bourdieu y los estudios organizacionales

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    Implicaes do Uso das Formulaes sobre Campode Poder e Ao de Bourdieu nos EstudosOrganizacionais

    Maria Ceci A. Misoczky

    RESUMO

    Este ensaio revisa as formulaes de Bourdieu, com nfase na concepo de campo social como

    configurao da distribuio desigual de diferentes tipos de capital (formas de poder), como umcampo de foras e de lutas construdo pela ao de agentes que se enfrentam, com meios e finsdiferenciados, conforme suas posies relativas em espaos de relaes. A seguir se realiza umareviso crtica da perspectiva institucionalista e de como a concepo de campo foi nela incorpora-da. Esta escolha se deve constatao de que esta perspectiva a mais influente na rea da sociologiaorganizacional. Acredita-se que as formulaes de Bourdieu podem propiciar outro olhar sobre otema da ao social e da mudana. Neste sentido, so exploradas algumas implicaes do uso dasformulaes de Bourdieu em estudos organizacionais.

    Palavras-chaves: campo organizacional; espao social; campo; poder.

    ABSTRACT

    This essay reviews Bourdieus conceptions, emphasizing the notion of social fields as a result ofunequal distribution of different types of capital (types of power), as a field of forces and struggles,according to the relative positions in a relational space. Follows a critical review of the institutionalperspective and how the notion of field was incorporated. We believe that Bourdieus conceptionsmay offer another look at the issue of social action and change. In this sense, some implications ofusing Bourdieus conceptions in organizational studies are explored.

    Key words: organizational fields; social space; field; power.

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    Maria Ceci A. Misoczky

    INTRODUO

    O predomnio das abordagens sistmicas tem representado para os estudosorganizacionais, uma dificuldade em compreender processos socialmenteconstrudos e, em grande medida, processos de mudana. A ao abordada,seguindo a tradio da sociologia da ao de Parsons (1968), tendo como refe-rncia processos de mudana em que esta vista como problema que se colocapara um conjunto pr-existente, que s pode ser resolvido mediante a integraodos elementos novos a este conjunto. Assim a mudana pode implicar tanto au-

    mento quantitativo da magnitude do sistema [quanto] mudana qualitativa [ou]diferenciao estrutural e desenvolvimento simultneo de modelos e mecanis-mos que integram ou unificam as partes diferenciadas (Parsons, 1968, p.84).Desse modo, o foco se dirige para a relao entre o ator e o objeto de sua ao(Ricoeur, 1988).

    O ponto de partida da teoria sistmica est na premissa de que a natureza darealidade social um conjunto de fenmenos materiais ou de idias, crenas ehbitos externos ao comportamento dos indivduos. Esta abordagem tem sido

    amplamente utilizada para determinar o substrato social (as condies, as situa-es, os contextos, os padres de comportamento) por meio dos quais os atoressociais vivenciam e interagem. Mas este tipo de anlise no nos diz como osatores compreendem este substrato, como percebem o papel dos outros e comomoldam seus comportamentos em conformidade com o que interpretam (Alves,1995). Tambm no permite que se compreenda como ocorrem processos detransformao intencional, ou seja, como a ao interativa dos atores sociaisdotados de vontade (ainda que limitados por fatores estruturais) provocam mu-danas.

    A influncia de Berger e Luckmann (1999), assim como a de Giddens (1989),tem contribudo para problematizar a relao estrutura-agncia nos estudosorganizacionais; no entanto a influncia dos primeiros, alm de conter em si pr-pria a limitao de ser uma abordagem da preservao e reproduo de padresinstitucionalizados, em que a mudana uma variao ao longo do tempo, queocorre somente quando as instituies se tornam problemticas (de novo areferncia sistmica), tem sido bastante marginal, como se ver mais adiante.Encontram-se novamente limitaes s formulaes de Giddens (1989), como aapontada por Clegg (1990), segundo a qual a noo de dualidade da estruturapromete mais do que cumpre; dualidade permanece firmemente ligada ao ladoindividualista e voluntarista do dualismo, j que os argumentos centrais contra a

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    perspectiva estrutural, que se vinculam aos momentos coletivos e objetivos darealidade social, no so considerados. Do mesmo modo, Giddens (1989) pareceno perceber a necessidade de alguma noo de estrutura objetiva para uma

    resoluo coerente da problemtica agente-estrutura. como se os agentes atu-assem em situao ideal, no constituda a partir de interesses. Alm disto, esteautor incorpora a concepo parsoniana do poder como a capacidade de atingirresultados, como meio, ignorando que a obteno de recursos de poder pode sertambm um fim.

    Este ensaio revisa as formulaes de Bourdieu, com nfase na concepo decampo social como configurao da distribuio desigual de diferentes tipos decapital (formas de poder), como campo de foras e de lutas, construdo pela ao

    de agentes que se enfrentam, com meios e fins diferenciados, conforme suasposies relativas em espaos de relaes. A seguir se realiza uma reviso crti-ca da perspectiva institucionalista e de como a concepo de campo foi nelaincorporada.

    Acredita-se que as formulaes de Bourdieu podem propiciar outro olhar sobreo tema da ao social e da mudana, e que este outro olhar pode propiciar dife-rente compreenso dos fenmenos organizacionais. Como afirma Gadamer (1997,p.444), compreender no compreender melhor, nem saber mais, no sentidoobjetivo, em virtude de conceitos mais claros [...] Bastaria dizer que, quando selogra compreender, compreende-se de um modo diferente.

