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  • Rafael de Alcantara Brandi

    ARQUEOLOGIA CATARINENSE anlise bibliomtrica e reviso arqueogrfica

    Universidade do Vale do Itaja Itaja, 2004

  • UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJA UNIVALI CENTRO DE CINCIAS HUMANS E DA COMUNICAO CEHCOM

    COORDENAO DE HISTRIA

    ARQUEOLOGIA CATARINENSE anlise bibliomtrica e reviso arqueogrfica

    Monografia apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Histria, na disciplina de Orientao do Trabalho Monogrfico, pela Universidade do Vale do Itaja, sob a orientao do professor Doutor Jos Bento Rosa da Silva

    Rafael de Alcantara Brandi

    Itaja, 2004

  • Rafael de Alcantara Brandi

    ARQUEOLOGIA CATARINENSE

    anlise bibliomtrica e reviso arqueogrfica

    Esta Monografia foi julgada adequada para a obteno do ttulo de Bacharel no curso de Graduao em histria da Universidade do Vale do Itaja, Centro de Cincias Humanas e da Comunicao. Itaja, 01 de dezembro de 2004.

    Professor Dr. Jos Bento Rosa da Silva

    UNIVALI - Centro de Cincias Humanas e da Comunicao orientador

    Professor Dr. Jos Roberto Severino

    UNIVALI - Centro de Cincias Humanas e da Comunicao membro

    Professor Msc. Paulo Rogrio Melo de Oliveira

    UNIVALI - Centro de Cincias Humanas e da Comunicao membro

  • Dedicatria Dedico essa monografia a minha famlia e amigos prximos

  • Agradecimento Agradeo, ao meu orientador Prof. Dr. Jos Bento da Silva, pela pacincia na

    minha dificuldade com prazos; aos colegas do MOVI em especial a Michael Maia

    Mincarone pela ajuda dos grficos, Jules M. R. Soto pelo apio; aos meus amigos

    Jeferson Mueller, pela leitura e discusso prvia do meu manuscrito, Andr Schmidt,

    pelas conversas terico-metodolgicas, ao Alberto Fenochio Luciano Fronza, pelas

    inmeras vezes que me agentou explicando a metodologia; a Camila C. S. Ribeiro,

    por ter colocado na ABNT as bibliografias e me aturado como um namorado sem

    pacincia; ao patrocnio, de Vania de Alcantara Brandi, Roberto Luiz Brandi, Camila

    Brandi de Souza, Gustavo de Alcantara Brandi, Silvio Masao Kusakawa; aos

    arquelogos: Pedro Igncio Schmitz, por doar a coleo da Pesquisas; Srgio Klant,

    por doar as Revistas do CEPA; Pedro Paulo A. Funari, por enviar artigos e indicar

    referncias; Nami, por incentivar meu estudo na Arqueologia; as bibliotecrias do

    MAE-USP por no reclamarem das semana que fiquei bagunando as prateleiras; e

    por ltimo e no menos importante, aos professores e colegas do curso de Histria

    da Univali.

  • Resumo

    Este trabalho no tem a inteno de ser uma obra que abarcar todos os

    questionamentos, ou que trar tona a nica luz sobre o tema, mas inegvel que

    existe a necessidade de trabalhos que visem renovar o olhar sobre as formas e

    formatos os quais acreditamos, muitas vezes, serem daquela forma por todo o

    sempre. O objetivo principal desse trabalho seria conseguir perceber as diferentes

    linhas arqueolgicas que estiveram sendo aplicados no estado de Santa Catarina e

    tentar com isso buscar um paralelo de porqu Santa Catarina, um estado rico em

    stios arqueolgicos, ficou marginalizado no que diz respeito a espaos de estudo de

    Arqueologia, alm dos espaos para a formao de profissionais chamados,

    arquelogos. Entretanto, para alcanar o objetivo inicial fizemos uma compilao da

    literatura sobre arqueologia que citava o estado de Santa Catarina e a analisamos

    atravs de grficos e utilizando o arcabouo terico que traamos do primeiro ao

    penltimo captulo. Discutindo as escolas e tendncias, no mundo, Amrica Latina,

    Brasil, at chegarmos a Santa Catarina. Onde encontramos algumas permanncias

    de um establishement arqueolgico, construdo ainda no perodo militar.

  • Sumrio

    Intronduo................................................................................................................ 1

    Arqueologias.............................................................................................................. 5

    Arqueologa, social, latinoamericana?..................................................................... 32

    Arqueologia Brasileira, ou Arqueologia no Brasil?................................................... 43

    Arqueologia Catarinense: anlise bibliomtrica e arqueogrfica ............................. 71

    Referncias.............................................................................................................. 82

    Apndices

    Apndice 1 ............................................................................................................ 88

    Grfico 1. Classificaes de Perodos da histria da Arqueologia ..................................89

    Grfico 2. Distribuio bibliogrfica nos perodos da histria da Arqueologia propostos por

    Funari (1994, 1999)........................................................................................................90

    Grfico 3. Distribuio bibliogrfica nos perodos da histria da Arqueologia propostos por

    Funari (1994, 1999), com diviso entre publicados no Brasil e exterior. .........................90

    Grfico 4. Distribuio bibliogrfica em nacionalidade dos peridicos onde publicados. 91

    Grfico 5. Distribuio bibliogrfica por dcadas............................................................91

    Grfico 6. Os autores mais produtivos em nmero absoluto e porcentagem..................92

    Grfico 7. Os autores mais produtivos distribudos nas dcadas....................................93

    Apndice 2. Lista da bibliografia catarinense........................................................ 94

    Anexos

    Decreto-Lei N 25 de 30 de novembro de 1937............................................................135

    Lei n 3.924 de 26 de julho de 1961 .............................................................................141

    Resoluo Conama N 001, de 23 de janeiro de 1986...................................... 147

    Constituio 1988 de 05 de outubro de 1988 ...............................................................152

    Decreto n 3.551 de 4 de agosto de 2000 ....................................................................156

  • 1

    Introduo

    O comeo sempre foi difcil, no importando o que queremos comear, da

    mesma forma que tento comear a escrever este trabalho, a Arqueologia teve suas

    dificuldades para ter seu incio e seu desenvolvimento sempre esteve norteado de

    intenes nem sempre claras.

    Este trabalho no tem a inteno de ser uma obra que abarcar todos os

    questionamentos, ou que trar tona a nica luz sobre o tema, mas inegvel que

    existe a necessidade de trabalhos que visem renovar o olhar sobre as formas e

    formatos os quais acreditamos, muitas vezes, serem daquela forma por todo o

    sempre. H alguns anos atrs estaria discutindo sobre outras coisas que conceberia

    de maior aplicabilidade lgica e racional a toda a humanidade. Fora difcil para mim,

    desde do incio de minha carreira estudantil, sentir meu trabalho til para mais de 2%

    do mundo. Escrever sobre a histria de algo pode parecer pouco aplicvel, porm ao

    longo dos anos que passei tendo contato com professores, alunos, livros, conversas

    de corredores e bares, aprendi sobre o que era o poder e qual era a diferena entre

    ser e estar. Provavelmente, daqui a uns anos nem mais queira estudar o que estou

    estudando hoje, mas a importncia do que estou na verdade, do que ns estamos

    estudando sempre ter sua aplicabilidade lgica e racional.

    Sei que os pargrafos acima podem parecer algo o qual no est no contexto

    do ttulo que voc leu, mas a minha inteno com eles te trazer para perto do meu

    pensar. Repensar as prticas algo que a todo o momento necessitamos fazer, no

    s em nossas vidas, mas tambm em nossas crenas, doutrinas e cincias.

    Agora me sentindo mais confortvel para falar, de fato sobre o assunto o qual

    nos trouxe aqui, Arqueologia, ou melhor, Histria da Arqueologia, para no errar os

  • 2

    termos conceituais, uma Histria da Arqueologia, o nome parece ser maior que

    qualquer coisas que eu possa escrever, no entanto, o que escrever?

    Durante a execuo do meu projeto que resultou nessa monografia, o

    enfoque mudou vrias vezes, chegando ao que considerei a melhor forma para ser

    feita, apesar de hoje se fosse necessrio refaz-lo, o faria diferente. Coisas as quais

    eu concebia como racionais e coisas que achava que nunca encontraria,

    apareceram e desapareceram, conceitos claros para mim no comeo, passaram a

    ser mais complexos, buracos que eu considerava erros, ou mesmo falta de vontade,

    percebi que eram apenas olhares diferentes. Hoje consigo olhar com uma viso mais

    crtica, porm menos destrutiva que antes.

    A pretenso inicial desse trabalho seria conseguir perceber as diferentes

    linhas arqueolgicas que estiveram sendo aplicados no estado de Santa Catarina e

    tentar com isso buscar um paralelo de porqu Santa Catarina, um estado rico em

    stios arqueolgicos, ficou marginalizado no que diz respeito a espaos de estudo de

    arqueologia, alm dos espaos para a formao de profissionais, chamados de

    arquelogos. Imaginei que a resposta estaria por de baixo de algum documento, ou

    qui, implcita num pequeno discurso, porm no foi to fcil e na realidade acho

    que devemos explorar muito mais esse assunto, que por ventura, imagino, nunca ter

    fim.

    Tentar escrever sobre a histria de uma cincia uma tarefa muito complexa,

    para no dizer holstica, pois pequenos nuances podem mudar completamente o

    enfoque da pesquisa. Estudar a histria de uma cincia nova e tentar fazer isso num

    nico estado da federao poderia parecer mais fcil, porm de qualquer forma nos

    obriga a falar de todo o conjunto da Histria da Arqueologia, j que nada

    desconexo.

  • 3

    Entre os historiadores da arqueologia existem duas linhas bem embasadas e

    aceitas: uma que estuda o desenvolvimento da Arqueologia atravs de suas escolas

    e outra que a separa em perodos cronolgicos. Ambas tm suas peculiaridades que

    nos fazem repensar a cincia Arqueologia, porm escolher uma destas linhas

    poderia estar minando a configurao pretendida do trabalho, o tornando

    extremamente repetitivo, desta forma, proponho dividi-lo em captulos que

    analisaram da Histria da Arqueologia em divises geogrficas do global ao local,

    percebendo a influncia das diversas linhas arqueogrficas.

    Assim sendo, o texto que vocs tm daqui para frente tentar responder em

    seus captulos:

    Arqueologias

    Quando e onde a arqueologia comeou? Em qual momento se tornou

    cientfica? Quais os pases foram os precursores? Quais eram as reais intenes?

    Quais foram s escolas desenvolvidas? Como se deu a disseminao desse

    conhecimento?

    Arqueologa, Social, Latinoamericana?

    Houve desenvolvimento paralelo da arqueologia na Amrica Latina? Qual foi

    a relao da arqueologia com as polticas nacionais e internacionais?

    Arqueologia Brasileira, ou, Arqueologia no Brasil?

    Quando a arqueologia floresceu no Brasil? Quais so as escolas presentes no

    Brasil? Quais foram os principais movimentos e escolas arqueolgicas do Brasil?

