bouson, raymond. tratado de sociologia

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[RATADO DE SOCIOLOGIA sob a direção de Raymond Boudon AÇÃO Raymond Boudon GRUPOS E SOCIABILIDADE Jean Baechler ESTRATIFICAÇÃO Mohamed Cherkaoui MOBILIDADE Mohamed Cherkaoui PODER François Chazel CONFLITOS Pierre Birnbaum MOVIMENTOS SOCIAIS François Chazel MUDANÇA SOCIAL BernardValade ORGANIZAÇÃO ErhardFríedberg DESVIO Maurice Cusson RELIGIÃO Jean Baechler ' CULTURA Bernard Valade CONHECIMENTO Raymond Boudon COMUNICAÇÃO Francis Baile ISBN 85-7110-339-9 9" 788571 " 103399' BOUDON sob a, ; direção de RAYMOND BOUDON Zahar Editor 316 T776 ex. 3 003309 Jorge Zahar Editor

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Bouson, Raymond. Tratado, Sociologia

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  • 1. [RATADO DE SOCIOLOGIABOUDONsob a direo de Raymond BoudonAO Raymond Boudonsob a,;direo deGRUPOS E SOCIABILIDADE Jean Baechler RAYMOND BOUDONESTRATIFICAO Mohamed CherkaouiMOBILIDADE Mohamed CherkaouiPODER Franois Chazel CONFLITOS Pierre BirnbaumMOVIMENTOS SOCIAIS Franois Chazel MUDANA SOCIAL BernardValadeORGANIZAO ErhardFredberg DESVIO Maurice CussonRELIGIO Jean BaechlerCULTURA Bernard Valade CONHECIMENTO Raymond Boudon COMUNICAO Francis BaileISBN 85-7110-339-9 9" 788571 " 103399316T776ex. 3003309 Jorge Zahar Editor Zahar Editor

2. A sociologia seria o ponto de conver-gncia e de integrao de todos ossaberes especficos relativos aos fen- TRATADO DEmenos humanos, a explicao de todosos fatos culturais e uma filosofia des-SOCIOLOGIApojada de toda metafsica. Difcil tarefa,a de elaborar um tratado de uma cinciaque se pretende o pice, e o corolrio,do sistema das cincias.Ademais, observamos permanentes di-vergncias sobre os princpios que re-geriam a sociologia. Certas tradiesatribuem-lhe funo essencialmenteprtica de assistncia a deciso, em es-pecial a deciso poltica, buscando con-tribuir para a soluo de problemas so-ciais (tais como pobreza, delinqncia,desemprego, resoluo de conflitos etc.).Tal orientao importante sobretudo nosEstados Unidos e suas reas de influn-cia, embora tambm esteja presente -com carter mais marginal - na sociolo-gia clssica francesa ou alem.Assim, h vrias formas de se conceberum tratado de sociologia. RaymondBoudon optou por privilegiar o para-digma designado por sociologia da ao,organizando um livro que percorrequatorze grandes temas da sociologiaclssica: ao, grupos e sociabilidade,estratificao, mobilidade, poder, conflPtos, movimentos sociais, mudana social,organizao, desvio, religio, cultura, co-nhecimento e comunicao. Cada temaficou a cargo de um especialista, complena liberdade de conceber ele prprioa respectiva contribuio. Da resultouuma diversidade dos ngulos de abor-dagem e de estilo, com alguns captulos 3. sob a direo deRaymond Boudoncom a colaborao deJ. Baechler, F. Baile, P. Birnbaum, R. Boudon, F. Chazel,M. Cherkaoui, M. Cusson, E. Friedberg, B. ValadeTRATADO DESOCIOLOGIA Traduo: Teresa Curvelo Consultoria:Renato LessaProfessor e diretor executivo do luperjProfessor-titular de cincia poltica da UFFJorge Zahar Editor Rio de Janeiro 4. SUMRIOTtulo original:Trait de sociologieTraduo autorizada da primeira edio francesapublicada em 1992 por Presses Universitaires de France,de Paris, FranaCopyright 1992, Presses Universitaires de FranceSobre os colaboradores 9Copyright 1996 da edio brasileira:Jorge Zahar Editor Ltda.rua Mxico 31 sobrelojaINTRODUO n20031-144 Rio de Janeiro, RJRaymond Boudontel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123e-mail: [email protected] diversidade da sociologia clssica nsite: www.zahar.com.brA diversidade da sociologia contempornea 15Todos os direitos reservados. Unidade: para qu?]gA reproduo no-autorizada desta publicao, no todoou em parte, constitui violao de direitos autorais. (Lei 9.610/98)A concepo do presente tratado 23Edio para o BrasilApoio: Embaixada da Frana1. AO 27Raymond BoudonReviso de texto: Andr TellesCapa: Kathia Junqueira e Marciso CarvalhoO paradigma da sociologia da ao 27Os princpios da sociologia da ao 33 CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Como o socilogo deve conceber a ao individual? Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. A racionalidade do ator social40Efeitos de composio 52 T698 Tratado de sociologia / sob a direo de RaymondBoudon, com a colaborao de J. Baechler... [et ai]; tra- A sociologia da ao e os outros paradigmas 57duo de Teresa Curvelo; reviso tcnica-de RenatoLessa. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995604p. 2. GRUPOS E SOCIABILIDADE 65Jean BaechlerTraduo de: Trait de sociologieISBN 85-7110-339-9A sodalidade66l. Sociologia. I. Boudon, Raymond.l A sociabilidade 77 CDD - 301 95-2008 CDU - 301l A socialidade 89 R eg. 003309 5. 3. ESTRATIFICAO107Mohamed CherkaouiA poca do comportamento coletivo297 A poca da mobilizao dos recursos311Os discursos sobre a origem da desigualdade108 Para alm da mobilizao dos recursos.A teoria marxista da formao de classes 118 Rumo a uma abordagem multidimensional? 324O poder como dimenso irredutvel das estratificaes125A sntese weberiana e suas conseqncias sobrea pesquisa contempornea: classe, status, partido131 8. MUDANA SOCIAL337 Bernard ValadeEfeitos e conseqncias da estratificao144 Aspectos e representaes3394. MOBILIDADE .. 167 As anlises da mudana social343Mohamed CherkaouiA "revoluo industrial": interpretaes e revises354 O problema da inovao 359Medidas e modelos167 A mudana social em questo363Estruturas e mecanismos geradores da mobilidade183Evoluo da mobilidade e paralelos internacionais193Conseqncias sociais e polticas da mobilidade202 9. ORGANIZAO 375 Erhard Friedberg5.PODER . . . .213 O problema da racionalidade dos comportamentos humanos 377Franois ChazelO problema da integrao 383 A organizao e seu "contexto":O conceito de poder213 o problema das fronteiras organizacionais391Poder e dominao227 A autonomia do ato organizacional398Especificidade e importncia do poder poltico 238 Organizao ou sistema de ao?4046. CONFLITOS 247 10. DESVIO 413Pierre BirnbaumMaurice CussonAs teorias sociolgicas do conflito249 A natureza do desvio 413A anlise sociolgica das dimenses do conflito262 A teoria do controle social425Conflitos sociais, mobilizaes, revolues271 O paradigma da ao435 A conjuntura atual 4437. MOVIMENTOS SOCIAIS283Franois Chazel11. RELIGIO 449 Jean BaechlerUma caracterizao elementar do movimento social 284As tarefas essenciais de uma sociologia dos movimentos sociais 291 natureza do fenmeno religioso 450Os primrdios da anlise dos movimentos sociais292produes sociais da religio 459 6. As incidncias do religioso sobre o no-religioso 467 SOBRE os COLABORADORESModernidade e religio47512. CULTURA 489Bernard ValadeUm conceito ambguo 489 fGnese do princpio de relatividade cultural490 lA anlise antropolgica da cultura498 jA sociologia e a cultura no cotidiano 506 iA cultura em partilha 515 Jean BAECHLER Professor na Universidade de Paris-Sorbonne. Publicou, entre ou-13. CONHECIMENTO519tros livros, Ls origines du capitalisme, Paris, Gallimard, 1971,Raymond Boudon 2-ed., 1981; Ls suicides, Paris, Calmann-Lvy, 1975; Dmocra- ties, Paris, Calmann-Lvy, 1985; La soluon indienne, Paris, Pres- ses Universitaires de France ("Sociologies"), 1988.O sentido do termo "conhecimento" na sociologia do conhecimento 519O territrio da sociologia do conhecimento: trs posies 520Francis BALLE Professor na Universidade de Paris II Panthon-Assas, membro do Conseil Suprieur de 1Audiovisuel. Publicou, entre outros, TheAs contribuies e os temas da sociologia do conhecimento 522Media Revolution in America and Western Europe, Nova York, Universidade de Stanford, Ablex, 1985; Et si Ia presse nexistaitAs teorias das crenas540ps, Paris, Jean-Claude Latts, 1987; Ls nouveaux mdias (comSociologia do conhecimento e relativismo552G. Eymery), Paris, Presses Universitaires de France ("Que sais- je?"), 1990 (1984); Mdias et socits, Paris, Montchrestien, 1990 (1980).14. COMUNICAO 501 Pierre BIRNBAUMProfessor na Universidade de Paris I. Publicou, entre outros livros,Francis BaileLafin dupolitique, Paris, Seuil, 1975; Thorie sociologique (com F, Chazel), Paris, Presses Universitaires de France, 1975; Sociolo- gie de VEtat (com B. Badie), Paris, Grassei, 1979; L peuple et lsO tema sociolgico e sua especificao contempornea561gros. Uistoire dun mythe, Paris, Grassei, 1979; Sur V individualis-Os meios de comunicao e o comrcio das idias: me (com J. Leca), Paris, Presses de Ia Fondation Nalionale ds Sciences Poliliques, 1986.as diversas abordagens para o estudo da "comunicao" 566A aplicao da sociologia da ao ao estudo das comunicaes581 Raymond BOUDON Membro do Institui, professor na Universidade de Paris-Sorbonne. Publicou, entre oulros livros, Lingalit ds chances, Paris, Ha- chelte, 1985 (J973); Effets pervers et ordre social, Paris, Pressesndice temtico 595Universilaires de France ("Quadrige"), 1989 (1977, "Sociolo- gies"); Dictionnaire critique de Ia sociologie (com F. Bourricaud), Paris, Presses Universilaires de France ("Sociologies"), 1990 (1982); La logique du social, Paris, Hachelle, 1983 (1979); Lido- logie ou V origine ds ides recues, Paris, Fayard, 1992 (1986); Lart de se persuader, Paris, Fayard, 1992 (1990). Franois CHAZEL Professor na Universidade de Paris-Sorbonne. Presidiu a SocitL Franaise de Sociologie de 1986 a 1990. Publicou, enlre oulros livros, La thorie analytique de Ia socit dans 1ceuvre de Talcott Parsons, Paris, Moulon, 1974; Sociologie politique (com P. Birn- baum), Paris, A. Colin, 1978; Pratiques culturelles etpolitiques de 7. 10TRATADO DE SOCIOLOGIAIa culture (red.), Bordeaux, Maison ds Sciences de 1HommedAquitaine, 1987. Co-dirigiu dois nmeros especiais da RevueFranaise de Sociologie: Aspects de Ia sociologie politique (com INTRODUOP. Favre), 1983, e Sociologie de Ia Rvolution (com F. Gresle),1989. Normes juridiques et rgulation sociale (co-red. com J.Commaille), Paris, LGDJ, automne 1991; Action collective et mou-vements sociaux (red.), Paris, Presses Universitaires de FranceRAYMOND BOUDON("Sociologies"), 1992.Mohamed CHERKAOUI Professor na Universidade de Lausanne. Publicou, entre outroslivros, Ls paradoxes de Ia russite scolaire, Paris, Presses Univer-sitaires de France ("LEducateur"), 1979; Ls changements dusystme ducatifen France, 1950-1980, Paris, Presses Universitai-res de France ("Sociologies"), 1982; Sociologie de 1ducaon,Paris, Presses Universitaires de France ("Que sais-je?"), 1986. Uma idia oriunda da filosofia contempornea das cincias pretende que, numregime de "cincia normal", ioda e qualquer comunidade cientfica obedea a um Maurice CUSSON Professor na cole de Criminologie e investigador no Centre Inter-national de Criminologie Compare da Universidade de Montreal."paradigma" nico, os investigadores de cada disciplina seguindo, portanto, umPublicou, entre outros livros, Dlinquants. Pourquoi?, Paris, A.conjunto de princpios sobre os quais todos estariam de acordo. Apenas nos perodosColin, 1981; L controle social du crime, Paris, Presses Universi-de revoluo cientfica surgiriam dvidas e divergncias, e os paradigmas tenderiamtaires de France ("Sociologies"), 1983; Pourquoi punir, Paris,Dalloz, 1987; Croissance et dcroissance du crime, Paris, Presses a multiplicar-se at que um dos diversos concorrentes prevalecesse sobre os restan-Universitaires de France ("Sociologies"), 1989. tes, iniciando um novo perodo de "cincia normal". Perguntamo-nos se, no que diz respeito sociologia, no se dever inverter esta Erhard FRIEDBERG Diretor de pesquisa no CNRS, matre de confrences no Instituidescrio. De fato, nesta disciplina observamos, ao contrrio, permanentes divergn-dEtudes Politiques de Paris. Publicou, entre outros, Lanalysesociologique ds organisations, Paris, CHarmattan, 1987 (1972); cias sobre os princpios que a definem, " que somente nos raros momentos em queUacteur et l systme (com M. Crozier), Paris, Seuil, 1977; Staat uma escola consegue impor, provisoriamente, o seu ponto de vista que domina umund Industrie in Frankreich, Berlim, 1979; L jeu du catalogueparadigma nico.