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São Paulo, 3 e 4 de outubro de 2013 ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013

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São Paulo, 3 e 4 de outubro de 2013

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O OBSERVATÓRIO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

São Paulo, 3 e 4 de outubro de 2013

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Sumário

Tema 1| TribuTos e encargos sobre a eleTricidade: eficiência econômica e social

andressa guimaraes Torquato A Inconstitucionalidade da Incidência do Icms na Tarifa Social de Energia Elétrica: uma Análise com Base na Regra-Matriz de Incidência.................................................................................... 3

Camila Figueiredo Bomfim Lopes Regulação e Credibilidade: o Caso do Reajuste das Tarifas de Energia Elétrica ................................................................................................. 15

Francisco Annuati Neto e Claudio Ribeiro de Lucinda Demanda e Preços Não-Lineares: uma Análise Empírica do Consumo Brasileiro de Energia Elétrica Industrial ............................................................... 29

Tema 2| energia, comunidades locais e povos Tradicionais: parTicipação e inclusão

Caroline Medeiros Rocha e Fabricio Dorado Soler A Variável Indígena no Procedimento de Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas ...................................................................................................... 51

Daniela Garcia Giacobbo O Setor Elétrico, as Comunidades Locais e os Povos Tradicionais: Possibilidade de Resolução Consensual dos Conflitos Socioambientais .................................................................................................. 65

maria alice doria e leonardo freire A Exploração de Aproveitamentos Hidrelétricos: Propostas de Regulamentação da Participação das Comunidades Indígenas Afetadas à Luz do Princípio FPIC. ...................................................... 79

Roberta Danelon Leonhardt, Daniela Stump e Carolina de Almeida Castelo Branco Status of The Free, Prior and Informed Consent (“FPIC”) In Private Sectors and Under Brazilian Law ................................................................ 93

Tema 3| expansão da oferTa de energia: planejamenTo e leilões

donato da silva filho, dorel soares ramos, ewerton guarnier, rafael Holanda moura Tarifação Dinâmica para o Mercado Regulado ....................................................................... 104

fernando marques do valle e ricardo brant pinheiro A Energia Nuclear como Alternativa Para o Planejamento Energético Nacional ........................................................................................ 117

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A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO ICMS NA TARIFA SOCIAL DE ENERGIA ELÉTRICA: UMA ANÁLISE COM BASE NA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA  Andressa  Torquato  

   

RESUMO  

 

O   presente   estudo   tem   por   finalidade   analisar   a   incidência   do   Imposto   sobre   a   Circulação   de   Mercadorias   e  

Serviços   (ICMS)   na   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica,   e   uma   possível   violação   ao   princípio   da   capacidade  

contributiva   em   decorrência   disso.   Referida   tarifa,   criada   pela   Lei   n.   10.438/2002,   beneficia   o   consumidor  

residencial,  legalmente  classificado  como  baixa  renda,  com  descontos  incidentes  sobre  a  tarifa  plena  cobrada  dos  

demais  consumidores   residenciais.  Tal  medida  constitui-­‐se  num   importante   instrumento  para  a   implementação  

de  uma  política  pública  de  universalização  do  fornecimento  de  energia  elétrica,  assegurando  à  população  de  baixa  

renda   a   continuidade   da   prestação   desse   serviço,   por  meio   da   cobrança   de   uma   tarifa   compatível   com   a   sua  

disponibilidade  financeira.  

No   entanto,   de   acordo   com   o   Convênio   ICMS   n.   79/2004,   nas   operações   de   venda   de   energia   elétrica   a   um  

beneficiário  da  tarifa  social,  a  base  de  cálculo  do  ICMS  deverá  ser  o  valor  da  energia  consumida  sem  o  desconto  

previsto  na  Lei,  isto  é,  incidirá  sobre  a  tarifa  plena  cobrada  dos  demais  consumidores  residenciais.    

Essa  situação  causa  perplexidade  e  será  analisada  adiante  à  luz  da  teoria  da  regra-­‐matriz  de  incidência,  de  modo  a  

verificar  se  há  violação  ao  princípio  da  capacidade  contributiva.  

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica,  ICMS,  capacidade  contributiva.  

 

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1  INTRODUÇÃO      

A   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica,   instituída  pela   Lei   10.438  de  26  de   abril   de  2002,   é   fruto  de  uma  política   pública   do   governo   federal   que   visa   à   universalização   do   uso   da   energia   elétrica,   tendo   por   base   a  concessão,   para   a   população   de   baixa   renda,   de   descontos   incidentes   na   tarifa   plena   cobrada   pelas   empresas  distribuidoras  da  classe  de  consumidores  residenciais.  

Ocorre  que  no  período  em  que  foi  instituída  a  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica  pelo  governo  federal,  estavam  em  pleno  vigor  os  contratos  de  concessão  para  a  prestação  de  serviço  de  distribuição  de  energia  elétrica,  firmados  anteriormente  com  as  empresas  concessionárias.  Essa  mudança  unilateral  da  política  tarifária,  por  parte  do   poder   concedente,   alterou   o   equilíbrio   econômico-­‐financeiro   dos   contratos,   acarretando   prejuízos   para   as  empresas  concessionárias.  Diante  disso,  foi  criado  um  mecanismo  de  indenização  para  essas  empresas,  destinado  a  restabelecer  o  equilíbrio  do  contrato,  consistente  no  pagamento  de  uma  compensação  equivalente  às  perdas  sofridas.  

A  despeito  desse  pagamento   realizado  pelo  governo   federal  às  empresas  concessionárias  consistir  em   uma   indenização   que   toma   por   base   o   valor   global   das   perdas   no   faturamento   –   de   modo   que   se   o  faturamento   aumentar,   ou   permanecer   o   mesmo,   não   há   que   se   falar   em   tal   pagamento   -­‐     os   Estados   vêm  considerando-­‐os  como  subvenções  econômicas  pagas  pela  União  às  empresas  distribuidoras  de  energia  elétrica,  com  o  intuito  de  cobrir  as  diferenças  entre  o  preço  de  mercado  e  o  preço  de  revenda.  

Como  será  visto,   tal  posicionamento   justificaria  que  nas  operações  de  venda  de  energia  elétrica  a  um  beneficiário  da  tarifa  social,  os  Estados  adotem,  como  base  de  cálculo  do  ICMS,  o  valor  da  energia  consumida  sem  o  desconto  previsto  na  Lei,  isto  é,  sobre  a  tarifa  plena  cobrada  dos  demais  consumidores  residenciais.  

Para  tanto,  discorreremos  sobre  a  regra-­‐matriz  de   incidência  e  sua  aplicação  no  ICMS,  a   incidência  deste  tributo  especificamente  sobre  as  operações  de  fornecimento  de  energia  elétrica,  a  legislação  que  trata  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica,  a  incidência  do  ICMS  nesta,  para,  ao  fim,  sermos  capazes  de  concluir  se  a  norma  que   autoriza   a   cobrança   de   ICMS   sobre   a   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica   é   inconstitucional,   por   afronta   ao  princípio  da  capacidade  contributiva.    2  MÉTODO  DE  ANÁLISE:  A  REGRA-­‐  MATRIZ  DE  INCIDÊNCIA  

 Segundo  Paulo  de  Barros  Carvalho,  ao   se  analisar  as  normas   jurídicas   tributárias,  é  possível   verificar  

uma  repetição  dos  elementos  que  as  compõem,  identificando-­‐se,  com  isso,  uma  regra-­‐padrão  de  incidência,  ou,  o  que  ele  chamou  de  regra-­‐matriz  de   incidência,  aplicando-­‐a,  pois,  como  um  sistema  de  referência,  um  esquema  lógico-­‐semântico  que  auxilia  o  aplicador  do  direito  na  construção  de  sentido  de  qualquer  norma  jurídica.1  

Ao  definir   a   regra-­‐matriz   de   incidência,   Aurora   Tomazini   de  Carvalho,   seguindo  os   ensinamentos   de  Paulo   de   Barros   Carvalho,   assevera   que:   “chamamos   de   regra-­‐matriz   de   incidência   as   normas   padrões   de  incidência,  aquelas  produzidas  para  serem  aplicadas  em  casos  concretos,  que  se  inscrevem  entre  as  regras  gerais  e   abstratas,   podendo   ser   de   ordem   tributária,   previdenciária,   penal,   administrativa,   [...]   dependendo   das  situações  objetivas  para  as  quais  seu  vetor  semântico  aponta”  (2009,  p.  361-­‐362).  

Acerca   da   função   operativa   e   prática   da   regra-­‐matriz   de   incidência   para   o   operador   do   direito,  especificamente  para  o  campo  do  direito  tributário,  Paulo  de  Barros  Carvalho  ensina  que:  

 A   esquematização   formal   da   regra-­‐matriz   de   incidência   tem-­‐se   mostrado   um   utilíssimo  instrumento   científico,   de   extraordinária   fertilidade   e   riqueza   para   a   identificação   e  conhecimento   aprofundado   da   unidade   irredutível   que   define   a   fenomenologia   básica   da  imposição   tributária.   Seu   emprego,   sobre   ser   fácil,   é   extremamente   operativo   e   prático,  permitindo,   quase   que   de   forma   imediata,   penetrarmos   na   secreta   intimidade   da   essência  normativa,  devassando-­‐a  e  analisando-­‐a  de  maneira  minuciosa  (2010a,  p.  381).    

 

1  A  expressão  norma  jurídica  é  aplicada  no  presente  trabalho,  de  acordo  com  as  lições  de  Paulo  de  Barros  Carvalho,  como  “a  significação  que  obtemos  a  partir  da  leitura  dos  textos  do  direito  positivo.  Trata-­‐se  de  algo  que  se  produz  em  nossa  mente,  como  resultado  da  percepção  do  mundo  exterior,  captado  pelos  sentidos”  (2010a,  p.  8).  

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Adentrando  nos  componentes  das  normas  gerais  e  abstratas,  destinadas  a  regular  condutas,  observa-­‐se  que  em  todas  elas  são  encontrados  os  seguintes  elementos:  uma  hipótese,  que  descreve  um  acontecimento  passível  de  ocorrência  no  mundo  fático,  e  um  conseqüente,  que  prescreve  a  instauração  de  uma  relação  jurídica  quando  verificado,  no  caso  concreto,  a  ocorrência  do  evento  descrito  abstratamente  no  antecedente  da  norma.    

Na  hipótese  verifica-­‐se,  portanto,  a  descrição  de  uma  conduta,  que  se  dá  num  determinado  ponto  do  espaço  e  do   tempo.  Ao  núcleo  dessa   conduta,   consistente  num  verbo  de  ação  ou  de  estado,  que  expressa  um  proceder  humano,  chamou-­‐se  de  critério  material  da  regra-­‐matriz  de  incidência.    

O   segundo   critério   componente   da   hipótese   é   o   espacial,   responsável   por   informar   o   local   onde   o  evento,  a  ser  provido  à  categoria  de  fato   jurídico,  deve  ocorrer.  Por  último,  tem-­‐se  o  critério  temporal,  no  qual  estão  contidas  as   informações  capazes  de   identificar  o  momento  em  que  deve  ocorrer  o  evento,  para  que  este  possa  ser  convertido  em  fato  jurídico,  dando,  por  conseguinte,  origem  a  uma  relação  jurídica.  

No   que   tange   aos   critérios   componentes   do   conseqüente   da   norma   jurídica,   encontram-­‐se   os  seguintes:  um  critério  pessoal  e  um  critério  prestacional.  Naquele,  são  identificados  os  sujeitos  ativo  e  passivo  da  relação  obrigacional,  enquanto  neste,  tido  como  o  núcleo  do  conseqüente,  está  delimitado  o  objeto  da  prestação  a  ser  executada  pelo  sujeito  passivo  em  benefício  do  sujeito  ativo.  

 3  O  ICMS  NAS  OPERAÇÕES  DE  FORNECIMENTO  DE  ENERGIA  ELÉTRICA  

 3.1  A  regra-­‐matriz  de  incidência  do  ICMS  nas  operações  de  comercialização  de  energia  elétrica  

 A   especificidade   dada   pelo   constituinte   à   incidência   do   ICMS   nas   operações   de   comercialização   de  

energia   elétrica   é   expressiva   de   tal   forma   que   temos   uma   regra-­‐matriz   de   incidência   específica   para   essa  mercadoria.  

Roque   Antonio   Carrazza,   ao   analisar   o   ICMS   na   Constituição,   ensina   que   este   tributo   alberga   pelo  menos  cinco  impostos  diferentes,  a  saber:  

 a)   o   imposto   sobre   operações   mercantis   (operações   relativas   à   circulação   de  mercadorias),   que,   de   algum   modo,   compreende   o   que   nasce   da   entrada   de  mercadorias   importadas   do   exterior;   b)   o   imposto   sobre   serviços   de   transporte  interestadual   e   intermunicipal;   c)   o   imposto   sobre   serviços   de   comunicação;   d)   o  imposto   sobre   produção,   importação,   circulação,   distribuição   ou   consumo   de  lubrificantes  e  combustíveis   líquidos  e  gasosos  e  de  energia  elétrica;  e  e)  o  imposto  sobre  extração,  circulação,  distribuição  ou  consumo  de  minerais.  Dizemos  diferentes,  porque  estes  tributos  têm  hipóteses  de  incidência  e  bases  de  cálculo  diferentes.  Há,  pois,  pelo  menos  cinco  núcleos  distintos  de  incidência  do  ICMS.  

 Passemos,  pois,  a  analisar  os  critérios  da  regra-­‐matriz  de   incidência  para  o   ICMS  sobre  o  consumo  de  

energia  elétrica.    

3.1.1  Critérios  da  hipótese    

Uma  interpretação  sistemática  do  artigo  155,  §§  2º,  X,  “b”,  e  3º,  da  Constituição  Federal2,  e  dos  artigos  2º,  §  1º,  III;  3º,  III;  4º,  parágrafo  único,  IV;  6º,  §  1º;  9º,  §  1º,  I  e  II;  11,  I,  “g”;  e  12,  XII,  todos  da  Lei  Complementar  

2  Art.  155.  Compete  aos  Estados  e  ao  Distrito  Federal  instituir  impostos  sobre:  [...]  II  -­‐  operações  relativas  à  circulação  de  mercadorias  e  sobre  prestações  de  serviços  de  transporte  interestadual  e  intermunicipal  e  de  comunicação,  ainda  que  as  operações  e  as  prestações  se  iniciem  no  exterior;  [...]  §  2.º  O  imposto  previsto  no  inciso  II  atenderá  ao  seguinte:  [...]  X  -­‐  não  incidirá:  [...]  b)  sobre  operações  que  destinem  a  outros  Estados  petróleo,  inclusive  lubrificantes,  combustíveis  líquidos  e  gasosos  dele  derivados,  e  energia  elétrica;  [...]  

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87/96,  nos  leva  à  seguinte  conclusão  acerca  da  estrutura  da  regra-­‐matriz  de  incidência  do  ICMS  sobre  o  consumo  de  energia  elétrica:  

  Hipótese:  consumir  energia  elétrica  nos  limites  de  um  Estado  da  federação  ou  do  Distrito  

Federal,   reputando-­‐se   ocorrido   tal   evento   no   momento   de   sua   saída   da   empresa  distribuidora  para  ser  consumida.    

 3.1.1.1  Critério  material  

 A   ação   que   se   constitui   no   núcleo   do   critério   material   é   o   verbo   consumir,   cujo   complemento   é  

“energia   elétrica”.     Tal   conclusão   é   obtida   mediante   uma   interpretação   sistemática   de   um   conjunto   de  enunciados  prescritivos  que,  articulados,  dão  origem  à  norma  jurídica  ora  em  comento.  Vejamos,  pois,  quais  são  eles.  

A  Constituição   Federal   em   seu   artigo   155,   §   3º,   refere-­‐se   genericamente   à   expressão   “operações  de  energia  elétrica”,  sem  identificar,  contudo,  a  qual  verbo  ela  estaria  servindo  de  complemento,  isto  é,  qual  a  ação  passível  de  ser  tributada  pelo  ICMS.    

Como  afirmamos  acima,  a  energia  elétrica  não  é  encontrada  livremente  na  natureza,  sendo  obtida  após  um  processo  de  transformação  da  energia  primária  em  secundária.    

Desde  o  momento  em  que  ela  é  gerada,  até  chegar  ao  consumidor  final,  é  necessária  a  realização  de  uma  série  de  atividades,  que,  em  conjunto,  denominou-­‐se  “atividades  de  exploração  de  serviços  e  instalações  de  energia  elétrica”.  O  Decreto  nº  2.655/98,  que  regulamentou  o  Mercado  Atacadista  de  Energia  Elétrica,  dispôs  em  seu   artigo   1º   que:   “a   exploração   dos   serviços   e   instalações   de   energia   elétrica   compreende   as   atividades   de  geração,  transmissão,  distribuição  e  comercialização,  as  quais  serão  desenvolvidas  na  conformidade  da  legislação  específica  e  do  disposto  neste  regulamento”.  

Destaque-­‐se   que   no   que   tange   às   operações   interestaduais   de   exploração   de   energia   elétrica,   é  proibido   expressamente   pela   CF   a   incidência   do   ICMS   sobre   a   energia   elétrica   quando   esta   for   destinada   à  industrialização  ou  à  comercialização.  

Dessa  forma,  no  sentido  do  exposto  por  Roque  Antonio  Carrazza,  tem-­‐se  que  para  efeito  de  incidência  do  ICMS,  o  sujeito  ativo  poderia  optar  por  tributar  uma,  duas,  ou  todas  as  atividades  acima  referidas,  desde  que  obedecido  o  princípio  da  não-­‐cumulatividade  e  a  exceção  constitucional.    

A   Lei   Complementar   n.   87/96,   em   relação   às   operações   interestaduais   de   exploração   de   energia  elétrica,   elegeu   como   contribuinte   do   ICMS   a   pessoa   física   ou   jurídica   que   adquira   energia   elétrica   oriunda  de  outro  Estado,  quando  não  destinada  à  comercialização  ou  à  industrialização;  isto  é,  será  contribuinte  do  tributo  o  consumidor  final,  seja  ele  pessoa  física  ou  jurídica  (art.  4º,  IV).  

Entenda-­‐se  por   consumidor   final,   nos   termos  da  Convenção  de  Comercialização  de  Energia   Elétrica   -­‐  CCEE,   anexa   à   Resolução   Normativa   n.   109   da   Aneel,   de   26   de   outubro   de   2004,   “a   pessoa   física   ou   jurídica,  responsável   por   unidade   consumidora   ou   por   conjunto   de   unidades   consumidoras   reunidas   por   comunhão   de  fato  ou  de  direito,  legalmente  representada,  e  que,  concomitantemente,  estejam  localizadas  em  áreas  contíguas,  possam  ser  atendidas  por  meio  de  um  único  ponto  de  entrega  e  cuja  medição  seja,  também  única”.  

Em  se   tratando  de  operações  de  exploração  de  energia  elétrica   realizadas  exclusivamente  dentro  de  um   único   Estado,   cabe   a   este   eleger   a   atividade   que   consistirá   no   núcleo   do   critério  material   da   hipótese   de  incidência  do  imposto.  No  entanto,  mesmo  que  um  Estado  optasse  por  tributar  uma  outra  atividade,  que  não  o  consumo,   é   importante   destacar   que   devido   à   geração   de   energia   elétrica   ser   concentrada   em   grandes   usinas  hidrelétricas,   localizadas   em   pontos   específicos   do   território   nacional,   a   grande   maioria   das   operações  caracteriza-­‐se  por  ser  interestadual.  

Desse   modo,   tomamos   por   base   no   presente   estudo   a   regra-­‐matriz   de   incidência   do   ICMS   sobre  energia  elétrica  em  que  se  verificam  operações  interestaduais  na  cadeia  de  exploração,  ou,  mesmo  quando  isso  não  ocorra,  a  legislação  estadual  que  eleja  como  critério  material  da  hipótese  de  incidência  desse  imposto  a  ação  

§  3º  À  exceção  dos  impostos  de  que  tratam  o  inciso  II  do  caput  deste  artigo  e  o  art.  153,  I  e  II,  nenhum  outro  imposto  poderá  incidir  sobre  operações  relativas  a  energia  elétrica,  serviços  de  telecomunicações,  derivados  de  petróleo,  combustíveis  e  minerais  do  País;    

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de  alguém  consumir  energia  elétrica.  Com   isso,   teremos  em  ambos  os   casos  o  critério  material  da  hipótese  de  incidência  do  ICMS  sobre  energia  elétrica  sendo  composto  pelo  verbo  “consumir”,  e,  pelo  complemento,  “energia  elétrica”.  

 3.1.1.2  Critério  espacial    

O  critério  espacial  do  antecedente  da  norma  de  incidência  vem  delineado  no  artigo  11  da  chamada  Lei  Kandir,  segundo  a  qual:    

 Art.  11.  O  local  da  operação  ou  da  prestação,  para  os  efeitos  da  cobrança  do  imposto  e  definição  do  estabelecimento  responsável,  é:    I  -­‐  tratando-­‐se  de  mercadoria  ou  bem:  [...]  g)  o  do  Estado  onde  estiver   localizado  o  adquirente,   inclusive  consumidor   final,  nas  operações  interestaduais   com   energia   elétrica   e   petróleo,   lubrificantes   e   combustíveis   dele   derivados,  quando  não  destinados  à  industrialização  ou  à  comercialização;  

 Diante  do  exposto,  tem-­‐se  que  o  local  onde  deverá  ser  praticado  o  evento  para  fins  de  instauração,  em  

concreto,  da  relação  jurídica  tributária  prevista  genericamente  no  conseqüente  da  norma,  será  o  Estado  onde  a  energia  elétrica  for  consumida.  

 3.1.1.3  Critério  temporal  

 O  critério  temporal  da  hipótese  da  norma  de  incidência  do  ICMS  é,  conforme  determina  o  artigo  34,  §  

9º,   do   Ato   das   Disposições   Constitucionais   Transitórias3,   o   momento   da   saída   da   energia   elétrica   do  estabelecimento  da  empresa  distribuidora.    

No  entanto,  devido  à  impossibilidade  de  armazenamento  desse  bem4,  deve-­‐se  levar  em  consideração  o  momento  da  saída  como  ato-­‐contínuo  ao  do  seu  efetivo  consumo.    

Da  mesma  forma  entende  Roque  Antonio  Carrazza,  ao  afirmar  que:      

Com   isto   estamos   enfatizando   que   tal   tributação,   em   face   das   peculiaridades   que   cercam   o  fornecimento   de   energia   elétrica,   só   é   juridicamente   possível   no  momento   em  que   a   energia  elétrica,   por   força   de   relação   contratual,   sai   do   estabelecimento   do   fornecedor,   sendo  consumida.  

 Assim,   tem-­‐se   como   critério   temporal   da   hipótese,   o   momento   em   que   a   energia   é   efetivamente  

utilizada  pelo  consumidor  final.    3.1.2  Critérios  do  conseqüente  

 Diante  do  exposto,  podemos  concluir  que  o  conseqüente  da  norma  jurídica  de  incidência  do  ICMS  está  

assim  delineada:  

3  §  9º  -­‐  Até  que  lei  complementar  disponha  sobre  a  matéria,  as  empresas  distribuidoras  de  energia  elétrica,  na  condição  de  contribuintes  ou  de   substitutos   tributários,   serão   as   responsáveis,   por  ocasião  da   saída  do  produto  de   seus   estabelecimentos,   ainda  que  destinado  a  outra  unidade  da  Federação,  pelo  pagamento  do   imposto  sobre  operações  relativas  à  circulação  de  mercadorias   incidente  sobre  energia  elétrica,  desde  a  produção  ou  importação  até  a  última  operação,  calculado  o  imposto  sobre  o  preço  então  praticado  na  operação  final  e  assegurado  seu  recolhimento  ao  Estado  ou  ao  Distrito  Federal,  conforme  o  local  onde  deva  ocorrer  essa  operação.    4  A  energia,  enquanto  presente  na  natureza  na  sua  forma  bruta,  permite  o  seu  armazenamento,  admitindo  uma  futura  conversão  em  energia  secundária,   no   entanto,   esta   não   pode   ser   armazenada,   devendo   ser   utilizada   ou   conduzida   de   imediato.   Sendo   este,   o   caso   da   energia  elétrica  (ANDRADE;  LEMOS,  2010).    

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  Conseqüente:  aquele  que  consumiu  energia  elétrica  deve  pagar  à  Fazenda  Estadual  o  valor  

resultante   da   incidência   da   alíquota   prevista   na   legislação   estadual   sobre   o   valor   da  operação,  isto  é,  sobre  a  sua  base  de  cálculo.    

 3.1.2.1  Critério  pessoal  

 Na  averiguação  sobre  o  critério  pessoal  do  conseqüente  da  norma  jurídica  de   incidência,  verificamos,  

como  tratado  acima,  um  sujeito  passivo  e  um  sujeito  ativo  da  obrigação  tributária.  O  sujeito  passivo,  conforme  exposto  acima,  é  o  consumidor  de  energia  elétrica.  Ele  é  o  contribuinte  de  

fato  e  de  direito  da  obrigação  de  pagar  determinada  quantia.  No   caso   comercialização   de   energia   elétrica   com   o   consumidor   final,   há,   para   as   empresas  

distribuidoras   ou   geradoras   que   comercializem   esse   bem   com   o   consumidor   final,   seja   ele   pessoa   física   ou  jurídica,   o   dever   de   atuar   como   substituto   tributário   do   imposto.   Isso   quer   dizer   que   será   dessas   empresas   a  obrigação  de  recolher  o  tributo   junto  à  Fazenda  do  Estado  em  que  ocorrer  o  consumo,  assegurado  o  direito  ao  ressarcimento  dos  valores  pagos.  

Vale   esclarecer   que   as   únicas   empresas   que   atuam   na   cadeia   de   exploração   de   energia   elétrica  habilitadas  a  comercializar  esse  bem  com  o  consumidor  final,  e,  portanto,  atuarem  como  substitutas  tributárias,  são  as  empresas  de  distribuição  e  geração  de  energia  elétrica.  Esta  regra  esta  disposta  no  artigo  10  do  Decreto  2.65/1998,  que  atribui  às  empresas  concessionárias,  permissionárias  ou  autorizadas,  a  gerar  ou  distribuir  energia  elétrica,  a  responsabilidade  para  a  correspondente  comercialização.  

Como   as   empresas   geradoras   só   podem   fornecer   energia   elétrica   para   consumidores   específicos,  listados  de  forma  exaustiva  no  Decreto  mencionado5,  tem-­‐se  que  a  responsável  pela  comercialização  da  energia  elétrica  com  o  consumidor  residencial  final  será  sempre  a  empresa  distribuidora6.  

 Por  sua  vez,  o  sujeito  ativo  da  obrigação  será  o  Estado  onde  ocorreu  o  consumo  da  energia.  Note-­‐se  que   nesse   caso   há   uma   exceção   à   regra   do   ICMS   sobre   as  mercadorias   em   geral,   segundo   a   qual,   tem-­‐se   por  praticado   o   evento   ensejador   da   relação   jurídica   tributária   no   momento   da   saída   da   mercadoria   do  estabelecimento   do   contribuinte,   sendo   a   mercadoria   tributada,   portanto,   no   Estado   de   origem,   e,   não   do  destino,  como  ocorre  no  caso  excepcional  da  energia  elétrica,  lubrificantes  e  combustíveis  líquidos  e  gasosos.    3.1.2.2  Critério  quantitativo  

 O   critério   quantitativo,   de   acordo   com   o   exposto   acima,   é   composto   pela   base   de   cálculo,   a   qual  

equivale  ao  valor  da  mercadoria  cuja  titularidade  foi  transferida,  e  pela  alíquota,  variando  esta  conforme  previsão  da  legislação  estadual.  

Acerca  da  base  de  cálculo  do  ICMS  incidente  sobre  a  energia  elétrica,  Roque  Antonio  Carrazza,  explica  que:    

 A  base  de   cálculo  possível   do   ICMS   incidente   sobre   energia   elétrica   é  o   valor   da  operação  da  qual   decorra   a   entrega  desta  mercadoria   (a   energia   elétrica)   ao   consumidor.  Noutro   giro,   é   o  preço   da   energia   elétrica   efetivamente   consumida,   vale   dizer,   o   valor   da   operação   da   qual  

5  Art  4º  A  atividade  de  geração  de  energia  elétrica,  será  exercida  mediante  concessão  ou  autorização  e  a  energia  produzida  será  destinada:    I  -­‐  ao  atendimento  do  serviço  público  de  distribuição;    II  -­‐  à  comercialização  livre,  assim  considerada  aquela  contratada  com  os  consumidores  a  que  se  referem  os  artigos  12,  15  e  16  da  Lei  nº  9.074,  de  7  de  julho  de  1995,  ou  com  os  concessionários,  permissionários  e  autorizados;    III   -­‐   ao   consumo   exclusivo   em   instalações   industriais   ou   comerciais   do   gerador,   admitida   a   comercialização,   eventual   e   temporária,   dos  excedentes,  mediante  autorização  da  ANEEL.      6  Segundo  a  Convenção  de  Comercialização  de  Energia  Elétrica  -­‐  CCEE,  anexa  à  Resolução  Normativa  n.  109  da  Aneel,  de  26  de  outubro  de  2004,  agente  distribuidor  é  o  “titular  de  concessão,  permissão  ou  autorização  de  serviços  e  instalações  de  distribuição  para  fornecer  energia  elétrica  a  consumidor  final  exclusivamente  de  forma  regulada.      

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decorra  a  entrega  desta  mercadoria  ao  consumidor  final.  Isto  corresponde,  na  dicção  do  art.  34,  §  9º,  do  ADCT,  ao  preço  então  praticado  na  operação  final.  

 Há,  no  entanto,  uma  gama  significativa  de  divergências  entre  doutrina  e   jurisprudência  envolvendo  a  

composição   do   valor   da   base   de   cálculo   deste   tributo.   Adiante,   abordaremos   a   questão   da   inclusão   das  subvenções  econômicas  pagas  pela  União  às  empresas  distribuidoras  de  energia  elétrica  em  razão  dos  prejuízos  que  lhes  foram  causados  com  a  criação  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica,  na  base  de  cálculo  desse  imposto.  

 4  A  TARIFA  SOCIAL  DE  ENERGIA  ELÉTRICA    4.1  A  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica  no  Direito  Brasileiro    

A   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica,   instituída  pela   Lei   10.438  de  26  de   abril   de  2002,   é   fruto  de  uma  política   pública   do   governo   federal   que   visa   à   universalização   do   uso   da   energia   elétrica,   tendo   por   base   a  concessão,   para   a   população   de   baixa   renda,   de   descontos   incidentes   na   tarifa   plena   cobrada   pelas   empresas  distribuidoras  da  classe  de  consumidores  residenciais.  

Com   a   implementação   da   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica,   a   classe   de   consumo   residencial   foi  desmembrada  em  duas:  a  residencial  baixa  renda  e  a  residencial.    

A   Lei   nº   12.212,   de   20  de   janeiro   de   2010,   alterou   algumas  disposições   da   Lei   10.438/2002,   criando  novos  critérios  para  a  classificação  do  consumidor  residencial  como  baixa  renda,  bem  como  organizou  as  faixas  de  descontos  da  tarifa  social.    

De   acordo   com   os   critérios   eleitos   pela   nova   legislação   para   o   enquadramento   do   consumidor   de  energia   elétrica   na   subclasse   residencial   baixa   renda,   é   necessário   que   a   família   que   habite   a   unidade  consumidora  esteja  inscrita  no  Cadastro  Único  para  Programas  Sociais  do  Governo  Federal  –  CadÚnico,  bem  como  o  limite  da  renda  familiar  per  capita  deve  ser  menor  ou  igual  a  meio  salário  mínimo  nacional  (art.  2º,  I).  

A  legislação  beneficiou  também  as  unidades  consumidoras  nas  quais  habite  portadores  de  deficiência  e  idosos  que  sejam  beneficiários  de  prestação  continuada  da  assistência  social,  nos  termos  dos  arts.  20  e  21  da  Lei  nº  8.742/95.  (art.  2º  II)7.    

No  que  tange  às  faixas  de  consumo,  passíveis  de  incidência  do  desconto,  o  artigo  1º  da  Lei  em  comento  estabeleceu  o  seguinte:    

Art.   1o     A   Tarifa   Social   de   Energia   Elétrica,   Lei   10.438,   de   26   de   abril   de   2002,   para   os  consumidores  enquadrados  na  Subclasse  Residencial  Baixa  Renda,  caracterizada  por  descontos  incidentes  sobre  a  tarifa  aplicável  à  classe  residencial  das  distribuidoras  de  energia  elétrica,  será  calculada  de  modo  cumulativo,  conforme  indicado  a  seguir:    I   -­‐   para   a   parcela   do   consumo   de   energia   elétrica   inferior   ou   igual   a   30   (trinta)   kWh/mês,   o  desconto  será  de  65%  (sessenta  e  cinco  por  cento);    II   -­‐   para   a   parcela   do   consumo   compreendida   entre   31   (trinta   e   um)   kWh/mês   e   100   (cem)  kWh/mês,  o  desconto  será  de  40%  (quarenta  por  cento);    III  -­‐  para  a  parcela  do  consumo  compreendida  entre  101  (cento  e  um)  kWh/mês  e  220  (duzentos  e  vinte)  kWh/mês,  o  desconto  será  de  10%  (dez  por  cento);    IV   -­‐   para   a   parcela   do   consumo   superior   a   220   (duzentos   e   vinte)   kWh/mês,   não   haverá  desconto.    

 

7  Além  dos  critérios  citados,  o  art.  2º,  §  1º,  da  referida  norma,  assegura  que,  excepcionalmente,  será  também  beneficiada  com  a  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica  a  unidade  consumidora  habitada  por  família  inscrita  no  CadÚnico  e  com  renda  mensal  de  até  3  (três)  salários  mínimos,  que  tenha  entre  seus  membros  portador  de  doença  ou  patologia  cujo  tratamento  ou  procedimento  médico  pertinente  requeira  o  uso  continuado  de   aparelhos,   equipamentos   ou   instrumentos   que,   para   o   seu   funcionamento,   demandem   consumo   de   energia   elétrica,   nos   termos   do  regulamento.      

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Além  disso,  há  uma  faixa  de  desconto  especial  para  as  famílias   indígenas  e  quilombolas  que  atendam  ao  disposto  nos  incisos  I  ou  II  do  artigo  2º,  que  terão  direito  a  um  desconto  de  100%  (cem  por  cento)  até  o  limite  de  consumo  de  50  kWh/mês  (art.  2º,  §  4º).  

 4.3  A  subvenção  econômica  destinada  a  cobrir  os  custos  das  empresas  concessionárias  com  a  criação  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica  e  os  mecanismos  para  o  seu  financiamento  

 Para  evitar  que  essa  nova  tarifa  causasse  prejuízos  para  as  empresas  concessionárias,  o  artigo  13  da  Lei  

nº  10.438/2002  impôs  à  União  a  criação  da  Conta  de  Desenvolvimento  Energético,  que,  entre  outras  finalidades,  destina-­‐se   a   conceder   subvenção   econômica   para   as   empresas   distribuidoras   de   energia   elétrica,   em   face   dos  prejuízos  gerados  pela  criação  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica,  de  modo  a  restabelecer  o  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  dos  contratos  de  concessão  anteriormente  firmados.  

A  Lei  n.  4.320/1964,  que  institui  normas  gerais  de  direito  financeiro  para  a  elaboração  e  controle  dos  orçamentos  e  balanços  da  União,  Estados,  Municípios  e  Distrito  Federal,   estabeleceu  no   seu  artigo  12,  §  3º,   II,  que:  

 Art.  12.  A  despesa  será  classificada  nas  seguintes  categorias  econômicas:  [...]    §   3º   Consideram-­‐se   subvenções,   para   efeitos   desta   lei,   as   transferências   destinadas   a   cobrir  despesas  de  custeio  das  entidades  beneficiadas,  distinguindo-­‐se  como:  [...]    II   –   subvenções   econômicas,   as   que   se   destinem   a   empesas   públicas   ou   privadas   de   caráter  industrial,  agrícola  ou  pastoril.  

 As   subvenções   econômicas   são,   portanto,   transferências   de   recursos   do   setor   público,   para   o   setor  

privado,  a  fim  de  atender  às  finalidades  expostas  no  artigo  18  dessa  mesma  Lei,  quais  sejam:  a)  cobrir  diferença  entre  os  preços  de  mercado  e  os  preços  de  revenda,  pelo  Governo,  de  gêneros  alimentícios  ou  outros  materiais;  e,  b)  realizar  o  pagamento  de  bonificações  a  produtores  de  determinados  gêneros  ou  materiais.  

Diante  do  exposto  em  tais  dispositivos,  poderia  se  pensar,  numa  análise  apressada,  que  as  subvenções  econômica  pagas  pela  União,  por  meio  dos  recursos  alocados  na  Conta  de  Desenvolvimento  Energético,  para  as  empresas  distribuidoras  de  energia  elétrica,  são  subvenções  econômicas  destinadas  a  cobrir  as  diferenças  entre  o  preço  de  mercado  e  o  preço  de  revenda.  No  entanto,  como  será  visto,  a  finalidade  das  subvenções  concedidas  no  caso  em  análise  merece   interpretação  mais  apurada,  em  conjunto  com  outras  normas  que  compõem  o  sistema  jurídico,  para  que  se  possa  chegar  a  uma  conclusão  segura.  

Na  verdade,  os   recursos  que  a  União  transfere  para  as  empresas  distribuidoras  de  energia  elétrica,  a  título  de  subvenção  econômica,  não  equivalem  exatamente  à  diferença  entre  o  preço  praticado  no  mercado  e  o  preço  de  revenda.    

Veja-­‐se  que  de  acordo  com  o  Decreto  n.  4.538/2002,  art.  1º,  §  2º:      

o   montante   da   subvenção   corresponderá   à   diferença,   se   positiva,   entre   o   faturamento   que  decorreria   da   aplicação  dos   critérios   vigentes,   para   cada   concessionária   ou  permissionária,   na  data   imediatamente   anterior   à   incidência   da   Lei   no   10.438,   de   2002,   e   aquele   verificado   em  conformidade  com  os  novos  critérios  estabelecidos  pelo  art.  1o  da  mesma  Lei.  (grifos  nossos)  

 Isto  quer  dizer  que  a  subvenção  a  ser  paga  não  guarda  qualquer  relação  direta  com  o  valor  do  déficit  da  

tarifa  de  revenda  em  relação  à  tarifa  de  mercado,  mas  sim  entre  o  faturamento  global  da  empresa,  apurado   no  período  anterior  à  incidência  da  Lei  no  10.438,  de  2002,  e  posteriormente  a  ela.  

Tanto   é   que   se   não   for   constatada   diminuição   no   faturamento   da   empresa,   não   lhe   será   devida  qualquer  subvenção  por  parte  do  poder  público;  ou  seja,  as  empresas  distribuidoras  vão  continuar  concedendo  o  desconto   sobre   a   tarifa   plena   de   consumo   residencial,   para   os   consumidores   da   subclasse   baixa   renda,   sem  receber  qualquer  contraprestação  do  Estado.    

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Com  base  nisso,  podemos  concluir  que  a  subvenção  econômica  ora  abordada  não  tem  a  finalidade  de  cobrir  a  diferença  de  preço  entre  a  tarifa  a  residencial  plena  e  a  residencial  baixa  renda,  mas,  apenas,  indenizar  as  empresas   distribuidoras   pelas   alterações   contratuais   realizadas   unilateralmente   pela  União,   e   que   provocaram  uma  quebra  no  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  do  contrato,  firmado  anteriormente  à  criação  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica.    5  RESULTADOS  -­‐  A   INCONSTITUCIONALIDADE  DA   INCLUSÃO  DE  SUBVENÇÃO  ECONÔMICA  NA  COMPOSIÇÃO  DA  BASE  DE  CÁLCULO  DO  ICMS  INCIDENTE  NO  CONSUMO  DE  ENERGIA  ELÉTRICA  PELO  CONSUMIDOR  BAIXA  RENDA:  AUSÊNCIA   DE   RELAÇÃO   COM   A   BASE   DE   CÁLCULO   DO   TRIBUTO   E   AFRONTA   AO   PRINCÍPIO   DA   CAPACIDADE  CONTRIBUTIVA  

 Roque  Antonio  Carrazza  expõe  em  sua  obra  posicionamento  firme  acerca  da  inconstitucionalidade  da  

inclusão  da  subvenção  econômica  da  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica  na  composição  da  base  de  cálculo  do  ICMS  incidente  sobre  o  consumo  de  energia  elétrica  pela  população  de  baixa  renda,  aduzindo  nos  seguintes  termos:  

 Na   verdade,   não   é   possível   inserir   na   base   de   cálculo   do   ICMS   sobre   operações   com   energia  elétrica   valores   que   decorrem   de   relação   jurídica   diversa,   qual   seja,   os   que   envolvem   a  concessionária   de   serviço   público   e   o   Poder   concedente,   com   vistas   a   assegurar   o   equilíbrio  econômico-­‐financeiro   do   contrato,   de   que   cogita   o   art.   175,   parágrafo   único,   III   (política  tarifária),   da   CF.   Isto   ensejaria   a   cobrança   de   um   adicional,   que   refugiria   à   competência  tributária  do  Estado-­‐membro.  (2006,  p.  230)  

 O   problema   surgiu   no   direito   brasileiro   por   meio   da   previsão,   no   Convênio   ICMS   n.   79/2004,   de  

autorização   para   os   Estados   nele   subscritos,   dispensarem,   na   forma   e   nas   condições   da   legislação   de   cada  unidade  federada,  multas  e  juros  relativos  ao  ICMS  devido  a  partir  de  01  de  maio  de  2002,  até  31  de  agosto  de  2004,  nas  operações  de  fornecimento  de  energia  elétrica  a  consumidores  de  baixa  renda,  relativos  à  parcela  de  subvenção  da  tarifa  de  energia  elétrica.  

Depreende-­‐se   do   exposto   que,   ao   possibilitar   a   dispensa   de   multas   e   juros   relativos   ao   ICMS   nas  operações  citadas,  pelos  Estados  membros,  a  norma  em  questão  considerou  como  integrante  da  base  de  cálculo  dos  valores  referentes  a  tais  operações,  as  subvenções  econômicas.  

A  Secretaria  da  Fazenda  do  Estado  de  São  Paulo,  em  resposta  à  consulta  n.  195/2005,  de  27  de  janeiro  de  2006,  formulada  sobre  o  tema,  posicionou-­‐se  no  seguinte  sentido:      

Seguindo   esse   raciocínio,   os   valores   referentes   a   seguros,   juros   e   demais   importâncias   pagas,  recebidas   ou   debitadas,   bem   como   descontos   concedidos   sob   condição,   também   integram   a  base  de  cálculo  do  ICMS  incidente  sobre  as  operações  com  energia  elétrica  (Lei  Complementar  87/96,   art.   13,   §   1º,   II,   "a";   Lei   6.374/89,   art.   24,   §   1º,   item   "1",   na   redação   dada   pela   Lei  10.619/2000,  art.  1º,  XIII).  Destarte,  o  valor  recebido  a  título  dessa  Subvenção  Econômica  deve  integrar  a  base  de  cálculo  do   ICMS   incidente   sobre   o   fornecimento   de   energia   elétrica   aos   consumidores   da   Subclasse  Residencial  Baixa  Renda,  uma  vez  que  representa  a  parte  do  preço  da  energia  elétrica  a  eles  fornecida   a   tarifas   reduzidas   que   não   foi   repassada   aos   demais   consumidores   na   forma   de  subsídio   cruzado.   Tanto   é   assim,   que   a   não   instituição   da   referida   Subvenção   Econômica  acarretaria,   inevitavelmente,   o   repasse   do   respectivo   valor   às   tarifas   cobradas   dos   demais  consumidores,   às   quais   se   integra   o   montante   do   ICMS   sobre   elas   incidente,   de   forma   a  restabelecer   o   equilíbrio   econômico-­‐financeiro   dos   contratos   de   concessão   relativos   às  distribuidoras  de  energia  elétrica  envolvidas.  (grifos  nossos)  

 Refutando   o   primeiro   argumento   exposto   pelo   fisco   estadual,   de   que   as   subvenções   econômicas  

recebidas  pelas  empresas  seriam  importâncias  pagas  que  integrariam  o  valor  da  base  de  cálculo  do  tributo,  nos  termos   do   artigo   13   da   Lei   Complementar   87/96,   deve-­‐se   relembrar   que   estamos   tratando   de   imposto   sobre  

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operações   mercantis,   cuja   base   de   cálculo   só   pode   ser   o   valor   da   operação.   Neste   sentido,   nos   valemos  novamente  das  lições  de  Carrazza:    

 Obviamente,  o  valor  das  operações  mercantis  é,  no  caso  em  exame,  o  realmente  praticado  entre  o   fornecedor   e   o   consumidor   de   energia   elétrica.   De   fato,   na   base   de   cálculo   do   ICMS   não  devem  ser   inseridos  elementos  estranhos,  como  subvenções  do  Poder  Público,  que  objetivam,  simplesmente,  assegurar  o  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  do  contrato  de  concessão  de  serviço  público,  mas  absolutamente  estranhas  à  relação  jurídica  entre  o  concessionário  e  o  consumidor  de  serviço  público  em  tela.  (2006,  p.  231)  

 Além   dos   pontos   defendidos   pelo   citado   autor,   cabe-­‐nos   ressaltar,   conforme   mencionado  

anteriormente,   que   a   subvenção   a   ser   paga   não   tem  qualquer   relação   direta   com  o   valor   da   tarifa,   sendo,   na  verdade,  uma  subvenção  econômica  de  caráter  indenizatório,  devida  em  face  da  quebra  do  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  do  contrato  de  concessão,  permissão  ou  autorização,  cujo  montante  a  ser   liberado  para  as  empresas  distribuidoras   guarda   relação   com   o   prejuízo   global   que   elas   tiveram   no   seu   faturamento,   em   determinado  período  de  tempo.  

Tanto   é   que   se   não   for   constatada   diminuição   no   faturamento   da   empresa,   não   lhe   será   devida  qualquer  subvenção  por  parte  do  poder  público;  ou  seja,  as  empresas  distribuidoras  vão  continuar  concedendo  o  desconto   sobre   a   tarifa   plena   de   consumo   residencial,   para   os   consumidores   da   subclasse   baixa   renda,   sem  receber   qualquer   contraprestação   do   Estado,   e   mesmo   assim   o   valor   da   tarifa   plena   continuará   sendo  considerada  para  fins  de  composição  da  base  de  cálculo  do  ICMS  sobre  a  tarifa  social!  

Além  desses  argumentos,  a  inclusão  dessa  “suposta”  subvenção  econômica  na  base  de  cálculo  do  ICMS  pago  pelo  consumidor  baixa  renda  é  uma  ofensa  frontal  ao  princípio  da  capacidade  contributiva.    

Luís  Eduardo  Schoueri  nos  ensina  a  diferença  entre  capacidade  contributiva  absoluta  e  relativa.  Para  o  autor,   a   capacidade   contributiva  pode   ser   “(i)   um   limite  ou   critério  para   a   graduação  da   tributação;   ou   (ii)   um  parâmetro   para   a   distinção   entre   situações   tributáveis   e   não   tributáveis.   No   primeiro   caso,   falar-­‐se-­‐á   em  capacidade  contributiva  relativa  ou  subjetiva;  no  último,  em  capacidade  contributiva  absoluta  ou  objetiva”  (2011,  p.   312).   Segundo   nos   parece,   temos   no   caso   em   análise   uma   violação   ao   princípio   da   capacidade   contributiva  absoluta  em  virtude  do  legislador  ter  erigido  como  base  imponível  do  tributo  um  valor  referente  a  uma  situação  (suposto   recebimento   de   subvenção   econômica)   que   em   nada   expressa   demonstração   de   riqueza,  muito   pelo  contrário,   reflete   uma  ausência   de   capacidade   econômica   tão   significativa   a   ponto  deste  mesmo   legislador   ter  reconhecido  a   impossibilidade  do  consumidor  de  energia  elétrica  classificado  como  baixa  renda  de  arcar  com  o  pagamento  integral  da  tarifa.  

Ainda  no  que  se  refere  à  capacidade  contributiva  absoluta,  Schoueri  aduz  que:    

A   capacidade   contributiva   absoluta   compreende   o   momento   que   concerne   à   delimitação   da  base   imponível,   ou   seja,   a   escolha   de   quais   elementos   aferidores   da   economia   individual  formam  a  fonte  do  tributo.    Neste  sentido  objetivo,  absoluto,  não  se  indaga  se  um  determinado  contribuinte  pode,  ou  não,  pagar  o  tributo;  ao  contrário,  o  legislador,  em  sua  função  generalizante,  visando  a  concretizar  a  igualdade,  dirá  que  quem  está  naquela  situação  deve  poder  pagar  tributo.  A   capacidade   contributiva   objetiva   é   verdadeira   regra   do   ordenamento,   já   que   proíbe   que   o  legislador   preveja   hipóteses   tributárias   que   não   revelem,   objetivamente,   capacidade  contributiva.  (2011,  p.  314)  

 No  mesmo  sentido,  bem  ponderou  Alcides  Jorge  Costa,  afirmando  que  “o  fato  gerador  de  cada  imposto  

deve   guardar   conexão   com   a   capacidade   tributária.   Impossível   criar   imposto   sobre   fato   não   revelador   desta  capacidade”  (p.  300).  No  mesmo  sentido,  Enrico  de  Mita,  ao  tratar  da  ligação  entre  o  pressuposto  econômico  e  o  imposto  devido,  ensina  que  “o  princípio  da  capacidade  contributiva  exige,  antes  de  tudo,  que  haja  uma   ligação  efetiva   entre   a   prestação   imposta   e   o   pressuposto   econômico   considerado.   É   exclusivamente   essa   ligação  que  condiciona  a  aptidão  para  a  contribuição,  a  idoneidade  para  pagar  uma  soma  a  título  de  imposto”  (p.  236).  

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Certamente,  não  é  isso  o  que  ocorre  no  caso  em  análise.  É  cristalino  que  a  base  de  cálculo  sobre  a  qual  se  baseia  a  incidência  do  ICMS  na  Tarifa  Social  de  Energia  Elétrica,  nos  moldes  preconizados  pelo  Convênio  ICMS  n.  79/2004,  vai  além  do  valor  da  operação  mercantil   realizada  entre  o  consumidor  e  o   fornecedor,  abrangendo  uma  situação  fictícia,  sem  possibilidade  de  ser  tributada,  não  só  porque  não  guarda  qualquer  relação  com  a  base  de  cálculo  do  tributo,  mas  também  porque  não  espelha  haver  qualquer  demonstração  de  capacidade  contributiva  por  parte  do   contribuinte,   ferindo  direito   fundamental  do   individuo,  de   ser   tributado  nos   limites  estabelecidos  constitucionalmente,  bem  como  contra  toda  uma  política  de  universalização  do  uso  do  serviço  público  de  energia  elétrica  pela  população  de  baixa  renda.  

Como   se   percebe,   por   todos   os   ângulos   que   se   analise   a   questão,   a   única   conclusão   a   que   se   pode  chegar   é   a   total   inconstitucionalidade   da   base   de   cálculo   do   ICMS   incidente   sobre   a   Tarifa   Social   de   Energia  Elétrica,   por   albergar   no   seu   cálculo  um  valor   que  em  nada   se   enquadra  nos   componentes  da  base  de   cálculo  deste  tributo  e  por  afronta  à  capacidade  contributiva  objetiva.  

 6  CONCLUSÃO    

Diante   do   exposto,   concluímos   pela   inconstitucionalidade   do   Convênio   ICMS   79/2004,   que   prevê   a  inclusão,  na  base  de   cálculo  do   ICMS   incidente   sobre  a   Tarifa   Social   de  Energia   Elétrica,   a   inclusão  dos   valores  recebidos  pelas  empresas  de  distribuição  de  energia  elétrica  a  título  de  subvenção  econômica,  por  incluir  na  base  de  cálculo  valor  estranho  ao  valor  da  operação  mercantil  praticada.  

A  subvenção  econômica  paga  pelo  governo  federal  não  guarda  qualquer  relação  com  a  diferença  entre  o  preço  da  tarifa  residencial  plena  e  a  tarifa  residencial  baixa  renda,  mas  sim  com  o  prejuízo  global  que  a  empresa  teve   em   virtude   das   alterações   no   equilíbrio   econômico-­‐financeiro   do   contrato   de   concessão,   permissão   ou  autorização.  

Além  disso,  tal  imposição  é  uma  afronta  ao  princípio  da  capacidade  contributiva  objetiva,  impondo  ao  consumidor  de  baixa  renda  o  pagamento  de  um  tributo  em  virtude  de  uma  situação  que  em  nada  demonstra  a  qualquer   riqueza  por  parte  do  contribuinte,  mas,  ao   revés,  atesta  a   sua   impossibilidade  de  arcar   sequer  com  o  pagamento   da   tarifa   convencional   de   energia   elétrica,   situação   que   além   de   violar   direito   fundamental   do  contribuinte,  vai  de  encontro  a  toda  uma  política  de  universalização  do  uso  do  serviço  público  de  energia  elétrica  pela  população  de  baixa  renda.    7  REFERÊNCIAS    AES  ELETROPAULO.  Informações  sobre  impostos  e  outros  encargos.  Disponível  em:  <http://www.aeseletropaulo.com.br/clientes/informacoes/Paginas/impostoseoutrosencargos.aspx  >.  Acesso  em:  26  de  junho  de  2010.  

ANEEL.  AGÊNCIA  NACIONAL  DE  ENERGIA  ELÉTRICA.  Tarifa  Social  para  o  Consumidor  de  Baixa  Renda  –  Perguntas  e  Respostas.  Disponível  em:  <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=2097&id_area=90>.  Acesso  em:  25  de  junho  de  2010.  

ANEEL.  AGÊNCIA  NACIONAL  DE  ENERGIA  ELÉTRICA.  Tarifas  Residenciais.  Disponível  em:  <http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=493&idPerfil=2>.  Acesso  em:  25  de  junho  de  2010.  

ANDRADE,  Maisa  Medeiros  Pacheco  de;  LEMOS,  Aline  Maria  da  Rocha.  O  Direito  Social  Fundamental  de  Acesso  à  Energia  e  sua  Relação  com  o  Desenvolvimento.  Disponível  em:  <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/02_888.pdf>.  Acesso  em:  19  de  junho  de  2010.  

BALEEIRO,  Aliomar.  Uma  Introdução  à  Ciência  das  Finanças.  15.  Ed.  Rio  de  Janeiro:  Forense,  1998.  

BUCCI,  Maria  Paula  Dallari.  Direito  administrativo  e  políticas  públicas.  São  Paulo:  Saraiva,  2002.  

CALDAS,  Geraldo.  As  concessões  de  serviços  públicos  de  energia  elétrica.  2ª  ed.  Curitiba:  Juruá,  2007.  

CARRAZZA,  Roque  Antonio.  ICMS.  11ª  ed.  São  Paulo:  Malheiros,  2006.  

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CARVALHO,  Paulo  de  Barros.  Curso  de  Direito  Tributário.  21ª  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  2010a.  

___________.  Direito  Tributário:  fundamentos  jurídicos  da  incidência.  8ª  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  2010b.  

___________.  Direito  Tributário  Linguagem  e  Método.  3ª  ed.  São  Paulo:  Noeses,  2010c.  

COSTA,  Alcides  Jorge.  Capacidade  Contributiva.  In:  Revista  de  Direito  Tributário,  ano  15,  n.  55,  São  Paulo,  janeiro/março,  1991,  p.  297  e  ss.  

COUTINHO,  D.  R.  Privatização,  regulação  e  o  desafio  da  universalização  do  serviço  público  no  Brasil.  In:  FARIA,  J.  E.  (Org.).  Regulação,  direito  e  democracia.  São  Paulo:  Editora  Fundação  Perseu  Abramo,  2002.  p.  67-­‐94.  

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DIEESE,  DEPARTAMENTO  INTERSINDICAL  DE  ESTATÍSTICA  E  ESTUDOS  SOCIOECONÔMICOS.  Disponível  em:  <http://www.dieese.org.br/bol/esp/estjul98.xml>.  Acesso  em:  27  de  junho  de  2010.  

GAMA,  Tácio  Lacerda.  Competência  Tributária:  fundamentos  para  uma  teoria  da  nulidade.  São  Paulo:  Noeses,  2009.  

FUGIMOTO,  Sérgio  Kinya.  A  Universalização  do  Serviço  de  Energia  Elétrica  Acesso  e  Uso  Contínuo.  Dissertação  apresentada  à  Escola  Politécnica  da  Universidade  de  São  Paulo  para  a  obtenção  do  título  de  Mestre  em  Engenharia.  São  Paulo.  2005.  

MACHADO,  Hugo  de  Brito.  Direito  Tributário  –  II.  São  Paulo:  Ed.  Revista  dos  Tribunais,  1994.  

MACHADO  JÚNIOR,  J.  Teixeira;  REIS,  Haroldo  da  Costa.  A  Lei  4.320  Comentada  e  a  Lei  de  Responsabilidade  Fiscal.  

MINATEL,  José  Antonio.  Conteúdo  do  Conceito  de  Receita  e  Regime  Jurídico  de  sua  Tributação.  São  Paulo:  MP  Editora,  2005.  

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Tema 1: Tributos e encargos sobre a eletricidade: eficiência econômica e social

REGULAÇÃO E CREDIBILIDADE: O CASO DO REAJUSTE DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA  

Camila  Figueiredo  Bomfim  Lopes1  

 

RESUMO  

O   serviço   público   de   distribuição   de   energia   elétrica   é   prestado   mediante   regime   de   concessão,   na  

modalidade  de  remuneração  do  serviço  pelo  preço.  Compete  à  Agência  Nacional  de  Energia  Elétrica  fixar  os  

valores   máximos   das   tarifas   observando   as   condições   contratuais   e   a   legislação   do   setor.   Em   2010,   após  

identificar   que   a   fórmula   do   reajuste   tarifário   anual   possibilitava   ganhos   ou   perdas   às   distribuidoras   em  

função   de   variações   no   mercado,   a   Agência   propôs   termo   aditivo   bilateral   aos   contratos,   assegurando   a  

“neutralidades   dos   encargos   setoriais”.     Instituições   governamentais   e   não   governamentais   defendem   a  

ilegalidade   dos   contratos   e   a   necessidade   de   ressarcimento   dos   consumidores.   O   trabalho   analisa   o   caso  

concreto   com   enfoque   na   Teoria   Política   Positiva   da   Regulação,   que   agrega   fatores   políticos,   históricos   e  

sociais  à   regulação  econômica.    O  objetivo  é  demonstrar  o  papel  das   instituições  na   solução  de  problemas  

regulatórios.    

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Energia  Elétrica,  Regulação  Econômica,  Encargos  Setoriais  e  Reajuste  Tarifário.  

