição de todos os instantes, umaidéia fixa e tenaz, um relaxamento da vontadeirresistivelmente dominada pelo desejo deunir-se ao marujo como se ele fora do outrosexo, de possuí-lo, de tê-lo junto a si, de amá- lo, de gozá-lo!...” Numa noite daquelas, os dois dormiram  juntos num canto da escuridão do convés,“Depois de um silêncio cauteloso e rápido,Bom-Crioulo, conchegando-se ao grumete,disse-lhe qualquer coisa no ouvido. Aleixo

conservou-se imóvel, sem respirar. Encolhido,as pálpebras cerrando-se instintivamente desono, ouvindo, com o ouvido pegado aoconvés, o marulhar das ondas na proa, nãoteve ânimo de murmurar uma palavra. Viu  passarem, como em sonho, as mil e uma  promessas de Bom-Crioulo: o quartinho darua da Misericórdia no Rio de Janeiro, osteatros, os passeios...; lembrou-se do castigoque o negro sofrera por sua causa; mas nãodisse nada. Uma sensação de ventura infinitaespalhava-se-lhe em todo o corpo. Começavaa sentir no próprio sangue impulsos nuncaexperimentados, uma como vontade ingênitade ceder aos caprichos do negro, deabandonar-se-lhe para o que ele quisesse —uma vaga distensão dos nervos, um pruridode passividade.— Ande logo! murmurou apressadamente,

voltando-se.E consumou-se o delito contra a natureza.” 

Capítulo 04º. – “Ao pensar nisso Bom-Crioulosentia uma febre extraordinária de erotismo,um Delírio invencível de gozo pederasta...  Agora compreendia nitidamente que só nohomem, no próprio homem, ele podiaencontrar aquilo que debalde procurara nasmulheres.” O navio retornou ao Rio de Janeiro, e os doisnamorados foram hospedar-se na Rua da

Misericórdia, na pensão de Dona Carolina,uma portuguesa gorda, redonda e meio idosa(estava já com seus 40 anos). Dona Carolinaera uma ex-prostituta que havia ganho muitodinheiro quando tinha 20 anos. Uma doençaencheu de feridas o seu belo corpo , e essadoença fez com que ela não mais fosseprocurada por homem algum. Recuperou-se,voltou para Portugal, mas retornou ao Rio deJaneiro onde se amigou com um açougueiro(senhor Brás), que morava no outro lado dacidade. Ambos se encontravam

esporadicamente (o açougueiro era casado),porém o amante fornecia a ela quanta carneverde precisasse e pagava o aluguel dosobrado, que a portuguesa transformou empensão.(aula do prof. Élio)Havia uma relação de amizade entre Amaro ea portuguesa Carolina. Essa amizadecomeçou quando Amaro, o Bom-Crioulo, emuma madrugada carioca, salvou D. Carolinade um assalto a faca. Agradecida, aportuguesa permitia que o marinheir negro sehospedasse na pensão quando não estivesseem bordo.

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Por causa dessa amizade entre o Bom-Criouloe a portuguesa, Amaro e Aleixo se ajeitaramno sótão do sobrado e lá fizeram o ninho deamantes, sob a aprovação de D. Carolinha,tolerante e experiente nesses casos de amor diferente.

Capítulo 05º – Durante meses, os amantesviveram pacificamente e até felizes. Duasvezes por semana os amantes saíam de bordoe vinham para a Rua da Misericórdia. É claroque os oficiais estranhavam a calma e paz doBom-Crioulo, que fora afeiçoado a brigas e abebedeiras constantes, mas eles se diziamque essa calmaria era passageira.Neste capítulo, o narrador demora-se naadoração que o negro Amaro tiha pelo corpobrando do efebo Aleixo: “Uma coisadesgostava o grumete: os caprichos libertinos

do outro. Porque Bom- Crioulo não secontentava em possuí-lo a qualquer hora dodia ou da noite, queria muito mais, obrigava-oa excessos, fazia dele um escravo, uma“mulher à-toa” propondo quantaextravagância lhe vinha à imaginação. Logona primeira noite exigiu que ele ficasse nu,mas nuzinho em pêlo: queria ver o corpo....” (...)