(com Ph. Urfalino), Paris, Documentation Franaise, 1984; Enqute duniversits (com Christine Musselin), Paris, lHarmattan, Se necessrio evocar esta diversidade de perspectivas porque a mesma assume1989, bem como inmeros artigos no mbito da sociologia das propores de desafio quando se trata de conceber e elaborar um tratado de sociolo-organizaes. gia. Convm, portanto, proceder sua avaliao antes de apresentar e tentar justificara soluo por que optamos. Bernard VALADE Professor na Universidade de Bordeaux II, Secretrio-geral deLAnne sociologique, conselheiro cientfico da EncyclopaediaUniversalis. Publicou, entre outros livros, Pareto. La naissancedune autre sociologie, Paris, Presses Universitaires de France("Sociologies"), 1990, bem como inmeros artigos no mbito dasociologia da cultura.A diversidade da sociologia clssicaAs divergncias a que acabamos de aludir surgem desde muito cedo na histria dasociologia. Antecedem mesmo o seu batismo, ao menos se acreditarmos na lenda: diz-seque Auguste Comte, criador da palavra "sociologia", teria preterido a expresso "fsicasocial", que ele prprio lanara em 1822 em seu Plan ds travaux ncessaires pourreorganiser Ia socit, se esta no tivesse sido utilizada por A. Quetelet para designaruma disciplina que pouco tinha a ver com o seu prprio projeto.A "fsica social", na acepo de Quetelet (1869), grosso modo o estudo estats-tico dos fenmenos sociais.Comte, por seu lado, conferia "sociologia" palavra que introduziu, quase sedesculpando, em uma nota de seu Cours ambies muito mais elevadas. Encarava nova disciplina como o pice do sistema das cincias: da astronomia biologia, 8. 12TRATADO DE SOCIOLOGIA INTRODUO 13passando pela fsica e pela qumica, surgiu e foi sendo progressivamente construda eliminar de sua sociologia todo e qualquer postulado referente subjetividade,uma hierarquia de cincias que tratavam de aspectos do real cada vez mais comple- supostamente inobservvel, do ator social. Todavia, L suicide (1897) e, mais ainda,xos. Todavia, em meados do sc.xix, esta pirmide continuava incompleta, segundoLs formes lmentaires de Ia vie religieuse (1912) contm inmeras hipteses eComte, uma vez que se limitava cincia do vivo. Props, por conseguinte, anteciparanlises "psicolgicas" muitas vezes brilhantes, convincentes e inovadoras que, alme facilitar uma evoluo que considerava inelutvel. A sociologia estava destinada, disso, desempenham um papel central tanto em sua linha evolutiva como em suasegundo o esprito de seu patrono, a constituir seu elo derradeiro: com ela, pretendia- demonstrao, mas que o autor procura escamotear e minimizar, certamente por umase que o estudo dos fenmenos humanos atingisse o estado "positivo".preocupao de coerncia com os textos doutrinais. Em suma, se a epistemologia deCom o distanciamento, apreende-se toda a ambigidade de um projeto que se Durkheim parece situar-se, de acordo com seus textos tericos, no campo oposto baseia sobre dois postulados extremamente audaciosos e que consistem, um, emde Weber, o contraste entre os dois socilogos surge muito menos acentuado seassimilar os fenmenos humanos aos sociais, o outro, em confiar a uma nica considerarmos no o que Durkheim diz, mas o que ele/az.disciplina a tarefa do respectivo tratamento.Ao contrrio da sociologia clssica francesa, a sociologia clssica alem desen-Se verdade que possui um valor particularmente ilustrativo, a divergncia devolveu-se sobretudo como reao contra as vises totalizantes e, em particular,opinio entre Quetelet e Comte no a nica a que podemos nos referir. No final do contra a filosofia da histria de inspirao hegeliana. Como bons neokantianos quesc.xiXe incio do XX, as duas escolas sociolgicas consideradas de um modo geral foram, com diferentes nuanas, os grandes socilogos clssicos alemes, como Maxas mais importantes, a francesa e a alem, parecem apoiar-se ao menos nas Weber ou Georg Simmel, demarcam com insistncia os limites da sociologia,declaraes de inteno em princpios fortemente antagnicos, os quais no se disciplina a que no atribuem qualquer espcie de supremacia. Ambos a definemmostram facilmente conciliveis.antes como um estilo especial de anlise dos fenmenos histricos. Mais precisa-As ambies de Comte fazer da sociologia o ponto de convergncia e de mente, vem nela uma histria que explicaria os fenmenos histricos e sociais,integrao de todos os saberes especficos relativos aos fenmenos humanos, atri- libertando-se das imposies do relato e da hegemonia do mtodo gentico. Abuir-lhe as funes da filosofia, mas de um?, filosofia despojada de toda metafsicaexemplo do economista, que trata igualmente de fenmenos que pertencem esfera sempre mantiveram um forte poder de seduo junto a muitos socilogos, em do historiador, mas que os aborda de forma diversa do historiador da economia, oespecial os franceses. Isso , provavelmente, o resultado da influncia de milesocilogo estaria inclinado a pesquisar, no fluxo histrico, casos tpicos, mecanismosDurkheim, sem dvida o mais importante dos socilogos clssicos franceses. Aps repetitivos, para introduzir na histria o mtodo dos modelos, isto , representaester sido relegada a segundo plano no entre-guerras, essa influncia voltou tona nos voluntariamente esquemticas e idealizadas do real.ltimos decnios. Ora, acontece que Durkheim aceitara uma boa parte da herana dePara alm das diferenas, a tradio clssica francesa de Durkheim , aComte, especialmente seu imperialismo intelectual, a sua concepo hierarquizadatradio clssica alem de Weber , a tradio, seno inaugurada, pelo menosdas cincias e a idia de que cabia sociologia coroar o sistema das cincias. Da o brilhantemente ilustrada por Quetelet partilham, para alm das diferenas que associologismo patente em Durkheim; que se revela, por exemplo, em sua pretensoseparam, um objetivo comum: nos trs casos, o socilogo prope-se explicar osde reservar a exclusividade da explicao de todos os-fenmenos culturais dafenmenos que lhe interessam.cincia ou da religio, assim como da magia em particular apenas sociologia, tal Em contrapartida, h outras tradies que se atribuem um objetivo sobretudocomo ele a concebia, e de eliminar os modos de pensar caractersticos da histria, da descritivo. Aqui, o modelo intelectual a que o socilogo se submete aproxima-sefilosofia, da economia ou da psicologia, por exemplo. mais da reportagem. Esta tradio ilustrada na Frana, de modo particularmentePara evitar qualquer confuso, convm acrescentar desde j que, apesar desses brilhante, por L Play, por exemplo.excessos, Durkheim foi um inovador autntico e importante do ponto de vistaDe acordo com uma outra tradio importante, a sociologia teria uma funocientfico. Foi assim que, em L suicide, contribuiu para aprimorar de forma consi- essencialmente prtica de assistncia deciso, em especial deciso poltica. Estadervel os mtodos da "estatstica m oralH Em Ls formes lmentaires de Ia vieorientao importante sobretudo nos Estados Unidos: desde o incio, muitas dasreligieuse, uma obra contestvel em diversos aspectos, props uma teoria da origeminvestigaes sociolgicas desenvolvidas neste pas so inspiradas pela preocupaoda noo de alma ou das relaes existentes entre a cincia, por um lado, e a magia de contribuir para a "soluo" dos problemas sociais: pobreza, delinqncia, desem-e a religio, por outro, que considerada uma contribuio incontestvel para oprego, aperfeioamento dos mtodos de negociao, de "resoluo dos conflitos",conhecimento. Poderamos encontrar em sua obra muitas outras inovaes que tmpor exemplo. Esta tradio encontra-se igualmente presente na sociologia clssicaresistido bem usura do tempo. francesa ou alem, embora surja a com carter mais marginal. De um modo geral, aPor outro lado, convm observar que, se em seus escritos doutrinais Durkheimsociologia "aplicada" parece ser acolhida com maior condescendncia na Frana ousublinha com insistncia sua fidelidade tradio positivista, em suas anlisesna Alemanha do que nos pases anglo-saxnicos. Mesmo quando se preocupam comaafasta-se dela consideravelmente. Como bom positivista, pretende, por exemplo, "utilidade social" de sua disciplina, os socilogos europeus da poca clssica 9. IP14TRATADO DE SOCIOLOGIA INTRODUO15tendem a manifestai uma atitude arrogante. Assim, verdade que Max Weber sediversidade da sociologia contemporneaencarregou de uma investigao que permitisse esclarecer os governantes alemesquanto poltica de imigrao a adotar em relao aos poloneses. No entanto, esteestudo "aplicado" no teve continuidade em sua obra. Quanto a Durkheim ou a seuA sociologia do sc.XX no conseguiu conciliar os diversos projetos formulados poropositor, Gabriel Tarde, quando abordam, respectivamente, o suicdio e o crime, noseus pioneiros. Poderiam ser mencionadas, claro, algumas tentativas de sntese, tanto porque estejam interessados em aperfeioar "mtodos de preveno" desses como a de Parsons (1937), a que se far uma breve aluso mais adiante. Mas aflagelos nacionais, mas porque vem nos ndices de criminalidade ou de suicdioimpresso dominante quando passamos rapidamente em revista a sociologia contem-indicadores reveladores do estado geral da sociedade, e que permitem apreender aspornea a de que ela to heterclita, seno mais, quanto a sociologia clssica.linhas de fora da evoluo social. Muito embora tenha sido diretor de estatsticaComecemos pela tradio descritiva, em relao qual L Play (1855) , nacriminal, o professor do Collge de France no se sente mais atrado pela sociologia Frana, talvez o melhor heri epnimo.aplicada do que o professor da Sorbonne.Sem dvida, nem sempre fcil distinguir entre estudos descritivos e estudosInterrompemos aqui esta enumerao esquemtica que no pretende de modoexplicativos. Ambos os objetivos, descrio e explicao, surgem com freqnciaalgum propor um panorama da sociologia clssica, que vai se formando progressiva-como que associados entre si na prtica. Igualmente desejvel seria distinguir entremente no final do sc.xix, e incio do sc.XX, mas to-somente ressaltar a enormeas obras descritivas que se limitam, para usar as expresses de C. Geertz, thindiversidade de concepes da sociologia, dominantes neste perodo da sua fundao. description daquelas que