                                                                                                                         

1  Instituição:  Agência  Nacional  de  Energia  Elétrica  (ANEEL)  Telefone:  (61)  2192-­‐8695  E-­‐mail:  [email protected]  

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INTRODUÇÃO  

A   literatura   econômica   neoclássica   reconhece   que   na   presença   das   condições   de   concorrência  perfeita,   os   mercados   competitivos   determinam   a   forma   mais   eficiente   de   alocação   dos   recursos   na  economia,  maximizando  o  bem-­‐estar  social.    O  setor  de  distribuição  de  energia  elétrica  possui  características  que   determinam   uma   estrutura   de   mercado   não   competitiva,   denominada   de   Monopólio   Natural,   com  importantes   reflexos   na   formação   dos   preços   e   no   bem-­‐estar   social.   A   regulação   econômica   é   um   dos  principais   mecanismos   utilizados   para   se   corrigir   falhas   de   mercado,   como   os   monopólios   naturais,  internalizando  o  impacto  das  imperfeições  do  mercado  na  tomada  de  decisões  dos  agentes.  

A   teoria   política   positiva   da   regulação   mostra   que   o   desempenho   da   regulação   econômica  depende  basicamente  da  dotação   institucional  do  país,   formada  pelas  organizações  políticas,  econômicas  e  sociais,  além  das  “regras  do  jogo”,  que  são  os  mecanismos  formais  e  informais  que  determinam  a  tomada  de  decisão   dos   diferentes   grupos   de   interesse   nos   problemas   regulatórios   (legislativo,   executivo,   judiciário,  agência  reguladora,  empresas,  consumidores  etc.).    

Na  análise  do  desempenho  da  regulação  econômica,  dois   fatores  devem  ser  considerados:  os  mecanismos  de   incentivo  e  a  governança   regulatória.  Os  mecanismos  de   incentivo   referem-­‐se  às   regras  de  formação  dos  preços  -­‐  como  o  custo  do  serviço  ou  serviço  pelo  preço2-­‐  que  objetivam  definir  tarifas   justas,  que   sejam   atrativas   aos   investidores   e   módicas   aos   consumidores.   A   governança   regulatória   consiste   nos  mecanismos   de   garantia   da   credibilidade   do   processo   regulatório,   protegendo   os   investidores   das  expropriações  administrativas  e   insulando  a  regulação  da  captura  por  grupos  de  interesses.  Os  mecanismos  de   incentivo   e   a   governança   regulatória   são   as   duas   principais   variáveis   de   escolha   dos   formuladores   de  políticas  públicas.  

Os  mecanismos  de  incentivo  dificilmente  são  aplicáveis  na  forma  como  desenhados  e,  portanto,  os   resultados   da   regulação   econômica   são   diferentes   daqueles   esperados.   Isso   porque,   assumindo   a  racionalidade   dos   agentes,   na   escolha   do   desenho   regulatório,   cada   grupo   de   interesse,   que   possui  preferências  próprias,  irá  tentar  influenciar  o  processo  regulatório  de  forma  a  maximizar  a  sua  utilidade.    

Esse  conflito  de   interesses  é  bastante  evidente  no  processo  que  culminou  com  a  alteração  da  fórmula   contratual  do   reajuste  anual  das   tarifas  de   fornecimento  de  energia  elétrica  no  Brasil.   Em  2010,   a  partir   da   identificação   de   um   problema   regulatório   -­‐   a   possibilidade   de   ganhos   ou   perdas   pelas  concessionárias   de   distribuição   de   energia   elétrica,   em   função   da   denominada   “não   neutralidade   dos  encargos  setoriais”,  a  Agência  Nacional  de  Energia  Elétrica  (ANEEL)  defendeu  a  legalidade  das  regras  vigentes  e  propôs  um  termo  aditivo  bilateral  aos  contratos  de  concessão.  

Representantes  da  Câmara  dos  Deputados,  do  Tribunal  de  Contas  da  União  (TCU),  do  Ministério  Público   Federal   (MPF)   e   de   órgãos   de   defesa   dos   consumidores   defendem   a   ilegalidade   dos   contratos   de  concessão,  bem  como  dos  atos  praticados  pela  ANEEL.  Para  essas  instituições,  a  alteração  dos  contratos  pode  ser   feita   de   forma   unilateral   pelo   Poder   Concedente,   gerando,   inclusive,   efeitos   retroativos,   de   forma   a  compensar   os   consumidores   pelos   reajustes   processados   de   acordo   com   a   regra   antiga.     Com   relação   ao  posicionamento  dos  Ministérios  de  Minas  e  Energia  e  da  Fazenda  (MME/MF),  observou-­‐se  a  transferência  de  responsabilidade  à  agência  reguladora.  

Vários   trabalhos   utilizam   a   abordagem   política   positiva   para   demonstrar   o   papel   das  instituições  no  desempenho  da  regulação  econômica.  Um  modelo  bastante  interessante  nesse  sentido  busca  capturar  o  trade-­‐off    existente  entre  controle  e  credibilidade  na  escolha  do  desenho  regulatório  ótimo  pelos  formuladores  de  políticas  públicas,  bem  como  na  solução  de  problemas  regulatórios  que  envolvem  conflitos  de   interesse.     O   objetivo   deste   trabalho   é   utilizar   esse  modelo   ao   caso   que   culminou   com   a   alteração   da  fórmula  de   reajuste   adas   tarifas  de  energia   elétrica,   identificando  as  preferências  dos  principais   grupos  de  interesse  e  o  papel  do  custo  de  credibilidade  nos  resultados  obtidos.  

                                                                                                                         

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O  MODELO  

A  análise  desse   trabalho  é  baseada  no  modelo  desenvolvido  por  MUELLER  e  PEREIRA   (2002),  que   demonstrar   o   papel   do   custo   da   credibilidade   na   escolha   dos   desenhos   regulatórios,   bem   como   na  solução  de  problemas  regulatórios.  Parte-­‐se  do  pressuposto  que  diferentes  desenhos  regulatórios   levarão  a  diferentes  resultados  econômicos,  afetando  de  forma  distinta  os  diversos  grupos  de  interesse  da  sociedade,  que   reagirão   com   apoio   ou   reprovação   política.   Dessa   forma,   o   formulador   de   políticas   públicas  (Executivo/Legislativo)   tem   preferências   bem   definidas   com   relação   aos   resultados   esperados   com   a  regulação   e   buscará   escolher   o   desenho   regulatório   que   maximiza   o   apoio   político   em   relação   às   suas  escolhas.    

No   modelo,   o   regulador   é   considerado   um   jogador   individual   cuja   preferência   é   dada,   e   o  formulador   de   políticas   públicas   tem   a   possibilidade   de   escolher   qualquer   desenho   regulatório,   de   acordo  com  as  suas  preferências.  Se  não  houvesse  qualquer  restrição  com  relação  às  escolhas  feitas,  o  formulador  de  políticas   escolheria   o   desenho   regulatório   que   representasse   exatamente   as   suas   preferências,  mas   como  existe   um   custo   de   credibilidade   associado   às   suas   escolhas.   As   preferências   dos   atores   envolvidos   são  representadas  por  um  ponto  num  espaço  unidimensional,  que  pode  significar,  por  exemplo,  o  nível  da  tarifa  do  serviço  público  regulado.  A  utilidade  diminui  à  medida  que  o  resultado  se  afasta  do  ponto  ótimo.      

 Assume-­‐se   que   o   desenho   regulatório   envolve   escolhas   com   relação   a   três   aspectos:   (i)   as  condições   para   a   nomeação   dos   dirigentes   da   agência;   (ii)   a   estrutura   interna   e   os   procedimentos   para   a  tomada  de  decisão  da  agência;  e   (iii)  a  política  tarifária   inicial.  Os  dois  primeiros  parâmetros  determinam  o  desenho  das  agências  e  devem  ser  escolhidos  simultaneamente.  Como  as  preferências  das  agências  podem  não  coincidir   com  as  preferências  do   formulador  de  política   -­‐  nessa   relação   também  reside  o  problema  da  assimetria  da  informação  –  será  preciso  definir  mecanismos  de  controle  sobre  as  decisões  do  regulador,  para  garantir   que  este   implemente  a  política   tarifária  escolhida.  O  modelo   considera  que  a  escolha  do  desenho  regulatório  ótimo  pelo  formulador  de  políticas  -­‐  as  preferências  do  regulador,  o  nível  de  controle  sobre  este  e  a   política   tarifária   inicial   -­‐   depende   das   restrições   de   credibilidade   e   da   necessidade   de   se   estabelecer  compromissos  críveis,  que  diferem  entre  países  ou  setores  regulados,  conforme  a  dotação  instituição  de  cada  um  deles.    

Na   Figura   1   abaixo,   o   ponto   P   representa   a   preferência   do   formulador   de   política,   que   é  considerada   uma   variável   exógena   ao   modelo,   sendo   a   sua   utilidade   dada   por   𝑈𝑈=−𝛼𝛼𝐴𝐴−𝑃𝑃,   onde   𝛼𝛼   é   o  parâmetro  que  mede  a  intensidade  da  preferência,  equivalente  à  inclinação  da  curva  de  utilidade,  e  o  ponto  A   representa   a   preferência   do   regulador.   Dessa   forma,   a   utilidade   do   formulador   de   política   depende   da  distância  entre  a  preferência  do  regulador  e  a  sua  preferência,  bem  como  da  inclinação  da  curva  de  utilidade.  

   

Figura  1:  A  Escolha  do  Desenho  Regulatório  

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 O   ponto   T   representa   o   ponto   ótimo   do  mercado,   que   é   aquele   que  maximiza   o   bem-­‐estar  social,  alcançando  o  maior  nível  de  confiança  dos  investidores.  O  ponto  T  seria  escolhido  pelo  formulador  de  política  se  o  seu  único  critério  de  escolha  fosse  a  eficiência  da  regulação,  sem  considerar  fatores  políticos  e  estratégicos.    Mas  como  os  fatores  políticos  importam,  T  pode  não  coincidir  com  P,  e  o  formulador  de  política  irá  escolher  um  desenho  que  garanta  um  ponto  A,  o  mais  próximo  possível  das  suas  preferências.    

Considera-­‐se  que  quando  mais  afastado  o  ponto  A  de  P,  menor  será  a  utilidade  resultante  do  regulador  escolhido,  por  outro  lado,  o  desvio  de  A  em  relação  ao  ponto  eficiente  do  mercado  gera  uma  perda  de  credibilidade  ao  processo  regulatório,  representado  pelo  deslocamento  da  curva  de  utilidade  para  baixo.  O  custo  de  credibilidade  depende  do   tamanho  do  desvio  em  relação  ao  ponto  eficiente  e  da   reputação  do  formulador   de   política,   sendo   dado   por  𝐶𝐶=𝜃𝜃𝑇𝑇−𝐴𝐴,   onde  𝜃𝜃𝐴𝐴>   0  e  𝜃𝜃𝐴𝐴𝐴𝐴>   0,   ou   seja,   quanto  mais   afastado   o  

ponto  A  de  T,  maior  será  o  custo  de  credibilidade  associado  ao  regulador  escolhido.    Dessa   forma,  a  escolha  quanto  ao  regulador  depende  do   trade-­‐off  entre  o  benefício  marginal  

da   aproximação   de   A   da   sua   preferência   P,   dado   por   𝛼𝛼,   e   o   custo   marginal   decorrente   da   perda   de  

credibilidade   em   função   do   afastamento   de   A   do   ponto   eficiente   T,   dado   por   𝜃𝜃.   Como   α   é   constante   e   θ  aumenta  mais  que  proporcionalmente  ao  aumento  da  distância  entre  A  e  T,  a  utilidade  será  maximizada  no  ponto  onde        𝛼𝛼=  𝜃𝜃.  

A   escolha   do   regulador   A1   resulta   em   ganho   de   utilidade   para   o   formulador   de   política,   que  passa  de   “a”  para   “b”.   Isso  porque  α  ainda  é  maior  que  θ,  ou   seja,   o   aumento  da  utilidade  decorrente  da  escolha  de  um  regulador  mais  aderente  aos  seus  interesses  é  maior  que  a  perda  de  credibilidade  decorrente  do  afastamento  deste  em  relação  ao  ponto  de  eficiência  do  mercado.  A  utilidade  do  formulador  de  política  é  maximizada   com   a   escolha   do   regulador   A2,   no   ponto   “c”,   onde   α   é   igual   a   θ,   a   partir   deste   ponto,   os  deslocamentos  à  esquerda  implicarão  perda  de  utilidade,  pois  θ  será  maior  que  α.    

No  modelo  acima,  com  os  parâmetros  dados,  a  escolha  ótima  do  desenho  regulatório  resultou  num  ponto  entre  P  e  T,  mas  é  possível  que  a  escolha  seja  um  desses  próprios  pontos,  o  que  dependerá  das  relações  entre  os  parâmetros  α  e  θ3.    

MUELLER   e   PEREIRA   (2002)   defendem   que   no   Brasil,   mais   do   que   em   outros,   a   principal  motivação   para   a   criação   das   agências   reguladoras   foi   a   necessidade   de   conquistar   credibilidade,  estabelecendo  o   compromisso   crível   de  que  o   governo  não   interferiria   arbitrariamente  na   economia.     Isso  porque  a  conquista  da  confiança  dos  investidores  era  condição  necessária  para  o  sucesso  das  privatizações.  Essa  necessidade  decorreu  do  histórico  de  intervenções   irresponsáveis  do  governo  na  economia,  tais  como:  congelamentos   de   preços,   manipulação   de   variáveis   econômicas,   quebra   de   contratos,   desrespeito   aos  direitos  de  propriedade,  confisco  de  poupança,  mudanças  de  regras  etc.  Outro  ponto  de  destaque  é  que  no  Brasil  a  política  tarifária  inicial,  a  qual  os  reguladores  estariam  vinculados,  está  estabelecida  basicamente  nos  contratos   de   concessão,   que   definem   as   regras   de   reajuste   e   revisão   das   tarifas,   por   isso,   o   respeito   aos  contratos  tem  importância  fundamental  no  desempenho  da  regulação.  Todas  essas  características  podem  ser  identificadas  no  problema  regulatório  que  será  descrito  a  seguir.  

O  CASO  DO  REAJUSTE  DAS  TARIFAS  

O   objetivo   dessa   seção   é   analisar   o   processo   de   alteração   da   fórmula   contratual   de   reajuste   das  tarifas  de  energia  elétrica,  utilizando  o  modelo  descrito  na  seção  anterior.    

                                                                                                                         

3  Para  todo  :  se  existe  A*,  onde  -­‐  α  =  θ,  então  o  ponto  ótimo  será  A*;  se  para  cada  A*,  -­‐  α  <  θ,  então  o  ponto  ótimo  será  A*  =  T;  e  se  para  cada  A*,  -­‐  α  >  θ,  então  o  ponto  ótimo  será  A*  =  P.    

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Nesse   evento,   as   “regras   do   jogo”,   ou   seja,   os   mecanismos   de   incentivo   e   os   instrumentos   de  governança   regulatória,   ou,   utilizando   a   mesma   linguagem   do   modelo   de   MUELLER   e   PEREIRA   (2002),   a  política  tarifária  inicial  e  o  desenho  da  agência  reguladora,  já  estavam  estabelecidos  quando  da  identificação  do   problema   regulatório.     Nesse   caso,   a   variável   de   escolha   é   a   solução   para   um   problema   regulatório  identificado,   o   efeito   da   fórmula   contratual   do   reajuste   tarifário,   denominado   de   “não   neutralidade   dos  encargos  setoriais”.  

Antes  de  passar  para  a  modelagem  do  problema,  é  preciso  especificar  os  atores  envolvidos,  as  suas  preferências,  as  regras  do  jogo  e  a  sequência  das  decisões.    

Os   principais   atores   envolvidos   nesse   processo   são   os   consumidores   de   energia   elétrica  (representados  pelas   instituições  de  defesa  do  consumidor),   as   concessionárias  de  distribuição,  a  ANEEL,  o  Executivo   (na   figura   do  MME   e   do  MF),   o   TCU,   o   Legislativo   (na   figura   de   Parlamentares   da   Câmara   dos  Deputados),   o   Ministério   Púbico   Federal   e   a   Justiça.   Entretanto,   embora   todos   esses   atores   tenham  participado   ativamente   do   processo,   a   análise   será   focada   nas   decisões   da   ANEEL,   responsável   legal   pela  gestão  dos  contratos.  

O  cálculo  das  tarifas  de  energia  elétrica  segue  as  seguintes  regras:  

(i) pelo   art.   175   da   Constituição   Federal   da   República,   incumbe   ao   Poder   Público   prestar   os   serviços  públicos,  diretamente  ou  sob  regime  de  concessão  ou  permissão,  sempre  através  de   licitação,  na   forma  da  Lei,  que  disporá  sobre  a  política  tarifária,  os  direitos  dos  usuários  e  prestadores  de  serviço  e  as  condições  do  serviço  adequado;  (ii) pelas   Leis   n.   8.987/95   e   9.427/96,   a   política   tarifária   aplicada   ao   serviço   público   de   distribuição   de  energia  elétrica  é  o  serviço  pelo  preço,  que  pressupõe:  a  prestação  do  serviço  adequado  por  conta  e  risco  do  concessionário;  a   fixação  de  tarifas  máximas   iniciais  no  contrato  de  concessão;  a  manutenção  do  equilíbrio  econômico  e  financeiro  da  concessão  pelo  atendimento  das  regras  contratuais;  e  a  apropriação  de  ganhos  de  eficiência  e  da  competitividade,  em  benefício  dos  usuários  e  prestador  do  serviço;    (iii) a   regulação   do   serviço   público   de   distribuição   de   energia   elétrica   foi   delegada   à   ANEEL,   que   tem   a  competência  legal  para  gerir  os  contratos  de  concessão,  homologando  os  reajustes  e  as  revisões  das  tarifas,  de  acordo  com  as  condições  contratuais  e  legais;  (iv) as   revisões   tarifárias   periódicas,   em   média   a   cada   quatro   anos,   considerando:   as   alterações   na  estrutura   de   custos   e   de   mercado   da   concessionária;   a   comparação   com   o   desempenho   de   empresas  similares  no  contexto  nacional  e  nacional;  e  os  estímulos  à  eficiência  e  à  modicidade  tarifária;  (v) nas   revisões   tarifárias   periódicas   também   devem   ser   calculados   os   valores   do   Fator   X   que   são  aplicados  nos  reajustes  tarifários  subsequentes,  de  forma  a  compartilhar  com  os  consumidores  os  ganhos  de  produtividade  estimados  da  concessionária;  (vi) o   reajuste   das   tarifas   de   energia   elétrica   é   realizado   nos   anos   em   que   não   ocorrem   as   revisões  tarifárias  periódicas,  por  meio  de  fórmula  paramétrica  específica  constante  do  contrato  de  concessão;  (vii) para  fins  do  reajuste  tarifário  anual,  a  receita  da  concessionária  é  dividida  em  duas  parcelas:  a  Parcela  A,   formado   por   custos   não   gerenciáveis,   como   compra   e   transporte   de   energia   para   o   atendimento   do  mercado,  mais  os   encargos   setoriais;   e   a   Parcela  B   corresponde  à  parcela   remanescente  da   receita   após   a  dedução  da  Parcela  A,  designada  à  cobertura  dos  custos  gerenciáveis  (remuneração  e  depreciação  do  capital  investido  na  concessão  e  custos  de  operação  e  manutenção  dos  ativos  de  distribuição  de  energia  elétrica)4;    (viii) o   Índice   de   Reajuste   Tarifário   -­‐   IRT   é   dado   pelas   seguintes   equações:    𝐼𝐼𝑅𝑅𝑇𝑇=𝑉𝑉𝑃𝑃𝐴𝐴1+𝑉𝑉𝑃𝑃𝐵𝐵0×𝐼𝐼𝑉𝑉𝐼𝐼±𝑋𝑋𝑅𝑅𝐴𝐴0  

                                                                                                                         

4  A  composição  da  receita  em  duas  parcelas  deriva  da  estrutura  desverticalizada  do  setor  elétrico,  na  qual  as  distribuidoras  não  podem  exercer  outras  atividades  e  são  obrigados  a  comprar  energia  de  geradores  para  atendimento  do  mercado  cativo,  além  de  arcar  com  os  custos  do  transporte  da  energia  e  com  os  encargos  setoriais.  Os  encargos  setoriais  são  valores  definidos  em  Lei  específica,  cujos  recursos  possuem  destinação  específica  para  o  setor  elétrico,  como:  Reserva  Global  de  Reversão  –  RGR;  Conta  de  Desenvolvimento  Energético  (CDE);  Conta  de  Consumo  de  Combustíveis  Fósseis  –  CCC;  Programa  de  Incentivo  às  Fontes  Alternativas  de  Energia  Elétrica  –  PROINFA;  Taxa  de  Fiscalização  de  Serviços  de  Energia  Elétrica  –  TFSEE;  entre  outros.  

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𝑉𝑉𝑃𝑃𝐵𝐵0=𝑅𝑅𝐴𝐴0−𝑉𝑉𝑃𝑃𝐴𝐴0  

(ix) o   IRT   médio   é   aplicado   às   tarifas   vigentes,   resultando   nos   novos   valores   das   tarifas   máximas   que  poderão  ser  cobradas  nos  próximos  doze  meses.  A   fórmula  de  cálculo  do   reajuste  não  considera  nenhuma  projeção   de   mercado,   as   tarifas   de   energia   vigentes   são   reajustadas   de   forma   a   recuperar   a   receita   da  concessionária,  considerando  a  aplicação  destas  ao  mercado  dos  últimos  doze  meses.  Se  o  mercado  cresce,  a  receita  da  concessionária  também  cresce,  e  vice-­‐versa.  Por  outro  lado,  os  custos  podem  não  acompanhar  as  variações  da  receita,  imputando  perdas  ou  ganhos  à  concessionária6;  (x) a  Portaria  Interministerial  MME/MF  n.  025/2002,  em  atendimento  à  Medida  Provisória  n.  2.227/2001,  criou  a  Conta  de  Compensação  de  Variação  de  Valores  de   Itens  da  Parcela  A  (CVA):  componente  financeiro  extracontratual  de  alteração  dos  reajustes  e  revisões  tarifárias,  aumentando-­‐os  ou  diminuindo-­‐os,  de  forma  a  compensar  as  concessionárias  pelas  variações  dos  valores  dos  itens  de  custo  não  gerenciáveis  que  não  foram  previstos  nos  processos  tarifárias  anteriores.  

 As  preferências  e  as  escolhas   do   regulador  e  do   formulador  de  política  do   setor  no  processo  

que   culminou   com   a   alteração   da   fórmula   de   reajuste   das   tarifas   de   energia   elétrica   serão   descritas   e  analisadas  a  seguir.    

A  NÃO  NEUTRALIDADE  DOS  ENCARGOS  SETORIAIS  

Em  síntese,  os  procedimentos  de  cálculo  das  tarifas  de  energia  elétrica  definidos  nos  contratos  de   concessão   original   e   na   legislação   do   setor   causavam   a   denominada   “não   neutralidade   dos   encargos  setoriais”,  que  possui  dois  componentes:  

(i) componente  econômico:  pela  cláusula  sétima  dos  contratos  de  concessão,  no  cálculo  do  IRT,  a  Parcela  B  é  obtida  pela  diferença  entre  a  receita  total    da  concessionária  dos  últimos  doze  meses  e  a  Parcela  A.  Como  a   receita   varia   conforme   a   variação   do   mercado,   mas   alguns   itens   de   custo   da   Parcela   A   são   fixos,  particularmente  os  encargos  setoriais,  a  Parcela  B  dos  reajustes  incorporava  os  ganhos  ou  as  perdas  auferidas  pelas  concessionárias  nos  últimos  doze  meses  em  função  da  arrecadação  de  custos   fixos.  O  efeito  causado  pela  aplicação  da  fórmula  do  IRT  se  acumula  a  cada  ano,  no  período  entre  as  revisões  tarifárias;    

(ii)   componente   financeiro:   pelo   art.   2º   da   Portaria   Interministerial  MME/MF   n.   25/2002,   o   saldo   da   CVA  corresponde  à  diferença  entre  o  valor  do  item  de  custo  da  Parcela  A  na  data  do  último  reajuste  tarifário  e  o  valor   do   referido   item   na   data   do   seu   pagamento,   sem   considerar   a   receita   da   concessionária   com   a  arrecadação  desses   custos.     A  CVA   considera  o   efeito  das   variações  dos  preços,  mas  não  das   variações  do  mercado,   com   isso,  permite-­‐se  que  haja  perdas  ou   ganhos   às   concessionárias   com  os   custos  da  Parcela  A,  particularmente  os  encargos  setoriais.  

Uma   vez   definida   a   Parcela   B   na   revisão   tarifária,   era   de   se   esperar   que   nos   reajustes  subsequentes   o   seu   valor   acompanhasse   as   variações   do  mercado   e   do   IGPM,   descontados   os   ganhos   de  

                                                                                                                         

5    Onde:  RA0  =  receita  dada  pela  aplicação  das  tarifas  vigentes  ao  mercado  dos  últimos  doze  meses;  VPA1  =  valor  da  Parcela  A  na  data  do  reajuste  em  processamento;  VPB0  =  valor  da  Parcela  B  na  data  do  reajuste  anterior;  IVI  =  variação  do  IGPM  nos  últimos  doze  meses;  e  X  =  valor   definido   na   última   revisão   tarifária   periódica   que   representa   a   estimativa   para   o   ganho   ou   perda   de   produtividade   da  concessionária.  

6  Nesse  ponto,  caber  relembrar  que  no  serviço  pelo  preço  não  há  uma  correspondência  biunívoca  entre  receitas  e  despesas,  e  o  risco  do  mercado  é  alocado  ao  prestador  do  serviço.  A  remuneração  da  concessionária  depende  da  evolução  dos  custos  e  receitas.  Com  isso,  as  concessionárias  são  incentivas  a  aumentar  constantemente  a  eficiência  na  prestação  do  serviço,  na  medida  em  que  podem  se  apropriar  dos  ganhos  auferidos  acima  das  metas  definidas  pelo  regulador,  em  benefício  também  da  modicidade  tarifária,  pois  parte  desses  ganhos  é  compartilhada  com  os  consumidores,  por  meio  da  aplicação  do  Fator  X.  Esse  regime  é  denominado  de  alto  incentivo.  Quanto  maior  o  risco,  maior  o  incentivo.  

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produtividade  estimados  (Fator  X).  Entretanto,  como  a  Parcela  B  dos  reajustes  é  obtida  pela  diferença  entre  a  receita  total  e  a  Parcela  A:  se  o  mercado  cresce,  a  receita  da  concessionária  aumenta  na  mesma  proporção,  mas   a   Parcela   A   não,   pois   parte   dos   seus   custos   é   fixa,   então   a   Parcela   B   cresce   a   uma   taxa  maior   que   o  aumento  do  mercado;  por  outro  lado,  se  o  mercado  decresce,  a  receita  da  concessionária  diminui  na  mesma  proporção,  mas  a  Parcela  A  não,  pois  parte  dos  seus  custos  permanece  fixa,  então  a  Parcela  B  decresce  a  uma  taxa  maior  que  a  redução  do  mercado.  Dessa  forma,  é  possível  dizer  que  a  Parcela  B  dos  reajustes  depende  do  comportamento  do  mercado,  da  variação  dos  preços,  dos  ganhos  de  produtividade  estimados  e  da  Parcela  A.  Se  todos  os  custos  da  Parcela  A  variassem  conforme  o  mercado,  não  haveria  efeito  algum,  mas  como  os  encargos  setoriais  são  fixos,  a  Parcela  B  incorpora  os  ganhos  ou  perdas  de  receita  sobre  esses  itens  de  custo.  

Quanto  maior  a  participação  dos  encargos  na  receita  da  concessionária  e  maior  as  variações  do  mercado,  maior   será  o  efeito  causado  pela  denominada  “não  neutralidade  dos  encargos   setoriais”.  Em  um  ciclo   tarifário,   que   corresponde   ao  período  entre  duas   revisões   tarifárias   periódicas,   o   efeito   provado  pela  aplicação   da   fórmula   paramétrica   do   contrato   se   acumula   a   cada   ano.   Isso   porque,   seja   aumentando   as  tarifas   ou   diminuindo-­‐as,   esse   efeito   é   incorporado   à   base   tarifária   em   cada   processo   de   reajuste   e   se  perpetua  em  todo  o  ciclo  até  a  próxima  revisão  tarifária  periódica,  quando  será  redefinido  o  valor  da  Parcela  B  que  garante  o  equilíbrio  da  concessão.  

  Pelo  contrato  de  concessão  original,  as  variações  de  custo  e  receita  que  ocorrem  entre  as  datas  dos   reajustes  e   revisões   tarifárias   são   suportadas  pelas   concessionárias.  As   variações  de  preços  e  mercado  foram  consideradas   riscos  do  negócio,  não  havia  nenhum  mecanismo  contratual  ou   legal  que  neutralizasse  esses   riscos.   Apenas   variações   com   impacto   muito   grande,   que   ameaçassem   o   equilíbrio   da   concessão,  dariam   causa   às   revisões   tarifárias   extraordinárias7.   Dessa   forma,   sob   a   ótica   do   modelo   apresentado   na  seção  anterior,  a  criação  da  CVA  -­‐  que  passou  a  compensar  as  concessionárias  pelas  variações  dos  custos  da  Parcela  A  que  ocorrem  entre  os  reajuste  e  revisões  tarifária  -­‐  pode  ser  interpretada  como  uma  alteração  da  política  tarifária  inicial  definida  no  contrato  de  concessão,  por  meio  de  um  ato  do  Legislativo,  por  iniciativa  do  Executivo.  

A   CVA   foi   criada   após   eventos   -­‐   forte   desvalorização   cambial   verificada   no   ano   de   1999   e  racionamento   de   energia   em   2001   -­‐   que   imputaram   significativas   perdas   às   concessionárias.   Pretendia-­‐se,  com   isso,  evitar  contínuas   revisões   tarifárias  extraordinárias  para   reequilibrar  os  contratos  de  concessão.  A  ANEEL   entende   que   a   metodologia   da   CVA,   tal   como   definida   pela   Portaria   Interministerial   MME/MF   n.  25/2002,  não  garante  a  neutralidade  às  concessionárias  com  relação  aos  custos  da  Parcela  A.   Isso  porque  a  CVA   não   considera   o   fato   de   que   as   variações   do  mercado   podem   compensar   ou   até   mesmo   ampliar   os  efeitos   decorrentes   das   variações   dos   custos,   em   função   do   aumento   ou   redução   da   receita.   Tinha-­‐se  eliminado  o  risco  de  preço,  mas  não  o  de  mercado.  

Na   época   da   privatização   das   empresas,   os   encargos   setoriais   representavam   uma   pequena  parcela   das   tarifas   e   não   havia   certeza   quanto   ao   comportamento   do   mercado   de   energia   elétrica.  Entretanto,   com   o   aumento   da   participação   dos   encargos     nas   tarifas8   e   com   o   crescimento   contínuo   do  mercado,  os  efeitos  causados  pela  fórmula  do  reajuste  tarifário  e,  posteriormente,  pela  metodologia  da  CVA,  tornaram-­‐se  mais  evidentes  e  passaram  a  ser  objeto  de  estudos  mais  aprofundados  pela  ANEEL  e  TCU.  

                                                                                                                         

7   As   revisões   tarifárias   extraordinárias   podem   ser   realizadas   a   qualquer   tempo,   quando   um   fato   extraordinário   e   não   imputável   às  distribuidoras  causar  demasiada  perda  às  concessionárias,  desde  que  estas  sejam  devidamente  comprovadas.      

8  Na  época  da  assinatura  dos  contratos  de  concessão,  os  encargos  representavam  cerca  de  3%  da  receita  das  concessionárias,  em  2007,  essa  participação   já   representava  11%.  Com  crescimento  médio  de  4%  do  mercado,  estima-­‐se  que  o  efeito  da   “não  neutralidade  dos  encargos  setoriais”  provoca  um  acréscimo  de  0,5%  ao  ano  nos  índices  de  reajustes  tarifários.  

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SOLUÇÃO  SECOND-­‐BEST  

Em   um   cenário   de   crescimento   contínuo   do   mercado,   que   proporcionava   ganhos   às  concessionárias,   não   havia   perspectiva   de   que   uma   proposta   de   aditivo   contratual   seria   aceita   pelas  distribuidoras.  Os   próprios   dirigentes   da   ANEEL   já   falavam   abertamente   sobre   o   problema,  mas   não   havia  ambiente  político  e  social  que  pudesse  sustentar  a  proposta.  Dessa  forma,  a  estratégia  inicial  escolhida  pela  Agência  foi  garantir  a  alteração  da  política  tarifária  corrigindo  a  CVA,  mecanismo  extracontratual  definido  por  meio   de   Portaria   Interministerial,   que   não   dependia   de   aprovação   das   concessionárias.     Dessa   forma,   em  outubro  de  2008,  a  ANEEL  encaminhou  ao  MME  proposta  de  alteração  da  CVA.  

Na  Figura  2  abaixo,  o  ponto  A  representa  a  preferência  do  regulador,  que  consiste  na  tarifa  que  garante   a   “neutralidade   dos   encargos   setoriais”,   eliminando-­‐se   os   efeitos   econômicos   e   financeiros  decorrentes   das   variações   de   mercado   e   de   preço   sobre   esses   itens   de   custo,   o   que   se   daria   mediante  alteração   do   contrato   de   concessão   e   da   CVA.   Já   os   pontos   P’   e   P”   representam   as   tarifas   resultantes   da  política  tarifária  vigente,  dada  pela  aplicação  da  fórmula  de  reajuste  que  constava  do  contrato  de  concessão  originais  e  da  metodologia  da  CVA  tal  como  definida  na  Portaria  Interministerial  MF/MME  n.  25/2002.    

Para  simplificação  das  análises,  considera-­‐se  que  não  há  variação  de  preços  entre  os  reajustes  e  revisões   tarifárias,   apenas   variações   de   mercado9.   Dessa   forma,   o   ponto   P’   refere-­‐se   à   situação   de  crescimento   do   mercado,   quando   a   tarifa   resultante   da   política   tarifária   é   maior   que   a   tarifa   com  “neutralidade   dos   encargos   setoriais”;   o   ponto   P”   refere-­‐se   à   situação   inversa.   Em   qualquer   dos   casos,  afastamentos  com  relação  à  tarifa  com  “neutralidade  dos  encargos  setoriais”,  implica  perda  de  utilidade  para  o  regulador,  dada  por:  𝑈𝑈=−𝛼𝛼𝑃𝑃−𝐴𝐴.    

 

 

Figura  2:  Preferências  do  Regulador  

Com   a   alteração   apenas   da   metodologia   da   CVA,   a   tarifa   atingiria   um   ponto   entre   A   e   P,  conforme  mostrado   na   Figura   a   seguir.   Eliminar-­‐se-­‐ia   o   componente   financeiro   da   “não   neutralidade   dos  encargos  setoriais”,  mas  não  o  componente  econômico,  dado  pela  aplicação  da  fórmula  do  reajuste  tarifário.    Essa  solução  não  alcançaria  o  ponto  de  preferência  da  ANEEL,  o  ponto  A,  mas  corrigia  parte  do  problema,  e,  portanto,  pode  ser  denominada  de  solução  second-­‐best.    

                                                                                                                         

9  Essa  hipótese  será  mantida  em  todas  as  simulações  feitas  daqui  em  diante.  

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Figura  3:  A  solução  second-­‐best  

O   ponto   CVA’   representa   a   situação   com   crescimento   do  mercado,   quando   a   concessionária  devolve  aos  consumidores  os  valores  arrecadados  a  maior  a  título  de  custos  não  gerenciáveis.  Nesse  caso,  a  tarifa  resultante  da  alteração  da  CVA  é  menor  que  a  tarifa  da  política  tarifária  vigente,  mas  é  superior  à  tarifa  com  neutralidade  plena  da  Parcela  A,  que  corresponde  ao  ponto  de  preferência  da  ANEEL,  o  ponto  A,  que  se  verificaria   mediante   alteração   da   CVA   e   do   contrato   de   concessão.   O   ponto   CVA”     representa   a   situação  inversa.    

Do  ponto  de  vista  da  ANEEL,  a  alteração  da  metodologia  da  CVA  não  gerava  nenhuma  perda  de  credibilidade  ao  processo  regulatório.  Uma  vez  que  a  CVA  não  estava  prevista  no  contrato  de  concessão,  a  sua   alteração   não   poderia   configurar   quebra   de   contrato.   Além   disso,   como   não   se   tratava   de   uma  reinterpretação  de  regra  e  nem  de  correção  de  uma  ilegalidade,  não  caberiam  efeitos  retroativos,  portanto,  estava  preservada  a  segurança  jurídica.    

A  medida  foi  contestada  pelas  concessionárias,  com  a  alegação  de  que  as  variações  do  mercado  foram  alocadas  aos  prestadores  do  serviço  nos  contratos  de  concessão,  por  fazer  parte  do  risco  do  negócio  e,  portanto,  não  poderiam  ser  neutralizadas  por  mecanismos  extracontratuais.    

Essas   alegações   foram   submetidas   à   apreciação   da   Procuradoria   Geral   da   ANEEL   e   da  Consultoria   Jurídica   do   MME,   que   concluíram   que   como   a   CVA   tinha   sido   criada   para   compensar   as  concessionárias  pelas  variações  dos  valores  dos   itens  de  custo  da  Parcela  A,  não  haveria  razão  para  que  na  apuração   dessa   compensação   não   fossem   considerados   os   valores   arrecadados   pelas   concessionárias   pela  aplicação  das   tarifas  vigentes  aos  seus  mercados.  Uma  vez  que   tinha-­‐se  eliminado  o   risco  das  variações  de  preço  nos  custos  não  gerenciáveis,  alterando-­‐se  a  política  tarifária  inicial  definida  no  contrato  de  concessão,  não  haveria  razão  para  que  os  efeitos  da  variação  do  mercado  continuassem  alocados  às  concessionárias  no  que  se  refere  a  esses  custos.  Dessa  forma,  a  medida  foi  entendida  como  necessária  e  viável.  

A   teoria   política   mostra   que   toda   política   tarifária   impõe   certa   redistribuição   de   renda   à  sociedade,  afetando  de  forma  distinta  o  bem-­‐estar  de  diferentes  grupos  de  interesse,  que  reagirão  a  ela  com  apoio  ou  reprovação  política,  sendo  que  aquele  grupo  de  interesse  que  tiver  maior  capacidade  de  interferir  no  processo  regulatório,  provavelmente  será  beneficiado  por  ele.    

Considerando  que  o  apoio  político  é  um  fator  preponderante  nas  decisões  dos  formuladores  de  políticas   públicas,   é   razoável   supor   que,   na   visão   do   MME,   mesmo   entendo   a   alteração   da   CVA   como  

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necessária   e   viável,   havia   um   custo   político   associado   a   essa   medida,   e,   naquele   momento,   o   grupo   de  interesse  com  maior  capacidade  de  interferir  no  processo  era  o  das  distribuidoras.    

Além  de   considerar  que  a  alteração  da  CVA   tenha  um  custo  político  para  o  MME,   também  é  razoável  supor  que  a  sua  curva  de  utilidade  tenha  uma  inclinação  diferente  da  curva  de  utilidade  da  ANEEL.  Provavelmente,  o  benefício  marginal  da  alteração  da  CVA  seja  maior  para  o  regulador,  que  teve  a  iniciativa  de  propor   a  mudança,   do   que   para   o  Ministério.   A   Figura   a   seguir  mostra   o   impacto   da   alteração   da   CVA  na  utilidade  da  ANEEL  e  do  MME.  

 

Figura  4:  O  custo  político  da  solução  second-­‐best  

Sem   considerar   o   custo   político   associado   à   alteração   da   CVA,   essa  medida   proporciona   um  ganho  de  utilidade  para  a  ANEEL,  dado  pela  passagem  dos  pontos  a’  e  a”  para  os  pontos  b’  e  b”,  e  para  o  MME,  dado  pela  passagem  dos  pontos  x’  e  x”  para  os  pontos  y’  e  y”.    Como  a  inclinação  da  curva  de  utilidade  da   ANEEL,   dada   por   α,   é   maior   que   a   inclinação   da   curva   de   utilidade   do  MME,   dada   por   β,   o   benefício  marginal  de  se  alterar  a  CVA  é  maior  para  a  ANEEL  do  que  para  o  MME.  Agora  considerando  que  a  alteração  da  metodologia  da  CVA  tenha  um  custo  político  para  o  MME,  dado  por  θ,  a  sua  curva  de  utilidade  desloca-­‐se  para  baixo,  passando  a  ser  representada  por  UMME  -­‐  θ.  No  gráfico  acima,  esse  custo  político  é  tão  grande  que  a  alteração  da  CVA  gera  uma  perda  de  utilidade  ao  Ministério,  com  a  passagem  dos  pontos  y’  e  y”  para  os  pontos  z’  e  z”,  inferiores  aos  pontos  iniciais,    x’  e  x”.  Esse  custo  político  pode  explicar  a  negativa  do  MME  em  publicar  a  nova  Portaria  alterando  a  CVA.  

SOLUÇÃO  FIRST-­‐BEST  

A  proposta  de  alteração  da  CVA  estava  sendo  analisado  pelo  Ministério  a  um  ano,  quando,  em  meio  a  um  processo  de  CPI  (Comissão  Parlamentar  de  Inquérito)  das  tarifas,  em  outubro  de  2009,  o  problema  dos   reajustes   das   tarifas   de   energia   elétrica   foi   amplamente   divulgado   pela   imprensa.   Essa   divulgação   foi  fundamental  ao  processo,  pois  mudou  o  contexto  político  no  qual  a  “não  neutralidade  dos  encargos  setoriais”  estava  sendo  analisado,  inserindo  outros  personagens  ao  evento  e  tornando-­‐o  ainda  mais  complexo10.    

                                                                                                                         

10  A  repercussão  desse  problema  regulatório  foi  tão  significativa,  que  a  CPI  das  Tarifas,  cujos  ritos  já  estavam  se  encerrando  -­‐  sem  que  tivesse  sido  identificada  qualquer  irregularidade  nos  procedimentos  de  cálculo  das  tarifas  de  fornecimento  de  energia  elétrica  -­‐  acabou  ganhando   notoriedade   e   exercendo   forte   pressão   política   sobre   a   Agência,   o   MME   e   as   concessionárias,   que   foram   novamente  chamados  a  depor.  Toda  a  sociedade  buscava  entender  o  problema,  identificar  os  responsáveis  e  encontrar  soluções  rápidas  e  eficazes.  

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Nesse   novo   cenário,   o   MME   mudou   o   seu   posicionamento   a   respeito   da   necessidade   de  alteração  da  Portaria  da  CVA,  passando  a  defender  uma  interpretação  alternativa  da  norma,  segunda  a  qual  a  sua  redação  original  já  permitia  considerar  os  efeitos  das  variações  do  mercado  no  cálculo  das  compensações  financeiras  pelas  variações  dos  custos  da  Parcela  A,  bastando  para  isso  que  a  ANEEL  emitisse  um  regulamento  complementar   efetivando   esse   entendimento.   Essa   interpretação   alternativa   foi   corroborada   por   novos  pareceres  emitidos  pelas  consultorias  jurídicas  do  MME/MF.    

Representantes   da   Secretaria   de   Fiscalização   de   Desestatização   e   Regulação   (SEFID/TCU),  associações  representativas  dos  consumidores,  parlamentares  da  Câmara  dos  Deputados  e,  posteriormente,  o  Ministério   Público   Federal,   passaram   a   defender   a   alteração   unilateral   dos   contratos   de   concessão   e   o  ressarcimento  dos  consumidores.    

Diante  do  novo  contexto  formado,  com  o  recuo  do  MME  em  alterar  a  Portaria  da  CVA,  com  a  forte   pressão   política   e   social   para   que   a   ANEEL   solucionasse   o   problema   e   com   o   ambiente   favorável   à  negociação   com   as   distribuidoras,   a   alternativa   encontrada   pelo   regulador   foi   abandonar   a   proposta   de  alteração  da  CVA  e  propor  um  aditivo  bilateral  aos  contratos  de  concessão.    

A   figura  abaixo  analisa  a  mudança  de  estratégia  do   regulador.  Considera-­‐se  como  premissa  o  cenário   de   crescimento   de   mercado.   O   ponto   P   corresponde   à   tarifa   resultante   da   aplicação   da   fórmula  contratual   e   da   metodologia   da   CVA   definida   na   Portaria   n.   25/2002;   o   ponto   A   representa   a   tarifa   que  garante   a   “neutralidade   dos   encargos   setoriais”,   alcançada  mediante   aditivo   contratual   bilateral   proposto  pela   ANEEL,   que   corrige   os   efeitos   econômicos   e   financeiros   das   variações   do  mercado   sobre  os   encargos  setoriais;   e   o   ponto   C   representa   à   tarifa   considerando,   além   do   aditivo   contratual,   o   ressarcimento   dos  consumidores  pelos  reajustes  processados  no  período  de  2002  a  2009,  tal  como  defendido  por  vários  grupos  de  interesse.  

 

Figura  5:  O  custo  de  credibilidade  e  a  solução  first-­‐best  

Com  a  concordância  das  concessionárias  em  assinar  o  aditivo  contratual  proposto  pela  ANEEL  a  neutralidade  dos  encargos  setoriais  estaria  assegurada  e  a  utilidade  da  Agência  seria  máxima,  passando  do  ponto   “a”  para  o  ponto   “b”.     Se  esse  mesmo   resultado   fosse  atingido  mediante  a   “quebra”  dos   contratos,  haveria   perda   de   credibilidade   do   processo   regulatório.   Essa   perda   de   credibilidade   está   representada   no  gráfico  acima  pelo  deslocamento  da  curva  de  utilidade  da  Agência  de  UANEEL  para  UANEEL  –  Ω,  sendo  Ω  a  medida  

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do  custo  de  credibilidade.  Com  isso,  a  utilidade  da  ANEEL  com  a  neutralidade  dos  encargos  setoriais  passaria  a  ser  menor  que  aquela  auferida  com  a  política  tarifária  vigente,  no  gráfico  acima,  c  <  a11.    

Considerando   ainda   a   aplicação   retroativa   das   novas   regras,   impondo   às   concessionárias   a  devolução   de   valores   aos   consumidores   pelos   reajustes   tarifários   processos   de   2002   a   2009,   a   perda   de  credibilidade   do   processo   regulatório   seria   ainda  maior,   pois   além   de   alterar   as   regras   vigentes   de   forma  arbitrária,   estaria   impondo-­‐se   a   retroatividade   dessa   alteração.   Com   isso,   a   curva   de   utilidade   da   ANEEL  desloca-­‐se  ainda  mais  para  baixo,  passando  para  UANEEL  –  Ω’.  Dessa  forma,  o  resultado  final  correspondente  ao  ponto  C,  que  representa  o  nível  da  tarifa  considerando  a  aplicação  da  neutralidade  dos  encargos  setoriais  de  forma  retroativa  desde  2002,  é  uma  queda  de  utilidade  ainda  maior  para  o  regulador,  no  gráfico  acima,    d  <  c  <  a.    

ANÁLISE  DOS  RESULTADOS  

O   aditivo   contratual   proposto   pela   ANEEL   foi   assinado   por   todas   as   concessionárias   de  distribuição   em   2010,   atingindo-­‐se   o   ponto   “b”   da   figura   7,   que   proporciona   a   utilidade   máxima   para   o  regulador,  por  isso  pode  ser  chamada  de  solução  first-­‐best.  Com  relação  à  interpretação  alternativa  da  CVA  defendida  pelo  MME,  esta  passou  a  ser  irrelevante  com  a  assinatura  dos  aditivos  contratuais,  pois  os  efeitos  econômicos   e   financeiros   das   variações   de   mercado   sobre   os   encargos   setoriais   foram   neutralizados   no  próprio  contrato.  

O   TCU,   por   meio   do   Acordão   nº   348/2012,   reconheceu   que   os   reajustes   processados   pela  ANEEL  foram  realizados  em  conformidade  com  a  metodologia  definida  no  contrato  de  concessão  e  que  havia  uma   incompatibilidade   entre   a   metodologia   adotada   e   os   princípios   que   regem   a   regulação   do   setor,  devidamente  corrigida  pela  ANEEL  por  meio  do  aditivo  contratual.  

Entretanto,  a   tomada  de  decisão  da  ANEEL  é  contestada  pelo  Ministério  Público  Federal,  que  moveu  uma  Ação  Civil  Pública  contra  a  metodologia  de  reajuste  tarifário  adotada  até  2002,  bem  como  por  representantes   da   Câmara   dos   Deputados   e   de   instituições   de   defesa   do   consumidor.   Essas   instituições  defendem   a   ilegalidade   dos   contratos   e   a   aplicação   da   “neutralidade   dos   encargos   setoriais   de   forma  retroativa”.  

Nesse  ponto,  cabe  destacar  o  trecho  do  Voto  do  Diretor  Relator  Edvaldo  Alves  de  Santana,  de  25  de  janeiro  de  2001,  no  Processo  48500.006802/2009-­‐65,  que  negou  tratamento  retroativo  aos  efeitos  das  variações  de  mercado  sobre  os  encargos  setoriais:  

30.   Optamos   pelo   caminho   do   respeito   aos   contratos,   da   estabilidade   regulatória   e   da  segurança   jurídica,   por   entendermos   que   assim   pode   ser   mostrado   que   o   Brasil   é   uma  instituição   forte,   que   cria   condições   para   termos   a   mesma   exigência   de   spread   que   os  investidores  fazem  ao  Chile,  que  é  menos  da  metade  do  que  é  exigido  do  Brasil.  (...)  

Em   outras   palavras,   mesmo   (ou   principalmente)   do   ponto   de   vista   tarifário   a   solução  implantada  pela  ANEEL  é  melhor  para  os  consumidores,  desde  que  a  premissa  básica  não  seja   a   solução  buscada   via   atropelamento  do   contrato.   Logo,   a   estabilidade   regulatória,   a  

                                                                                                                         

11  Relembrando  os  dispositivos  das  Leis  n.  8.987/95  e  9.427/96:  considera-­‐se  mantido  o  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  da  concessão  quando  forem  atendidas  as  regras  de  reajuste  e  revisão  das  tarifas  definidas  no  contrato,  cabendo  à  ANEEL  homologar  os  novos  valores  das   tarifas,   resultantes   de   reajuste   ou   de   revisão,   nas   condições   do   respectivo   contrato.   Dessa   forma,   o   descumprimento   das   regras  contratuais  pela  ANEEL  representa  o  descumprimento  do  próprio  papel  para  o  qual  o  regulador  foi  designado.    

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segurança  jurídica  e  o  cumprimento  de  contratos  não  são  figuras  de  linguagem  ou  um  jogo  de  palavras.  Elas  possuem  efeitos  econômicos  muito  relevantes.    

A  primeira   vista,   não  parece   racional   a   aceitação  do  aditivo   contratual   pelas   concessionárias,  uma  vez  que  com  o  cenário  de  crescimento  contínuo  do  mercado,  estas  certamente  ganhariam  com  a  “não  neutralidade   dos   encargos   setoriais”.   Entretanto,   diante   do   contexto   formado,   de   forte   pressão   política   e  social  para  o   ressarcimento  dos  consumidores  pelos   reajustes  processados  com  base  nas   regras  antigas,  as  concessionárias   certamente   se   sentiram   ameaçadas   com   essa   possibilidade.   Se   o   ressarcimento   fosse  aplicado,   as   tarifas   alcançariam   o   ponto   C   da   figura   5   e   não  mais   o   ponto   A.   A   assinatura   de   um   aditivo  contratual   bilateral   representou   um   marco   para   o   reconhecimento   da   legalidade   dos   contratos   e,  consequentemente,  de  todos  os  reajustes  processados  até  2009.  Dessa  forma,  a  potencial  perda  de  receita  com   a   não   aceitação   do   aditivo   contratual   poderia   resultar   em   uma   perda   muito   maior   que   com   a   sua  celebração.    

CONCLUSÃO  

Nesse   trabalho,   procurou-­‐se   analisar   o   aditivo   aos   contratos  de   concessão  de  distribuição  de  energia  elétrica,  que  alterou  a  fórmula  do  reajuste  anual  das  tarifas,  por  meio  do  arcabouço  da  teoria  política  positiva  da   regulação,  que  procura  demonstrar  o  papel  do  custo  de  credibilidade  na  solução  de  problemas  regulatórios.    

 Apresentou-­‐se   o   conflito   de   interesses   entre   os   principais   atores   envolvidos   no   processo,  enfatizando  o  papel  da  política,  da  divulgação  do  problema  pela  imprensa  e  da  participação  da  sociedade  nos  resultados   alcançados.   Enquanto   o   regulador   defendeu   o   cumprimento   dos   contratos,   outras   instituições  defendem,   em   geral,   a   quebra   dos   contratos   e   reinterpretações   de   normas   vigentes,   com   a   aplicação   de  efeitos  retroativos.  

As   análises   foram   focadas   nas   tomadas   de   decisão   da   ANEEL,   instituição   responsável  legalmente   pela   gestão   dos   contratos   de   concessão   de   distribuição   de   energia   elétrica.   Procurou-­‐se  demonstrar  que  a  atuação  do  regulador  nesse  processo  foi  fortemente  impactada  pelo  custo  de  credibilidade  do  processo  regulatório,  que  no  Brasil  tem  um  papel  primordial.    

Pelo  desenho  regulatório  escolhido  para  o  setor  elétrico,  o  cumprimento  das  regras  contratuais  e   legais  pela  Agência  representa  a  própria   legitimidade  do  processo  regulatório.  Dessa   forma,  a   tomada  de  decisão   da   ANEEL   é   entendida   como   a   solução   ótima   para   o   problema,   em   benefício   do   desempenho   da  regulação  no  setor.      

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 REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS  

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[3]   CORREA,   P.;   MELO,  M.;   MUELLER,   B.;   e   PEREIRA,   C.   (2006).  Regulatory   Governance   in   Infrastructure  Industries:  Assessment  and  Measurement  of  Brazilian  Regulators.  Wahsington:  The  World  Bank,  Trends  and  Policy  Options  Series,  N.  3.  

 [4]  DIXIT,  A.  K.  (1996).  The  making  of  economic  policy:  a  transaction-­‐cost  politics  perspective.  Cambridge,  MA:  MIT  Press.  

[5]  LAFFONT,  J.  e  TIROLE,  J.  (1993).  A  theory  of  incentives  in  procurement  and  regulation.  Cambridge,  MA:  MIT  Press.  

 [6]  LEVY,  B.  e  SPILLER,  P.  T.   (1994).  The   institutional   foundations  of  regulatory  commitment:  a  comparative  analysis  of  telecommunications  regulation.  Journal  of  Law,  Economics,  and  Organization  10  (2):  201-­‐246.  

[7]  MATTOS,   C.   C.   A.   e  MUELLER,   B.   (2006).   Regulando   o   regulador:   a   proposta   do   governo   e   a   ANATEL.  Revista  de  Economia  Contemporânea  10  (3):  517-­‐546.    

[8]   MUELLER,   B.   (2001).   Regulação,   informação   e   política:   uma   resenha   da   teoria   política   positiva   da  regulação.  Revista  Brasileira  de  Economia  de  Empresas  1  (1):  9-­‐29.  

[9]  MUELLER,   B.   e   PEREIRA,   C.   (2002).  Credibility   and   the  Design   of   Regulatory   Agencies   in   Brazil.   Brazilian  Journal  of  Political  Economy,  Vol.  22,  N.  3  (87):  65-­‐88.  

 [10]   PINHEIRO,   A.   C.   (2005).   Reforma   regulatória   na   infraestrutura   brasileira:   em   que   pé   estamos?   In:  Salgado,  L.  H.  e  Motta,  R.  S.  (Editores).  Marcos  regulatórios  no  Brasil:  o  que  foi  feito  e  o  que  falta  fazer.  Rio  de  Janeiro:  Ipea,  2005,  p.  41-­‐90.  

[11]  PROCESSOS  ADMINISTRATIVOS  da  ANEEL  N.48500.006111/2007-­‐08  e  N.  48500.006802/2009-­‐65.  

[12]  SPILLER,  P.  (1990).  Politicians,  Interest  Groups  and  Regulators:  A  Multiple  Principals  Theory  of  Regulation.  Journal  of  Law  and  Economics,  Vol.  33:  65-­‐101.  

[13]  SPILLER,  P.  T.  e  VOLGELSANG,  I.  (1997).  The  Institutional  Foundations  of  Regulatory  Commitment  in  the  UK.  Journal  of  Institutional  and  Theoretical  Economics,  Vol.  153.  

[14]  STIGLER.  G.  J.  (1971).  The  Theory  of  Economic  Regulation.  Bell  Journal  of  Economics  2:  3-­‐21.  

[15]  VARIAN,  H.  R.  (1999).  Microeconomia:  princípios  básicos.  Rio  de  Janeiro:  Campus  (tradução  da  4ª  Edição  americana).  

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Demanda e Preços Não-Lineares:

Uma análise empírica do consumo brasileiro de energia elétrica

industrial*

September 13, 2013

Resumo

Neste ar�go, foi proposto um modelo econométrico para a demanda por energia elétrica e capacidade dosconsumidores industriais brasileiros. Diferentemente dos consumidores residenciais, os consumidores industri-ais brasileiros, além de consumir energia e capacidade, também enfrentam um menu de tarifas com diferentescomponentes e discriminação de preços por horário do dia (o chamado Time of Use Pricing). Todas estas ca-racterís�cas combinadas colocam um problema empírico que, até o momento, não foi enfrentado de formaconjunta na literatura. Esta metodologia foi aplicada em uma base de microdados representando uma amostranão-aleatória de 646 grandes consumidores industriais brasileiros (com demandas acima de 300 KW), para umperíodo entre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Observamos que as demandas pelos diferentes serviços (ca-pacidade e energia, separados por horário de pico e horário fora de pico) são elás�cas a preços e, pelo menos namodalidade AZUL, há complementariedade entre energia e capacidade nos diferentes períodos do dia. Ou seja,polí�cas sobre a estrutura de preços baseadas em premissas de demanda inelás�ca por consumo de eletricidadeagregado podem ter efeitos dis�ntos do pretendido.Abstract: In this paper is proposed an econometric model for industrial electricity demand in Brazil. Differentlyfrom residen�al customers, industries in Brazil, besides purchasing energy and capacity, also face a tariff menuwith Time of Use pricing. Each item in this menu also has different components and price discrimina�on struc-ture. All these characteris�cs together pose an empirical problem that, so far, has not been faced together in theliterature. This methodology was applied in a non-experimental microdata sample of 646 large Brazilian indus-trial customers (with demands over 300 KW) between January 2002 and December 2006. The results indicatedemands for the various services (capacity and energy, separated between peak and non-peak hours) are priceelas�c, and at least in the AZUL tariff, there is complementarity between energy an capacity in the different pe-riods. Thus, policies on tariff structures based on assump�ons of an inelas�c aggregate electricity demand couldhave effects quite different from what would be intended.