    CAMPO DE PODER E AO EM BOURDIEU

    Bourdieu (1996a) desenvolve uma filosofia da ao cujo ponto central a rela-o, de mo dupla, entre as estruturas objetivas (dos campos sociais) e as estrutu-

    ras incorporadas (do habitus). Preocupa-se, portanto, com as relaes, e no comrealidades fenomnicas nas quais elas se manifestam. Ope-se tanto nfaseantropolgica na linguagem quanto ao estruturalismo, recusando-se a reduzir osagentes (eminentemente ativos e atuantes) a simples fenmenos da estrutura.

    Apesar da aparente semelhana com a teoria da estruturao, no corretoincluir Bourdieu entre seus proponentes. Bourdieu antecipa Giddens em mais deuma dcada no tratamento da oposio entre objetivismo e subjetivismo, queforma o centro do seu projeto. Alm disto, enquanto o primeiro tem tido semprea inteno de enfrentar novos objetos empricos e pouco interesse no refinamen-to terico, o segundo est centralmente preocupado com temas de ontologia so-cial e conceituao (Wacquant, 1992).

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    Ao caracterizar seu trabalho, Bourdieu (1990, p.149) escolheu o termoconstrucionismo estruturalista, tendo, logo em seguida, acrescentado a desig-nao inversa - estruturalismo construcionista, expressando a articulao dialtica

    entre objetivismo e subjetivismo na sua teoria, ou seja, a articulao dialticaentre estruturas mentais e sociais.

    Por estruturalismo ou estruturalista, quero dizer que existem, no prpriomundo social e no apenas nos sistemas simblicos - linguagem, mito,etc., estruturas objetivas, independentes da conscincia e da vontade dosagentes, as quais so capazes de orientar ou coagir suas prticas e repre-sentaes. Por construcionismo, quero dizer que h, de um lado, umagnese social dos esquemas de percepo, pensamento e ao que so

    constitutivos do que chamo de habitus e, de outro, das estruturas sociais,em particular do que chamo de campos e grupo, e particularmente do quese costuma chamar de classes sociais (Bourdieu, 1990, p.149).

    Bourdieu (1996a) prope a substituio da lgica de classes pela de espaosocial. O autor reconhece a sua contribuio para o trabalho poltico, mas consi-dera que as classes existem no espao social, ainda que em estado virtual, nocomo um dado, mas como algo que se trata de fazer (Bourdieu, 1996a, p.24).Assim falar de espao social como espao de diferenas que contm o princpiode apreenso relacional do mundo social, resolver, fazendo-o desaparecer, oproblema da existncia ou no das classes, sem negar o essencial do que osdefensores da noo acreditam afirmar atravs dela, isto , diferenciao social,que pode gerar antagonismos individuais e, s vezes, enfrentamentos coletivosentre os agentes situados em posies diferentes no espao social (Bourdieu,1996a, p.49).

    Toda a realidade que o espao social designa reside na exterioridade mtua doselementos que a compem. Os seres que so diretamente visveis, aparentes,tanto em nvel individual quanto de grupos, existem e subsistem enquanto ocupam

    posies relativas em espaos de relaes que, ainda que invisveis e difceis deexpressar empiricamente, se constituem na realidade primeira e ltima, j quecomandam at as representaes que os agentes sociais podem ter deles.

    Se o mundo social, com suas divises, algo que os agentes sociais tma fazer, a construir, individual e sobretudo coletivamente, na cooperaoe no conflito, resta que estas construes no se do no vazio social [...]a posio ocupada no espao social, isto , na estrutura de distribuio dediferentes tipos de capital, que tambm so armas, comanda as represen-

    taes desse espao e as tomadas de posio nas lutas para conserv-loou transform-lo (Bourdieu, 1996a, p.27).

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    Assim os espaos sociais s podem ser compreendidos pela identificao doprincpio gerador que funda essas diferenas na objetividade - a estrutura dedistribuio de formas de poder (tipos de capital), eficientes no universo social

    considerado, e que variam, portanto, de acordo com lugares e momentos.

    A topologia que descreve um estado de posies sociais permite fundaruma anlise dinmica da conservao e da transformao da estruturade distribuio das propriedades ativas e, assim, do espao social. issoque acredito expressar quando descrevo o espao social global como umcampo, isto , ao mesmo tempo, como um campo de foras, cuja neces-sidade se impe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e comoum campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com

    meios e fins diferenciados conforme sua posio na estrutura do campode foras, contribuindo assim para a conservao ou transformao daestrutura (Bourdieu, 1996a, p.50).

    Os diversos campos, mundos sociais relativamente autnomos, exigem daque-les que nele esto envolvidos um saber prtico das leis de funcionamento dessesuniversos, isto , um habitus adquirido pela socializao prvia e/ou por aquelaque praticada no prprio campo. Os campos mais altamente especializadossupem e exigem um saber prtico das leis tcitas do seu funcionamento; ou seja,o habitus um corpo socializado, corpo estruturante, corpo que incorporou as

    estruturas (oriundas do trabalho histrico de geraes sucessivas) imanentes deum mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepo como a ao nessemundo (Bourdieu, 1996b).

    importante destacar que os conceitos de habitus e de campo designam fei-xes de relaes. Um campo composto por um conjunto de relaes histricas eobjetivas ancoradas em certas formas de poder (tipos de capital), enquanto ohabitus composto por um conjunto de relaes histricas depositadas dentrodos corpos individuais sob a forma de esquemas mentais e corporais de percep-

    o, compreenso e ao (Wacquant, 1992).Nestes termos, a noo de sociedade substituda pela de campo e de espao

    social. Cada campo prescreve seus valores particulares e possui seus prpriosprincpios regulativos. Bourdieu (1990) no se satisfaz com a existncia de re-gras e regularidades. Para ele o jogo social regrado, lugar de regularidades,mas no segue regras constantes. Para construir um modelo de jogo que noseja nem o simples registro de normas explcitas, nem o enunciado de regularida-des, mas que integre uma e outras, preciso refletir sobre os modos de existnciadiferentes dos princpios de regulao e regularidades das prticas: h, natural-mente, o habitus, essa disposio regrada para gerar condutas regradas e regu-lares, margem de qualquer referncia s regras (Bourdieu, 1990, p.83-84).