Amaro exigia vê o corpo nu dogrumete.— Veja logo...., murmurou o pequeno,

firmando-se nos pés.Bom-Crioulo ficou extático! A brancura lácteae maciça daquela carne tenra  punha-lhe frêmitos no corpo, abalando-onervosamente de um modo estranho,excitando-o como uma bebida forte, atraindo- o, alvoroçando-lhe o coração. Nunca viraformas de homem tão bem torneadas, braçosassim, quadris rijos e carnudos comoaqueles... Faltavam-lhe os seios para que  Aleixo fosse uma verdadeira mulher!... Quebeleza de pescoço, que delícia de ombros,

que desespero...Dentro do negro rugiam desejos de touro ao pressentir a fêmea...” 

Amaro, Aleixo e D. Carolina formavam umaverdadeira família tão bom era oentrosamento entre eles. E a intimidade dessarelação permitia a ela chamar Aleixo de “ omeu bonitinho”. Os amantes viviam um para ooutro já há um ano e completavam-se de talforma que D. Carolina não se furtava acomentários amigos: “Vocês ainda acabamtendo um filho.” 

No entanto, houve um fato que colocouempecilhos na relação dos dois amantes:transferiram Amaro para outro navio, enorme,um dos maiores do mundo. Transferênciaperigosa, porque os dois amantes ficariammuito tempo distantes um do outro.

Capítulo 06º – Aleixo chegou à Rua daMisericórdia e não encontrou, pela primeiravez, o Bom-Crioulo. Entrou no quarto, deitou-se e começou a sentir-se bem na ausência donegro, a experimentar uma sensação gostosapor estar sozinho, a alimentar certa ojeriza aocheiro e aos jeitos do negro. Tomou banho,vestiu-se de marinheiro e decidiu passear noPasseio Público. A portuguesa Carolina,porém, segurou-o certo tempo, elogiou-lhe abeleza e lhe disse que tinha algo para contar a ele. Apesar de extremamente curioso, o

grumete foi sozinho ao Passeio Público. Navolta dele, D. Carolina, toda impa e cheirosa,convidou-o para ir ao quarto dela. “Há diasmetera-se-lhe na cabeça uma extravagância:conquistar Aleixo, o bonitinho, tomá-lo parasi, tê-lo como amantezinho do seu coraçãoavelhentado e gasto, amigar-se com elesecretamente, dando-lhe tudo quanto fosse preciso: roupa, calçados, almoço e jantar nosdias de folga — dando-lhe tudo enfim.” Na intimidade desse quarto, no qual Alexo  jamais entrara, a portuguesa se disse

apaixonada por ele. Surpreso e tímido, o loironão teve tempo de pensar na nova situação,simplesmente caiu nos gordos braços daquarentona nua e passaram a noite juntos.

Capítulo 07º – Amaro, o Bom-Crioulo, no naviode aço, enchia-se de saudade de Aleixo e deraiva da nova situação. Alimentava profundoódio dos oficiais que o colocaram naquelaembarcação de desconhecidos e de muitoserviço. Num dia qualquer, conseguiu fugir donavio e correu para a Rua da Misericórdia. Ao

chegar à pensão de D. Carolina, foi direto aoquarto à procura do amante, mas não oencontrou. Amaro e D. Carolina conversaramrapidamente, ela se esquivou do marujodizendo-lhe que Aleixo tinha desemgarcadosomente uma vez naquele tempo todo. Amaroengoliu a verdade da portuguesa, deitou-se nosótão e adormeceu. Acordou aos gritos de D.Carolina que dizia já ser tarde para ele. OBom-Crioulo saiu da pensão. Na praçacarregou sozinho um homem doente de gota eo levou ao hospital. Depois, encheu a cara debebida e, cambaleando, foi em direção docais. No caminho, deu de cara com um

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português atarracado, provocaram-se ecaíram em uma luta de bons de briga.Juntaram-se pessoas para apreciar a luta –entre elas, oficiais e marinheiros. Amaro foipreso e arrastado para o navio. (aula do prof.Élio)

Capítulo 08º. – O comandante do couraçado,bela estampa de militar fidalgo, irrepreensível e caprichoso, era o mesmo, aquele mesmo dequem, na frase tosca de Bom-crioulo,“falavam-se coisas...” Uma lenda obscura e vaga levantara-se emtorno do seu nome, transfomando-o numaespécie de Gilles de Rais92 menos pavorosoque o da crônica, cheio de indiferença pelosexo feminino, e cujo ideal genésico93 ele iarebuscar na própria adolescência masculina,entre os de sua classe. Calúnia, talvez,

insinuações de mau gosto.Os marinheiros narravam entre si, por noitesde luar e calmaria, quando nãotinham que fazer, lendas e histórias muitasvezes forjadas ali mesmo no fio daconversa...O comandante, diziam, não gostava de saias,era homem de gênio esquisito, sementusiasmo pela mulher, preferindo viver aseu modo, lá com a sua gente, com os seusmarinheiros...Esse comante mandou que Amaro, o Bom-