Palavras-Chave: �enu de Tarifas; Discriminação de Preços; �odelo Discreto-Con�nuoKeywords: Tariff �enu: Price Discrmina�on; Discrete-Con�nuous modelJEL Codes: L51; L60

*Os autores agradecem os comentários a uma versão anterior do presente ar�go.

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DEMANDA E PREÇOS NÃO LINEARES: UMA ANÁLISE EMPÍRICA DO CONSUMO BRASILEIRO DE ENERGIA ELÉTRICA INDUSTRIAL *

Francisco Anuatti Neto

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1 Introdução

O uso eficiente da energia é uma questão cada vez mais importante, tendo em vista o potencial de emissão degases geradores de efeito estufa das diferentes fontes de energia. Para que possamos ter este uso eficiente éespecialmente importante o desenvolvimento de polí�cas de precificação desta energia -- o que exige um co-nhecimento aprofundado de como é a demanda por um produto que não é armazenável e cujo uso varia muitoao longo do dia. Se adicionalmente considerarmos que uma das possíveis rotas tecnológicas para o desenvolvi-mento de automóveis passa pela eletricidade, a questão do uso da energia ao longo do dia é outra mo�vaçãopara estudos sobre a demanda de eletricidade. Além disso, o desenho tarifário precisa lidar com o fato que osconsumidores respondem aos sinais de preço, rearranjando suas demandas, tanto em termos de quan�dade totalde energia quanto em termos de consumo ao longo do dia.

No entanto, a maior parte dos estudos empíricos sobre a demanda industrial de energia elétrica em paísessubdesenvolvidos -- onde estará boa parte da demanda adicional de eletricidade nos próximos anos -- ignora ofato que este �po de consumidor enfrenta um menu tarifário muito mais complexo do que o dos consumidoresresidenciais. Os consumidores industriais, e em especial os grandes consumidores nesta categoria, não apenasenfrentam a necessidade de contratação de energia e capacidade, mas também enfrentam preços diferentes paraa energia e capacidade contratadas em horários alterna�vos do dia.

A discussão sobre tais menus de tarifas se faz especialmente importante no caso brasileiro, em que a estruturatarifária já precisa de mudanças. A atual estrutura tarifária da distribuição de energia tem a sua base em umacolaboração entre a Eletrobrás, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica e a Eletcricitè de France,com dois trabalhos de consultoria. No primeiro, realizado entre 1977 e 1979, foram realizados estudos para adeterminação do custo marginal do fornecimento de energia para os consumidores e avaliada a possibilidadede se basear a estrutura tarifária nestes custos. O segundo deles foi realizado entre 1980 e 1981, que resultouem uma publicação denominada ``Estrutura Tarifária de Referência para a Energia Elétrica'' (ANEEL 2009)[5]. Asdiferentes tarifas desenvolvidas ao longo do período �nham emmente uma estrutura ver�calmente integrada naoferta de energia elétrica, e os custos de capital e operacionais da geração e transmissão de energia eram levadosem consideração no cálculo das tarifas de distribuição.

Ainda segundo (ANEEL, 2009)[5], Entre 1982 e 1999, apenas alterações pequenas na estrutura tarifária foramrealizadas. Neste �l�mo ano, a estrutura tarifária foi modificada para re�e�r a desver�calização do setor. �esmocom estas alterações, a estrutura de preços rela�vos de energia e capacidade ao longo do dia ainda con�nua ine-ficiente. �onsequentemente, ocorrem soluções sub-ó�mas como a instalação de geradores a diesel para reduziro consumo em horário de pico ou consumidores de alta tensão tentando buscar conexões diretas para contornara rede de distribuição.

Ou seja, uma discussão sobre níveis de preço de eletricidade que não leve em conta o fato que este serviçoé vendido segundo uma estrutura de preços não lineares pode levar a es�ma�vas viesadas dos parâmetros rele-vantes e podendo inclusive piorar ao invés de melhorar os problemas discu�dos acima1.

As es�ma�vas de elas�cidade preço da energia elétrica industrial na literatura brasileira avaliam basicamenteo consumo médio de energia, mas o sistema de preços adotado pela Agência reconhece a importância de sedis�nguir uso de energia e capacidade (��), sendo que a �l�ma determina o dimensionamento dos sistemas dedistribuição e consequentemente os inves�mentos. Sem informação adequada as previsoes de inves�mentospodem ser ser excessivas ou insuficientes. Dai a importância de se conhecer o grau de subs�tuição entre energia

1�ais especificamente, a existência de diferentes menus tarifários tende a gerar es�ma�vas viesadas porque não conseguem separar amudança na demanda por eletricidade dentro de um item de um menu tarifário com o efeito que o aumento de um dos preços tem sobre aescolha entre itens do menu tarifário.

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e potência nos dois períodos, sendo esta uma contribuição original do presente trabalho. Para lidar com isto, opresente ar�go desenvolve uma metodologia para lidar com duas caracterís�cas da estrutura tarifária de energiaelétrica industrial� a existência de preços dis�ntos para energia e capacidade, discriminados por horário do dia.Além disso, a aplicação aqui apresentada também trata do fato que existem diferentes linhas tarifárias, compondoum menu de tarifas (se�f�se�ec�ng ��ri�s).

Ametodologia apresentada aqui foi aplicada emumabase demicrodados de consumode energia e capacidadede grandes consumidores industriais brasileiros, em que é registrada amodalidade tarifária escolhida, assim comoa quan�dade adquirida dos serviços componentes da modalidade (energia e capacidade), para o período entrejaneiro de 2002 e dezembro de 2006.

Mas antes de passarmos à apresentação propriamente dita dos dados e domodelo, a seção seguinte descrevea literaturamais ampla em que ametodologia aqui apresentada se insere. Esta literatura trata tanto das tenta�vasanteriores para a es�mação da demanda por energia elétrica industrial quanto a literatura sobre precificaçãode horário de pico e �me of �se pricing. Após esta revisão bibliográfica, segue-se a abordagem econométricapropriamente dita, assim como a es�ma�va dos parâmetros propriamente ditos. A quarta seção conclui.

2 Revisão da Literatura

No presente ar�go, a revisão da literatura relevante para a pesquisa passa por dois temas separados. O primeirodeles é sobre as es�ma�vas de sensibilidade a preço da energia elétrica, com foco na demanda industrial porenergia no Brasil, e o segundo envolve a literatura internacional sobre Precificação por Horário de Uso (Time ofUse Pricing).

Sobre es�ma�vas de elas�cidade preço da demanda de eletricidade no Brasil o foco foi essencialmente emes�mar elas�cidades agregadas, u�lizando receita média como proxy para o preço para o Kwh marginal. O pri-meiro dos estudos que lançam mão de uma abordagem econométrica moderna é o de Modiano (1984)[18], queu�liza dados anuais entre 1963 e 1981. O autor u�liza uma especificação de demanda duplo log, sendo a dinâmicacapturada por defasagens, e es�mado por Mínimos Quadrados Ordinários, com correção para a correlação serialpelo procedimento de Cochrane-Orcu�.

Este estudo se cons�tuiu no ��estado da arte�� em pesquisa sobre o tema durante 13 anos, até que Andradee Lobão (1997)[4] decidiram por estender a amostra u�lizada por Eduardo Modiano e aplicar as técnicas maismodernas disponíveis à época, apenas realizando sua análise para a demanda residencial de energia. Do pontode vista metodológico, os autores u�lizam em alguns modelos o método das Variáveis Instrumentais, mas seusprincipais resultados surgem de um sistema de Vetores de Correção de Erro.

Schmidt e Lima (2004)[19], atualizam os dados do ar�go anterior, também u�lizando umametodologia de Ve-tores Auto-Regressivos e Vetores de Correção de Erros. Diferentemente de Andrade e Lobão (1997)[4], temos queSchmidt e Lima (2004)[19] trabalham com as três classes de consumidores, residenciais, comerciais e industriais.Do ponto de vista de forma funcional, os autores mantém a forma duplo log, que permite a eles o fácil cálculo deelas�cidades de curto e de longo prazos.

A maior parte das pesquisas subsequentes se manteve na mesma linha metodológica, u�lizando uma especi-ficação duplo log e um sistema de Vetores Auto-Regressivos ou Vetores de Correção de Erros. O deMa�os e Lima(2005)[9] se atém àmesmametodologia, em sua análise do consumo residencial de energia elétrica no estado deMinas �erais. Ma�os (2004)[8] também aplica esta metodologia para o caso da demanda industrial de energiaelétrica. Na literatura mais recente, apenas Irffi et. al. (2005)[16] variam a metodologia econométrica, usandoMínimos Quadrados Ordinários Dinâmicos e Modelos de Mudança de Regime. Sobre a forma funcional, ainda a

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duplo log é man�da.Apenas em Siqueira, Cordeiro Junior e Castelar (2006)[21] há a adição do método de Variáveis Instrumen-

tais ao arcabouço VAR+VEC u�lizado nos outros modelos. A tabela a seguir resume os valores ob�dos para aselas�cidades em todas estas pesquisas:

Tabela 1: Elas�cidades Ob�das - Longo PrazoEstudo Método Dem. Res. Dem. Coml. Dem. Ind.

Modiano (1984) MQO+CORC -0,40 -0,182 -1,22Andrade e Lobão (1997) VAR+VEC -0,058Schmidt e Lima (2004) VAR+VEC -0,085 -0,174 -0,545

Ma�os (2005) VAR+VEC -0,094 (NS)Ma�os e Lima (2005) VAR+VEC -0,258Irffi et. al. (2005) DOLS+MS -0,68

SCC (2006) IV -0,778 -0,824 -1,019SCC (2006) VAR+VEC -0,412 -0,502 -0,982

Fonte: Elaboração do autor. DOLS: OLS Dinâmico. MS:MarkovSwitching. SCC: Siqueira, Cordeiro Júnior e Castelar (2006)

�ma conclusão destes estudos é a menor magnitude, em termos absolutos, das elas�cidades-preço da de-manda para o caso brasileiro. Este resultado para o Brasil estava linha com o encontrado em outros países daAmérica La�na, o que deu margem ao comentário de Westley citado em Schmidt e Lima (2004), p. 70, que ��oconsumo de energia elétrica cresce em proporção fixa com a renda e possui elas�cidade preço perto de zero��. Noentanto, os estudos que embasam esta conclusão possuem alguns problemas, decorrentes da definição da basede dados e da estrutura de preços do setor. Por exemplo, a aproximação do preço do KWh marginal pelo customédio pode gerar problemas econométricos sérios. Além disso, a es�ma�va de elas�cidade-preço da demandapor energia elétrica -- mesmo realizada da formamais correta possivel -- como um todo tende a ser menor em ter-mos absolutos do que a es�ma�va da demanda por energia elétrica em diferentes momentos do dia. Conclus�esde polí�ca baseadas neste �po de es�ma�va podem levar a erros importantes.

A literatura internacional sobre o tema da elas�cidade-preço da demanda por energia elétrica é bastanteampla, já merecendo várias resenhas ao longo das décadas. A primeira das resenhas, já clássica, é a de Taylor(1975)[22] e é dedicada em grande medida a crí�cas sobre os estudos anteriores, concluindo que as magnitudesdas elas�cidades são fortemente dependentes da dametodologia empregada. Para a demanda industrial, as elas-�cidades de longo prazo ali computadas variam entre -1,25 a -1,94, bemmais elevadas que os valores encontradosna tabela acima.

O ar�go de Taylor (1975)[22] foi atualizado pelo de Bohi e Zimmerman (1984)[7] que, para o caso da eletri-cidade para o setor industrial, encontra elas�cidades de curto prazo na faixa de -0,18 a -0,60 e, no longo prazo,elas�cidades na ordem de -1,5. Apenas em um dos estudos revisados foram es�madas elas�cidades inferiores aum (em valor absoluto).

Depois da contribuição de Bohi e Zimmerman de 1984, a resenha subsequente foi a de Griffin (1993)[15] cujofoco foi menos em elas�cidades-preço da demanda e mais sobre novas metodologias para modelagem economé-trica da demanda por energia -- tanto sobre a demanda por energia quanto pela sua relação com a escolha deeletrodomés�cos. A par�r destas resenhas, nos anos subsequentes são observados estudos pontuais, sendo osmais próximos em termos de estrutura de dados e metodologia ao realizado aqui o de Bjorner et al. (2001)[6],e o de Fillipini (1995)[13], que u�lizam micro-dados para es�mar a elas�cidade-preço da demanda industrial, noprimeiro caso e, no segundo, da demanda residencial. Sobre o de Bjorner et. al. (2001)[6], observamos elas�ci-

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dades por volta de -0,5, e menores ainda nos modelos que incorporam a heterogeneidade não observável comoefeitos fixos.

Outra literatura importante diz respeito aos estudos para avaliar a sensibilidade da demanda à diferentes pre-ços durante o dia (em inglês, o chamado Time of Use pricing). A maior parte dos trabalhos envolve experimentose coleta de micro-dados dos consumidores no período em volta da introdução da metodologia. Existem duas im-portantes resenhas sobre o tema, conduzidas por Ahmed Faruqui e seus co-autores (Faruqui e Malko (1983)[11]e Faruqui e Sergici (2010)[12]), além da de Aigner (1985)[1]. No primeiro destes ar�gos, os autores descrevemos resultados de 12 experimentos com o consumo residencial e mostram que a elas�cidade-preço da demandaé bem próxima de zero e que há subs�tuição do consumo entre diferentes horários do dia em resposta a estaestrutura de preços. Esta resenha foi atualizada com 15 novos experimentos por Faruqui e Sergici (2010)[12],chegando a conclusões similares.

Especificamente com relação a consumidores industriais, Sheen et. al. (1995)[20] realizam um estudo -- nãoexperimental -- sobre a demanda industrial de eletricidade em Tai�an, encontrando demandas bastante elás�ca apreço nos diferentes segmentos do dia. Outro estudo clássico sobre o assunto é o deAigner eHirschberg (1985)[2],que encontram uma grande elas�cidade de subs�tuição em termos absolutos entre horários de pico e fora de picopara grandes consumidores industriais. Um mais recente e próximo da literatura contemporânea é o de Train eMehrez (1994)[23], que inclusive u�liza uma metodologia similar a apresentada aqui2

Ainda assim, a existência de preços diferentes para dis�ntos horários no dia é apenas parte da estrutura depreços que um consumidor industrial se defronta quando demanda eletricidade. Vamos revisar em mais profun-didade a estrutura de preços de energia elétrica no Brasil na sub-seção seguinte.

2.1 Estrutura Tarifária de Energia Elétrica Industrial

Um ponto importante, e que possui efeitos importantes sobre o resultado da modelagem empírica, diz respeitoao fato que não são u�lizados preços lineares para a energia elétrica, apresentando dis�nções importantes tantoem relação ao paradigma de preços lineares quanto à forma de cobrança da energia elétrica residencial.

No Brasil os consumidores de energia elétrica industrial são classificados emdois grandes conjuntos em funçãodo nível de tensão em que es�vessem conectados. Tais grupos foram definidos desde os anos 80, na publicação``Estrutura Tarifária de Referência para a Energia Elétrica'' (ANEEL 2009)[5], e são iguais para todas as distribuidorasde energia do país:

• Grupo A: consumidores ligados em tensão igual ou superior a 2.300 volts, e subdividido nos seguintes sub-grupos:

– Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a 230 kV;

– Subgrupo A2 - tensão de fornecimento de 88 kV a 138 kV;

– Subgrupo A3 - tensão de fornecimento de 69 kV;

– Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30 kV a 44 kV;

– Subgrupo A4 - tensão de fornecimento de 2,3 kV a 25 kV;

– Subgrupo AS - tensão de fornecimento inferior a 2,3 kV, atendidas a par�r de sistema subterrâneo dedistribuição e faturadas neste Grupo em caráter opcional.

2�om a diferença que eles permitem heterogeneidade nos coeficientes da função demanda individual, e permi�ndo apenas uma modali-dade tarifária de precificação.

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• Grupo B: consumidores ligados em tensão inferior a 2.300 volts.

Para os consumidores que estão nas categorias A3a e A4, com potência contratada de até 300 KW, são oferecidasduas tarifas opta�vas, chamadas Azul e Verde, alémda tarifa assim chamada Convencional, se cons�tuindo emummenude tarifas e um sistemade preços não lineares3. Cada umadestas tarifas se diferencia das outras -- e da tarifaresidencial -- por trabalhar com dois preços: preço da energia e preço da capacidade. O primeiro dos preços, o daenergia, diz respeito ao valor monetário pago pelo fornecimento e consumo do Kwh para o consumidor, enquantoque o preço de capacidade trata do preço pago pelo consumidor para ter a energia disponível4. Caso o consumidoruse energia além da contratada pela capacidade, esta é fornecida a preços muito superiores aos cobrados pelaenergia contratada.

Na chamada ``Tarifa Convencional'', a conta total para um cliente seria dada aproximadamente por:

TC = d× td + e× te

Sendo que d representa a capacidade contratada e e a energia u�lizada, e td e te as tarifas para capacidade eenergia, respec�vamente. Além disso, também existe discriminação dos preços por tempo de uso da eletricidade,com tarifas não lineares5. A primeira destas modalidades é chamada de Tarifa Verde, em que há um preço apenaspara capacidade e dois preços para a energia -- no pico e fora do pico6.

TV = dtVd + eptVep + efpt

Vefp

Nesta modalidade tarifária, ep refere-se à energia cobrada nos horários de pico e efp à energia cobrada noshorários fora de pico. As tarifas nos diferentes horários são marcadas por tVep e tVefp. Finalmente, segundo a TarifaAzul, os consumidores precisam contratar níveis de capacidade tanto para o horário de pico quanto para o horáriofora de pico. Além disso, precisam pagar pelo uso de energia nos dois períodos do dia -- pico e fora de pico. Nestesen�do, a conta total para um cliente industrial na categoria tarifária azul seria de:

TA = dptAdp + dfpt

Adfp + ept

Aep + efpt

Aefp

Em que:

• dp -- Capacidade Contratada para o horário de pico

• dfp -- Capacidade Contratada para o horário fora de pico

• ep-- Uso de Energia no horário de pico

• efp-- Uso de Energia no horário fora de pico

Em certa medida, tanto a Tarifa Azul quanto a Tarifa Verde podem ser considerados como casos especiais da co-nhecida Tarifa em Duas Partes da microeconomia tradicional. A estrutura tarifária não apenas guarda interessecomo um elemento chave do ambiente ins�tucional em que a empresa opera, mas também porque mostra umadas principais limitações dos estudos passados sobre a demanda de energia elétrica. Tal limitação pode explicar

3Esta estrutura foi formulada na mesma época, e mesma publicação mencionada acima.4Usualmente �us�fica-se esta separação de preços com base no argumento que a tarifa por capacidade auxiliaria na recuperação dos custos

fixos, enquanto que a tarifa por energia cobriria os custos marginais da geração da energia consumida.5Note-se que para o caso das tarifas residenciais, n�s temos que a tarifação não linear diz respeito à quan�dade consumida, e não de

acordo com o horário do consumo, como no caso industrial.6Define-se horário de pico como sendo o intervalo de 3 horas diárias no período demaior demanda de potência da empresa de distribuição

de energia, válido apenas para os cinco dias úteis da semana.

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porque os estudos realizados no �rasil usualmente encontram elas�cidades preço tão mais baixas que na lite-ratura internacional, e é relacionado com o fato que os preços apresentados nas séries ali u�lizadas são preçosmédios. �u se�a, as variáveis que são representa�vas de preços naqueles estudos podem ser entendidas comoreceitas médias das operadoras de energia elétrica, e que guardam pouca relação com o preço do MWhmarginaldemandado pelo consumidor. �ais preços médios incluem também o preço do MWh marginal u�lizado pelo con-sumidor sim, mas também todas as alterações sobre as unidades intra-marginais consumidas e, necessariamente,viesam as es�ma�vas das elas�cidades-preço da demanda.

Em resumo, o ambiente de regulação da distribuição de energia elétrica brasileiro u�liza m�l�plas linhas tari-fárias de precificação pelo horário do dia ���� �ricing�, além de preços de capacidade e energia. �este sen�do, amodelagem adequada da demanda industrial de energia brasileira necessita ir além da literatura. Modelos comoo u�lizado por �rain e Mehrez ����������, ainda que se�am um passo na direção certa, modelando a questão da

, não lida com a questão da demanda por energia e por capacidade, pois estão traba-lhando com a demanda residencial. Além disso, só lidam com uma linha tarifária paralela à precificação constanteao longo do dia.

�ara lidar com estes problemas, o presente ar�go lança mão de uma base de dados de empresas, com ospreços diretamente enfrentados por elas, para es�mar as elas�cidades-preço da demanda dos diferentes compo-nentes das tarifas. A seção seguinte detalha a metodologia empregada.

3 Análise Empírica

�este ar�go, iremos propor ummodelo estrutural para modelar a demanda industrial por energia elétrica que vaialém dos modelos expostos acima, e consegue integrar a escolha por modalidade tarifária com a demanda porenergia nos dois horários do dia �pico e fora de pico�. �upõe-se que a empresa use os diferentes �pos de energia ecapacidade mencionados anteriormente, fazendo com que a função de produção possa também ser escrita como

Q = F (ep, efp, dp, dfp, Z)

Em que Q é a quan�dade produzida e Z as quan�dades dos outros insumos, e as outras variáveis definidasanteriormente. �upondo separabilidade fraca e homote�cidade na função de produção, podemos reescrever estafunção da seguinte forma:

Q = F (EE(dp, dfp, ep, efp), Z)

Em que EE é uma medida de energia elétrica agregada. Dadas estas hipóteses, podemos escrever a funçãode custos global da seguinte forma, em que CEE é uma medida de custos da Energia Elétrica:

CT = C(CEE(tep, tefp, tdp, tdfp, Q), PZ, Q)

�om as premissas de homote�cidade e separabilidade fraca, temos que a escolha pode ser modelada emdois estágios; no primeiro, seria determinado qual seria a tarifa escolhida dentro do menu e, em um segundoestágio, são determinadas as diferentes demandas por energia e capacidade dos diferentes produtos. Emespecial,CEE = CA, seCA < CV eCA < CC , emqueCA é o custo de umaquan�dadeEE de energia sob amodalidadeAzul, CV o custo da mesma quan�dade sob a modalidade �erde e CC o custo sob a modalidade convencional.Da mesma forma, CEE = CV se o custo sob a modalidade verde for menor do que sob as outras modalidades.

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Neste trabalho, iremos assumir uma forma funcional para a função de custos da forma PIGLOG:

lnCEE(tep, tefp, tdp, tdfp, Q) = α0 +∑k

αk ln tk +1

2

∑j

∑k

γjk ln tj ln tk +Qβ0Πktβk

k

�azendo a diferenciação logarítmica com respeito a cada um dos preços dos �pos de energia, temos as seguin-tes equações para cada uma das tarifas7:

sk = αk +∑j

γjk ln tj + βiQβ0Πktβk

k

Em que as variáveis sk representam a par�cipação no gasto total da k−ésimo �po de serviço. Podemos es-crever como sendo CEE = RT − PZZ, ou seja, o custo da energia elétrica é igual á diferença entre a receitatotal menos os gastos com os outros insumos e os lucros econômicos. Assumindo que PZZ é uma fração deCEE ,podemos reescrever a equação da seguinte forma:

sk = αk +∑j

γjk ln tj + βi ln(CEE

P

)

Em queCEE é o despêndio total com energia elétrica, conforme definido antes e P é um índice de preços deenergia, assumindo no presente trabalho a forma linearizada de Índice de Stone:

ln P =∑k

sk ln tk

Esta é uma versão doModelo de Demanda Quase Ideal (Almost Ideal Demand System de Deaton eMuellbauer(1980)), muito u�lizado para a modelagem de demanda de produtos homogêneos. Ainda que interessante, a mo-delagem coloca dificuldades adicionais para a es�mação, uma vez que as escolhas entre qual das modalidadestarifárias e a sobre qual �po de energia consumir são inter-relacionadas. Em especial, as equações componentesdo sistema acima serão dis�ntas caso a modalidade tarifária escolhida seja a Azul, a Verde e a �onvencional. �asoignoremos esta possibilidade, podemos obter coeficientes viesados, que representariam tanto a subs�tuição nouso de energia entre os diferentes horários do dia e uma mesma modalidade com a subs�tuição entre diferenteslinhas tarifárias. Uma abordagem similar é a adotada por Lee, Maddala e Trost (1980)[17], que pode ser aplicadaaqui, é a de caracterização deste problema econométrico como sendo uma aplicação de switching simultaneouse�ua�ons. Nesta metodologia, teríamos um modelo em dois estágios. No primeiro deles é selecionada a moda-lidade tarifária, e no segundo estágio, os serviços da modalidade tarifária. Ou seja, se a modalidade escolhida foia Azul, a demanda pelos quatro serviços seria a seguinte:

sep = αep +∑

j γj,ep ln tj + βep ln(CEE

P

)

sefp = αefp +∑

j γj,efp ln tj + βefp ln(CEE

P

)

sdp = αdp +∑

j γj,dp ln tj + βdp ln(CEE

P

)

sdfp = αdfp +∑

j γj,dfp ln tj + βdfp ln(CEE

P

)

Da mesma forma, se a escolha for pela modalidade Verde, temos:

sep = αep +∑

j γj,ep ln tj + βep ln(CEE

P

)

7Greene (198�)[1�] faz modelagem similar para o caso da demanda por �leo diesel combus�vel

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sefp = αefp +∑

j γj,efp ln tj + βefp ln(CEE

P

)

sdp = αdp +∑

j γj,dp ln tj + βdp ln(CEE

P

)

Para lidar com este problema, propõe-se aqui a adição de um termo de sele�vidade para as equações es�-madas sob cada um dos regimes. Este termo de sele�vidade depende de como o modelo de escolha da modali-dade tarifária é especificado -- uma vez que ele é um modelo de escolha discreta. Especificamente neste ar�go,optou-se por modelar a escolha de modalidade tarifária como um �OGI� mul�nomial, como em Dubin e �c�ad-den (1984)[10]. Com esta modelagem, uma equação genérica do sistema de equações acima fica com a seguinteforma -- no exemplo a seguir, supondo que a modalidade escolhida seja a azul:

E(sk|M = A) = αk +∑j

γjk ln tj + βi ln(CEE

P

)+ σ

r1 ln(PA) +

∑j=V,C

rjln(Pj)Pj

(1− Pj)

(1)

Em que σ representaria o desvio-padrão dos erros da equação original, e os termos rj coeficientes especí-ficos a cada um dos componentes de sele�vidade -- que não serão iden�ficados separadamente ao coeficienterj . Ainda que esta especificação leve à es�ma�vas consistentes assinto�camente, temos um problema associadocom a infer�ncia. Em especial, na presença deste termo es�mado entre colchetes, as es�ma�vas são ineficien-tes. Para lidar com este problema, os erros-padrão foram calculados com bootstrapping, com 100 replicações eagrupamento (clustering) por empresa8.

O modelo para a escolha da modalidade tarifária, base para o cálculo da probabilidade de escolha e do fatorde correção de sele�vidade discu�dos acima, se baseia na seguinte função u�lidade para a alterna�va j = Verde,Azul ou Convencional:

Uij = Vij + εj

Em que Vij denota a parte determinís�ca da u�lidade para o consumidor i decorrente de se subscrever àmodalidade tarifária j e o εj a parte idiosincrá�ca9. A u�lidademédia para a escolha damodalidade Convencionalfoi normalizada em zero10 e foi adotada a seguinte parametrização para o termo Vj :

Vij = ϕj0 + ϕj1gi + ϕj2lfpi + ϕj3lpi + ϕj4CEEi + ϕj5 ln Pi + fs + ti

Em que fs são efeitos fixos de setor e ti efeitos fixos de tempo. A categoria ``Convencional'' foi estabelecidacomo categoria base e, por isso, assumiu-se que Vij = 0 para esta categoria. A variável lfp se refere ao fatorde carga no período fora de ponta, e a lp ao fator de carga no horário de ponta. Independentemente do horário,o fator de carga é um índice que demonstra se a energia consumida está sendo u�lizada de maneira racionale econ�mica. Este índice varia entre zero a um, e é ob�do pela relação entre a energia a�va consumida numdeterminado período de tempo e a energia a�va total que poderia ser consumida, caso a demanda medida doperíodo (demanda máxima) fosse u�lizada durante todo o tempo. �inalmente, a variável g representa a razãoentre a demanda de pico e fora de pico. Diferentemente do fator de carga, que envolve tanto energia quantocapacidade, esta variável diz respeito apenas ao uso rela�vo de capacidade nos dois períodos. �ais variáveis são

8�ambém foram tentadas es�ma�vas usando apenas o bootstrapping, sem o agrupamento, e os erros-padrão calculados da forma usual.Os resultados estão disponíveis com pedido aos autores, e não foram reportados. De uma forma geral, os resultados nestas es�ma�vasalterna�vas foram melhores em termos de signific�ncia dos coeficientes, sendo que as conclusões derivadas no texto também seriam válidaspara o caso das alterna�vas.

9Que assume-se que siga uma distribuição de Gumbel (também conhecida como de valores extremos).10Como nossas empresas se encontram acima de 300 kW, elas só escolheriam entre V ou AZ. Os modelos de escolha binária foram ne-

cessários para verde-convencional porque algumas empresas estavam desenquadradas, porque elas ampliam capacidade mas não alteramcontrato. Desse modo, não seria adequado explorar essa escolha com essa base, teríamos de ter uma base com empresas abaixo de 300 kW.

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importantes para a iden�ficação dos coeficientes.Os coeficientes ϕ são indexados de acordo com a alterna�va (dai o subscrito j), de forma a tentar captu-

rar parte da heterogeneidade não observável11, e os erros padrão neste nível são calculados com agrupamento(clustering) por empresa. Este modelo para a escolha de modalidade foi es�mado por �áxima Verossimilhança.

Os modelos do nível inferior, correspondentes �s equações do sistema representado por (1), foram es�madospor Seemingly Unrelated Regression (SUR), com a possível imposição de restrições de homogeneidade e simetriana matriz de Slutsky e efeitos fixos por empresa na equação do nível superior. A principal razão para se decidirpor incluir efeitos individuais apenas na equação de nível superior é que, na presença destes efeitos nas equaçõesdo AIDS, segundo Alston, Chalfant e �iggo� (2001)�3�, temos que o sistema resultante não é mais invariante �unidades de medida dos preços.

As condições de simetria são dadas porβij = βji

E as condições de homogeneidade são: ∑j

βij = 0

Se supusermos que os agentes gastem sempre 100% do dispêndio nestes quatro produtos, podemos adici-onalmente recuperar os coeficientes da equação que não foi diretamente es�mada -- a chamada restrição deadding-up:

∑i

αi = 1

∑i

βij = 0

∑i

γi = 0

3.1 Dados

�ara este ar�go, foi compilada uma base de dados de consumo de energia elétrica por empresa, para o períodoentre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Esta base de dados foi construída a par�r de informações fornecidaspela Eletropaulo, referindo-se a consumidores da categoria industrial pertencentes aos seguintes grupos de tensão(voltagem) na ponta de fornecimento:

• A2 -- De 88 a 138 kV

• A3a -- De 30 a 44 kV

• A4 -- De 2,3kV a 25kV

• AS -- Tensão Inferior a 2,3, atendida pela rede de distribuição comum e faturada dentro deste grupo emcaráter excepcional12.

Estas empresas se caracterizam por ter consumo de mais de 500kW, o que as colocaria na categoria de consu-midores livres especiais. Tais informações dizem respeito a 646 empresas do setor industrial da economia, cujadivisão de acordo com a classificação CNAE a dois dígitos está disposta a seguir:

11Note-se que aqui não se pretende uma interpretação estrutural dos coeficientes es�mados nomodelo de escolha demodalidade tarifária,apenas pretende-se caracterizar as probabilidades de escolha das diferentes modalidades para a construção posterior do termo de seleção daamostra.

12Note-se, todavia que apenas uma empresa estava nesta categoria, assim como na A3a

10

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Tabela 2: Classificação CNAE das empresas da amostraFreq. Part. Válidos Cum.

Plás�co e Borracha 89 13.78 13.78 13.78Veículos Automotores 55 8.51 8.51 22.29Alimentos 51 7.89 7.89 30.19Metalurgia Básica 51 7.89 7.89 38.08Outros produtos químicos 50 7.74 7.74 45.82Prod. metal (excluindo máquinas e equipamentos) 49 7.59 7.59 53.41Máquinas e Equipamentos 45 6.97 6.97 60.37T�x�l 34 5.26 5.26 65.63Máquinas e equipamentos elétricos 32 4.95 4.95 70.59Edição, impressão, reprodução 31 4.80 4.80 75.39Farmac�u�ca 22 3.41 3.41 78.79Vestuário e Acessórios 18 2.79 2.79 81.58Minerais não metálicos 15 2.32 2.32 83.90Celulose, papel 14 2.17 2.17 86.07Diversos 13 2.01 2.01 88.08Mat. eletrônico e comunicação 13 2.01 2.01 90.09Perfumaria, sabões, detergentes 11 1.70 1.70 91.80Extra�va 9 1.39 1.39 93.19Mobiliário 7 1.08 1.08 94.27Máquinas e equipamentos para escritório e de 7 1.08 1.08 95.36informá�caCalçado e Ar�gos de couro 5 0.77 0.77 96.13Outros equip. de transporte 4 0.62 0.62 96.75Prod. metal (excluindo maq. e equip.) 4 0.62 0.62 97.37Refino de petróleo e álcool 4 0.62 0.62 97.99Equipamento hospitalar 3 0.46 0.46 98.45Maq. e equip. elétricos 3 0.46 0.46 98.92Fumo 2 0.31 0.31 99.23Maquinas e Equipamentos 2 0.31 0.31 99.54Bebidas 1 0.15 0.15 99.69Madeira 1 0.15 0.15 99.85Mat. eletrônico e de Comunicação 1 0.15 0.15 100.00Total 646 100.00 100.00

Fonte: Elaboração do Autor.

Podemos observar que, das empresas ali coletadas, temos uma boa dispersão em termos de setores cobertospela amostra, sendo que amaior par�cipação de empresas é no setor de Plás�cos e Borracha, com apenas 13,78�da amostra. �etores intensivos no uso de energia, como o de metalurgia, são rela�vamente pouco importantesna amostra. Em termos das escolhas de menus tarifários, a figura a seguir mostra a distribuição das escolhas dasempresas ao longo do tempo.

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Figura 1: Categorias Energia

42.260

8.204

49.536

0 10 20 30 40 50percent

VERDE

CONV.

AZULtip

o de

mod

alid

ade

Podemos notar que a maior parte das empresas -- cerca de 50� delas -- u�liza a tarifa do �po A���, enquantoque aproximadamente 42� u�liza a tarifa do �po �E�DE. � restante das observaç�es �pares empresa�mês) per-tence a empresas que, ao longo do período, mudaram de menu tarifário e passaram pela tarifa convencional deenergia. A existência destas observaç�es com a modalidade convencional faz com que torne possível a u�lizaçãodesta categoria como base na etapa de seleção do modelo.

�abela 3: Esta�s�cas Descri�vas

N Média Máx Mín Desv. Pad.sep 38333.000 0.137 1.000 -0.015 0.129sefp 38333.000 0.508 1.000 0.000 0.147sdp 38333.000 0.166 0.786 0.000 0.184sdfp 38333.000 0.190 1.000 0.000 0.123vep 38512.000 12572.995 3.47e+05 -238.086 19521.373vefp 38512.000 57176.113 2.70e+06 0.000 1.19e+05vdp 38512.000 26962.504 9.53e+05 0.000 60656.559vdfp 38512.000 12197.432 2.34e+05 0.000 13749.374tdp 38512.000 18.290 34.534 7.470 9.511tdfp 38512.000 8.975 34.347 3.093 3.124tep 38512.000 445.484 910.143 72.099 312.854tefp 38512.000 106.428 182.343 50.779 29.953g 38511.000 0.091 8.603 0.000 0.061lp 38427.000 0.661 2.046 0.000 0.233lfp 38510.000 0.504 1.745 0.002 0.183P 38512.000 4.007 4.538 3.234 0.221CEE 38333.000 10.865 15.203 5.069 1.251

Na tabela anterior, temos que as variáveis sefp, sep, sdp e sdfp dizem respeito � par�cipação nos gastos dasempresas em um determinadomês com o consumo de energia �fora de ponta e nos horários de ponta, respec�va-mente), e com a aquisição de capacidade -- igualmente separado em ponta e fora de ponta. Em termos de valor,as variáveis vep, vefp, vdp e vdfp dizem respeito ao dispêndio com energia e capacidade, tanto no horário fora deponta e no horário de ponta. Aproveitando a notação da seção anterior, temos queCEE = vep+vefp+vdp+vdfp.

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�a tabela anterior, podemos notar que em média, a maior par�cipação nos gastos é de energia fora de ponta(sep), em média correspondendo a aproximadamente 59% do dispêndio, enquanto que os gastos com a capaci-dade vêm depois, sendo que nenhum dos �pos de gasto com capacidade chegue a ��%. Em termos de preços, osvalores são muito maiores para o consumo do que para a capacidade.

Antes de passarmos aos resultados damodelagemempírica propriamente dita, são necessárias algumas consi-derações referentes � estratégia de iden��cação u�li�ada. Em primeiro lugar, é importante ter emmente que estaé uma base de microdados de empresas, e não há discriminação de primeiro grau -- ou seja, todas as empresasenfrentam os mesmos preços para uma mesma modalidade. Neste sen�do, não há endogeneidade entre preçocobrado de uma empresa e a quan�dade de serviço consumida por esta mesma empresa. Além disso, estes pre-ços são determinados dentro de um processo regulatório de revisão tarifária, com uma certa antecedência e combase nos critérios da agência de regulação por preços. Ou seja, o preço aqui não é determinado pela intersecçãoentre a curva de receita marginal com a curva de custo marginal, e sim com base nas decisões da ANEEL.

�inalmente, a questão de caracterís�cas omi�das da empresa no modelo de demanda por serviços, dentrode uma modalidade, está enfrentada com o modelo de seleção de modalidade. Nesta modalidade de switchingsi���t�n���s ������ns, o termo de correção por sele�vidade também considera os efeitos das caracterís�casdas empresa -- por meio de dummies setoriais. Tendo feito estas considerações, são apresentados os resultadosdo modelo de escolha discreta da modalidade.

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Tabela 4: Modelo -- ModalidadeModelo 1 Modelo 2

Mod. AZULg -4.104 -0.831 **

(-0.934) (-3.064)lp 0.396 -0.763

(0.560) (-0.788)lfp -4.079 *** -3.113 **

(-3.382) (-2.972)P -7.211 *** -83.460 ***

(-11.933) (-6.093)CEE 3.128 *** 2.568 ***

(11.336) (7.668)Constante 1.116 303.705 ***

(0.451) (97.233)Mod. VERDEg -9.232 -3.373

(-1.897) (-1.088)lp -2.218 ** -4.129 ***

(-3.227) (-4.070)lfp -3.492 *** -1.858 *

(-3.422) (-2.052)P -3.799 *** -76.434 ***

(-6.865) (-5.604)CEE 2.259 *** 1.741 ***

(10.815) (6.371)Constante -1.273 288.296

(-0.580) (.)Dummies de Tempo No YesDummies de Setor No YesNumber of Obs. 38248 38248Pseudo R2 0.359 0.499Chi-Squared. 456.823 .P-Val. Chi2 0.000 .O�S: Esta�s�cas t em par�nteses. C�digos: P-Valor<0.01 ***, P-Valor<0.05 ** andP-Valor<0.1 *.

Como podemos notar na tabela acima, a diferença entre as duas colunas da tabela acima está na incorporaçãode variáveis dummies de tempo e de setor, o que eleva o Pseudo-R2 para aproximadamente 50%. Podemos notarque nos dois casos, um aumento no preço médio da energia, medido pelo índice P, reduz a disposição a escolherqualquer uma das modalidades, em relação ao caso base da tarifa convencional. Além disso, quanto maior foro disp�ndio com energia, maior o incen�vo do consumidor se mover da tarifa convencional para qualquer umadas tarifas opta�vas, Azul ou Verde. Em termos de implicaç�es sobre o comportamento do consumidor, o modelocom dummies setoriais e de tempo aparentemente mostra resultados mais plausíveis. Na tabela a seguir, temosas elas�cidades cruzadas entre as modalidades Verde e Azul nos dois modelos.

A tabela acima mostra uma maior subs�tuição entre as modalidades no caso em que temos as dummies desetor e tempo no modelo, com uma elas�cidade média entre as empresas da ordem de 0,2 -- ou se�a, com umaumento de 1% em P, há uma mudança entre as modalidades da ordem de 0,2%. Nos modelos sem os efeitosfixos de setor e de tempo, esta subs�tuição é da ordem de 0,02, implicando que não haveria subs�tuição entre asmodalidades, o que é pouco plausível. Com relação aos modelos específicos para as modalidades Azul e Verde,

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Tabela 5: Elas�cidades -- Nível Superior

N Média Mínimo Máximo Desv. Pad.Elast Azul-Verde (1) 38248 0.020 0.000 0.055 0.010Elast Verde-Azul (1) 38248 0.010 0.000 0.028 0.005Elast Azul-Verde (2) 38248 0.222 0.000 0.604 0.133Elast Verde-Azul (2) 38248 0.203 0.000 0.553 0.121

os resultados estão a seguir. Em cada tabela observamos quatro colunas, duas associadas com cada um dosmodelos de escolha discreta, sem ou com as dummies de tempo e de setor -- com os valores de termos de seleçãoespecí�cos de cada modelo. Em cada par de colunas temos o modelo sendo es�mado com e sem as restriç�es dehomogeneidade e simetria13.

Tabela 6: Modelo Modalidade Azul

Sem R.(a) Com R. (b) Sem R. (c) Com R. (d)

Eq. (sep)ln(tDP ) -0.050 -0.058 -0.026 -0.059 *

(-1.655) (-1.620) (-1.464) (-2.355)ln(tDFP ) 0.086 *** 0.054 ** 0.076 *** 0.058 ***

(4.745) (2.597) (7.676) (3.980)ln(tEP ) -0.098 ** -0.025 -0.099 ** -0.036

(-3.010) (-1.234) (-3.067) (-1.842)ln(tEFP ) 0.120 *** 0.029 0.104 *** 0.037 *

(3.562) (1.814) (3.680) (2.310)ln(CEE/P) -0.019 ** -0.007 -0.014 * -0.009 *

(-2.845) (-1.397) (-2.396) (-1.988)ln(PA)-Mod.1 0.034 *** 0.036 ***

(6.568) (6.703)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.050 -0.124 ***

(-1.359) (-3.973)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 0.104 *** 0.033 **

(5.530) (2.681)ln(PA)-Mod.2 0.021 *** 0.020 ***

(4.302) (4.347)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.075 -0.098

(-1.166) (-1.344)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 0.082 *** 0.039 ***

(4.474) (3.330)Constante 0.240 ** 0.244 *** 0.210 ** 0.274 ***

(2.690) (4.417) (2.627) (5.021)Eq. (sefp)ln(tDP ) -0.129 0.244 *** -0.163 * 0.173 ***

(-1.542) (5.269) (-2.496) (4.841)ln(tDFP ) 0.104 * -0.161 *** 0.144 *** -0.139 ***

(2.240) (-5.327) (3.945) (-6.035)ln(tEP ) -0.216 *** 0.029 -0.250 *** 0.037 *

(-4.510) (1.814) (-5.049) (2.310)ln(tEFP ) 0.238 *** -0.112 *** 0.312 *** -0.071 **

(4.582) (-4.004) (6.938) (-2.786)ln(CEE/P) 0.074 *** 0.093 *** 0.051 *** 0.065 ***

(8.601) (12.800) (6.254) (11.049)ln(PA)-Mod.1 -0.028 -0.030

(-1.876) (-1.951)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.029 -0.125

(-0.382) (-1.650)

Con�nua na pr�xima página.

13A terceira restrição, de adding-up, é usada para se recuperar os coe�cientes da equação não es�mada.

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Cont. Sem R. (a) Com R. (b) Sem R. (c) Com R. (d)

ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 -0.173 *** -0.243 ***(-3.627) (-6.671)

ln(PA)-Mod.2 -0.024 -0.029(-1.368) (-1.679)

ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 0.272 0.073(1.679) (0.407)

ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 -0.031 -0.113 ***(-0.738) (-3.916)

Constante 0.043 -0.495 *** 0.154 -0.260 ***(0.381) (-6.499) (1.437) (-4.281)

Eq. (sdp)ln(tDP ) 0.257 ** -0.373 *** 0.318 *** -0.232 ***

(3.255) (-5.643) (5.256) (-4.482)ln(tDFP ) -0.206 *** 0.187 *** -0.262 *** 0.118 ***

(-4.624) (4.275) (-7.666) (3.500)ln(tEP ) 0.200 *** -0.058 0.222 *** -0.059 *

(4.428) (-1.620) (4.409) (-2.355)ln(tEFP ) -0.189 *** 0.244 *** -0.263 *** 0.173 ***

(-3.811) (5.269) (-5.850) (4.841)ln(CEE/P) -0.050 *** -0.065 *** -0.029 *** -0.041 ***

(-5.130) (-7.377) (-3.494) (-5.999)ln(PA)-Mod.1 0.041 ** 0.044 *

(2.787) (2.334)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.109 -0.034

(-1.274) (-0.393)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 0.190 *** 0.236 ***

(3.516) (4.934)ln(PA)-Mod.2 0.024 0.028

(1.145) (1.341)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.414 * -0.156

(-2.112) (-0.668)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 0.043 0.102 **

(0.902) (3.065)Constante 0.212 0.987 *** 0.121 0.742 ***

(1.772) (8.534) (1.105) (9.455)Number of Obs. 19043 19043 19040 19040R-sq 1st eqn. 0.186 0.146 0.143 0.108R-sq 2nd eqn. 0.243 0.216 0.220 0.175R-sq 3rd eqn. 0.121 0.077 0.069 0.020

O�S� �s�m�to�c t Stats �n Parent�eses. Codes� P-value<0.01 ***, P-value<0.05 ** and P-value<0.1 *.

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Tabela 7: Modelo Modalidade VerdeSem R. (e) Com R. (f) Sem Restr. (g) Com Restr. (h)

Eq. (sep)ln(tDFP ) -0.273 *** -0.042 0.075 0.115 *

(-4.689) (-0.933) (1.065) (2.266)ln(tEP ) 0.498 *** 0.058 -0.062 -0.069

(9.023) (1.092) (-0.782) (-1.211)ln(tEFP ) -0.036 ** -0.016 -0.044 *** -0.047 ***

(-2.705) (-0.937) (-3.447) (-3.927)ln(CEE/P) -0.082 *** -0.070 *** -0.030 ** -0.030 **

(-6.479) (-4.353) (-3.102) (-3.141)ln(PV )-Mod.1 0.005 0.011

(0.327) (0.799)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.056 -0.099

(-1.267) (-1.608)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.1 -0.600 *** -0.579 ***

(-14.919) (-12.486)ln(PV )-Mod.2 -0.014 -0.015

(-0.705) (-0.767)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.2 -0.367 *** -0.367 ***

(-9.025) (-10.065)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.003 -0.016

(-0.029) (-0.126)Constante -2.126 *** 0.144 0.675 0.639 **

(-8.649) (0.547) (1.879) (2.617)Eq. (sefp)ln(tDFP ) 0.094 -0.136 *** -0.065 -0.122 ***

(1.856) (-7.595) (-1.095) (-7.556)ln(tEP ) -0.406 *** -0.016 -0.082 -0.047 ***

(-7.856) (-0.937) (-1.183) (-3.927)ln(tEFP ) 0.157 *** 0.139 *** 0.207 *** 0.207 ***

(10.621) (8.434) (19.540) (21.502)ln(CEE/P) 0.164 *** 0.155 *** 0.084 *** 0.084 ***

(11.918) (10.254) (9.456) (8.598)ln(PV )-Mod.1 0.033 * 0.028

(2.052) (1.853)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.215 *** -0.183 **

(-3.344) (-2.817)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.1 0.403 *** 0.387 ***

(12.262) (9.502)ln(PV )-Mod.2 0.012 0.013

(0.863) (1.003)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.2 0.227 *** 0.227 ***

(6.678) (7.434)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.241 * -0.228

(-2.007) (-1.682)Constante 1.484 *** -0.485 *** -0.133 -0.247 ***

(6.283) (-4.288) (-0.418) (-3.409)Number of Obs. 16228 16228 16229 16229R-sq 1st eqn. 0.362 0.354 0.274 0.273R-sq 2nd eqn. 0.371 0.366 0.304 0.304O�S: �s�mpto�c t Stats in Parentheses. Codes: P-value<0.01 ***, P-value<0.05 ** and P-value<0.1 *.

Podemos notar a par�r dos resultados da tabela acima, em primeiro lugar, que os termos de seleção dasdiferentes equações são significantes em todas elas, indicando que se ignorarmos os efeitos dos preços sobre aprobabilidade de mudança de modalidade tarifária pode levar a vieses importantes sobre a sensibilidade a preçodas margens relevantes da demanda por eletricidade.

� par�r destas es�ma�vas, � poss�vel calcular as elas�cidades para cada �po de serviço sobre as modalidades:

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�abela 8� Elas�cidades -- Modalidade �zulModelo (a) Modelo (b)

tep tefp tdp tdfp tep tefp tdp tdfp

ep -1.697*** 0.951*** -0.341 0.656*** -1.178 0.236*** -0.413*** 0.407***(0.232) (0.270) (0.219) (0.135) (0.146) (0.125) (0.264) (0.149)

efp -0.446*** -0.605*** -0.278*** 0.177 0.031*** -1.313*** 0.450*** -0.351***(0.093) (0.108) (0.165) (0.092) (0.030) (0.059) (0.090) (0.060)

dp 1.249*** -0.988*** 0.600*** -1.187*** -0.293 1.671*** -3.185*** 1.201***(0.268) (0.317) (0.477) (0.269) (0.210) (0.297) (0.396) (0.266)

dfp 0.604*** -0.878*** -0.410*** -0.908*** 0.301*** -0.794*** 1.003*** -1.403***(0.071) (0.121) (0.197) (0.117) (0.110) (0.162) (0.230) (0.152)

Modelo (c) Modelo (d)tep tefp tdp tdfp tep tefp tdp tdfp

ep -1.708*** 0.812*** -0.171 0.579*** -1.254*** 0.307*** -0.422*** 0.437***(0.230) (0.227) (0.131) (0.074) (0.139) (0.130) (0.187) (0.103)

efp -0.506*** -0.436*** -0.338*** 0.265*** 0.056*** -1.206*** 0.319*** -0.298***(0.096) (0.094) (0.129) (0.072) (0.031) (0.053) (0.070) (0.045)

dp 1.363*** -1.496*** 0.948*** -1.547*** -0.323*** 1.168*** -2.356*** 0.758***(0.300) (0.286) (0.367) (0.206) (0.150) (0.224) (0.311) (0.203)

dfp 0.671*** -0.785*** -0.676*** -0.772*** 0.316*** -0.692*** 0.635*** -1.180***(0.077) (0.101) (0.151) (0.077) (0.076) (0.124) (0.177) (0.116)

O��� Erros �adrão calculados com o Método �elta. *** -- Elas�cidades signi�cantesa cinco por cento.

Os resultados das tabelas acima nos permitem �rar algumas conclus�es importantes sobre as caracter�s�casda demanda industrial por energia elétrica. Em primeiro lugar, temos que para todos os serviços a demandaé bastante elás�ca a preço, indicando que a resposta da quan�dade demandada do serviço (seja ele energia oucapacidade) a umaumento de 1�no preço do serviço émuito superior a 1�. �lémdisso, o padrão de elas�cidadescruzadas é tal que e�iste subs�tuição ao longo do dia -- ou seja, em resposta a um aumento no preço do serviçoem apenas uma parte do dia, os consumidores deslocam sua demanda para a parte do dia em que este preço nãosubiu. Outro ponto interessante dos resultados é que este deslocamento da demanda é mais intenso do horáriode pico para o horário fora de pico do que o contrário.

�inalmente, as elas�cidades cruzadas nega�vas entre energia e capacidade são indica�vas de complementa-riedade entre os dois bens -- ou seja, uma elevação do preço da energia no horário fora de pico reduz a demandapor energia neste horário além de reduzir a capacidade.

� seguir, temos o cálculo das elas�cidades-preço e cruzadas para as empresas na modalidade �erde.

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Tabela 9: Elas�cidades -- Modalidade VerdeModelo (e) Modelo (f)

tep tefp td tep tefp td

ep 2.730*** 0.042 -1.882*** -0.505 0.141 -0.210(0.406) (0.132) (0.425) (0.383) (0.177) (0.334)

efp -0.844*** -0.856*** 0.124 -0.074*** -0.881*** -0.325***(0.102) (0.041) (0.100) (0.032) (0.046) (0.038)

d -0.425 -0.417*** 0.024 -0.160 -0.420*** 0.021(0.251) (0.080) (0.247) (0.236) (0.082) (0.245)

Modelo (g) Modelo (h)tep tefp td tep tefp td

ep -1.428*** -0.214 0.593 -1.474*** -0.231*** 0.887***(0.584) (0.110) (0.518) (0.415) (0.104) (0.373)

efp -0.185 -0.676*** -0.159 -0.115*** -0.676*** -0.272***(0.137) (0.026) (0.117) (0.023) (0.025) (0.033)

d 0.802*** -0.712*** -1.000*** 0.648*** -0.701*** -0.912***(0.325) (0.049) (0.290) (0.268) (0.046) (0.258)

OBS: Erros Padrão calculados com o Método Delta. *** - Significante a5 por cento

Os resultados aqui indicam que a demanda por energia nos horários de pico é elás�ca, enquanto que a de-manda por energia nos horários fora de pico e a demanda por capacidade são inelás�cas. Sobre o padrão desubs�tuição e complementariedade, apenas energia de ponta e capacidade são subs�tutos, enquanto que ener-gia fora de pico e capacidade são subs�tutos entre si, bem como energia no horário fora de pico e capacidade.Ou seja, a uma elevação no preço da energia fora de pico, há uma redução na demanda por energia no horáriode pico, e de capacidade contratada também.

Estes resultados parecemdis�ntos dos ob�dos para amodalidade azul, mas é importante ter emmente opapelda capacidade contratada neste caso. Uma unidade de capacidade usada no horário de pico significa que existeuma unidade de capacidade a menos dispon�vel para o horário fora de pico e vice-versa. Neste sen�do, podemosinterpretar a resposta à elevação de preços da energia fora de pico da seguinte forma: em resposta a esta elevaçãoda tarifa de energia, a empresa reduz seu consumo agregado de energia. No entanto, esta redução é assimétricaao longo do dia, sendo que o consumo de fora de pico é menor e para absorver parte desse deslocamento aempresa adquire mais unidades de capacidade.

Podemos, a par�r dos resultados das elas�cidades discu�dos anteriormente, fazer um exerc�cio de simulaçãoreferente àsmudanças tarifárias propostas entre o ano de 2012 e o ano de 2013. Na tabela a seguir, sãomostradosos resultados, computados a par�r das elas�cidades dos modelos (d) -- para a modalidade AZUL -- e (h) para amodalidade VERDE.

Tabela 10: Mudanças Tarifárias e Efeitos sobre Quan�dadesAZUL VERDE

Tipo Var. Preço Var. Qtde Tipo Var. Preço Var. Qtdeep -9.10% 8.11% ep -9.10% -38.28%efp -9.30% 10.08% efp -9.30% 23.84%dp -29.60% 39.38% d -60.70% 55.98%dfp -29.60% 19.69%

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Esta tabela nos indica que, com a redução proposta nos preços dos serviços -- e mantendo constante a dispo-sição a se manter em umamesma modalidade tarifária -- haverá uma mudança no consumo de energia, da pontapara os horários fora de ponta. No caso da modalidade Verde, o movimento é mais forte, sendo que a energia deponta se reduz e a fora de ponta aumenta. No caso da modalidade Azul, o que acontece é que a energia de pontaaumenta menos do que a fora de ponta.

4 Conclusões

Neste ar�go, foi proposto um modelo econométrico para a demanda por energia elétrica e capacidade dos con-sumidores industriais brasileiros. Diferentemente dos consumidores residenciais, os consumidores industriaisbrasileiros, além de consumir energia e capacidade, também enfrentam um menu de tarifas com discriminaçãode preços por horário do dia (o chamado Time of Use Pricing). Além disso, cada uma das três linhas tarifárias(Azul, Verde ou Convencional) também possui diferentes componentes e discriminação de preços. Todas estascaracterís�cas combinadas colocam um problema empírico que, até o momento, não foi enfrentado de formaconjunta na literatura.

Uma vez que a escolha por estas linhas tarifárias não é mandatória -- os consumidores escolhem qual das trêslinhas tarifárias é a mais adequada para eles -- a es�ma�va da demanda por energia e capacidade em cada umadas modalidades tarifárias sem levar em consideração o problema da escolha da modalidade tarifária acabariapor viesar os coe�cientes es�mados das funç�es de demanda. �ara lidar com este problema, inicialmente foies�mado ummodelo de escolha discreta mul�nomial para, em ummomento posterior, u�lizar as probabilidadesde escolha de forma a garan�r que as es�ma�vas dos coe�cientes fossem não-viesadas.

Esta metodologia foi aplicada em uma amostra não-aleatória de 646 grandes consumidores industriais brasi-leiros (com demandas acima de 300 KW), para um período entre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Observa-mos que as demandas pelos diferentes serviços (capacidade e energia, separados por horário de pico e horáriofora de pico) são elás�cas a preços e, pelo menos na modalidade A�U�, há complementariedade entre energia ecapacidade nos diferentes períodos do dia.

Além disso, conclus�es sobre a estrutura de tarifas que se baseiam em es�ma�vas de elas�cidade-preço dademanda de eletricidade agregada, sem a desagregação do consumo nos diferentes horários do dia, podem gerarconclus�es de polí�ca incorretas. As es�ma�vas de elas�cidade preço da energia elétrica industrial na literaturabrasileira avaliam basicamente o consumo médio de energia, mas o sistema de preços adotado pela Agênciareconhece a import�ncia de se dis�nguir uso de energia e capacidade (�W), sendo que a �l�ma determina odimensionamento dos sistemas dedistribuição e consequentemente os inves�mentos. Sem informação adequadaas previsoes de inves�mentos podem ser ser excessivas ou insu�cientes. Dai a import�ncia de se conhecer o graude subs�tuição entre energia e potência nos dois períodos, sendo esta uma contribuição original do presentetrabalho.

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ç

elétrica

elétrica

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A VARIÁVEL INDÍGENA NO PROCEDIMENTO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE HIDRELÉTRICAS

 

 

Autores:  

Fabricio  Soler  –  Sócio  da  Área  Ambiental  no  Felsberg  Advogados  Associados.   Informações  de  contato:  e-­‐mail  

[email protected];  telefone  (11)  3141-­‐4532.  