alcanam a thick description. E no menos verdade que Referimo-nos anteriormente sociologia clssica francesa, sociologia alem, um grande nmero de trabalhos sociolgicos tem como principal objetivo tornarsociologia americana. No se deve concluir, a partir dessas expresses e das observaes visveis meios e fenmenos sociais mais ou menos transparentes e familiares para osprecedentes, que existam tantos paradigmas sociolgicos quantos os pases onde essaprotagonistas em causa, mas que permanecem desconhecidos do pblico. Este tipodisciplina foi implantada. Pois, se as diversas tradies que acabam de ser enumeradas de trabalho, que define o gnero sociolgico que qualificamos como descritivo,tendem, desde os primrdios da sociologia, a estar mais ou menos correlacionadas aos encontra-se abund?ntemente representado na sociologia contempornea. Desserespectivos contextos nacionais, isso acontece de forma muito imperfeita. Da que, modo, foram socilogos sobretudo os do Centre de Sociologie Urbaine, inicial-quando Tocqueville (1856) declara, logo na primeira linha de sua obra sobre UAncienmente liderado por Henri Lefebvre (1968) que trouxeram at a praa pblica oRegime et Ia Rvolution, que no se dever ver nela "um livro de histria", est tema dos grandes conjuntos habitacionais, e que fizeram a descrio das condiesimplicitamente definindo esse seu empreendimento como de natureza sociolgica. No de existncia caractersticas desses tipos de habitat, condies essas por demaispodia, porm, utilizar de modo algum uma expresso to estreitamente associada obraconhecidas dos prprios habitantes. Considerando um segundo exemplo, o funcio-idiossincrtica de Comte. Ora, nesse livro, tal como em De Ia dmocratie enAmrique, namento do mercado da arte ou os princpios que permitem que um indivduo tenhaTocqueville desenvolve anlises que correspondem, tanto nos princpios como nosacesso e ascenda ao "mundo da arte" so relativamente transparentes para os atoresmtodos, concepo que um Weber ir fazer da sociologia. No nos conta uma envolvidos no jogo da concorrncia artstica, embora nem sempre o sejam para ohistria, mas levanta questes abstratas: por que razo os intelectuais ingleses dopblico. Em casos deste gnero, o socilogo pode desempenhar, e tem efetivamentesc.XVIII desenvolvem concepes muito mais pragmticas e sensivelmente menosdesempenhado, um papel eficaz de informador, como o demonstram os trabalhos deradicais do que seus homlogos franceses, em matria poltica? Por que razo a distri- R. Moulin (1967) na Frana ou de H. Becker (1982) nos Estados Unidos.buio das cidades de acordo com sua respectiva dimenso diferente na Frana e na Essa informao pode assumir uma forma essencialmente qualitativa, quando seInglaterra? De onde se origina a "fora da religio" nos Estados Unidos? Como se trata, por exemplo, de descrever o que se passa verdadeiramente numa escola, numaexplica que as maneiras dos ingleses sejam diferentes das dos americanos? A estasfbrica, numa galeria de arte ou num grande aglomerado. Visa, ento, dar resposta aquestes, Tocqueville responde com modelos bastante simplificados, explicando tais perguntas do tipo "o qu?" ou "como?". Pode, porm, se revestir de uma formafenmenos macroscpicos como efeito de comportamentos ou atitudes individuais, ossobretudo quantitativa e destinar-se a responder de preferncia a perguntas do tipoquais justifica a partir das razes que levaram os atores sociais a adot-los.quanto?": muitos dos inquritos quantitativos sobre o consumo dos agregados O que vlido para a Frana o igualmente para a Alemanha, a Inglaterra ou os familiares, os efetivos escolares, a evoluo do crime, as flutuaes de opinio eEstados Unidos: em todos esses pases, as diferentes tradies a que se aplica o rtulooutras questes tm efetivamente uma finalidade sobretudo descritiva."sociologia" estiveram praticamente todas elas representadas nas primeiras fases de Evidente que intil insistir no fato de que a sociologia descritiva responde institucionalizao desta disciplina, se bem que em graus variveis. conjuntamente com outras fontes de informao, como por exemplo as reportagens jornalsticas, os inquritos elaborados pelos institutos estatsticos administrativos ou pelos institutos de pesquisa a uma procura premente das sociedades modernas. Esta sociologia descritiva permitiu, com freqncia, revelar fenmenos mal conhe- 10. 16TRATADO DE SOCIOLOGIAINTRODUO 17cidos. Do mesmo modo que a sociologia urbana dos anos 60 chamou a ateno paravezes tambm uma ambio missionria se perfila por trs da descrio: trata-seos grandes aglomerados, a sociologia industrial dos anos 50, graas ao talento de G.ento no apenas de apresentar os grandes aglomerados ou de descrever o trabalhoFriedmann (1956) ou de A. Touraine (1955, 1973), sensibilizara o pblico para asnas fbricas, mas de chamar a ateno para o carter insuportvel das mquinas condies de trabalho nas fbricas. Graas a M. Crozier (1965) na Frana e a C. habitao ou do trabalho fragmentado. Se quisssemos multiplicar as distines,Wright Mills (1951) nos Estados Unidos, descobriu-se na mesma poca "o mundoteramos talvez de falar, quando essa ambio missionria dominante, de sociologiados empregados de escritrio".crtica, na acepo negativa em que o adjetivo usado pela Escola de Frankfurt. Constata-se com isso no apenas que a sociologia descritiva ocupa lugar impor- Vejamos agora o caso da fsica social ao estilo de Quetelet (1868), ou dotante, como se pode lamentar, por vezes, que no se encontre mais desenvolvida, que Durkheim (l 897) do Suicide. Este gnero sociolgico distingue-se do precedente, emno abranja maior nmero de temas e que no os abarque mais regular e sistemati-primeiro lugar, porque a dominam as questes do tipo "por qu?". Por que o suicdiocamente. Se a sociologia estivesse mais difundida, talvez as decises polticas mais freqente nos homens do que nas mulheres, nos pases protestantes do queassentassem com menos freqncia numa ignorncia completa do que se passa nos pases catlicos, na cidade do que no campo?, questionava-se Durkheim. Ade-realmente in loco. Pensamos, por exemplo, no fracasso de todas as reformas escola-mais, esses estudos so de natureza quantitativa. Os fenmenos sociais cujas varia-res ou universitrias que se sucederam a um ritmo avassalador na Frana nas ltimas es no tempo e no espao procuramos estudar apresentam-se sob a forma de dadosdcadas. Todas elas parecem ter sido inspiradas muito mais por princpios gerais do numricos, como os ndices de suicdio em Durkheim. Por ltimo, a resposta sque pela preocupao de responder a uma situao muitas vezes vivida pelosquestes do tipo "por qu?" pesquisada atravs do estudo metdico das relaesprotagonistas do sistema de educao a comear pelos alunos, os estudantes e as estatsticas entre as variveis a serem explicadas e as variveis explicativas.famlias como debilitante. Se a sociologia descritiva tivesse feito uma melhorEste gnero sociolgico encontra-se, tambm ele, amplamente representado nacobertura desta rea e chamado a ateno para ela, ao faz-lo talvez tivesse orientadosociologia contempornea por uma razo de fcil compreenso, isto , a de que nomelhor a mo do poltico. Naturalmente, bvio que esta observao no implica deexistem fenmenos sociais que no possam derivar desta metodologia. Verificamosmodo algum que a nica funo que a sociologia pode desempenhar a de informa- isso pelo fato de ser possvel mencionar inmeros trabalhos deste tipo sobre fenme-o, nem que tenha como principal vocao esclarecer o prncipe. Mas deve-senos to diversos como o desenvolvimento socioeconmico, as desigualdades sociais,reconhecer tambm que legtimo esperar que os socilogos contribuam, juntamente o crime, o suicdio, a escolarizao, as opinies ou os valores. Restringindo-nos acom outros, para um melhor conhecimento da sua sociedade. alguns exemplos, os estudos de socioeconomia do desenvolvimento integrados nesta Porm, se por um lado a sociologia descritiva parece insuficientemente desenvol- categoria tentam explorar as relaes estatsticas entre o nvel de desenvolvimentovida, por outro o est em demasia. Mais precisamente, a espcie "sociologia descri- das naes e um determinado nmero de outras variveis supostamente "explicati-tiva" inclui uma subespcie hoje em plena expanso: a das investigaes que sevas", que abarcam fenmenos to diversos como os ndices de escolarizao ou oscontentam em registrar dados em vez de buscarem compreender os fenmenos. sistemas de valores que caracterizam as sociedades estudadas. Quanto aos estudosFornecem-nos informaes sobre as sociedades mais do que nos permitem conhec-sobre a estratificao, herdeiros da "fsica social", como os de P. Blau e de O. Duncanlas. Este tipo de atividade sociogrfica tende a tornar-se avassaladora, uma vez que(1967) nos Estados Unidos, de J. Goldthorpe (1980) na Inglaterra, de C. Thlota procura, pblica e privada, de dados sociais tende a aumentar rapidamente: no(l 982) na Frana, de R. Girod (1977) na Sua, procuram determinar em que medidaapenas o Estado, mas os partidos, os "movimentos sociais" ou os diversos "gruposa posio dos indivduos na sociedade afetada por sua origem social, o nvel escolarde presso" ou de "interesse" tm uma necessidade de informao cada vez mais e outras variveis de tipo idntico. Por outro lado, analisam as alteraes dessasexigente e urgente. Essa informao tem, de fato, para eles, um interesse no srelaes no tempo e no espao.prtico, como tambm retrico: hoje em dia, j no se concebe um combate ou umRefira-se de passagem que este gnero sociolgico deu origem a uma importantedebate poltico que no se apoie em nmeros e dados. Como diria Schumpeterliteratura tcnica, em que se desenvolveram instrumentos diversos que permitem(1954), o crescimento desta demanda tende a acentuar o carter cameralista dasestudar as relaes estatsticas entre um nmero considervel de variveis.cincias sociais, ou seja, a transform-las!em fornecedoras de informaes para osA sociologia da ao ao estilo de Weber ocupa igualmente um lugar importanteestados-maiores dos diversos grupos, instituies, "movimentos" ou agrupamentos na investigao sociolgica contempornea. No captulo seguinte, iremos explici-que irrompem nas sociedades.1 tar as origens intelectuais, o projeto e os princpios deste paradigma. Podemos, Conviria, alis, introduzir outras distines no seio da sociologia descritiva. Pois porm, assinalar desde j que, tal como a "fsica social", caracteriza-se pelo fatose o alvo dos estudos sociogrficos muitas vezes puramente cognitivo, algumas de abordar sobretudo questes do tipo "por qu?". Por outro lado, caso se interessetambm por fenmenos quantificveis, o faz de forma menos exclusiva do que a fsica social". Rejeitando o princpio segundo o qual no haveria cincia seno alBoudon (1991). do geral, interessam-lhe no apenas as regularidades, mas tambm as singularida- 11. 