Crioulo, fosse amordaçado de ferro e jogadonuma cela também de ferro. No dia seguinte,retiraram-no da cela, e ele recebeu o maior castigo possível: quantas chibaradas fossemnecessárias para deixá-lo quase morto.Aleixo estava de folga e, chegando à Rua daMisericórdia, confirmou a ausência de Amaro.Então, ele e Carola (assim ela gostava de ser chamada) se atracaram em relação sexual decarentes. Carola estava realizado um velhodesejo de mulher gasta: “... possuir umamante novo, mocinho imberbe, com uma

 ponta de ingenuidade a ruborizar-lhe o rosto,um amante quase ideal, que fosse para ela oque um animal de estima fosse para o seudono – leal, sincero, dedicado até o sacrifício.(...) O grumete, por sua vez, experimentava oque experimentaria qualquer adolescente –uma tendência fatal para a portuguesa, umforte desejo de possuí-la sempre, a toda hora,uma vontade irresistível de mordê-la, deapalpá-la num frenesi de gozo, num grandeímpeto selvagem de novilho insaciável.” A verdade é que Carola via no grumete umamulher. As desdrições todas, registradas doponto de vista de Amaro e de Carola, sempre

foram de uma menina ou de um a mulher: “norosto imberbe e liso do grumete .... breve edelicado ... ternura virginal ... brancamelancolia de certas flores .... recolhimentodiscreto de uma educanda ... rosto de mulher .... estatuazinha de mármore.” Toda noite foi um delíro de gozo e sensualidade. D. Carolinacevou o hermafroditismo agudo com beijos,abraços e sucções violentas... “ 

Capítulo 9º. – “Vida triste era a do Bom- Crioulo, agora, no hospital, longe da Rua daMisericórdia e do seu úinico afeto, obrigado aum regime conventual  ...”  O negrointensificava o seu ódio do catarinense aomesmo tempo em que sentia aumentar odesejo de possuir eternamente o rapazinholoiro. “Ele ali se achava no hospital,abandonado e só, gemendo tristezas

inconsoláveis, arrastando os farrapos de suaalma, ganindo — pobre cão sem dono —blasfêmias contra a sorte que o desligara de Aleixo, contra Deus, contra tudo!”

Enquanto cicatrizavam suas feridas, Amaro ia-se alimentado desse ódio e de saudade. Nãoimaginava que Aleixo pudesse estar nosbraços de outro homem. Até que, em umsábado, conseguiu mandar um bilhete ao seuamor loirinho por meio de um menino derecados que havia no hospital (Amaro pedia a

Aleixo que fosse visitá-lo imediatamente nodomingo).

“Meu querido AleixoNão sei o que é feito de ti, não sei o que éfeito do meu bom e carinhoso amigoda rua da Misericórdia. Parece que tudoacabou entre nós.. Eu aqui estou, no hospital, já vai quase um mês, e espero que me venhasconsolar algumas horas com a tua presença.Estou sempre a me lembrar do nossoquartinho... Não faltes. Vem amanhã, que é

domingo.Teu Bom-Crioulo” O bilhete chegou à Rua da Misericórdia e caiunas mãos de D. Carolina, que, após ter lidotodas as linhas, fez daquilo um monte depapeizinhos.  Amaro curtiu a espera durante cada minuto dodomingo, e Aleixo não apareceu no hospital. A partir dessa ausência, o negro teve uma vontadeincontrolável de fugir do hospital e de encontrar, aqualquer custo, o seu amor loiro.

Capítulo 10º. – Aleixo levava uma vidaregalada, ora em bordo, ora em terra. Estavagordo, de músculos desenvolvidos e forte.