Caroline   Medeiros   Rocha   –   Advogada   no   Felsberg   Advogados   Associados.   Informações   de   contato:   e-­‐mail  

[email protected];  telefone:  (11)  3141-­‐9119  e  (11)  98612-­‐4245.  

 

 

 

RESUMO  

 

Este   artigo   discutirá   os   desdobramentos   de   um   dos   projetos   de   usinas   hidrelétricas   no   Brasil.  

Empreendimentos  de  hidroeletricidade  são  complexos  não  apenas  pelo  alto  dispêndio  exigido,  mas  também  

pela  riqueza  de  seus  conflitos  jurídicos.  Nesse  sentido,  a  judicialização  do  licenciamento  do  AHE  São  Luiz  do  

Tapajós   foi   significativa.   Ela   traz   como   principal   alegação   o   descumprimento   da   Convenção   nº   169   da  

Organização  Internacional  do  Trabalho  que  prevê  o  princípio  da  consulta  livre,  prévia  e  informada  aos  povos  

afetados  pelo  empreendimento  que  se  intenta  licenciar.  A  proposta  estuda  do  governo  de  compatibilização  

dos   interesses   em   voga   é     instaurar   royalties   a   serem   pagos   para   os   indígenas   pela   exploração   de   seus  

recursos   hídricos.   Pretende-­‐se   avaliar,   no   âmbito   do   procedimento   licenciatório,   o   peso   dos   direitos   das  

comunidades   indígenas,   assim   com  do  desenvolvimento  nacional,   através   de   uma   análise   do  papel   destes  

projetos  para  o  Brasil.  

 

 

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Hidroelétrica,  Povos  Indígenas,  Princípio  do  Consentimento  Livre,  Prévio  e  Informado.  

 

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1. INTRODUÇÃO  

 

O  crescente  desenvolvimento  econômico  e  social  do  Brasil  demanda  grandes  obras  e  investimentos  

em   infraestrutura,   sendo   a   geração   de   energia   elétrica   um   dos  maiores   desafios   que   o   país   enfrenta   neste  

século.   Não   apenas   pela   vultuosidade   dos   recursos   necessários,   mas   também   pelas   peculiaridades   que  

levantam   as   discussões   relacionadas,   tais   como   a   importância   de   se   buscar   um   equilíbrio   entre   o  

desenvolvimento   sustentável,   por   meio   do   uso   de   fontes   renováveis,   limpas   e   eficientes   e   os   direitos   das  

comunidades  afetadas  por  tais  empreendimentos.  

O  Brasil   escolheu  como  uma  das  principais   fontes  de  energia  as  provenientes  de  hidrelétricas,   em  

razão  de   seu  potencial   de   exploração.   Entretanto,   esse  potencial   se   encontra   em  grande  parte   em  áreas   de  

relevância   ambiental,   tal   como  a  Amazônia.  A   localização  desses  projetos  pressupõe  desafios   relacionados   a  

impactos   socioambientais.  Um  dos  mais   judicializados   é   o   conflito   que   ocorre   quando   a   construção   de   uma  

usina  implica  em  impactos  em  terras  indígenas.    

A   Constituição   de   1988   no   art.   231   §3°   dita   que   serão   garantidos   os   direitos   originários   das  

comunidades   indígenas   sobre   as   terras   que   tradicionalmente   ocupam,   incluindo   direitos   sobre   o  

aproveitamento  de  seus  recursos  hídricos,  assim  como  seus  potenciais  energéticos.  Contudo,  este  artigo  não  

foi  regulamentado,  dependendo  disso  para  a  sua  efetivação.  

Com  o  marco  regulatório  da  Constituição,  não  regulamentado  por  lei  até  o  presente  momento,  torna  

complexa  a  absorção  da  variável  indígena  no  âmbito  do  processo  de  licenciamento  ambiental  de  hidrelétricas,  

o   qual   implica,   obrigatoriamente,   em   consultas   à   FUNAI   e   a   essas   comunidades,   o   que   pode   representar  

restrições  ou  proibições  à  sua  consecução.  Por  outro  lado,  o  Brasil  possui  um  urgência  de  geração  de  energia  

sustentável.  

Dessa  forma,  vale  mencionar  a  importância  de  um  instrumento,  cuja  proposta  é  de  aproximar  essas  

comunidades  do  empreendimento,  possibilitando  às  mesmas  conhecerem  em  maior  profundidade  e  detalhes  a  

usina  hidrelétrica  prevista  para  ser  implantada.  Em  contrapartida,  está  em  discussão  o  pagamento  de  royalties  

as   populações   indígenas,   que   visa   sinalizar   nova   abordagem   na   resolução   de   conflitos   etnoecológicos,  

envolvendo  obras  de  infraestrutura  e  comunidades  afetadas,  podendo,  desta  forma,  por  meio  da  compensação  

financeira  restabelecer  o  equilíbrio  ecológico  da  região  afetada  e  a  sustentabilidade  do  empreendimento.  

 

2. MÉTODO  

 

O  objetivo  dessa  pesquisa  é  avaliar  o  papel  das  comunidades  indígenas  no  caso  do  desenvolvimento  

de   empreendimentos   hidrelétricos,   e   consequentemente   a   construção   de   barragens   em   terras   que   possam  

impactar  suas  vidas.  

A  pesquisa   foi   predominantemente   analítica,   sendo  baseada  em   levantamento  de  dados  oficiais   e  

literatura  sobre  o  assunto.  Primeiramente,  buscou-­‐se  avaliar  se  a  energia  hidrelétrica  poderia  ser  considerada  

sustentável.  A  partir  daí  o  foco  foi  determinar  qual  a  importância  da  hidroeletricidade  na  matriz  energética  do  

Brasil.  Uma  vez  estabelecidas  tais  premissas,  voltou-­‐se  as  atenções  para  conflitos  pontuais  entre  comunidades  

afetadas  e  as  barragens  para  fins  de  energia.  

Elegeu-­‐se   então   o   caso   da   AHE   São   Luiz   do   Tapajós   como   exemplo,   em   razão   da   fase   de  

licenciamento  que  se  encontra,  sua  atualidade  e  riqueza  de  decisões  judiciais.  Após  analisados  os  argumentos  

principais  para  o  pedido  de  embargo  da  obra,   foi  possível   identificar  o  problema   jurídico   central  neste   caso,  

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este   sendo   o   cumprimento   do   princípio   do   consentimento   livre,   prévio   e   informado.  O   desenvolvimento   da  

pesquisa  seguiu  na  identificação  dos  limites  de  tal  princípio  e  suas  obrigações  e  respectivas  regulamentações.    

A   última   fase   constituiu   –   uma   vez   identificada   a   importância   desses   empreendimentos,   os  

argumentos   jurídicos  para   impedir  que  tais  sejam  realizados  e  as  limitações  desses  argumentos  –  em  realizar  

uma  prospecção  futura  sobre  se  a  solução  hoje  estudada  pelo  Governo  de  criação  de  royalties,  nos  termos  do  

artigo  231  da  Constituição  Federal,  seria  ou  não  satisfatória  para  sanar  os  entraves   jurídicos  apresentados  no  

AHE  São  Luiz  do  Tapajós.  

 

3. A  HIDROELETRICIDADE  

 

A  energia  hidrelétrica  tem  se  desenvolvido  como  uma  fonte  energética  segura,  confiável  e  barata.  O  

conhecimento   de   como   gerenciar   de   forma   responsável   os   impactos   sociais   e   ambientais   tem   aumentado  

consideravelmente   nas   últimas   décadas.   Ela   é   a   maior   fonte   de   energia   sustentável   no   mundo,   ainda   com  

potencial  para  futuros  desenvolvimentos.  1  

Sendo  responsável  por  16.3%  da  energia  elétrica  mundial   (cerca  de  3.500  TWh  em  2010),  mais  do  

que  energia  nuclear  (12,8%)  e  muito  mais  do  que  energia  eólica,  solar,  geotérmica  e  outras  fontes  combinadas  

(3,6%),   a   hidroeletricidade   permanece,   em   termos   percentuais,   consideravelmente   abaixo   da   energia  

proveniente   de   combustíveis   fósseis   que   representa   67.2%   da   força  mundial.2   Neste   sentido,   quatro   países,  

China,  Brasil,  Canadá  e  Estados  Unidos  juntos  produzem  metade  da  energia  hidrelétrica  do  mundo,  e  se  forem  

juntados   com   as   produções   da   Rússia,   Índia,   Noruega,   Japão,   Venezuela   e   Suécia,   esse   percentual   aumenta  

para  70%.  

 

Tabela  1:  10  maiores  produtores  de  hidroeletricidade  em  2010  

País   Hidroeletricidade   Percentual  de  geração  elétrica  (%)  

China   694   14.8  

Brasil   403   80.2  

Canadá   376   62.0  

Estados  Unidos   328   7.6  

Rússia   165   15.7  

Índia   132   13.1  

Noruega   122   95.3  

Japão   85   7.8  

Venezuela   84   68  

Suécia   67   42.2  Fonte:  International  Energy  Agency  -­‐    IEA.  3  

 

Todavia,   na   década   de   90   e   nos   anos   2000   houve   uma   diminuição   no   desenvolvimento   de  

empreendimentos  ligados  a  construção  de  grandes  represas  para  a  geração  de  energia,  isso  foi  decorrente  de  

controvérsias   locais   e   internacionais,   entre   outros   fatores.   Culminando   no   estabelecimento   da   Comissão  

Mundial  de  Represas  (World  Commission  on  Dams  –  WCD)  e  na  publicação,  em  novembro  de  2000  “Dams  and  

Development:   A   new   framework   for   decision-­‐making”.4   Em   2003,   o   Banco  Mundial   aprovou   um  documento  

                                                                                                                         1  International  Energy  Agency,  “Technology  Roadmap:  Hydropower”,  2012.  2  International  Energy  Agency,  “Technology  Roadmap:  Hydropower”,  2012.  3  International  Energy  Agency,  “Technology  Roadmap:  Hydropower”,  2012.  4  World  Commission  on  Dams,  “Dams  and  Development:  A  new  framework  for  Decision-­‐making”,  2000.  

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que  apoiava  energia  sustentável  –  “Water  Resources  Sector  Strategy”.  Já  em  2009,  ele  ressaltou  a  importância  

de   uma   infraestrutura   para   o   futuro   desenvolvimento   da   hidroeletricidade   sustentável   que   seja   compatível  

com  vários  propósitos.  

Contudo,   existem   opiniões   diversas   sobre   a   classificação   de   energia   hidrelétrica   como   uma   fonte  

sustentável,  algumas  contrárias,  como  a  de  Célio  Bermann5,  e  outras  a  favor,  como  a  da  National  Association    

for   Regulatory   Utility   Commissioners   –   NARUC,   entidade   estadunidense   representante   dos   Comissários   de  

Serviços   Públicos  que   regulam   serviços   essenciais.   A  NARUC  publicou  em  novembro  de  2010  uma   resolução  

reconhecendo   a   hidroeletricidade   como   uma   fonte   renovável   de   energia,   provendo   a   grade   nacional   com  

energia  limpa,  sem  carbono,  que  é  também  mais  barata,  confiável,  e  disponível  que  outras  fontes  renováveis.6  

Todavia  os   impactos  negativos  de   tais  empreendimentos   são  motivos  de  ponderação  na  expansão  

desse  tipo  de  política  energética.  A  pegada  ambiental  das  hidrelétricas  pode  ser  percebida  logo  no  momento  

da   barragem   dos   rios,   atividade   que   altera   irremediavelmente   a   paisagem   geológica   da   região,   alterando  

também  a  piscosidade  do  rio  barrado,  uma  vez  que  o  peixe  é,  por  vezes,  prego  pelas  turbinas  da  usina.  

Não  obstante,  o  governo  brasileiro  parte  do  pressuposto  que  esses  projetos  são  sustentáveis,  uma  

vez   que   possuem   baixa   emissão   de   carbono   e   não   dependem   de   combustíveis   fosseis   que   comprometa   a  

vitaliciedade  da  usina.  

 

3.1. No  Brasil    

Desde   a   década   de   70,   80%   da   energia   brasileira   tem   sido   proveniente   da   hidroeletricidade.7   De  

2003  a  2008  a  produção  de  eletricidade  aumentou  23,2%,  sendo  que  mais  de  56%  do  acréscimo  foi  produzido  

por   hidrelétricas.   Em   2007,   hidroelétricas   representavam   85,2%   do   total   de   produção   de   energia,   incluindo  

7,9%  importada  da  parcela  paraguaia  da  Usina  de  Itaipu.  Neste  sentido,  percebe-­‐se  que  o  papel  que  a  energia  

hidrelétrica  possui  no  Brasil  é  consideravelmente  maior  do  que  a  média  mundial  que  é  de  16%.  8  Já  em  2011,  o  

percentual  de  participação  das  Hidrelétricas  caiu  para  72,5%,  com  a  contribuição  de  outras  fontes.  9  

A  matriz  energética  brasileira  é  a  que  tem  menor  carbono  dos  países  industrializados.  Apesar  de  que  

há  participação  de  diversas   fontes  na  geração  de  energia,   as  usinas  hidrelétricas  ainda   representam  a  maior  

parcela  dentre  os  empreendimentos  em  operação.  O  Instituto  de  Pesquisa  Econômica  Aplicada  –  IPEA  afirma  

que:    

 

“Atualmente,   a   capacidade   instalada   de   geração   elétrica   em   território   brasileiro   é   de  

109.245,6   megawatt   (MW)   de   potência,   sendo   a   fonte   hídrica   a   maior   contribuidora,  

seguida  dos  empreendimentos  à  base  térmica.  Não  menos  importante,  um  total  de  8.170  

MW   de   potência   é   injetado   no   sistema   elétrico   brasileiro,   oriunda   da   importação   de  

                                                                                                                         5  “É  com  frequência  que  empreendimentos  hidrelétricos  têm  se  revelado  insustentáveis,  no  cenário  internacional  e  particularmente  no  Brasil  Este  caráter  insustentável  pode  ser  estabelecido  a  partir  de  critérios  que  identificam  os  problemas  físico-­‐químico-­‐biológicos  decorrentes  da  implantação  e  operação  de  uma  usina  hidrelétrica,  e  da  sua  interação  com  as  características  ambientais  do  seu  “locus”  de  construção  (p.ex.,  alteração  do  regime  hidrológico;  assoreamento;  emissões  de  gases  estufa  a  partir  da  decomposição  orgânica  no  reservatório;  entre  outros...).”.  Célio  Bermann,  “A  perspectiva  da  sociedade  brasileira  sobre  a  definição  e  implementação  de  uma  política  energética  sustentável  –  uma  avaliação  da  política  oficial”,  Câmara  dos  Deputados,  Brasília,  DF,  2002.  6  Davic  C.  Coen,  Robert  J.  Thormeyer,  “Should  Large  Hydroeletric  Projects  be  Treated  as  Renewable  Resources”,  32  Energy  L.J.  541-­‐551,  2011.  7  Susana  Moreira,  “Brazil:  Keeping  the  Lights  on”,  9  Whitehead  J.  Dipl.  &  Int’l  Rel.  115,  2008.  8  Susana  Moreira,  “Brazil:  Keeping  the  Lights  on”,  9  Whitehead  J.  Dipl.  &  Int’l  Rel.,  2008,  p.116.  9  Susana  Moreira,  “Brazil:  Keeping  the  Lights  on”,  9  Whitehead  J.  Dipl.  &  Int’l  Rel.,  2008,  p.116.  

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países,  como  o  Paraguai  (5.650,0  MW),  a  Argentina  (2.250,0  MW),  a  Venezuela  (200  MW)  

e  o  Uruguai  (70  MW)”.  10    

 

Tabela  2:  Participação  dos  diferentes  recursos  energéticos  na  geração  de  energia  elétrica    

(Potência  em  MW)  

  Em  operação   Em  construção11   Total  parcial  

Tipos  –  usinas  

 

Número  de  

usinas  

Potência  

(%)  

Número  de  

usinas  

Potência  

(%)  

Potência  

(%)  

Hidrelétricas12   852   79.182,3  (72,5)   311   15.336,7  (40,8)   94.519,0  (64,4)  

Térmicas   1.341   27.262,0  (25,0)   216   18.820,5  (50,0)   46.082,5  (31,4)  

                 Combustíveis  

fósseis  

948   19.302,0  (17,7)   122   14.599,7  (38,8)   33.901,7  (23,1)  

Biomassa   368   6.989,6  (6,4)   81   3.654,4  (9,7)   10.644,0  (7,2)  

Outros13   25   970,4  (0,9)   13   566,4  (1,5)   1.536,8  (1,0)  

Termonucleares   02   2.007,0  (1,8)   01   1.350,0  (3,6)   3.357,0  (2,3)  

Eólicas   45   794,3  (0,7)   41     2.096,3(5,6)   2.890,6  (2,0)  

Total   2.240   109.245,6  (100)   569   37.603,5  (100,0)   146.849,1  (100)  Fonte:  Instituto  de  Pesquisa  Econômica  Aplicada  –  IPEA,  2011.14    

 

É   importante   observar   que   em   2011   existiam   852   usinas   hidrelétricas   em   operação,   o   que  

representava  79.182,3  MW  de  capacidade  de  geração  de  energia,   i.e.  72,5%  do  parque  gerador  em  território  

brasileiro.   Não   obstante   a   construção   de   311   UHE   que   agregarão   cerca   de   15.000  MW   à  matriz   energética  

brasileira,   totalizando  94.519  MW  de  energia  provida  dos   recursos  hídricos,  o   total   de  participação  das  UHE  

diminuirá   para   64,4%,   em   razão   do   aumento   da   parcela   das   usinas   térmicas,   significando   um   novo  

decrescimento  da  contribuição  hidrelétrica  na  geração  de  força.  

Já   quando   se   observa   a   coluna   de   usinas   termoelétricas,   percebe-­‐se   primeiramente   que   elas  

representavam  em  2011  cerca  de  um  quarto  da  capacidade  instalada  brasileiras  com  1.341  usinas  e  operação  e  

27.000  MW,  acrescenta-­‐se  a  este  número  a   construção  de  216  usinas  novas,   totalizando  46.082,5  MW.  Essa  

análise  mostra  o  aumento  da  participação  das  usinas  termoelétricas  à  base  de  combustíveis  fósseis  e  biomassa  

de  25%  para  31,4%,  ou   seja,   as   usinas   térmicas   à   base  de  biomassa   saltarão  de  6,4  para   7,2%,   enquanto   as  

derivadas  de  combustíveis   fósseis  passarão  de  17,7%  para  23,1%.  Novos  dados  de   Janeiro  de  2013  mostram  

que  a  parcela  das  hidrelétricas  é  de  66%,  restando  com  as  termoelétricas  27%.15  

 

                                                                                                                         10  IPEA,  “Energia  e  Meio  Ambiente  no  Brasil:  Oferta  Interna  e  Padrão  de  Consumo  Energético”,  Série:  Eixos  do  Desenvolvimento  Brasileiro,  Comunicado  IPEA  n°  77,  2011,  p.  8.  11  Incluídos  os  empreendimentos  licitados  e  autorizados  que  ainda  não  iniciaram  a  construção.  12  Incluindo  as  pequenas  centrais  hidroelétricas  (PCHs)  e  as  mini-­‐micros  hidrelétricas  (até  1  MW).  Também  estão  contabilizadas  as  grandes  usinas  hidrelétricas  de  Energia  (UHEs)  como:  Estreito  (TO)  e  (MA)  (1.087  MW),  Santo  Antônio  (RO)  (3.150  MW),  Jirau  (RO)  (3.300  MW)  e  Santa  Isabel  (TO)  e  (PA)  (1.087  MW),  não  sendo  incluída  a  UHE  de  Belo  Monte  (PA).  13  Gás  de  processo,  efluente  gasoso,  gás  siderúrgico,  óleo  ultraviscoso,  gás  de  refinaria  e  enxofre.  14  ANEEL,  atualizado  até  16  de  junho  de  2010  (Elaboração  própria)  Apud  IPEA,  “Energia  e  Meio  Ambiente  no  Brasil:  Oferta  Interna  e  Padrão  de  Consumo  Energético”,  Série:  Eixos  do  Desenvolvimento  Brasileiro,  Comunicado  IPEA  n°  77,  2011.  15    Luiz  Eduardo  Barata  Ferreira  (Câmara  de  Comercialização  de  Energia  Elétrica),  “Brazilian  Eletricity  Market”,  apresentação  exposta  no  “Workshop:  Wholesale  Electricity  Markets  Hurdles  to  Overcome”  na  Universidade  de  Northwestern,  EUA,  2013.  Disponível  em:  http://www.isen.northwestern.edu/events/kemi/jan2013/docs/Barata.pdf,  último  acesso:  26/06/2013.  

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“Portanto,   a  perda  de  espaço  da   fonte  hídrica  na  matriz   elétrica   é  por   conta  das  usinas  

térmicas,  porém  se  verifica  que  uma  quantidade  significativa  usa  como  combustível  fontes  

renováveis,  como  bagaço  de  cana,  madeira,  carvão  vegetal  etc.”  16  

 

Neste  sentido,  a  dependência  da  matriz  energética  brasileira  na  geração  hidrelétrica,  apesar  de  ser  

uma   fonte   renovável   e   de   baixo   carbono,   encontra   uma   contrapartida   em   períodos   de   pouca   chuva.   A  

precipitação   anual   é   fundamental   para   este   tipo   de   empreendimento,   sendo   que   quando   houve   a   seca   em  

2000,  as  represas  brasileiras  marcavam  seu  ponto  mais  baixo  em  duas  décadas,  depois  de  anos  de  superávit,  e  

consequentemente  o  sistema  entrou  em  colapso.  

Seis   anos   mais   tarde   novos   sinais   de   insuficiência   energética   começaram   a   ser   identificados:   i)  

abastecimento   intermitente   em   regiões   rurais,   em   especial   no   norte   e   nordeste,   prejudicando   iniciativas  

educacionais;  ii)  o  fechamento  do  abastecimento  em  outubro  de  2007    de  gás  natural  para  indústrias  no  Rio  de  

Janeiro  e  São  Paulo  para  garantir  o  abastecimento  da  usinas  termoelétricas;  iii)  alta  de  preços  de  mercado,17  a  

qual  foi  objeto  de  Lei  Federal  n°  12.783/201318  que  visa  a  redução  das  tarifas  de  energia  elétrica  para  alcançar  

o  consumidor  final;19  iv)  demissões  nas  empresas  Novelis  e  Coteminas  em  resposta  aos  preços  altos  de  energia  

em  2007.20  

Para  conter  um  possível  futuro  racionamento  o  Governo  brasileiro,  por  intermédio  do  Ministério  de  

Minas  e  Energia  publicou  o  Plano  Nacionais  de  Energia  (PNE  –  2030)  e  o  Plano  Decenal  de  Expansão  de  Energia  

Elétrica  (PDE),  que  é  atualizado  anualmente.21  

O   PNE   considera   a   energia   hidráulica   extremamente   importante   para   o   atendimento  da  demanda  

energética  do  país,  estimando  o  potencial  de  geração  hídrica  em  260  mil  MW.  Porém,  ao  analisar  o  potencial  

de   concessões   já   foram   outorgadas   (usinas   em   operação,   em   construção   e   em   processo   de   licenciamento),  

tem-­‐se  atualmente  que  pouco  mais  de  30%  estão  explorados.22  

O   potencial   a   aproveitar   é   de   cerca   de   126   mil   MW,   excluído   o   potencial   estimado,   dito  

remanescente   não   individualizado   de   possíveis   barramentos.   Desse   total,   mais   de   70%   estão   nas   bacias   do  

Amazonas   e   do   Tocantins/Araguaia.   Como   bem   destacado   no   PNE,   essas   regiões   concentram   biomas   -­‐  

Amazônia23  e  Cerrado  -­‐  de  relevância  ambiental,  que  poderão  ser  explorados  mediante  a  realização  de  estudos  

ambientais  de  qualidade  e  a  adoção  de  medidas  mitigatórias.24  

Especificamente   quanto   à   bacia   do   rio   Amazonas,   o   Plano  Nacional   de   Energia   2030   prevê   que   o  

potencial  hidrelétrico  da  chamada  sub-­‐bacia  Tapajós  é  de  24.626MW.  

                                                                                                                         16  IPEA,  “Energia  e  Meio  Ambiente  no  Brasil:  Oferta  Interna  e  Padrão  de  Consumo  Energético”,  Série:  Eixos  do  Desenvolvimento  Brasileiro,  Comunicado  IPEA  n°  77,  2011,  p.  6.  17  Em  2006  US$  58.76  para  US$  569.5  em  janeiro  de  2008.  18  Trata  das  concessões  de  geração,  transmissão  e  distribuição  de  energia  elétrica,  sobre  a  redução  dos  encargos  setoriais  e  sobre  a  modicidade  tarifária.  19  Câmara  de  Comercialização  de  Energia  Elétrica  –  CCEE  disponível  em:  http://ccee.org.br/portal/faces/pages_publico?_afrLoop=380266048496000#%40%3F_afrLoop%3D380266048496000%26_adf.ctrl-­‐state%3D1cege5uo8b_148,  último  acesso  26/06/2013;  20  Susana  Moreira,  “Brazil:  Keeping  the  Lights  on”,  9  Whitehead  J.  Dipl.  &  Int’l  Rel.,  2008,  p.117.  21  A  Política  Energética  Nacional,  cuja  responsabilidade  de  implementação  é  atribuída  ao  MME,  encontra-­‐se  regulamentada  pela  Lei  Federal  nº  9.478,  de  06  de  agosto  de  1997,21  cujos  objetivos  englobam,  dentre  outros,  a  preservação  do  interesse  nacional;  a  promoção  do  desenvolvimento,  ampliação  do  mercado  de  trabalho  e  valorização  dos  recursos  energéticos;  proteção  dos  interesses  do  consumidor  quanto  ao  preço,  qualidade  e  oferta  dos  produtos;  proteção  do  meio  ambiente  e  conservação  de  energia;  e  identificação  das  soluções  mais  adequadas  para  o  suprimento  de  energia  elétrica  nas  diversas  regiões  do  País.  22  Informação  obtida  no  Plano  Nacional  de  Energia  2030.  Geração  Hidrelétrica.  Brasília,  27  de  abril  de  2006.  Disponível  em:  http://www.mme.gov.br/mme/menu/todas_publicacoes.html.      23  De  acordo  com  o  PNE  “o  potencial  na  bacia  é  avaliado  em  77.058  MW,  distribuídos  por  13  sub-­‐bacias,  sendo  que  quatro  delas  (Tapajós,  Xingu,  Madeira  e  Trombetas)  concentram  quase  90%  desse  potencial.”  (página35).  Disponível:  http://www.epe.gov.br/PNE/20080512_3.pdf.  Consultado  em  27/02/2013.  24  PNE,  disponível:  http://www.epe.gov.br/PNE/20080512_3.pdf.  Consultado  em  27/02/2013.  

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Já   o   Plano   Decenal   de   Expansão   de   Energia   é   um   dos   principais   instrumentos   de   planejamento  

energético,   orientando   as   decisões   relacionadas   ao   equilíbrio   e   ao   crescimento   econômico   do   país.   O   PDE  

incorpora  uma  visão  integrada  do  aumento  da  demanda  e  da  oferta  de  recursos  energéticos  no  período  de  dez  

anos,   definindo   um   cenário   de   referência,   com   o   intuito   de   sinalizar   e   orientar   as   decisões   dos   agentes   no  

mercado  de  energia,  para  assegurar  o  incremento  equilibrado  da  oferta  energética.    

Tais  planos  serão  viabilizados  através  do  Programa  de  Aceleração  do  Crescimento,  que  consiste  em  

um  conjunto  de  medidas  destinadas  a  incentivar  o  investimento  privado,  aumentar  o  investimento  público  em  

infraestrutura   e   remover   obstáculos   (burocráticos,   administrativos,   normativos,   jurídicos   e   legislativos)   ao  

crescimento   do   país.   Esse   Programa   depende   da   participação   do   Poder   Executivo,   do   Poder   Legislativo,   dos  

trabalhadores  e  dos  empresários.  

A   segunda   versão   do   Programa   de   Aceleração   do   Crescimento,25   denominada   de   PAC2,   prevê  

investimentos   em   energia   para   impulsionar   e   sustentar   o   crescimento   do   país,   com   o   intuito   de   manter   a  

matriz  energética  limpa  e  renovável,  explorando  fundamentalmente  o  potencial  hídrico  brasileiro.26  

 

4. A  VARIÁVEL  INDÍGENA  NO  DESENVOLVIMENTO  DE  EMPREENDIMENTOS    

HIDRELÉTRICOS  –  CASO  DE  SÃO  LUIZ  DO  TAPAJÓS  

 

O  PDE  apresenta  também  os  projetos  energéticos  em  fase  de  planejamento  e  de  construção.  Nesse  

sentido,  ele  traz  a  importância  estratégica  do  AHE  São  Luiz  do  Tapajós,  a  ser  viabilizado  entre  os  anos  2018  e  

2021,27  o  qual  reforça  a  previsão  quanto  ao  planejamento  do  Ministério  de  Minas  e  Energia  para  que  o  AHE  São  

Luiz  do  Tapajós  componha  a  matriz  hidroenergética  brasileira  mediante  a  sua  entrada  em  operação  em  meados  

de  2018/2021.  

Todavia,   o  processo  de   licenciamento   ambiental   deste   empreendimento   foi   alvo  de   controvérsias,  

sendo  que  se  encontra  ainda  na  fase  de  elaboração  do  Estudo  de  Impacto  Ambiental  e  seu  respectivo  Relatório  

-­‐  EIA/RIMA.  

Primeiramente,   o  Ministério   Público   do   Estado   do   Pará   entrou   com   a   Ação   Civil   Pública   nº   3883-­‐

98.2012.4.01.3902,   que   tramita   perante   a   2ª  Vara   da   Subseção   Judiciária   de   Santarém   (Justiça   Federal   de1º  

Grau),   contra  o   Instituto  Brasileiro  do  Meio  Ambiente  e  dos  Recursos  Naturais  Renováveis   (IBAMA),  Agência  

Nacional   de   Energia   Elétrica   (Aneel),   Eletrobrás   –   Centrais   Elétricas   Brasileiras   S.A.   e   Eletronorte   –   Centrais  

Elétricas  do  Norte  do  Brasil  S.A.,  que  tem  por  objeto  a  suspensão  do  licenciamento  da  Usina  Hidrelétrica  de  São  

Luiz  do  Tapajós,   até  que   sejam   realizadas:   a)   a  Avaliação  Ambiental   Integrada   (AAI)   e   a  Avaliação  Ambiental  

Estratégica   (AAE)   dos   impactos   sinérgicos   e   cumulativos   do   empreendimento,   tendo   em   vista   as   demais  

barragens   previstas   para   a   bacia   dos   rios   Tapajós   e   Jamanxim;   e   b)   a   consulta   livre,   prévia   e   informada  dos  

povos   indígenas  e  demais  populações  tradicionais,   localizados  na  área  de   influência  do  empreendimento  São  

Luiz   do   Tapajós   e   afetados   pelas   medidas   administrativas   e   legislativas   já   executadas   no   âmbito   do  

licenciamento  ambiental.    

Em  19/12/2012,  a  Justiça  Federal  de  Santarém  deferiu  parcialmente  o  pedido  liminar  determinando:  

a)   que   os   Réus   realizem   a   avaliação   ambiental   integrada,28   em   toda   a   bacia   dos   rios   Tapajós   e   Jamanxim,  

                                                                                                                         25  Decreto  Federal  nº  6.025,  de  22  de  janeiro  de  2007,  posteriormente  alterado  pelos  Decretos  Federais  nº  6.394/2008,  nº  6.459/2008,  nº  7.462/2011  e  nº  7.470/2011.  26  Em  especial,  nota-­‐se  a  inclusão  do  Aproveitamento  Hidrelétrico  São  Luiz  do  Tapajós.  Informação  obtida  no  Plano  de  Aceleração  do  Crescimento  -­‐  PAC  2.  1º  Balanço  Eixo  Energia.  Disponível  em:  http://www.brasil.gov.br/pac/relatorios/2011-­‐nacionais,  p.  74.  27  Plano  Decenal  de  Expansão  de  Energia  2021  /  Ministério  de  Minas  e  Energia.  Empresa  de  Pesquisa  Energética.  Brasília:  MME/EPE,  2012,  p.  77  e  99.  Disponível  em:  http://www.epe.gov.br/PDEE/20120924_1.pdf  28  Cumpre  ressaltar  que  inobstante  a  AAE  constar  na  avaliação  da  Empresa  de  Pesquisa  Energética  –  EPE,  não  há  atualmente  instrumento  legal  que  a  regulamente,  ou  mesmo  que  preveja  a  sua  obrigatoriedade.  

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utilizando  critérios  técnicos,  econômicos  e  socioambientais  avaliando,  inclusive,  a  necessidade  de  mitigações  e  

compensações   no   que   diz   respeito   à   infraestrutura   urbana,   rodoviária,   portuária   e   aeroportuária,   além   de  

investimentos   em   saúde   e   educação   nos   municípios   de   Santarém,   Jacarecanga,   Itaituba,   Novo   Progresso,  

Trairão,   Rurópolis,   Aveiro   e   Belterra;   b)   antes   que   se   encerre   a   fase   de   viabilidade,   que   os   réus   ouçam   as  

comunidades  indígenas  Andirá-­‐Macau,  Praia  do  Mangue,  Praia  do  Índio,  Pimental,  KM  43,  São  Luiz  do  Tapajós  e  

outras  porventura  ainda  não   localizadas  ou  demonstrem  que  os   índios   frustraram  ou   se   recusaram  a  opinar  

sobre   o   aproveitamento   hídrico   discutido   neste   feito;   c)   proibir   que   os   Réus   concedam   licença   ambiental  

prévia,  ou  que  não  a  utilizem  caso  já  as  tenham  obtido,  até  que  as  medidas  referidas  nos  itens  “a”  e  “b”  sejam  

cumpridas,   fixando  multa  diária  de  R$  100.000,00   (cem  mil   reais),  pela   inobservância  desta  ordem;  d)  que  o  

Ministério  Público  Federal,  em  60  (sessenta)  dias  adote  providências  para  a  oitiva  das  comunidades  indígenas  

referidas  no  item  “b”,   indicando  forma  (formato),  quais  são  suas  lideranças  aptas  e  legitimadas  a  representá-­‐

las,   locais   e   datas   de   sua   audiência   (sendo   que   neste   último   caso   podem   ser   ajustadas   por   acordo   entre   as  

partes).    

Posteriormente   a   essa   decisão   liminar,   as   partes   submeteram   à   apreciação   do   juízo   Embargos   de  

Declaração,   com   fim   de   esclarecer   pontos   obscuros   da   liminar.   Depois   de   transcorrido   o   julgamento   de   tais  

recursos,   o   Ministério   Publico   Federal   entrou   com   um   Agravo   de   Instrumento   perante   o   Tribunal   Regional  

Federal   da   1ª   Região,   uma   vez   que   o   juiz   da   Subsecção   Judiciária   de   Santarém   não   teria   avaliado,   ou  

simplesmente  indeferido,  o  recurso  do  MP  sobre  a  suspensão  de  todo  e  qualquer  ato  tendente  à  realização  do  

empreendimento,  sendo  que  ao  deferir  a  liminar,  o  magistrado  apenas  suspende  a  concessão  de  licença  prévia  

ambiental,  permitindo  todos  os  atos  que  antecedem,  inclusive  a  Operação  Tapajós,  que  disponibilizou  a  Força  

Nacional   de   Segurança   Pública29   para   garantir   a   evolução   do   levantamento   da   fauna   e   flora   para   fins   de  

elaboração  dos  estudos  ambientais  necessário  para  o  licenciamento.  

Ademais,   o   MPF   argumentou   que   o   prosseguimento   dos   estudos   para   o   AAI   implicaria  

necessariamente  na  entrada  dos  pesquisadores  em  terras  indígenas,  acarretando  em  uma  violação  do  princípio  

da   livre   consulta   aos   povos   indígenas   constantes   na   Convenção   n°   169   da   Organização   Internacional   do  

Trabalho,   e   sustentou   que   para   que   pudesse   ser   elaborada   a   AAI   antes   era   necessário   consultar   os   povos  

indígenas  e  as  comunidades  tradicionais  impactadas.  

O  MPF,  em  sede  de  Agravo  de  Instrumento,  requereu:  i)  a  suspensão  de  qualquer  ato  referente  ao  

projeto,   condicionando   o   mesmo   a   consulta   das   populações   locais;   ii)   facilitar   o   processo   de   consulta   não  

apenas   aos   povos   indígenas   afetados,   mas   também   às   populações   tradicionais   atingidas,   notadamente  

ribeirinhas,  nos  termos  do  art.  1º  da  Convenção  169  da  OIT,  evitando  a  confusão  com  procedimento  descrito  

no   art.   231   da   Constituição   Federal   de   1988;   iii)   declarar   inválidos   quaisquer   “atos   de   pretensa   consulta  

realizados   no   contexto   de   opressão”   durante   a   Operação   Tapajós;   iv)   determinar   que,   após   a   realização   da  

consulta,   sejam   elaboradas   tanto   a   Avaliação   Ambiental   Integrada   (AAI),   quanto   a   Avaliação   Ambiental  

Estratégica  (AAE).  

O  Desembargador   Federal   proferiu   decisão   argumentando   que   já   havia   sido   tomada   uma   decisão  

política   antes   mesmo   do   início   dos   estudos,   e   que   o   empreendimento   acarretará   necessariamente   na  

construção  de  estrada  por  terras  indígenas,  sendo  esses  fatos  que  levaram  ao  descumprimento  da  Convenção  

n°  169  da  OIT,  e  por  fim,  deferiu  todos  os  pedidos  feitos  pelo  Ministério  Público  Federal.  

Em  consequência  da  decisão  acima,  a  União  e  a  Agência  Nacional  de  Energia  Elétrica  entrou  com  um  

Pedido   de   Suspensão   de   Liminar   e   Sentença   perante   o   Superior   Tribunal   de   Justiça   –   STJ,   arguindo   que   os  

                                                                                                                         29  Decreto  nº  7.957,  de  12  de  março  de  2013:  Institui  o  Gabinete  Permanente  de  Gestão  Integrada  para  a  Proteção  do  Meio  Ambiente;  regulamenta  a  atuação  das  Forças  Armadas  na  proteção  ambiental;  altera  o  Decreto  no  5.289,  de  29  de  novembro  de  2004,  e  dá  outras  providências.  

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estudos   ambientais   que   estavam   em   andamento   na   AHE   São   Luiz   do   Tapajós   independem   da   realização   da  

consulta  prévia  às  comunidades  indígenas,  considerando  que  a  Convenção  °  169  da  OIT  estabelece,  em  seu  art.  

6º,   1,  a,   que  os   governos  deverão   "consultar   os   povos   interessados,  mediante  procedimentos  apropriados   e,  

particularmente,  através  de  suas  instituições  representativas,  cada  vez  que  sejam  previstas  medidas  legislativas  

ou  administrativas  suscetíveis  de  afetá-­‐los",  devendo  a  consulta  ser  prévia  a  qualquer  ato  administrativo  que  

autorize  a  implantação  do  empreendimento.    

Todavia,  o  processo  de  consulta  estabelecido  o  art.  6º,  1,   a,  da  Convenção  ainda  não  foi  objeto  de  

regulamentação  pelo  país,  e  que,  portanto,  existiria  certa  liberdade  de  forma  no  processo  de  consulta,  desde  

que  observados  os  núcleos  essenciais  dos  direitos  insculpidos  no  concerto  internacional.  

Foi  destacado  que  a  Secretaria  Nacional  de  Articulação  Social  da  Secretaria-­‐Geral  da  Presidência  da  

República,  antes  mesmo  do  ajuizamento  da  demanda  pelo  Parquet  Federal,  já  havia  iniciado  a  articulação  dos  

entes  públicos  envolvidos  no  projeto  do  Aproveitamento  Hidroelétrico  de  São  Luiz  do  Tapajós  para  viabilizar  a  

realização  da  Consulta  aos  povos  indígenas  potencialmente  afetados  pelo  empreendimento.  

Assevera-­‐se,   também,   não   ser   necessária   a   paralisação   dos   estudos   de   viabilidade   do  

aproveitamento  hidrelétrico,  pois  não  teria  sido  editado  qualquer  ato  tendente  a  autorizar  o  empreendimento,  

de   modo   que   a   consulta   às   comunidades   indígenas   poderia   se   dar   concomitantemente   aos   estudos   de  

viabilidade,   uma   vez   que   somente   após   os   estudos   é   que   será   possível   analisar   a   viabilidade   ou   não   do  

empreendimento.    

Desse   modo,   a   suspensão   causaria,   no   entender   da   União   e   ANEEL,   grave   lesão   à   ordem   e   à  

economia  públicas,  tendo  em  vista  que:  i)  desconsidera  todo  o  conjunto  de  normas  que  regem  os  estudos  de  

viabilidade   de   um   aproveitamento   hidrelétrico,   que   vem   sendo   observado   à   risca;   e   ii)   a   paralisação   dos  

estudos  inviabiliza  o  planejamento  estatal  para  suprimento  da  demanda  de  energia  elétrica.30  

O  Presidente  do  STJ,  Feliz  Fischer,  decidiu31  que  os  estudos  preliminares  –  atinentes  à  viabilidade  do  

empreendimento  –  não  afetam  diretamente  as  comunidades  envolvidas.  Afirma  que  a  situação  proibida  pela  

norma   da   OIT   seria,   no   caso,   das   comunidades   envolvidas   não   serem   ouvidas,   ou   não   tenham   tido  

oportunidades  de  se  manifestarem  e  comporem  o  processo  participativo  até  no  momento  do  início  à  execução  

de  um  empreendimento  que  pode  as  afetar  diretamente.  

Uma   vez   que   não   há   regulamentação   específica   que   exija   que   a   consulta   seja   efetuada   antes   de  

começarem   os   estudos   de   viabilidade   do   empreendimento,   o   “princípio   de   preservação   dos   direitos  

fundamentais  dessas  comunidades”32  pode  ser  observado  concomitantemente  com  às  avaliações  dos  estudos,  

considerando  que  não  haveria  medida  administrativa.  

                                                                                                                         30  “No  tocante  à  grave  lesão  à  economia  pública,  sustentam  que  "a  suspensão  do  licenciamento  ambiental  da  UHE  São  Luiz  do  Tapajós,  e  o  consequente  atraso  da  entrada  em  operação  da  usina,  implicará  no  planejamento  estratégico  um  custo  econômico  adicional  da  ordem  de  R$  2,49  BILHÕES  por  ano,  ou  seja,  R$  6,8  MILHÕES  por  dia,  por  conta  da  substituição  da  fonte  hidráulica  por  fonte  térmica"  (fl.  21).  Salientam  que  "Para  atender  às  exigências  feitas  pelo  Ibama  para  a  elaboração  do  Estudo  Prévio  de  Impacto  Ambiental  e  seu  respectivo  relatório  (EIA/RIMA),  com  a  realização  dos  estudos  de  campo  em  todos  os  transectos  definidos  pelo  órgão  licenciador,  foi  mobilizada,  para  a  região  de  Tapajós,  uma  equipe  de  aproximadamente  80  pessoas,  dentre  as  quais  pesquisadores,  responsáveis  pela  obtenção  das  informações  sobre  ecossistemas  no  período  da  cheia,  e  pessoas  de  apoio  logístico  e  de  segurança"  (fl.  24).  Até  o  presente  momento,  destacam  que  já  foram  despendidos,  aproximadamente,  R$  10  milhões  e  os  prejuízos,  se  mantida  a  r.  decisão  atacada,  seriam  irreparáveis,  "pois  os  estudos  em  apreço,  caso  não  realizados  no  presente  momento,  só  poderão  ser  realizados  no  próximo  período  de  cheias"  (fl.  25)”.  Suspensão  de  Liminar  e  de  Sentença  nº  1.745  -­‐  PA  (2013/0107879-­‐0).  31  Ressalta-­‐se  que  a  Lei  nº  8.437/1992  estabelece  que  compete  ao  Presidente  do  Tribunal  ao  qual  couber  o  conhecimento  do  respectivo  recurso,  suspender,  em  despacho  fundamentado,  a  execução  de  liminar  em  caso  de  manifesto  interesse  público  ou  de  flagrante  ilegitimidade,  e  para  evitar  grave  lesão  à  ordem,  saúde,  segurança  e  economia  públicas.  32  Sobre  princípios  e  regras  do  ordenamento  jurídico  brasileiro  ver:  Virgílio  Afonso  da  Silva.  Direitos  Fundamentais:  conteúdo  essencial,  restrições  e  eficácia.  São  Paulo:  Malheiros,  2009;  Oscar  Vilhena  Vieira.  “Supremocracia”,  Revista  de  Direito  GV  4  (2):  441-­‐464;  Oscar  Vilhena  Vieira.  Direitos  Fundamentais:  uma  leitura  da  jurisprudência  do  STF.  São  Paulo:  Malheiros;  e  Marcelo  Neves.  “O  abuso  de  princípios  no  Supremo  Tribunal  Federal”,  In.:  Observatório  Constitucional.  Conjur,  2012,  disponível  em:  www.conjur.com.br/2012-­‐out-­‐27/observatorioconstitucional-­‐abuso-­‐principios-­‐supremo-­‐tribunal,  último  acesso  em  27  de  junho  de  2013.  

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Além  disso,  destaca  que  UHE  São  Luiz  do  Tapajós  se  trata  de  um  projeto  energético,  que  ainda  está  

em  fase  embrionária  de  verificação  da  viabilidade  técnica,  econômica  e  ambiental,  e,  ao  menos  enquanto  se  

tratar  de  um  simples  projeto,  sem  início  de  execução  efetiva,  não  possui  o  condão  de  afetar,  de  modo  negativo,  

as   comunidades   locais.   Por   outro   lado,   argumenta   que   a   realização   dos   estudos   seria   benéfico   para   as  

comunidades,   pois   possibilitam   o   conhecimento   dos   impactos   ambientais,   caso   o   projeto   seja   efetivamente  

implantado.    

Por  fim,  Fisher  conclui  que  interromper  o  planejamento  do  Governo  destinado  ao  setor  energético  

do  país,   estratégico  para  o  desenvolvimento  da  nação,   causaria   grave   lesão   à  ordem  pública,   em   sua  esfera  

administrativa,  especialmente  por  poder  comprometer  a  prestação  dos  serviços  públicos  que  dependem  dessa  

fonte  de  energia,  afetando  o  interesse  público  na  medida  em  que  poderá  obstar  a  expansão  do  setor  elétrico  e,  

consequentemente,  o  crescimento  da  economia  brasileira.  

Inobstante   à   atuação   do   STJ   e   TRF1   para   a   resolução   do   conflito,   ele   permanece   gerando   novas  

consequências.   No   mês   de  Maio   de   2013   lideranças   indígenas   invadiram   o   canteiro   de   obras   da   AHE   Belo  

Monte  reivindicando  a  suspensão  de  todos  os  projetos  hidrelétricos  na  Amazônia,  incluindo  o  AHE  São  Luiz  do  

Tapajós.   Em   seguida,   foram   levados   para   Brasília,   a   fim   de   discutir   com   o   Governo   uma   solução   para   esse  

impasse.  A  tentativa  falhou.33  

Em   seguida   foram   sequestrados   três   pesquisadores   que   estavam   fazendo   o   levantamento   para   a  

elaboração  do  EIA/RIMA.  Após  a   libertação  dos   reféns,  o  Governo  anunciou  a   suspensão  dos  estudos  para  o  

projeto  AHE  São  Luiz  do  Tapajós.34  

 

5. AS  AUDIÊNCIAS  PÚBLICAS  E  O  CONSENTIMENTO  LIVRE,  PRÉVIO  E  INFORMADO  E    

A  PROPOSTA  DE  PAGAMENTO  DE  ROYALTIES  À  POPULAÇÃO  INDÍGENA    

 

O  princípio  do  consentimento  livre,  prévio  e  informado;  ou  Free,  Prior  and  Informed  Consent  (FPIC)  é  

um  instrumento  na  busca  pelo  equilíbrio  e  conciliação  dos  interesses  das  populações  tradicionais  com  os  dos  

empreendedores,  neste  caso,  das  barragens.    

O   relatório   da   ONU   “An   Overview   of   the   Principle   of   Free,   Prior   and   Informed   Consent   and  

Indigenous  Peoples  in  International  and  Domestic  Law  and  Practices”  35  lista  os  documentos  internacionais  que  

reconhecem  o  FPIC,  esses  são36,  dentre  outros37:  

A  Convenção  169  da  Organização  Internacional  do  Trabalho  (OIT)  que  se  refere  ao  princípio,  em  seu  

artigo  6º,  no  contexto  da  realocação  da  população  indígena  de  suas  terras.  No  mesmo  artigo,  assim  como  nos  

artigos  7  e  15,  a  Convenção  busca  assegurar  que  todos  os  esforços  sejam  feitos  pelos  Estados  para  consultar  as  

populações  afetadas  no  contexto  de  desenvolvimento,  terras  e  recursos  naturais.                                                                                                                              33  Secretaria  Geral  da  República.  “Ministro  Gilberto  Carvalho  renova  proposta  de  diálogo  e  negociação  com  lideranças  Munduruku”,  notícia  disponível  em:  <  http://www.secretariageral.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/05/29-­‐05-­‐2013-­‐ministro-­‐gilberto-­‐carvalho-­‐renova-­‐proposta-­‐de-­‐dialogo-­‐e-­‐negociacao-­‐com-­‐liderancas-­‐munduruku>,  último  acesso  27/06/2013.  34  Folha  de  São  Paulo.  “Governo  suspende  estudos  de  usinas  no  rio  Tapajós;  índios  liberam  biólogos”,  notícia  disponível  em:  http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1300183-­‐governo-­‐suspende-­‐estudos-­‐de-­‐usinas-­‐no-­‐rio-­‐tapajos-­‐indios-­‐liberam-­‐biologos.shtml,  último  acesso  27/06/2013.  35  Presented  at  Workshop  on  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  Indigenous  Peoples,  organized  by    the  Secretariat  of  UNPFII,    17-­‐19  January  2005,UN  Headquarter,  New  York,  USA  36  Instrumentos  listados  em  Parshuram  Tamang.  “An  Overview  of  the  Principle  of  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  Indigenous  Peoples  in  International  and  Domestic  Law  and  Practices”,  p.  5-­‐10.  37  Outros  documentos  listados  como  preconizadores  do  FPIC  são:  a  Convenção  de  Rotterdam;  relatório  de  1997  do  Comitê  para  a  Eliminação  de  Discriminação  Racial;  relatório  de  2001  do  Comitê  sobre  Direitos  Econômicos  e  Culturais;  Workshop  sobre  Populações  Indígenas,  Setor  Privado  e  Recursos  Naturais,  Energia  e  Companhias  Mineradoras  e  Direitos  Humanos;  Quinta  Conferência  das  Partes  (COP);  Subcomitê  da  ONU  sobre  Promoção  e  Proteção  de  Direitos  Humanos;  Painel  Intragovernamental  sobre  Florestas;  relatório  de  1992  da  UNCED  para  implementação  da  Agenda  21,  entre  outros,  em  Parshuram  Tamang  .  “An  Overview  of  the  Principle  of  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  Indigenous  Peoples  in  International  and  Domestic  Law  and  Practices”,  p.  5-­‐10.  

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A  Declaração  da  Organização  das  Nações  Unidas  (ONU)  sobre  Povos  Indígenas  de  2006  regulamenta  

que  os  povos  indígenas  não  serão  removidos  à  força  de  suas  terras  ou  territórios.  E  no  artigo  10  consagram  que  

qualquer   transação   será   feita   com   base   no   consentimento   livre,   prévio   e   informado   dos   povos   indígenas  

interessados  e  com  um  acordo  prévio  sobre  uma  indenização  justa  e  eqüitativa  e,  sempre  que  possível,  com  a  

opção  do  regresso.  

O  Protocolo  de  Cartagena  sobre  Biosegurança  (2000)  também  reconhecem  que  o  FPIC  é  aplicado  no  

movimento  transfronteiriço,  e  o  transporte  de  organismos  geneticamente  modificados  (OGM)  entre  os  países  

membros  do  acordo.  

Ademais,   o   FPIC   foi   adotado   como   parâmetro   em   documentos   de   instituições   privadas,   como   no  

Relatório   Final   da   Comissão   Mundial   de   Repressas   (WCD),   fundada   pelo   Banco   Mundial   e   pela   União   pela  

Conservação  da  Natureza.  38  

Há  mais  de  um  modelo  de  implementação  do  FPIC,  como  o  do  Canadá  onde  o  governo  tem  o  dever  

de   efetuar   a   consulta   que   não   pode   ser   delegado;   e   na   Austrália,   onde   o   Estado   age   como   um   expectador  

enquanto  a  empresa  e  os  indígenas  chegam  a  um  acordo,  entre  outros.  No  entanto,  é  consensual  que,  quando  

o  instrumento  falha,  cabe  ao  Judiciário  a  resolução  da  disputa,  apesar  de  ele  nem  sempre  ser  capaz  de  chegar  a  

uma  solução  duradoura,  como  se  viu  na  Índia  em  2008  e  na  Austrália  em  2007.39  

A   atuação   das   Cortes   das   Comissões   Africana   de   Direitos   Humanos   (2010)   e   da   Inter-­‐Americana  

sobre   Direitos   Humanos   (Awas   Tingni   vs.   Nicaragua   2001;   Yanomami   vs.   Brasil   1985)   tem   paulatinamente  

fortalecido  a  sua  jurisprudência  no  sentido  da  defesa  dos  direitos  aos  povos  indígenas.  40  

O  princípio  do  FPIC,  independentemente  de  tutelar  o  direito  dos  povos  indígenas,  tem  a  finalidade,  

sobretudo   como   instrumento   de   controle   de   organismos   internacionais,   e   potencialmente   nacionais,   para   a  

viabilidade  e  segurança  de  seus  investimentos.  

No  Brasil  ele  foi  nacionalizado  por  meio  do  Decreto  Federal  n°  5.051/2004,  todavia,  nem  o  Decreto  

nem   a   própria   Convenção   regulamentam   a   forma   que   se   dará   a   consulta.   Há,   portanto   a   possibilidade   de  

flexibilização   de   certos   conceitos   presentes   nos   dois   instrumentos   normativos,   viabilizando   que   diferentes  

países  possuam  maneiras  e  graus  variados  para  a  concretização  desse  princípio.  

A   experiência   nacional   tem   se  mostrado   tumultuosa,   com   atrasos   de   obras   e   insegurança   jurídica  

para  os  participantes  dos  leilões  desses  empreendimentos,  essa  situação  não  é  desejosa  em  ambas  as  frentes,  

seja  em  termos  de  garantir  o  desenvolvimento  energético  do  país,  seja  para  realizar  o  direito  das  populações  

tradicionais.  

Ressalta-­‐se   que   o   FPIC   não   foi   regulamentado   quanto   aos   seus   procedimentos,   não   é   possível  

afirmar   categoricamente   como   ele   deve   ser   realizado,   portanto,   a   posição   do   Governo   brasileiro   sobre   a  

implementação  desse  princípio  por  meio  de  Audiência  Pública  em  fase  de  licenciamento  ambiental  é  legitima.  

Uma   vez   que   o   licenciamento   ainda   é   um  procedimento   discricionário   da   administração   pública,   i.e.   não   há  

obrigatoriedade  teórica  para  a  concessão  da  licença.  

                                                                                                                         38  O  Banco  Mundial  comissionou  dois  documentos,  em  ocasiões  diferentes,  que  visavam  tratar  desse  princípio.  O  primeiro  foi  o  relatório  final  da  Comissão  Mundial  de  Represas  (2000),  que  detalhava  recomendações  em  relação  a  FPIC,  e  o  segundo  foi  o  Relatório  do  Banco  Mundial  sobre  Indústrias  Extrativas  (2004).  Para  saber  mais  sobre  a  atuação  do  Grupo  Banco  Mundial  ver:  Jalia  Kangave.  “Investigating  the  Failure  of  Resettlement  and  Rehabilitation  in  Developed  Projects:  a  Critical  Analysis  of  the  World  Bank’s  Policy  on  Involuntary  Resettlement  Using  Lessons  from  Uganda’s  Bujagali  Hydroelectric  Project”.  45  UBC  Law  Review,  2012,  p.  329.  Assim  como:  Fergus  MacKay.  “Indigenous  People’s  rights  to  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  the  World  Banks’s  Extractive  Industries  Review”.  4  Sustainable  Dev.  L.  &  Pol’y.  43,  2004.  39  Parshuram  Tamang  .  “An  Overview  of  the  Principle  of  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  Indigenous  Peoples  in  International  and  Domestic  Law  and  Practices”,  p.  4.  40  George  K.  Foster.  “Foreign  Investment  and  Indigenous  People:  Options  for  Promoting  Equilibrium  Between  Economic  Development  and  Indigenous  Rights”,  33  Michigan  Journal  of  International  Law,  (2012-­‐2013),  p.663.    

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Ao  tratar  de  Audiências  Públicas,  analisa-­‐se  a  Constituição  Federal  Brasileira  de  1988,  a  qual  dispõe,  

no  inciso  IV,  do  §1º,  do  artigo  225,  que  para  assegurar  o  direito  ao  meio  ambiente  ecologicamente  equilibrado  

o  Poder  Público  está  incumbido  de  exigir  estudo  de  impacto  ambiental  para  instalação  de  obra  potencialmente  

causadora  de  degradação  do  meio  ambiente,  ao  qual  se  dará  publicidade.  

Nesse  sentido,  a  Resolução  CONAMA  nº  01/1986,  a  qual  trata  de  critérios  básicos  e  diretrizes  gerais  

para  os  estudos  ambientais  (EIA/RIMA),  dispõe  que  o  RIMA  deverá  ser  acessível  ao  público,  bem  como  que  o  

IBAMA  deverá  promover  a  realização  de  Audiência  Pública  para  informar  à  população  acerca  do  projeto,  seus  

impactos  ambientais  e  discutir  o  RIMA.  

A  Audiência  Pública  encontra-­‐se  disciplinada  na  Resolução  CONAMA  nº  09,  de  03  de  dezembro  de  

1987,  e  “tem  por  finalidade  expor  aos  interessados  o  conteúdo  do  produto  em  análise  e  do  seu  referido  RIMA,  

dirimindo  dúvidas  e  recolhendo  dos  presentes  as  críticas  e  sugestões  a  respeito”.41  

A   Instrução   Normativa   IBAMA   nº   184/2008   prevê   no   artigo   22,   caput,   que   o   IBAMA   deverá  

providenciar  a  publicação  de  edital   informando  sobre  os   locais  onde  o  RIMA  estará  disponível,  abrindo  prazo  

de  45  (quarenta  e  cinco)  dias  para  o  requerimento  de  realização  de  Audiência  Pública,  quando  solicitada.  