  • 4

    Quais so as idades aceitas? Quais foram os modelos propostos? Quais as

    principais instituies de pesquisa arqueolgica no territrio brasileiro?

    Arqueologia Catarinense: anlise bibliomtrica e reviso arqueogrfica

    Quais as escolas e movimentos tericos-metodolgicos encontrados no

    estado de Santa Catarina? Por que, Santa Catarina no possui centros de formao

    em arqueologia? Quais foram e/ou so as intuies no estado de Santa Catarina?

    Onde foi concluda a formao dos arquelogos atuantes em Santa Catarina?

  • 5

    Arqueologias

    Partindo do pressuposto que nenhuma cincia se constitui de algo slido e

    imutvel, conseguiremos compreender como a Arqueologia: forma se, nomeia se e

    se institucionaliza. Desta forma, como as vrias divises e cismas que ocorrem

    dentro de uma cincia em formao ainda nos dias de hoje, sempre que possvel,

    repensando as suas prticas, aplicabilidades e uso.

    A gnese da Arqueologia controversa como o comeo de qualquer outra

    coisa, alguns atribuem aos italianos, outros aos ingleses, alguns aos dinamarqueses,

    poucos, aos primeiros exploradores ibricos. No entanto, ningum discute quando

    esta passou a ser considerada cientfica, sendo assim, de forma sucinta, trarei o que

    se acredita ser a gnese de uma idia arqueolgica, antes das primeiras teorias

    fundadas na cultura material.

    No h quem deixou de escutar sobre as famosas runas de Pompia e

    Herculano, ou o mistrio do Stonehenge e as maldies das pirmides do Egito,

    talvez seja pelo fato de nossa histria ser bastante enraizada numa cultura de busca

    gnica que por muito tempo tenta a legitimao de um passado glorioso e de origem

    Clssica. Apesar de terem sido empregados mtodos de escavao, longe de serem

    considerados adequados, nem se preocupado com a cultura material como um todo.

    Sim como apenas uma forma de ilustrar um passado esttico. Tais runas fizeram o

    mundo principalmente o ocidental olhar mais para o que tnhamos debaixo de

    nossos ps, no s pelas possibilidades de explicaes sobre nossa gnese, mas

    tambm pelos tesouros que poderiam revelar tal solo. Nesse comeo o pensamento

    sobre a arqueologia estava longe de ser o que imaginamos hoje, na verdade, o

    prprio nome arqueologia mal era clamado.

  • 6

    Penso que praticamente impossvel dissociar a histria do estudo

    arqueolgico com a prpria histria ocidental, pois desde o incio, ns ocidentais

    tentamos explicar de onde viemos e para onde vamos. Sendo assim, na

    historiografia da Arqueologia existem duas linhas bem pautadas e definidas de como

    analisar a Arqueologia. Uma que tem sua diviso em perodos temporalmente

    estabelecidos e com objetivos em comum (BAHN, 1996; WILLEY & SABLOFF,

    1993), por outro lado existe uma linha que prefere analisar como as diversas escolas

    arqueolgicas se desenvolveram ao longo da histria (TRIGGER, 1991; MALINA &

    VASCEK, 1990; RENFREW & BAHN, 1996; DUNNELL, 1986; HODDER, 1994),

    para evitar que o real objetivo deste trabalho se perca, dividirei os perodos da forma

    que Robrahn-Gonzlez (2000) levanta no seu trabalho sobre os 150 anos da prtica

    arqueolgica e quando oportuno decorrerei sobre as escolas.

    Perodo Especulativo (1492-1840)

    Ainda que tenhamos a necessidade de sempre estar classificando o que

    estudamos, traar datas inflexveis seria travar a crtica, matando o que podemos

    duvidar posteriormente. Desta forma, as datas acima dispostas so para classificar

    um perodo, no que o comeo e fim sejam claros, pois as idias e ideais sempre

    esto em constante resignificao, impossibilitando que acreditemos que as

    mudanas sejam obtidas por fatos isolados e nicos.

    Desde a expanso europia moderna quando comeou a existir trocas com

    novos povos de diferentes raas geogrficas atravs do comrcio de mercadorias,

    perguntas foram formuladas e respondidas na medida que as teorias possibilitavam.

    Muitas das perguntas eram por que a Bblia no menciona esses povos que estamos

  • 7

    encontrando e se no h origem deles, qual ser o objetivo da existncia dos

    mesmos? Chegando a ponto de duvidar do carter humano dos amerndios.

    Vrias especulaes foram levantas sobre as origens dos povos, porm no

    s dos povos recm conquistados e sim de si mesmos. Naes queriam legitimar

    seu legado trazendo genealogias, muitas vezes fantasiosas sobre os gregos e

    romanos, descendncias de apstolos, ou mesmo das dez tribos perdidas de Israel.

    O ideal que o Clssico foi poca de ouro da humanidade e que durante a Idade

    Mdia os homens perderam a capacidade de empreender fazia com que os doutos

    recorressem de todas as formas para assegurar o poder dos lderes em relao s

    novas vises (DANIEL, 1977; TRIGGER, 1991).

    O encontro de europeus com as civilizaes Asteca e Inca, alm dos

    resqucios da cultura Maia, fizeram com que eles recorressem as mais fantasiosas

    explicaes, pois uma vez eles no estando citados na Bblia, qui, sejam eles

    remanescentes do povo de Atlantes citada por Plato como uma terra prspera fora

    dos domnios da Europa que desapareceu repentinamente por ordem dos deuses

    zangados com a ndole dos mesmos (ROBRAHN-GONZLEZ, 1999-2000). No

    entanto, aps a Bula do Papa Paulo III, em 1537, a qual considerava os amerndios

    como seres humanos, s discusses diminuram mas no cessaram, pois um

    sculo mais para frente o questionamento seria refeito e o foco passou a ser a

    sia, pois se imaginava que l era o bero das civilizaes. A frica j estava fora do

    contexto especulativo, pois se sabia que eles eram descendentes de Cam e como

    a Bblia (2002) j havia deixado bem claro.

    ...Maldito seja Cana, disse ele; que ele seja o ltimo dos escravos de seus irmos! e acrescentou: Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e Cana seja seu escravo! Que Deus dilate a Jafet; e este habite nas tendas de Sem, e Cana seja seu escravo Gneses 9 25,26, 27.

  • 8

    Sem dvida, a todo o momento se rebatia os achados com o que o Santo

    Livro trazia, sempre o tendo como verdade legitimadora.

    Movidos pelo apelo esttico que as figuras clssicas exalavam ao mundo

    recm iluminado. Muitos se empreenderam a buscar os fabulosos tesouros da

    antiguidade, no entanto, muito mais prximos de viso comercial, na qual, os

    estudos sobre tais artefatos tinham por finalidade valora-los e posteriormente vend-

    los aos antiqurios que borbulhavam no incio do sculo XVIII. verdade que desde

    da Idade Mdia se encontrava material ltico (pontas de flecha, machados entre

    outros) e os atribuam ao seres fantsticos oriundos das lendas e mitos os quais eles

    acreditavam (DANIEL, 1977), porm, a idia no ver desde quando os homens

    resignificam o passado, e sim compreender em que momento comea a existir um

    germe de uma Arqueologia.

    O arquelogo clssico John Romer (2001) considera o incio da arqueologia

    nas escavaes ocorridas na Itlia do sculo XVIII, quando um ex-oficial da cavalaria

    da ustria por volta do ano de 1705 encontrou em suas terras, estatuas e artefatos

    de valor artstico (econmico) que logo passou a comercializar com os antiqurios,

    s que o achado no era de simples estatuas vrias outras pessoas j tinha

    achado artefatos soterrados , ele havia encontrado as runas de uma antiga cidade

    que depois vieram a descobrir que se tratava de Herculano, a cidade erguida em

    homenagem a Hercules e coberta pelas as cinzas do Monte Vesvio (vulco no sul

    da Itlia) ainda na antiguidade romana.

    Logo que notcia do achamento de uma cidade do perodo Clssico, intacta,

    foi divulgada, muitos quiseram explora-la, porm no se sabia informaes por

    completo de sua localizao exata. Em 1736, o ento prncipe da Espanha, Carlos

    Bourbon, em visita a Npoles com sua esposa, Maria Amlia, viram trs lindas

  • 9

    estatuas romanas no Palcio de Npoles e ouviram falar da tal mina de estatuas do

    ex-oficial austraco. No mesmo momento acionaram o Conde Marcello Venutti, de

    Cortona, um dos antiquaristas reais para conferir a autenticidade do achado. No s

    foi comprovada, como tambm colocou o mundo em contato com uma histria viva,

    pois devido a forma sbita que a cidade foi enterrada, muitas pessoas

    permaneceram da mesma forma que estavam no momento da tragdia. Esse

    achado fez com que muito do que s se havia relato em livros pudesse ser

    comprovado por testemunhos materiais, porm a idia dessa cincia que nascia no

    bero do sculo XVIII no tinha a pretenso de relacionar o desenvolvimento do

    homem ao longo do tempo no espao e sim evidenciar e legitimar o poder do mundo

    de cultura greco-romana.

    Apesar do foco inicial da nascente Arqueologia no ser apenas o passado

    grego e/ou romano, mas tambm as origens pr-romanas, uma grande ateno foi

    dada aos monumentos construdos em pedra, como o Stonehenge e as runas de

    Avebury, ambas na Inglaterra. Muitas foram as especulaes sobre os antigos

    moradores da Inglaterra, antes mesmo da prtica arqueolgica comear a tomar

    forma, desde o sculo IX, com a obra Historia Brittonum, de Nenmo, trazia a

    genealogia britnica com base em Bruto, neto do grego Eneas, outros historiadores

    (Geofrey of Monmouth) especularam at sobre o desembarque ter acontecido no

    provvel ano 1170 a.C. em Totnes, isso ainda no sculo XII. No entanto, todas

    essas especulaes receberam maior fora no sculo XIX, com a necessidade da

    legitimao do Imprio Britnico no fim do mesmo sculo (DANIEL,1977).

    Mexer com um passado mais remoto do que a cristandade no haveria de ser

    uma tarefa fcil, existiam tericos judaicos-cristos que davam datas precisas sobre

    o dia e hora da criao do mundo e essas no ultrapassavam os 5199 a.C., na viso

  • 10

    do Papa Clemente VIII, j para as autoridades judaicas, no eram maior que 3700

    a.C. (TRIGGER, 1991), porm foram as datas levantas pelo arcebispo James

    Ussher no livro, Annal of the Ancient and New Testament (1650) que ficaram sendo

    com as mais aceitas pelos crentes. Atravs das somas das idades de toda a

    genealogia que aparecia no Velho e no Novo Testamento, identificou o ano 4004

    a.C. para ser o ano da Criao. O Dr. John Lightfoot do Colgio St. Catherine e vice-

    reitor da Universidade de Cambrigde em 1642 foi mais fundo na questo de quando

    e chegou a seguinte concluso:

    ... cus e terra, centro e circunferncia foram criados juntos ao mesmo tempo e nuvens carregadas de gua... isto aconteceu e o homem foi criado pela Trindade em 23 de outubro do ano de 4004 a.C., as nove em ponto da manh...