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    Os princpios delimitam um espao socialmente estruturado em que agenteslutam, dependendo das posies que ocupam no campo, seja para mudar, sejapara preservar seus limites e forma. A questo do limite do campo difcil, sim-

    plesmente porque ele sempre objeto de disputa no prprio campo. Os partici-pantes do campo trabalham, constantemente, para se diferenciar dos seus rivaismais prximos, para reduzir a competio e estabelecer um monoplio sobre umsubsetor particular do campo. Assim os esforos constantes dos membros docampo para impor critrios de competio e de pertena, podem ser mais oumenos bem sucedidos, dependendo de conjunturas particulares; portanto os limi-tes do campo s podem ser determinados de modo emprico e em cada situao(Bourdieu e Wacquant, 1992).

    Segundo Wacquant (1992) duas propriedades so centrais a esta abordagem.. Um campo um sistema padronizado de foras objetivas, uma configurao

    relacional dotada de gravidade especfica, imposta a todos os objetos e agentesque entram nele. Como um prisma, refrata foras externas de acordo com aestrutura interna. A base de transcendncia, revelada por casos de inverso deinteno, de efeitos objetivos e coletivos de ao acumulada, a estrutura do

    jogo, e no um simples efeito de agregao mecnica.

    . Um campo simultaneamente espao de conflito e competio, campo de

    batalha em que os participantes visam a ter o monoplio sobre os tipos decapital efetivos, e sobre o poder de decretar hierarquias e uma taxa de con-verso entre todos os tipos de autoridade no campo do poder. No desenrolardas batalhas, a forma e as divises do campo se tornam o objetivo central,porque alterar a distribuio e peso relativo dos tipos de capital (das formas depoder) fundamental para modificar a estrutura do campo.

    Os campos sociais, por sua vez, esto contidos em um espao social global, que campo de foras e de lutas, campo de poder e simultaneamente se constituem

    em campos de poder, onde tipos de capital pertinentes e valorizados existem emdeterminadas estruturas de distribuio e so objeto de disputa. Em cada mo-mento, o que define a estrutura do campo o estado das relaes de fora entreos jogadores (Bourdieu e Wacquant, 1992, p.99).

    O campo de poder o espao de relaes de fora entre os diferentes tipos decapital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de umdos diferentes tipos de capital [para conseguir dominar o campo correspondentee cujas] lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos decapital posto em questo (Bourdieu, 1996a, p.50). Portanto a categoria centralpara compreender as relaes entre agentes dentro dos campos sociais, assimcomo as relaes de interdependncia entre os diversos campos sociais e deles

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    com o campo de poder exatamente o poder e sua reproduo. Como nenhumpoder pode satisfazer-se simplesmente com existir enquanto poder, isto , comofora bruta inteiramente despida de justificao, preciso justificar a sua exis-

    tncia ou, pelo menos, assegurar que a sua natureza arbitrria no seja reconhe-cida. Para isso, faz-se necessrio, dentro de cada campo social e no campo dopoder, um princpio de legitimidade legitimado e, inseparavelmente, um modo leg-timo de reproduo das bases da dominao (Bourdieu, 1996b).

    O campo do poder um campo de foras estruturalmente determinadopelo estado das relaes de poder entre tipos de poder, ou diferentes tiposde capital. Tambm , de modo inseparvel, um campo de lutas de poderentre os detentores de diferentes formas de poder, um espao de jogo em

    que aqueles agentes e instituies possuidores de suficiente capital espe-cfico so capazes de ocupar posies dominantes dentro de seus cam-pos respectivos, e confrontar os demais utilizando estratgias voltadaspara preservar ou transformar as relaes de poder.

    Os tipos diferentes de capital so tipos especficos de poder que soativos em um ou outro campo (de foras e lutas), gerados no processo dediferenciao e autonomizao. Dentro destes diferentes espaos de jogosurgem tipos caractersticos de capital que so, simultaneamente,instrumentos e objetos de disputa (Bourdieu, 1996b, p.265).

    Dessa luta entre os agentes envolvidos em cada campo resultam processos deacumulao ou de transformao. Os agentes podem atuar para aumentar ouconservar seu capital (poder), em conformidade com as regras tcitas do jogo ecom os pr-requisitos da sua reproduo; mas eles tambm podem transform-lo, parcial ou completamente, pela mudana das regras imanentes do jogo, pormeio de estratgias que mudam, por exemplo, o valor dos diferentes tipos decapital - a taxa de converso (Bourdieu e Wacquant, 1992).

    As lutas inerentes aos campos sociais e a conseqente mobilizao dos tipos decapital (de poder) ocorrem pela existncia de interesses em jogo. Ter interesse estar em, participar, admitir que o jogo merece ser jogado e que os alvosenvolvidos merecem ser perseguidos. Os interesses so socialmente constitudose apenas existem na relao com um espao social no interior do qual certascoisas so importantes e outras so indiferentes para os agentes socializados,constitudos de maneira a criar diferenas correspondentes s diferenas objeti-vas nesse campo. Ao mesmo tempo, querer fazer parte das mudanas na estru-tura de poder em um campo, ter em comum com os oponentes a concordnciacom o fato de que vale a pena lutar a respeito das coisas que esto em jogo no

    campo (Bourdieu, 1996a, p.141).