18TRATADO DE SOCIOLOGIAINTRODUO 19ds sociais; os fenmenos qualitativos, bem como os fenmenos quantitativos.ambio veio a revelar-se excessiva e os socilogos jamais conseguiram ocupar naEssas diferenas j so patentes nos trabalhos clssicos de Weber, quando este se sociedade o lugar que os engenheiros nela ocupam. Estimulou, porm, o desenvol-interroga, por exemplo, por que razo os Estados Unidos apresentam a singulari- vimento de toda uma srie de pesquisas de campo em mltiplos domnios dade da modernizao no ter ali enfraquecido, como parece, as crenas religio- sociologia da educao, do crime, das organizaes, da mobilidade social, do desen-sas. Ou nos de Tocqueville, ao interrogar-se por que razo os intelectuais france-volvimento socioeconmico, dos meios da chamada comunicao de massa etc. ses so mais radicais do que os intelectuais ingleses. Por outro lado, a sociologia que decerto contriburam para um melhor conhecimento dos processos sociais.da ao, partindo do princpio de que a causalidade de um fenmeno reside nas No final desse perodo de euforia, a partir de meados dos anos 60, desenvolveu-seaes individuais de que o resultado, considera o estudo estatstico das correla- uma sociologia crtica, cujas ambies no eram menores, se bem que de naturezaes, de que a "fsica social" to vida, como uma mera etapa de anlise, paradiferente, e vimos prosperar em todas as matrias desenvolvimento, educao,alm da qual preciso encontrar tambm as razes dos comportamentos respon-estratificao, sociologia urbana, cultura etc. uma sociologia que podemos desig-sveis pelas correlaes observadas pelo estatstico. nar por neomarxista, na medida em que muito mais devedora da vulgata marxista Obviamente, essas razes devem ser concebidas como dependentes do contexto do que do prprio Marx.em que se situa o ator social, o qual de um modo geral no imutvel, j que os atores Seja ao longo do primeiro episdio, seja ao longo do segundo, houve por vezes ocontribuem para modific-lo constantemente atravs de suas prprias aes. Eis porsentimento de que a sociologia conseguira escapar de sua faceta de hospedariaque a sociologia da ao simultaneamente contextual e dinmica. espanhola, e de que finalmente os socilogos, exceo dos marginais, seguiam um Este estilo de sociologia aplica-se indistintamente a todas as categorias de fen- "paradigma" comum.menos. Eis por que o encontramos hoje representado nos mais diversos domnios: De fato, no demoraria para que se percebesse, com o distanciamento, que asociologia das organizaes, dos movimentos sociais, da ao coletiva, sociologia daunidade em causa era mais ideolgica do que cientfica. A convergncia operara-se,estratificao e da mobilidade, sociologia do desenvolvimento, sociologia do conhe- no caso do primeiro episdio, com a volta da ideologia saint-simoniana do socilo-cimento, sociologia da comunicao, e de um modo geral em quase todos osgo-engenheiro, cujo papel era supostamente o de acompanhar luz de seu saber, acaptulos da sociologia. Inmeros estudos, como os de A. Oberschall (1973) no "mudana" e a modernizao. Quanto ao segundo episdio, dominado por umdomnio dos movimentos sociais, de A. Hirschmann (1980) ou de H. Mendras (1967, leitmotiv, o de denunciar a pretensa perversidade das modernas sociedades liberais.1988) no campo do desenvolvimento, de J. March e de H. Simon (1958) ou M. Hoje, retomou-se um pluralismo mais em consonncia com as tradies de nossaCrozier (1964) no domnio da sociologia das organizaes, de M. Olson (1965) no disciplina. Encontramo-nos diante de uma sociologia mais serena, mais liberta dasda ao coletiva, de R. Boudon (1973) e de M. Cherkaoui (1982) no da estratificao paixes ideolgicas e das iluses.e da mobilidade, de R. Horton (1967) no da sociologia da religio, de T. Kuhn (1962)Desse modo, podemos interrogar-nos com seriedade: deve-se lamentar essa diver-no da sociologia da cincia, inspiram-se por vezes sem o saberem nossidade? E responder, com a mesma seriedade, pela negativa.princpios da sociologia da ao, que consistem, grosso modo, em ver todo o bvio que esta resposta , muitas vezes, sentida como incmoda, dado que afenmeno social como o resultado de aes individuais inspiradas por motivosunidade , por motivos evidentes, mais tranqilizadora do que a pluralidade. Eis porcompreensveis, considerando o contexto social e histrico em que se inscrevem. que certos socilogos tentam, periodicamente, negar essas diversidades, "demons- As correntes que, de modo muito sucinto, acabamos de identificar na sociolo- trar" que essas tradies heterogneas so convergentes, que foi finalmente realizadagia contempornea no esgotam a diversidade dessa mesma sociologia, e podera-sua sntese, e que existe, alm das aparncias, uma profunda unidade entre tradiesmos facilmente introduzir outras distines. Todavia, interrompemos aqui suaaparentemente distintas. O primeiro a consagrar-se a esta tarefa e a prossegui-la comenumerao. tenacidade foi o socilogo norte-americano T. Parsons em Structure of Social Action.Esta obra testemunha a profunda familiaridade cultivada por Parsons com seusautores preferidos e, particularmente, com Weber, Pareto e Durkheim, permanecen-do, na perspectiva da histria da sociologia, uma obra de referncia. Todavia, oUnidade: para qu?socilogo norte-americano no conseguiu, como ambicionava, sintetizar as intuiesdesses autores num todo suficientemente coerente e eficaz de modo a que a comuni-dade sociolgica considerasse vantajoso a ele aderir de forma duradoura, um pouco evidente que cada uma dessas tradies conheceu altos e baixos. Assim, no perodo como os economistas aderiram, num dado momento, ao paradigma neoclssico, porde euforia que coincide com os "trinta gloriosos" de que falava Fourasti, a sociolo- exemplo.gia se apresenta com freqncia, um pouco por toda a parte, como tendo uma vocaoTalvez seja prefervel inverter as questes levantadas por Parsons, isto , pergun-de engineering social. V-se facilmente como parteira da "mudana". De fato, essa tarrno-nos se a sociologia verdadeiramente mais heterclita do que outras cincias 12. 20 TRATADO DE SOCIOLOGIA INTRODUO 21humanas e se, de um modo geral, o fato de uma disciplina seguir uma multiplicidade Efetivamente, os pesquisadores que colaboraram neste tratado partilham um certode paradigmas constitui, na realidade, uma falha que devemos esforar-nos por nmero de convices.corrigir a todo custo. Esta questo tanto mais atual quanto certo, mesmo no caso Em primeiro lugar, levam a srio o ator social. Recusam-se a ver no ator social, edas cincias da natureza, que se comea a aceitar como idia terica a concepo de a fortiori no ator individual, uma simples caixa de ressonncia de foras coletivasKuhn, segundo a qual as grandes disciplinas seriam dominadas, em cada momentoimaginrias, que seriam projetadas pelo "inconsciente coletivo" pela "cultura" ouda sua evoluo, por um "paradigma" nico.pela "classe dominante". Em outras palavras, desconfiam das representaes deter- Os historiadores parecem admitir, sem grandes dificuldades, que o termo "hist-ministas do comportamento social, segundo as quais o ator social estaria sujeito ria" abrange tarefas muito distintas entre si, ainda que se reconhea que em histria ao de foras ocultas que o guiariam sua revelia e que constituiriam as causascomo em qualquer outra matria, sempre que surgem concepes muito contrastadasprofundas de seu comportamento. Se o fenmeno da "falsa conscincia" existe e emda disciplina em causa, erguem-se vozes para tentar mostrar que determinada con-alguns casos pode ser claramente definido e posto em evidncia, perfeitamentecepo prefervel a outra, como se verifica, por exemplo, no debate entre R.W.arbitrrio supor que ele seja, por assim dizer, constitutivo da conscincia do ator.Fogel e G.R. Elton (1983). Porm, como no caso da sociologia, quando a histriaPor conseguinte, os autores deste volume pensam que explicar um fenmenosurge "unificada", como tendo finalmente encontrado a sua essncia, isso tem a ver,social consiste, antes de tudo, em compreender as aes, os comportamentos, asmuitas vezes, com um predomnio decorrente seja de efeitos ideolgicos, seja deatitudes, as convices etc. individuais de que ele o resultado.fenmenos de moda, ou ainda mais simplesmente de efeitos de mdia produzidos por Isto implica a aceitao de um postulado essencial: que uma das tarefas principaiscampanhas publicitrias bem organizadas. da sociologia, e talvez a principal fonte da sua legitimao, consiste como Quanto s cincias humanas, por exemplo a economia ou a lingstica, cuja sugerem um Weber ou um Popper em reconhecer ou, conforme o caso, emunidade proclamada alto e bom som, so de fato muito menos monolticas do quereconstituir as razes que levaram o ator social a adotar um determinado comporta-parece. O que incontestvel que tanto uma como outra se unificaram, em mento, atitude ou convico. Para explic-los, certamente necessrio identificar asdeterminadas pocas, em torno de paradigmas definidos de modo mais rigoroso do idias, os valores ou as representaes vigentes no contexto em que se situa. Todavia,que os da histria ou da sociologia. verdade que existe uma economia clssica eo cerne da anlise sociolgica consistir sempre em identificar as razes pelas quaisuma economia neoclssica que baseiam-se em princpios relativamente precisos e um determinado ator ou uma determinada categoria de atores tende a aderir a elas.formalizados. Do mesmo modo, o paradigma "estruturalista" tem um significado Isto igualmente vlido para os comportamentos e as convices que o senso comumrelativamente preciso no caso da lingstica.qualifica normalmente como "irracionais". Foi assim que entendeu um Tocqueville, Esse carter unitrio conferido economia e lingstica explica que as cinciasquando mostrou, por exemplo, que o cidado norte-americano tinha razes aohumanas, concebidas como menos slidas, decidam por vezes adotar o regime dascontrrio do francs ou do alemo para manifestar uma notvel religiosidade, edisciplinas consideradas mais rgidas. Disso do testemunho os esforos efetuadosat para a viver de forma "exaltada". Do mesmo modo, Weber no se limita ano sentido de decalcar os mtodos da lingstica ou da economia na sociologia ou naobservar que o culto de Mltra influente no Imprio Romano: analisa as razes pelasantropologia. Lembremos, por exemplo, evocando uma manifestao particularmen- quais esse culto seduziu, especialmente, os funcionrios da administrao imperial.te pitoresca desta tentao, que, na Paris dos anos 70, considerava-se um indivduoEstas anlises clssicas mostram que pouco pertinente contrapor ou at limitar-profundo aquele que afirmava doutamente ser a sociedade uma linguagem. Natural-se a justapor, como sucede com freqncia, "razes" e "valores" ou "representaesmente, estes excessos no indicam que a sociologia deva renunciar a buscar inspira-coletivas". Agrande lio metodolgica de um Tocqueville ou de um Weber consiste,o em modos de pensar e em mtodos utilizados por outras disciplinas, em particular pelo contrrio, em ver essas noes como estreitamente solidrias: um valor apenas 0na economia e na lingstica, mas tambm na psicologia. para o ator se para ele tiver sentido ou, dito de outro modo (porque a noo de Pode-se, no entanto, contrapor a essas tentativas a objeo de que supervalorizam sentido possui mil sentidos), apenas se ele tiver razes que podem ser, natural-a unidade das disciplinas que invejam. Basta percorrer a monumental histria damente, mais ou menos conscientes conforme os casos para adot-lo.anlise econmica de Schumpeter para vermos que a economia muito mais diversaE bvio que nem sempre estes princpios podem ser postos em prtica facilmente,do que se pensa. E para constatarmos que, na lingstica, h quase tantos estrutura- e teremos de admitir que a reconstituio do "sentido" da ao ser em muitos casoslismos quanto estruturalistas, podemos comparar, por exemplo, um Chomsky (1963)conjectura!.eumHarris(1951). Por outro lado, se certo que o vocbulo "sociologia" abrange diversas atividades, a Mas se por um lado devemos reconhecer a diversidade dos paradigmas utilizveiss cincias sociais assumem, para ns, uma finalidade essencialmente cognitiva. Emem sociologia, devemos igualmente evitar o excesso oposto: o slogan do pluralismooutras palavras, sua legitimidade decorre, em primeiro lugar, e semelhana dasa qualquer preo to fcil e superficial quanto estril. Conduz rapidamente ao "tudo outras disciplinas cientficas, de sua capacidade de criar um conhecimento suplemen- bom", ou seja, no final de contas, ao ceticismo. tar, de resolver enigmas, isto , de propor uma explicao clara e em teoria 13. 