O   IBAMA   deverá   convocar   a   Audiência   para   discussão   do   relatório   de   impacto   ambiental,  

preferencialmente   com  antecedência  mínima  de  15   (quinze  dias).  O  RIMA  deverá   ficar  disponível   no   site  do  

Instituto  na   Internet  e  nos   locais   indicados  na  publicação.  Ademais,  para  a  realização  de  Audiência  Pública,  o  

IBAMA  deverá  também  providenciar  a  publicação  de  Edital  de  Convocação,  informando  data,  horário  e  local.42  

Os  procedimentos  descritos  acima  compreendem  a  exigência   formal  do  FPIC,  qual   seja:  a   consulta  

prévia   a   tomada   de   decisão   administrativa.   Uma   vez   que   as   informações   relativas   ao   empreendimento,   tais  

como  impactos  e  área  afetada,  são  disponibilizadas  com  antecedência,  juntamente  com  o  Edital  de  Convocação  

para  participação  do  processo  de  licenciamento.  Nesta  ocasião,  as  populações  afetadas  terão  oportunidade  de  

dar  ou  não  o  seu  consentimento  ao  empreendimento,  contudo,   tal  declaração  de  anuência  não  vincula  ação  

estatal  do  licenciamento,  apenas  a  informa.  

Com  intuito  de  evitar  a  judicialização  de  demandas  relativas  ao  FPIC,  há  atualmente  um  projeto  do  

Governo  de  regulamentar  o  art.  231  da  Constituição  Federal  de  1988,  o  qual   fala  no  pagamento  de  royalties  

para  os  índios  sobre  a  exploração  de  recursos  hídricos  nas  suas  terras.  

O   plano   prevê   o   repasse   de   parte   do   que   é   arrecadado   com   a   Compensação   Financeira   pela  

Utilização   dos   Recursos   Hídricos   (CFURH),   encargo   que   arrecada   6,75%   do   valor   total   de   energia   mensal  

produzida  por  uma  usina.    

De   acordo   com   o   Valor   Econômico,   43   anualmente,   cerca   de   R$   2   bilhões   são   arrecadados   pela  

CFURH.  Na   divisão   atual   desse   dinheiro,   a   fração  de   0,75%  é   direcionada  para   a  Agência  Nacional   de  Águas  

(ANA).  Dos  demais   6%,   45%   ficam  com  os  municípios   atingidos  pelo   empreendimento,   45%   seguem  para  os  

Estados  e  10%  vão  para  a  União.    

A  proposta  em  análise  perante  uma  comissão  especial  para  tal  estudo  prevê  que  os  índios  passariam  

a   receber   15%   da   CFURH.   Para   chegar   atingir   tal   número   seria   redestinados   metade   dos   recursos  

correspondentes   à   União   e   10%   do   total   que   é   repassado   aos   Estados.   Os  municípios  manteriam   o  mesmo  

percentual.    

Nesse  sentido,  a  regulamentação  do  artigo  231,  e  em  especial  do  FPIC  é  necessária,  a  fim  de  definir  o  

que  consultar,  quem  e  quando.  As  indefinições  atuais  sobre  como  lidar  com  o  impacto  dos  empreendimentos  

levam  à  insegurança  jurídica,  que  atrapalha  as  comunidades  indígenas  e  o  país.                                                                                                                            41  Artigo  1º  da  Resolução  CONAMA  nº  09/1987.  42  Artigo  22,  §§1º,  2º  e  3º,  da  Instrução  Normativa  IBAMA  nº  184/2008.  43  Valor  Econômico,  disponível  em  http://www.valor.com.br/brasil/2908922/para-­‐liberar-­‐obras-­‐governo-­‐quer-­‐pagar-­‐royalty-­‐para-­‐indios,  último  acesso  em  01/07/2013.  

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Concluí-­‐se  que  a  impossibilidade  de  se  chegar  a  um  equilíbrio  ótimo  do  desenvolvimento  do  FPIC  e  

do   princípio   do   Desenvolvimento   Nacional   consagrado   pelo   artigo   3°   da   Constituição   Federal   de   1988.  

Finalmente,   tendo   em   vista   a   insegurança   trazida   por   relações   desgastadas,   não   há   garantias   de   que   o  

instrumento  dos  royalties  seja  bem  sucedido  em  evitar  situações  como  a  do  AHE  São  Luiz  do  Tapajós.  

 

6. RESULTADOS  

 

Os  resultados  da  pesquisa  foram  os  seguintes:  

a) Os   entraves   jurídicos   das   demandas   socioambientais   para   impedir   a   construção   de   novas  

barragens,  no  caso  da  AHE  São  Luiz  do  Tapajós,  foram  em  larga  parte  atribuídos  ao  princípio  do  consentimento  

livre,  prévio  e  informado  -­‐  FPIC,  previsto  na  Convenção  n°  169  da  OIT;  

b) Não   há   instrumento,   nacional   ou   internacional,   que   regulamente   o   FPIC,   de   forma   que  

legalmente  vincule  o  Governo  brasileiro  a  um  procedimento  para  sua  realização.  Nesse  sentido  as  Audiências  

Públicas  podem  ser   interpretadas  como  satisfatórias  para  o  cumprimento  da  FPIC,  desde  que  a  consulta  seja  

anterior   à   tomada   de   decisões   administrativas,   situação   que   não   é   caracterizada   pela   inicialização   de  

procedimento  licenciatório.    

c) A  solução  estudada  pelo  Governo  não  ataca  o  principal  ponto   judicializado  no   caso  da  AHE  

São  Luiz  do  Tapajós,  e,  portanto,  não  é  certo  que  tal  instrumento  seja  eficiente  em  evitar  demandas  parecidas.  

 

7. CONCLUSÃO  

 

A  hidroeletricidade  é  considerada,  pelo  Governo  brasileiro,  como  uma  fonte  sustentável  de  energia  e  

de  baixa  emissão  de  carbono,  apesar  de  se  ter  conhecimento  de  seus  impactos  no  meio  ambiente.  Dessa  forma  

as   hidrelétricas   no   Brasil   ainda   possuem   um   papel   protagonista   na   matriz   energética,   apesar   de   que   sua  

participação  vem  caindo  paulatinamente  nos  últimos  anos.    

Com   a   implementação   de   novos   empreendimentos   na   região   Amazônica   –   que   possui   maior  

potencial  hídrico  do  Brasil  e  tomando  como  exemplo  o  AHE  São  Luiz  do  Tapajós  –  o  desenvolvimento  nacional  

entra   em   conflito   com   os   interesses   locais   da   população,   em   parte,   indígena,   que   é   em   regra   contra   a  

construção  de  barragem.  Nesse  sentido,  a  Convenção  da  OIT  n°  169  provêm  um  arcabouço  normativo  para  as  

demandas  sociais,  as  quais  acabaram  sendo  discutidas  no  Judiciário.  

Essa   situação   traz   insegurança   jurídica   aos   empreendedores   do   setor,   assim   como   para   o   Poder  

Público,  o  qual  estuda  uma  solução  na  forma  de  pagamento  de  royalties  à  população  indígena  pela  exploração  

dos   recursos   hídricos,   com   base   no   artigo   231   da   Constituição   Federal   do   Brasil.   Contudo,   os   argumentos  

levantados  em  processo  são  sustentados  pelo  princípio  da  consulta   livre,  prévia  e   informada  às  comunidades  

afetadas,  matéria  que  não  é  contemplada  pela  regulamentação  do  dispositivo  constitucional.  

Concluí-­‐se   que   o   pagamento   de   royalties   aos   indígenas   não   ataca   a   questão   principal   da  

judicialização  dessa  demanda  em  particular,  o  que  leva  a  crer  nas  suas  poucas  chances  de  eficácia  na  resolução  

do  embate  judicial,  colocando  em  dúvida  sua  capacidade  de  trazer  equilíbrio  ao  conflito  em  geral.    

 

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8. REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS  

 

BERMANN,  Célio.  “A  perspectiva  da  sociedade  brasileira  sobre  a  definição  e  implementação  de  uma  política  

energética  sustentável  –  uma  avaliação  da  política  oficial”,  Câmara  dos  Deputados,  Brasília,  DF,  2002.  

COEN,  Davic  C.;  THORMEYER,  Robert  J.  “Should  Large  Hydroeletric  Projects  be  Treated  as  Renewable  

Resources”,  32  Energy  L.J.  541-­‐551,  2011.  

FOSTER,  George  K.  “Foreign  Investment  and  Indigenous  People:  Options  for  Promoting  Equilibrium  Between  

Economic  Development  and  Indigenous  Rights”,  33  Michigan  Journal  of  International  Law,  (2012-­‐2013).  

KANGAVE,  Jalia.  “Investigating  the  Failure  of  Resettlement  and  Rehabilitation  in  Developed  Projects:  a  Critical  

Analysis  of  the  World  Bank’s  Policy  on  Involuntary  Resettlement  Using  Lessons  from  Uganda’s  Bujagali  

Hydroelectric  Project”.  45  UBC  Law  Review,  2012,  p.  329.    

MACKAY,  Fergus.  “Indigenous  People’s  rights  to  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  the  World  Banks’s  

Extractive  Industries  Review”.  4  Sustainable  Dev.  L.  &  Pol’y.  43,  2004.  

MOREIRA,  Susana.  “Brazil:  Keeping  the  Lights  on”,  9  Whitehead  J.  Dipl.  &  Int’l  Rel.  115,  2008.  

NEVES,  Marcelo.  “O  abuso  de  princípios  no  Supremo  Tribunal  Federal”,  In.:  Observatório  Constitucional.  

Conjur,  2012,  disponível  em:  www.conjur.com.br/2012-­‐out-­‐27/observatorioconstitucional-­‐abuso-­‐principios-­‐

supremo-­‐tribunal,  último  acesso  em  27  de  junho  de  2013.  

SILVA,  Virgílio  Afonso  da.  Direitos  Fundamentais:  conteúdo  essencial,  restrições  e  eficácia.  São  Paulo:  Malheiros,  

2009.  

TAMANG,  Parshuram.  “An  Overview  of  the  Principle  of  Free,  Prior  and  Informed  Consent  and  Indigenous  

Peoples  in  International  and  Domestic  Law  and  Practices”  

VIEIRA,  Oscar  Vilhena.  Direitos  Fundamentais:  uma  leitura  da  jurisprudência  do  STF.  São  Paulo:  Malheiros.  

2006.  

____.  “Supremocracia”,  Revista  de  Direito  GV  4  (2):  441-­‐464.  2008.  

Documentos  consultados:  

International  Energy  Agency,  “Technology  Roadmap:  Hydropower”,  2012.  

IPEA,  “Energia  e  Meio  Ambiente  no  Brasil:  Oferta  Interna  e  Padrão  de  Consumo  Energético”,  Série:  Eixos  do  

Desenvolvimento  Brasileiro,  Comunicado  IPEA  n°  77,  2011.  

World  Commission  on  Dams,  “Dams  and  Development:  A  new  framework  for  Decision-­‐making”,  2000.  

Sítio  visitados:  

Folha  de  São  Paulo.  “Governo  suspende  estudos  de  usinas  no  rio  Tapajós;  índios  liberam  biólogos”,  notícia  

disponível  em:  http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1300183-­‐governo-­‐suspende-­‐estudos-­‐de-­‐usinas-­‐

no-­‐rio-­‐tapajos-­‐indios-­‐liberam-­‐biologos.shtml,  último  acesso  27/06/2013  

Plano  Decenal  de  Expansão  de  Energia  2021  /  Ministério  de  Minas  e  Energia.  Empresa  de  Pesquisa  Energética.  

Brasília:  MME/EPE,  2012.  Disponível  em:  http://www.epe.gov.br/PDEE/20120924_1.pdf  

Plano  Nacional  de  Energia  2030.  Geração  Hidrelétrica.  Brasília,  27  de  abril  de  2006.  Disponível  em:  

http://www.mme.gov.br/mme/menu/todas_publicacoes.html.    

Secretaria  Geral  da  República.  “Ministro  Gilberto  Carvalho  renova  proposta  de  diálogo  e  negociação  com  

lideranças  Munduruku”,  notícia  disponível  em:  <  

http://www.secretariageral.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/05/29-­‐05-­‐2013-­‐ministro-­‐gilberto-­‐carvalho-­‐

renova-­‐proposta-­‐de-­‐dialogo-­‐e-­‐negociacao-­‐com-­‐liderancas-­‐munduruku>,  último  acesso  27/06/2013.  

Valor  Econômico,  disponível  em  http://www.valor.com.br/brasil/2908922/para-­‐liberar-­‐obras-­‐governo-­‐quer-­‐

pagar-­‐royalty-­‐para-­‐indios,  último  acesso  em  01/07/2013.  

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O SETOR ELÉTRICO, AS COMUNIDADES LOCAIS E OS POVOS TRADICIONAIS: POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS  

Daniela  Garcia  Giacobbo∗  

 

RESUMO  

 

O  ordenamento  jurídico  brasileiro  vincula  a  pessoa  humana,  observados  os  direitos  constitucionais  à  vida  e  à  

dignidade,  aos  bens  ambientais,  “essenciais  à  sadia  qualidade  de  vida”  (artigo  225,  caput,  da  CF/88),  adaptada  

ao   local   onde   vive.  Apesar  de  o  Brasil   possuir   normas  de  natureza  material   avançadas,   quanto  à  proteção   a  

direitos   individuais   e   coletivos,   e   uma   extensa   legislação   ambiental,   essas   leis,   contudo,   não   só   não   se  

interrelacionam,   como   só   são   observadas   quando   já   instaurados   os   conflitos   socioambientais,   por   falta   de  

políticas  públicas  efetivas,   incumbindo  ao  Poder  Judiciário  resolvê-­‐los.  O  presente  artigo  procurará  mostrar  a  

necessidade   do   debate   das   questões   envolvendo   o   desenvolvimento   socioeconômico   e   o   uso   dos   recursos  

naturais   com   as   comunidades   diretamente   atingidas,   de   acordo   com   uma   legislação   a   ser   construída   pelo  

Estado,   em   especial   com   a   imediata   regulamentação   do   artigo   231   da   Constituição   Federal,   bem   como   por  

meio   do   procedimento   da   resolução   consensual,   com   a   presença   do   Poder   Público,   de   forma   a   reduzir   a  

insegurança   jurídica   e   o   risco   na   implantação   dos   empreendimentos   hidrelétricos   que   sustentarão   o  

crescimento  do  Brasil.  

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Empreendimentos  hidrelétricos,  Conflitos  socioambientais,  Resolução  Consensual.    

 

                                                                                                                         ∗Bacharel  em  Ciências  Jurídicas  e  Sociais  (Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  -­‐  UFRGS)  e  bacharel  em  Comunicação  Social  (Pontifícia  Universidade  Católica  do  Rio  Grande  do  Sul   -­‐  PUCRS).  Possui  Especialização  em  Direito  Público   (Faculdade   IDC/RS).  Técnica   Judiciária  no  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região,  desde  1994.  Contatos:  (51)  8421.0330/3213.3000  -­‐  [email protected]  e  [email protected].  

O SETOR ELÉTRICO, AS COMUNIDADES LOCAIS E OS POVOS TRADICIONAIS: POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS  

Daniela  Garcia  Giacobbo∗  

 

RESUMO  

 

O  ordenamento  jurídico  brasileiro  vincula  a  pessoa  humana,  observados  os  direitos  constitucionais  à  vida  e  à  

dignidade,  aos  bens  ambientais,  “essenciais  à  sadia  qualidade  de  vida”  (artigo  225,  caput,  da  CF/88),  adaptada  

ao   local   onde   vive.  Apesar  de  o  Brasil   possuir   normas  de  natureza  material   avançadas,   quanto  à  proteção   a  

direitos   individuais   e   coletivos,   e   uma   extensa   legislação   ambiental,   essas   leis,   contudo,   não   só   não   se  

interrelacionam,   como   só   são   observadas   quando   já   instaurados   os   conflitos   socioambientais,   por   falta   de  

políticas  públicas  efetivas,   incumbindo  ao  Poder  Judiciário  resolvê-­‐los.  O  presente  artigo  procurará  mostrar  a  

necessidade   do   debate   das   questões   envolvendo   o   desenvolvimento   socioeconômico   e   o   uso   dos   recursos  

naturais   com   as   comunidades   diretamente   atingidas,   de   acordo   com   uma   legislação   a   ser   construída   pelo  

Estado,   em   especial   com   a   imediata   regulamentação   do   artigo   231   da   Constituição   Federal,   bem   como   por  

meio   do   procedimento   da   resolução   consensual,   com   a   presença   do   Poder   Público,   de   forma   a   reduzir   a  

insegurança   jurídica   e   o   risco   na   implantação   dos   empreendimentos   hidrelétricos   que   sustentarão   o  

crescimento  do  Brasil.  

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Empreendimentos  hidrelétricos,  Conflitos  socioambientais,  Resolução  Consensual.    

 

                                                                                                                         ∗Bacharel  em  Ciências  Jurídicas  e  Sociais  (Universidade  Federal  do  Rio  Grande  do  Sul  -­‐  UFRGS)  e  bacharel  em  Comunicação  Social  (Pontifícia  Universidade  Católica  do  Rio  Grande  do  Sul   -­‐  PUCRS).  Possui  Especialização  em  Direito  Público   (Faculdade   IDC/RS).  Técnica   Judiciária  no  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região,  desde  1994.  Contatos:  (51)  8421.0330/3213.3000  -­‐  [email protected]  e  [email protected].  

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1  INTRODUÇÃO    

 

O  Direito  Ambiental  Constitucional  Brasileiro   trata  da  relação   jurídica  que  vincula  a  pessoa  aos  bens  

ambientais,  “essenciais  à  sadia  qualidade  de  vida”  (artigo  225,  caput,  da  CF/88).  Também  a  definição  do  meio  

ambiente  ecologicamente  equilibrado  refere  à  tutela  da  pessoa  humana,  adaptada  ao  local  onde  vive.  Assim,  a  

tutela  do  meio  ambiente  associa-­‐se  ao  direito  à  vida  e  à  dignidade  humana,  conforme  o  artigo  1º,  III,  CF/88.  A  

Constituição  Federal,  ao  mesmo  tempo  em  que  permite,  como  regra,  o  livre  exercício  da  atividade  econômica  

pela  iniciativa  privada  (artigo  170,  parágrafo  único),  por  outro  lado,  fixa  a  função  social  da  propriedade  (artigo  

170,  III)  e  a  defesa  do  meio  ambiente  (artigo  170,  VI),  como  princípios  gerais  da  atividade  econômica.  

E   como   os   direitos   humanos   e   fundamentais   não   são   optativos,   devendo   sempre   ser   assegurados  

pelos   Estados   e   comunidades   internacionais,   importa   também   referir   o   papel   do   Estado   Brasileiro   na  

regulamentação   do   parágrafo   3º   do   artigo   231   da   Constituição   Federal   e,   a   Convenção   169   da  Organização  

Internacional  do  Trabalho,  o  único  instrumento  jurídico  internacional  a  tratar  especificamente  dos  direitos  dos  

povos   indígenas  e   tribais   e   sobre  a   inclusão  e  mecanismos  de   consulta,   propriamente  dita.   Tem-­‐se,   ainda,  o  

Princípio   10   da   Declaração   aprovada   em   1992,   na   Conferência   Nacional   das   Nações   Unidas   sobre   o   Meio  

Ambiente  e  Desenvolvimento  (Eco92),  que  ocorreu  no  Rio  de  Janeiro,  o  qual  fala  da  participação  dos  cidadãos  

nas  questões  ambientais  por  meio  do  seu  acesso  a  informações  sobre  o  meio  ambiente.      

Verifica-­‐se,  ainda,  que  as  nossas   leis   infraconstitucionais   têm  como  princípios  promover  pesquisas  e  

estimular   ações   dos   entes   públicos   das   três   esferas,   assim   como   o   poder   produtivo,   o  meio   acadêmico   e   a  

sociedade  civil  organizada  a  desenvolverem  programas  e  ações  relacionados  à  proteção  ambiental.    

Mas  não  basta  um  ordenamento   jurídico  de  tutela  do  meio  ambiente,  sendo  necessário  um  sistema  

interligado  de  políticas  públicas  visando  à  interrelação  da  pessoa  humana  com  o  meio  ambiente  onde  vive,  com  

base  em  regras  claras,  discutidas  previamente  e  estáveis.  

O  setor  elétrico,  nas  formas  de  geração,  transmissão  e  distribuição,  é  o  que  provoca  maior  efeito  no  

meio  ambiente.  Toda   forma  de  produção  de  energia  vai   impactar,  de  alguma   forma,  o  ambiente  natural  e  a  

sociedade   diretamente   atingida,   mas,   se   tivéssemos   políticas   públicas   efetivamente   voltadas   à   inclusão,   de  

acordo  com  uma  legislação  socialmente  construída,  poder-­‐se-­‐ia  evitar  os  conflitos  que,  muitas  vezes,  esse  tipo  

de  empreendimento  gera,  face  à  difícil  compatibilização  do  desenvolvimento  econômico  e  social  com  o  uso  dos  

recursos  naturais.    

Apesar  de  o  Brasil  possuir  normas  de  natureza  material  avançadas,  em  matéria  de  proteção  a  direitos  

individuais  e  coletivos,  e  uma  extensa  legislação  ambiental,  essas  leis,  contudo,  não  só  não  se  interrelacionam,  

como  só  são  observadas  quando  já  instaurados  os  conflitos,  por  falta  de  políticas  públicas  efetivas,  incumbindo  

ao  Poder  Judiciário  resolvê-­‐los,  uma  vez  que  tem  o  dever  constitucional  de  controlar,  sempre  que  provocado,  

as  omissões  na  implementação  das  políticas,  quando  essas  já  estão  integralmente  previstas  em  lei.  

Registre-­‐se  que  até  hoje  não  foi  regulamentado  o  parágrafo  3º  do  artigo  231  da  Constituição  Federal,  

que  assim  dispõe:    

 

Art.   231.   São   reconhecidos   aos   índios   sua   organização   social,   costumes,   línguas,   crenças   e  

tradições,  e  os  direitos  originários  sobre  as  terras  que  tracionalmente  ocupam,  competindo  à  

União  demarcá-­‐las,  proteger  e  fazer  respeitar  todos  os  seus  bens.  

[...]  

§  3º.  O  aproveitamento  dos  recursos  hídricos,  incluídos  os  potenciais  energéticos,  a  pesquisa  

e  a  lavra  das  riquezas  minerais  em  terras  indígenas  só  podem  ser  efetivados  com  autorização  

do   Congresso   Nacional,   ouvidas   as   comunidades   afetadas,   ficando-­‐lhes   assegurada  

participação  nos  resultados  da  lavra,  na  forma  da  lei.  

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ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013

 

E,   diante   da   omissão   da   Administração   Pública   na   promoção   do   debate   e   na   elaboração   de   uma  

política  pública  que  resolva,  definitivamente,  a  questão  fundiária,  bem  como  diante  da  falta  de  uma  legislação  

socioambiental   integrada,   uma   vez   que   os   direitos   originários   dos   povos   indígenas   se   encontram   hoje  

subsumidos   à   legislação   ambiental,   a   mesma   que   rege   os   procedimentos   para   o   licenciamento   dos  

empreendimentos,  as  divergências  acabam  sendo  resolvidas  na  via  judicial,  quando  já  instaurados  os  conflitos.    

 

2  OBJETIVO  E  MÉTODO  

 

O  presente  artigo  procurará  mostrar  que  a  resolução  de  conflitos  socioambientais  causados  em  razão  

da  instalação  de  empreendimentos  do  setor  elétrico,  com  a  inclusão  das  comunidades  envolvidas,  poderia  ser  

feita  de  modo  consensual.  

A  partir  da  constatação  de  que  a  ordem  jurídica  brasileira  atribui  ao  Ministério  Público  características  e  

instrumentos  que  permitem  a  utilização  dessas  abordagens  na  resolução  dos  conflitos  socioambientais,  antes  

da   propositura   de   ação   judicial   (art.   129,   III,   da   CF/88)   analisar-­‐se-­‐á   os   casos   de   recentes   conflitos   em  

complexos   hidrelétricos   na   Região   Amazônica.   Será   abordada   a   doutrina   que   defende   a   utilidade   de   uma  

solução   consensual   de   conflitos   que   envolvem   o   Poder   Público   na   esfera   do   Inquérito   Civil   Público   ou  

procedimentos   correlatos,  por  meio  do  Termo  de  Ajustamento  de  Conduta,  quando  poderão   ser  negociadas  

mudanças  em  procedimentos  da  Administração.  Nesse   caso,  o   representante  do  Ministério  Público   funciona  

também   como   órgão  mediador   e   indutor   de  mudanças,   porquanto   representa   a   sociedade   como   um   todo.  

Contudo,   dadas   certas   funções   institucionais   do   Ministério   Público,   como   por   exemplo,   a   de   defender  

judicialmente   os   direitos   e   interesses   indígenas   (artigo   129,   V,   da   CF/88),   tem-­‐se,   por   meio   da   análise   dos  

conflitos  ocorridos  na  UHE  de  Belo  Monte  e  quando  da  realização  dos  estudos  do  Complexo  Tapajós,  que  nem  

sempre   a   posição   do   órgão  ministerial   se   encaixa   no   conceito   estrito   da   figura   do  mediador,   a   exemplo   de  

outros  países.  

Será  analisada  doutrina  que  defende  os  meios  consensuais  de  resolução  de  conflitos  envolvendo  entes  

públicos,   principalmente   na   fase   administrativa,   mesmo   em   se   tratando   de   controvérsias   que   envolvam  

interesses   transindividuais   e   coletivos,   defendendo-­‐se   o   entendimento   que   o   debate   pela   inclusão   das  

comunidades   locais   e   povos   tradicionais   deve   ser   anterior   ao   processo   licitatório,   quando   planejada   a  

implantação   de   grandes   empreendimentos,   ou   seja,   antes   da   concessão   para   exploração   das   bacias  

hidrográficas.  

 

3  ANÁLISE  DOS  CONFLITOS  SOCIOAMBIENTAIS  NA  IMPLANTAÇÃO    

DE  EMPREENDIMENTOS  HIDRELÉTRICOS  NO  BRASIL  

 

O   Brasil   tem   nos   rios   a   sua   principal   fonte   de   geração   de   energia   elétrica.   De   todo   o   potencial  

hidrelétrico   brasileiro,   de   cerca   de   250   mil   MW   de   potência,   30%   foram   aproveitados.   O   maior   potencial  

disponível  está  na  bacia  do  Rio  Amazonas   (100  mil  MW),  do  qual  em  torno  de  17%   já   foram  explorados.  No  

entanto,  explorar  o  potencial  hidrelétrico  da  bacia  do  Amazonas  representa  um  grande  desafio,  porque  parte  

dos  aproveitamentos  potenciais  interfere  em  unidades  de  conservação  ou  terras  indígenas  (EPE,  2013).  

No  Brasil  existem  505  terras  indígenas,  que  cobrem  uma  extensão  de  mais  de  100  milhões  de  hectares  

e   representa   cerca   de   13%   do   território   nacional.   Nessas   terras,   cuja  maior   parte   se   encontra   na   Amazônia  

Legal,  vivem  58%  da  população   indígena.  Fala-­‐se  em  uma  população  de  897  mil  pessoas,  divididas  entre  305  

povos   que   falam  274   línguas   diferentes   e   que  possuem   características   socioculturais  muito   diversas   entre   si  

(FUNAI,  2013).  

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Ofende  o  princípio  da  dignidade  humana  o  fato  de  indígenas  e  integrantes  de  populações  ribeirinhas  e  

quilombolas,  entre  outros  que  constituem  as  comunidades   locais  e  povos  tradicionais,  estarem  à  margem  do  

processo   decisório   de   projetos   que   envolvam   o   uso   das   terras   em   que   habitam.   Se   houve   um  movimento  

historicamente  forte  em  sua  defesa,  que  começou  com  o  Movimento  dos  Atingidos  por  Barragens,  nos  anos  70,  

por   outro,   nos   dias   atuais,   esses   grupos   e   povos   tradicionais   encontram-­‐se   em   meio   a   uma   disputa   de  

interesses:  por  um  lado  o  Governo  Federal,  por  meio  da  FUNAI  e  outros  órgãos  da  Administração  Pública  direta  

e   indireta   e,   de   outro,   organizações   não-­‐governamentais   e   entidades   internacionais,   que   possuem   posição  

doutrinária   nem   sempre   claramente   identificada.   De   outro   lado,   ainda,   estão   os   empreendedores,  

construtoras,  seguradoras  e  todos  os  demais  envolvidos  nos  empreendimentos  do  setor  elétrico.  

O   mais   recente   estudo   do   Plano   Decenal   de   Expansão   de   Energia   (PDE)   demonstra   que   estão  

planejadas  19  UHEs,  que  somam  19.673  MW  de  potência  adicional  de  energia  elétrica  prevista  para  2017-­‐2021  

e   que   pelo   menos   duas   delas   interferem   diretamente   em   terras   indígenas   (EPE,   2013).   Isso   mostra   a  

complexidade  de  explorar  o  potencial  hidráulico  na  Amazônia,  tendo  em  vista  a  falta  de  definições  e  a  pouca  

experiência  sobre  este  tema  no  Brasil.  Outro  estudo,  realizado  em  2012  pelo  Observatório  dos  Investimentos  

na  Amazônia,  do  INESC,  evidencia  que  os  investimentos  planejados  no  âmbito  do  Programa  de  Aceleração  do  

Crescimento   –   PAC,   financiados   pelo   Banco  Nacional   de   Desenvolvimento   Econômico,   o   BNDES,   provocarão  

grandes  transformações  no  modo  de  vida  e  nos  territórios  onde  vivem  os  povos  indígenas  (INESC,  2012).  

Portanto,   o   planejamento   e   a   construção   de   hidrelétricas   precisam   incorporar   a   avaliação   das  

interferências  de  tais  usinas  em  terras  indígenas  e  comunidades  locais  e  propor  alternativas  para  reduzir  esse  

impacto,   com   a   imediata   regularização   fundiária   das   suas   terras   e   a   adoção   de   um   estudo   ambiental  

estratégico  para  o  uso  dos  recursos  hídricos.  

Na  lição  de  Luciane  Moessa  de  Souza  (2012)  há  a  possibilidade  de  resolução  consensual  para  obtenção  

da   solução   para   os   problemas   na   regulamentação   fundiária   e   os   referentes   ao   aproveitamento   hídrico   em  

terras  indígenas  (art.  231,  §  3º,  CF/88).  

Refere  a  autora  que:  

 

[...]   a   demarcação   de   terras   indígenas,   dever   constitucionalmente   atribuído   à  União   (artigo  

231   da   CF),   que   deveria   ter   sido   concluída   no   prazo   de   5   anos   após   a   promulgação   da  

Constituição   (artigo   67   do   ADCT),   assim   como   a   emissão   de   títulos   de   propriedade   aos  

ocupantes   de   comunidades   quilombolas   que   também   foi   determinada   pela   Constituição  

(artigo  68  do  ADCT),  são  assuntos  igualmente  sensíveis  na  questão  fundiária,  que  dão  ensejo  a  

inúmeros  conflitos  em  sede  administrativa  e  judicial,  o  que  demonstra  a  imensa  necessidade  

e   utilidade   de   se   utilizar   um  mecanismo   consensual   para   obter   a   solução   preconizada   pelo  

texto  constitucional  (SOUZA,  2012,  p.  241).    

 

A   falta   dessa   regulamentação   tem   sido   a   causa   dos   conflitos  mais   graves   na   história   deste   país,   na  

implementação  das  obras  de  infraestrutura  do  setor  elétrico.  E  assim  como  na  discussão  sobre  a  demarcação  

das  terras  indígenas  ou  remanescentes  de  quilombos,  é  também  na  discussão  sobre  as  avaliações  de  impacto  

ambiental,   vinculadas   aos   processos   de   licenciamento   ambiental   para   implantação   desses   grandes  

empreendimentos,  que  surgem  as  oportunidades  para  a  prevenção  e  solução  dos  conflitos  socioambientais.  

O  art.  10  da  Lei  nº  6.938,  de  31  de  agosto  de  1981,1  introduziu  o  processo  de  licenciamento  ambiental  

                                                                                                                         1   Art.   10.   A   construção,   instalação,   ampliação   e   funcionamento   de   estabelecimentos   e   atividades   utilizadoras   de   recursos   ambientais,  considerados   efetiva   e   potencialmente   poluidores,   bem   como   os   capazes,   sob   qualquer   forma,   de   causar   degradação   ambiental,  dependerão  de  prévio  licenciamento  de  órgão  estadual  competente,  integrante  do  Sistema  Nacional  do  Meio  Ambiente  –  SISNAMA,  e  do  Instituto  Brasileiro  do  Meio  Ambiente  e  Recursos  Renováveis  –  IBAMA,  em  caráter  supletivo,  sem  prejuízo  de  outras  licenças  exigíveis.  

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na   legislação   ordinária.   Desse  modo,   no   que   se   refere   à   utilização   de   recursos   ambientais,   a   construção,   a  

instalação,   a   ampliação   e   o   funcionamento   de   estabelecimentos   e   atividades   passaram   a   ser,   em   princípio,  

legalmente   disciplinados.   Mas   essa   regulação   parece   estar   longe   de   ser   a   adequada,   a   começar   pela  

subjetividade  que  envolve  os  processos,  ocasião  em  que  surgem  as  divergências,  abrindo  espaço  para  o  debate  

e  a  mediação.    

Embora   a   doutrina   pouco   se   dedique   ao   assunto,   existe,   sim,   uma   relação   entre   a   licitação   e   o  

licenciamento   ambiental.   É   que   na   maioria   das   vezes   as   obras   públicas   somente   são   submetidas   ao  

licenciamento  ambiental  depois  da   licitação.  O  fato  de  uma  usina  possuir  outorga  de  concessão  não  significa  

que  ela  será  construída.  Duas  condições  são  necessárias  para  viabilizar  a   implantação  do  empreendimento:  a  

Licença  de  Instalação  (LI)  emitida  pelo  órgão  ambiental  e  o  contrato  para  a  venda  de  energia  (PPA),  que  garante  

a  solidez  econômica  e  financeira  do  investimento.  Em  outras  palavras,  o  processo  de  licenciamento  ambiental  

no  Brasil  é  iniciado  na  fase  de  implantação  do  projeto  do  empreendimento,  quando  já  se  encontra  prejudicada  

a  possibilidade  de  serem  consideradas  possíveis  alternativas  ao  projeto.  E  é  aí  que  surgem  os  conflitos.    

Mas  se  o   licenciamento  determinará  como,  quando  e  se  a  obra  será  realizada,  a   licitação  só  poderia  

ocorrer   posteriormente   -­‐   mesmo   porque   o   próprio   projeto   executivo   dependerá   daquele   processo  

administrativo.   Inverter   a   ordem   é   transformar   o   licenciamento   ambiental   em   uma   mera   formalidade  

administrativa,  desrespeitando  a  Lei  n.  6.938/81  (Lei  da  Política  Nacional  do  Meio  Ambiente)  e  a  Constituição  

da  República.  

Sendo  um  complexo  processo  de  obtenção  de  três  documentos  obrigatórios   (Licença  Prévia,  Licença  

de  Instalação  e  Licença  de  Operação),  o   licenciamento  demanda  estabelecimento  de  largos  prazos  e  recursos  

financeiros,  agravado  pelo  fato  de  que  a  licença  necessária  para  o  início  é  imprescindível  para  a  obtenção  dos  

financiamentos   e   os   incentivos   governamentais   para   o   empreendimento.   Ocorre   que   o   atendimento   à  

legislação  ambiental,  por  si  só,  não  dá  ao  empreendedor  a  segurança  de  que  seu  planejamento  será  cumprido  

sem  embargos  e  paralisações,  pelas  questões  socioambientais.  

A   insegurança   jurídica,   nesses   casos,   é   resultante   do   fato   de   o   licenciamento   ser   feito   na   fase   de  

projeto.   A   LP   deve   ser   obtida   antes   de   elaborados   os   projetos   de   engenharia   pois   o  órgão   licenciador   pode  

impor  uma  alternativa  locacional  ou  uma  concepção  diferente.  Nesse  caso,  o  projeto  deverá,  obrigatoriamente,  

ser  refeito.  Desse  modo,  a  decisão  de  iniciar  as  obras  antes  da  emissão  da  LI  poderá  acarretar  a  paralisação  da  

construção.    

As   licenças   emitidas   são,   com   frequência,   alvos   de   críticas   e   contestações   judiciais   por   parte   dos  

opositores   dos   empreendimentos.   O  Ministério   Público   Federal,   por   exemplo,   disponibilizou   em   seu   sítio   a  

relação   das   Ações   Civis   Públicas   que   foram   ajuizadas   em   razão   de   problemas   nas   análises   técnicas   nos  

processos  de  licenciamento  das  grandes  obras  hidrelétricas  na  Região  Amazônica  (BRASIL,  2013b).  

Há   a   necessidade   de   uma   análise   ambiental   ampla,   que   identifique   os   potenciais   impactos  

socioambientais  do  projeto  com  a  descrição  do  empreendimento,  do  ambiente  que  por  ele   será  afetado,  da  

natureza  das   alterações   ambientais   previstas   e,   também,  das   formas  de  minimizar  os   efeitos  negativos   e  de  

maximizar  os  efeitos  positivos.  No  caso  do  Brasil,  apesar  de  a  hidroeletricidade  se  constituir  na  solução  técnica  

mais  utilizada,  em  vista  dos  benefícios  econômicos  e  ambientais,  em  comparação  com  a   termoeletricidade  a  

combustíveis  fósseis  e  as  usinas  nucleares,  por  ser  renovável  e  disponível  no  país  ao  menor  custo  e  risco,  deve  

haver  uma  preocupação  muito  grande  na  sua  implementação  e  estudos  estratégicos.    

A  principal  fonte  de  regulação  jurídica  é  a  Lei  nº  9.433/97  que  instituiu  a  Política  Nacional  de  Recursos  

Hídricos,  apresentando  importantes  avanços  como  a  gestão  participativa,  a  criação  de  um  Sistema  Nacional  de  

Informações   sobre   Recursos   Hídricos,   a   elaboração   de   um   Plano   Nacional   de   Recursos   Hídricos   e,  

principalmente,   adotou   a   bacia   hidrográfica   como   unidade   de   planejamento.   Todo   e   qualquer   estudo   de  

avaliação  de   impacto  ambiental  deverá   levar  em  conta  a  bacia  hidrográfica   como  unidade  de  planejamento,  

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pena   de   ser   invalidado   o   ato,   assim   como   a   audiência   pública   que   o   antecipou,   como   já   decidiu   a   Terceira  

Turma  do  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região  (BRASIL,  2009b).    

Com  a  Lei  nº  10.847/04,  a  União  criou  a  Empresa  de  Pesquisa  Energética  -­‐  EPE,  vinculada  ao  Ministério  

de  Minas  e  Energia,  com  a  finalidade  de  prestar  serviços  na  área  de  estudos  e  pesquisas,  destinados  a  subsidiar  

o   planejamento   do   setor   energético,   inclusive   com   a   melhoria   dos   estudos   socioambientais.   A   empresa  

instituiu  um  ciclo  de  um  projeto  hidrelétrico  e,  para  o  início  do  processo  de  licenciamento  ambiental,  impôs  a  

realização  de:  a)  estudos  de  inventário;  b)  avaliação  ambiental  integrada;  c)  estudos  de  viabilidade;  d)  estudos  

de  impacto  ambiental.  

Os  Estudos  de  Avaliação   Integrada  têm  como  objetivo   identificar  e  avaliar  os  efeitos   resultantes  dos  

impactos  ambientais  ocasionados  pelo  conjunto  de  aproveitamentos  hidrelétricos  na  bacia  hidrográfica  e,  em  

consulta  ao  sítio  da  EPE,  é  possível  constatar  que  várias  bacias  já  tiveram  seus  estudos  concluídos  (EPE,  2013).  

Carlos   Tucci   e   Carlos  Mendes   destacam  que   a   avaliação   ambiental   tem   sido   realizada   com  base   no  

instrumento   básico   denominado   EIA,   tratando-­‐se   de   avaliação   relativa   a   um   processo   de   decisão   de  

empreendimentos  individuais.  Porém,  o  EIA  não  tem  a  habilidade  para  antecipar  decisões,  por  não  considerar  

as  políticas  estratégicas,  além  de  não  avaliar  os  efeitos   integrados  do  conjunto  de  empreendimentos.  Assim,  

numa   bacia   hidrográfica   com   disponibilidade   hídrica   limitada,   pequenos   empreendimentos   podem   não   ser  

relevantes,  "mas  na  medida  em  que  os  empreendimentos  se  somam,  o  problema  de  conflito  pode  se  agravar.  

O  resultado  de  um  ou  mais  dos  projetos  podem  ser  limitados,  mas  sua  avaliação  para  o  conjunto  de  uma  bacia  

permite  melhor  entender  os  impactos  integrados  no  espaço  e  na  política"  (TUCCI;  MENDES,  2011)    

Para   os   referidos   autores,   a   Avaliação   Ambiental   Estratégica   (AAE)   teria   a   função   de   minimizar   os  

impactos  e  oportunizar  a  gestão  ambiental  relacionada  com  o  Plano  ou  Programa,  estabelecendo  as  bases  de  

outorga   e   licenciamento   ambiental.   Por   sua   vez,   a   Avaliação   Ambiental   Integrada   subsidiaria   os   elementos  

técnicos  pela  avaliação  integrada  dos  efeitos  sinérgicos  na  bacia.  No  setor  elétrico  estabeleceu-­‐se  a  exigência  

da   LP   para   a   licitação   de   novas   hidrelétricas.   Desse   modo,   introduziu-­‐se   no   setor   a   Avaliação   Ambiental  

Integrada  (AAI),  o  que  fez  com  que  a  elaboração  de  inventários  de  bacias  hidrográficas  para  fins  de  geração  de  

energia  elétrica  incorporasse  a  dimensão  ambiental.  

Assim,  uma  forma  de  evitar  os  problemas  causados  pelo  fato  de  o  licenciamento  ser  realizado  na  fase  

de  projeto  é  a  adoção  do  processo  de  AAE  indicada  para  ser  utilizada  para  políticas,  programas  e  projetos  de  

caráter   estruturante,   antes   que   decisões   irreversíveis   ou   de   difícil   reversão   tenham   sido   tomadas.   A   AAI,  

embora  considere  os  efeitos  cumulativos  dos  impactos  ambientais,  é  restrita  ao  conjunto  de  aproveitamentos  

hidrelétricos  em  uma  determinada  bacia  hidrográfica  e,  por  isso  não  tem  abrangência  da  AEE.    Ademais,  não  há  

um  estudo  da  dimensão  social.2  

De  acordo  com  o  recente  Plano  Decenal  de  Expansão  de  Energia  (PDE),  que  compreende  o  período  de  

2012-­‐2021,   haverá   um   aumento   de   42.040   MW   na   potência   instalada   do   parque   hidrelétrico   brasileiro,  

segundo   a   Empresa   de   Pesquisa   Energética   (EPE).   Isso   exigirá   um   grande   esforço   de   compatibilização   do  

planejamento  desse  setor  com  as  exigências  do  licenciamento  ambiental  (EPE,  2013).  

Há,   ainda,   o   problema   da   definição   das   competências   legais   de   licenciamento,   a   ser   conduzido   por  

órgão   integrante   do   Sistema   Nacional   do  Meio   Ambiente   (SISNAMA).   O   art.   23   da   CF/88   concede   à   União,  

Estados,  Municípios  e  o  Distrito  Federal  competência  comum.  Devem  prevalecer  as  regras  gerais  estabelecidas  

pela  União,  mas  as  eventuais   lacunas  poderão  ser  sanadas,  por  exemplo,  pelas  normas  estaduais.  Há  ainda  a  

                                                                                                                         2  Em  alguns  setores  da  sociedade  –  e,  também,  no  setor  público  –  há  certa  confusão  de  conceitos  no  que  se  refere  à  AIA  e  ao  EIA.  Há  quem  considere,  por  exemplo,  que  a  primeira  está  contida  no  segundo.  Há  quem  considere  o  termo  AIA  a  mensuração  de  danos  ambientais  que  já  aconteceram.  Por   fim,  há  os  que  tratam  os  dois   termos  como  sinônimos.  Na  realidade  a  AIA  é  um   instrumento  de  planejamento  que  engloba  procedimentos  como  a  elaboração  de  um  estudo  (EIA),  cujo  caráter  é  técnico,  e  de  um  processo  de  comunicação  com  a  sociedade,  cujo  documento  impresso  é  o  RIMA  –  o  objeto  principal  dos  debates  nas  audiências  públicas.  

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Lei   Complementar   nº   140/2011,   que   trata   da   gestão   ambiental   e   descentraliza   as   atuações   do   Instituto  

Brasileiro   do  Meio  Ambiente   e   Recursos  Renováveis   –   IBAMA.   Essa   lei   complementar   que   fixaria   normas  de  

acordo  com  o  referido  dispositivo  constitucional,  também  não  é  precisa  e,  na  lição  de  Adir  Ubaldo  Rech  (2012)  

nada  tornou  efetivo,  concreto  e  eficaz  em  termos  ambientais  e  nada  criou  de  novo,  a  não  ser  regulamentar  o  

inciso   IX  do  art.   7º  da  CF/88,  que  determina  que  uma  das  atribuições  administrativas  da  União  é  elaborar  o  

zoneamento  ambiental,  nos  âmbitos  nacional  e  regional  bem  como  que  dispõe  o   inciso  IX  do  art.  8º,  quando  

afirma   que   cabem   aos   estados   elaborarem  o   seu   zoneamento   ambiental   estadual,   em   conformidade   com  o  

zoneamento  ambiental  nacional  e  o  regional.      

A   falta  de  regras  claras  sobre  o  zoneamento  ambiental  atinge  também  as  populações   locais  e  povos  

tradicionais,  na  medida  em  que   interfere  nas  atividades  de  energia  e  mineração,   ressaltando-­‐se  que  o  órgão  

ambiental  do  Executivo  é  o  responsável  pelo  zoneamento,  devendo  ser  feito  antes  do  licenciamento.    

O   licenciamento   ambiental   é   potencialmente   um   poderoso   instrumento   de   mediação   de   conflitos,  

uma  vez  que  os  projetos  que  estão  sendo   licenciados   trazem  e  deslocam  comunidades   inteiras  e  beneficiam  

setores,  e  deveria  ter  como  pré-­‐requisito  um  constante  e  fundamentado  diálogo  entre  as  instituições  setoriais,  

a   sociedade   civil   e   os   entes   federados,   devendo   os   envolvidos   estar   articulados   dentro   de   uma   visão   de  

desenvolvimento  social.    

Ademais,  se  amparado  por  sólidas  bases  legais,  e  com  a  intensificação  da  capacitação  dos  técnicos  dos  

órgãos   licenciadores,   deve   apresentar   qualidade   compatível   com   as   dimensões   dos   empreendimentos   que  

pretendem   caracterizar   e,   mais   do   que   isso,   oportunizar   aos   empreendedores   formas   eficientes   de  

comunicação   com   as   comunidades   afetadas.   Nesse   contexto,   o   cuidado   com   a   elaboração   do   Relatório   de  

Impacto   Ambiental   (RIMA)   assume   particular   importância,   ao   menos   enquanto   a   legislação   não   for  

aperfeiçoada,  criando  mecanismos  que  substituam  ou  aprimorem  o  papel  desse  relatório.  A  atuação  das  ONGs,  

dos   movimentos   sociais   e   do   Ministério   Público,   como   todo   o   legitimado   coletivo,   no   processo   de  

licenciamento  ambiental  deve  partir  do  princípio  de  que  é  importante  reconhecer  as  dificuldades  inerentes  aos  

procedimentos  de  previsão  de  impactos  e  a  complexidade  das  ciências  aplicadas  ao  ambiente.    

O  modelo   de   elaboração  do  RIMA,   documento  que,   segundo   as   normas,   é   um   instrumento   voltado  

para  democratizar  a  informação,  nos  termos  do  que  preconiza  o  Princípio  10  da  Declaração  aprovada  em  1992  

na  Conferência  Nacional  das  Nações  Unidas  sobre  o  Meio  Ambiente  e  Desenvolvimento  (Eco92),  demonstrou  

inúmeras   falhas   desde   que   foi   instituído   há   trinta   anos,   tempo   suficiente   para   justificar   uma   reavaliação   do  

processo  conhecido  como  EIA/RIMA.  O  mesmo  se  pode  dizer  com  relação  às  audiências  públicas,  que  poderiam  

ser  melhor  utilizadas  no  processo  de  participação  da  sociedade.    

No   caso   das   usinas   hidrelétricas,   por   exemplo,   a   simples   notícia   de   sua   construção   provoca   um  

sentimento   de   apreensão   e   incerteza   junto   às   comunidades   da   área   de   influência   direta   ou   indireta   do  

empreendimento.   Especulações   sobre   áreas   passíveis   de   serem   inundadas   criam   um   clima   hostil   para   os  

empreendedores.  Movimentos  sociais  e,  principalmente  de  povos  indígenas,  como  os  que  vêm  ocorrendo  nos  

últimos   anos   com   as   reiteradas   ocupações   do   canteiro   de   obras   da   Usina   de   Belo  Monte   e   os  movimentos  

impedindo   a   realização   de   estudos   no   Complexo   de   Tapajós,   se   posicionam   contra   o   desenvolvimento   das  

atividades  previstas  no  projeto.  Grupos  ambientalistas  protestam  preventivamente.  Quando  o  RIMA  começa  a  

exercer   o   seu   papel,   quase   nada   poderá   mudar   –   ainda   que   seja   adequadamente   compreendido   pelas  

comunidades  atingidas,  o  que  raramente  ocorre.  

Se   utilizado   como   um   instrumento   de   mediação   e   negociação   de   conflitos,   o   processo   de  

licenciamento  ambiental   tem  um  grande  potencial  para  contribuir  com  a  consolidação  das  variáveis  sociais  e  

ambientais   no   desenvolvimento.   No   entanto,   ocorrendo   tardiamente   no   processo   de   planejamento,   o  

licenciamento   não   dá   garantia   de   que   foram   adequadamente   consideradas   todas   as   alternativas   possíveis   e  

relevantes   ao   projeto.   Além   do   mais,   quando   o   RIMA   é   apresentado   às   comunidades,   muitas   opiniões   e  

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impressões   já  foram  internalizadas  nas  comunidades   locais.  Assim,  caberia  a  criação  de  um  regramento  geral  

que   consolidasse   o   processo   de   licenciamento   de   modo   a   estimular   a   adesão   da   comunidade   científica,  

estabelecesse  parâmetros  para  a  atuação  do  Ministério  Público,  no  sentido  de  evitar  eventual  desequilíbrio  de  

poder  entre  as  partes,  democratizando  a  informação  e  promovendo  a  participação  da  sociedade.  

Ademais,  o   fato  de  as   licenças  ambientais   serem  dotadas  dos  atributos  da  presunção  de   legalidade,  

veracidade  e  legitimidade  não  implica  a  legalidade  da  atividade  licenciada.  A  presunção  de  que  goza  a  licença,  

por   ser   relativa,   admite   que   prova   em   contrário   a   afaste.   Nesse   sentido,   a   decisão   da   Terceira   Turma   do  

Tribunal  Regional  Federal  da  4ªRegião.  (BRASIL,  2013e).    

Além  disso,  há  um  excesso  de  normas  na  área  ambiental,  sem  a  devida  preocupação  com  a   inclusão  

social,  e  vácuos  legislativos,  com  a  falta  de  regulação  legal  do  setor  sendo  substituída  por  legislação  infralegal,  

como   as   resoluções   emitidas   pelo   CONAMA,   que   determinam   o   rito   do   licenciamento.   As   recorrentes  

contestações  judiciais  evidenciam  as  limitações  do  processo,  que  criam  insegurança  jurídica  pela  interpretação  

subjetiva,  como  por  exemplo,  os  conflitos  de  competência  entre  União,  Estados  e  Municípios.  

Há,  ainda,  o  problema  da  excessiva  subjetividade  e  imprecisão  do  texto  legal  que  prejudica  a  previsão,  

a  mensuração  e  a  avaliação  dos  impactos  socioambientais.    

Na  lição  de  Adir  Ubaldo  Rech:    

 

[...]  no  Brasil,   tem  sido  uma  constante  as   iniciativas  de  multiplicar  a   legislação  sobre  o  meio  

ambiente,   sem   nenhuma   preocupação   com   a   sua   efetividade,   eficácia   e   cientificidade.  

Projetos  sobre  a  tutela  do  meio  ambiente  são  sempre  polêmicos  e  simpáticos  à  população  o  

que  fascina  e  multiplica  as  iniciativas.  O  fato  tem  criado  uma  profusão  de  normas  ambientais  

que  não  cumprem  com  seus  objetivos  e  têm  gerado  conflitos  entre  os  entes  federativos,  não  

se  verificando  nenhuma  eficácia  quanto  à  sociedade  local  [...]  (RECH,  2012,  p.  134).      

É  importante  que  as  leis  sejam  legítimas  e  efetivas.  Mas  é  fundamental  que  sejam  eficientes  e  

que  não  venham  a  comprometer  a  dignidade,  a  saúde,  a  vida  e  a  segurança  da  presente  e  das  

futuras   gerações.  O   positivismo,   por   si,   há   muito   tempo   deixou   de   ser   segurança   jurídica  

absoluta   e   está   longe   de   ser   eficiente,   pois,  muitas   vezes,   as   leis   são   feitas   para   atender   a  

alguns   interesses   econômicos   e   corporativos,   não   tendo   nenhuma   preocupação   com   a  

sociedade  e  com  a  eficiência  (RECH,  2012,  p.  133).  

 

O   setor   elétrico   é   regido   por   uma   complexa   regulamentação   em   suas   atividades   de   geração,  

transmissão,  distribuição,  comercialização,  mas  sem  um  marco  regulatório  definido.  Esse  é  um  dos  problemas  

mais  antigos  que  o  setor  enfrenta  e,   também,  uma  causa  primária  dos  conflitos  associados  aos  processos  de  

instalação  dos  empreendimentos,  sendo  que  o  que  torna  mais  complexa  a  implantação  de  empreendimentos  

do  setor  elétrico  é  a  multiplicidade  de  atores  envolvidos,  como:  órgãos  vinculados  ao  Ministério  das  Minas  e  

Energia   (ANEEL,   EPE,   ONS);   órgãos   como   a   FUNAI   e   entidades   que   representam   as   comunidades   atingidas;  

IBAMA,  CONAMA,  ICMBio  e  os  órgãos  ambientais  estaduais  e  municipais;  e  empresas  geradoras,  transmissoras  

e  distribuidoras;  e  consumidores,  construtoras  e  seguradoras.    

No  caso  específico  das  hidrelétricas,  o  parágrafo  3º  do  art.  231  da  CF/88  estabelece  que  o  Congresso,  

após  ouvir  as  populações  afetadas,  é  quem  deve  permitir  ou  não  a  pesquisa  e  a  lavra  das  riquezas  minerais  em  

terras  indígenas  e  a  exploração  de  seus  recursos  hídricos  e  de  seu  potencial  energético.  Assim,  a  atual  falta  de  

regulamentação   do   artigo   231   provoca   insegurança   jurídica   tanto   para   os   povos   indígenas   quanto   para   os  

empreendedores   que   desenvolverão   os   projetos.   Não   fica   claro   como   deve   ser   feita   a   consulta,   em   que  

momento  e  para  quais  povos  indígenas,  abrindo,  desta  forma,  uma  possibilidade  para  a  contestação  subjetiva  

da  regularidade  do  processo  de  licenciamento  ambiental.  Só  para  ficar  no  exemplo  mais  recente,  o  Ministério  

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Público  Federal  requereu  à  Justiça  Federal  de  Santarém  que  suspendesse  o  licenciamento  ambiental  das  usinas  

do  Rio  Tapajós,  alegando  a  falta  de  consulta  aos  povos  indígenas  (BRASIL,  2013c).    

A  Convenção  169  da  Organização  Internacional  do  Trabalho,  da  qual  o  Brasil  é  signatário,  define  alguns  

critérios  para  a  consulta  aos  povos  indígenas.  Adotada  na  76ª  Conferência  Internacional  do  Trabalho,  em  1989,  

foi   internalizada  no  Brasil  por  meio  do  Decreto  n.º  5.051,  de  19/04/2004.  Entre  outras  obrigações,  os  países  

signatários  da  Convenção  169  se  comprometem  a  consultar  os  povos  interessados,  por  meio  de  procedimentos  

adequados,   quando   sejam   previstas   medidas   legislativas   ou   administrativas   suscetíveis   de   afetá-­‐los  

diretamente,  garantindo  a  efetiva  participação  dos  povos  indígenas  e  tribais  na  tomada  de  decisões.  Em  2007,  

o  Brasil   foi  um  dos  143  países  a  assinarem  a  Declaração  Universal  dos  Direitos  dos  Povos   Indígenas,   fruto  de  

longo  processo  de  negociação  iniciado  em  1985.  Em  2007,  pelo  Decreto  6.040,  foi  criada  a  Política  Nacional  de  

Desenvolvimento  Sustentável  dos  Povos  e  Comunidades  Tradicionais.  E,  mais   recentemente,  em  2012,   talvez  

em  decorrência  da  pressão  da  sociedade  e  dos  povos  indígenas,  foi  criado  o  Grupo  de  Trabalho  Interministerial  

do  Poder  Executivo.  

Assim,  a  solução  jurídica  deve  ser  dada  com  a  regulamentação  imediata  do  artigo  231  da  Constituição,  

de  forma  a  reduzir  a  insegurança  jurídica  e  o  risco  na  implantação  dos  projetos  hidrelétricos  que  sustentarão  o  

crescimento  do  Brasil.  Ela  deve  definir  como  e  quando  serão  ouvidas  as  comunidades  afetadas  e  quais  serão  os  

critérios  científicos  e  objetivos  para  estabelecer  quais  povos  indígenas  que  devem  participar.  

Ainda,  há  que  se  analisar  que  a  questão  das  terras  indígenas  traz  à  tona  a  vigência  da  Portaria  303  da  

Advocacia   Geral   da   União   (AGU),   publicada   em   julho   de   2012,   a   qual   vem   sendo   questionada   pela   tribo  

Munduruku  (PA).  A  partir  dela,  a  implantação  de  hidrelétricas  e  estradas  poderá  ser  feita  independentemente  

de   consulta   às   populações   indígenas   afetadas   quando   esses   empreendimentos   forem   considerados  

“estratégicos”  pelo  Ministério  da  Defesa  e  o  Conselho  de  Defesa  Nacional.  A  Portaria  ainda  não  foi  revogada  e  

o  governo  federal  alega  o  julgamento  no  Supremo  Tribunal  Federal  dos  embargos  sobre  as  condicionantes  do  

caso  da  Terra   Indígena  Raposa  Serra  do  Sol,  entre  as  quais  se  encontra  a  que   limita  o  exercício  do  direito  de  

consulta  dos  povos  indígenas  (CANALENERGIA...,  2013).  