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    Estas lutas, disputas de interesse no jogo em um campo, no ocorrem pela aosem sentido de agentes sociais, o que no significa supor que eles sejam racio-nais, que tm razo para agir como agem e que suas aes sejam dirigidas por

    essas razes. Eles podem ter condutas razoveis sem serem racionais, podemter condutas s quais podemos dar razo, como dizem os clssicos, a partir dahistria da racionalidade, sem que essas condutas tenham tido a razo comoprincpio (Bourdieu, 1996a, p.138).

    reduo ao clculo consciente o autor ope a relao de cumplicidade infra-consciente entre o agente e o mundo social, entre o habitus e o campo.

    Os agentes sociais que tm o sentido do jogo, que incorporam uma ca-

    deia de esquemas prticos de percepo e de apreciao que funcionam,seja como instrumentos de construo da realidade, seja como princpiosde viso e de diviso do universo no qual eles se movem, no tm neces-sidade de colocar como fins os objetivos de sua prtica. Eles no sosujeitos diante de um objeto (ou, menos ainda, diante de um problema,que ser constitudo como tal por um ato intelectual de conhecimento;eles esto, como se diz, envolvidos em seus afazeres, eles esto presen-tes no por vir, no a fazer, no afazer, correlato imediato da prtica (prxis)que no posto como objeto do pensar, como possvel visado em umprojeto, mas inscrito no presente do jogo (Bourdieu, 1996a, p.143).

    relao com o futuro, com o projeto que coloca o futuro como futuro, isto ,como possvel constitudo, o autor ope a antecipao pr-perceptiva, como rela-o com um futuro que quase presente; ou seja, as antecipaes pr-perceptivasso uma espcie de induo prtica fundada na experincia anterior, no sendodadas a um sujeito em estado puro, mas sendo criadas pelo habitus no sentido do

    jogo. As estratgias tambm dependem do estado da problemtica, isto , doespao de probabilidades herdado de lutas anteriores, que tende a definir o espa-o de tomadas de posio possveis e a orientar a busca de solues.

    Finalmente, a anlise em termos de campo envolve trs momentos necessriose internamente conectados (Bourdieu e Wacquant, 1992): (1) analisar a posiodo campo em relao ao campo de poder; (2) mapear as estruturas objetivas dasrelaes entre as posies ocupadas pelos agentes ou instituies que competempela forma de legitimidade da autoridade especfica em cada campo; e (3) anali-sar o habitus dos agentes, os diferentes sistemas de disposies que foram ad-quiridos pela internalizao de determinados tipos de condies sociais e econ-micas e que encontram, dentro do campo em estudo, em uma trajetria definida,

    condies mais ou menos favorveis para se concretizarem.Entre as importantes contribuies das formulaes de Bourdieu pode-se des-

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    tacar a de permitir o desvendamento de mecanismos profundos de poder; a idiada autonomia relativa dos campos sociais em relao ao campo de poder (ouseja, a no determinao da superestrutura), a idia de que a histria do campo

    a que se faz por meio da luta entre os concorrentes no seu interior; a possibilidadede identificar as posies relativas que os agentes ocupam, a partir da viso docampo como espao de relaes de poder, onde pode estar presente a refernciaaos plos opostos do dominante e do dominado; a possibilidade de estudar asestratgias dos agentes que compem o campo e nele tm interesses em disputa,mobilizando tipos de capital (recursos de poder) nesta disputa.

    ESTRUTURA E AO NA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL

    Hirsch e Lounsbury (1997) localizam a teoria institucional como sendo a pers-pectiva, dentro dos estudos organizacionais, em que se concentra o debate entreos que defendem a nfase na ao e os que defendem a nfase na estrutura.

    DiMaggio e Powell (1991a), ao apresentarem o novo institucionalismo emtermos de oposio ao velho, descrevem o velho como vinculado perspec-tiva da ao, com foco em dinmicas, mudana, construo social e valores e,

    em contradio, o novo como vinculado escola estruturalista, com foco naestabilidade, em resultados, na dominao e continuidade do ambiente.

    No entanto, ao olhar-se mais atentamente a teoria da ao presente no velhoinstitucionalismo, encontra-se no seu centro o funcionalismo e Parsons e, emconseqncia, a abordagem de mudana como algo funcional estabilidade; ouseja, defende-se que esta contradio falsa, na medida em que velho e novoesto vinculados a modelos positivos e funcionais de pensamento.

    No estudo clssico que analisa a origem e desenvolvimento da Tennessee ValleyAuthority, Selznick (1966) aborda como os objetivos formais da organizao solimitados e mesmo modificados, pelas influncias irracionais decorrentes dos gru-pos informais, de conflitos entre grupos, das polticas de recrutamento, da depen-dncia de grupos externos, dos valores e da estrutura de poder da comunidadeem que se encontram, da legislao pertinente, da luta por prestgio. Nesse pro-cesso, a organizao apanhada em uma rede de relaes que a impede deatingir suas metas, que subverte seus valores, que a fora a desenvolver meca-nismos adaptativos. Um destes mecanismos a ideologia, que serve para infun-dir valor, promover a comunicao interna, desenvolver a unidade ehomogeneidade, propiciar a consistncia entre os valores da comunidade externae dos membros internos. Outro mecanismo a cooptao, a acomodao das

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    necessidades da organizao aos interesses externos. Resulta desse processoadaptativo uma viso da organizao como autnoma e da mudana como evolu-o. As pessoas, por sua vez, no so capazes de ao autnoma, portadora de

    significado, cabendo organizao, com metas e estrutura, representar a moralcomum e o padro normativo da sociedade.

    A influncia de Parsons se reflete em vrios aspectos: nfase na cognio e namotivao do comportamento organizacional; poder que existe ou sobrevive so-mente se legitimado pela sociedade, o que confere um manto de moralidadepara a organizao (Perrow, 1986); foco na ordem e na reproduo; mudanacomo processo evolutivo; vnculo entre normas do ambiente e estruturaorganizacional (Colignon, 1997).