22 TRATADO DE SOCIOLOGIAuniversalmente aceitvel de fenmenos que se revelam, primeira vista, opacos aoesprito. Convm acrescentar que o princpio segundo o qual uma teoria sociolgicadever poder ser submetida a um auditrio ou a um tribunal "universal" implica,decerto, que absurdo evocar, como sucede por vezes lamentavelmente, a existncia r damos, mas pelo que nos vm confirmar quanto quilo em que acreditamos ou que sabemos desde sempre.3Era importante introduzir estes esclarecimentos. Eles explicam por que no hesitamos em recuar no tempo, quanto s referncias e aos exemplos. H uma INTRODUO 23de critrios que seriam especficos da sociologia. mxima que pretende que nas disciplinas cientficas bem constitudas, metade do As obras sociolgicas, tanto clssicas como modernas, que trazem consigo um saber teria sido acumulado nos ltimos dez anos. No esse por certo o caso nassuplemento autntico de conhecimento, parecem satisfazer sempre dois critrios:cincias sociais.explicar fenmenos enigmticos, obedecendo ao mesmo tempo as restries e oscritrios comuns a todas as disciplinas cientficas. Assim, Durkheim tentou explicaras curiosas propriedades dos dados estatsticos relativos ao suicdio ou compreenderas razes das crenas mgicas. Weber (1920-21) interrogou-se, na esteira de Tocque-A concepo do presente tratadoville (1835), por que razo a religiosidade, que parecia estar desaparecendo naEuropa, persistia nos Estados Unidos. A resposta a essas interrogaes tudo menosevidente; e de enigmas que realmente se trata. A resposta que ambos propemDas observaes precedentes resulta que possvel conceber um tratado de sociolo-apresenta-se sob a forma de teorias que obedecem os critrios gerais da cientificidade gia de trs formas. Podemos apagar as diferenas significativas que separam osem vigor em todas as disciplinas cientficas.paradigmas e as tradies sociolgicas. Mas nesse caso corremos o risco de nos Afirmar que este objetivo cognitivo por vezes ignorado pelas cincias sociais deparar com um maior denominador comum minsculo, ou de criar convergncias contemporneas constitui uma litotes. A finalidade essencialmente cognitiva dascusta da clareza e da realidade.cincias sociais era talvez mais visvel na poca dos pioneiros do que hoje em dia. A segunda soluo consiste em visar a exaustividade respeitando as diferenas e Isto resultado de fatores complexos e imbricados entre si: de fenmenos as divergncias. Haver ento o risco de se produzir um catlogo em lugar de ummorfolgicos, como o crescimento extremamente brutal deste ramo de atividade;tratado.da diviso de trabalho, que Durkheim qualificaria como anmica, que acompa- A terceira soluo consiste em tentar pr em evidncia os conhecimentos adqui-nhou este crescimento e de seus efeitos de balcanizao; da presso da demanda ridos e as potencialidades de um dos paradigmas, reconhecendo porm que existem"cameralista", que incita as cincias sociais a fornecerem a toda e qualquer outros. Dada a sua importncia especial, que ser enfatizada assim o esperamosespcie de comanditrios, reais ou supostos, esclarecimentos ou informaes nos captulos que se seguem, optamos aqui por privilegiar o paradigma designadosobre os fatos sociais em lugar de explicaes dos fenmenos sociais; da influn-por sociologia da ao.cia crescente da mdia, que fomenta o gnero ensasta e, de um modo geral, as Uma vez adotada esta abordagem geral, faltava elaborar o ndice de matrias.produes com um propsito mais esttico do que cognitivo; das orientaesPara tal, procuramos definir cada captulo a partir de um tema fundamental,tericas estreis em que as cincias sociais se deixaram submergir repetidamente;sempre que esse tema tenha dado origem a um fluxo de investigaes mais ou menosdo peso que as ideologias sobretudo a ideologia marxista e a ideologia permanente e cumulativo.relativista exerceram e continuam a exercer sobre essas disciplinas h vrias Esta opo comportava duas conseqncias que merecem ser sublinhadas. Adcadas; e de muitos outros fatores. propsito de um determinado captulo (por exemplo, o captulo sobre a mobilidade As cincias sociais, sem dvida mais que as outras, foram afetadas pelo "relativis- social), o leitor ter uma exposio sumria sobre as tcnicas, em particular asmo" que vem se instalando com crescente firmeza a partir dos anos 60: ele transfor-tcnicas quantitativas cuja utilizao se foi expandindo na sociologia atual. Rejeita-mou numa quase-certeza a idia de que a objetividade uma iluso e que s existem dos, porm, deliberadamente consagrar um desenvolvimento especial a estas ques-"interpretaes", sobretudo quando se trata de fenmenos humanos. Talvez seja portes, por um lado porque so objeto de obras especializadas, por outro porqueisso, como nota um observador perspicaz, que no fcil encontrar na sociologia queramos concentrar-nos rigorosamente em nossa abordagem: procurar delinear acontempornea teorias que dem a impresso de explicar de forma convincentefenmenos enigmticos.2 Em contrapartida, sob a bandeira das cincias sociaisvamos encontrar muitos dados quase em estado bruto, ou ensaios que devem o Lepenies (1985) defende a idia de que a sociologia representaria uma "terceira cultura" entre ainteresse de que usufruem no pelo fato de nos explicarem aquilo que no compreen- J eratura e a cincia. Ser mais justo e, em qualquer caso, menos equivoco dizer que a etiquetasociologia" abarca produes literrias e produes cientficas. Porm, a grandeza de um Tocqueville,e umWeber ou de um Durkheim provm, sobretudo, das respectivas contribuies cientficas do2 Pawson (1989). de terem proposto solues convincentes para determinados enigmas. 14. 24 TRATADO DE SOCIOLOGIAcontribuio da sociologia para os grandes tipos de processos sociais sobre os quaisela se debruou mais especificamente.Pela mesma razo, no tentamos de modo algum delinear de forma sistemtica acontribuio da sociologia para o conhecimento de objetos sociais concretos. Por rINTRODUO Kuhn T. (1962), The Structure of Scientific Revolutions, Chicago, University of Chicago Press,1970; tr. fr. La structure ds rvolutions scientifiques, Paris, Flammarion, 1970, 1983. Lefebvre H. (1968), L droit La ville, Paris, Anthropos. Lepenies W. (1985), Die drei Kulturen: Soziologie zwischen Literatur und Wissenschaft, Munique,Hanser Verlag; tr. fr. Ls trois cultures. Entre science et littrature lavnement de Ia25conseguinte, no iro encontrar nenhum balano dos estudos descritivos relativos s sociologie, Paris, Maison ds Sciences de lHomme, 1990.instituies escolares, judiciais, artsticas, cientficas, sindicais e outras, embora elasL Play F- (1855), Ls ouvriers europens, Paris, Imprimerie Nationale.sejam moeda corrente na sociologia atual.March J., Simon H. (1958), Organizations, Nova York, Wiley; tr. fr. Ls organisations, Paris,Dunod, 1964, 1974.Finalmente, devemos sublinhar que, se este tratado representa um empreendimen- Mendras H. (1967), Lafin ds paysans, Paris, A. Colin.to coletivo, cada um dos autores concebeu a respectiva contribuio com plena(1988), La seconde rvolution franaise, 1965-1984, Paris, Gallimard.liberdade. Da resulta uma diversidade dos ngulos de abordagem e de estilos. Alguns Mills W. (1951), White Collar. The American Middle Classes, Nova York, Oxford University Press,captulos so mais "pessoais", outros mais "impessoais". Todos eles se valem da 1956; tr. fr. Ls cols blancs. Ls classes moyennes auxEtats-Unis, Paris, Maspero, 1966.sociologia de ao; porm, como facilmente se constatar, alguns se apoiam sobre Moulin R. (1967), L marche de lapeinture en France, Paris, Minuit, 1970. Oberschall A. (1973), Social Conflicts and Social Movements, Englewood Cliffs, Prentice Hall.uma concepo mais restritiva, outros sobre uma concepo mais aberta da ao. EstaOlson M. (1965), The Logic ofCollective Action, Cambridge, Harvard University Press; tr. fr. Ladiversidade proporcionar talvez ao leitor uma imagem mais verdica da sociologia logique de Vaction collective, Paris, PUF, 1978.tal como ela hoje em dia. Convm acrescentar uma outra fonte de diversidadeParsons T. (1937), The Structure of Social Action, Glencoe, The Free Press, 1964. que os temas tratados pela sociologia surgem com maior ou menor vigor, dePawson R. (1989), A Measurefor Measures, Londres/Nova York, Routledge & Kegan Paul.acordo com a poca. Da que as referncias tendam a concentrar-se, em alguns Quetelet L.A. (1869), Physique sociale ou Essai sur l dveloppement ds facultes de 1homme,Bruxelles, Murquardt.captulos, nos anos recentes e, em outros, em perodos mais recuados.Schumpeter J. (1954), History of Economia Analysis, Londres, Oxford University Press; tr. fr.Histoire de 1analyse conomique, Paris, Gallimard, 1983, 3 vol. Thlot C. (1982), Telpre, telfils?, Paris, Dunod. Tocqueville A. de (1835-1840), De Ia dmocratie en Amrique, in CEuvres completes, Paris,BibliografiaGallimard, 1.1, 2 vol., 1961. (1856), LAncien Regime et Ia Rvolution, in (Euvres completes, Paris, Gallimard, t. II, 2vol., 1952-1953. Touraine A. (1955), Lvolution du travail ouvrier aux usines Renault, Paris, CNRS.Becker H. (1982), An Worlds, Berkeley/Los Angeles/Londres; tr. fr. Ls mondes de lart, Paris, (1973), Production de Ia socit, Paris, Seuil, 1973. Flammarion, 1988. Weber M. 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Esta tradio apenas uma entreoutras. No entanto, merece ateno por sua transparncia epistemolgica e sua eficciaprtica:- por sua transparncia epistemolgica: a sociologia da ao define-se por um conjunto de princpios claros e baseados na natureza das coisas;- por sua eficcia: o interesse da sociologia como de qualquer disciplina cient- fica mede-se por sua capacidade de explicar fenmenos primeira vista obscuros para o esprito. Ora, a sociologia da ao demonstrou fartamente que era capaz de satisfazer esta exigncia. Veremos exemplos disso ao longo de todo este volume.O paradigma da sociologia da aoDesigna-se, muitas vezes, por paradigma os princpios fundamentais sobre os quaisapia-se uma comunidade cientfica. Um paradigma , de algum modo, a constitui-o, o conjunto das regras bsicas que orientam o pesquisador em sua atividade.Fala-se, por exemplo, do .paradigma cartesiano para designar os princpios em querepousam as teorias da fsica propostas por Descartes. Esses princpios incitam oPesquisador a representar de forma mecnica todos os fenmenos naturais, com baseno modelo do choque entre as bolas de bilhar ou no da transmisso dos movimentosentre as engrenagens de um relgio. Este paradigma usado, por exemplo, na teoriacartesiana da ptica. 