Desde  o  início  da  concessão  para  a  construção  da  hidrelétrica  Belo  Monte,  com  a  outorga  à  empresa  

Norte   Energia   S/A,   no  município   de   Vitória   do   Xingu,   objeto   de   leilão   realizado   no   dia   20   de   abril   de   2010,  

inúmeras  foram  as  manifestações  contrárias  por  parte  dos  atingidos  pelo  complexo  hidrelétrico.  As  ocupações  

indígenas   no   canteiro   não   foram   pacíficas   e   têm   sido   constantes,   apesar   das   diversas   ações   judiciais   de  

reintegração  de  posse.  

Além  de  pedir  a  suspensão  das  obras  da  hidrelétrica  de  Belo  Monte,  os  indígenas  exigiam  a  suspensão  

de  estudos   relacionados  às  barragens  nos   rios  Tapajós  e  Teles  Pires  e  que   fosse   feita   consulta  aos  povos  da  

região  antes  da  decisão  sobre  a  construção  do  Complexo  Tapajós,  que  prevê  cinco  hidrelétricas  para  essa  bacia.  

Os   índios   ali   acampados   reivindicavam  a   suspensão  das  obras  e   a  presença  do  governo   federal  para  discutir  

principalmente   o   direito   à   consulta   livre,   prévia   e   informada,   previsto   na   Convenção   169   da   OIT,   sobre   as  

decisões   administrativas   capazes  de  afetá-­‐los,   tais   como  a  decisão  de  barrar  os   rios  onde  eles  moram  e  dos  

quais  dependem  para   sua   subsistência   física  e   cultural.   Em  novembro  de  2012,  o   Juízo   Federal  de   Santarém  

reconheceu  a  ausência  de  consulta  prévia  aos  indígenas  atingidos  pelas  usinas  planejadas  para  o  Rio  Tapajós  e  

proibiu  a  concessão  de  licenças  ambientais  até  que  fossem  ouvidos.  Contudo,  após  tal  decisão,  a  União  enviou  

tropas  militares  para  assegurar  a  sequência  de  estudos  de  impacto  ambiental  da  usina  São  Luiz  do  Tapajós  (PA).  

Depois,  e  em   razão  dessas  ocupações,  o  Governo  Federal  editou  o  Decreto  nº  7.957,  de  12/03/2013,  o  qual  

instituiu  o  Gabinete  Permanente  de  Gestão   Integrada  para  a  Proteção  do  Meio  Ambiente  e   regulamentou  a  

atuação  das  Forças  Armadas  na  proteção  ambiental.  Tal  regramento  representa  a  institucionalização  do  uso  da  

força  e  graves  ameaças  aos  direitos  indígenas.  

James   Anaya,   relator   especial   das   Nações   Unidas   sobre   a   Situação   dos   Direitos   Humanos   e   das  

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Liberdades  Fundamentais  dos  Indígenas,  afirmou,  em  entrevista  ao  site  Terramérica/Agência  Envolverde,  que  

consultar  tais  povos  “é  criar  processos  abertos  nos  quais  os  indígenas  possam  opinar,  influir  nas  decisões  e  haja  

boa   vontade   para   buscar   consensos”.   Anaya   destacou   a   importância   de   os   Estados   respeitarem  e   aplicarem  

medidas  relacionadas  com  a  Declaração  das  Nações  Unidas  sobre  os  Direitos  dos  Povos  Indígenas,  adotada  em  

2007,  e  a   implantação  da  consulta  prévia  aos  povos   indígenas,  bem  como  o  desafio  de  conceber  modelos  de  

desenvolvimento   que   permitam   aos   países   acesso   à   prosperidade   e   respeito   aos   direitos   das   comunidades  

nativas.  Para  Anaya,  não  é  “exigível”  que  os  Estados  aprovem  leis  e  somente  então  começarem  a  consultar.  O  

maior  requisito  é  ter  “vontade”  de  respeitar  os  direitos,  ressaltou  (SALAZAR,  2013).  

O  atual  modelo  de  crescimento  e  implantação  de  empreendimentos  de  energia  não  leva  devidamente  

em  conta  os  impactos  sociais  e  o  resultado  é  o  crescimento  cada  vez  maior  de  demandas  judiciais  envolvendo  

conflitos   socioambientais,   em   especial   no   setor   elétrico,   que   é   um   dos   pilares   do   Plano   de   Aceleração   do  

Crescimento   (PAC)   no   Brasil.  Assim,   tem-­‐se   visto   a   paralisação   constante   dos   empreendimentos   e   decisões  

judiciais  de  caráter   liminar,  assim  como  a   intervenção  de  cunho  político  do  Executivo,  quando  a  sua  atuação  

deveria  se  dar  anteriormente  à  instauração  dos  conflitos,  na  fase  de  planejamento  estratégico  e  de  estudos  de  

pesquisa  dos  impactos  dos  referidos  empreendimentos,  bem  como  na  atividade  de  realizar,  por  meio  de  seus  

órgãos  e  instituições,  a  devida  regularização  e  demarcação  das  terras  indígenas.      

Em   seu   sítio,   a   Norte   Energia   S.   A.   (NORTEENERGIASA,   2013),   composta   por   empresas   estatais,  

empresas   privadas   e   por   fundos   de   pensão   e   de   investimento,   afirma   que   firmará   grandes   contratos   de  

comercialização  de  energia  elétrica  no  ambiente  regulado,  com  as  concessionárias  de  distribuição,  relativos  ao  

fornecimento   de   795   mil   MWh.   Para   explorar   o   potencial   hidrelétrico,   a   concessionária   recolherá   à   União,  

como  pagamento  pelo  uso  de  bem  público,  um  valor   vultoso,  além  do  montante  que   será  pago  à  União,   ao  

Estado  do  Pará  e  aos  municípios  impactados,  referentes  à  compensação  financeira  pela  utilização  de  recursos  

hídricos.  Com  estimativa  de  iniciar  as  operações  no  dia  31  de  dezembro  de  2014  e  a  comercialização  do  serviço  

em   fevereiro   de   2015,   Belo  Monte   será   a   maior   usina   hidrelétrica   brasileira   e   a   terceira   maior   do  mundo.  

Segundo  o  Ministério  de  Minas  e  Energia,  sua  construção  deve  gerar  cerca  de  20  mil  empregos  diretos.  

Afirma   a   Norte   Energia   que   a   UHE   de   Belo   Monte   terá   capacidade   instalada   de   11.233,1   MW   de  

potência   e   geração   anual   prevista   de   38.790.156  MWh   ou   4.428,1  MW  médios   e   reservatório   com   área   de  

502,8  km  quadrados  e  que,  para  compatibilizar  os  interesses  energéticos  com  a  sustentabilidade  ambiental,  a  

área  alagada  foi  diminuída.  Informa  que  a  usina  teve  o  reservatório  reduzido  em  relação  ao  projeto  inicial  e  a  

área  de  alagamento  diminuiu  mais  de  60%,  e  que  enquanto  a  média  nacional  de  áreas  alagadas  pelas  usinas  

hidrelétricas   é   de   0,49   km2   por  MW   instalado,   Belo  Monte   impactará   apenas   0,04   km2   por  MW   instalado.  

Contudo,  relativamente  à  questão  dos   impactos  sociais,  a  empresa  não  é  tão  otimista,  uma  vez  que,  após  as  

ocupações  do  canteiro  de  obra  e  protestos  pelos   Índios   Jurunas/Mundurukus,  pouco  avançou  o  acordo   feito  

com  as  lideranças  indígenas,  em  reunião  acompanhada  por  um  representante  da  Fundação  Nacional  do  Índio  

(FUNAI).   A   empresa   se   comprometeu   a   atender   às   reivindicações   dos   índios,   no   sentido   de   que   as   obras  

deixaram  as  águas  do  Rio  Xingu  turvas,  impedindo-­‐os  de  pescar.  Para  liberar  a  pista,  exigiam,  segundo  a  Norte  

Energia,  o  valor  de  R$  300.000,00  (trezentos  mil  reais)  a  título  de  compensação  ambiental  e  mais  a  construção  

de  poços  artesianos  nas  aldeias  Paquiçamba,  Muratu  e  Furo  Seco.  Em  nota,  a  empresa  admitiu  que  a  turbidez  

da  água,  causada  pela  obra,  impediu  os  moradores  das  três  aldeias  de  pescar.  Além  de  servir  à  alimentação,  a  

pesca  é  a  principal  fonte  de  renda  dos  índios.  

Classificando  o  fato  de  uma  “situação  nova”,  não  prevista  no  Projeto  Básico  Ambiental  que  estabelece  

as  compensações  ambientais  às  populações  afetadas  pelo  empreendimento,  a  Norte  Energia  se  comprometeu  

a  compensar  os  índios  pelas  perdas.  Depois  disso,  em  06/05/2013,  a  empresa  ajuizou  ação  na  Justiça  Federal  

da   1ª   Região   (Subseção   Judiciária   de   Altamira),   solicitando   a   reintegração   de   posse   de   um  dos   canteiros   da  

usina  de  Belo  Monte  ocupado  por   indígenas,  sendo  que  a  empresa   já  havia  conseguido  por   força  de  decisão  

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judicial  que  não  indígenas  que  estavam  no  local  fossem  retirados.  

Representantes   da   FUNAI   disseram   à   Agência   CanalEnergia   que   enviaram   um   procurador   federal  

ligado   ao   órgão   para   negociar   com   os   indígenas.   No   blog   oficial   da   ocupação   de   Belo  Monte,   os   indígenas  

afirmaram  que  não  sairiam  do  canteiro,  mesmo  com  decisão   judicial,  uma  vez  que  nunca  foram  consultados,  

conforme   a   Constituição   Federal   e   a   Convenção   169   da  OIT,   para   que   pudessem  dizer   se   querem  ou   não   o  

empreendimento.   Segundo   os   indígenas,   o   mesmo   ocorre   nos   rios   Tapajós   e   Teles   Pires.   Por   essa   razão,  

decidiram   unificar   as   lutas   contra   as   hidrelétricas   na   Amazônia   como   forma   de   serem   ouvidos.   Na  

determinação  judicial,  o  juiz  federal  Sérgio  Wolney  de  Oliveira  Batista  Guedes,  da  Subseção  Judiciária  Federal  

de  Altamira,   estipulou  multa  diária   de  R$  50.000,00   (cinquenta  mil   reais)   aos  participantes  da  ocupação  e   à  

FUNAI  em  caso  de  não  desocupação  do  sítio  Belo  Monte  e  indicou  que  fosse  oficiado  imediatamente  à  Polícia  

Federal  para  apurar  a  possível  participação  de  não-­‐índios  e  de  membros  de  organizações  durante  a  ocupação  

do  canteiro.  Depois  disso,  os  indígenas  recorreram  da  decisão  judicial  de  reintegração  e  a  Advocacia  Geral  da  

União   (AGU)  procurou  demonstrar,   novamente,   a   legalidade  do   licenciamento  de  Belo  Monte,   em  ação   civil  

pública  em  que  o  Ministério  Público  Federal  do  Pará  pedia  a  anulação  da  LP,  do  edital  do  leilão  e  da  declaração  

de   disponibilidade   hídrica,   tendo   havido   um   acordo   provisório   com   representantes   da   Secretaria   Geral   da  

Presidência  da  República  no  sentido  de  permitir  a  retomada  de  atividades  em  Belo  Monte  (CANALENERGIA...,  

2013).    

Esses   episódios   de   tensão   e   de   situação   de   iminente   violência   poderiam   ter   ser   sido   evitados,   se  

regulamentado  o  §  3º  do  art.  231  da  CF/88,   com  a  participação  direta  de   representantes   indígenas.  Como  o  

dispositivo   constitucional   ainda   não   foi   regulamentado,   esse   seria   um   caso   apropriado   para   a   prática   de  

mediação  de  conflitos,  em  que  estava  em  jogo,  além  dos  interesses  socioeconômicos,  a  integridade  física  dos  

envolvidos.   Um   mediador   capacitado   e   treinado,   com   habilidades   nas   áreas   humanas   da   Psicologia,  

Antropologia  e  Assistência  Social  e  com  sólidos  conhecimentos  jurídicos,  teria  condições  de  levar  a  bom  termo  

a  negociação  entre  as  partes  envolvidas.  No   caso  narrado,   a   interlocução   foi   feita  por   intermédio  da  FUNAI,  

com  a  participação  da  Comissão  Pastoral  da  Terra  (CPT)  e  do  Conselho  Indigenista  Missionário  (CIMI)  –  ambos  

com  forte  atuação  entre  os  indígenas.  

 

6  CONCLUSÃO:  A  RESOLUÇÃO  CONSENSUAL  DOS  CONFLITOS  SOCIOAMBIENTAIS  

 

Tais   conflitos   socioambientais   envolvendo   populações   tradicionais,   como   ribeirinhos,   quilombolas   e  

indígenas   são   extremamente   férteis   para   a   utilização   da  mediação.   Cumpre   analisar-­‐se   qual   o   alcance   e   as  

restrições  da  mediação,  com  o  uso  de  tal  abordagem  em  procedimentos  como  audiências  públicas  relacionadas  

ao  meio   ambiente,   ou   no   Termo   de   Ajustamento   de   Conduta   (TAC)   efetuado   pelo  Ministério   Público.   E   em  

sendo  o  meio  ambiente  um  bem  de  uso  comum  do  povo,  segundo  a  Constituição  Federal,  a  decisão  sobre  a  sua  

utilização  compete  à  sociedade.  Como  poderiam  particulares,  mesmo  que  representantes  dos   indígenas  e  de  

outros   grupos   como   produtores   rurais,   atingidos   por   barragens,   populações   tradicionais,   ribeirinhos,  

quilombolas,   pessoas   cujo  modo   de   vida   e   a   própria   sobrevivência   está   ligada   a   um   uso   histórico   do  meio  

ambiente  e  dos  bens  naturais  ao  seu  redor,  negociar  e  dispor  sobre  um  bem  indisponível?  

De   fato,   a   mediação   de   conflitos   ambientais   submete-­‐se   à   indisponibilidade   dos   bens   ambientais,  

definidos   como   bens   transindividuais   pela   Constituição   Federal.   Não   sendo   parte   legítima   no   conflito,   não  

poderia   um   terceiro   elaborar   acordos   sobre   a   utilização   desses   bens,   os   quais   poderiam   ser   revogados,  

portanto,   por   ordem   judicial.   As   audiências   públicas   são   um   exercício   de   cidadania,   por  meio   das   quais   são  

oferecidas   oportunidades   para   que   afetados   e   interessados   possam   ser   ouvidos   e   fazer   propostas   para   as  

decisões  das  autoridades  públicas,   justificando-­‐se  em  razão  da  publicidade  que  todo  ato  administrativo  deve  

ter,  nos  termos  do  artigo  37,  caput,  da  CF/88.  Mas  tais  procedimentos  possuem  diversas  limitações,  não  sendo  

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neutras,   nem  objetivas,   uma  vez  que  as  partes   tentam  verter  o  debate  a   seu   favor.   Isso  porque  a  discussão  

sobre   os   direitos   de   uso   dos   recursos   naturais   e   sobre   as   políticas   ambientais   governamentais   não   são   algo  

puramente   econômico   e   objetivo,   mas   também   se   referem   ao   modo   de   vida   das   pessoas   e   os   meios   de  

produção  dos  quais  dependem.    

Ademais,  ainda  que  a  mediação  possa  ajudar  no  processo,  a  solução  final  ainda  será  dada  pelo  Poder  

Público,  o  mesmo  se  aplicando  ao  TAC,  previsto  no  artigo  5º,  parágrafo  6º,  da  Lei  n.º  7.347/85.  Definido  como  

um  acordo  feito  pelas  partes,  na  prática  normalmente  é  firmado  após  o  dano  ambiental   já  houver  ocorrido  e  

sido  comprovado,  ou  seja,  quando  já  não  há  mais  alternativas  senão  a  autuação  daquele  que  o  causou,  sendo  

determinado   de   maneira   unilateral   pelo   Ministério   Público,   com   a   correção   do   dano   ou   a   sanção   pelo  

descumprimento,   o   que   se   afasta   um   pouco   da   gestão   prévia   dos   impasses   pela   construção   de   consenso,  

elemento  essencial  do  conceito  de  mediação.  

Isto  não  significa  que  o  TAC  não  seja  um  instrumento  hábil  para  garantir  a  proteção  do  meio  ambiente  

e  evitar  novos  conflitos,  uma  vez  que  o  Ministério  Público,  como  fiscal  da  lei,  ou  ainda  que  como  autor  da  ação  

judicial,  sempre  atuará  na  defesa  da  ordem  jurídica,  em  prol  da  sociedade,  com  o  ajuste  sendo  ou  não  levado  à  

homologação  judicial.    

Édis  Milaré  (2002,  p.  201),  com  base  no  próprio  artigo  5º,  §  6º,  da  Lei  n.º  7.347/85,  assim  defende:  

 

Com  efeito,  apesar  da  norma  referir-­‐se  a  ajuste  extrajudicial   (realizado  no   inquérito  civil  ou  

em  procedimento  avulso,  sem  homologação  judicial),  nada  obsta  seja  efetivado  também  em  

juízo  (realizado  no  processo  ou  levado  em  procedimento  avulso  à  homologação  judicial).    

 

Com  exceção  da  Resolução  125  do  CNJ,  de  29  de  novembro  de  2010,  que  trata  deste  procedimento  no  

âmbito   do   Poder   Judiciário,   como   meio   de   diminuir   a   duração   das   demandas   judiciais,   mas   de   caráter  

patrimonial,  estimulando  as  partes  a  chegarem  a  um  acordo  sobre  o  conflito,  o  ordenamento  jurídico  brasileiro  

atribui  apenas  ao  Ministério  Público  instrumentos  que  permitam  a  utilização  dessas  abordagens  na  resolução  

dos   conflitos   socioambientais   (art.   129,   III,   CF).   Por  meio   do   Inquérito   Civil,   instrumento   exclusivo   do   órgão  

ministerial,   e   do   TAC,   o   representante   do   Ministério   Público   poderia   realizar   a   resolução   de   conflitos  

ambientais   sem   a   intervenção   do   Poder   Judiciário,   sendo   a   credibilidade   social   da   instituição   favorável   à  

utilização.  Além  disso,  ao  envolver  bens  e  entes  públicos,  a  mediação  dos  conflitos  socioambientais  encontra  

obstáculo   no   Princípio   da   Legalidade   o   que   significa   que   a   Administração   apenas   poderá   atuar   caso   haja  

autorização  legal.  

Assim,   o   processo   de   resolução   consensual   que   se   defende   pressupõe,   além   dos   legitimados,   a  

presença  do  Poder  Público,  representado  por  seus  órgãos  competentes,  como  forma  de  evitar  que  distorções  

eventualmente   insertas   no   caso   apresentado   para   mediação   permitam   a   violação   de   normas   cogentes   e  

valores  do  ordenamento  jurídico.  

Luciane  Moessa  de  Souza  (2012,  p  142)  sustenta  a  utilização  da  mediação  em  audiências  públicas,  ou  

em  toda  e  qualquer  busca  de  solução  de  conflitos  que  envolvam  políticas  públicas.  Refere  a  autora  que    

 

[...]   o   processo   coletivo   é   o   instrumento   ideal   para   a   busca   de   uma   solução   em   juízo   para  

conflitos  que  envolvem  políticas  públicas,  seja  com  a  finalidade  de  garantir  o  acesso  à  justiça  

da  forma  mais  ampla,  seja  com  o  propósito  de  garantir  o  respeito  ao  princípio  da   isonomia,  

evitando-­‐se  a  prolação  de  decisões  díspares  sobre  o  mesmo  assunto.  (SOUZA,  2012).  

 

Souza   (2012)   levanta,   contudo,   diversos   pontos   que   ainda   devem   ser   trabalhados   para   garantir   a  

implantação   do   procedimento,   como:   necessidade   de   capacitação   técnica   dos   participantes   antes   das  

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audiências;  aumento  do  papel  de  facilitadores  treinados;  maior  trabalho  com  os  diversos  grupos,  promovendo  

reuniões  prévias  com  cada  um  deles;  esforço  por  maior  treinamento  de  mediadores,  trabalhando  em  parceria  

com  universidades,  incentivando  a  incorporação  da  disciplina  nos  currículos  e  de  programas  de  extensão  sobre  

meios   alternativos   de   resolução   de   disputas.   Sustenta   a   autora   (SOUZA,   2012,   p.   216),   “como   vantagens   na  

celebração   do   ajuste,   a   composição  mais   rápida   do   conflito   (tornando  mais   viável   a   prevenção   do   ilícito),   a  

economia  de  recursos  que  se  verifica  com  a  adoção  do  método,  bem  assim  a  sua  maior  flexibilidade  [...]”.  

Observe-­‐se   que,   no   caso   de   uma   negociação   pela   via   da   mediação,   em   se   tratando   de   disputas  

complexas   envolvendo   a   instalação   de   grandes   empreendimentos   hidrelétricos,   estariam   negociando   na  

mesma  mesa  um  grande  número  de   indivíduos  ou  grupos  com  os  mais  variados   interesses.    Todavia,  quanto  

maior  o  número  de  partes  inseridas  em  uma  negociação,  mais  difícil  será  alcançar  uma  solução  adequada.  

Muito  embora  ainda  não  esteja  prevista  no  nosso  ordenamento  jurídico,  ao  contrário  de  países  como  

Estados  Unidos  da  América  -­‐  onde  ganhou  força  a  partir  da  década  de  70,  com  o  célebre  caso  da  mediação  no  

conflito   na   Usina   Hidrelétrica   de   Storm   King   -­‐   Canadá,   Índia,   Japão,   Argentina,   Uruguai,   Austrália,   Itália,  

Espanha  e  França,  a  mediação  certamente  seria  útil  em  audiências  públicas  ou  em  procedimentos  voltados  a  

construção   de   acordo   em   conflitos   socioambientais,   e   a   presença   de   mediadores   treinados   e   capacitados  

poderia  contribuir,  neste  caso,  para  a  melhoria  da  comunicação  e  para  a  construção  de  consenso  –  ainda  que  

muitas  vezes  isso  possa  parecer  impossível.    

No  Brasil,  no  momento,  está  sendo  elaborado  o  anteprojeto  da  Nova  Lei  de  Arbitragem  e  Mediação,  

cuja   comissão   é   constituída   de   juristas   e   membros   do   Poder   Judiciário,   sob   a   presidência   do   ministro   do  

Superior  Tribunal  de  Justiça  (STJ)  Luís  Felipe  Salomão,  atentos  à  realidade  de  que  a  prática  da  arbitragem  e  da  

mediação  tem  sido  cada  vez  mais  assimilada  pela  sociedade,  até  como  forma  de  simplificar  e  reduzir  o  número  

de  demandas  judiciais  (BRASIL,  2013d).  A  mediação  também  foi  objeto  do  II  Pacto  Republicano,  assinado  pelos  

três  Poderes  da  Federação  em  2009,  em  que  constava  o  compromisso  de  fortalecer  a  mediação  e  a  conciliação,  

estimulando  a  resolução  dos  conflitos  por  meios  autocompositivos,  voltados  a  maior  pacificação  social  e  menor  

judicialização.   Antes,   tramitaram   no   Congresso   Nacional   o   Projeto   de   Lei   do   Senado   (PLS)   n.º   517/11   e   o  

Projeto   de   Lei   da   Câmara   (PLC)   n.º   4.827/98,   que   tratavam   de   disciplinar   a   mediação   como   método   de  

prevenção  e  solução  consensual  de  conflitos.  

Assim,  enquanto  inexistente  previsão  legal  específica  que  discipline  a  atividade  da  mediação,  a  solução  

jurídica  passa  pela   imediata  regulamentação  do  artigo  231  da  Constituição  Federal,  como  forma  de  reduzir  a  

insegurança   jurídica   e   o   risco   na   implantação   dos   empreendimentos   hidrelétricos,   que   sustentarão   o  

crescimento  do  Brasil.    

Igualmente,  o  debate  pela  inclusão  das  comunidades  locais  e  povos  tradicionais  deve  ocorrer  quando  

planejada  a   implantação  desses  empreendimentos,  anteriormente  ao  procedimento   licitatório,  ou  seja,  antes  

da  concessão  para  exploração  das  bacias  hidrográficas,  com  a  discussão  sobre  as  avaliações  de  impacto  social  e  

ambiental   vinculadas   aos  processos  de   licenciamento  ambiental   para  a   sua   implantação,   surgindo,   então,   as  

oportunidades  para  a  prevenção  e  a  solução  dos  conflitos  socioambientais.  

 

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REFERÊNCIAS  

 

BRASIL.  Lei  Complementar  nº  140/11.  2011.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em:  2013.  

BRASIL.  Lei  nº  6.938/81.  1981.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em:  2013.  

BRASIL.  Lei  nº  9.433/97.  1997.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em:  2013.  

BRASIL.  Lei  nº  10.847/07.  2007.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em:  2013.  

BRASIL.  (Constituição,  1988).  Constituição  da  República  Federativa  do  Brasil  de  1988.  Disponível  em:  <http://www.planalto.gov.br>.  Acesso  em:  2013.  

BRASIL.  Advocacia  Geral  da  União.  Portaria  n.º  303  Disponível  em:  <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/templatesitehome.aspx>.  Acesso  em:  2013a.  

BRASIL.  Ministério  Público  Federal.  4ª  Câmara  de  Coordenação  e  Revisão  do  Ministério  Público  Federal.  [Site]  Disponível  em:  <http://4ccr.pgr.mpf.mp.br/>.  Acesso  em:  2013b.  

BRASIL.  Ministério  Público  Federal.  6ª  Câmara  de  Coordenação  e  Revisão.  [Site].  Disponível  em:  <http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/#&panel1-­‐1>.  Acesso  em:  2013c.  

BRASIL.  Superior  Tribunal  de  Justiça.  [Site].  Disponível  em:  <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>.  Acesso  em:  2013d.  

BRASIL.  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região.  Apelação/Reexame  Necessário  nº  5014647-­‐20.2011.404.7100/RS  Rel.  Relator:  Nicolau  Konkel  Junior.  D.E.  16  jan.  2013.  Disponível  em:  <http://www2.trf4.jus.br/trf4/>.  Acesso  em  2013e.  

BRASIL.  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região.  APELREX  n.º  2005.70.12.001067-­‐7/PR.  Relator:  Carlos  Eduardo  Thompson  Flores  Lenz.  Unânime.  Julg.  22  set.  2009.  D.E  30  set.  2009b.  Disponível  em:  <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php>.  Acesso  em  2013.  

CANALENERGIA.COM.BR.  [Site].  Disponível  em:  <http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/secoes/home.asp>.  Acesso  em:  2013  

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FUNAI  [Site].  Disponível  em:  <http://www.funai.gov.br/>,  Acesso  em:  2013.  

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MILARÉ,  Edis.  A  ação  civil  pública  por  dano  ao  meio  ambiente.  In:  MILARÉ,  Édis.  (Coord.).  Ação  civil  pública:  Lei  7.347/85,  15  anos.  2.  ed.  São  Paulo:  Revista  dos  Tribunais.  2002.  

NORTEENERGIASA.  [Site].  Disponível  em:  <http://norteenergiasa.com.br/site/>.  Acesso  em:  2013.  

OIT.  [Informações].  Disponível  em:  <http://www.onu.org.br/onu-­‐no-­‐brasil/oit/>.  Acesso  em:  2013.  

RECH,  Adir  Ubaldo.  O  zoneamento  ambiental  e  urbanístico  como  instrumentos  de  tutela  efetiva  e  eficaz  do  meio  ambiente.  In:  LUNELLI,  Darlos  Alberto;  MARIN,  Jefferson.  (Org.).  Estado,  meio  ambiente  e  jurisdição.  Caxias  do  Sul:  EDUCS,  2012  

SALAZAR,  Milagros.  O  Estado  não  perde  soberania  se  respeita  os  direitos  indígenas.  03  jun.  2013.  Disponível  em:  <  http://envolverde.com.br/ambiente/o-­‐estado-­‐nao-­‐perde-­‐soberania-­‐se-­‐respeita-­‐os-­‐direitos-­‐indigenas>.  Acesso  em  2013.  

SOUZA,  Luciane  Moessa  de.  Meios  consensuais  de  solução  de  conflitos  envolvendo  entes  públicos:  negociação,  mediação  e  conciliação  na  esfera  administrativa  e  judicial.  Belo  Horizonte:  Fórum,  2012.    

TUCCI,  Carlos;  MENDES,  Carlos.  Curso  de  avaliação  ambiental  integrada  de  bacias.  Disponível  em:  <http://galileu.iph.ufrgs.br/aguasurbanas/Contents/Cursos/AAIB/PDF/AAIB_CAP05.pdf,>.  Acesso  em  2011.  

USINA  Belo  Monte.  Disponível  em:  <http://norteenergiasa.com.br/site/>.  Acesso  em:  2013.  

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A EXPLORAÇÃO DE APROVEITAMENTOS HIDRELÉTRICOS: PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS À LUZ DO PRINCÍPIO FPIC.1

 

AUTORES  E  CONTATOS2  

Maria  Alice  Doria:  [email protected]  /  (21)  3523-­‐9090  

Leonardo  Freire:  [email protected]  /  (21)  3523-­‐9090    

 

RESUMO  

 

Este   trabalho   visa   apresentar   propostas   de   regulamentação   da   participação   das   populações   indígenas   no  

processo   de   implantação   de   projetos   hidrelétricos   que   lhes   afetem,   buscando   atender   os   requisitos  

constitucionais   e   infraconstitucionais   necessários   à   legítima   execução   da   atividade   no   Brasil,   notadamente  

quanto   à   consulta   destes   povos   para   obtenção   da   autorização   do   Congresso  Nacional.   O   estudo   concluirá  

pela   necessidade   de   regulamentação   apropriada   da  matéria   (i)   formalmente   por   Lei   Ordinária   ou  Medida  

Provisória,  e   (ii)  materialmente,  pela  observação  do  princípio  FPIC,  previsto  na  Convenção  OIT  nº  169,  para  

determinação  da  natureza,  momento,  modo,  responsáveis  e  destinatários,  conteúdo  e  grau  de  vinculação  da  

consulta,   bem   como   pela   previsão   de   compensação   financeira   pelo   compartilhamento   da   posse   indígena  

permanente  e  participação  dos  índios  nos  benefícios  da  atividade  explorada.  Por  fim,  se  cogitará  a  sociedade  

empresarial  indígena  como  alternativa  à  solução  de  conflitos.  

 

PALAVRAS-­‐CHAVE  :  Povos  indígenas,  hidrelétricas,  participação.  

 

                                                                                                                         1  Na  sigla  em  inglês  FPIC  (free,  prior  and  informed  consent).  2  Maria  Alice  Doria  e  Leonardo  Freire  são,  respectivamente,  sócia  e  advogado  das  áreas  ambiental  e  de  infraestrutura  do  escritório  Doria,  Jacobina  e  Gondinho  Advogados.  

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O  DESAFIO:  A  EXPANSÃO  ENERGÉTICA  E  A  OCUPAÇÃO  INDÍGENA  NO  BRASIL  

 

O  Brasil  apresenta  uma  matriz  energética  renovável  e   limpa.3  De  toda  energia  elétrica  ofertada  em  

2011,   aproximadamente,   74%   (setenta   e   quatro   por   cento)   resultaram   de   aproveitamentos   hidrelétricos.4  

Não  obstante,  o  país  ainda  possui  uma  larga  margem  de  expansão  a  partir  da  exploração  desta  fonte.  

Segundo  a  Empresa  de  Pesquisa  Energética  (EPE),  atualmente,  apenas  33%  (trinta  e  três  por  cento)  

de  todo  potencial  hidrelétrico  brasileiro,  estimado  em  260.000  MW  (duzentos  e  sessenta  mil  megawatts),  são  

explorados.5   Entretanto,   diante   das   estimativas   econômicas   projetadas   para   o   crescimento   nacional   nas  

próximas   décadas,   calcula-­‐se   que   a   capacidade   instalada   atual6   não   será   suficiente   para   suprir   a   demanda  

futura  do  mercado  interno,  sendo  necessário  o  desenvolvimento  de  novos  projetos.7  

Ocorre   que   a   maior   parte   do   potencial   hidrelétrico   remanescente   encontra-­‐se   em   áreas   com  

condições  socioambientais  delicadas,  sobretudo  no  bioma  amazônico,8  onde  20%  (vinte  por  cento)  da  região  

correspondem  a  terras  indígenas.9  Nessa  via,  o  desafio  da  compatibilização  entre  a  preservação  ambiental,  a  

proteção   dos   interesses   indígenas   e   a   expansão   energética   tem   sido   tema   recorrente   de   inúmeras  

controvérsias,   inclusive   judiciais,10   em   prejuízo   à   segurança   energética   nacional   e   à   tutela   dos   direitos  

indígenas.  

Isto  porque,  a  Constituição  Federal  (CF)  em  seu  art.  231  reconheceu  uma  série  de  direitos  e  garantias  

aos  povos   indígenas  –   tais   como  os  direitos  originais   sobre  as   terras   tradicionalmente  ocupadas,   sua  posse  

                                                                                                                         3  Segundo  o  Balanço  Energético  Nacional  2012,  a  produção  energética  em  2011  alcançou  cerca  de  256.740  tep  (duzentos  e  cinquenta  e  seis  mil,  setecentos  e  quarenta  toneladas  equivalente  de  petróleo),  dos  quais  45%  (quarenta  e  cinco  por  cento)  foram  provenientes  de  fontes  renováveis,  como  usinas  hidrelétricas,  parques  eólicos,  pequenas  centrais  hidrelétricas  e  usinas  térmicas  movidas  à  biomassa.  Os  restantes  55%  (cinquenta  e  cinco  por  cento)  foram  obtidos  a  partir  de  fontes  fósseis.  (Brasil.  Balanço  Energético  Nacional  2012:  Ano  base  2011/Empresa  de  Pesquisa  Energética.  –  Rio  de  Janeiro:  EPE,  2012.  p.  19/21.  Disponível  em  <https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2012.pdf>.  Acesso  em  26  mar  2013.)  4  A  geração  de  energia  elétrica  no  Brasil  atingiu  cerca  de  531  TWh  (quinhentos  e  trinta  e  um  terawatts  hora)  em  2011.  (Ibid.  idem,  p.  16.)  5  Brasil.  Empresa  de  Pesquisa  Energética.  Plano  Nacional  de  Energia  2030.  Rio  de  Janeiro:  EPE,  2007.  p.  148.  Disponível  em  <http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf.>.  Acesso  em  27  mar  2013.  6  A  capacidade  instalada  total  até  março  de  2013  corresponde  acerca  de  123  mil  MW  (cento  e  vinte  e  três  mil  megawatts),  considerando  todas  as  fontes  de  energia.  (Disponível  em  <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/setor-­‐eletrico/geracao/print>.  Acesso  em  02  jun  2013.)  7  Ibid.  p  147.    8  Neste  sentido,  o  Plano  Decenal  de  Energia  2021  prevê  que:  “A  expansão  da  oferta  de  energia  elétrica  visualizada  neste  PDE  2021  compreende  implantação  de  34  usinas  hidrelétricas  (UHEs)  no  horizonte  decenal,  distribuídas  por  todas  as  regiões  do  país.  Num  primeiro  período  estão  previstas  15  usinas,  que  somam  22.369MW.  Trata-­‐se  de  projetos  que  já  dispõem  de  Licença  Prévia  (LP),  isto  é,  passaram  pelo  leilão  de  expansão  da  oferta  de  energia,  estando,  portanto,  em  fase  de  implantação.  Além  dessas,  estão  planejadas  outras  19  UHEs,  somando  19.672MW.  No  total,  prevê-­‐se  aumento  de  42.040MW  na  potência  instalada  do  parque  hidrelétrico  brasileiro.  (...)  Observa-­‐se  que  a  região  Amazônica  é  a  que  concentra  a  expansão,  tanto  em  número  de  projetos  quanto,  e  principalmente,  em  termos  de  potência  instalada  (86,5%).  Essa  região  constitui  a  fronteira  hidrelétrica  do  país;  nela  se  localiza  grande  parte  do  potencial  hidrelétrico  brasileiro  ainda  não  explorado.”  (Brasil.  Plano  Decenal  de  Expansão  de  Energia  2021/Ministério  de  Minas  e  Energia.  Empresa  de  Pesquisa  Energética.  Brasília:  MME/EPE,  2012,  p.  324.  Disponível  em  <http://epe.gov.br/PDEE/20130326_1.pdf.>.  Acesso  01  abr  2013.)  9  Segundo  o  Relatório  do  Instituto  Socioambiental,  de  um  total  de  688  (seiscentos  e  oitenta  e  oito)  terras  indígenas  identificadas  no  Brasil,  estima-­‐se  que  98%  (noventa  e  oito  por  cento)  concentram-­‐se  na  Amazônia  Legal,  ocupando  uma  área  correspondente  a  pouco  mais  de  20%  (vinte  por  cento)  de  toda  Bacia  Amazônia,  ou  o  equivalente  a,  aproximadamente,  13%  (treze  por  cento)  de  todo  território  nacional.  (Disponível  em  <http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-­‐indigenas/demarcacoes/localizacao-­‐e-­‐extensao-­‐das-­‐tis>.  Acesso  em  28  mar  2013.)  10  Nos  últimos  anos,  acompanhamos  o  fenômeno  da  judicialização  do  licenciamento  ambiental  de  hidrelétricas  pelo  país,  tendo  como  cerne  a  ausência  ou  insuficiência  de  consulta  aos  povos  indígenas.  Nessa  linha,  a  título  exemplificativo,  mencionam-­‐se  as  seguintes  ações  civis  públicas  ajuizadas  pelo  Ministério  Público  Federal:  2006.39.03.000711-­‐8,  2009.39.03.000575-­‐6  e  25997-­‐08.2010.4.01.3900  (Belo  Monte);  2007.35.00.008826-­‐8  (Serra  da  Mesa);  0003883-­‐98.2012.4.01.3902  (São  Luiz  do  Tapajós);  2006.70.01.004036.9  (Mauá);  3947-­‐44.2012.4.01.3600  e  5891-­‐81.2012.4.01.3600  (Teles  Pires);  2007.41.00.001160-­‐0  (Jirau);  2006.41.00.004844-­‐1,  2009.41.00.000914-­‐2,  2009.41.00.003928-­‐2,  2008.36.00.014655-­‐3  (Santo  Antonio);  2006.38.13.010224-­‐2  (Aimoré);  2009.71.17.000560-­‐0  (Monjolinho);  e  2002.72.02.003028-­‐1  (Foz  de  Chapecó).  

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permanente  e  o  usufruto  exclusivo  das  riquezas  do  solo,  rios  e  lagos  nelas  existentes  –  que,  aparentemente,  

poderiam  inviabilizar  a  exploração  desses  potenciais  hidrelétricos.11    

Neste   ponto,   sopesando   a   favor   da   segurança   energética,   o   art.   231,   §3º   da   CF   criou   um   regime  

jurídico   excepcional   ao   usufruto   exclusivo   indígena,   estabelecendo   que   “o   aproveitamento   dos   recursos  

hídricos,  incluídos  os  potenciais  energéticos,  e  a  pesquisa  e  a  lavra  das  riquezas  minerais  em  terras  indígenas  

podem  ser  efetivados  com  autorização  do  Congresso  Nacional,  ouvidas  as  comunidades  afetadas,  ficando-­‐

lhes   assegurada   participação   nos   resultados   da   lavra   na   forma   da   lei.”  Porém,   até   o  momento,   inexiste  

texto   legal,   formal   e   materialmente,   capaz   de   determinar,   de   modo   claro,   os   parâmetros   objetivos   e  

procedimentos   necessários   à   realização   destes   requisitos   constitucionais,   principalmente   no   tocante   ao  

momento,   modo,   conteúdo,   responsáveis,   destinatários   e   grau   de   vinculação   da   consulta   aos   povos  

indígenas.12    

Assim,  não  resta  alternativa,  senão  o  enfretamento  da  questão.  Dessa  forma,  a  partir  da  análise  dos  

requisitos   constitucionais   e   infraconstitucionais,   pretenderá   o   presente   trabalho,   respeitados   os   limites  

naturais   de   edição,   apresentar   propostas   de   regulamentação   da   participação   dos   povos   indígenas   na  

implantação   de   projetos   hidrelétricos,   buscando   contribuir   com  a   criação   de   um  ambiente   jurídico   estável  

favorável   à   atração   de   investimentos,   considerado   tão   necessário   ao   atendimento   dos   princípios   de  

modicidade   tarifária,   universalização   do   acesso   e   segurança   energética,   que   baseiam   o   modelo   do   setor  

elétrico   nacional,   sem,   contudo,   comprometer   os   direitos   e   garantias   indígenas   protegidos.   A   combinação  

destes   objetivos   possibilitará   o   legítimo   crescimento   econômico   brasileiro,   pautado   no   princípio   do  

desenvolvimento  sustentável,  orientado  pela  Constituição  em  seus  arts.  170,  inciso  VI  e  225,  caput.  

 

A  POSSIBILIDADE  DE  APROVEITAMENTO  HIDRELÉTRICO  EM  TERRAS  INDÍGENAS  NO  BRASIL  PREVISÃO  

CONSTITUCIONAL  

 

Por   razões  de   justiça  histórica  e   compensação  às  violações  cometidas  no  passado  contra  os  povos  

indígenas   brasileiros,   a   CF   de   1988   inovou   ao   reservar   um   capítulo   inteiro   aos   índios   e,   nesse   passo,  

estabelecer   um   regime   jurídico   especial   de   proteção   aos   seus   direitos.13   Pela   primeira   vez,   reconheceu   o  

                                                                                                                         11  Nesse  sentido,  destaca  Patryck  Araújo  Ayala:  “A  norma  constitucional  protege  uma  finalidade  e  espécies  de  uso  definidos  culturalmente,  e  sua  incidência  sobre  todas  as  riquezas  do  solo,  rio  e  lagos  nelas  existentes  deve  ser  compreendida  como  obstáculo  originário  para  a  capacidade  de  intervenção  do  Poder  Público  e  de  todas  as  iniciativas  privadas  de  sua  exploração  econômica,  que  restrinjam  a  possibilidade  de  usufruto  exclusivo  pelos  próprios  beneficiários  (povos  indígenas).”  (AYALA,  Patryck  Araújo.  Deveres  ecológicos  e  regulamentação  da  atividade  econômica  na  Constituição  brasileira.  In:  CANOTILHO,  José  Joaquim  Gomes;  LEITE,  José  Rubens  Morato  [Org.].  Direito  Constitucional  Ambiental  Brasileiro.  2ª  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  2008.  p.  288.)  12  A  miscelânea  de  atos  infralegais  existente  no  país  acerca  do  tema  não  se  presta  a  regulamentá-­‐lo,  seja  por  vícios  formais  ou  omissões  materiais,  contribuindo,  na  verdade,  apenas  para  agravar  o  atual  cenário  de  insegurança  jurídica  entorno  da  matéria.  A  edição  da  Portaria  da  Advocacia  Geral  da  União  (AGU)  nº  303/2012,  que  pretendia  uniformizar  e  vincular  os  órgãos  da  Administração  Federal  às  salvaguardas  estabelecidas  pelo  Supremo  Tribunal  Federal  na  Pet.  3.388/RR  quando  da  intervenção  em  terras  indígenas,  e  sua  posterior  suspensão  pelas  Portarias  AGU  nºs  308  e  415,  ambas  de  2012,  comprova  esta  percepção.  Corroborando  com  nosso  entendimento,  constata  Édis  Milaré:  “Fechando-­‐se  o  parêntese,  o  fato  de  o  dispositivo  em  análise  (art.  231,  §  3º  da  CF)  não  ter  sido  objeto  da  necessária  regulamentação,  tem  ocasionado  inúmeras  controvérsias  capazes  de  dificultar  ou,  até  mesmo,  de  inviabilizar  a  instalação  de  empreendimentos  que  são  essenciais  para  o  Plano  de  Expansão  do  Setor  Elétrico  Nacional  e,  por  decorrência,  prejudicam  sobremaneira  o  desenvolvimento  econômico  e  social  do  país.  (...)  Não  resta  dúvida,  outrossim,  de  que  a  regulamentação  deste  dispositivo  constitucional  traria  a  almejada  segurança  jurídica,  não  só  para  aqueles  que  pretendem  empreender,  mas  também  e,  sobretudo,  para  as  próprias  comunidades  eventualmente  impactadas.”  (MILARÉ,  Édis.  Aproveitamento  de  recursos  hídricos  em  terras  indígenas  –  análise  adequada  da  aplicação  do  art.  231,  §  3º  da  CF.  Disponível  em  <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000013f1b07ffe15adbd2a7&docguid=I85d1c9d0f25311dfab6f010000000000&hitguid=I85d1c9d0f25311dfab6f010000000000&spos=6&epos=6&td=7&context=47&startChunk=1&endChunk=1#>  Acesso  em  08  mai  2013.)  13  Esta  compensação  histórica  na  verdade  estaria  relacionada  com  a  proteção  de  minorias  estabelecida  em  diversos  dispositivos  ao  longo  da  Constituição.  Nesse  sentido,  manifesta  José  Afonso  da  Silva:  “O  art.  231  reconhece  a  organização  social,  costumes,  línguas,  crenças  e  tradições  dos  índios,  com  o  que  reconhece  a  existência  de  minorias  nacionais  e  institui  normas  de  proteção  de  sua  singularidade  étnica,  

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legislador   originário   a   organização   social,   costumes,   línguas,   crenças   e   tradições,   bem   como   os   direitos  

originários  sobre  as  terras  que  tradicionalmente  ocupam,  como  direitos  inerentes  à  identidade  e  cultura  dos  

povos  indígenas,  os  quais  devem  ser  protegidos  e  preservados,  uma  vez  considerados  essenciais  a  sua  própria  

manutenção   e   existência.14   Nesse   viés,   referiu-­‐se   a   Constituição   aos   “índios”   como   os   titulares   desses  

direitos.15    

Com  efeito,  visando  assegurar  a  proteção  de  tais  direitos  e  conceder-­‐lhes  efetividade,  o  §2º  do  art.  

231  da  CF  estabeleceu  duas  importantes  garantias  em  favor  dos  direitos  indígenas  quais  sejam,  (i)  a  garantia  

à  posse  permanente  sobre  as  terras  tradicionalmente  ocupadas  e  (ii)  o  usufruto  exclusivo  sobre  as  riquezas  do  

solo,  rios  e  nelas  lagos  existentes.    

Em   relação   à   posse   permanente,   a   CF,   em   seu   art.   20,   inciso   XI,   determinou   que   as   terras  

tradicionalmente  ocupadas  pelos  índios  são  bens  da  União,  sendo  sua  posse  concedida  aos  índios,  de  modo  

permanente.16  É,  pois,  em  razão  desta  garantia  que,  de  modo  harmônico,  o  art.  231,  §5º,  veda,  em  princípio,  

a   retirada   dos   índios   destes   locais   contra   sua   vontade,   bem   como,   na   primeira   parte   do   art.   231,   §6º,  

estabelece  a  nulidade  e  ineficácia  dos  atos  que  tenham  por  objeto  a  ocupação,  o  domínio  e  a  posse  das  terras  

tradicionalmente  ocupadas.17    

Por  sua  vez,  o  art.  231,  §2º  da  CF  estabeleceu  ainda,  que  a  faculdade  de  usar,   fruir  ou,  explorar  as  

riquezas   do   solo,   rios   e   lagos   existentes   nas   terras   indígenas,   é   exclusiva   das   comunidades   que   as  

tradicionalmente  ocupam.  Ocorre  que,  há  muito  se  debate  sobre  quais  riquezas  estaria  a  CF  se  referindo  no  

art.   231,   §2º   e,   logo,   salvaguardando   sob   a   exclusividade   de   exploração   pelos   índios.   Isto   é,   indaga-­‐se   se  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       especialmente  de  suas  línguas,  costumes  e  usos.”  (SILVA,  José  Afonso  da.  Curso  de  direito  constitucional  positivo.  27ª  ed..  São  Paulo:  Malheiros,  2006.  p.  852.)  14  A  noção  de  terra  indígena  transpõe  o  conceito  de  áreas  físicas  efetivamente  ocupadas,  para  se  qualificar  na  ideia  de  habitat  de  um  povo,  inerente  à  sua  própria  existência,  não  se  confundindo  com  uma  noção  meramente  territorial.  Assim,  já  se  manifestou  o  Supremo  Tribunal  Federal  (STF):  “Emerge  claramente  do  texto  constitucional  que  a  questão  da  terra  representa  o  aspecto  fundamental  dos  direitos  e  das  prerrogativas  constitucionais  assegurados  ao  índio,  pois  este,  sem  a  possibilidade  de  acesso  às  terras  indígenas,  expõe-­‐se  ao  risco  gravíssimo  de  desintegração  cultural,  da  perda  de  sua  identidade  étnica,  da  dissolução  de  seus  vínculos  históricos,  sociais  e  antropológicos  e  da  erosão  de  sua  própria  percepção  e  consciência  como  integrante  de  um  povo  e  de  uma  nação  que  revência  os  locais  místicos  de  sua  adoração  espiritual  e  que  celebra,  neles,  os  mistérios  insondáveis  do  universo  em  que  vive.”  –  grifou-­‐se  –  (STF,  Pleno,  RE  183.188,  Rel.  Min.  Celso  de  Mello,  julgado  em  10  dez  2006).  É  por  esta  razão  que  a  concepção  de  ‘direitos  originários  sobre  as  terras  que  tradicionalmente  ocupam’,  remete  à  ideia  de  situação  pretérita,  imemorial,  insuperável  sob  a  qual  os  direitos  indígenas  estariam  resguardados.  Nessa  ótica,  quaisquer  atos  ou  fatos  que  eventualmente  violem  esses  direitos¸  ainda  que  aparentemente  consolidados  no  tempo,  restariam  prejudicados  e  não  gerariam  direito  adquirido  a  terceiros.  Nessa  via,  o  STF  também  já  se  posicionou  no  julgamento  de  mérito  da  Petição  3.388/RR,  referente  à  demarcação  da  Terra  Indígena  Raposa  Serra  do  Sol:  “Direitos  ‘Originários’.  Os  direitos  dos  índios  sobre  as  terras  que  tradicionalmente  ocupam  foram  constitucionalmente  ‘reconhecidos’,  e  não  simplesmente  outorgados,  com  o  que  o  ato  de  demarcação  se  orna  de  natureza  declaratória,  e  não  propriamente  constitutiva.  Ato  declaratório  de  uma  situação  jurídica  ativa  preexistente.  Essa  a  razão  de  a  Carta  Magna  havê-­‐los  chamado  de  ‘originários’,  a  traduzir  um  direito  mais  antigo  do  que  qualquer  outro,  de  maneira  a  preponderar  sobre  pretensos  direitos  adquiridos,  mesmo  os  materializados  em  escrituras  públicas  ou  títulos  de  legitimação  de  posse  em  favor  de  não-­‐índios.  Atos,  estes,  que  a  própria  Constituição  declarou  como  ‘nulos  e  extintos’  (§  6º  do  art.  231  da  CF).”  (STF,  Pleno,  Pet.  3.388/RR,  Rel.  Min.  Ayres  Brito,  Brasília,  19  mar  2009).  15  Como  se  vê,  não  é  o  índio,  assim  entendido  em  sua  concepção  individual,  o  sujeito  beneficiado  pelo  regime  constitucional  especial,  e  sim  “os  índios”  –  em  sua  conjugação  no  plural  –  tal  como  topograficamente  constante  no  Título  do  Capítulo  VIII  da  Constituição  Federal  –  assim  compreendidos  em  seu  aspecto  coletivo.  16  A  posse  indígena  não  se  confunde  com  aquela  regulada  pelos  institutos  privados,  sendo  considerada  um  instituto  sui  generis,  pois  embora  seu  domínio  seja  público  (art.  20,  XI  da  CF),  sua  posse  é  privada,  porém  coletiva  à  comunidade  beneficiada.  Nessa  via,  esclarece  Regina  Maria  Macedo  Neri  Ferrari:“Como  se  vê,  o  constituinte  originário,  a  partir  de  conceitos  já  sedimentados  no  ordenamento  e  na  mentalidade  jurídica  brasileira,  como  a  diferença  entre  o  instituto  da  posse  e  da  propriedade,  criou,  em  relação  às  terras  indígenas,  uma  situação  especial,  ou  seja,  a  propriedade  é  pública  e  a  posse  é  privada,  mas  coletiva,  isto  é,  não  é  identificável  individualmente.”  (FERRARI,  Regina  Maria  Macedo  Neri.  O  aproveitamento  de  recursos  hídricos  em  terras  indígenas.  Disponível  em  <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000013f2dd1cde3c506ddca&docguid=I903ac0a0008711e1968d00008558bdfc&hitguid=I903ac0a0008711e1968d00008558bdfc&spos=11&epos=11&td=467&context=33&startChunk=1&endChunk=1>  Acesso  em  24  mar  2013.)  17  Contudo,  vale  lembrar  que  a  CF  em  nada  veda  a  possibilidade  de  compartilhamento  da  posse  indígena,  limitando-­‐se  a  qualificá-­‐la  como  permanente.  Como  se  verá,  a  exclusividade  citada  na  CF  refere-­‐se  apenas  ao  usufruto  dos  bens  naturais  dos  rios,  lagos  e  solos  existentes  nas  terras  tradicionalmente  ocupadas,  e  em  nada  dispondo  sobre  a  posse.  

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dentre  a  universalidade  de  recursos  e  potenciais  inerentes  aos  bens  naturais  mencionados,  existiriam  certas  

utilidades  e  potenciais  excluídos  do  regime  constitucional  indigenista  e,  portanto,  passíveis  de  exploração  por  

não-­‐índios.  Esta  pergunta  ganha  maior  ressonância  quando  por  força  do  §1º  do  art.  231  da  CF,  áreas  situadas  

além  dos  limites  conhecidos  de  terras  indígenas  podem  ser  consideradas,  por  ficção  jurídica,  como  se  terras  

indígenas   fossem,   tendo   em   vista   o   amplo   conceito   estabelecido   por   aquele   artigo   ao   definir   terras  

tradicionalmente  ocupadas.18  

A   própria   CF   apresenta   resposta   ao   citado   questionamento   quando,   sistematicamente,   adota   a  

teoria   dual   da   propriedade,   ao   estabelecer   que   os   recursos  minerais   e   os   potenciais   de   energia   hidráulica  

constituem   propriedade   distinta   da   do   solo,   para   efeito   de   exploração   ou   aproveitamento,   reservando   à  

União  o  domínio  sobre  os  mesmos,  na  forma  dos  artigos  176,  caput  c/c  20,  incisos  VIII  e  IX.19  Nesse  sentido,  

ao  tratar  sobre  a  exploração  destes  potenciais,  considerados  estratégicos  à  segurança  e  soberania  nacional  –  

e,   logo,   justificantes   da   intervenção   do   Estado   –   a   Constituição   já   adianta   em   seu   o   art.   176,   §1º,   que   o  

aproveitamento   de   potenciais   hidráulicos   somente   poderá   ser   efetuado   mediante   autorização   ou  

concessão  da  União,  no   interesse  nacional,   cabendo  à  Lei  Ordinária,  estabelecer  as  condições  específicas  

quando  essas  atividades  se  desenvolverem  em  terras  indígenas.  

Desse  modo,  conferindo  coesão  e  unidade  à  interpretação  constitucional,  ao  dispor  sobre  os  direitos  

indígenas,  o  legislador  reiterou  seu  posicionamento  e  privilegiou  essas  atividades  afora  do  usufruto  exclusivo  

indígena,   ao,   propositalmente,   regulá-­‐las   de   forma   específica   e   separada   no   §3º   do   art.   231   da   CF   e  

estabelecer  que  o  aproveitamento  dos  recursos  hídricos,  incluídos  os  potenciais  energéticos,  e  a  pesquisa  e  

a   lavra   das   riquezas   minerais   em   terras   indígenas   podem   ser   efetivados   com   autorização   do   Congresso  

Nacional,  ouvidas  as  comunidades  afetadas,  ficando-­‐lhes  assegurada  participação  nos  resultados  da  lavra  

na  forma  da  lei.20  

A   ressalva   constitucional   prevista   ao   aproveitamento   hidroelétrico   e   à   mineração   justifica-­‐se   por  

questão   de   ordem   fática,   associada   à   rigidez   locacional   a   que   estas   atividades   estão   atreladas.  

Diferentemente   de   outras   atividades,   a   exploração   de   potenciais   hidrelétricos   e   a   minerais   depende  

invariavelmente   das   formações   geológicas   e   hidrológicas   dadas   pela   natureza.   Dessa   forma,   não   cabe   ao  

Estado,   ou   mesmo   ao   particular   interessado,   decidir   sobre   o   local   onde   tais   empreendimentos   serão  

desenvolvidos.  Esta  opção  lhes  é  negada  pela  natureza.    

Logo,  entende-­‐se  que  os  potenciais  hidrelétricos  e  minerais  não  devem  ser  considerados  como  uma  

hipótese  de  flexibilização  da  garantia   indígena  do  usufruto  exclusivo  como  se  a  este  integrasse,  e  sim  como  

                                                                                                                         18  Ao  conceituar  terras  tradicionalmente  ocupadas,  o  art.  231,  §1º  da  CF  previu  uma  definição  amplíssima,  podendo-­‐se  entender  estas  também  como  aquelas  áreas  imprescindíveis  à  preservação  dos  recursos  ambientais  necessários  ao  seu  bem  estar  dos  índios.  Logo,  mesmo  as  áreas  que,  embora  situadas  fora  dos  limites  das  terras  conhecidas  ou  demarcadas,  mas  que  exerçam  função  ecológica  essencial  ao  equilíbrio  dos  atributos  ambientais  existentes  no  interior  da  terra  indígena,  poderão  ser  consideradas,  para  todos  os  efeitos  jurídicos,  sob  proteção  especial  do  regime  indigenista  posto  pelo  art.  231  e,  dessa  forma,  submetidas  à  regra  da  exclusividade  de  exploração  pelos  índios.  19  A  escolha  por  tal  teoria  fundamentadora  do  regime  de  propriedade  no  Brasil  tem  por  objetivo  ressalvar  estes  potenciais  energéticos  da  apropriação  privada  direta  e,  assim,  garantir  o  interesse  público  sobre  o  controle  de  bens  e  potenciais  considerados  estratégicos  à  segurança  energética  e  soberania  nacional.  Tanto  o  faz  dessa  forma,  que  por  diversos  outros  dispositivos,  a  Constituição  retira  a  execução  destas  atividades  econômicas  do  escopo  da  livre  iniciativa  e  as  estabelece  como  hipóteses  clássicas  de  intervenção  do  Estado  no  domínio  econômico,  seja  retendo  sua  exploração,  originalmente,  sob  o  regime  de  monopólio  estatal  ou,  posteriormente,  flexibilizando  a  concessão  do  interesse  particular.  20  Na  verdade,  entende-­‐se  que  o  que  Constituição  guardaria  sob  o  manto  do  usufruto  exclusivo  dos  índios  diz  respeito  àqueles  bens  proveitos  à  subsistência  e  manutenção  alimentar,  como  vegetais,  frutos,  água,  peixes  e  animais,  em  geral,  e  aqueles  essenciais  à  preservação  de  sua  cultura  e  formas  de  organização.  Entretanto,  mesmos  tais  direitos,  bem  como  a  posse  permanente  das  terras  tradicionalmente  ocupadas,  poderiam  ser  flexibilizados,  apenas  em  caráter  excepcionalíssimo,  nas  hipóteses  de  relevante  interesse  público,  assim  disposto  em  lei  complementar,  conforme  previsão  do  art.  231,  §6º  da  CF.    