    O novo institucionalismo, por sua vez, sugere que as preferncias individuais ecategorias bsicas de pensamento, como self, ao social, Estado e cidadania somoldados por foras institucionais; enfatiza os modos como a ao estruturada ea ordem tornada possvel mediante sistemas de regras compartilhados, que tantolimitam a inclinao e capacidade dos atores para otimizar, quanto privilegiam al-guns grupos, cujos interesses esto segmentados por prmios e sanes.

    DiMaggio e Powell (1991a, p.35) esclarecem que utilizam o termo aoreferindo-se a comportamento social, enfatizando seu afastamento do

    reducionismo ao individual e ao racional. No entanto, ao igualarem ao acomportamento social, enfatizam aspectos reativos em detrimento da aoestratgica, de carter intencional. Esta concepo de ao, somada nfase noambiente, leva a que seu trabalho mais referido (DiMaggio e Powell, 1991b) sejafreqentemente criticado por envolver excessivo determinismo do ambiente.

    DiMaggio e Powell (1991b) mudam o nvel de anlise, que deixa de ser a orga-nizao (como em Selznick) e passa a ser o setor ou campo organizacional, con-cepo que deriva das formulaes de Bourdieu.

    Por campo organizacional queremos representar aquelas organizaesque, em um agregado, constituem uma rea reconhecida de vidaorganizacional: fornecedores chaves, consumidores e produtores de re-cursos, agncias reguladoras, e outras organizaes que produzem servi-os ou produtos similares. A virtude desta unidade de anlise que eladirige nossa ateno no apenas para firmas em competio, como faz aabordagem da populao [...], ou para redes de organizaes em interaoreal, como faz a abordagem da rede interorganizacional [...], mas para atotalidade dos atores relevantes. Ao faz-lo, a idia de campo corresponde importncia tanto da conexo quanto da equivalncia estrutural(DiMaggio e Powell, 1991b, p. 64-65).

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    Wacquant (1992) reconhece que, embora um nmero selecionado de conceitostenha sido utilizado de modo proveitoso por autores norte-americanos em algu-mas reas especficas de pesquisa, a obra de Bourdieu, enquanto conjunto articu-

    lado, tem sido amplamente mal compreendida. Em decorrncia, existe uma vari-edade confusa de interpretaes, de crticas e de reaes contraditrias. Acredi-ta-se que este caso dos autores aqui abordados, que empobrecem a formulaooriginal da noo de campo, transformando o poder, de categoria central, emfantasma que se deduz estar presente por trs de relaes de dominao ou dasrelaes entre as organizaes presentes no campo, j que a sua presena, en-quanto categoria estruturante do campo, no est explcita. Segundo Colignon(1997) o conceito de campo perde o sentido de conflito, sendo definido em ter-mos funcionais como normativamente integrado, e tendo homogeneidade e

    interdependncia como categorias operativas; ou seja, como em Parsons, o po-der torna-se uma propriedade sistmica.

    Assim em DiMaggio e Powell (1991a) o campo organizacional um sistemacultural composto por valores mutuamente consistentes, crenas, smbolos, cate-gorias cognitivas e outros elementos, que define o espao da racionalidade, oespao para a ao, para a institucionalizao. A estrutura de um campoorganizacional s pode, para estes autores, ser definida com base na pesquisaemprica (nisto coincidindo integralmente com Bourdieu). O processo de

    estruturao (seguindo a influncia de Giddens [1989]) precede o deinstitucionalizao, representando o momento da interao de instituies sociaise ao social.

    Como os campos s existem na medida em que so institucionalizados, preci-so compreender o processo de institucionalizao, que consiste em quatro partes:aumento na interao de organizaes no campo; emergncia de estruturasinterorganizacionais de dominao e de padres de coalizo claramente defini-dos; aumento na carga de informao; desenvolvimento de mtua ateno entreos participantes. Uma vez que as organizaes esto estruturadas em um campo

    real, emergem foras que as levam a se tornar similares umas s outras. Orga-nizaes podem mudar suas metas ou desenvolver novas prticas, e novas orga-nizaes podem entrar no campo. Mas, no longo prazo, atores organizacionais,tomando decises racionais, constroem em torno de si um ambiente que limita asua habilidade para a mudana ao longo dos anos (DiMaggio e Powell, 1991b,p.65).

    A nfase no na relao entre agentes, que tendem a perder importncia, atquase o desaparecimento. Na medida em que o campo se estrutura, se

    institucionaliza, ganha estabilidade, a ao se torna cada vez mais adaptativa,reativa s presses do ambiente. Organizaes em um campo estruturado [...]

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    respondem a um ambiente que consiste em outras organizaes, respondendo aoseu ambiente, que consiste em organizaes respondendo a um ambiente de res-postas de organizaes (DiMaggio e Powell, 1991b, p.65). Ou seja, desaparece

    a possibilidade da ao estratgica.

    Na melhor aproximao das formulaes de Bourdieu, DiMaggio (1991) buscacompreender de onde os campos se originam, estudando a estruturao do cam-po organizacional dos museus de arte enquanto projeto profissional. Aqui estpresente o agente estratgico, no caso representado pelas profisses, e uma idiade competio, de disputa pela estruturao do campo; no entanto o prprio usoda categoria profisso contradiz a forma recomendada por Bourdieu (1998) paraa definio do objeto de pesquisa. Este autor critica o uso da categoria profisso,

    afirmando que ela , em si mesma, o produto de todo um trabalho de construode um grupo e de uma representao de grupos, que se insinuou docemente nomundo social (Bourdieu, 1998, p. 40). Ao refletir sobre o conceito de profisso,Bourdieu pergunta se este no se refere, na verdade, a um campo. Esta pequenaobservao serve para apontar a distncia entre a complexidade da anlise pro-posta por ele e o modo singelo como viajou at o campo dos estudos organizacionaisna perspectiva institucionalista.