    Com estas afirmaes os arquelogos no tinham muitas possibilidades de

    argumento junto aos clrigos e doutos em teologia, uma vez no havendo forma de

    datar absolutamente, ou relativamente seus achados, eles tinham que acatar,

    mesmo de contragosto essas afirmaes. Ainda nesse perodo foram levantadas

    perguntas sobre a antiguidade dos homens americanos, fazendo paralelos entre

    eles e os habitantes da Monglia, pois possuam traos em comum. Tal migrao

    teria sido feita pelos mongis via Estreito de Behring, apesar desta hiptese parecer

    nova, foi levanta em 1637 (WAUCHOPE, 1962), mas somente mais para frente foi

    relevada e considerada como possvel.

    A descoberta da Pedra de Roseta talvez seja um dos marcos para futura

    mudana de posicionamento cientfico da arqueologia. Tal pedra foi descoberta no

    final do sculo XVIII por um soldado do exrcito napolenico, na ocasio no Egito, o

    estudo por completo s aconteceu em 1822. Quando Jean-Franois Champollion

    realizou estudos comparativos entre dois textos idnticos apresentados na Pedra, s

  • 11

    que um em hierglifo egpcio e outro em grego (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000). At

    ento todos os estudos eram resultado de aes individuais e provenientes de

    descobertas casuais, sempre associadas a outros estudos, quando Isaac Newton,

    ento presidente da Royal Society de Londres resolveu dividir das cincias naturais

    o estudo da cultura do homem, assim criando um conceito de anlise para o homem

    pr-histrico, pois no mais fazia parte s da Natureza, mas era um ser possuidor

    de um legado de idias, costumes, crenas e prticas (DANIEL, 1977).

    Podemos afirmar que durante todo o Perodo Especulativo a predominncia

    de estudos sem muito cunho cientfico, demasiadamente preconceituosos e

    limitados por vises religiosas fazendo da Arqueologia algo que beirava o esotrico ,

    com pouco valor diante das outras cincias que floresciam. Imagine que durante

    esse perodo muito material tenha se perdido devido a falta de identidade das

    pessoas com seu passado e assim a destruio de monumentos, prdios, saques de

    tumbas, entre outras atrocidades, lembrado que para ns de hoje seriam

    considerados atrocidades, porm para os contemporneos de tais fatos no eram

    to relevantes. Fica difcil mensurarmos todas as aes deste perodo que o mais

    longo entre todos e a prpria cincia como conceito estava em formao no que

    hoje no esteja mais e muita das especulaes nem se quer foram comprovadas,

    mas sem dvida, sem esse perodo todos os outros no teriam massa crtica para

    conjeturar a Arqueologia como cincia.

    Perodo Descritivo-Classificatrio (1840-1914)

    Com o aumento da massa crtica na Arqueologia, mesmo esta sendo

    especulativa, houve aberturas terico-metodolgicas para dar incio a um novo

    perodo caracterizado pela descrio e classificao dos artefatos encontrados. A

  • 12

    utilizao de outras cincias em franca ascenso, como a Geologia e a Biologia

    fizeram com que a Arqueologia obtivesse novos meios para efetuar suas anlises e

    levantar suas hipteses.

    nesse perodo que os arquelogos sentem a necessidade de melhor

    descrever e classificar a cultura material, isto , os vestgios materiais deixados

    pelas populaes pr-histricas, sem dvida, no era toda a cultura material que

    estava sob anlise, ainda se escolhia as peas com apelo esttico mais prximo ao

    gosto do arquelogo, porm dentro dessa nova viso algumas seriaes comearam

    a surgir e com isso tentativas de possveis dataes relativas.

    Longe dos limites do extinto Imprio Romano, a Escandinvia, mais

    precisamente, Dinamarca, buscava auxlio para compreender seu passado e

    legitimar a condio de Nao como vimos antes a Gr-Bretanha para legitimar

    seu poder retornava ao Imprio Romano, assim mostrando toda uma genealogia de

    reis at os atuais , empreendeu pesquisas com a inteno de encontrar um elo com

    seu passado, um mito fundador, algo que fosse notvel e respeitado, como algo

    sobre as antiguidades que eram comuns de achar por toda a Dinamarca. Vale a

    pena lembrar que a Dinamarca havia feito resistncia ao exrcito napolenico e isso

    custou demasiadamente caro, alm de ter seus navios destrudos, teve muitas

    perdas em vrios aspectos, inclusive o de identidade. Para lutar contra esse

    sentimento de derrota que pairava sobre a nao desenvolveram uma linha bem

    marcada por um nacionalismo crescente (TRIGGER, 1991). Seguindo nessa mesma

    linha, Rasmus Nyerup, da Universidade de Compenhagen e coletor assduo de

    peas de antiguidade dizia: Nossa antiguidade est escondida dentro de uma

    grossa neblina e pertence a um espao e tempo que no podemos mensurar

    (ROMER, 2001).

  • 13

    Aps as investidas de Nyerup na Arqueologia tal tema recebeu uma maior

    notoriedade dentro de seu pas, desta forma, abrindo caminho para outras pessoas

    comearem a desenvolver meios de compreender seus antepassados, foi com essa

    inteno que Christian Jrgensen Thomsen (1788-1865), filho de um banqueiro e

    colecionador de moedas antigas assumiu a coleo de antiguidades levanta por

    Nyerup. Thomsen havia proposto um mtodo completamente novo e particular para

    catalogar as peas, ele utilizava traos estilsticos como parmetros de

    desenvolvimento cultural (TRIGGER, 1991). Inicialmente, ele tinha proposto esse

    mtodo para conseguir datar as moedas de sua coleo que no possuam mais a

    possibilidade de se ver a data impressa nelas. Com tal mtodo foi capaz de

    desenvolver uma teoria que at hoje possvel de se ver citada, a teoria das trs

    Idades: Pedra, Bronze e Ouro, cada qual, classificada pelo tipo de material que os

    povos utilizavam, mas no parou por a, dentro da mesma teoria ele concebia que as

    populaes da Idade do Ouro continuavam a fazer artefatos de bronze, da

    desenvolveu outra forma de seriao, agora, pela tipologia decorativa dos artefatos,

    assim, criando a teoria de Padres (DANIEL, 1977).

    Ainda na Escola Escandinava temos Jens J. A. Worsaae (1821-1885), sendo

    o primeiro professor de arqueologia na Universidade de Copenhagen, acreditava

    que a teoria de Thomsen pudesse ser aplicada no mundo inteiro, assim incentivado

    o uso de tal, mas a iniciativa a qual o faz conhecido a da interdisciplinaridade da

    Arqueologia. Propunha estudos em conjunto com a Cincia Geologia e Biologia que

    estavam em franco desenvolvimento durante esse perodo (DANIEL, 1977).

    Desta forma, a Geologia com seus avanos nas tcnicas de anlise

    estratigrfica e de seriaes cronolgicas fez com que a arqueologia pudesse sair

    das especulaes bblicas e alcanasse um mbito cientfico. Na 10 edio do

  • 14

    Principles of Geology de Charles Lyell, diz que o homem viveu em quatro momentos

    histricos, ou melhor, pr-histricos: Paleoltico, Neoltico, Idade do Bronze e Idade

    do Ferro (DANIEL, 1977; TRIGGER, 1991). Foram muitas as seqncias e seriaes

    propostas nesse momento, cada grupo de gelogo e/ou arquelogo tinha sua

    prpria classificao.

    Levado por essa onda de seriaes o escocs Daniel Wilson escreveu, The

    Archaeology and Prehistory Annals of Scotland, sendo este o primeiro peridico de

    lngua inglesa sobre arqueologia (1865) (TRIGGER, 1991). Wilson traz uma nova

    seriao constituda por quatro Idades, Pedra, Bronze, Ferro e Crist, no era uma

    simples cpia da teoria de Thomsen, pois demonstrava que existiam diferenas

    entre os padres dinamarqueses e os escoceses, desta forma, colocando abaixo a

    idia de Worsaae, de total aplicabilidade do mtodo ao mundo (TRIGGER, 1991;

    DANIEL, 1977).

    Outro sistema de seriaes que vale ser lembrado o de John Lubbock,

    tambm conhecido por Conde de Avebury, ele fazia uma diviso da Idade da Pedra

    em Paleoltico (ou Arqueoltico) e Neoltico. Sua obra Pre-historic Times, as

    Illustrated by Ancient Remains, and the Manners and Customs of Modern Savages

    de 1865, influenciou em muito os arquelogos evolucionistas americanos da mesma

    poca (TRIGGER, 1991).

    Seguindo a diviso proposta por Lubbock, Edouard Lartet, paleontlogo e

    arquelogo, prope que o Paleoltico se divide em outras fases e sries, dando as

    sries, nomes de animais associados com os vestgios materiais encontrados.

    Corroborando com essa idia, Gabriel de Mortillet (1821-1898), gelogo,

    paleontlogo e posteriormente arquelogo, desenvolve uma proposta de associao

    das camadas estratigrficas com os vestgios materiais, atravs da utilizao de

  • 15

    Fsseis Guias que permitiriam obter dataes relativas sobre cada estrato

    (TRIGGER, 1991). A teoria de Motillet ajudou em muito o desenvolvimento da

    arqueologia que passou a olhar mais para o contexto, tirando de foco apenas as

    peas e colocando no contexto outros vestgios que antes eram deixados de lado.

    Para garantir a veracidade nas classificaes dos materiais alguns autores se

    dedicam a desenvolver teorias sobre os lascamentos, eles procuravam descobrir os

    padres que eram utilizados na fabricao das peas e as diferenas que havia

    entre uma etnia e outra. Entre os autores que iniciaram essas classificaes esto,

    S. H. Warren (1905), publicando sobre experimentos de lascamento e Marcelin

    Boule (1905), ao invs de estudar o material lascado, prefere as sobras, isto , as

    prprias lascas. Por coincidncia e/ou influncia todos esses estudos retornam as

    experimentaes escandinavas (TRIGGER, 1991). Porm as seriaes no foram s

    nicas coisas com que os gelogos contriburam para a Arqueologia, contestar e

    comprovar cientificamente que a Terra ultrapassava a idade de 4004 a.C. imposta

    por Ussher e Lightfoot, devido forma que se depositavam as camadas

    estratigrficas, demonstrando uma maior antiguidade da Terra, mas ainda no dos

    homens.