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Tornara-se mais bonito. E a portuguesa viviapara ele, amava-o, adorava o loirinho. Ela eracapaz de fazer qualquer loucura pelo “seubonitinho”. No sobrado dela, nada faltava aoAleixo. Ele, porém, não se esquecia de que,numa hora qualquer, Amaro poderia aparecer e estragar, vingativo que era, aquela boa vidadele (de Aleixo). Carola nutria seu medo donegro, ainda mais que recebera e rasgara obilhete dele para Aleixo. Ela vivia de portasfechadas e de sobressaltos.

Captulo 11 – “Um desespero surdo, umdesespero incrível, aumentado por acidentes  patológicos, fomentado por uma espécie delepra contagiosa que brotara, rápido, em seucorpo, onde sangravam ainda,obstinadamente, lívidas marcas do castigo –um desespero fantástico enchia o coração

amargurado do Bom-Crioulo.” De repenteAmaro colocou a culpa de todo o castigo querecebeu no loiro Aleixo. “Então é que tinharaiva de Aleixo, então é que se revoltavacontra o grumete, o causador de todos osseus males. Naquele estado aflitivo dedesespero de corpo e de alma ia-se-lhe arazão. O Bom-Crioulo só tinha uma ideia:vingar-se do efebo, persegui-lo até a morte,aniquilá-lo para sempre.”   Amaro, emmomento algum, imaginara Aleixo nos braçosde uma mulher. As raivas contra o loiro era

imaginá-lo com outro homem. Foi quandoHerculano, em uma visita ao hospital damarinha onde Amaro fora internado, contouao negro que Aleixo estava amigado com umarapariga. O ódio de Amaro tornou-sesuperlativo e ele acabou fugindo do hospitalpara ir atrás do loiro, afinal o Bom – Crioulonão aceitava, jamais, infidelidade – ele era oúnico marido do Aleixo.

Capítulo 12 – Amaro chegou à Rua daMisericórdia, mas encontrou fechada a porta

do sobrado. Dirigiu-se, então, à PadariaLusitana, em frente do sobrado e,conversando com o português padeiro, soubeque D. Carolina e Aleixo estavam amigados,etc.. Pouco tempo depois, Aleixo saiu dosobrado e Amaro o seguiu. Amaro, o Bom-Crioulo, matou o Aleixo como o seu sangue eo seu ódio tinham determinado.Aleixo foi morto por navalhadas no meio demuitos curiosos que estranhavam doismarinheiros, um negro e um branco,praticamente abraçados. Outros doismarinheiros levaram o corpo ensanguentado

de Aleixo estendido num lençol. Do sobrado,quando Carola viu o seu amor morto, gritou“Jesus!Meu Deus.”  Os curiosos, não tendomais o cadáver para apreciar, espalharam-se.Ninguém se importou com o destino do negro,que foi levado por baionetas.

Considerações a serem feitas em aula

- o primeiro romance nacional sobre asminorias sexuais.- tema escandaloso para a época: amor homossexual (na época – pederasta) queresultaria em assassinato- a roupa do Amaro e do Aleixo: a farda daMarinha Brasileira- o romance deriva de elementosautobiográficos, uma vez que AdolfoCaminha, o autor, foi oficial da Marinha no

Ceará.- a linguagem naturalista- o negro e o branco- Amaro teve dois “amores” femininos, mas ....- o instinto e o sentimento- a zoomorfização do ser humano- o animal e o racional- o narrador é imparcial?- a condição e a transformação de Amaro- Como o negro vê o Aleixo?- o estranho triângulo amoroso em que amulher desestabiliza da relação de dois

homens- a história de homossexualidade é o vetor dotexto, mas certamente a razão do livro énaturalista: até que ponto somos livros paradecidir nosso destino?

EM TEMPO: Às críticas negativas sobre o livroBOM CRIOULO,Adolfo Caminha respondeuno artigo Um livro condenado na revistaliterária A Nova Revista, vol. 2, Rio de Janeiro,fevereiro de 1896. Ele diz de "um verdadeiroescândalo ou ato inquisitorial da crítica, talvez 

o maior escândalo do ano passado". Utiliza ali a palavra homossexualismo, quando ataca ahipocrisia dos que elogiavam Flaubert, Zola,Maupassant, Eça de Queiroz, mascondenavam Bom-Crioulo. É outro bomexemplo de sua estratégia: "Qual é mais pernicioso: o Bom-Crioulo em que se estuda econdena o homossexualismo, ou essas páginas que andam pregando por aí, em tomfilosófico, a dissolução da família, oconcubinato, o amor livre e toda espécie deimoralidade social?"