    Ainda no artigo acima mencionado, DiMaggio (1991) conclui que as estruturasdo campo que emergiram fora do limite de qualquer museu particular, formam um

    ambiente construdo profissionalmente, sendo o espao de muitos atoresorganizacionais que desejavam mudana na estrutura e misso dos museus. Aindaassim, mesmo enfatizando que a estruturao do campo foi o espao para que ostrabalhadores dos museus aumentassem a sua prpria autoridade, no se conseguever a configurao resultante como expresso de uma luta de poder que, se supe,ocorreu. Neste caso pode-se dizer que o conceito de profisso serviu para encobrire homogeneizar os interesses conflitantes entre os atores envolvidos.

    Em outro artigo, DiMaggio (1988) j havia tentado encontrar espao para a

    ao estratgica, introduzindo a figura dos empreendedores institucionais comoagentes que tm interesse em estruturas institucionais especficas e que coman-dam recursos que podem ser aplicados para apoiar as instituies existentes oupara a criao de novas instituies. Os scripts se tornam objeto de considera-es estratgicas e sua estabilidade somente reflete a falta de recursos do ladodos agentes que podem ter interesse na sua alterao. No entanto, segundo Beckert(1999), no fica claro como se conciliaria a existncia de scripts com a possibili-dade de ao intencional, alm de haver um vis elitista na concepo do empre-endedor institucional.

    Nestes dois artigos, ao e instituio esto analiticamente separados. A fasede estruturao aquela em que se pode focalizar a agncia. Com a fase de

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    institucionalizao, o foco passa para a instituio, desaparecendo o papel daagncia. Assim a variao s apareceria na fase inicial de desenvolvimento deum campo (estruturao). Nas fases seguintes (de institucionalizao) passam a

    existir mecanismos que levam a um processo de homogeneizao, de isomorfismo,que fora certa unidade em uma populao para se parecer com outras unidadesque esto sujeitas as mesmas condies ambientais, e que competem no apenaspor recursos e consumidores, mas tambm por poder e letigitimidade institucional,por adequao econmica e social (DiMaggio e Powell, 1991b). Para Colignon(1997) estes mecanismos representam, para os novos institucionalistas, o mesmoque socializao e controle social representavam para os velhos.

    Neste momento til retomar alguns aspectos das formulaes de Parsons, na

    medida em que se defende que a sua influncia muito maior do que o ponto deafastamento. Este ltimo se refere crtica feita por DiMaggio e Powell (1991a),de que a soluo encontrada por Parsons para a sua teoria geral da ao incompleta por trs motivos: (1) nfase excessiva nos aspectos valorativos dacultura e orientao da ao, quase excluindo aspectos cognitivos; (2) tratamen-to da ao como se fosse produto de agentes racionais; (3) superao da com-preenso da consistncia intersubjetiva pelos desenvolvimentos da psicologia.Assim os autores afastam-se da preocupao de Parsons com os aspectos declculo racional da cognio, para focalizar como processos pr-conscientes e

    esquemas entram na rotina, em comportamentos no questionveis (atividadeprtica), e nas dimenses valorativa e afetiva da ao como intimamente ligadase, em grande medida, subordinadas cognio.

    Embora os autores no expressem o que incorporam das formulaes deParsons, considera-se que ele fornece a principal referncia, sendo quase um fiocondutor para o desenvolvimento de alguns pontos-chaves. Em nota no fim dotexto, em que mencionam a sugesto de Jeffrey Alexander de que a viso deParsons de valores e normas muito mais consistente com a imagem de scripts,regras e classificaes que o reconhecido pelos institucionalistas, e de que Parsons

    antecipou muito da teoria da ao prtica, DiMaggio e Powell (1991a) apenasreconhecem que a crtica parsoniana ao utilitarismo, a sua viso de autonomiaanaltica de nveis de anlise e a sua preocupao com a orientao dos atoresso precursoras das abordagens contemporneas que discutem. Colignon (1997)afirma que a base fundamental, tanto do velho, quanto do novo institucionalismo,est na teoria de sistemas de Parsons. Cita Hydebrand (apud Colignon, 1997),quando este afirma que, embora a dimenso tenha sido ampliada, sua coernciainterna e preciso tm sido enfraquecidas pela incorporao de vrios aspectosda sociologia tradicional, apesar da omisso do progenitor mais bvio do

    institucionalismo - a teoria de sistemas parsoniana. Na mesma linha, Hirsch eLounsbury (1997) chamam ateno para o que reconhecem como uma ironia - a

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    grande similaridade do novo institucionalismo com o modelo parsoniano,freqentemente criticado por ser muito comprometido com o isomorfismo e coma legitimidade das estruturas existentes, por ser muito focalizado na estabilidade

    e no na mudana, e por ser muito lento para ver conflito e mudana comoendgenos.

    Veja-se alguns destes aspectos parsonianos e como se fazem presentes nostrabalhos aqui mencionados.

    Quadro 1: Comparao entre Aspectos que Compem as

    Formulaes de Parsons e as Formulaes de DiMaggio e Powell

    Para concluir esta reviso preciso reconhecer que, pelo menos em trabalhosiniciais, houve esforo por incorporar referenciais menos voltados para a estrutu-ra e sua determinao sobre os sujeitos. Bowring (2000), utilizando odesconstrucionismo de Derrida, analisa como o novo institucionalismo, apesar deuma influncia interpretativista no seu incio, se tornou veculo do estruturalismopositivista. A autora parte da presena das formulaes de Berger e Luckmann(1999) nos artigos fundadores desta vertente - Meyer e Rowan (1977) e DiMaggioe Powell (1991b).