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regime  excepcional,  dissociado  desta  proteção,  haja  vista  o  reconhecimento  especial  conferido  pela  própria  

Constituição.21    

Neste  ponto,  aliás,  deve  ser  esclarecido  o  aparente  conflito  normativo  entre  as  disposições  do  art.  

231,   §3º   e   art.   231,   §6º,   cuja   exata   compreensão   sobre   a   dimensão   e   alcance   de   suas   interpretações,  

represente,  talvez,  o  cerne  de  inúmeras  controvérsias  existentes  no  país  acerca  da  exploração  de  potenciais  

hidrelétricos  em  terras   indígenas  por  não   índios  e  seu  modo  de  regulamentação.22  Enquanto  a  CF  nos  arts.  

231,  §3º,  in  fine,  c/c  ao  176,  §1º,  explicita  verdadeira  hipótese  especial  afora  do  alcance  do  usufruto  exclusivo  

indígena   e   prevê   que   as   condições   específicas   para   o   aproveitamento   de   potenciais   hidráulicos   e   lavra   de  

recursos   minerais   em   terras   indígenas   sejam   dispostas   na   forma   da   lei,   isto   é,   Lei   Ordinária,   (ou   mesmo  

Medida  Provisória),23  o  §6º  do  art.  231,  prevê,  a  possibilidade  de  realização  de  outras  atividades24  –  que  não  o  

aproveitamento   de   potencias   energéticos   –   que   por   serem   consideradas   de   interesse   público   da   União,   e  

gozadoras   de   liberdade   locacional,   poderão,   estas   sim,   flexibilizar   os   direitos   indígenas,   desde   que   assim  

reconhecidas   por   Lei   Complementar.   Na   verdade,   a   qualidade   dos   instrumentos   legais   previstos   pela  

Constituição   para   a   regulamentação   de   cada   um   daqueles   dispositivos   já   indica   a   necessidade   de  

interpretação  não  comunicante  entre  os  §§3º  e  6º  do  art.  231.  

  Por  fim,  cabe  asseverar  que  a  exploração  de  potenciais  hidrelétricos  prevista  na  CF  apenas  constitui-­‐

se  em  exceção  ao  regime  de  exclusividade  de  usufruto  dos  índios  e,  desse  modo,  restam  intocados  os  demais  

direitos  e  garantias   indígenas  previstos,  como  a  posse  permanente  estabelecida  pelo  §2º  do  art.  231.  Logo,  

entende-­‐se   que   a   eventual  mitigação   desta   garantia   pelo   compartilhamento   da  posse,   ainda   que   somente  

                                                                                                                         21  Ao  indicar  a  adequação  desta  interpretação,  o  próprio  o  STF  na  Pet.  3.388/RR,  em  que  pese  sua  pendência  de  trânsito  em  julgado,  se  manifestou  pela  exclusão  da  exploração  dos  recursos  hídricos  e  seus  potenciais  energéticos  do  usufruto  exclusivo  dos  índios,  ao,  ainda  que  de  modo  polêmico,  aprovar  as  salvaguardas  institucionais  à  demarcação  da  Terra  Indígena  Raposa  Serra  do  Sol,  dentre  as  quais  foi  previsto:  “Declarada,  então,  a  constitucionalidade  da  demarcação  contínua  da  Terra  Indígena  Raposa  Serra  do  Sol  e  afirmada  a  constitucionalidade  do  procedimento  demarcatório,  sob  as  seguintes  salvaguardas  institucionais  majoritariamente  aprovadas  (...)  b)  o  usufruto  dos  índios  não  abrange  a  exploração  mercantil  dos  recursos  hídricos  e  dos  potenciais  energéticos,  que  sempre  dependerá  (tal  exploração)  de  autorização  do  Congresso  Nacional;”  (STF,  Pleno,  Pet.  3.388/RR,  Rel.  Min.  Ayres  Brito,  Brasília,  19  mar  2009).  22  Confundindo  a  aplicação  daqueles  dois  dispositivos,  em  consulta  formulada  pelo  Procurador  da  República  no  Município  de  Londrina/PR,  assim  se  manifestou  6ª  Câmara  de  Coordenação  e  Revisão  quanto  à  ilegalidade  do  Decreto  Legislativo  autorizador  da  implantação  da  UHE  São  Jerônimo  diante  da  ausência  de  Lei  Complementar  regulamentando  o  tema:“1.  A  consulta,  detalhada  em  sete  indagações,  gira,  em  síntese,  em  torno  da  possibilidade  de  oitiva,  pelo  Congresso  Nacional,  de  comunidades  indígenas  afetadas  por  aproveitamento  de  potencial  energético  de  recursos  hídricos,  na  ausência  de  regulamentação  do  art.  231,  §3º,  da  CF/88,  que  assegura  a  participação  das  comunidades  nos  resultados  da  lavra  das  riquezas  minerais,  na  forma  da  lei.(...)  5.  No  caso  de  exploração  de  recursos  hídricos,  incluídos  os  potenciais  energéticos,  existentes  em  terras  indígenas,  a  edição  de  decreto  legislativo  de  autorização,  depois  de  ouvidas  as  comunidades  indígenas  (art.  231,  §3º),  depende  da  prévia  definição,  em  lei  complementar,  dos  critérios  para  aferir  o  relevante  interesse  público  da  União.  O  duplo  requisito  da  lei  complementar  e  do  decreto  legislativo  visa  assegurar  a  efetividade  do  princípio  constitucional  de  que  “as  terras  tradicionalmente  ocupadas  pelos  índios  destinam-­‐se  a  sua  posse  permanente,  cabendo-­‐lhes  o  usufruto  exclusivo  das  riquezas  do  solo,  dos  rios  e  dos  lagos  nelas  existentes.”  (art.  231,  §2º).  (...)  7.  Assim  sendo,  o  processo  que  vem  sendo  encaminhado  para  edição  de  decreto  legislativo  autorizativo  da  construção  da  UHE  São  Jerônimo  padece  de  nulidade  absoluta,  devendo  serem  tomadas  providências  administrativas  e,  eventualmente,  jurídicas,  para  sustar  as  consultas  às  comunidades  indígenas  afetadas,  enquanto  não  definidas  previamente  em  lei  complementar  as  hipóteses  de  relevante  interesse  público  da  União,  permissivas  da  exploração  das  riquezas  naturais  do  solo,  dos  rios  e  dos  lagos  existentes  nas  terras  indígenas.”  –  grifou-­‐se  –  (Ministério  Público  Federal,  Sexta  Câmara  de  Coordenação  e  Revisão,  Procedimento  administrativo  nº  08100.004936/98-­‐61,  Rel.  Conselheira  Ela  Wiecko  Volkmer  de  Castilho,  data  da  reunião  da  Câmara  24  mai  2000.)  23  Desse  modo,  acende-­‐se  o  debate  quanto  à  possibilidade  de  regulamentação  do  art.  231,  §  3º  por  Medida  Provisória,  cuja  possibilidade  entende-­‐se  procedente.  Entretanto  cabe  esclarecer  o  risco  desta  viabilidade  ser  questionada  pela  Procuradoria  Geral  da  República  (PGR).  Em  cenário  jurídico  semelhante,  em  2011  o  Executivo  Federal  aprovou  diversas  Medidas  Provisórias  para  alterar  os  limites  territoriais  de  Unidades  de  Conservação,  objetivando  viabilizar  a  implantação  de  projetos  energéticos  na  Amazonia.  Nessa  medida,  entendendo  que  esta  alteração  somente  poderia  ser  realizada  por  lei  em  sentido  estrito,  segundo  interpretação  do  art.  225,  §  1º,  inciso  III  da  Constituição,  a  PGR  ajuizou  diversas  ações  declaratórias  de  inconstitucionalidade  contra  aquelas  medidas  provisórias.  A  título  exemplificativo,  cita-­‐se  a  ADI  nº  4.717/DF  ajuizada  contra  a  MP  nº  558/2011  que  alterou  os  limites  da  Floresta  Nacional  de  Itaituba  I,  para  desafetar  a  área  de  influência  do  Aproveitamento  Hidrelétrico  (AHE)  do  Tapajós.  (Disponível  em  <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4197770.>  Acesso  em  12.06.2013.)  24  Nessa  medida,  citam-­‐se  a  título  ilustrativo  as  atividades  de  telecomunicações,  a  implantação  de  dutos,  a  expansão  da  malha  viária,  medidas  de  defesa  do  território  nacional,  etc.  

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pelo  tempo  necessário  à  exploração  daqueles  potenciais,  previsto  no  contrato  de  concessão  ou  autorização,  

poderá  ser  financeiramente  compensada  de  modo  a  resguardar  a  legitimidade  da  intervenção  momentânea  

na  terra  indígena.25    

  Assim,  uma  vez  demonstrada  a  previsão  constitucional  da  exploração  de  potenciais  hidrelétricos  em  

terras   indígenas,  passa-­‐se  à  análise  e  proposta  de  regulamentação  de  suas  condições,  notadamente  quanto  

ao  processo  de  consulta  às  comunidades  indígenas  afetadas  e  seu  modo  de  realização.  

 

A  CONSULTA  AOS  POVOS  INDÍGENAS  AFETADOS:  A  CONVENÇÃO  OIT  Nº  169  E  O  PRINCÍPIO  FPIC  

 

O   Brasil,   juntamente   com   outros   20   países,   ratificou   a   Convenção   nº   169   da   Organização  

Internacional   do   Trabalho   sobre   Povos   Indígenas   e   Tribais   (Convenção   OIT   nº   169),   por   meio   do   Decreto  

Legislativo  nº  143  de  20/06/2002,  posteriormente  internalizado  pelo  Decreto  nº  5.051/2004,  em  20/04/2004,  

e  atualmente  vigente.26    

Dentre  as   inovações   introduzidas  pela  Convenção  OIT  nº  169  no  Direito  Brasileiro,  o   seu  artigo  6º  

incorporou  o  princípio  da  consulta  livre,  prévia  e  informada27  (FPIC)  pelo  qual  os  povos  indígenas  afetados  por  

quaisquer   medidas   legislativas   ou   administrativas   devem   ser   previamente   consultados,28   de   maneira  

apropriada   segundo   boa-­‐fé   e   transparência,   visando   à   formação   de   uma  manifestação   livre   por   parte   dos  

índios   quanto   ao   teor   destas  medidas   como  modo   de   se  buscar   um   acordo   e   consentimento29   acerca   das  

ações  propostas.  Nesse  sentido,  dispôs  o  artigo  6º:  

 

Artigo  6º  

1.º  Ao  aplicar  as  disposições  da  presente  Convenção,  os  governos  deverão:  

a)   consultar   os   povos   interessados,   mediante   procedimentos   apropriados   e,   particularmente,  

através  de  suas   instituições  representativas,  cada  vez  que  sejam  previstas  medidas   legislativas  ou  

administrativas  suscetíveis  de  afetá-­‐los  diretamente;  

b)   estabelecer   os  meios   através   dos   quais   os   povos   interessados   possam   participar   livremente,  

pelo  menos  na  mesma  medida  que  outros  setores  da  população  e  em  todos  os  níveis,  na  adoção  de  

decisões  em  instituições  efetivas  ou  organismos  administrativos  e  de  outra  natureza  responsáveis  

pelas  políticas  e  programas  que  lhes  sejam  concernentes;  

c)  estabelecer  os  meios  para  o  pleno  desenvolvimento  das  instituições  e  iniciativas  dos  povos  e,  nos  

casos  apropriados,  fornecer  os  recursos  necessários  para  esse  fim.  

                                                                                                                         25  De  qualquer  forma,  entende-­‐se  que  todos  estes  temas  devem  ser  disciplinados  pela  regulamentação  própria,  ora  pretendida,  para  a  segurança  jurídica  de  suas  relações.  26  A  Emenda  Constitucional  nº  45/02,  consolidando  entendimento  do  STF,  adotou  a  teoria  dualista  para  a  integração  dos  compromissos  internacionais  ao  ordenamento  jurídico  nacional  ao  prever  a  necessidade  de  aprovação  qualificada  pelo  Congresso  Nacional  para  que  os  tratados  e  convenções  internacionais  sejam  equivalentes  a  emendas  constitucionais.  27  Na  sigla  em  inglês  FPIC  (free,  prior  and  informed  consent).  28  Esta  máxima  é  reiterada  pela  Convenção  OIT  nº  169,  em  seu  art.  15,  item  2,  ao  dispor  que:  2.  Em  caso  de  pertencer  ao  Estado  a  propriedade  dos  minérios  ou  dos  recursos  do  subsolo,  ou  de  ter  direitos  sobre  outros  recursos,  existentes  nas  terras,  os  governos  deverão  estabelecer  ou  manter  procedimentos  com  vistas  a  consultar  os  povos  interessados,  a  fim  de  se  determinar  se  os  interesses  desses  povos  seriam  prejudicados,  e  em  que  medida,  antes  de  se  empreender  ou  autorizar  qualquer  programa  de  prospecção  ou  exploração  dos  recursos  existentes  nas  suas  terras.  Os  povos  interessados  deverão  participar  sempre  que  for  possível  dos  benefícios  que  essas  atividades  produzam,  e  receber  indenização  equitativa  por  qualquer  dano  que  possam  sofrer  como  resultado  dessas  atividades.  –  grifou-­‐se  –  29  Nesse  viés,  reforça  Patrick  Araújo  Ayala:  “Consentimento  que  deve  ser  livre,  prévio  e  esclarecido,  sempre  que  as  decisões  puderem  afetar  as  condições  para  o  exercício  livre  dos  direitos  originários  sobre  suas  terras  e  recursos  naturais.”  (AYALA,  Patryck  Araújo.  Deveres  ecológicos  e  regulamentação  da  atividade  econômica  na  Constituição  brasileira.  In:  CANOTILHO,  José  Joaquim  Gomes;  LEITE,  José  Rubens  Morato  (Org.).  Direito  Constitucional  Ambiental  Brasileiro.  2ª  ed.  São  Paulo:  Saraiva,  p.  318.)  

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2.  As  consultas   realizadas  na  aplicação  desta  Convenção  deverão  ser  efetuadas   com  boa   fé  e  de  

maneira   apropriada   às   circunstâncias,   com   o   objetivo   de   se   chegar   a   um   acordo   e   conseguir   o  

consentimento  acerca  das  medidas  propostas.  –  grifou-­‐se  –  

 

Ao  menos  quatro  temas  apresentam-­‐se  sensíveis  à  definição  do  processo  de  consulta:  (i)  momento  

de  sua  realização,  (ii)  o  modo,  (iii)  seus  participantes  (responsáveis  e  destinatários),  e  (iv)  o  grau  de  vinculação  

das  manifestações  declaradas  pelos  povos  indígenas  à  pretensão  estatal  intrínseca  ao  objeto  consultado.  

 

O  momento  da  consulta  

 

Segundo  o   texto  do  art.  6º,   item  1,   “a”,   acima   transcrito,  a   consulta  aos  povos   indígenas  deve   ser  

realizada   cada   vez   que   sejam   previstas   medidas   legislativas   ou   administrativas   suscetíveis   de   afetá-­‐los  

diretamente.  Nessa  via,  poder-­‐se-­‐ia  concluir,  aparentemente,  que  a  todo  instante  que  um  ato  administrativo,  

ou   medida   legal,   seja   capaz   de   afetar   a   comunidade   indígena,   esta   deveria   ser   consultada   previamente.  

Entretanto,  entende-­‐se  que  a  consulta,  propriamente  dita,  e  assim  qualificada  pelos  preceitos  da  Convenção  

OIT   nº   169,   apenas   deverá   ocorrer   nos   casos   em   que   tais   medidas   possam   afetar,   efetivamente,   as  

comunidades.  Nessa  via,  entende-­‐se  que  estudos,  meramente  preparatórios,  realizados  nas  primeiras  etapas  

de  planejamento  de  um  projeto  hidrelétrico,  não  devem  ser  considerados  como  geradores  da  obrigação  da  

consulta,  embora,  possam  ser  objeto  de  comunicação  prévia   sobre  os   levantamentos  de  campo  que  serão  

realizados  na  região  estudada.  

Isto  porque,  como  se  sabe,  a  implantação  de  um  projeto  hidrelétrico,  por  sua  complexidade,  precede  

a  um  procedimento  (isto  é  uma  série  de  atos  concatenados  e  subsequentes)  envolvendo  diversas  etapas  de  

planejamento   e   estudos   técnicos   para   a   formulação   do   projeto,   inerentes   à   sua   própria   concepção.   O  

primeiro  passo  consiste  na  elaboração  dos  Estudos  de  Inventário  visando  à  avaliação  do  potencial  de  geração  

de  energia  de  uma  unidade  hidrográfica.  Nesta  fase,  a  análise  técnica  se  dá  de  forma  extremamente  ampla,  

sendo  elaborados  estudos  para  quantificar  o  potencial  de  geração  de  energia  de  uma  bacia,  considerando  a  

minimização  de  impactos  socioambientais  e  o  uso  múltiplo  dos  recursos  hídricos,  dentre  outros  fatores,  com  

o  objetivo  de  otimizar  o  seu  aproveitamento  energético.30  Com  efeito,  neste  momento,  sequer  existe  projeto  

hidrelétrico   suficientemente   detalhado   passível   de   ser   apresentado   à   consulta,   mas   apenas   dados  

preliminares   sobre   os   possíveis   projetos,   considerando   a  melhor   alternativa   de   divisão   de   queda   da   bacia  

hidrográfica  analisada,  não  devendo  aquela  ser  exigida.31  

                                                                                                                         30  Cabe  asseverar  que,  mesmo  nesta  fase  do  planejamento,  as  questões  socioambientais,  incluindo  a  identificação  de  terras  indígenas  na  região,  são  consideradas  ao  se  realizar  a  Avaliação  Ambiental  Integrada  (AAI),  exigida  a  partir  de  2007,  após  a  revisão  do  Manual  de  Inventário.  Entretanto,  ressalta-­‐se  que  tal  instrumento  não  possui  previsão  legal,  sendo  que  em  diversas  ações  civis  públicas,  o  Ministério  Público  tem  alegado  a  ilegalidade  do  licenciamento  pela  ausência  de  AAI.  (Disponível  em  <http://www.cepel.br/ManualInventario07/Manual_inventario_port.pdf>.  Acesso  08  mai  2013.)  31  Nesse  sentido,  recentemente,  entendeu  o  Superior  Tribunal  de  Justiça  no  âmbito  da  ação  civil  pública  ajuizada  pelo  MPF  contra  o  projeto  da  UHE  São  Luiz  do  Tapajós:“A  meu  sentir,  a  controvérsia  que  enseja  o  presente  pedido  de  suspensão  circunda  na  interpretação  conferida  ao  art.  6º  da  Convenção  nº  169  da  OIT  sobre  povos  indígenas  e  tribais.  (...)  A  Convenção  em  destaque,  como  relatado,  foi  promulgada  pelo  Decreto  nº  5.051/2004,  estando,  portanto,  passível  de  aplicação  no  país.  Sendo  assim,  de  acordo  com  o  texto  da  Convenção,  quando  houver  alguma  medida  administrativa  tendente  a  afetar,  de  modo  direto,  as  comunidades  indígenas  e  tribais,  o  Governo  deverá  promover  consultas  de  modo  a  inseri-­‐las  no  contexto  participativo  de  tomada  de  decisão.  Trata-­‐se,  portanto,  de  consulta  de  natureza  prévia  que  deve  ser  realizada  pelo  Poder  Público  sempre  que  o  empreendimento  que  se  pretende  implantar  puder,  de  algum  modo,  afetar  diretamente  as  comunidades  indígenas  e  tribais.  Sem  embargo,  ao  contrário  do  que  decidido  pelo  em.  Relator  do  Agravo  de  Instrumento  nº  0019093-­‐27.2013.4.01.0000,  não  vislumbro  como  meros  estudos  preliminares,  atinentes  tão-­‐somente  à  viabilidade  do  empreendimento,  possam  afetar,  diretamente,  as  comunidades  envolvidas.  O  que  não  se  mostra  possível,  no  meu  entender,  é  dar  início  à  execução  do  empreendimento  sem  que  as  comunidades  envolvidas  se  manifestem  e  componham  o  processo  participativo  com  suas  considerações  a  respeito  de  empreendimento  que  poderá  afetá-­‐las  diretamente.  Em  outras  palavras,  não  poderá  o  Poder  Público  FINALIZAR  o  processo  de  licenciamento  ambiental  sem  cumprir  os  requisitos  previstos  na  Convenção  nº  169  da  OIT,  em  

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ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013

  Já   na   etapa   seguinte,   uma   vez   selecionado   o   aproveitamento   ótimo   de   certa   bacia   hidrográfica   e  

individualizada   a   área   de   análise   sobre   cada   eixo   identificado,   inicia-­‐se   a   elaboração   dos   Estudos   de  

Viabilidade   Técnica   e   Econômica   (EVTE),   visando,   agora,   um   projeto   específico,   objetivando   sua   eventual  

oferta  nos  leilões  de  concessão.  Concomitantemente,  o  Estudo  de  Impacto  Ambiental  (EIA)  pode  ser  iniciado,  

uma   vez   que,   neste  momento,   já   há  maior   grau   de   detalhamento   suficiente   do   projeto   hidrelétrico   e   dos  

impactos  que  poderão  efetivamente  ameaçar  os   interesses  indígenas.  Assim,  entende-­‐se  que  o  processo  de  

consulta  pode  ser  realizado  ao  longo  do  EIA,  iniciando-­‐se  na  fase  de  diagnóstico  e  sendo  concluído  antes  da  

proposição  das  medidas  compensatórias  e  mitigatórias.32    

  Ato  contínuo,  incorporado  ao  EIA  os  resultados  do  processo  de  consulta,  este  seria  apresentado  ao  

órgão   ambiental   competente   para   avaliação   da   viabilidade   do   projeto   hidrelétrico   e   emissão   da   Licença  

Prévia   e,   desse   modo,   habilitar   o   projeto   hidrelétrico   a   ser   ofertado   em   leilão,   no   qual   se   conhecerá   o  

responsável  pela   implantação  da  usina,  bem  como  pelas  etapas  seguintes  do   licenciamento.  Neste  aspecto,  

seguindo   a   lógica   da   Convenção  OIT   nº   169,   entende-­‐se   ainda   que,   posteriormente,   os   índios   deverão   ser  

novamente   consultados   antes   da   emissão   das   Licenças   de   Instalação,   condizente   à   observância   das  

condicionantes  ambientais  relacionadas  à  comunidade  indígena  afetada.    

Com  relação  à  autorização  do  Congresso  Nacional,  esta  seria  concedida  após  a  conclusão  da  consulta  

realizada  durante  a  elaboração  do  EIA.  Assim,  as  consultas  ocorreriam  nas  seguintes  etapas  ao  longo  de  todo  

o  planejamento  de  implantação  de  um  projeto  hidrelétrico:33  

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       especial  a  realização  de  consultas  prévias  às  comunidades  indígenas  e  tribais  eventualmente  afetadas  pelo  empreendimento.  Além  disso,  não  há  uma  regulamentação  específica  que  exija  que  a  consulta  deverá  se  dar  antes  mesmo  do  início  dos  estudos  de  viabilidade  do  empreendimento,  decorrendo  daí  a  possibilidade  de,  obedecido  o  princípio  de  preservação  dos  direitos  fundamentais  dessas  comunidades,  a  consulta  se  dar  concomitante  às  avaliação  e  estudos,  pois,  nesse  caso,  ao  meu  sentir,  não  haverá  "medida  administrativa"  tendente  a  afetar  diretamente  as  comunidades  envolvidas.  (...)  Ademais,  impende  destacar  que  a  UHE  São  Luiz  do  Tapajós  se  trata  de  um  projeto  energético,  que  ainda  está  em  fase  embrionária  de  verificação  da  viabilidade  técnica,  econômica  e  ambiental,  e,  ao  menos  enquanto  se  tratar  de  um  simples  projeto,  sem  início  de  execução  efetiva,  não  possui  o  condão  de  afetar,  de  modo  negativo,  as  comunidades  locais.  Nesse  contexto,  impedir  que  se  promova  o  andamento  dos  estudos  preliminares,  que  servirão  de  base  para  que  o  Governo  possa  planejar  de  modo  adequado  e  eficiente  sua  política  energética,  ainda  mais  levando-­‐se  em  consideração  a  crescente  demanda  por  energia  no  país,  afeta  o  interesse  público  na  medida  em  que  poderá  obstar  a  expansão  do  setor  elétrico  e,  consequentemente,  o  crescimento  da  economia  brasileira.  Conforme  mencionado,  inexiste,  nesse  momento,  ato  administrativo  tendente  a  afetar,  DIRETAMENTE,  as  comunidades  envolvidas,  a  teor  do  que  exige  a  Convenção.  Nada  obstante,  entendo  que,  para  se  dar  fiel  cumprimento  aos  dispositivos  da  Convenção,  o  Governo  Federal  deverá  promover  a  participação  de  todas  as  comunidades,  sejam  elas  indígenas  ou  tribais,  a  teor  do  seu  art.  1º,  que  podem  ser  afetadas  com  a  implantação  do  empreendimento,  não  podendo  ser  concedida  a  licença  ambiental  antes  da  sua  oitiva.”  (STJ,  Presidência,  Decisão  Monocrática,  SLS  001745,  Rel.  Min.  Felix  Fischer,  julgado  em  18  abr  2013).  Nada  obstante,  não  ignoramos  a  existência  de  entendimento  contrário  externalizado  pela  Desembargadora  Federal  Selene  Almeida  no  voto  vencido  da  apelação  cível  nº  2006.39.03.000711-­‐8/PA,  referente  à  construção  da  UHE  Belo  Monte  (TRF1,  Quinta  Turma,  AC  2006.39.03.000711-­‐8/PA,  Rel.  Des.  Fed.  Selena  Almeida,  Rel.  para  o  acórdão  Des.  Fed.  Fagundes  de  Deus,  julgado  em  01  ago  2012.)  32  Isto  porque,  o  próprio  EIA,  devido  à  sua  ampla  dimensão,  distingue-­‐se  em  sub  etapas,  em  regras,  assim  dividias  cronologicamente:  (i)  diagnóstico  ambiental;  (ii)  inserção  do  projeto;  (iii)  matriz  de  impacto,  (iv)  propostas  de  medidas  de  compensação  e  mitigação.  Entende-­‐se  que  a  consulta  se  aperfeiçoaria  após  a  definição  da  matriz  de  impacto,  porém  antes  da  elaboração  das  propostas  de  medidas  de  compensação  e  mitigação,  para  que  seu  resultado  sirva  também  de  orientação  a  estas.  Caso  seja  exigida  a  elaboração  do  Estudo  do  Componente  Indígena,  como  parte  integrante  do  EIA,  o  processo  de  consulta  às  comunidades  indígenas  locais  poderá  ser  fundamental  ao  seu  desenvolvimento.  33  Atualmente  a  Instrução  Normativa  nº  01/2012  da  Fundação  Nacional  do  Índio  (FUNAI)  apresenta  critérios  semelhantes  quanto  à  determinação  do  momento  correto  para  realização  da  consulta  aos  povos  afetados.  Entretanto,  dada  à  natureza  infralegal  deste  ato  normativo,  o  mesmo  carece  de  legitimidade  formal  para  estabelecer  tais  obrigações,  as  quais  apenas  podem  ser  impostas  por  Lei  Ordinária,  ou  quiçá  Medida  Provisória,  considerando  as  disposições  dos  arts.  176,  §1º  c/c  231,  §3º  da  CF,  como  demonstrado.  Visando  encerrar  as  dúvidas  quanto  ao  procedimento  de  consulta,  em  janeiro  de  2012,  a  Secretaria  Geral  da  Presidência  e  o  Ministro  Interino  das  Relações  Exteriores  editaram  Portaria  Interministerial  s/nº  instituindo  Grupo  de  Trabalho  Interministerial  para  estudar,  avaliar  e  apresentar  proposta  de  regulamentação  da  Convenção  nº  169  da  Organização  Internacional  do  Trabalho  sobre  Povos  Indígenas  e  Tribais,  no  que  tange  aos  procedimentos  de  consulta  prévia.  Com  efeito,  de  acordo  com  a  Convenção  OIT  nº  169,  a  elaboração  destas  medidas  legislativas,  por  sua  vez,  demandarão  a  realização  da  consulta  FPIC.  

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O  modo  e  conteúdo  da  consulta:  

 

Dispõe  o   item  2  do   art.   6º   da  Convenção  OIT   nº   169  que   a   consulta   aos   povos   indígenas   deve   se  

operar  de  maneira  apropriada  com  boa-­‐fé  e  transparência,  para  buscar  um  acordo  e  consentimento  acerca  

das  medidas   propostas.   Assim   deverá   a   consulta   priorizar   a   clareza,   pedagogia   e   linguagem   adequada   das  

informações   do   projeto,   de  modo   a   assegurar   o   acesso   das   comunidades   afetadas   sobre   as  medidas   que  

poderão  lhes  causar  impacto,  para  sobre  estas,  poderem  emitir  uma  manifestação  livre  –  isto  é,  espontânea,  

voluntária   e   sem  quaisquer   vícios.  A  boa-­‐fé,   nesse   sentido,   representa  o  dever  de   conduta  de   lealdade  do  

Estado  ou  do  interessado  para  com  todas  as  informações  do  projeto  visando  sua  compreensão  por  parte  dos  

povos  afetados.    

 

Os  participantes  da  consulta  (responsáveis  e  destinatários):  

 

Os   destinatários   da   consulta,   naturalmente,   serão   todos   os   povos   indígenas,   direta   ou  

indiretamente,  impactados  pelo  projeto.  Os  responsáveis  deverão  ser  a  União,  quando  conduza  diretamente  

a   avaliação   da   viabilidade   técnica   e   ambiental   do   projeto,34   ou   mesmo   o   particular   interessado   no  

levantamento  desses  dados,  assim  autorizado  pela  Agência  Nacional  de  Energia  Elétrica  (ANEEL).35  

 

O  grau  de  vinculação  da  consulta:  

 

  Por  fim,  resta  analisar  o  grau  de  vinculação  da  resposta  indígena  à  consulta  formulada.  Isto  é,  diante  

da   realização   da   consulta   no   momento   adequado,   por   quem   e   a   quem   de   direito,   e   da   livre   resposta  

concedida  pelos  índios  poderia  o  Estado  agir  de  modo  contrário  a  esta  na  realização  da  medida  administrativa  

ou  legislativa  pretendida?    

A  resposta  deve  ser  positiva,  sob  ressalvas.  Ora,  acima  de  qualquer  qualificação  que  se  possa  fazer,  

os   índios  são  cidadãos  brasileiros  e,  como  quaisquer  outros,  se  sujeitam  aos  atos  de   império  do  Estado  e  à  

supremacia  do  interesse  público.  Nessa  via,  não  há  no  ordenamento  jurídico  direito  absoluto,  ou  não  passível  

de   ser   mitigado,   segundo   critérios   da   proporcionalidade   e   razoabilidade,   que   possa   conceder   ao   cidadão  

direito  de  veto  vinculativo  à  decisão  Estatal.    

Conforme   teleologia   do   art.   6º,   item   2,   da   Convenção   OIT   nº   169,   a   consulta   tem   por   finalidade  

buscar  um  acordo  e  conseguir  o  consentimento  acerca  das  medidas  propostas.  Nessa  via,  entende-­‐se  que  a  

consulta  aos  povos  indígenas  afetados,  segundo  a  Convenção,  tem  natureza  participativa,  ou  seja,  tem  como  

propósito  incluir  os  indígenas  no  processo  decisório  sobre  a  viabilidade  e  condições  de  execução  das  medidas  

                                                                                                                         34  Usualmente  executado  pela  EPE,  acordo  com  a  Lei  nº  10.847/04.  35  Conforme  Resolução  ANEEL  nº  395,  de  04  de  dezembro  de  1998.  

Inventário  AAI   EVTE  EIA   Autorização  do  

Congresso  Leilão   Construção  /  

operação  

Termo  de  Referência   LP  

Audiências  Públicas  

CONSULTA

LI   LO  

CONSULTA CONSULTA

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que  possam  lhes  afetar.  Neste  sentido,  aliás,  esclarece  a  própria  OIT  em  recente  documento  editado  sobre  a  

interpretação  de  dispositivos  da  Convenção  nº  169:36  

 

“Conforme  estipulado  pelo  artigo  6(2),  as  consultas  devem  ser  conduzidas  com  boa-­‐fé  e  objetivando  

a   obtenção   de   acordo   ou   consentimento.   Neste   sentido,   a   Convenção   nº   169   não   fornece   às  

comunidades  indígenas  o  direito  de  veto,  uma  vez  que  o  objetivo  da  consulta  é  a  busca  pelo  acordo  

ou  consentimento.  Por  outro  lado,  os  órgãos  de  supervisão  da  OIT  estabeleceram  claramente  que  o  

simples   encontro   onde   os   povos   indígenas   poderiam   ser   ouvidos,   sem   qualquer   possibilidade   de  

influenciar   o   processo   decisório,   não   poderá   ser   considerado   compatível   com   as   disposições   da  

Convenção.  (...)”  

 

Dessa   forma,   dentre   as   diversas   outras   causas   influentes   no   processo   decisório,   deverá   o   Poder  

Público   ponderar   também   sobre   os   resultados   da   consulta   formulada,   antes   de   permitir   a   medida  

administrativa  ou  emitir   a   autorização   legislativa,  pois,   embora  não  vinculada,   a  decisão  estatal  deverá   ser  

fundamentada,  sob  pena  de  arbitrariedade.37  

Particularmente,   para   fins   do   presente   estudo,   entendemos   que   todos   os   temas,   ora   expostos,  

deverão   ser   objeto   da   regulamentação   própria   do   art.   231,   §3º,   via   Lei   Ordinária,   ou   ainda   por   meio   de  

Medida  Provisória.  

 

A  PARTICIPAÇÃO  DAS  COMUNIDADES  AFETADAS  NO  RESULTADO  DA  ATIVIDADE  EXPLORADA  

 

Ao  final,  restaria  analisar  a  possibilidade  de  aplicação  do  segundo  requisito  constitucional  previsto  na  

parte   final   do   art.   231,   §3º,   referente   à   participação   das   comunidades   afetadas   no   resultado   da   lavra,   à  

exploração  de  potenciais  hidrelétricos,  na  medida  em  que,  em  princípio,  pela  terminologia  específica  utilizada  

pela  CF,  este  requisito  se  limitaria  às  atividades  minerárias.  

A   Convenção   OIT   nº   169   enuncia   em   seu   art.   15,   item   2,   parte   final   que   os   “povos   interessados  

deverão   participar   sempre   que   for   possível   dos   benefícios   que   essas   atividades   produzam,   e   receber  

indenização  equitativa  por  qualquer  dano  que  possam  sofrer  como  resultado  dessas  atividades.”  Entretanto,  

embora  a  Convenção  possa  apresentar  natureza  supralegal,38  esta  mantém-­‐se  subordinada  aos  termos  da  CF,  

                                                                                                                         36  Tradução  livre.  O  texto  original,  em  inglês  assim,  dispõe:  “As  stipulated  by  Article  6(2),  consultations  must  be  undertaken  in  good  faith  and  with  the  objective  of  obtaining  agreement  or  consent.  In  this  sense,  Convention  nº.  169  does  not  provide  indigenous  peoples  with  a  veto  right,  as  obtaining  the  agreement  or  consent  is  the  purpose  of  engaging  in  the  consultation  process,  and  is  not  an  independent  requirement.  On  the  other  hand,  the  ILO  supervisory  bodies  have  clearly  stated  that  a  simple  information  meeting,  where  indigenous  peoples  could  be  heard  without  having  any  possibility  of  influencing  decision-­‐making,  cannot  be  considered  as  complying  with  the  provisions  of  the  Convention.(…)”  (Understanding  the  Indigenous  and  Tribal  People  Convention,  1989  [No.  169].  Handbook  for  ILO  Tripartite  Constituents  /  International  Labour  standards  Departmente.  International  Labour  Organization.  –  Geneva,  2013.  Disponível  em  <http://www.ilo.org/global/standards/subjects-­‐covered-­‐by-­‐international-­‐labour-­‐standards/indigenous-­‐and-­‐tribal-­‐peoples/WCMS_205225/lang-­‐-­‐en/index.htm>.  Acesso  em  04  jun  2013.)  37  Na  verdade,  excepcionalmente,  entende-­‐se  que  apenas  haveria  uma  hipótese  em  que  o  consentimento  dos  indígenas,  em  princípio,  deverá  ser  exigido  à  pretensão  estatal,  quando  da  necessidade  de  realocação  das  comunidades  indígenas  pela  impossibilidade  de  permanência  em  suas  terras,  não  havendo,  alternativa  viável.  Nessa  via,  infirma  o  art.  16  da  Convenção  OIT  nº  169:  2.  Quando,  excepcionalmente,  o  translado  e  o  reassentamento  desses  povos  sejam  considerados  necessários,  só  poderão  ser  efetuados  com  o  consentimento  dos  mesmos,  concedido  livremente  e  com  pleno  conhecimento  de  causa.  Quando  não  for  possível  obter  o  seu  consentimento,  o  translado  e  o  reassentamento  só  poderão  ser  realizados  após  a  conclusão  de  procedimentos  adequados  estabelecidos  pela  legislação  nacional,  inclusive  enquetes  públicas,  quando  for  apropriado,  nas  quais  os  povos  interessados  tenham  a  possibilidade  de  estar  efetivamente  representados.  38  Caberia,  prejudicialmente,  decifrar  a  natureza  jurídica  e,  logo  o  grau  hierárquico  ocupado  pela  Convenção  OIT  nº  169  dentro  do  ordenamento  jurídico  brasileiro  de  modo  a  determinar  sua  força  e  controle  normativo  frente  aos  demais  atos  infralegais  atualmente  existentes  no  país  sobre  a  consulta  de  populações  atingidas  por  empreendimentos  hidrelétricos,  bem  como  compreender  os  instrumentos  jurídicos  possíveis  à  sua  regulamentação.  Originariamente,  o  Supremo  Tribunal  Federal  (STF)  havia  firmado  entendimento  

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a  qual,  originalmente,  utiliza-­‐se  da  terminologia  “lavra”  para  se  referir  a  participação  dos  povos  indígenas  no  

resultado  da  atividade.  Desse  modo,  entendemos  que,   como  medida   inclusiva  dos   índios  na  exploração  de  

aproveitamentos   hidrelétricos,   nada   impede   que   o   legislador   ordinário   trate   deste   tema   quando   da  

elaboração   da   Lei   Ordinária,   ou   Medida   Provisória   a   regulamentar   o   art.   231,   §3º,   de   modo   a   melhor  

discriminar  o  alcance  do  termo  constitucional.    

Ademais,   importa   destacar   que   outras   nações   signatárias   da   Convenção   OIT   nº   169   também   já  

enfrentaram  o  desafio  que  ora  se  põe  na  pauta  nacional  e  o  responderam  de  modo  criativo  de  acordo  com  

suas  particularidades  jurídico-­‐institucionais.    

Dotado  de  ampla  riqueza  de  recursos  naturais,  e  semelhante  ao  Brasil,  assentado  sobre  uma  matriz  

energética   eminentemente   hidráulica,   o   Canadá   permitiu   que   em   alguns   casos,   empresas   e   comunidades  

indígenas  negociassem  diretamente,  desde  que  estas  fossem  supervisionadas  pela  Agência  Reguladora  local.  

Em  alguns  desses  casos  os  índios  tornaram-­‐se  acionistas  das  empresas  e  dessa  forma  atuaram  diretamente  

desde  o  planejamento  até  o  gerenciamento  da  área  explorada,  bem  como  foram  beneficiados  com  o  lucro  

da   atividade,   cumprindo   de   uma   só   forma   com   o   Princípio   FPIC   os   objetivos   da   Convenção   OIT   nº   169,  

garantindo  não  só  sua  participação,  mas  também  sua  inclusão  no  resultado  da  atividade  explorada.39  

Assim,   a   chamada   sociedade   empresarial   indígena   pode-­‐se   aventar   como   uma   alternativa   à  

composição   dos   atuais   conflitos   no   Brasil.   No   entanto,   sua   viabilidade   pende   de   resolução   de   outra  

controvérsia  jurídica,  esta  a  respeito  da  nova  condição  jurídica  alçada  aos  índios  pela  CF  e  sua  capacidade  civil  

para  contratar.  Todavia,  dado  o  escopo  do  estudo,  este  é  assunto  poderá  ser  objeto  de  outro  artigo.  

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       que  os  Tratados  e  Convenções  Internacionais  se  internalizavam  ao  direito  interno  sob  o  status  de  lei  ordinária  (STF,  Pleno,  ADI-­‐MC  1.480-­‐3/DF,  Rel.  Min.  Celso  de  Mello,  julgado  em  27  jun  2001).  Entretanto,  posteriormente,  com  a  edição  da  Emenda  Constitucional  nº  45/02  e  inclusão  do  §3º  ao  artigo  5º  da  CF,  os  tratados  ou  convenções  internacionais  que  versassem  sobre  direitos  humanos  e  fossem  aprovados  em  cada  casa  do  Congresso  Nacional,  em  dois  turnos  e  por  mais  de  três  quintos  dos  votos  dos  respectivos  membros,  seriam  internalizados  ao  sistema  interno  sob  status  equivalente  a  emendas  constitucionais.  Todavia,  o  Decreto  Legislativo  nº  143  de  20/06/2002  não  seguiu  o  rito  qualificado  exigido  pelo  art.  5º,  §3º  da  CF,  e,  logo,  em  princípio,  poderia  se  entender  que  a  Convenção  OIT  nº  169  apresentaria  a  mesma  força  normativa  de  leis  ordinárias  e,  portanto,  poderia  ser  alterada  por  outras  desta  qualidade.  Ocorre  que,  há  um  terceiro  entendimento  capitaneado  pelo  Ministro  do  STF,  Min.  Gilmar  Mendes,  segundo  o  qual  “os  tratados  sobre  direitos  humanos  seriam  infraconstitucionais,  porém,  diante  de  seu  caráter  especial  em  relação  aos  demais  atos  normativas  internacionais,  também  seriam  dotados  de  um  atributo  de  supralegalidade.  Em  outros  termos,  os  tratados  sobre  direitos  humanos  não  poderiam  afrontar  a  supremacia  da  Constituição,  mas  teriam  lugar  especial  reservado  no  ordenamento  jurídico.  Equipará-­‐los  à  legislação  ordinária  seria  subestimar  seu  valor  especial  no  contexto  do  sistema  de  proteção  dos  direitos  da  pessoa  humana.”  (STF,  Pleno.  RE  466.343/SP,  Rel.  Min.  Cesar  Peluso,  julgado  em  03  dez  2008).  Assim,  caso  adote-­‐se  a  teoria  da  supralegalidade  dos  tratados  e  convenções  internacionais  versantes  sobre  direitos  humanos  internalizados  sob  quórum  ordinário,  defendida  pela  terceira  corrente,  entende-­‐se  que  a  Convenção  OIT  nº  169  terá,  em  princípio,  natureza  supralegal,  ao  menos  quanto  às  suas  disposições  referentes  à  consulta  aos  povos  indígenas,  devendo  a  regulamentação  por  Lei  Ordinária,  ou  Medida  Provisória,  do  art.  231,  §3º  da  CF,  ora  pretendida,  observar  também  as  disposições  daquela  Convenção  Internacional.  39  No  caso  da  Usina  Hidrelétrica  de  Keeyask,  foi  permitida  a  celebração  de  acordo,  entre  a  empresa  Manitoba  Hydro  e  a  comunidade  aborígene  “Tataskweyak  Cree  Nation”,  prevendo  a  aquisição  de  25%  da  participação  acionária  da  usina  pela  comunidade.  Outro  acordo  foi  assinado  com  “Nisichawayasihk  Cree  Nation  of  Nelson  House”  sobre  o  desenvolvimento  do  projeto  Wuskwatim,  no  qual  a  comunidade  passará  a  deter  33%  da  usina.  Canadian  Environmental  Assessment  Agency,  Canada-­‐Manitoba  Agreement  on  Environmental  Assessment  Cooperation  (2007).  (Disponível  em  http://www.ceaa.gc.ca/default.asp?lang=En&n=AAA97EB9-­‐1,  2011  Acesso  em  02  jun  2013.)  

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CONCLUSÃO  

 

O  presente  trabalho  visou  analisar  as  condições  de  exploração  de  potenciais  hidrelétricos  em  terras  

indígenas  no  Brasil,  apresentando,  notadamente,  propostas  de  regulamentação  da  consulta  às  comunidades  

indígenas   afetadas.   Nesta   via,   diante   do   acima   exposto   e   face   à   inexistência   de   texto   legal   apto   a  

regulamentar  o  tema,  concluímos  pela  possibilidade  de  regulamentação  formal  da  matéria  por  meio  de  Lei  

Ordinária,   ou   Medida   Provisória,   segundo   previsão   constitucional,   e   material,   em   observância   às  

determinações  da  Convenção  OIT  nº  169.  

Nessa   linha,  entende-­‐se  que  a  consulta  aos  povos   indígenas  deverá  ser   realizada   (i)  previamente  a  

quaisquer  medidas  administrativas  ou  legislativas  que,  efetivamente,  afetem  os  interesses  dos   índios;  (ii)  de  

maneira  apropriada  segundo  boa-­‐fé  e  transparência,  dispondo  sobre  todo  o  escopo  da  medida  pretendida  e  

seus  efeitos,  dotada  de  linguagem  clara,  acessível  e  ostensiva,  visando  à  instrução  e  emissão  pelos  índios  de  

manifestação   livre  a  respeito  da  medida  pretendida;  (iii)  pela  União  ou  suas  empresas  e  autarquias,  quando  

diretamente  conduzir  os  estudos  de  viabilidade,  técnica  e  ambiental,  pelo  interessado,  assim  autorizado  por  

aquele   ente   federativo,   ou  mesmo   pelo   Congresso   Nacional   quando   pertinente   à   emissão   da   autorização  

legislativa;   e   (iv)   visando   buscar  um   acordo   e   consentimento   dos   índios,   assegurando   sua  participação   na  

formação  do  processo  decisório.  

Ademais,  outras  previsões  à  apropriada  regulamentação  dos  requisitos  jurídicos  exigidos  ao  legítimo  

exercício   da   atividade   de   exploração   de   recursos   hidrelétricos   em   terras   indígenas   no   Brasil   deverão   ser  

observados   como   à   necessidade   de   compensação   financeira,   de   natureza   indenizatória,   aos   índios   pelo  

compartilhamento  da  posse  permanente  durante  o  período  necessário  à  exploração  daqueles  potenciais,  bem  

como  a  participação  destes  no  resultado  da  atividade.  Nessa  via,  a  chamada  sociedade  empresarial  indígena  

poderá  se  mostrar  uma  alternativa  viável  ao  preenchimento  dos  requisitos  jurídicos,  como  forma  de  inclusão  

e  participação  dos  índios  na  execução  da  atividade  e  solução  às  controvérsias  atuais.  

 

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ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013

 

BIBLIOGRAFIA  

 

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MILARÉ,  Édis.  Aproveitamento  de  recursos  hídricos  em  terras  indígenas  –  análise  adequada  da  aplicação  do  

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2000.  

SILVA,  José  Afonso  da.  Curso  de  direito  constitucional  positivo.  27ª  ed..  São  Paulo:  Malheiros,  2006.  924p.  

STF,  Pleno,  ADI-­‐MC  1.480-­‐3/DF,  Rel.  Min.  Celso  de  Mello,  julgado  em  27  jun  2001.  

STF,  Pleno,  Pet.  3.388/RR,  Rel.  Min.  Ayres  Brito,  Brasília,  19  mar  2009.  

STF,  Pleno,  RE  183.188,  Rel.  Min.  Celso  de  Mello,  julgado  em  10  dez  2006.  

STF,  Pleno.  RE  466.343/SP,  Rel.  Min.  Cesar  Peluso,  julgado  em  03  dez  2008.  

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STATUS OF THE FREE, PRIOR AND INFORMED CONSENT (“FPIC”) IN PRIVATE SECTORS AND UNDER BRAZILIAN LAW  Roberta  Leonhardt,  Daniela  Stump  and  Carolina  Castelo  Branco  Machado,  Meyer,  Sendacz  e  Opice  Advogados  Telefone:  (11)3150-­‐7009    E-­‐mail:  [email protected]    

 KEY-­‐  WORDS:  FPIC;  Brazilian  Law;  Indigenous  People;  Belo  Monte  Hydropower  Plant  

 

 

INTRODUCTION    

 

As   the   interaction   of   human   rights   and   the   legal   framework   for   the   protection   of   environmental  

resources  evolve,  one  of  the  most  debated  issues  at  the  crossroads  is  the  Free,  Prior  and  Informed  Consent  

(“FPIC”).    

FPIC  is  the  international  principle  that  sets  forth  the  right  that  a  community  has  to  give  or  withhold  

its  consent   to  proposed  projects   that  may  affect   the   lands  they  customarily  own,  occupy  or  otherwise  use.  

FPIC  requires  project  developers  enter  into  a  balanced  and  respectful  relationship  with  the  affected  people,  

based  on  an  informed  consent.  

Under   international   law,   the  FPIC   is   recognized  by  a  number  of   intergovernmental  bodies  and   the  

respective  conventions  negotiated  under  their  auspices.      

The  International  Labor  Organization  Convention  No.  169  on  Indigenous  and  Tribal  Convention  (“ILO  

Convention”),   open   to   signatures   and   adoption   by   any   country   since   1989,   is   based   on   the   principle   of  

consultation  and  participation.    

The   United   Nations   Declaration   on   the   Rights   of   Indigenous   People,   adopted   by   the   General  

Assembly  through  Resolution  No.  61/295  on  September  13,  2007,  sets  forth  that  indigenous  people  shall  not  

be   removed   from   their   lands   or   territories   without   the   “free,   prior   and   informed   consent”.   The   United  

Nations  Framework  Convention  on  Biological  Diversity  has  also  reflected  the  idea  of  FPIC.  

Not   only   the   public   organizations   are   concerned   with   assuring   rights   for   the   affected   people   by  

projects  of  high   impact  on   their   living,  but  also  private  entities  have  been  adopting   the  FPIC  as  one  of   the  

cornerstones  of  their  sustainability  policies.    

Under  the  Hydropower  Sustainability  Assessment  Protocol,  issued  by  the  International  Hydropower  

Association  (“IHA”)  on  November  2010,  a  hydropower  project  reaches  the  maximum  score  only  if  the  consent  

of  indigenous  people  potentially  affected  is  sought  and  gained.  

The  FPIC  was  also  included  in  the  updated  version  of  the  International  Finance  Corporation’s  (“IFC”)  

Sustainability  Framework,  which  applies   to  all1   large   infrastructure  projects   investment  and  advisory  clients  

whose  projects  have  been  reviewed  since  June  4,  2013.    

                                                                                                                         1  The  Equator  Principles  apply  to  the  four  financial  products  described  below  when  supporting  a  new  project:  1.  Project  Finance  Advisory  Services  where  total  project  capital  costs  are  US$10  million  or  more.  2.  Project  Finance  with  total  Project  capital  costs  of  US$10  million  or  more.  3.  Project-­‐Related  Corporate  Loans  -­‐  exclude  Export  Finance  in  the  form  of  Supplier  Credit  (as  the  client  has  no  Effective  Operational  Control).  Furthermore,  Project-­‐Related  Corporate  Loans  exclude  other  financial  instruments  that  do  not  finance  an  underlying  project,  such  as  asset  finance,  acquisition  finance,  hedging,  leasing,  letters  of  credit,  general  corporate  purposes  loans,  and  general  working  

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For  projects  with  potential  significant  adverse   impacts  on   indigenous  peoples,   IFC  has  adopted  the  

principle   of   FPIC,   informed   by   the   2007   United   Nations   Declaration   on   the   Rights   of   Indigenous   Peoples.  

According  to  the  framework,  the  FPIC  requirement  will  be  triggered  when  there  are  impacts  on  traditional  or  

customary  lands  and  natural  resources;  there  is  relocation  of  indigenous  peoples  from  traditional   lands  and  

natural   resources;   or   significant   impacts   on   the   cultural   resources   of   indigenous   peoples.   FPIC   will   be  

established   through   good   faith   negotiation   between   the   entrepreneur   and   adversely   affected   indigenous  

peoples.  

Although   the   protocols   signed   by   the   private   sector   are   voluntary   by   nature,   they   reflect  what   is  

deemed   by   the   project   developers   as   the   best   practices   and   convey   to   their   governments   the   signs   to   be  

followed  when  preparing  binding  agreements.      

In   Brazil,   there   are   some   relevant   pieces   of   legislation   that   rule   the   indigenous  people’s   rights:   (i)  

Federal  Constitution  (section  231,  §§  3rd,  5th  and  6th);  (ii)  Federal  Law  No.  6,001  of  1973  (sections  7th  and  8th);  

(iii)   Federal  Decree  No.  6,040  of  2007;  and,   (iv)  Normative   Instruction  No.  01  of  2012   from  National   Indian  

Foundation  (“Fundação  Nacional  do  Índio  or  FUNAI”),  which  is  the  Federal  Brazilian  governmental  protection  

agency  for  indigenous  people  interests  and  culture.  

In  view  of  the  recent  conflicts  caused  by  the  interference  of  energy  projects  in  indigenous  lands,  the  

purpose   of   this   essay   is   to   present   the   legal   status   of   FPIC   under   international   and   Brazilian   law.   For  

illustrating  how  a  Brazilian  Court  understands  the  FPIC,  this  essay  approaches  the  decision  rendered  by  the  

Courts  of  Appeal  of  First  Circuit2  (“Tribunal  Regional  Federal  da  1ª  Região”)  in  Belo  Monte’s  leading  case.  

 

1. FPIC’S  OUTLINE  UNDER  INTERNATIONAL  LAW  

 

Under  international  law,  FPIC  is  grounded  on  several  conventions  which  seek  to  protect  minorities’  

rights.  The  common  idea  beneath  them  is  reaching  the  agreement  between  the  people  to  be  affected  by  a  

given  project  and  the  project  developer.  

The  United  Nations  Framework  Convention  on  Biological  Diversity  ("CBD"),  adopted  in  1992,  has  also  

reflected   the   idea   of   FPIC.   Pursuant   to   section   8,   each  party   to   CBD   shall   “respect,   preserve   and  maintain  

knowledge,   innovations   and   practices   of   indigenous   and   local   communities   (...)   and   promote   their   wider  

application  with  the  approval  and  involvement  of  the  holders  of  such  knowledge,  innovation  and  practices”3.  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       capital  expenditures  loans  used  to  maintain  a  company’s  operations  (including  Export  Finance  in  the  form  of  Buyer  Credit)  where  all  four  of  the  following  criteria  are  met:  i.  The  majority  of  the  loan  is  related  to  a  single  project  over  which  the  client  has  Effective  Operational  Control  (either  direct  or  indirect).  ii.  The  total  aggregate  loan  amount  is  at  least  US$100  million.  iii.  The  EPFI’s  individual  commitment  (before  syndication  or  sell  down)  is  at  least  US$50  million.  iv.  The  loan  tenor  is  at  least  two  years.  4.  Bridge  Loans  with  a  tenor  of  less  than  two  years  that  are  intended  to  be  refinanced  by  Project  Finance  or  a  Project-­‐Related  Corporate  Loan  that  is  anticipated  to  meet  the  relevant  criteria  described  above.  While  the  Equator  Principles  are  not  intended  to  be  applied  retroactively,  the  EPFI  will  apply  them  to  the  expansion  or  upgrade  of  an  existing  project  where  changes  in  scale  or  scope  may  create  significant  environmental  and  social  risks  and  impacts,  or  significantly  change  the  nature  or  degree  of  an  existing  impact.  Available  at:  http://www.equator-­‐principles.com/resources/equator_principles_III.pdf    2  One  of  the  Five  Circuit  Courts  that  exist  in  Brazil.  

3  Convention  on  Biological  Diversity,  United  Nations,  1992  “Section  8:  In-­‐situ  Conservation:  “Each  Contracting  Party  shall,  as  far  as  possible  and  as  appropriate:  (j)  Subject  to  its  national  legislation,  respect,  preserve  and  maintain  knowledge,  innovations  and  practices  of  indigenous  and  local  communities  embodying  traditional  lifestyles  relevant  for  the  conservation  and  sustainable  use  of  biological  diversity  and  promote  their  wider  application  with  the  approval  and    involvement  of  the  holders  of  such  knowledge,  innovations  and  practices  and  encourage  the  equitable  sharing  of  the  benefits  arising  from  the  utilization  of  such  knowledge,  innovations  and  practices”.  

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Further,  the  American  Convention  on  Human  Rights  ("Pact  of  San  Jose,  Costa  Rica”  –  1969,  adopted  

by  Federal  Decree  No.  678/1992)  sets  forth  in  its  sections  1,  2  and  21  the  respect  to  the  rights  and  freedoms  

recognized  to  all  persons,  including  property  rights,  without  any  discrimination  for  reasons  of  race,  color,  sex,  

language,   religion,  political  or  other  opinion,  national  or   social  origin,  etc.4In   its   section  21,   the  Convention  

determines  that  no  one  shall  be  deprived  of  his/  her  property  except  upon  payment  of  just  compensation,  for  

reasons  of  public  utility  or  social  interest,  and  in  the  cases  and  according  to  the  forms  established  by  law.  In  

this   sense,   the   indigenous   people   can   only   be   deprived   of   their   property   with   appropriate   procedures  

established  by  laws  and  regulations.  

The   ILO   Convention   adopted   by   the   Brazilian   Government   by   means   of   the   Federal   Decree   No.  

5051/2004  is  based  on  the  principle  of  consultation  and  participation.  It  establishes  in  its  sections  15  and  16  

the   consultation   with   indigenous   people   in   the   context   of   development,   land   and   resources5.   The   ILO  

Convention   establishes   that,   before   undertaking   or   permitting   any   exploration,   the   governments   shall  

establish   or   maintain   procedures   through   which   they   shall   consult   the   indigenous   peoples.   Also,   when  

relocation   is   considered   necessary   it   can   only   take   place   with   the   indigenous   people   free   and   informed  

consent.   Where   their   consent   cannot   be   obtained,   the   relocation   can   only   take   place   with   appropriate  

procedures   established   by   national   laws   and   regulations,   which   provide   the   opportunity   for   effective  

representation  of  the  people  concerned.  