16. 28 TRATADO DE SOCIOLOGIADefinio da sociologia da ao As cincias sociais tambm tm os seus paradigmas. Um deles , de um modo geral, designado pela noo de sociologia da ao ou sociologia interacionista. Mas h rAO s se pode permitir responder s necessidades financeiras de um muturio annimo se tiver a garantia de que este lhe pagar juros. A partir do momento em que a necessidade29 lei, a idia de carter imoral do emprstimo com juros foi se erodindo progressivamen- te acabando por cair em desuso. Eis por que, hoje em dia, o tabu se refugiou no seio da outros: a sociologia estrutural-funcionalista, a sociologia marxista, a sociologiafamlia restrita, meio em que prevalecem as relaes de interconhecimento que, nas durkheimiana representam paradigmas sociolgicos, tambm eles dotados de umasociedades tradicionais, se estendiam a grupos e a redes muito mais vastas. Vemos que certa continuidade no tempo.a anlise de Mannheim considera o desaparecimento deste tabu como efeito de mudan-O primeiro princpio fundamental da sociologia da ao consiste em levar a srio as ocorridas nas atitudes e nos comportamentos dos atores, por ele analisados como o fato de que todo fenmeno social, qualquer que seja, sempre o resultado de aes, tendo um sentido, no caso representando adaptaes compreensveis em se tratando de de atitudes, de convices, e em geral de comportamentos individuais. O segundo condies sociais em mutao. princpio, que completa o primeiro, afirma que o socilogo que pretende explicar umOs princpios da sociologia da ao podero dar uma impresso de banalidade. No fenmeno social deve procurar o sentido dos comportamentos individuais que estoentanto, tem-se constatado muitas vezes sua validade por motivos que iremosem sua origem. analisar adiante. Por outro lado, deve-se reconhecer que se a enunciao dessesEsses princpios podem ser ilustrados atravs de um exemplo elementar extrado princpios simples, eles podem revelar-se de execuo muito difcil na prtica, pelade Simmel (1892). Suponhamos, diz ele, que pretendssemos explicar a existnciasimples razo de que as causas individuais dos fenmenos sociais so, freqentemen-do tnel de Saint-Gothard. Tal existncia , evidentemente, o produto de uma srie te, inmeras. Por outro lado ainda, poder resultar extremamente difcil especificarde aes, neste caso, de decises polticas, cientficas, arquitetnicas, e tambm deas razes que levaram certo ator a determinado ato, por falta de seu prprio testemu-aes de execuo. Explicar a existncia do tnel traduz-se, portanto, em reconstituir nho, ou porque ele pertence a uma cultura no familiar.essa rede de aes e, ao mesmo tempo, dar conta das razes dessas aes. AAntes de prosseguirmos com a discusso desse paradigma, h uma questo desociologia da ao postula se nem sempre na prtica, pelo menos em teoria quevocabulrio que merece ser esclarecida. Para design-la propusemos vrias expressesa explicao de qualquer fenmeno social se inscreve neste tipo. Vai mesmo maisconcorrentes: sociologia da ao, sociologia interacionista, sociologia acionista. Delonge ao admitir que esses princpios so aplicveis s cincias sociais em seufato, cada uma dessas expresses apresenta vantagens e inconvenientes. A ltima tem aconjunto.desvantagem de ser mais neolgica do que as outras duas. As duas primeiras, por seuTomando um exemplo elementar da economia, suponhamos que queremos expli- turno, expem-se ao risco de confuso com correntes de pensamento que no secar a baixa do preo de um produto no mercado: ela resulta de uma multiplicidade revestem, nem de longe, da importncia da sociologia da ao, na acepo em quede decises tomadas pelos produtores, pelos distribuidores e pelos consumidores do usamos aqui esta expresso. Com efeito, designa-se por interacionismo simblico umproduto. Assim, explicar a baixa em questo consiste em identificar os atores, maisparadigma, ou melhor, um estilo de investigao sociolgica que se caracteriza pelaprecisamente os grupos de atores em causa, e em descobrir o sentido de seusnfase dada aos aspectos simblicos das relaes de interao social. Esse estilo derespectivos comportamentos. Essa anlise to simples de um ponto de vistainvestigao, ilustrado, por exemplo, por E. Goffman (1956), , por essncia, microsso-terico quanto pode ser complexa de um ponto de vista prtico chegar, por ciolgico. Isso significa que est circunscrito, na prtica, anlise de grupos concretosexemplo, concluso de que o surgimento de um produto de melhor qualidade constitudos por pessoas em situao de interao direta. Ora, a sociologia em geral e aseduziu os consumidores e que, em conseqncia disso, os comerciantes foramsociologia da ao em particular esto, tradicionalmente, interessadas tambm e sobre-levados a "queimar" uma mercadoria que se tornou obsoleta. tudo em objetos que se situam em uma escala muito mais ampla. Basta lembrar algumasSegundo a sociologia da ao, todos os fenmenos sociais, inclusive as mudanasobras, como LAncien Regime et Ia Rvolution de Tocqueville (1856), A tica protestan-verificadas nos costumes ou nas crenas, explicam-se da mesma maneira. Da que te de Weber (1920a) ou La division du travail de Durkheim (1893), para constatar queMannheim (l929) se interrogue por que razo o tabu que pesou durante tanto tempoa maioria das grandes obras sociolgicas clssicas possui um carter macrossociolgi-sobre os emprstimos com juros foi desaparecendo progressivamente. Foi-se erodindo,co. Em outras palavras, elas tratam de fenmenos macroscpicos, ou seja, de fenmenosexplica, com o desenvolvimento das trocas. Enquanto estas se realizavam entre indiv-que se situam em uma escala mais ampla do que a dos grupos diretamente observveis.duos que se conheciam, o prestamista podia esperar que o muturio lhe prestasse, J-te modo geral, interessam sociologia no apenas as situaes de interao diretaoportunamente, servios equivalentes ao emprstimo concedido. Com o surgimento dacaracterizadas por uma situao de face a face entre atores, mas tambm as situaes de lnteconomia de troca, este sistema bilateral ir se revelar demasiado rgido. O prestamista erdependncia, em que os atores agem entre si sem se conhecerem e sem se verem. Convm, portanto, no confundir a sociologia interacionista com o interacionismo simblico. Alis, o socilogo francs A. Touraine (1965,1984) designa pela expressolEste exemplo retomado no captulo XIII, "Conhecimento", p. 519. sociologia da ao" uma teoria especfica da transformao social: a que confere um 17. 30TRATADO DE SOCIOLOGIAAO31papel crucial aos "movimentos sociais" na gnese da transformao social. Com oNa Frana do final do sc.xix, uma figura continua a dominar a cena intelectual:propsito de recordar que a sociologia da ao, no sentido em que a entendemos, noAuguste Comte. Sem se dar conta disso, Durkheim faz suas um certo nmero decoincide de modo algum com estes desenvolvimentos particulares, usaremos esta ex-dias de Auguste Comte (1830-1842), que se mostram tanto a ele como a muitos depresso simultaneamente s duas outras.seus contemporneos evidentes em si mesmas. Reproduz sua concepo totasta ou, como tambm se diz, holista do social, sua viso evolucionista da histria, sua classificao das cincias. Todavia, dado que o estilo proftico de Comte contrastaOrigens intelectuais da sociologia da ao com o estilo acadmico e cientfico de Durkheim, hoje em dia torna-se por vezes difcil entender essa filiao, contudo bastante direta, entre inspirador e discpulo. incontestvel ter sido na Alemanha que nasceu a sociologia da ao, pelo menosCom efeito, impossvel compreender a concepo que Durkheim tem da sociologia em sua forma consciente e programtica. Do mesmo modo que o livro de Durkheim se no percebermos que ela se enraza na classificao das cincias de Comte. Essa (1895) sobre as Rgles de Ia mthode sociologique assinala a importncia do classificao convertera-se num evangelho da Frana do sc.XIX em funo de sua paradigma positivista em sociologia, tambm os grandes textos epistemolgicos desimplicidade, e tambm porque a progresso por ela traada desde a fsica biologia Weber (1922a, 1922b) (Economia e sociedade; Ensaio sobre a teoria da cincia) e correspondia ordem histrica do surgimento das cincias. No havia, portanto, de Simmel (1892) (Os problemas da filosofia da histria) podero ser considerados qualquer razo para no atribuir a esta viso comtiana algo de definitivo, e no se como os manifestos fundadores da sociologia da ao.2 deixar seduzir pela concluso de Comte, ou seja, a de que a sociologia era o ltimo importante insistir nas diferenas intelectuais que opem Durkheim e Weber.elo de uma cadeia evolutiva. Aps a qumica, e depois da biologia, a sociologia estavaAmbos so considerados, em geral, figuras significativas e complementares da apta a atingir o estado positivo. sociologia clssica. , porm, absurdo pretender reduzi-los um ao outro. Se ambosSem dvida Comte conseguira traar esta linha evolutiva simples porque havia se ignoraram quase por completo, ter sido talvez por compreenderem claramente aremovido de sua lista toda espcie de disciplinas, cuja existncia era no entanto assazdivergncia existente entre suas concepes da sociologia. R. Aron (1967), no queevidente, e por vezes desde h muito, como o caso da histria, da economia e datoca a este aspecto da histria da sociologia, foi mais perspicaz do que T. Parsons. psicologia. Contudo, era tal a fora da concepo linear do progresso, no sc.XIX, quePercebeu claramente que Marx, Weber, Simmel, por um lado, e Durkheim, Mauss ese aceitava facilmente negligenciar os pormenores suscetveis de perturbar a purezaentre os modernos Lvi-Strauss, por outro, representam distintas tradies de pensa- das curvas evolutivas.mento. Em seu louvvel esforo de unificao da sociologia, Parsons tentou, emEm todo caso, Durkheim literalmente retoma, consolida e legitima as exclusescontrapartida, apagar essas diferenas. O fato de sua obra mais importante, La de Comte: a histria no faz parte das "cincias", a psicologia manifesta pretensesstructure de Vaction sociale (1937), ser considerada, de um modo geral, mais ilegtimas ao nvel de cincia, a economia no passa de uma encarnao da "metaf-sincrtica do que sinttica constitui talvez o preo que teve de pagar por estesica", que Durkheim (1895), como bom comtiano, julgava condenada. Em suma, acompromisso. Porque prefervel, devido a razes de clareza, reconhecer que a sociologia cientfica devia eliminar qualquer psicologia. Ela ir inspirar-se na fsica,sociologia dispe de um leque de paradigmas perfeitamente distintos do que preten- ao menos tal como era imaginada no final do sc.XIX, sobretudo ao buscar destacarder