    A fora do cristianismo ainda era muito forte e mesmo os cientistas da poca,

    ainda possuam permanncias de suas sociedades criadas sobre a gide da

    cristandade, reconhecidos nomes como o de Georges Cuvier, zologo, gelogo e

    paleontlogo, isto , um naturalista como eram chamados, e de seus seguidores,

    acreditavam que o perodo bblico do dilvio teria ocorrido e devido a isso, se

    encontravam alguns fsseis de animais pr-diluvianos, os Catastrofistas,

    argumentavam que a Terra teria passado por vrias catstrofes originadas por

    ordenamento divino e a ltima seria o dilvio bblico (TRIGGER, 1991)

  • 16

    No clima de impasse entre cincia e religio teorias evolucionistas emergiam

    em contraponto, de forma contundente, ao que a f crist-judaica acreditava. No ano

    de 1841 o arquelogo Jacques B. de Perthes apresentou o que seriam as primeiras

    evidncias de associao entre fauna extinta (paleofauna) e de artefatos de origem

    humana, tal descoberta fez com que a instigante questo da antiguidade do homem

    tivesse mais um aliado (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    No entanto, no h como tirar de Charles Darwin o ttulo de inimigo nmero

    um da igreja da poca. Em 1859, com a obra On the Origin of Species, Darwin

    desafiou as leis que regiam todas as crenas sobre uma humanidade eurocentrica

    daquele momento, tirando a regncia da humanidade das mos de Deus, da forma

    que as religies abranicas acreditavam e dando a Seleo Natural o poder e

    status de algo lgico e racional sobre a permanncia de espcies sobre a Terra.

    Essa nova viso, no era fruto s da mente de Darwin, nesse mesmo momento

    existiam outros cientistas que compartilhavam de idias evolucionistas, mas nenhum

    havia partido da viso que a sobrevivncia dos melhores adaptados ao meio era um

    dos fatores mais relevantes para ser analisado. Apesar de Darwin ser

    completamente oposto as idias preconceituosas suas teorias de seleo natural

    forma utilizadas para anlises culturais (TRIGGER, 1991).

    O evolucionismo influenciou demasiadamente todas as teorias cientficas, na

    Arqueologia serviu de uma forma bem sustentada cientificamente de legitimar o

    poder de algumas minorias sobre a grande maioria (ROMER, 2001; DANIEL, 1977;

    TRIGGER, 1991). Com a inteno de sustentar essa idia de superioridade o

    racismo, propriamente dito algumas teorias foram levantadas, entre elas, as

    polignicas que argumentavam sobre a existncia de inmeras criaes, que cada

    raa na poca compreendia tinha descendentes diversos. Para ns de hoje,

  • 17

    contemporneos do sculo XXI, isso pode parecer um absurdo sem tamanho igual

    apesar do racismo ainda ser bem forte, porm escondido e naturalizado , mas no

    encontramos hoje cientistas que levantem tais teorias abertamente, no entanto, essa

    cientificidade do racismo, auxiliada por distores na teoria evolucionista darwiniana

    fez com que vrios pases exercem prticas abusivas aos de raas diferente da dos

    europeus, e mesmo entre os europeus houve brigas sobre a autenticidade da raa

    mais pura. Muito dessas lutas racial intra-europia devido ao sentimento

    nacionalista que aflorou depois da derrota de Napoleo, muitos pases que haviam

    sido subjugados reconstruram seus Estados em naes (TRIGGER, 1991).

    Vrias foram as teorias racistas de origem polignica que foram levantadas e

    argumentadas, no era uma discusso nova, porm recebia muita fora devido as

    novas teorias evolucionistas. O Conde Joseph-Arthur Gobineau (1816-1882) que

    publicou a obra Essai sur lingalit des races humains em quatro volumes, entre os

    anos de 1853 e 1855, foi um dos autores mais citado, pois afirmava que destino da

    civilizao estava determinando pela sua composio racial. Desta forma, teria maior

    sucesso as civilizaes que tivessem as outras raas diludas em meio a maioria da

    raa pura europia e que estariam fadadas a corrupo e estagnao as

    civilizaes nas quais a maioria no fosse branca, europia e no miscigenadas

    (TRIGGER, 1991). Essa idia j havia sido levantada antes de Gobineau, um

    bibliotecrio francs Isaac de La Peurre, de orientao calvinista no ano de 1655

    argumentava sobre a descendncia de Ado era somente para os judeus e que

    existiriam para as outras etnias antecessores mais antigos que Ado, alm disso,

    existiam pessoas que j falavam que o branco europeu era o ser mais evoludo entre

    as espcies (raas) de humanos (TRIGGER, 1991).

  • 18

    Foi nesse perodo que os norte-americanos, principalmente os americanos,

    mais desenvolveram sua Arqueologia com aspectos bastante ligados a

    antropologia , segundo Bruce Trigger (1991), os euroamericanos apesar de terem

    obtido avanos na Arqueologia, Antropologia e Etnografia, ainda no haviam

    conseguido estender algo em benefcio para os nativos americanos, pois eles

    acreditavam em um evolucionismo linear, assim colocando os nativos como seres

    menos evoludos. So inegveis os esforos euroamericanos para a compreenso

    da pr-histria dos nativos, porm na maioria dos casos eles procuravam muito

    mais a legitimao de estarem dominando as terras, do que, realmente elucidar o

    passado agrafo dos povos nativos. Por algumas vezes chegaram a duvidar se os

    ento atuais nativos eram o mesmo que outrora construram os mounds, ao

    duvidarem disso levantavam hipteses sobres os atuais nativos serem brbaros que

    haviam matado uma cultura superior (Mississipians Cultures e Moundbuilders) e

    desta forma deveriam ser mortos ou domesticados para estes no tentarem se

    rebelar contra os euroamericanos e matarem a todos (TRIGGER, 1991).

    Ao mesmo tempo em que os euroamericanos insistiam nessas teorias

    avanos foram conquistados, pois houve a institucionalizao da Arqueologia nos

    EUA, com a fundao da American Antiquarian Society (ASS) e o Bureau of

    American Ethnology (1894), virando um brao do recm fundando Smithsonian

    Institution. Com essa institucionalizao vrios cargos foram abertos para

    arquelogos, praticamente toda cidade de porte maior, havia um museu e um

    arquelogo, nesse mesmo perodo se forma a primeira turma de doutores

    arquelogos em solo americano pela University of Havard. Lembrando que apesar

    dos avanos os ento arquelogos acreditavam na superioridade branca e

    ensinavam Arqueologia nos departamentos de Antropologia e no de Histria e as

  • 19

    colees estavam associadas a museus de histria natural e no aos de belas-artes

    como era de costume na Europa. Apesar de haver esse vis dos nortes-americanos

    em uma arqueologia evolucionista, bem marcado, pelos escritos de Morgan e Taylor

    que defendiam que para uma sociedade ascender seria necessrio passar da

    selvageria para a barbrie e por fim serem civilizados. Encontramos antroplogos

    como Franz Boas que lutavam contra essa viso reducionista, dizendo que era

    necessrio uma perspectiva mais detalhista e descritiva, ou, um particularismo

    histrico de cada etnia (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    Podemos afirmar que durante o Perodo Descritivo-Classificatrio houve um

    incentivo a institucionalizao da Arqueologia, passando a ser ferramenta

    nacionalista para gerao de identidade das populaes com o territrio, ainda sobre

    as luzes do Iluminismo. Apesar da Frana e Inglaterra estarem como centros da

    arqueologia nesse momento devido ao papel das duas naes na Revoluo

    Industrial , grande parte do conhecimento metodolgico foi proveniente de pases

    considerados menores (como a Dinamarca), os EUA entram em cena com uma

    outra viso especulando meios de legitimidade deles em relao as terras recm

    conquistadas.

    As excessivas aproximaes que ocorreram nesse perodo entre as cincias

    naturais (Geologia e Biologia) provocaram uma crena num evolucionismo cultural,

    marcado por uma seqncia geolgica, ainda hoje podemos ver claramente

    heranas dessas prticas em alguns discursos.

    A popularizao da Arqueologia e da pr-histria fruto deste perodo, foi

    nele que o banqueiro Heinrich Schliemann descobriu uma possvel Tria no oeste da

    Turquia, que a equiptologia floresceu com os achados nas pirmides ainda no,

    completamente, saqueadas. Desta forma, gerando uma viso do arquelogo,

  • 20

    explorador, destemido, isto , romantizado, Glyn Daniel (1977) diz que nessa poca

    era muito fcil encontrar livros de romance sobre descobertas de mistrios

    arqueolgicos e que o pblico gostava muito desse tipo de literatura. Bruce Trigger

    (1991) tem uma frase que pode esclarecer muito sobre o que foi esse perodo, na

    metade do sculo XIX as especulaes ainda eram maiores que os dados

    coletados.

    Perodo Histrico-Classificatrio (1914-1960)

    Como pudemos ver no perodo anterior as diversas linhas arqueolgicas

    estavam se fundamentando e desenvolvendo presupostos-tericos-metodolgicos

    prprios, deixando bem claro uma cisma entre Europa e EUA, o primeiro com uma

    Arqueologia voltada para o prprio passado, fazendo emergir um nacionalismo e o

    segundo, tratando a Arqueologia como uma forma de demonstrar a inferioridade dos

    povos os quais eles estavam aproveitando as terras. Esse racha ficou mais marcado

    durante o perodo histrico-classificatrio devido ao papel que o EUA passou a ter

    como pas forte e com polticas geo-econmicas para os demais pases latinos, alm

    da homogeneidade americana no ps Segunda Guerra Mundial.

    Foi no comeo do sculo XX que a Arqueologia norte-americana comeou a

    tomar um rumo bem diferente da Arqueologia europia, nesse perodo os EUA se

    estabeleceram como um pas de vanguarda e fomentaram importantes pesquisas

    em diversas reas, inclusive na Arqueologia, nesse momento no poderiam

    compartilhar do mesmo objetivo de Arqueologia que os europeus. A inteno

    europia estava muito mais ligada a construir um possvel passado de suas atuais

    populao do que legitimar o novo Estado intruso a um territrio antes ocupado. As

    diferenas nos objetivos no fizeram com que alguns detalhes no fossem

  • 21

    compartilhados, no houve uma enormidade como nos perodos passados de

    especulaes, claro que estas existiram, porm agora o rigor era bem mais cientfico

    e cobrava um mtodo de seus arquelogos para que suas teorias realmente

    tivessem aporte sustentvel.

    A teoria levantada por mais de um mtodo foi a do Difusionismo, a primeira

    vista poderia parecer uma teoria que muito responderia as perguntas que vinham

    sendo feitas por toda a histria escrita da humanidade, se consegussemos, atravs

    de mtodos arqueolgicos, explicar as origens de nossas naes, do nosso povo,

    poderamos alcanar a Cincia de quem somos, e de onde viemos. A prtica

    difusionista era uma tima desculpa, ou melhor, justificativa para o liberalismo que

    vinha em franca ascenso, no se desligava de vez de uma viso evolucionista, seja

    biolgico ou cultural, tambm no descartava a questo de que os arquelogos em

    atividade na poca faziam parte do mundo fruto de uma Revoluo Industrial,

    europia em sua origem, que estava civilizando o mundo, assim como, j o fazia

    desde as descobertas de outras culturas mais primitivas.