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    Berger e Luckmann (1999) tm sido criticados por considerarem a estruturacomo mero agregado de estratgias individuais e de atos de classificao (Wacquant,1992); por separarem ao e subjetividade de estrutura e objetividade, como se

    fossem dois momentos desarticulados (Willmott, 1990); por incorporarem as rela-es de poder apenas sobre a tica do controle social (Wilmott, 1990); por restrin-girem a mudana a variaes (evolutivas) ao longo do tempo e a solues parasituaes problemticas. Apesar destas crticas, sua contribuio tem sido ampla-mente reconhecida como fundamental para relativizar a importncia da estruturana construo da realidade, e para a ampliao correspondente do espao daspossibilidades humanas inseridas em processos histricos, alm de ser uma dasbases para o desenvolvimento da abordagem construcionista em pesquisa social.

    Ainda que com uma dcada de atraso, Berger e Luckmann aportam nos estu-dos organizacionais por meio de Meyer e Rowan (1977), que discutem ainstitucionalizao como processo em que estruturas so legitimadas no porconta de sua eficincia, mas pelos sentimentos dos atores organizacionais comrelao a elas. DiMaggio e Powell (1991b), citando os colegas institucionalistas,e no os autores originais, continuam neste caminho, ao afirmarem que, no longoprazo, atores organizacionais tomam decises racionais que constroem, em seuentorno, um ambiente que limita a sua habilidade para mudar no futuro.

    Bowring (2000) mostra como na transio de Berger e Luckmann para Meyer eRowan a institucionalizao transformada de processo em conjunto de regras,como a orientao para a definio social se torna uma orientao para fatos soci-ais; ou seja, a organizao e seu ambiente no so mais definidos pelos atores queos constroem, tornaram-se equipamentos sociais que existem por si mesmos. Aautora aponta ainda que artigos subseqentes, vinculados perspectivainstitucionalista, citam geralmente Meyer e Rowan (1977) e que, ao faz-lo, reificama organizao e o ambiente institucional, conferindo-lhes atributos que so, na ver-dade, dos atores que os compem e os moldam. Desse modo, a responsabilidadepela construo da realidade e pela ao dos atores nas organizaes colocada

    onde no poderia estar. Alm disto, estes artigos contribuem para perpetuar o ca-minho positivista como a corrente dominante nos estudos organizacionais.

    ALGUMAS IMPLICAES DO USO DAS FORMULAES DE BOURDIEUEM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

    A contribuio das formulaes de Bourdieu em estudos organizacionais implica

    mudana de foco e de compreenso do prprio objeto de estudo. Entre algumasdestas implicaes encontram-se:

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    . focalizar em processos, em relaes;

    . reconhecer que os agentes so ativos e atuantes, no meros fenmenos da

    estrutura;. ver a ao a partir de seu carter intencional, deixando de v-la como reativa e

    adaptativa;

    . conceber a organizao como uma construo social, sem reific-la;

    . reconhecer que os esquemas de percepo e a estrutura possuem gnesesocial;

    . analisar a estruturao do campo, tomando-o como resultado de relaes depoder e de disputas de interesse, como sendo constitudo por atores em interao,conflito e competio por tipos de capital (de poder); como sendo organizado etransformado em decorrncia do processo de lutas por tipos de capital e defini-do pela relao de foras entre os atores e pelos tipos de capital em disputa;

    . reconhecer a possibilidade de que ocorram alteraes nos tipos de capital queestruturam o campo, dada a possibilidade de taxas de converso e que o campoest em relao com o espao social, que um campo de foras (estrutura) ede lutas, dos atores sociais, pela sua reproduo ou transformao;

    . compreender o processo de produo social/ acumulao/ transformao/ re-produo como sendo permanente;

    . aceitar que as estruturas podem ser reproduzidas ou transformadas.

    No que se refere a aspectos metodolgicos e paradigmticos, adotar asformulaes de Bourdieu implica trabalhar com a interao de subjetivismo eobjetivismo e de forma construcionista.

    A noo de campo em Bourdieu exclui o funcionalismo e o organicismo. Osprodutos de certo campo podem ser sistemticos, sem serem produtos de umsistema e, especialmente, de um sistema caracterizado por funes comuns, co-eso interna e auto-regulao. O campo espao de relaes de fora (e nosomente de significados) e de lutas, voltadas para transform-lo, sendo, portanto,espao de constante e infindvel mudana. A coerncia que pode ser observadaem dado momento de um dado campo, sua aparente coerncia em direo a umafuno comum, se originou no conflito e na competio, no em algum tipo deautodesenvolvimento imanente da estrutura. Outra grande diferena que o campo

    de poder no tem partes e componentes. Cada campo social tem sua prprialgica, regras e regularidades; cada estgio na diviso de um campo envolve

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    mudanas genuinamente qualitativas. Cada campo constitui potencialidade aber-ta de jogo, cujos limites so fronteiras dinmicas, que tambm so objeto dedisputa dentro do prprio campo (Bourdieu, 1992a).

    Como exemplo destas implicaes apresenta-se o esforo feito por Oakes,Townley e Cooper (1998) para ampliar o referencial institucional, utilizando asformulaes de Bourdieu. Os autores buscam compreender o processo pelo qualagentes em posio de dominao no campo dos museus e dos stios de heranacultural em Alberta, Canad, introduzem, por meio de aes estratgicas centradasem prticas discursivas (utilizando a linguagem do planejamento corporativo) ede controle, mudanas nos tipos de capital do campo, redefinindo-o de modo a terimplicaes no apenas sobre as vidas daqueles que trabalham nas organizaes

    que o compem, como tambm no que vai ser considerado como histria valori-zada no futuro. Entre as implicaes encontradas neste trabalho esto as queseguem.