mistur-los numa sntese frgil. A tentativa de Parsons em erigir o trio Weber- as leis sociais que presidem s relaes existentes entre fatos sociais. Por outro lado,Durkheim-Pareto numa espcie de Newton policfalo da sociologia surge hoje, alis, ir reter da biologia a idia de que, medida que se sobe na escala dos seres, o todoem toda a sua ingenuidade, numa poca em que apenas um escasso nmero de fsicos tende a dominar as partes.estaria pronto a admitir que a fsica apia-se num nico paradigma. Apesar disso, o Na Alemanha, Comte no exercera a mesma influncia. Em parte, porque Hegelconforto intelectual que uma viso unificadora ainda que precria proporciona havia ocupado o mesmo espao intelectual. Por outro lado, desencadeara-se na Alema- to grande que proposta de sntese de Parsons se sucederam regularmente outras. nha, no final do sc.xixe incio do XX, uma intensa discusso de mtodo sobre o estatutoPara compreender a oposio intelectual que separa Durkheim de Weber, convmepistemolgico das chamadas cincias do esprito (Geisteswissenschaften). Com efeito,abordar brevemente alguns aspectos histricos, uma vez que um paradigma raramen- ssa discusso girava em torno do problema da objetividade em histria: ater-se aote cai do cu. De maneira geral, ele tambm no o efeito de uma intuio ou de um Programa "realista" que o grande historiador Leopold von Ranke tinha supostamentegolpe de gnio. A maior parte das vezes, emerge de um clima intelectual. Ora esse definido e proposto (descrever o passado "tal como tinha se desenrolado na realidade")clima era extremamente diferente na Frana e na Alemanha na poca em que os u, como o seu colega da Universidade de Berlim, G.W.F. Hegel (1807), conceder-sefundadores procuram definir os contornos da sociologia. maior liberdade de interpretao? Em caso positivo, at onde se poderia avanar semcair no arbitrrio? no contexto dessa polmica em torno do mtodo que se desenvolvea sociologia alem clssica. Ele explica que ela se defina, inicialmente, como uma2 Boudon, Bourricaud (1982).Janeira original de apreender a histria. 18. 32TRATADO DE SOCIOLOGIANo fundo, para muitos dos socilogos alemes da poca clssica, o socilogodistingue-se, de fato, do historiador na medida em que concede a si mesmo o direito de, a propsito dos fenmenos histricos e sociais, colocar questes s quais no possvel responder sob a forma de narrativa. O socilogo prope sobretudo abordarrOs princpios da sociologia da aoAORetomemos o princpio segundo o qual um fenmeno social, qualquer que seja, deve33 assuntos que a histria tradicional trata pelo mtodo gentico o da narrativa ser entendido tal como , ou seja, o produto de aes, de crenas ou de comporta-com recurso a mtodos inditos. Foi com uma narrativa, alis admirvel, que Ranke mentos individuais. Este princpio comumente designado pela expresso "indivi-(1824), por exemplo, respondeu a uma das questes que o preocupava: por que razo dualismo metodolgico" (IM). Constitui o primeiro princpio da sociologia da ao.a Alemanha fora construda a partir da Prssia? No atravs de um relato que Weber(1920b) responde s questes que lhe interessam: por que a industrializao nogerou nos Estados Unidos os efeitos de laicizao que produziu na Frana ou naO primeiro princpio da sociologia da aoAlemanha? Por que os destinos do capitalismo se desenvolveram mais facilmente emmeios puritanos? Poder-se-ia fazer idntica observao a propsito das questes Esta expresso "individualismo metodolgico" foi criada pelo socilogo esuscitadas por Simmel (1900) quanto influncia do dinheiro sobre as representa- economista austraco J. Schumpeter (1954) e divulgada pela economista F. vones sociais, por exemplo, ou por Sombart (1906) sobre as razes pelas quais aHayek (1952) e pelo filsofo das cincias K. Popper. Porm, j a encontramos,industrializao nos Estados Unidos no foi acompanhada pelo surgimento detextualmente, numa carta de Max Weber a seu amigo R. Liefmann, um economistamovimentos socialistas. marginalista: "A sociologia, ela prpria tambm (i.e., tal como a economia de estiloPor outro lado, enquanto Durkheim ignora por completo a economia, os socilo- mengeriano), s pode ter origem nas aes de um, de alguns ou de muitos indivduosgos alemes no podem deixar de se referir a ela, dado o lugar que Marx ocupa nodistintos. por isso que tem de adotar mtodos estritamente individualistas." Maxclima intelectual e poltico alemo, e tambm em virtude do notvel ressurgimento Weber no faz esta afirmao por acaso. Pelo contrrio, encontramo-la desenvolvidada teoria econmica que ocorrera na ustria com Carl Menger. Tal como Hayek nas primeiras pginas de Economia e sociedade (1922a), bem como em inmeros(1978) muito bem assinalou, os Grundstze (1871), e mais tarde os Untersuchungentextos metodolgicos. Alm disso, aplica-a em suas anlises sociolgicas, queber die Methode der Sozialwissenschaften (1883) de Menger, afirmam com clareza comportam quase sempre, mesmo que de forma elptica, um momento em que soa importncia, para as cincias sociais, de um triplo princpio que iremos encontrarexaminadas as razes que levam os atores a manifestar um dado comportamento ouna sociologia alem clssica: uma dada convico. Veremos alguns exemplos em seguida.1. O princpio que consiste em tentar explicar os fenmenos macroscpicosDeve-se ter cuidado, aqui, em distinguir os diversos sentidos da palavra "indivi-reconduzindo-os s suas causas microscpicas; dualismo", e em no confundir o sentido metodolgico com o sentido moral ou o 2. O princpio segundo o qual estas causas devem ser assimiladas com grandesentido sociolgico. Individualista no sentido moral aquele que faz do indivduo afreqncia s razes (implcitas ou explcitas) dos atores; fonte suprema dos valores morais. Uma sociedade individualista, no sentido3. O princpio de simplificao que exige que os atores sejam reagrupados por sociolgico, sempre que a autonomia do indivduo nela considerada um valortipos Weber dir por tipos ideais.dominante. No sentido metodolgico, a noo de individualismo tem um significado A metodologia de um Weber ou de um Simmel est demasiado prxima dessestotalmente diverso: implica apenas que, para explicar um fenmeno social, neces-princpios para que possamos evitar a hiptese de uma influncia de Menger sobre asrio descobrir suas causas individuais, ou seja, compreender as razes que levam ossociologia clssica alem, Esses princpios, e particularmente o primeiro, no eram atores sociais a fazer o que fazem ou a acreditarem naquilo em que acreditam.alis estranhos ao prprio Marx (1847) que, por mais contraditrio que seja em ^ No obstante sua aparente banalidade, o princpio do IM deparou com toda umarelao a essas questes de mtodo, aconselhava Proudhon a no considerar a srie de objees.sociedade como uma Sociedade-Pessoa, mas como uma sociedade de pessoas.Assim, s vezes afirma-se que ele se aplicaria apenas s sociedades "individualis-as Havia, pois, razes de sobra para que asociologia, na Alemanha, se desenvolvesse (no sentido sociolgico). Nas sociedades "arcaicas", como s vezes so chama-como que na encruzilhada da histria, da economia e da psicologia. Na Frana, ao as, o indivduo no disporia de uma autonomia real, exceto no plano biolgico econtrrio, encontravam-se reunidas todas as condies para que ela se definisse Jsico. Portanto, esse princpio no seria pertinente. De fato, essa objeo baseia-sencontra essas disciplinas. Assim como havia tambm todos os motivos para que a urna confuso de vocabulrio: ela assimila o sentido metodolgico e o sentidosociologia francesa fosse atrada sobretudo por uma perspectiva holista, e a sociolo- ociolgico do conceito de individualismo. Por outro lado, veicula uma repre-gia alem por uma perspectiva individualista das sociedades.entao ingnua das sociedades arcaicas na poca vitoriana, essa representaoaPoiava-se no sentimento de superioridade dos ocidentais;.hoje em dia, com freqn-cia tem por base uma viso rousseauniana, que pretende ver nas sociedades remotas 19. 34 TRATADO DE SOCIOLOGIA AO35uma espcie de repositrio onde ainda reinaria um calor comunitrio que se teria O princpio do IM tambm no exclui que, em determinadas condies, no se possadissipado nas sociedades modernas. tratar legitimamente uma entidade coletiva como um indivduo. Assim, possvel falarOs que estudaram de perto as chamadas sociedades arcaicas, como Evans-Prit-do governo francs ou do Partido Comunista francs como se se tratasse de indivduos.chard (1937) em seu estudo sobre os Azand do alto Sudo, por exemplo, sempre Dado que ambas as entidades esto providas de um sistema de deciso coletiva, poder-sublinharam que os indivduos dessas sociedades podiam revelar-se to cticos ese- enunciar a seguinte proposio: "O PCF optou por adotar essa linha porque obtinhacalculistas quanto os cidados das sociedades modernas. No sem humor, Popkin da um benefcio eleitoral." Neste caso, a personificao no levanta problemas. Em(1979) mostrou, por outro lado e de forma convincente, que, se era muitas vezes contrapartida, vai contra o princpio do IM declarar, por exemplo: "A sociedade francesaexigida a unanimidade nas sociedades arcaicas para que uma deciso assumisse forapensa que...", "a classe operria considera que de seu interesse...".de lei, isto no se dava pelas razes habitualmente invocadas e que, na realidade, no O IM, s vezes, discutido por motivos epistemolgicos ou metafsicos. Assim,existem seno na cabea dos observadores ocidentais. A grande difuso dessa regra h quem pense que a prpria noo de "cincia" implica a eliminao dos dadosno conseqncia de um unanimismo que seria caracterstico dessas sociedades. subjetivos uma cincia digna desse nome no poderia formular proposies queResulta, antes, do fato de constiturem sistemas sociais extremamente frgeis. Dessedescrevessem os estados subjetivos de um indivduo, uma vez que tais estados somodo, qualquer mudana ameaa o seu equilbrio precrio e pode revelar-se fatal. por definio inobservveis. Trata-se de uma objeo clssica entre os positivistas.igualmente compreensvel que cada um, num sistema desse gnero, deseje dispor doNem Comte nem Durkheim concebiam que uma sociologia com pretenses cientfi-direito de veto em relao a uma deciso que considere ameaadora.cas pudesse conter proposies deste tipo. Eis o motivo por que Durkheim militaO IM tambm no implica que se conceba o ator social como que suspenso numa energicamente, em muitos de seus textos, em prol de uma sociologia totalmenteespcie de vazio social. Ele pressupe, ao contrrio, que o ator foi socializado, que despojada de toda e qualquer psicologia. Em L suicide (1897), arrisca mesmo umaest em relao com outros atores, os quais, tal como ele prprio, ocupam papisespcie de aposta: falar do suicdio desinteressando-se por completo das razes dossociais, tm convices etc. De um modo geral, o IM reconhece indiscutivelmente suicidas. Na verdade, no o consegue inteiramente. Caso se examine L suicide que o ator social se move dentro de um contexto que se lhe impe em larga medida. lupa, constata-se com efeito, sem grande dificuldade, que as proposies atravs dasEste princpio no implica, portanto, que se conceba a sociedade como uma justapo-quais