    Como vimos nos perodos anteriores, a arqueologia pr-histrica ganhou

    fora por mexer com o mistrio do passado no revelado pela escrita, muitas foram

    as especulaes e as romantizaes sobre os antepassados, perguntas foram

    levantadas sobre a origem desses homens, mas no podemos nos esquecer que

    tambm havia a necessidade de legitimar o poder e aes que alguns pases

    tinham, por exemplo, a Inglaterra desde de muito cedo buscava uma gnese romana

    para legitimar seu poder.

    A teoria Difusionista foi desenvolvida sobre influncia do gegrafo alemo

    Friedrich Ratzel (1844-1901) que acreditava que nada poderia ser inventado

    independentemente, tudo havia sido inventado por um grupo e os outros o

  • 22

    copiavam. Muitos outros arquelogos que eram de uma linha mais evolucionista

    acabaram aceitando de bom grado a linha difusionista que acabava explorando a

    questo de hereditariedade da inteligncia dos povos europeus. Seu incio na

    Arqueologia foi inaugurado por Gustav Oscar Montelius (1843-1921) que

    desenvolveu estudos de mbito continental, tentando descobrir diferenas

    ecolgicas que pudessem inferir mudanas nas culturas. Ele no previa raas,

    apenas discutia sobre as origens civilizatrias dos europeus, dando ao leste (oriente)

    o ttulo de bero da civilizao (TRIGGER, 1991).

    No entanto, tal teoria foi extremamente utilizada como justificativa para o

    poder imperialista ser colocado em prtica, tanto para os americanos, quanto para

    os europeus. A maior diferena que na Europa a prtica desse tipo de ao

    nacionalista levou a fortes crises e guerras de grandes propores. Desde do

    avano de Napoleo sobre os demais pases da Europa, a poltica dos pases na

    ocasio ocupados era a de se voltar para a histria oficial de seu pas e mostrar

    como, desde de um passado longnquo na remota pr-histria eles j eram grandes,

    que possuam legitimidade sobre a terra e que sua raa era melhor que a das outras

    naes.

    Nessa intensa busca pela gnese e legitimao alguns arquelogos

    passaram a acreditar que os homens teriam um estado puro que se deteriorava

    com a miscigenao, que a habilidade de criar estava relacionada origem de sua

    raa, grupo ou etnia, isto , a um determinismo biolgico. O nome Gustaf Kossinna

    (1858-1931), foi um nome bem escutado na Europa do comeo do sculo passado,

    seu trabalho de 1911, Die Herkunft de Germanen (A Origem dos Germanicos), foi

    considerado como a racionalizao e comprovao cientfica da pureza ariana em

  • 23

    relao s outras raas e culturas, fortemente utilizada pelos nazistas como aporte

    de suas atitudes eugenistas e imperialistas (TRIGGER, 1991).

    Com a inteno de comprovar as afirmaes os arquelogos nacionalistas

    desenvolviam mtodos histricos-classificatrios para encontrar os centros de

    disperso que julgavam ser suas naes, sem dvida, houve um grande

    desenvolvimento metodolgico, principalmente o classificatrio. Um dos maiores

    expoentes desse momento foi Gordon V. Childe, australiano, filho de um ministro da

    Igreja Anglicana, estudou culturas clssicas na University of Sydney e Arqueologia

    pr-histrica na University of Oxford, Inglaterra, opunha-se a Escola Escandinava de

    Arqueologia que estudava o homem pr-histrico, estando mais em sintonia com os

    franceses e ingleses, pois seu mtodo era mais relacionado a cultura material,

    possua uma forte tendncia socialista sobre o materialismo histrico. Na sua obra

    Dawn of European Civilization (Alvorecer da Civilizao Europia) de 1925,

    demonstra ter influncia das teorias de Kossinna, sobre a superioridade ariana,

    combinada com as teorias histrico-classificatria (difusionistas de Montelis). Desta

    forma, vrias aproximaes histricas foram feitas tentando dar a cada nao uma

    particularidade, legitimando o posicionamento de algumas naes europias diante

    de suas colnias e povo (TRIGGER, 1991).

    Na questo americana as coisas se sucederam um pouco diferente, sem

    dvida, o difusionismo foi uma teoria utilizada e aplicada na Amrica, mas com suas

    particularidades, como vimos no incio desse perodo comea a haver uma cisma

    entre as escolas europias e a escolas americanas. Com influncia das teorias

    difusionistas, Franz Boas (1858-1942), traz para a Amrica sua perspectiva histrico-

    classificatria e sua viso cultural-relativista que previa os indgenas como povos

    possuidores de capacidade criativa, porm os arquelogos e antroplogos

  • 24

    americanos ficam apenas com a viso histrico-classificatria, baseada num

    difusionismo determinante biolgico e destruidor da capacidade das populaes

    nativas (TRIGGER, 1991).

    Como afirmava em 1913, Berthold Laufer, etnologiasta americano, existia

    uma falha nos sistemas americanos de classificao e seriao com base nas

    estratigrafias. Ento esse foi o carro chefe das pesquisas durante o incio do sculo

    XX, alguns arquelogos como Nels C. Nelson (1875-1964) e Alfred Kidder (1885-

    1963) desenvolveram mtodos de classificao prprios para os EUA, ambos

    haviam participado de escavaes com arquelogos europeus. Kidder participou

    como auxiliar do arquelogo alemo, Max Uhle, nas escavaes dos shellmounds da

    Califrnia, j Nelson, participou de escavaes de stios na Frana, Espanha e Egito

    (TRIGGER, 1991).

    Um dos frutos desse intercmbio de tcnicas entre europeus e americanos foi

    o livro de Kidder, An introduction to the study of southwestern archaeology (Uma

    introduo ao estudo da arqueologia do sudoeste) de 1924, ele dava nomes a quatro

    perodos que iam da pr-histria at os tempos atuais: Basket Maker (Fazedor-de-

    cestos); Post Basket Maker (Ps-fazedor-de-cestos); Pre-Pueblo (Pr-Pueblo); e

    Pueblo (Pueblo), cada perodo desses, ou cultura, como ele chamava, era associado

    a algumas variantes regionais (TRIGGER, 1991).

    Nos anos conseguintes outras teorias de base difusionista e evolucionista

    cultural foram formuladas, entre elas a de W. C. McKern que 1939, liderava um

    grupo de arquelogos no meio-oeste americano e desenvolveu o The Midwestern

    Taxonomic Method (O Mtodo Taxionmico do Meio-oeste) a finalidade desse

    mtodo era estudar grandes quantidades de material coletados por amadores em

    regies, as quais, era bem conhecida a estratigrafia. Utilizavam uma perspectiva

  • 25

    histrica direta que relacionava as atuais fixaes indgenas com o material

    coletado nesses stios, assim possibilitando a anlise de existncia, ou ausncia de

    traos em comum, desta forma, estabelecendo padres (TRIGGER, 1991;

    ROBRAHN-GONZLEZ, 2000). No entanto, tal teoria no fazia inferncia a

    comportamento humano e sim a classificao das adaptaes das culturas atravs

    de seus vestgios materiais (TRIGGER, 1991).

    Seguindo a mesma linha dos demais arquelogos da escola americana G. R.

    Willey e Phillip Phillips desenvolveram uma cronologia cultural por regies, aplicando

    as teorias de difuso, atravs de padres culturais e centros de disperso, porm

    sem levar em considerao as inovaes particulares, j que no acreditavam na

    capacidade inventiva dos indgenas (TRIGGER, 1991). Com o advento da datao

    absoluta por C14, pelo qumico Willard Libby em 1949, as cronologias ficam mais

    bem definidas, gerando novos subsdios para as discusses sobre a antiguidade do

    Homem na Amrica, provocando inmeros questionamentos das rotas de migrao

    e difuso (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    Todo esse processo de desenvolvimento da Arqueologia processual

    americana (Escola Funcionalista), vertendo para uma linha imperialista e

    inconcebendo a possibilidade de criatividade e evoluo tecnolgica de outros

    povos diferentes dos europeus, fez com que a cincia Arqueologia nos EUA casse

    numa desiluso, porm novas perspectivas passaram a ser ponderadas ainda no

    final da dcada de 1960. J no continente europeu o caminho foi outro,

    principalmente no ps-guerra e nos anos que sucederam, todas a cincias humanas

    passaram por reformulaes crticas e autocrticas, questionando suas

    aplicabilidades, meios e fins.

  • 26

    O Perodo Moderno (1960-2004)

    O Perodo Moderno quando os arquelogos tm a percepo que as

    prticas da arqueologia estiveram sempre influenciadas por foras exteriores,

    fazendo com que a escolha de uma linha de estudo influenciasse no resultado da

    anlise, principalmente no que diz respeito ao comportamento das populaes pr-

    histricas.

    No ano de 1959, Joseph Caldwell em seu artigo The New American

    Archaeology (A Nova Arqueologia Americana) publicado na renomada revista

    Science deu incio ao movimento que depois passou a ser conhecido como apenas

    New Archaeology. Um dos maiores interlocutores dessa nova arqueologia foi Lewis

    Binford, acreditando nos seguintes conceitos: a Arqueologia no uma cincia

    descritiva e sim explanatria, com finalidade de explicar o passado humano, fazendo

    uso explcito de teorias; baseando a na Filosofia da Cincia, prope desenvolver

    anlises sobre processos culturais ou, ainda sobre mudanas ocorridas nos

    sistemas sociais e econmicos de determinados grupos humanos, fazendo uso de

    generalizaes e leis de dinmica cultural; atravs de anlises estatstica seriam

    formulados modelos, assim testando as hipteses; adoo de Teoria Geral de

    Sistemas, tendo como procedimento bsico a identificao e caracterizao de

    padres culturais, e os dividindo em trs subsistemas, tecnolgico, social e

    ideolgico; as pesquisas deveriam resolver questes especficas e no mais

    acumular informaes obtidas aleatoriamente em campo; desenvolvendo uma noo

    ecossistmica, estabelecida nas relaes entre cultura e meio-ambiente

    (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    Apesar da New Archaeology ter seu bero nos EUA os europeus fizeram uso

    e deram suas contribuies. David Clarke um dos arquelogos processuais que

  • 27

    aderiram as idias da New Archaeology, trazendo muitos avanos em relao a

    aplicao e uso de tcnicas quantitativas, alm do uso multidisciplinar (TRIGGER,

    1991).

    Com essa bandeira de aplicabilidade prtica, a New Archaeology se espalhou

    pelo mundo e obteve muito retorno, porm no conseguiu ir muito longe no que diz

    respeito a explicaes de cunho comportamental, seus padres e modelos

    estabelecidos no escapavam de uma viso neo-evolucionista, na qual, concebia

    alguns determinismos como explicaes comportamentais. Seus trabalhos se

    voltaram a aspectos funcionais e/ou ecolgicos, deixando de lado aspectos

    cognitivos e simblicos, porm fizeram com que o foco da Arqueologia deixasse de

    ser apenas descritivo, desenvolvendo ferramentas analticas e mostrando a

    necessidade de explicar os pressupostos da pesquisa, esse processo bem descrito

    por David Clarke como a perda da inocncia (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    Foi na dcada de 1960 que a New Archaeology se instaura, porm sua base

    j vinha de muito tempo antes ainda nos ideais funcionalistas. No entanto, essa

    mesma dcada ficou conhecida por diversos movimentos scio-culturais de

    amplitude mundial em diversas reas do conhecimento e suas reverberncias

    atingiram inmeros mbitos, dos movimentos de contra-cultura americana aos

    movimentos feministas, sem se esquecer dos ecolgicos, todos eles tinham uma

    coisa em comum, questionar a forma que as coisas estavam andando.