    . A nfase de Bourdieu em que cada campo tem sua prpria lgica, j que dife-rentes tipos de capital tendem a impor sua prpria lgica, ajuda a identificar oque constitui um campo, rompendo com o entendimento de estruturasorganizacionais e de relaes com base em desenhos convencionais.

    . A ligao entre legitimidade e o que est em disputa em uma instituio sobrevi-

    vente mais claramente definida por meio dos conceitos de Bourdieu, do mesmomodo que as escolhas polticas envolvidas em mudanas. A noo de tipos decapital torna o conceito de legitimidade mais significativo, ao requerer o examedo que est em disputa na mudana e por perguntar que papel a legitimidadedesempenha na constituio, preservao e troca de vrios tipos de capital. Re-cusa, portanto, a implicao da perspectiva institucional de que as organizaestm substncia material que existe separadamente das prticas organizacionais.

    . Para Bourdieu a prtica que reconhecida como tcnica, em um campo,

    aquela que atingiu o status de ser considerada como fato dado, no sujeita aquestionamentos. Passa, ento, a compor o capital cultural do campo; partedo que aqueles que esto no campo so capazes de identificar como natural elegtimo. Quando este tipo de capital cultural se perde, o campo se torna abertoa questionamentos e redefinies. Esta noo de tipos de capital leva, natural-mente, a uma reavaliao das concepes a respeito do ambiente na perspec-tiva institucional.

    . Enquanto para muitas formulaes do institucionalismo a mudana problem-tica, para Bourdieu parte do modo de ser do campo. Campos esto sempreem fluxo ou abertos a mudanas, porque os tipos de capital e as posies dosagentes so constantemente contestadas.

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    Neste trabalho os autores ampliam a perspectiva institucional, substituindoalgumas de suas concepes (centrais) por outras, de modo coerente com apreocupao que os move - compreender um processo de transformao

    organizacional, pautado pelos temas centrais do poder e da ideologia - e a partirde uma axiologia incompatvel com a neutralidade positivista.

    Do ponto de vista metodolgico, os artigos de autores que se vinculam pers-pectiva institucionalista relatam, em sua grande maioria, pesquisas quantitativasque buscam relaes e regularidades entre atributos. DiMaggio e Powell (1991a)expressam claramente a sua opo metodolgica, ao criticarem Parsons e Selznickno por terem feito as perguntas erradas, mas porque ofereceram respostas muitodescritivas e historicamente especficas, ou to abstratas que no tinham poten-

    cial explicativo. A pesquisa direcionada para a explicao vincula-se claramente epistemologia positivista, em sua busca de relaes causais entre elementospara, ento, formular, leis gerais que podem predizer o comportamento de taiselementos em situaes similares. As formulaes de Bourdieu e os procedi-mentos de pesquisa em que se tem engajado, por sua vez, decorrem de prticasvoltadas para a compreenso e partindo do reconhecimento de que tanto o sujeitoquanto o objeto so construes scio-histricas que precisam ser problematizadas.Os critrios e conceitos utilizados so construes humanas e histricas; sendoassim, no podem, por princpio, ser invariantes.

    Utilizar as formulaes de Bourdieu implica, portanto, romper com uma tradi-o de estudos organizacionais. Implica, ainda, romper com outra tradio, a doestruturalismo, deixando de lado a anlise de estruturas desprovidas de sujeitosque evoluem pressionadas por foras tambm sem sujeito para, em vez disto,analisar posies dos agentes em campos construdos por disputas entre detento-res de recursos de poder, como condio essencial para compreender a dinmicade campos organizacionais, entendidos, agora, como espaos de fora e de lutas.

    REFLEXES ADICIONAIS

    Ao modificar a definio do que est sendo estudado, modificamos oque vemos; e quando diferentes definies so utilizadas para mostrar omesmo territrio, o resultado vai diferir, como nos mapas topogrfico,poltico e demogrfico, cada qual revelando certo aspecto da realidadeem funo de desconsiderar outros (Martin, 1986, p.15).

    Este o sentido do presente ensaio. No apenas enfatizar a j suficientementerevisada limitao da teoria sistmica e funcionalista, assim como a da perspec-

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    tiva institucionalista, mas apontar a possibilidade de outro olhar e, com ele, apossibilidade de outras vises e compreenses. Embora autores como Hirsch eLounsbury (1997) recomendem a reconciliao do velho e do novo

    institucionalismo como forma de superar as limitaes de cada um deles, acredi-ta-se que os resultados desta reconciliao no promoveriam grandes avanosnos estudos organizacionais. preciso ir alm, e uma das formas de faz-locomporta desenvolver referenciais de anlise e prticas de pesquisa que introdu-zam a diferena no olhar.

    Por outro lado, no se pode deixar de questionar se, ao promover-se a interaoda perspectiva institucionalista com aspectos da filosofia da ao de Bourdieu,permaneceria alguma coerncia interna no corpo terico do institucionalismo.

    Em caso de resposta negativa, cabe outra pergunta danificar/ subvertercerto modo de ver tem implicaes positivas para um campo de estudos?

    Fica, portanto, aberta a discusso sobre as implicaes da interaoparadigmtica, definida por Gioia e Pitre (1990) como a busca da resoluo dediferenas entre perspectivas tericas, a partir da construo de pontes entre oslimites pouco claros (borrados) dos paradigmas, as zonas de transio.

    Fica, ainda, depois deste exerccio de sistematizao, que partiu do desejo depromover a interao, outro desejo: o da continuada reflexo sobre o quanto a

    diversidade e o desacordo, a diferena e a provocao, a ambigidade e os con-sensos meramente provisrios podem contribuir para o avano de um campo deestudos. E, por outro lado, o quanto a supervalorizao do consenso pode contri-buir para a perda da criatividade e do enriquecimento neste campo.

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