vai dando conta das correlaes observadas entre as taxas de suicdio e assio de solides calculistas. Veicula no uma imagem atomista, mas interacionistadiferentes variveis explicativas que introduz so, de fato, proposies psicolgicas.da sociedade, o que certamente diferente. Todavia, freqente a confuso entre Mas essas proposies psicolgicas so introduzidas apressadamente.individualismo e atomismo. E os melhores espritos podem nela cair, como demons- Outros autores chegam a opinies anlogas por outras vias: inabalavelmentetra o fato de, por causa do atomismo, G. Gurvitch (1950) ter condenado a sociologia convictos, muitas vezes por obedincia vulgata marxista, de que o indivduo node Weber de forma to severa quanto R. Aron (1964) condenou a de Simmel, quando dispe de qualquer margem de autonomia e que o joguete absoluto de determinis-a acusao infundada tanto num caso como no outro.mos sociais, concluem que uma sociologia baseada no IM s poder reforar umaPor outro lado, note-se que o IM no probe (por que o faria?) que se agrupem osiluso de autonomia puramente imaginria. Durkheim, por seu turno, reconhecia ematores por categorias, desde que eles se encontrem numa situao anloga e se possa contrapartida a autonomia do ator e via na educao um instrumento de ampliaoesperar observar, de sua parte, uma atitude semelhante relativamente a este ou quele dessa autonomia. Era devido a razes epistemolgicas que rejeitava os enunciadosassunto. assim que Weber (1920a) admite, em A tica protestante, que h algo de sobre os estados subjetivos dos atores sociais. Em contraste, os neomarxistas repu-comum entre todos os calvinistas. Do mesmo modo., o economista reconhece quediam-nos por motivos de doutrina: tal como o sujeito social de A ideologia alemtodos os consumidores que se confrontam com um aumento de preos tendem a (1846) que Marx e Engels condenam a ver o mundo s avessas, segundo eles o atorcomportar-se da mesma maneira. E sempre que um sistema econmico oscila de umas poderia alimentar iluses sobre as razes de seu comportamento. Este princpioeconomia de subsistncia para uma economia de troca esta mudana afeta, seno plasma toda a sociologia de Bourdieu, por exemplo.todos, pelo menos uma boa parte dos atores sociais. Da que a idia de carter imoralAos neomarxistas pode-se objetar que no h qualquer razo para partilhar de seuou moral do emprstimo com juros seja coletiva. No existe, portanto, nenhuma Pessimismo doutrinrio e que muito difcil entender por que, num mundo quecontradio entre a metodologia individualista e a vocao da sociologia, que a deescrevem como povoado por cegos, seriam eles os nicos a ver. Aos positivistastratar fenmenos coletivos. Pode-se contrapor uma simples observao, ou seja, a de que os enunciados relativos necessrio ir mesmo mais longe: uma vez que a sociologia da ao se interessa s estados subjetivos de um indivduo podem ser to exatos e objetivos quanto ospor fenmenos que so, em geral, resultado de inmeras causas individuais, unciados das cincias da natureza. Assim sendo, proposies como "a me deuindispensvel, se no quisermos cair num impasse, agrupar os atores por grupos"ia bofetada no filho porque estava irritada" ou "foi a imprudncia que esteve naabstratos, reuni-los por tipos ou, como se pode afirmar na esteira de Weber, insistindo^ern deste incndio" podem ser to corretas como a proposio segundo a qual as arno carter simplificador deste processo, por tipos ideais.npas das chaleiras se levantam quando a gua atinge 100 C. 20. 36 TRATADO DE SOCIOLOGIA AO 37 No unicamente em virtude dessas objees e mal-entendidos que o princpio ode ter muita dificuldade em "se colocar no lugar do observado". Para consegui-lo,do IM nem sempre aceito. Isso tem a ver tambm com o fato de sua execuo nem ter antes de mais nada condio necessria mas no suficiente de recolhersempre ser fcil, embora traduza uma idia simples e banal. Uma dada taxa denformaes mltiplas sobre o contexto social a que o observado pertence.natalidade resulta, sem qualquer sombra de dvida, da conjugao de comportamen- preciso insistir numa conseqncia dessas dificuldades: quando observamos umtos individuais. No entanto, o socilogo pode ser incapaz de explicai-, por exemplo,comportamento que parece estranho e estamos pouco familiarizados com o contextoa razo pela qual os comportamentos em matria de procriao se modificaram entre em que este surge, inclinamo-nos a consignar essa impossibilidade de nos colocar-dois perodos. Da que se revistam de valor outros tipos de explicao (a explicaomos no lugar de outrem e a interpretar, de uma forma ou de outra, esse comporta-estatstica, porwemplo). Assim, pode ser interessante observar a existncia de umamento como irracional, isto , como desprovido de razes " preciso ser loucocorrelao entre a evoluo das taxas de natalidade e uma dada varivel econmica,(ou ingnuo, estpido, atrasado, primitivo, cheio de preconceitos, inconsciente etc.)mesmo que no se tenha nenhuma idia das causas microscpicas que lhe subjazem. para fazer tal coisa." Esta observao tanto mais importante quanto este vocabul-Igualmente, podemos constatar uma evoluo da demanda global da educao semrio comporta variantes eruditas suscetveis de nos induzir facilmente em erro. Eis porque estejamos em condies de precisar por que razo as famlias tendem a procurarque muitas anlises apelam para noes como "alienao", "masoquismo", ounveis escolares mais elevados. defendam que um ator "interiorizou" valores perante os quais se dobra de modocompulsivo para explicar comportamentos primeira vista incompreensveis. Podeacontecer que tais explicaes sejam fundamentadas e que os conceitos a queO segundo princpio: o princpio de racionalidade acabamos de nos referir se revistam de verdadeiro interesse cognitivo. Muitas vezes,porm, no fazem mais que traduzir a incapacidade sentida pelo observador de seSegundo o princpio do IM, um fenmeno social deve ser interpretado, na medida do colocar na posio daquele cujo comportamento observa, ou sua preocupao depossvel, como efeito de aes, de convices, de comportamentos individuais. Mas conferir s suas prenoes um aspecto objetivo.para que a explicao seja completa, tambm necessrio pr em evidncia o porquMais uma vez, indispensvel nos deter numa questo de vocabulrio. Fala-se poro sentido -dessas aes ou dessas convices. Na linha de Weber, fala-sevezes de sociologia compreensiva num sentido primeiro, para designar um paradig-geralmente de compreenso para designar esse momento de anlise. Segundo ama cuja origem remonta a Rickert (1929) e, sobretudo, ao "ltimo" Dilthey (19IO) 3 .sociologia da ao, a explicao de um fenmeno social supe que sejam determi- Segundo esta concepo, as cincias humanas, a sociologia em particular, seriamnados os comportamentos individuais de que ele o efeito e que esses comportamen-disciplinas rnuito mais prximas da crtica literria do que das cincias da natureza.tos sejam compridos.Seu objetivo seria o de encontrar o sentido das instituies, das grandes pocas da Assim, TocqueviHe (1856) nos explica que o subdesenvolvimento da agricultura histria e, de um modo geral, dos fenmenos histricos mais que o de suas causas.francesa no sc.XVIII tem como principal causa o absentesmo dos proprietriosSeriam, por conseguinte, mais interpretativas do que explicativas.rurais. E indica que esse absentesmo compreensvel devido ao peso e No entanto, tambm se fala de sociologia compreensiva num segundo sentido,importncia do Estado, devido tambm s isenes fiscais de que usufruem os para designar o paradigma da sociologia da ao, e para acentuar o contraste com ahabitantes das cidades, os proprietrios franceses tm muito mais ocasies e razes sociologia de tradio positivista, que, como vimos, entendia dever prescindir dessepara se deixarem seduzir por cargos administrativos do que seus homlogos ingleses. momento da anlise que consiste em compreender o sentido dos comportamentos por isso que, adespeito da influncia dos fisiocratas, a agricultura francesa estagna individuais. Neste segundo caso, a noo de compreenso aplica-se exclusivamentenum perodo ein NC > NN > CNAtor 2: CC > CN > NN > NCEfeitos de composio complexos i No "dilema do prisioneiro": Ator 1: NC > CC > NN > CNEm alguns casos, os efeitos de composio possuem uma estrutura mais complexa. Ator 2: CN > CC > NN > NCEste aspecto foi ressaltado pela filosofia poltica clssica. Assim, o Contrato socialde Rousseau (1766), baseia-se todo ele em um teorema de possibilidade que passa-JNo primeiro caso, a no-cooperao constitui uma boa opo caso se tenhavmos a enunciar: pode acontecer que, em determinadas condies, indivduos autno-da, ainda que nfima, sobre a vontade de cooperao do outro. o exemplo demos e interessados em cooperar no sejam bem-sucedidos; se no forem forados acooperar, por coao da "lei moral" ou por uma coao externa, cada um podeefetivamente sentir-se tentado a afastar-se. Logo, no se considerando vinculados por p. 247, Captulo 6 "Conflitos", onde se retoma esta estrutura. 30. 56TRATADO DE SOCIOLOGIAAO 57Rousseau. No segundo caso, a no-cooperao representa a "melhor" opo de formaextremamente diversificados. Por exemplo, que a tributao indireta sejaincondicional. o exemplo de Tucdides: as cidades aliadas consideram que Atenas ,-ja com peso idntico como menos "dolorosa" do que a direta; que certostem interesse em manter, de qualquer forma, o seu sistema de alianas e que, por os de movimentos sociais o consumismo, por exemplo no possam nascerconseguinte, podem se abster de toda contribuio. Ao agir assim, contribuem para ntaneamente, g tenham jg ser desencadeados por empreendedores de "grandeso enfraquecimento do referido sistema, fazem o jogo do adversrio e prejudicam-seusas"; ou que por vezes, como o demonstra a instituio de controle sindical doa si prprios.mprego (a closed shop dos anglo-saxnicos), tenha de se forar as pessoas se no, A configurao que a teoria dos jogos conferiu a esses efeitos de composio corno afirmava Rousseau, "a serem livres", pelo menos a contriburem para areveste-se de um interesse didtico no desprezvel. Permite compreender queoroduo de bens e de servios, aos quais atribuem, no entanto, enorme valor.mesmo as situaes de interao mais simples entre duas pessoas que apenasBoudon (1973, 1977) veio mostrar, por seu turno, que se verificavam exemplosprocuram satisfazer suas preferncias egostas em condies de informao perfeita, complexos, no idnticos aos que acabamos de nos referir, mas de um tipo prximo,como na hiptese encarada por Rousseau podem ter uma estrutura extremamente no domnio da sociologia da educao, da mobilidade e da estratificao. Essesvarivel. Mesmo neste caso, os elementos de conflito e de cooperao podem se efeitos explicam, por exemplo, que a democratizao da educao tenha muitocombinar de muitas maneiras. Mais precisamente, como o demonstraram Rapoportmenos influncia do que se supunha e esperava quanto equiparao das "oportuni-e Guyer (1966), a este caso simples correspondem exatamente 78 situaes de dades perante a vida" ou que o descontentamento coletivo possa aumentar, comointerao de estrutura diferente. Naturalmente a diversidade dessas es