    Esses questionamentos tomaram conta de vrias estncias e na Arqueologia

    no foi diferente nas dcadas que seguiram (1970 e 1980), tiveram uma grande

    diversificao no que diz respeito a escolas crticas, ps-crticas e autocrticas. Toda

    as cincias humanas estavam passando por uma reformulao desde da Segunda

    Guerra Mundial, se questionavam em relao a objetivos e aplicaes. Muitas das

  • 28

    discusses que estavam sendo feitas no mbito da Histria foram transferidas para a

    Arqueologia, principalmente na Europa, onde nunca havia tido rupturas entre a

    Histria e a Arqueologia.

    Dentro da historiografia e ntido movimento que a histria da Histria passa a

    ter, a Escola dos Analles nas dcadas do ps-guerra passa a ter fora e ganham o

    mundo nos meados do sculo XX, as teorias marxistas ganham mais fora do que

    nunca para contrapor o positivismo liberal que estava sendo liderado principalmente

    pelos EUA. Revises historiogrficas so feitas para compreender o papel da

    Histria na histria do mundo, porm apesar dessas escolas, teorias e movimentos

    ganharem fora cada vez mais se precisa saber, mas luz necessria e maior a

    crtica, nesse bero as idias de Michael Foucault recebem uma notoriedade,

    principalmente na dcada de 1980 com sua idia arqueologia do saber

    (FOUCAULT, 1986).

    A Arqueologia bebe na mesma fonte e passa a rever suas posies ao longo

    dos tempos, inclusive no seu passado recente com a New Archaeology e sua viso

    processualista (Escola Processual), com isso, temos o movimento que depois passa

    a ser uma escola, os ps-processualistas. Na sua grande maioria, os europeus

    passaram a contra dizer a forma como se praticava Arqueologia. Cham-los de

    escola um pouco difcil, pois existem diversas divises dentro dos ps-

    processualistas, mas o que todos tm em comum rever as prticas, isto , rever

    mtodos, objetivos e compromissos. Partindo desses princpios podemos chamar de

    Escola Ps-processual, podemos acreditar que no pode haver um mtodo que

    possa compreender plenamente como se deram os eventos humanos do passado

    (WILLEY & SABLOFF, 1993). Sendo assim, prefiro chamar de tendncia ps-

    processual.

  • 29

    Foi na tenso entre processuais e ps-processuais que houve as definies

    de algumas das tendncias que vem sendo seguidas pelos arquelogos de todo o

    mundo. Trabalhos de etnoarqueologia conseguiram subsdios para relacionar cultura

    material ao comportamento, testando hipteses e desenvolvendo teorias (BINFORD,

    1967; GOULD, 1967; LEE, 1979). A etnoarqueologia gerou discusses dos que a

    aprovam como uma teoria utilizvel (CHANG, 1967; HODDER, 1982) e os que

    execram com ferramenta de anlise (BINFORD, 1967; GOULD, 1982), muitos

    desses crticos a etnoarqueologia so da Escola Processual. As analogias podem

    ser dadas de duas formas, direta ou indireta, a indireta utiliza modelos gerais

    elaborados com base em sociedades ao redor do mundo (Cross Cultural Analogie),

    ou a direta que quando os modelos so testados em contextos arqueolgicos do

    prprio grupo contemporneo (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000).

    A Arqueologia Histrica cresceu muito nesse perodo uma vez que vrios

    estudos sobre as ocupaes humanas no ps-Conquista e ocupaes medievais em

    solos europeus fizeram com que pudessem testar e contestar mtodos de anlise

    comparando a cultura material com a documentao escrita (THOMAS, 1988). Era

    de se esperar que somente aps a maior abertura poltica dos pases em mbito

    geral a arqueologia histrica pudesse ganhar fora, uma vez esta tendo o poder de

    contestar a veracidade da histria oficial que j vinha sendo contada h muito

    tempo.

    Como j foi falado a Arqueologia repensada comea a ser questionada por

    alguns pesquisadores, o questionamento se ela pode ser considerada uma

    cincia, ou uma forma fico, j que os autores (arquelogos) ao interpretar o

    passado, sempre envolvem as opinies, sensaes e vivncias prprias, desta

  • 30

    forma, influenciando nas anlises, assim provocando uma pseudo-objetividade

    (SHANKS, 1987; TILLEY, 1989).

    Uma das variantes ps-processuais a hermenutica, definida e defendida

    por Hodder (1985) que visa o estudo das relaes de poder, ideologia, e estrutura,

    de contextos especficos (ROBRAHN-GONZLEZ, 2000). Ainda temos a

    arqueologia crtica que baseasse em um discurso neomarxista e prope lidar com

    elementos simblicos e cognitivos dos indivduos (LEONE, 1982; PATTERSON,

    1989; PREUCEL, 1991).

    Outra das diversas linhas da Escola Ps-processual a que estudo o gnero,

    por muito tempo as mulheres foram esquecidas nas anlises, tal negligncia por

    parte dos arquelogos era devido no necessidade que eles viam em estudar o

    gnero feminino no mbito arqueolgico, muitas vezes se limitando apenas a

    anlises rasas e extremamente diminuidoras. Somente nas duas ltimas dcadas

    que a arqueologia comeou a olhar para esse problema (GERO & CONKEY, 1991;

    CLAASSEN, 1992; WYLIE, 1991).

    Nos ltimos anos os arquelogos das diferentes escolas tm se esforado

    para integrar as diferentes contribuies e enfoques, tentando maximizar as aes

    uma vez cada qual tem seus pontos fortes e francos (PREUCEL, 1991; REDMAN,

    1991; SPAULDING, 1988; WATSON, 1991; TRIGGER, 1991).

    Concluses

    Nos diversos perodos tivemos inmeras escolas que no seu incio muitas

    nem tiveram a inteno de ser escolas, nem cincia, porm desde o incio um dos

    fins era saber como os povos do passado viviam. Claro que algumas atrocidades do

    ponto de vista atual foram feitas, algumas generalizaes racistas foram feitas e

  • 31

    seguidas por dcadas e ainda permanecem como fenmenos de longa durao,

    sem contar os diversos disparates que houve sobre a natureza comportamental dos

    homens.

    No entanto, temos como perceber a Arqueologia como uma cincia prpria,

    no como um ramo da Antropologia, ou uma forma de comprovar a Histria, ela

    possu mtodos prprios, teorias e pressupostos nicos que fazem dela algo coeso.

    No existe dificuldade em ver que h um movimento ao logo do tempo sobre o que

    se concebia sobre a Arqueologia e o que se concebe hoje pela mesma, e que tal

    movimento no tende a estagnar.

    Dessa forma, estudar a Histria da Arqueologia, ou mesmo parafrasear

    Foucault, estudar a Arqueologia da Arqueologia algo que devemos fazer para

    melhor compreendermos para onde estamos indo e de onde viemos.

  • 32

    Arqueologa, Social, Latinoamericana?

    Homogeneizar a Amrica Latina no mnimo ser reducionista, claro que

    existe muito em comum entre os povos da Amrica Latina. No entanto, dizer que

    todos compartilham da mesma realidade cultural e cientfica seria minimizar

    diferenas claras e oriundas de diferentes prticas que foram e vem sendo tomadas

    por sries de governos, em muitos casos opressores e na grande maioria sem

    possibilidades de empreender grandes projetos arqueolgicos para seus pases.

    Desta forma, conceberei a Amrica Latina, como todos os pases do continente

    americano que falavam lnguas latinas e so considerados pases em

    desenvolvimento, com exceo do Brasil, por trata-lo isoladamente no prximo

    captulo.

    Gustavo G. Politis e Benjamin Alberti (1999), deixam bem claro as

    dificuldades que a Arqueologia latino-americana encontra em relao aceitao e

    mesmo de reconhecimento das prticas e teorias por parte dos euroamericanos e

    europeus. Os autores levantam alguns dos problemas da Arqueologia latino-

    americana, como por exemplo, dificuldade em relao lngua por parte da maioria

    europia e anglo-saxnica, criando desta forma, um fosso entre os blocos. No

    entanto, esse no o nico problema levantado, muitos dos arquelogos do mundo

    desenvolvido duvidam dos mtodos e conseqentemente, nos resultados da

    Arqueologia latino-americana.

    Politis (1999) questiona sobre quem so os arquelogos latino-americanos,

    colocando-os, como aqueles que tiveram parte de suas formaes em universidades

    latino-americanas, ou estrangeiros que trabalharam por muitos anos em stios latino-

    americanos. Essa distino feita necessria, pois muitos dos arquelogos ditos

  • 33

    latino-americanos, acabam por ser estrangeiros que no compreendem

    completamente os valores e identidades da Arqueologia latino-americana como,

    prtica, teoria e instrumento de mudana identitria.

    Devido a esses questionamentos, aps estudos no exterior os dois autores

    argentinos acima citados, resolveram dar maior visibilidade arqueologia latino-

    americana com um livro em lngua inglesa, Archaeology in Latin America, que

    reunisse tericos latino-americano que discutissem as arqueologias praticadas em

    seus pases de origem para desmistificar alguns dos preconceitos por parte dos

    arquelogos estrangeiros. A primeira vista pode parecer estranho um livro em lngua

    inglesa, sendo uma das maiores preocupaes das tendncias latino-americanas

    seja a identidade latino-americana. Porm escolher, nesse caso, o ingls como

    lngua cientfica tem como inteno mostrar quanto os arquelogos latino-

    americanos, se encontro sintonizados com as tendncias arqueogrficas globais.

    Apesar de no primeiro captulo utilizarmos a diviso por perodos (WILLEY &

    SABLOFF, 1993) e discutir as escolas dentro dos perodos (TRIGGER, 1991), para a

    Amrica Latina fica um tanto quanto impossvel, uma vez ela no sendo homognea

    (POLITIS, 1999). Como o enfoque desta obra no est especificamente na Amrica

    Latina, acabarei falando mais sobre as semelhanas entre os latino-americanos,

    tentando ao mximo no ser tendencioso na apresentao.

    Como vimos antes, no podemos afirmar a existncia de uma linha nica para

    a arqueologia latino-americana, pois ela um resultado de desenvolvimentos

    regionais e nacionais, muitas vezes independentes dos vizinhos. Muitos dos

    arquelogos latino-americanos no comeo do sculo XX, baseavam-se em suas

    prprias experincias. Desta forma, gerando situaes de desentendimentos entre

    os arquelogos que acabavam desacreditando no discurso dos demais arquelogos,

  • 34

    muito disso pelas prticas serem extremamente voltada o estudo de stios isolados

    (POLITIS, 1999).

    Algo que podemos afirmar que existe uma diviso bem ntida entre a prtica

    da arqueologia na Amrica Latina na primeira metade do sculo XX e na segunda

    metade, principalmente no ps-guerra (1945). A influncia econmica norte-

    americana sobre os pases latino-americanos gera distores em algumas linhas de

    estudos cientficos como afirma Pedro P. A. Funari (2001), quando diz:

    A Arqueologia como disciplina tradicionalmente se sente despreocupada com as implicaes mundanas em suas prticas, como se a cincia pudesse estar livre dos interesses do Estado, grupos e indivduos.

    Os pases colonizadores da Amrica Latina, Portugal e Espanha, no

    contriburam com fortes influncias na Arqueologia latino-americana, para no dizer

    nenhuma influncia. Logo a Arqueologia latino-americana como cincia de fato,

    um advento do sculo XX no mximo do fim do sculo XIX, se consideramos as

    incurses de estrangeiros e casos como o do chileno, Medina (1872) (POLITIS,

    1999).

    O perodo histrico-classificatrio (1914-1960) tinha como um dos objetivos,

    principalmente, na corrente europia, de identidade nacional, bastante ligada

    construo de um passado grandioso para legitimar o Estado que se formava.

    Alguns pases latino-americanos tentaram utilizar essas categorias para se constituir,

    mas existiam algumas incoerncias. Os pases que possuam grandes nmeros de

    indgenas no seu povo, no os dava voz. Distorciam alguns discursos para tirar fora

    dos movimentos indgenas. Com exceo ao Mxico que teve sua revoluo

    nacionalista e com isso gerou uma srie de cientistas nacionalistas e identitrios.

    Vale citar que existiam os arquelogos latino-americanos que utilizavam

  • 35

    aproximaes histrico-culturais de orientao marxista, sobre a influncia de

    Gordon V. Childe (POLITIS, 1999; SANOJA & VARGAS, 1999).

    J a tendncia norte-americana ganha mais fora ainda na primeira metade

    do sculo XX a influenciar os pases latino-americanos (TRIGGER, 1991; FUNARI,

    1999; LPEZ, 1999; POLITIS, 1999). Vindo de uma cisma com a Arqueologia

    europia, no que diz respeito a objetivo, j que ao invs de procurar uma identidade

    nativista, procurava sim, uma forma de estudar como ocorreu a involuo (conceito

    bem aceito para os arquelogos da poca) dos nativos indgenas. No entanto, como

    vimos no captulo anterior isso implicou em vises deterministas e preconceituosas

    (TRIGGER, 1991). Essa configurao mais neutra da Arqueologia norte-americana

    cabia melhor a maior parte dos governos latino-americanos que continuavam com as

    prticas exploratrias dos antigos colonizadores.

    Alguns projetos foram colocados em prtica ainda na primeira metade do

    sculo XX e j comeavam a promover desenvolvimentos na Arqueologia latino-

    americana. No Peru, podemos falar sobre os peruvianistas liderados por Julio Tello,

    que estudaram as comunidades andinas sobre uma perspectiva bem enraizada na

    tradio norte-americana, com nfase no estudo do contexto e funo da cultura

    material coletada, procurando generalizaes casuais (SCHADEL & SHIMADA,

    1982).

    Como resultado das influncias norte-americanas na Arqueologia latino-

    americana podemos falar de dois livros que foram constitudos sobre a perspectiva

    funcionalista norte-americana, The Handbook of South American Indians (1946-50),

    qual o editor-arquelogo do Smithsonian Institution, Julian Steward, organizou em

    seis volumes sobre uma tica de aproximao histrico-cultural. Alm do Aboriginal

    Cultural Development in Latin America: An Interpretative Review (1963), tambm

  • 36

    publicado pelo Smithsonian Institution, s que agora com Betty Meggers e Clifford

    Evans como editores. Ainda existia uma viso funcionalista, porm mais sintonizada

    com as tendncias difusionistas e neo-evolucionistas (TRIGGER, 1991).

    As duas obras mostram como e em qual velocidade as tendncias norte-

    americanas se espalharam pela Amrica Latina, uma boa mostra da influncia sobre

    os arquelogos latino-americanos a diferena entre o nmero de participaes de

    arquelogos latino-americanos nas duas publicaes. Em menos de 20 anos,

    perodo que separa uma publicao da outra, metade dos 14 autores do Aboriginal

    Cultural Development in Latin Amrica: An Interpretative Review eram arquelogos

    latino-americanos, enquanto o The Handbook of South American Indians no quase

    no contou com arquelogos latino-americanos (POLITIS, 1999).

    Na segunda metade do sculo XX os arquelogos latino-americanos

    comeam a desenvolver mtodos prprios, ainda sobre influncia norte-americana

    na grande maioria, apesar de existir alguns locos sobre influncia de escolas austro-

    germnicas (Kulturkreis), ou francesas (POLITIS, 1999; LPEZ, 1999; FUNARI,

    1999; LANATA & BORRERO, 1999).

    A influncia francesa pode ser mais notada na Amrica do Sul do que na

    Amrica Latina como um todo. Jos M. Lpez Mazz (1999) estuda a influncia dos

    franceses e afirma que ainda hoje podemos ver fortes marcas deixadas,

    principalmente, no estudo de material ltico que para muitos pases foi inaugurado

    pelas misses francesas; no estudo de arte rupestre com as categorias de

    estruturalismo; e tambm nos mtodos de campo, como a dcapage. No entanto,

    so as aes polticas dos governos dos pases latino-americanos que mais

    influenciavam as Arqueologias (POLITIS, 1999).

  • 37

    Considerando que a Escola Processual enraizada no behauvorismo aliado a

    um positivismo, tendo como linha uma viso sistemtica da cultura que acredita

    que as mudanas no meio-ambiente so determinantes nas mudanas culturais

    (POLITIS, 1999). Essa escola fica desconexa com as cincias sociais e humanas

    praticadas na Amrica Latina na primeira metade do sculo XX, afastando os

    arquelogos latino-americanos da prtica linear funcionalista de aproximaes

    histrico-culturais de orientao europia por trabalhos orientados a vises

    adaptativas, formao de stios, tafonomia e outras anlises processuais. (POLITIS,

    1999; SANOJA & VARGAS, 1999).

    No h como duvidar da contribuio da Escola Processual americana (New

    Archaeology) na Arqueologia latino-americana, porm muitas das categorias de

    anlise foram, e so, utilizadas de forma distorcida, acabando por gerar um caos

    metodolgico (LANATA & BORRERO, 1999). Alm de possurem uma orientao

    positivista vulgar que levou a anlises linearistas cheias de preconceitos, vises

    reducionistas e determinismos (FUNARI, 1999, 2001).

    Nesse nterim, alguns arquelogos latinos americanos comearam a

    completar seus estudos em universidades estrangeiras, com maior freqncia nas

    norte-americanas. O arquelogo argentino, Alberto Rex Gonzlez, foi estudar na

    University of Columbia, EUA, porm no se tornou um mero produto da tendncia

    americana. Gonzlez desenvolveu trabalhos sobre estruturalismo e simbolismo

    (categorias pouco estudas pelas tendncias norte-americanas naquele momento)

    nas sociedades do noroeste argentino (POLITIS, 1999).

    O mexicano Manuel Gamio foi outro latino-americano que estudo na

    University of Columbia, EUA. Destacou-se ao voltar para casa, considerado um dos

    discpulos de Franz Boas, fez o primeiro projeto consciente do Mxico (BERNAL,

  • 38

    1979). Politis (1999) fala mais sobre Gamio, o considera um filho da Revoluo

    Mexicana, pois ele acreditava que a Arqueologia era um instrumento para mudanas

    sociais.

    Gerardo Reichel-Dolmatoff, apesar de ter nascido e estudado na ustria,

    pode ser colocado na mesma esfera dos demais arquelogos latino-americanos.

    Chegou na Colmbia no final da dcada de 1930 e l fundou o Departamiento de

    Arqueologa de la Universidad de los Andes. Trabalhou para a sistematizao do

    tempo-espao na Colmbia, com exceo das regies do Rio Orenoco e Amazonas

    que estavam sendo estudadas pelos norte-americanos. Podendo ser considerado

    como o pioneiro em prticas de etnoarqueologia na Amrica Latina, fazia analogias

    das etnias viventes com os vestgios arqueolgicos que encontrava em suas

    escavaes. Utilizava idias de cunho difusionista europeu e ainda hoje suas

    influncias so percebidas na Arqueologia colombiana (POLITIS, 1999).

    Os arquelogos latino-americanos acima citados so alguns dos muitos

    arquelogos que contriburam para o que, posteriormente, seria considerada

    Arqueologia Social Latino-Americana. Tal movimento no pode ser considerado

    como uma escola e sim uma tendncia que vem se constituindo desde meados do

    sculo XX (POLITIS, 1999).

    Corroborando as idias acima, podemos citar a afirmao de Gustavo G.

    Politis (1999):

    No entanto, seria injusto olhar para a Arqueologia Latino-americana com uma reflexo passiva de estrangeiros, essencialmente a influncia norte-americana.

    Com isso, a Arqueologia Latino-americana tem suas bases em diversos

    pases que compartilham de idias em comum dentro do que podemos chamar de

  • 39

    uma tendncia, porm por no apresentar traos bem marcados

    metodologicamente, no h como considera-la uma escola.

    Como vimos no captulo anterior a New Archaeology (Escola Processual) tem

    seu incio na dcada de 1960 e influncia a Amrica Latina com reverberncia das

    polticas imperialistas americanas. Parte dessa influncia foi mais acentuada por

    virtude da Revoluo Cubana, gerando a preocupao de outros pases latino-

    americanos aderirem ao bloco socialista. Quando tal dicotomia fica clara os EUA do

    apoio logstico a governos autoritrios por toda a Amrica Latina para que abafem

    possveis focos de levantes comunistas. Desta forma, destruindo com a

    possibilidade de criar massa crtica nas cincias sociais e humanas. (IANNI, 1978).

    A tendncia da Arqueologia latino-americana marcada pela crtica a Escola

    Processual, uma vez essa tendo sido imposta, muitas vezes por governos

    autoritrios e no por contemplar os problemas de diferenas sociais existentes na

    maioria dos pases latino-americanos.

    Durante as dcadas posteriores a de 1960, os governos militares em alguns

    pases afrouxaram o cerco contra os intelectuais, assim, os arquelogos latino-

    americanos comearam a intensificaram suas crticas a New Archaeology. Para

    fazer suas crticas retornaram com antigas categorias de anlise, entre elas a de

    orientao marxista, no caso a Escola Funcionalista de Gordon V. Childe em carter

    de neo-funcionalista (VARGAS & SONOJA, 1999).

    Desta forma, a Arqueologia Social Latino-americana, por alguns autores

    considerada com parte da Escola Ps-processual que fundamentada em uma

    arqueologia crtica a Escola Processual americana e foi iniciada na University of

    Cambridge na Inglaterra, por Ian Hodder, Michael Shanks e Christopher Tilley

    durante a dcada de 1980 (FUNARI, 1989, 1999; POLITIS 1992).

  • 40

    Discutir se a Arqueologia Social Latino-americana ou no percussora da

    Escola Ps-processual, considero que tem menor importncia, pois o que vemos na

    realidade uma mudana de postura por parte dos arquelogos da Amrica Latina,

    ao contraporem os efeitos do neoliberalismo e neocolonialismo. Alm disso, como

    vimos antes Arqueologia latino-americana utilizou categorias j existentes para

    analisar o contexto arqueolgico, isso bem claro no discurso dos arquelogos

    venezuelanos de Iraida Vargas Arena e Mario Sonoja (1999):

    Arqueologia social na Amrica Latina no se esfora para descobrir novas categorias histricas, mas est preferindo tentar reformular as existentes e desenvolver o potencial de outras as quais podem ser usadas em um caminho tcito.

    As razes da Arqueologia Social Latino-americana so oriundas dos

    movimentos sociais indgenas e das minorias tnicas em geral, porm estudos de

    sobre gnero ainda so incipientes (POLITIS, 1999).

    Os arquelogos latino-americanos utilizando as categorias marxistas,

    ultrapassam a viso de funcionalista Childe e comeam a produzir arqueogrficas

    bem marcadas pelas categorias marxistas, analisando o contexto arqueolgico

    latino-americano (POLITIS, 1999; VARGAS & SONOJA, 1999), sendo elas, La

    Arqueologa como Ciencia Social (LUMBRERAS, 1974); Antiguas Formaciones y

    Modos de Produccin Venezolanos (SANOJA & VARGAS, 1974); e Marxismo y

    Sociedades Antiguas (BARTRA, 1975).

    Essas primeiras publicaes em nvel latino-americano so frutos do

    Congresso de Americanstica de 1970, Lima, Peru, infelizmente, o congresso contou

    com uma pequena participao de arquelogos latino-americanos. Entretanto,

    comearam a haver encontros para discutir essa nascente arqueologia latino-

    americana.

  • 41

    Um dos encontros da dcada de 1970 que agrupou o maior nmero de

    arquelogos latino-americano foi o de Teotihuacan, Mxico em 1975, patrocinado

    pelo INAH (Instituto Nacional de Antropologa e Historia), contando com a presena

    de Luis Lumbreras (Peru), Eduardo Matos (Mxico), Jos Prez (Argentina), Julio

    Montan (Chile) e Mario Sanoja (Venezuela).

    A concluso geral do encontro foi publicada no livro Hacia una Arqueologa

    Social (LORENZO, 1976). A partir de ento os trabalhos da arqueologia social latino-

    americana passaram a ser orientados, em uma mo, pela discusso conceitual

    sobre materialismo histrico aplicado a Arqueologia (BARTRA, 1975) e outra mo, a

    interpretao do dado arqueolgico usando uma aproximao histrico-materialista

    (SANOJA & VARGAS, 1974).

    Na dcada de 1980, por iniciativa do arquelogo chileno, Luis Felipe Bate e

    suporte do Instituto Panamericano de Geografa e Historia, foi organizado um grupo

    de cientistas sociais latino-americanos que discutia sobre a base conceitual da

    Arqueologia Social Latino-americana. Os anais de tais encontros nunca foram

    publicados e recentemente Bate (1998), publicou o esboo das discusses

    (VARGAS & SANOJA, 1999).

    Nos anos conseguintes, vrios outros grupos foram formados e diversos

    encontros ocorreram e atravs deles se caracterizou a tendncia da Arqueologia

    Social Latino-americana que trabalha bem prxima dos estudos de histria dentro de

    uma viso de totalidade. A noo de totalidade utilizada com uma relativa, mas

    concreta, caracterizao de oposio ao particularismo, relativismo ou concepes

    absolutistas da totalidade (VARGAS & SANOJA, 1999).

    Atualmente, a Arqueologia social latino-americana tem se voltado a trabalhos

    com perspectivas mais especificas como: bio-arqueologia; utilizao e matria-

  • 42

    prima; antigos estgios na produo de alimento; explotao da fauna; processo

    formativo de stios; e etnoarqueologia (LANATA & BORRERO, 1999).

    Como vimos no incio deste captulo, as Arqueologias na Amrica Latina no

    seguiram, obrigatoriamente, os passos das Arqueologias europias e norte-

    americanas. Tiveram suas significaes e resignifaes prprias, porm sofreram

    influncias de todas as duas linhas e ainda hoje possvel ver as permanncias de

    tais prticas.

    Desta forma, temos que concordar com Politis (1999) que diz que a

    Arqueologia latino-americana um mosaico de prticas, teorias e mtodos, portanto

    cada vez mais necessrios trabalhos sobre arqueografia latino-americana,

    existindo a importncia de se olhar para os diferentes desenvolvimentos em planos

    nacionais.

  • 43

    Arqueologia Brasileira, ou, Arqueologia no Brasil?

    Podemos comear esse captulo perguntando: existe uma Arqueologia

    propriamente brasileira, ou o que existe, so prticas e mtodos estrangeiros

    aplicados no Brasil?

    Pedro Paulo A. Funari (1994, 1999), discute que existe uma falta de

    conhecimento, por parte da populao em geral, da Arqueologia brasileira, sempre a

    relacionando com uma prtica aventureira em outra parte do mundo, como Europa,

    Egito e EUA. Sendo grande parte desse desconhecimento relacionado forma que

    a Arqueologia foi desenvolvida no Brasil.

    Andr Prous, arquelogo de origem francesa que trabalha no Brasil a mais de

    30 anos, autor do livro Arqueologia Brasileira (1992) na apresentao de sua obra

    diz:

    "...existiria, portanto, alguma coisa do remoto passado indgena que merea o mesmo interesse que as grandes civilizaes do Mxico e do Peru? Existe, e a pr-histria brasileira tem sua importncia no quadro mundial."

    J Cristina Barreto (1998, 1999, 1999-2000), no acredita em uma

    Arqueologia Brasileira, em seu artigo A construo de um passado pr-colonial: uma

    breve histria da arqueologia no Brasil (1999-2000), diz:

    "Mantendo-se isolada, a arqueologia brasileira no s absorveu muito pouco dos debates e avanos tericos do cenrio internacional das ltimas dcadas, como tambm no chegou a se constituir em uma arqueologia nacional, particularmente concebida para os problemas do passado brasileiro e, menos ainda, em uma arqueologia nacionalista, voltada para a afirmao de idias nacionais."

    No so muitos os trabalhos que se propem a estudar a histria da

    arqueologia brasileira (BARRETO, 1998, 1999, 1999-2000; FUNARI, 1994, 1999;

    MENDONA DE SOUZA, 1991; PROUS, 1992). Cada autor prope uma diviso

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    prpria relacionada a algum acontecimento ou tendncia, para melhor

    compreendemos como desenvolveu a Arqueologia no Brasil, neste trabalho

    acataremos a classificao segundo perodos de Funari (1994, 1999).

    Perodo Colonial (1500-1822)

    O perodo colonial brasileiro marcado pela visitas de navegadores

    estrangeiros todos os que aqui vinham naquele perodo eram estrangeiros com a

    inteno de reconhecer o terreno o qual iriam aproveitar. Apesar de ser o maior dos

    perodos da histria do Brasil, sem dvida o menos documentado.

    O pouco que sabemos dele oriundo de dirios de viajantes e tratados de

    naturalistas, ou gravuras feitas pelos mesmos. No havia a inteno de fundar

    centros de estudos de qualquer natureza e a entrada dos naturalistas no era muito

    bem vista pela Coroa Portuguesa.

    O perodo colonial brasileiro se enquadra dentro do que os historiadores da

    Arqueologia, WILLEY & SABLOFF (1993), chamam de Perodo Especulativo (1492-

    1840). Como vimos no primeiro captulo, a Arqueologia comea a se configurar

    nesse momento. Porm, no caso brasileiro, ficamos apenas como objeto de estudo e

    no formador de algo.

    J que no era interesse de Portugal que o Brasil possusse meios de

    desenvolver qualquer coisa. A realidade brasileira era ser objeto das especulaes

    sobre a origem de artefatos encontrados, de monumentos pr-histricos, escassos

    no caso brasileiro. Entre os viajantes dessa poca, podemos ressaltar: Conde de

    Gouneville (1504) Yves d'Euvreuz (1613-1614), Gabriel Soares (1587), Frei Gaspar

    de Carvajal (1542), Padre Anchieta (1554-1594), Andr Thevet (1575), Jean de Lry

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    (1578) e Hans Staden (1547) alm de outros (FUNARI, 1994, 1999; MENDONA DE

    SOUZA, 1991).

    Do perodo da descoberta at a data de 22 de abril de 1639, no havia porqu

    estudar os amerndios, uma vez esses no serem considerados humanos e sim

    animais que falavam (MENDONA DE SOUZA, 1991). Aps a Bula do Papa Urbano

    VIII (1639), que acabava com a discusso de quase um sculo e meio, os

    amerndios ganham definitivamente suas almas, porm "as autoridades colnias no

    procuravam incentivar o estudo das culturas indgenas, cujo resultado s poderia

    despertar o j incipiente nativismo brasileiro" (PROUS, 1980).

    Entretanto, ainda no sculo XVI houve quem legitimasse religiosamente a

    origem e genealogia dos amerndios, Paul Rivet (1958) em sua obra As origens do

    homem americano, diz:

    No pois de admirar que fossem buscar e achassem os colonizadores do no Novo Mundo entre as tribos judias, como forma de coonestar a Bblia. Esta tese aparece pela primeira vez em Arlius Montanus, autor da Bblia Poliglota, publicada em Aturpia entre 1569 e 1573. Em 1571, o mesmo sbio espanhol editou um mapa-mndi, onde figurava a original concepo? Dois filhos de Jecto, bisneto de Sem, filho de No, povoaram o Novo Mundo: Ophir chegou ao noroeste da Amrica e da ao Peru; Jobal colonizou o Brasil

    Nos primeiros sculos aps o descobrimento a atividade especulativa no

    Brasil no foi to intensa quanto em outras colnias europias na Amrica, a falta de

    culturas urbanizadas e insipincia de ouro, no fazia do Brasil o lugar mais provvel

    para uma Eldorado, sendo assim o pau-brasil era a melhor e mais rentvel fonte.

    Apesar dos jesutas terem um papel de importncia para a compreenso de

    alguns aspectos culturais e conhecimento de mitos locais nos primeiros sculos. O

    dspota esclarecido, Marques de Pombal, encarregado da restaurao portuguesa,

    em 1759, probe a permanncia dos Jesutas em solo colonial portugus. No

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    entanto, no probe apenas os jesutas como quase todos os naturalistas de

    adentrarem na Colnia Brasil, assim provocando um "hiato na literatura de interesse

    arqueolgico e etnogrfico, devendo-se, as contribuies existentes, a padres de

    outras confisses, ou naturalistas a servio de Portugal" (MENDONA DE SOUZA,

    1991).

    A expulso da ord