The  section  10  of  the  United  Nations  Declaration  on  the  Rights  of  Indigenous  People,  adopted  by  the  

General  Assembly   through  Resolution  No.  61/295  on  September  13,  2007,   also  guarantees   the   right  of   the  

indigenous   people   to   not   be   removed   from   their   lands   or   territories   without     “free,   prior   and   informed  

consent”6.  

                                                                                                                         4  “Section  1.  Obligation  to  Respect  Rights:  The  States  Parties  to  this  Convention  undertake  to  respect  the  rights  and  freedoms  recognized  herein  and  to  ensure  to  all  persons  subject  to  their  jurisdiction  the  free  and  full  exercise  of  those  rights  and  freedoms,  without  any  discrimination  for  reasons  of  race,  color,  sex,  language,  religion,  political  or  other  opinion,  national  or  social  origin,  economic  status,  birth,  or  any  other  social  condition.  For  the  purposes  of  this  Convention,  "person"  means  every  human  being.  “Section  2.  Domestic  Legal  Effects:  Where  the  exercise  of  any  of  the  rights  or  freedoms  referred  to  in  Section  1  is  not  already  ensured  by  legislative  or  other  provisions,  the  States  Parties  undertake  to  adopt,  in  accordance  with  their  constitutional  processes  and  the  provisions  of  this  Convention,  such  legislative  or  other  measures  as  may  be  necessary  to  give  effect  to  those  rights  or  freedoms”.  “Section  21.  Right  to  Property:  Everyone  has  the  right  to  the  use  and  enjoyment  of  his  property.  The  law  may  subordinate  such  use  and  enjoyment  to  the  interest  of  society.  No  one  shall  be  deprived  of  his  property  except  upon  payment  of  just  compensation,  for  reasons  of  public  utility  or  social  interest,  and  in  the  cases  and  according  to  the  forms  established  by  law.  Usury  and  any  other  form  of  exploitation  of  man  by  man  shall  be  prohibited  by  law”.  Emphasis  added.  5  “Section  15:  The  rights  of  the  peoples  concerned  to  the  natural  resources  pertaining  to  their  lands  shall  be  specially  safeguarded.  These  rights  include  the  right  of  these  peoples  to  participate  in  the  use,  management  and  conservation  of  these  resources.    In  cases  in  which  the  State  retains  the  ownership  of  mineral  or  sub-­‐surface  resources  or  rights  to  other  resources  pertaining  to  lands,  governments  shall  establish  or  maintain  procedures  through  which  they  shall  consult  these  peoples,  with  a  view  to  ascertaining  whether  and  to  what  degree  their  interests  would  be  prejudiced,  before  undertaking  or  permitting  any  programmes  for  the  exploration  or  exploitation  of  such  resources  pertaining  to  their  lands.  The  peoples  concerned  shall  wherever  possible  participate  in  the  benefits  of  such  activities,  and  shall  receive  fair  compensation  for  any  damages  which  they  may  sustain  as  a  result  of  such  activities”.  Emphasis  added  “Section  16:  Subject  to  the  following  paragraphs  of  this  Section,  the  peoples  concerned  shall  not  be  removed  from  the  lands  which  they  occupy.    Where  the  relocation  of  these  peoples  is  considered  necessary  as  an  exceptional  measure,  such  relocation  shall  take  place  only  with  their  free  and  informed  consent.  Where  their  consent  cannot  be  obtained,  such  relocation  shall  take  place  only  following  appropriate  procedures  established  by  national  laws  and  regulations,  including  public  inquiries  where  appropriate,  which  provide  the  opportunity  for  effective  representation  of  the  peoples  concerned.    Whenever  possible,  these  peoples  shall  have  the  right  to  return  to  their  traditional  lands,  as  soon  as  the  grounds  for  relocation  cease  to  exist.  When  such  return  is  not  possible,  as  determined  by  agreement  or,  in  the  absence  of  such  agreement,  through  appropriate  procedures,  these  peoples  shall  be  provided  in  all  possible  cases  with  lands  of  quality  and  legal  status  at  least  equal  to  that  of  the  lands  previously  occupied  by  them,  suitable  to  provide  for  their  present  needs  and  future  development.  Where  the  peoples  concerned  express  a  preference  for  compensation  in  money  or  in  kind,  they  shall  be  so  compensated  under  appropriate  guarantees.  Persons  thus  relocated  shall  be  fully  compensated  for  any  resulting  loss  or  injury”.  Emphasis  added  6  “Section  10:  Indigenous  peoples  shall  not  be  forcibly  removed  from  their  lands  or  territories.  No  relocation  shall  take  place  without  the  free,  prior  and  informed  consent  of  the  indigenous  peoples  concerned  and  after  agreement  on  just  and  fair  compensation  and,  where  possible,  with  the  option  of  return”.  Emphasis  added  

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  The   private   sector   has   been   developing   its   own   methodologies   to   ensure   that   such   supportive  

measures  be  adopted  during  the  environmental  licensing  of  projects  of  significant  social  impact.    

 

2. PRIVATE  SECTOR’S  BEST  PRACTICES  ON  FPIC  

 

Under   the   Hydropower   Sustainability   Assessment   Protocol,   issued   by   the   IHA   on  November   2010  

("IHA  Protocol"),  a  hydropower  project  reaches  the  maximum  score  only  if  the  consent  of  indigenous  people  

potentially  affected  is  sought  and  gained.  

It   is   important   to  highlight   the  meaning  of   “consent”   in   the  glossary  of   the   IHA    Protocol:   “Signed  

agreements   with   community   leaders   or   representative   bodies   who   have   been   authorized   by   the   affected  

communities  which   they   represent,   through   an   independent   and   self-­‐determined   decision-­‐making   process  

undertaken  with  sufficient  time  and  in  accordance  with  cultural  traditions,  customs  and  practices”7.      

In  addition,  the  most  relevant  initiative  related  to  the  financial   institutions  that  must  be  taken  into  

consideration   in   the   international   arena   is   the   Equator   Principles   (“EP”),  which   are  defined   as   a   credit   risk  

management   framework   for   determining,   assessing   and  managing   environmental   and   social   risk   in   project  

transactions.   The   EP   should   be   understood   as   a   set   of   minimum   voluntary   criteria   to   allow   the   financial  

standard  related  to  credit  concessions  for  a  particular  project.      

The  EP  have  gained  importance  and  strength  since  its  launch  in  2002.  Anchored  on  the  performance  

standards   on   social   and   environmental   sustainability   adopted   by   the   IFC,   and   on   the   World   Bank   Group  

Environmental,  Health,  and  Safety  Guidelines,  the  EP  were  first  revised  in  2006  and  its  recent  revision  of  June  

04,   2013   resulted   in   the   EP   III   (EP   III)8.   The   EP   have   greatly   increased   the   attention   and   focus   on  

social/community   standards   and   responsibility,   including   robust   standards   for   indigenous   peoples,   labour  

standards,  and  consultation  with  locally  affected  communities  within  the  Project  Finance  market.  They  have  

also  promoted  convergence  around  common  environmental  and  social  standards.  

In   this   scenario,   the   FPIC   was   also   included   in   the   updated   version   of   the   IFC   Sustainability  

Framework,   as   one   of   the   voluntary   standards   for   projects   of   highly   potentially   polluting   activities.   The  

voluntary  standard  applies   to  all   investment  and  advisory  clients  whose  projects  have  been  reviewed  since  

June  4,  2013.  From  a  Brazilian  point  of  view,  the  insertion  of  FPIC  into  the  EP  is  controversial,  as  its  concept  is  

not  welcomed  by  the  domestic  law  in  the  way  it  is  understood  in  the  international  rules  (as  explained  below).    

The   IFC   has   officially   published   8   performance   standards,   as   follows:   (i)   PS   1   –   Assessment   and  

Management  of  Environmental  and  Social  Risks  and  Impacts;  (ii)  PS  2    –  Labor  and  Working  Conditions;  (iii)  PS  

3    –  Resource  Efficiency  and  Pollution  Prevention;  (iv)  PS  4    –  Community  Health,  Safety,  and  Security;  (v)  PS  5    

–   Land   Acquisition   and   Involuntary   Resettlement;   (vi)   PS   6     –   Biodiversity   Conservation   and   Sustainable  

Management  of  Living  Natural  Resources;  (vii)  PS  7    –  Indigenous  People;  and,  (viii)  PS  8    –  Cultural  Heritage.  

For  the  purposes  of  this  Section,  it  is  worth  briefly  summarizing  the  Performance  Standards  7  and  8.  

For  project  with  potentially   significant  adverse   impacts  on  affected  communities,   the  Performance  

Standards  7  and  8  set  forth  that  an  Informed  Consultation  and  Participation  (“ICP”)  must  be  carried  out.    

                                                                                                                         7  The  Hydropower  Sustainability  Assessment  Protocol,  Page  26,  Available  at:  http://www.hydrosustainability.org/getattachment/7e212656-­‐9d26-­‐4ebc-­‐96b8-­‐1f27eaebc2ed/The-­‐Hydropower-­‐Sustainability-­‐Assessment-­‐Protocol.aspx    8  The  EP  II  can  be  applied  to  new  transactions  (i.e.  where  the  mandate  is  signed  after  June  4,  2013)  up  to  the  end  of  the  transition  period  (i.e.  December  31,  2013),  Available  at:  http://www.equator-­‐principles.com/index.php/about-­‐ep/about-­‐ep/38-­‐about/about/352      

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In  this  context,  the  Performance  Standards  7  and  8  set  forth  the  mandatory  protection  of  indigenous  

people   and   their   cultural   heritage,   which   shall   not   be   subject   to   any   interference.   Therefore,   the   project  

developer   shall   identify,   through   an   environmental   and   social   risk   and   impact   assessment,   all   the  

communities   of   indigenous   people   within   the   project   area   of   influence,   as   well   as   any   risk   of   impacts   to  

cultural  heritage.  For  projects  whose  impacts  identified  by  the  project  developer  may  be  deemed  adverse  to  

indigenous  people,  FPIC  is  required.  

According   to   the   EP   III:   “there   is   no   universally   accepted   definition   of   FPIC.   Based   on   good   faith  

negotiation  between  the  client  and  affected  indigenous  communities,  FPIC  builds  on  and  expands  the  process  

of   Informed   Consultation   and   Participation,   ensures   the   meaningful   participation   of   indigenous   peoples   in  

decision-­‐making,  and  focuses  on  achieving  agreement.  FPIC  does  not  require  unanimity,  does  not  confer  veto  

rights   to   individuals   or   sub-­‐groups,   and   does   not   require   the   client   to   agree   to   aspects   not   under   their  

control”9.  

Considering  that  the  EP  are  subscribed  by  79  (seventy-­‐nine)  financial  institutions  around  the  world,  

out   of  which  5   (five)10   are  Brazilian,   the   inclusion  of   FPIC   is   an   important   tool   for   voicing   the   rights   of   the  

affected  communities  by  projects  of  significant  impact.  In  the  sequence,  this  essay  looks  into  the  FPIC  outline  

in  the  Brazilian  legislation.    

   

3. FPIC  UNDER  BRAZILIAN  LAW  

 

As  already  pointed  out,  the  rational  beneath  FPIC  is  present  in  the  following  pieces  of  legislation:  (i)  

Federal  Constitution  (section  231,  §§  3rd,  5th  and  6th);  (ii)  Federal  Law  No.  6,001  of  1973  (sections  7th  and  8th);  

(iii)  Federal  Decree  No.  6,040  of  2007;  and,  (iv)  Normative  Instruction  No.  01  of  2012  from  FUNAI.  

The  Federal  Law  No.  6,001  of  1973  forests  forth  the  Indigenous  Statute.  According  to  section  7th  of  

the  mentioned  Law,  the   indigenous   individuals  and  the   indigenous  communities  not  yet   integrated  into  the  

national  community  are  subject  to  a  regime  of  tutelage.  FUNAI  is  the  entity  responsible  for  the  establishment  

and   implementation   of   Brazilian   indigenous   rights,   as   determined   by   the   Brazilian   Federal   Constitution   of  

1988.  FUNAI  was  created  by  the  Federal  Law  No.  5,371  of  1967  and  is  an  entity  of  private  law,  which  has  its  

own   assets.   Since   its   creation,   FUNAI   has   developed   a   relevant   role   as   the   indigenous   people   legal  

representative.  

In  this  sense,    section  8th  of  the  Federal  Law  No.  6,001  of  1973  establishes  that  the  acts  performed  

between  a  non-­‐integrated   indigenous   individual  and  a  non-­‐indigenous  person  shall  be  considered  void  and  

invalid   if   not   assisted   by   FUNAI.   It  means   that,   under   Brazilian   law,   the   FPIC   of   non-­‐integrated   indigenous  

individuals  shall  be  mandatorily  rendered  through  FUNAI.  

Moreover,  the  Brazilian  Constitution  protects  the  indigenous  people’s  social  organization,  practices,  

languages,  beliefs  and  traditions,  as  well  as  their  original  right  on  lands  they  have  traditionally  occupied.  The  

Brazilian  Federal  Constitution  also  sets  forth  that  it  is  forbidden  to  remove  groups  of  indigenous  people  from  

their   lands   (Paragraph  5,   Section   231,   Federal   Constitution).   In   case  of   catastrophes   or   epidemics   that   put  

indigenous   population   under   risk   or   in   the   name   of   the   sovereignty   interest   of   the   country,   the   National  

Congress   shall   approve   the   resettlement   of   indigenous   population   (Paragraph   3,   Section   231,   Federal  

                                                                                                                         9  The  Equator  Principles,  version  in  force  from  4  June  2013,  Page  9,  Available  at:  http://www.equator-­‐principles.com/resources/equator_principles_III.pdf    10  Banco  Bradesco  S.A.;  Banco  do  Brasil  S.A.;  Banco  Pine  S.A.;  Caixa  Econômica  Federal  and  Itaú  Unibanco  S.A.  Available  at:  http://www.equator-­‐principles.com/index.php/members-­‐reporting/members-­‐and-­‐reporting  

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Constitution)11.   Furthermore,   the   Federal   Public   Prosecutor   Office   (“MPF”)   is   authorized   by   the   Federal  

Constitution  to  represent  the  rights  and  interests  of  indigenous  people  before  the  Courts12.  

Moreover,  the  Brazilian  Federal  Constitution  sets  forth  that  the  National  Congress  shall  approve  the  

economical   exploitation   of   natural   resources   situated   in   indigenous   lands   and   that   the   indigenous   people  

shall  be  consulted  in  this  regard  (Paragraph  3,  Section  231,  Federal  Constitution).  

In   addition,   the   Federal   Decree   No.   6040   of   2007   sets   forth   the   National   Policy   for   Sustainable  

Development  of  Traditional  People  and  Communities.  Amongst   its  objectives,   the  policy  aims  at  protecting  

the   right   of   traditional   people   and   communities   directly   or   indirectly   affected   by   projects,   works   or  

enterprises  (section  3rd,  IV).  

The  FUNAI’s  Regulatory  Instruction  No.  01  of  2012  establishes  rules  for  FUNAI’s  participation  in  the  

environmental   licensing   process   related   to   activities   that   are   likely   to   affect   indigenous   lands   and   people.  

Accordingly,  during  the  licensing  process,  both  FUNAI  and  Public  Prosecutor’s  Office  shall  intervene  in  order  

to  protect  the  indigenous  rights.  

Public   hearings   are   also   meant   to   channel   the   claims   and   suggestions   from   the   affected  

communities.  The  Brazilian  National  Council  for  the  Environment  (“CONAMA”)  Resolution  No.  09  of  1987  sets  

forth   that   a   public   hearing   shall   be   held   during   the   licensing   process:   (i)   whenever   the   environmental  

authority  deems   it  necessary;  or   (ii)   in  case   it   is  requested  by  the  Public  Prosecutor  Office  or  by  at   least  50  

(fifty)   citizens.   The   public   hearing   aims   to   present   the   Environmental   Impact   Assessment   and   the  

corresponding   Environmental   Impact   Report   (“EIA/RIMA”)13   to   the   stakeholders,   collect   opinions   from   the  

                                                                                                                         11  Section  231.  Indians  shall  have  their  social  organization,  customs,  languages,  creeds  and  traditions  recognized,  as  well  as  their  original  rights  to  the  lands  they  traditionally  occupy,  it  being  incumbent  upon  the  Union  to  demarcate  them,  protect  and  ensure  respect  for  all  of  their  property.  Paragraph  1.  Lands  traditionally  occupied  by  Indians  are  those  on  which  they  live  on  a  permanent  basis,  those  used  for  their  productive  activities,  those  indispensable  to  the  preservation  of  the  environmental  resources  necessary  for  their  well-­‐being  and  for  their  physical  and  cultural  reproduction,  according  to  their  uses,  customs  and  traditions.  Paragraph  2.  The  lands  traditionally  occupied  by  Indians  are  intended  for  their  permanent  possession  and  they  shall  have  the  exclusive  usufruct  of  the  riches  of  the  soil,  the  rivers  and  the  lakes  existing  therein.  Paragraph  3.  Hydric  resources,  including  energetic  potentials,  may  only  be  exploited,  and  mineral  riches  in  Indian  land  may  only  be  prospected  and  mined  with  the  authorization  of  the  National  Congress,  after  hearing  the  communities  involved,  and  the  participation  in  the  results  of  such  mining  shall  be  ensured  to  them,  as  set  forth  by  law.  Paragraph  4.  The  lands  referred  to  in  this  section  are  inalienable  and  indispensable  and  the  rights  thereto  are  not  subject  to  limitation.    Paragraph  5.  The  removal  of  Indian  groups  from  their  lands  is  forbidden,  except  ad  referendum  of  the  National  Congress,  in  case  of  a  catastrophe  or  an  epidemic  which  represents  a  risk  to  their  population,  or  in  the  interest  of  the  sovereignty  of  the  country,  after  decision  by  the  National  Congress,  it  being  guaranteed  that,  under  any  circumstances,  the  return  shall  be  immediate  as  soon  as  the  risk  ceases”.  Paragraph  6.  Acts  with  a  view  to  occupation,  domain  and  possession  of  the  lands  referred  to  in  this  section  or  to  the  exploitation  of  the  natural  riches  of  the  soil,  rivers  and  lakes  existing  therein,  are  null  and  void,  producing  no  legal  effects,  except  in  case  of  relevant  public  interest  of  the  Union,  as  provided  by  a  supplementary  law  and  such  nullity  and  voidness  shall  not  create  a  right  to  indemnity  or  to  sue  the  Union,  except  in  what  concerns  improvements  derived  from  occupation  in  good  faith,  in  the  manner  prescribed  by  law.  Paragraph  7.  The  provisions  of  section  174,  paragraphs  3  and  4,  shall  not  apply  to  Indian  lands.  “Section  174.  A  s  the  normative  and  regulating  agent  of  the  economic  activity,  the  State  shall,  in  the  manner  set  forth  by  law,  perform  the  functions  of  control,  incentive  and  planning,  the  latter  being  binding  for  the  public  sector  and  indicative  for  the  private  sector.  Paragraph  1.  T  he  law  shall  establish  the  guidelines  and  bases  for  planning  of  the  balanced  national  development,  which  shall  embody  and  make  compatible  the  national  and  regional  development  plans.  Paragraph  2.  T  he  law  shall  support  and  encourage  cooperative  activity  and  other  forms  of  association.  Paragraph  3.  The  State  shall  favour  the  organization  of  the  placer-­‐mining  activity  in  cooperatives,  taking  into  account  the  protection  of  the  environment  and  the  social  economic  furthering  of  the  placer-­‐miners.  Paragraph  4.  T  he  cooperatives  referred  to  in  the  preceding  paragraph  shall  have  priority  in  obtaining  authorization  or  grant  for  prospecting  and  mining  of  placer  resources  and  deposits  in  the  areas  where  they  are  operating  and  in  those  established  in  accordance  with  section  21,  XXV,  as  set  forth  by  law”.  12  According  to  section  No.  129  of  the  Federal  Constitution:  “Section  129.  The  following  are  institutional  functions  of  the  Public  Prosecution:  V  –  to  defend  judicially  the  rights  and  interests  of  the  indigenous  populations”.  13  To  be  in  compliance  with  the  applicable  law  and  some  general  guidelines,  the  EIA/RIMA  must  (i)  present  all  technological  and  location  alternatives  for  the  project,  confronting  them  with  a  scenario  in  which  the  project  is  not  implemented;  (ii)  identify  and  evaluate,  in  a  systematic  manner,  the  environmental  impacts  generated  during  the  implementation  and  operation  phases  of  the  undertaking  or  activity;  (iii)  define  the  limits  of  the  geographical  area  to  be  directly  or  indirectly  affected  by  the  impacts,  which  shall  be  referred  to  as  the  

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audience  and  provide  further  clarifications  on  the  project  to  the  affected  people.  The  legislation  states  that  

the  minutes  of  the  public  hearing  shall  be  attached  to  the  licensing  procedure  and  be  taken  into  account  by  

the  environmental  authority  in  its  final  decision.  

Also,  it  is  important  to  mention  the  National  Policy  for  Territorial  and  Environmental  Management  of  

Indigenous   Lands   (“PNGATI”),   published   in   the   form   of   a   Decree   (Federal   Decree   No.   7,747/2012).   The  

warranty   of   the   free,   prior   and   informed   consent   is   established   as   one   of   its   objectives   and   guidelines,   as  

follows:  “Section  3:    The  guidelines  of  the  PNGATI  are:  XI  –  warranty  of  the  right  to  consultation  of  indigenous  

peoples,  in  accordance  with  the  ILO  Convention  (Federal  Decree  No.  5051/  2004)”.  According  to  the  PNGATI,  

the  indigenous  people  should  be  consulted   in  environmental  licensing  process  of  activities  and  projects  that  

directly  affect  their  people  and  lands14.  

In  sum,  although  the  Brazilian   law  does  not  set   forth   that  a  project   that  may   impact  a  community  

shall  be  preceded  by  the  FPIC  of  its  individual  members,  Brazilian  law  sets  forth  proper  mechanisms  to  ensure  

the  protection  of  indigenous  rights  over  land  and  culture.  

 

4. BELO  MONTE  HYDROPOWER  PROJECT’S  LEADING  CASE    

 

 The   Belo   Monte   Hydropower   Project   is   a   national   energy   project   of   the   Brazilian   Federal  

Government  that  will  be  located  at  the  Xingu  River  in  Brazil’s  Northern  State  of  Pará.  Through  this  dam,  the  

government   plans   to   add   11,000  mega-­‐watts   (MW)   of   installed   capacity   to   the   national   energy   grid.   Such  

energy  output  will  put  the  dam  at  the  second  place  in  the  Brazilian  rank  of  the  major  energy  producers,  only  

after  the  Itaipu  bi-­‐national  power  plant  managed  by  Brazil  and  Paraguay  (which  produces  14,000  MW).  The  

Belo  Monte  Hydropower  Project  has  raised  many  debates  about  the  regularity  of  its  environmental  licensing  

process  and  has  been  facing  a  strong  opposition  from  environmentalists  and  local  residents.  

The   Brazilian   Government   granted   environmental   approval,   by   the   issuance   of   the   Preliminary  

License  for  the  project  in  February  2010.  Subsequently,  the  President  Luiz  Inacio  Lula  da  Silva  officially  signed  

a   contract   for   the   construction   of   the   plant   with   Norte   Energia   in   August   2010.   Since   that   date,   the  

environmental  licensing  has  developed  fierce  opposition  by  the  Federal  Public  Attorney’s  Office  (“MPF”).  

One   of   the  most   critical   points   raised   by   the  MPF   against   Belo  Monte   Hydropower   Project   is   the  

alleged  violation  of  indigenous  rights.  MPF  has  argued  that  there  was  lack  of  proper  analysis  of  the  impacts  

on  indigenous  lands  and  populations,  especially  around  the  Municipality  of  Volta  Grande,  during  the  licensing  

process.    

It   is   important  to  highlight  that  the  MPF’s  challenges  of  the  environmental   licensing  process  of  the  

Belo  Monte  Hydropower  plant  have   led   to   the   filing  of   at   least   twelve   class   actions   (“Ação  Civil   Pública  or  

ACP”).  

Among   such   actions,   the   consultation   to   the   indigenous   people   is   the   focus   of   the   ACP   No.  

2006.39.03.000711-­‐8,  currently  in  progress  at  Courts  of  Appeal  of  the  First  Circuit.  The  plaintiffs  are  the  MPF  

and   FUNAI,   whereas,   the   defendants   are   the   Institute   for   Environment   and   Natural   Renewable   Resources  

(“IBAMA”),   Centrais   Elétricas   Brasileiras   S.A.   (“Eletrobras”)   and   Centrais   Elétricas   do   Norte   do   Brasil   S.A.  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       project  area  of  influence;  and  (iv)  consider  the  governmental  plans  and  programs  proposed  and  under  implementation  in  the  project  area  of  influence,  as  well  as  their  compatibility.    14  “Section  4:  “The  specific  objectives  of  PNGATI,  structured  axes,  are:  II  -­‐  axis  2  -­‐  governance  and  indigenous  participation:  f)  conduct  consultations  with  indigenous  peoples  in  environmental  licensing  process  of  activities  and  projects  that  directly  affect  indigenous  people  and  lands,  in  terms  of  joint  act  of  the  Ministries  of  Justice  and  Environment”.  

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(“Eletronorte”).  The  claim  seeks   IBAMA’s  conviction   to   refrain   from  adopting  administrative  acts   related   to  

environmental  licensing  of  the  Belo  Monte  Hydropower  plant.  

First   of   all,   the   Courts   of   Appeal   of   First   Circuit   ordered   the   immediate   suspension   of   the  

environmental  licensing  process  developed  before  IBAMA.  The  tribunal  argued  that  the  authorization  of  the  

project   by  Brazilian  Congress   in   2005  was   illegal,   because   the   indigenous  peoples   affected  by   construction  

were  not  properly  consulted  in  accordance  with  the  Brazilian  Constitution  and  the   ILO  Convention,  to  which  

Brazil  is  party  to.  The  defendants  then  appeared  before  the  Federal  Court  and  were  able  to  obtain  a  decision  

from  the  same  judge  reconsidering    his  first  decision  and  reverting  the  preliminary  injunction  granted.  

Then,  the  Federal  Public  Prosecutor's  Office   filed  an   interlocutory  appeal  against  the  decision  from  

the   Federal   Court   and   the   Federal   Court   of   Appeals   of   the   First   Circuit   reversed   again   the   decision   and  

granted  injunction  claimed  by  the  plaintiffs.    

Against  this  decision,  the  Federal  Government  filed  a  specific  procedure  before  the  Federal  Supreme  

Court   (Suspension   Injunction  No.   125)   to   immediately   stay   the   injunction   granted   by   the   Federal   Court   of  

Appeals  of  the  First  Circuit.  The  Federal  Supreme  Court  stayed  in  part  such  decision,  nevertheless  determined  

IBAMA  to  proceed  with  the  hearings  of  the  indigenous  peoples  affected  by  construction.  

At  the  same  time  the  parties  were  discussing  about  the  preliminary  injunction,  the  lawsuit  was  going  

forward  before  the  Federal  Court  to  be  ruled  on  its  merits.  After  the  dully  production  of  evidence  the  Federal  

Court  ruled  against  the  plaintiffs  on  the  merits.  

Indeed,  the  main  discussion  brought  before  the  Federal  Court  was  about  the  regularity  of  the  Belo  

Monte   Hydropower   Project   authorization   by   the   National   Congress   by   means   of   Legislative   Decree   No.  

788/2005.  MPF  argued  that  such  authorization  has  violated   the  right   to  FPIC  guaranteed  to   the   indigenous  

peoples  affected  by  the  project.  The  counterparties  defended  that  the  FPIC  was  performed  by  the  National  

Congress.  Moreover,  the  discussion  involves  the  time  when  the  FPIC  should  be  performed.  

The  Federal  Public  Prosecutor's  Office   then   filed  an   appeal   to   the  Federal  Court  of  Appeals  of   the  

First  Circuit,  who  partially  reverted  the  decision  from  the  lower  court.  

 

 

The   final   Federal   Court   of   Appeals   decision   reinforced   that   the  Brazilian   Constitution   protects   the  

indigenous  people’s  social  organization,  practices,   languages,  beliefs  and  traditions,  as  well  as   their  original  

right  on   lands   they  have   traditionally  occupied.   It  also  highlighted   that   the  Brazilian  Constitution   sets   forth  

that   it   is   forbidden  to   remove  groups  of   indigenous  people   from  their   lands  without   the  National  Congress  

approving   the  economical   exploitation  of  natural   resources   situated   in   their   lands   and   that   the   indigenous  

people  shall  be  consulted.    

Accordingly,   the   Court   of   Appeals   considered   that   the   hearing   of   the   affected   indigenous  

communities  shall  be  a  condition  precedent  for  the  approval  of  the  authorization  by  the  National  Congress.  

The  Court  understood  that  indigenous  peoples  were  not  heard.    

As   the   indigenous   community   cannot   be   replaced,   the   Court   of   Appeals   ruled   that   the   National  

Congress   could   not   delegate   the   act   of   hearing   the   indigenous   community.   It   is   the   Congress  who   should  

perform  the  inquiry  procedures,  since  it  has  the  power  to  authorize  the  construction.  

 

  In   light  of  the  above,  the  Courts  of  Appeal  of  First  Circuit  partly  granted  the  claims  of  the  plaintiff,  

considering  the  Legislative  Decree  No.  788/2005  invalid.  In  this  sense,  according  to  the  Brazilian  Constitution  

and   the   ILO   Convention,   the   Court   decided   that   the   environmental   licensing   process   of   the   Belo   Monte  

Hydropower  plant  had  no  effect.  

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Then   the  Federal  Government   filed  a   constitutional   claim   (RCL14404)  before   the  Federal   Supreme  

Court,   requesting   an   advanced   relief   against   the  decision   rendered  by   the  Tribunal   Regional   Federal   da   1ª  

Região   (ACP   No.   2006.39.03.000711-­‐8).   The   constitutional   claim   questioned   the   prohibition   of   IBAMA   to  

practice   any   act   of   licensing   of   the   hydroelectric   plant   of   Belo  Monte,   in   the   State   of   Pará,   as  well   as   the  

immediate  termination  of  the  activities  that  are  necessary  to  implement  the  project.    

 

Accordingly,  the  Federal  Government  asserted  that  besides  disrespecting  the  decision  of  the  Federal  

Supreme  Court  issued  in  connection  to  the  preliminary  injunction  claim,  the  decision  of  the  Courts  of  Appeal  

"completely   invades   the   administrative   discretionary   sphere   and   reverberate   in   the   formulation   and  

implementation  of  national  energy  policy."    

In   this   sense,   first,   the   Federal   Government   required   the   suspension   of   the   effectiveness   of   the  

judgment   of   the   Federal   Regional   Tribunal   in   order   to   avoid   irreparable   damage   to   public   property.   The  

constitutional   claim   seeks   the   annulment   of   the   decision   challenged   by   disrespecting   the   authority   of   the  

decision  previously  rendered  by  the  Federal  Supreme  Court  in  the  trial  of  Suspension  Injunction  No.  125.    

The   Injunction   focused   on   whether   the   hearing   of   "affected   communities"   should   precede   the  

National   Congress   authorization   for   the   use   of   water   resources   in   indigenous   lands   or   if,   otherwise,   the  

authorization  is  the  previous  step  to  the  environmental  licensing  process.    

Although  the  examination  of  the  Suspension  Injunction  No.  12515  has  not  entered  into  the  merits  of  

the   case,   the  Minister   Ellen   Gracie   decided   that:   "in   honor   of   the   public   and   economy   order,   the   acts   of  

IBAMA  and  other  agencies  responsible  for  the  ongoing  of  environmental  licensing  process  were  authorized".  

At   last,   the  Federal   Supreme  Court,  when  deciding   the   constitutional   claim   (RCL14404),   ruled   that  

the  judgment  of  the  Federal  Regional  Tribunal  violated  its  authority  vis-­‐à-­‐vis  the  decision  of  the  Suspension  

Injunction  No.  125.  In  this  sense,  the  injunction  granted  by  the  Federal  Supreme  Court  stayed  the  effects  of  

the  judgment  of  the  Federal  Regional  Tribunal  in  Civil  Appeal  No.  2006.39.03.000711-­‐8.    

Although   the   constitutional   claim   (RCL14404)   is   still   pending   a   final   judgment,   currently   the  

environmental  licensing  of  the  Belo  Monte  Hydropower  plant  is  in  progress,  based  on  the  mentioned  decision  

of  the  Federal  Supreme  Court.  

 

CONCLUSION  

 

  It  is  clear  that  under  international  law,  FPIC  is  recognized  by  a  number  of  intergovernmental  bodies  

and  respective  conventions,  as  well  as  international  human  rights  law.    

Also,  not  only  the  public  organizations  are  concerned  with  assuring  rights  for  the  affected  people  by  

projects  of  high   impact  on   their   living,  but  also  private  entities  have  been  adopting   the  FPIC  as  one  of   the  

cornerstones   of   their   sustainability   policies.   In   this   sense,   the   best   practices   show   that   FPIC   should   be  

observed.  

In   its   turn,   the   Brazilian   law   does   not   explicitly   ensure   the   free,   prior   and   informed   consent.  

However,   as   exposed,   the   Brazilian   Constitution   protects   the   indigenous   people’s   social   organization,  

practices,   languages,   beliefs   and   traditions,   as   well   as   their   original   right   on   lands   they   have   traditionally  

occupied.   Also,   the   Brazilian   Federal   Constitution   sets   forth   that   the   National   Congress   shall   approve   the  

                                                                                                                         15  In  that  Suspension  Injunction,  the  President  of  the  Federal  Supreme  Court  authorized  IBAMA  to  proceed:  "the  hearing  of  the  interested  indigenous  communities”.  In  the  same  decision,  the  Federal  Supreme  Court  maintained  the  determination  to  conduct  the  EIA  and  the  anthropological  report,  in  order  to  allow  the  necessary  acts  for  the  viability  the  enterprise.  

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economical   exploitation   of   natural   resources   situated   in   indigenous   lands   and   that   the   indigenous   people  

shall  be  consulted.    

Accordingly,   it  must  be  considered  that   the  Brazilian   law  establishes  sufficient  mechanisms   for   the  

protection   of   indigenous   lands.   As  mentioned   above,   according   to   Brazilian   law,   during   the   environmental  

licensing   process,   three   institutions   represent   and   protect   the   indigenous   people   interest:     the   National  

Congress,  the  Federal  Public  Prosecutor  Office  and  FUNAI.  In  this  sense,  the  rational  on  which  FPIC  is    ensured  

by  our  legislation.  

In  light  of  the  above  and  due  to  the  precedent  related  to  the  Belo  Monte  Hydropower  Project,  it  is  

possible   to   conclude   that   the   concept   of   FPIC   is   expanding   and   gaining   strength   under   international   and  

Brazilian  law.  The  international  trend  is  to  establish  a  procedure  for  consulting  the  affected  communities  by  

potentially   polluting   projects.   In   Brazil,   the   legislation   already   protects   the   indigenous   lands   and   interests  

through  their  representatives,  which  has  been  reinforced  by  the  recent  case-­‐law.  Also,   the  private  sector   is  

adhering  to  voluntary  protocols  which  make  the  law  indeed  effective.  

 

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REFERENCES  

 

Legislation  

• International  Labor  Organization  Convention  No.  169  on  Indigenous  and  Tribal  Convention;  • United  Nations  Declaration  on  the  Rights  of  Indigenous  People,  adopted  by  the  General  Assembly  through  

Resolution  No.  61/295  on  September  13,  2007;  

• United  Nations  Framework  Convention  on  Biological  Diversity;  

• Hydropower  Sustainability  Assessment  Protocol,   issued  by   the   International  Hydropower  Association  on  

November  2010;  

• International  Finance  Corporation’s  Sustainability  Framework;  

• Federal  Constitution  (section  231,  §§  3rd,  5th  and  6th);    • Federal  Law  No.  6,001  from  1973  (Section  7th  and  8th);    

• Federal  Decree  No.  6,040  from  2007;    

• Federal  Decree  No.  7.747/2012;  • FUNAI’s  Normative  Instruction  No.  01/2012.  

 

Sections  

• Breyer,  Erika;  Expansão  Energética  e  Populações  Indígenas;  June  25,  2013;  Publication:  Portal  Fator  Brasil  –  Sections;  

• Justiça  Assegura  Legalidade  de  Licenciamento  de  Belo  Monte;  DCI  -­‐  Diário  Comércio  Indústria  &  Serviços  -­‐  

May  25,  2013,  p.A7;  

• Questão   indígena   afeta   imagem   de   Dilma;   May   10,   2013;   Publication:   Valor   Economico   News   -­‐   1st  

Supplement  Section;  

• Planalto  rejeita  diálogo  com  invasores  de  Belo  Monte;  May  7,  2013;  Publication:  Diário  Online  –  General;  

• Ruralistas   pressionam   por   terras   indígenas;   May   7,   2013;   Publication:   Valor   Economico   News   -­‐   1st  

Supplement  Section;  

• Índios  decidem  manter  invasão  em  Belo  Monte;  May  6,  2013;  Publication:  Diário  Online  –  General;  

• Belo   Monte:   ministro   Ayres   Britto   defere   liminar   requerida   pela   AGU;   August   27,2012;   Available   at:  

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=216344    

• AGU   questiona   acórdão   sobre   a   Usina   de   Belo   Monte;   August   24,   2012;   Available   at:  

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=216138    

 

Case  Law  

• Public   Civil   Action   No.   2006.39.03.000711-­‐8,   currently   in   progress   at   Tribunal   Regional   Federal   da   1ª  Região;  

• Suspension  Injunction  No.  125;  Federal  Supreme  Court;  

• Constitucional  Claim  No.  14404;  Federal  Supreme  Court.  

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TARIFAÇÃO DINÂMICA PARA O MERCADO REGULADO Donato  da  Silva  Filho  EDP  Brasil    Dorel  Soares  Ramos  Universidade  de  São  Paulo    Ewerton  Guarnier  Universidade  de  São  Paulo    Rafael  Holanda  Moura  EDP  Brasil    

 

 

RESUMO  

 

Na   atual   estrutura   do   Setor   Elétrico   Brasileiro,   as   distribuidoras   de   energia   elétrica   possuem   tarifas   que   são  

fixadas   anualmente   nas   datas   de   aniversário   de   seus   contratos   de   concessão.   Os   contratos   de   compra   de  

energia  que  servem  para  lastrear  a  venda  de  energia  aos  clientes  cativos  das  distribuidoras  são  constituídos  por  

contratos   por   quantidade   e   por   contratos   por   disponibilidade.  Nos   contratos   por   quantidade,   a   distribuidora  

paga  um  preço   fixo  pelo  volume  de  energia  contratada,  o  qual  é   reajustado  anualmente  por  algum   índice  de  

preços  (IGP-­‐M  e  IPCA).  Nos  contratos  por  disponibilidade  (sobretudo  usinas  termoelétricas),  há  uma  parcela  fixa  

(encargos,  tributos,  etc.)  e  uma  parcela  variável  (conjuntura  energética).  Se  há  abundância  de  chuvas,  o  custo  

variável   é   baixo;   em   períodos   mais   secos,   alto.   Apesar   da   parcela   variável   ser   fortemente   dependente   da  

conjuntura   hidrológica,   os   consumidores   não   tem   a   percepção   do   sinal   econômico   associado,   pois   as   tarifas  

somente  variam  uma  vez  ao  ano.  Neste  contexto,  os  consumidores  deixam  de  aproveitar  a  energia  mais  barata,  

disponível  nos  períodos  mais  úmidos,  como  também  deixam  de  reagir  ao  elevado  custo  da  energia  ao  longo  do  

período  seco.  Assim,  com  a  tarifa  constante  o  sistema  perde  eficiência,  pois  não  há  resposta  ao  custo  efetivo  da  

energia.   Este   artigo   propõe   uma   estrutura   tarifária   em   que   os   custos   variáveis   da   compra   de   energia   e   os  

encargos   que   variam   com   a   conjuntura   energética   passam   a   compor   uma   parcela   da   tarifa   que   varia  

mensalmente.   A   cada   mês   são   publicadas   as   previsões   destes   custos   variáveis   para   o   mês   seguinte   e   o  

faturamento  do  mês   seguinte   teria   esta  parcela  discriminada  nas   contas  de   luz,   de   forma  adicional   aos   itens  

fixos.   O   consumidor   tem   assim   acesso   a   esta   informação   e   pode   ajustar   o   consumo   em   função   do   valor   da  

parcela   variável.   De   forma   geral,   os   impactos   na   conta   de   energia   devido   à   parcela   variável   decorrente   da  

situação  energética  são  inferiores  a  10%  do  valor  da  conta  de  luz.  No  entanto,  o  fato  dos  consumidores  terem  

acesso  rotineiro  às  condições  energéticas  do  sistema  passa  a  ser  elemento  indutor  de  uma  utilização  energética  

mais  eficiente.    

 

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Distribuidoras  de  Energia,  Parcela  A,  Eficiência  Energética,  Risco,  Tarifação  Dinâmica  

 

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1.0  -­‐  INTRODUÇÃO    

 O   serviço  de  distribuição  de  energia   elétrica  no  Brasil   é   regulado  pelo   sistema  PRICE  CAP,   caracterizado  pela  imposição   de   tarifas   teto   às   concessionárias,   a   cada   quatro   anos   (normalmente),   no   processo   de   revisão  tarifária,  aplicando-­‐se  reajustes  anuais  de  tarifas  entre  revisões,  por  índices  de  preço  descontados  dos  ganhos  de  produtividade.  A  tarifa  das  distribuidoras  é  formada  por  duas  parcelas:  a  parcela  A,  referente  aos  custos  não  gerenciáveis,   ressarce   a   distribuidora   pelos   custos   relativos   aos   encargos   setoriais,   custos   de   transporte   e  compra   de   energia;   a   parcela   B,   referente   aos   custos   gerenciáveis,   remunera   a   distribuidora   pelos   custos  operacionais   eficientes,   pela   remuneração   dos   investimentos   prudentes   e   pela   quota   de   reintegração  regulatória  (depreciação  dos  ativos).    A  parcela  A  deve  ser  neutra  para  efeito  tarifário,  ou  seja,  as  distribuidoras  não  devem  ter  ganhos  nem  perdas  com  os  itens  que  a  compõem.  Esta  premissa  só  seria  verificada  se  houvesse  um  perfeito  casamento  entre  o  que  a  distribuidora  paga  aos  seus  fornecedores  e  o  que  recebe  dos  consumidores  por  intermédio  das  tarifas.    Na  prática,  alguns  custos  assumidos  pelas  distribuidoras  não  são  totalmente  cobertos  pelos  valores  previstos  na  última   revisão  ou   reajuste   tarifário,  devido  a  algumas  características  dos  contratos  ou  dos  encargos,   como   (i)  diferença  entre  a  data  de  reajuste  do  encargo/contrato  e  a  data  de  reajuste  da  distribuidora,  e   (ii)   riscos  dos  contratos  de  disponibilidade,  que  são  assumidos  pelas  distribuidoras  e  que  dependem  do  despacho  das  usinas  térmicas  e  da  situação  energética  do  sistema  interligado  nacional.      Mesmo   sendo   esse   custo   posteriormente   repassado   aos   consumidores   nos   reajustes   ou   revisões   tarifárias,   a  distribuidora  arca  com  o  ônus  financeiro  do  seu  carregamento  durante  o  período  de  um  ano.    De  fato,  as  diferenças  entre  os  valores  pagos  aos  fornecedores  e  os  valores  considerados  na  tarifa  de  cobertura  fazem  com  que  a  distribuidora  tenha  prejuízos  ou  ganhos  no  curto  prazo,  que  só  poderão  ser  repassados  aos  consumidores   no   reajuste   tarifário   ou   na   revisão   subsequente.   Neste   sentido,   a   distribuidora   pode   ficar  descoberta  durante  um  ano   inteiro,   captando   recursos  no   curto  prazo   com  altas   taxas  de   juros,  que  não   são  consideradas  integralmente  no  repasse  aos  consumidores,  e  consequentemente  afetando  a  saúde  financeira  da  empresa  e  a  neutralidade  da  Parcela  A.    A  variação  dos  custos  da  Parcela  A  acaba  sendo  subsidiada  pela  Parcela  B,  que  remunera  a  distribuidora  pelo  serviço   prestado   e   pelos   investimentos   realizados,   caracterizando   uma   transferência   de   recursos   e   uma  penalização  ao  investidor.  Este  efeito  é  ampliado  com  a  metodologia  aplicada  no  3°  Ciclo  de  Revisões  Tarifárias,  pois   a   Parcela   B   tem   se   reduzido   sensivelmente   (20%   em  média9   e   as   variações   da   Parcela   A   se   tornaram  proporcionalmente  mais   significativas.  Em  casos  extremos,   em  alguns  meses,  mais  do  que  100%  da  Parcela  B  pode  ser  utilizada  para  cobrir  variações  da  Parcela  A.    Ademais,   este   impacto   na   Parcela   B   gera   redução   do   fluxo   de   caixa   e   de   resultados   para   a   empresa,  compromentendo   a   sua   financiabilidade,   pois   a   relação   dívida   sobre   EBITDA,   utilizada   para   medir   a   saúde  financeira  das  empresas,  se  eleva  muito  devido  à  redução  de  EBITDA.    As  distribuidoras  que  dispõem  em  seu  “mix”  de  compra  de  uma  parcela  maior  de  contratos  de  disponibilidade  são  mais  impactadas  por  estas  variações  no  curto  prazo.  Esta  situação  se  torna  preocupante  nos  momentos  em  que  o  sistema  brasileiro  se  encontra  “estressado”,  pois  as  distribuidoras  devem  arcar  de  forma  antecipada  com  os  custos  de  combustível  das  termelétricas  despachadas  até  o  momento  do  repasse  às  tarifas.    

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2.0  -­‐  REPASSE  DOS  CUSTOS  VARIÁVEIS  E  EFICIÊNCIA  ENERGÉTICA  

 Na  regulação  brasileira,  os  consumidores  cativos  experimentam  um  sinal  econômico  constante  ao  longo  do  ano  tarifário  da  distribuidora.  No  entanto,  a  energia  que  está  sendo  consumida  possui  um  custo  de  produção  que  não  é  constante,  pois  depende  das  fontes  que  estão  sendo  utilizadas  para  supri-­‐la.      Apesar  do  aparente  benefício  da  estabilização  da  tarifa  ao  longo  de  um  ano,  a  cada  ajuste  no  valor  das  tarifas  o  consumidor   percebe   variações   –   positivas   ou   negativas   –   às   quais   não   faz  mais   sentido   reagir   reduzindo   ou  elevando   o   consumo,   pois   se   tratam   de   eventos   passados,   não   correlacionados   com   a   situação   energética  momentânea  ou  futura.    Para  melhor   explorar   esta   característica   temporal   das   fontes   de   geração   e   o   descasamento   com   os   cálculos  tarifários,   a   próxima   seção   apresenta   como   são   realizados   os   cálculos   da   CVA,   e   a   seção   seguinte   apresenta  exemplos  reais  de  falta  de  correlação  entre  tarifa  e  custo  efetivo  de  produção  da  energia.    

2.1 A  Conta  de  Variação  de  Itens  da  Parcela  A  -­‐  CVA  

 A  Conta  de  Variação  de  Valores  dos  Itens  da  Parcela  A,  regulamentadada  pela  Portaria  Interministerial  MF/MME  nº   296,   de   25/10/2001   e   posteriormente   substituída   pela   Portaria   Interministerial   MF/MME   nº   025,   de  24/01/2002,  foi  criada  para  apurar  as  diferenças  entre  os  custos  e  as  receitas  das  distribuidoras  para   itens  da  Parcela  A  que  apresentavam  variações  de  preços  entre  os  períodos  de  revisões  e  reajustes  tarifários  anuais.      Os  seguintes  itens  são  contabilizados  na  CVA.    

-­‐  CVA  Energia:  Valores  e  montantes  de  compra  e  repasse  de  energia.  -­‐  CVA  Rede  Básica:  Valores  e  montantes  de  compra  e  repasse  da  Rede  Básica.  -­‐  CVA  Transporte  Itaipu:  Valores  e  montantes  de  compra  e  repasse  do  Transporte  de  Itaipu.  -­‐  CVA  CCC:  Valores  pagos  e  repassados  da  Conta  de  Consumo  de  Combustíveis  dos  sistemas  isolados.  -­‐  CVA  CDE:  Valores  pagos  e  repassados  da  Conta  de  Desenvolvimento  Energético.  -­‐  CVA  ESS:  Valores  pagos  e  repassados  dos  Encargos  de  Serviço  do  Sistema  -­‐  CVA  PROINFA:  Valores  pagos  e  repassados  do  Programa  de  Incentivo  às  Fontes  Alternativas.  -­‐  CVA  EER:  Valores  pagos  e  repassados  do  Encargo  de  Energia  de  Reserva.  

 A  contabilização  de  cada  um  destes  itens  é  feita  mensalmente,  apurando-­‐se  os  custos  mensais  realizados  pela  distribuidora   e   a   cobertura   tarifária   homologada   no   último   reajuste   ou   revisão   tarifária.   A   Figura   1   ilustra   a  contabilização  da  CVA  para  um  determinado  item.    

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Figura  1  –  Contabilização  da  CVA.  

Quando  a  distribuidora,  em  um  determinado  mês,  tem  seus  custos  menores  que  o  valor  de  cobertura  tarifária  para  o  item,  apura-­‐se  um  valor  negativo  de  CVA,  que  resulta  em  um  passivo  regulatório.  Por  outro  lado,  quando  os  custos  são  maiores  que  a  cobertura  tarifária  para  um  dado  item  em  um  determinado  mês,  apura-­‐se  um  valor  positivo  de  CVA,  resultando  em  um  ativo  regulatório.  Como  exemplo,  a  Figura  2  apresenta  a  contabilização  da  CVA  PROINFA  para  a  distribuidora  ESCELSA  entre  os  meses  de  Agosto  de  2012  e  Março  de  2013.    

 

Figura  2  –  Contabilização  da  CVA  PROINFA.  

 A   CVA   não   faz   parte   da   base   tarifária   e   é   contabilizada   nos   reajustes   e   revisões   tarifários   através   de   um  componente  financeiro.  Este  componente  reflete  a  contabilização  das  diferenças  incorridas  em  todo  o  período  passado  e  é  adicionado  à  tarifa  do  período  subsequente  de  12  meses.    Assim,   a   CVA   acumulada   em   cada   mês   agrega   as   diferenças   apuradas   no   mês   vigente   com   as   diferenças  apuradas  nos  demais  meses  contidos  no  período  de  contabilização.    

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Os  itens  que  compõem  a  CVA  podem  ser  divididos  em  3  grupos:  Compra  de  Energia;  Encargos  de  Transporte  e;  Encargos  Setoriais.  A  contabilização  da  diferença  entre  os  custos  realizados  e  a  cobertura  tarifária  para  cada  um  destes  grupos  é  realizada  de  forma  diferente.    As  equações  a  seguir  apresentam  a  forma  de  apuração  das  diferenças  (CVA)  para  estes  grupos.      𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐶𝐶𝑜𝑜𝑚𝑚𝑝𝑝𝑟𝑟𝑎𝑎  𝐸𝐸𝑛𝑛𝑒𝑒𝑟𝑟𝑔𝑔𝑖𝑖𝑎𝑎=𝑃𝑃𝑟𝑟𝑒𝑒ç𝑜𝑜𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑜𝑜−𝑃𝑃𝑟𝑟𝑒𝑒ç𝑜𝑜𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎�𝐸𝐸𝑛𝑛𝑒𝑒𝑟𝑟𝑔𝑔𝑖𝑖𝑎𝑎  𝑅𝑅𝑒𝑒𝑐𝑐𝑜𝑜𝑛𝑛ℎ𝑒𝑒𝑐𝑐𝑖𝑖𝑑𝑑𝑎𝑎   (1)  

 𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐸𝐸𝑛𝑛𝑐𝑐𝑎𝑎𝑟𝑟𝑔𝑔𝑜𝑜𝑠𝑠  𝑇𝑇𝑟𝑟𝑎𝑎𝑛𝑛𝑠𝑠𝑝𝑝𝑜𝑜𝑟𝑟𝑡𝑡𝑒𝑒=𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓𝑎𝑎  𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎−𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓𝑎𝑎𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎�𝐷𝐷𝑒𝑒𝑚𝑚𝑎𝑎𝑛𝑛𝑑𝑑𝑎𝑎  𝑅𝑅𝑒𝑒𝑎𝑎𝑙𝑙𝑖𝑖𝑧𝑧𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎   (2)  

 𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐸𝐸𝑛𝑛𝑐𝑐𝑎𝑎𝑟𝑟𝑔𝑔𝑜𝑜𝑠𝑠  𝑆𝑆𝑒𝑒𝑡𝑡𝑜𝑜𝑟𝑟𝑖𝑖𝑎𝑎𝑖𝑖𝑠𝑠=𝐶𝐶𝑢𝑢𝑠𝑠𝑡𝑡𝑜𝑜−𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎  𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓á𝑟𝑟𝑖𝑖𝑎𝑎   (3)  

 Onde:      PreçoPraticado=CustoEnergia  Contratada   TarifaPraticada=CustoDemanda  Realizada    A   CVA   Compra   de   Energia   é   um   item   de   complexa   contabilização,   pois   a   apuração   deve   ser   realizada  individualmente  para   cada   contrato   firmado  pela  distribuidora,   considerando  o  preço  praticado,   as   regras  de  repasse  específicas  de  cada  contrato  e  o  valor  definido  como  preço  de  cobertura  contratual  na  última  revisão  ou  reajuste.   A   atual   regulamentação   estipula   que   a   contabilização   deve   ser   apurada   para   cada   pagamento  realizado,   acarretando   em   aproximadamente   8.000   pagamentos   contabilizados   em   cada   período   entre  reajustes.    Ainda,   a   CVA   apura   as   diferenças   de   preços   entre   os   contratos   e   o   preço   de   cobertura   para   a   energia  correspondente  a  100%  da  carga  regulatória  da  distribuidora,  aqui  nomeada  de  energia  reconhecida.  O  restante  da  energia  contratada  é  apurada  em  outros  componentes  financeiros  como  a  “Sobrecontratação”  e  o  “Risco  de  Sazonalização”.    

2.2 Repasse  Tarifário  e  a  Perda  de  Sinal  Econômico  

 Para   ilustrar  a  perda  de  sinal  econômico  decorrente  do  cálculo   tarifário,  a  Figura  3   ilustra  o  preço  da  energia  para   uma   distribuidora   da   Região   Sudeste   do   Brasil,   com   aniversário   tarifário   no   mês   de   outubro.   A   linha  vermelha   corresponde   ao   custo   da   energia   presente   na   tarifa   (chamado   de   Cobertura   Tarifária),   a   linha   azul  corresponde  ao  custo  efetivo  da  energia  comprada  pela  Distribuidora,  e  a  linha  pontilhada  verde  corresponde  ao  custo  médio  pago  pelo  consumidor  (diferença  média  entre  a  Cobertura  Tarifária  e  o  Custo  de  Compra).    Analisando  o  gráfico,  constata-­‐se  que  entre  outubro  de  2010  e  setembro  de  2011,  a  linha  vermelha  foi  sempre  superior   à   linha   azul,   ou   seja,   o   consumidor   sempre   pagou   pela   energia   vendida   no   Ambiente   Regulado  (Cobertura  Tarifária)  um  valor  mais  alto  do  que  o  efetivo  custo  de  compra  de  energia  (Compra).  Neste  período,  possivelmente   foi   observada   abundância   de   recursos   hídricos,   inclusive   com   vazões   vertidas   nas   usinas  hidroelétricas  que  poderiam  ser  turbinadas  para  a  produção  de  energia  a  baixo  custo.      Como  o  consumidor  não  foi  capaz  de  “sentir”  economicamente  os  efeitos  da  hidrologia  favorável,  ele  não  pôde  intensificar  o  consumo  de  energia,  aproveitar  a  abundância  do   recurso  e  adquirí-­‐lo  a  um  preço  mais  baixo.  É  importante  observar  que  este  fato  é  ainda  mais  crítico  para  os  consumidores   industriais,  que  deixam  de  ter  a  oportunidade   de   ganhar   competitividade   graças   ao   melhor   aproveitamento   dos   recursos   disponíveis   para   a  produção  de  energia.    

5

Os itens que compõem a CVA podem ser divididos em 3 grupos: Compra de Energia; Encargos de Transporte e; Encargos Setoriais. A contabilização da diferença entre os custos realizados e a cobertura tarifária para cada um destes grupos é realizada de forma diferente. As equações a seguir apresentam a forma de apuração das diferenças (CVA) para estes grupos.

= ç − ç ∗ ℎ (1)

= − ∗ (2)

= − á (3)

Onde:

Preço =Custo

EnergiaContratada Tarifa =Custo

DemandaRealizada

A CVA Compra de Energia é um item de complexa contabilização, pois a apuração deve ser realizada individualmente para cada contrato firmado pela distribuidora, considerando o preço praticado, as regras de repasse específicas de cada contrato e o valor definido como preço de cobertura contratual na última revisão ou reajuste. A atual regulamentação estipula que a contabilização deve ser apurada para cada pagamento realizado, acarretando em aproximadamente 8.000 pagamentos contabilizados em cada período entre reajustes. Ainda, a CVA apura as diferenças de preços entre os contratos e o preço de cobertura para a energia correspondente a 100% da carga regulatória da distribuidora, aqui nomeada de energia reconhecida. O restante da energia contratada é apurada em outros componentes financeiros como a “Sobrecontratação” e o “Risco de Sazonalização”.

2.2 Repasse Tarifário e a Perda de Sinal Econômico

Para ilustrar a perda de sinal econômico decorrente do cálculo tarifário, a Figura 3 ilustra o preço da energia para uma distribuidora da Região Sudeste do Brasil, com aniversário tarifário no mês de outubro. A linha vermelha corresponde ao custo da energia presente na tarifa (chamado de Cobertura Tarifária), a linha azul corresponde ao custo efetivo da energia comprada pela Distribuidora, e a linha pontilhada verde corresponde ao custo médio pago pelo consumidor (diferença média entre a Cobertura Tarifária e o Custo de Compra). Analisando o gráfico, constata-se que entre outubro de 2010 e setembro de 2011, a linha vermelha foi sempre superior à linha azul, ou seja, o consumidor sempre pagou pela energia vendida no Ambiente Regulado (Cobertura Tarifária) um valor mais alto do que o efetivo custo de compra de energia (Compra). Neste período, possivelmente foi observada abundância de recursos hídricos, inclusive com vazões vertidas nas usinas hidroelétricas que poderiam ser turbinadas para a produção de energia a baixo custo. Como o consumidor não foi capaz de “sentir” economicamente os efeitos da hidrologia favorável, ele não pôde intensificar o consumo de energia, aproveitar a abundância do recurso e adquirí-lo a um preço mais baixo. É importante observar que este fato é ainda mais crítico para os consumidores industriais, que deixam de ter a oportunidade de ganhar

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E  ainda,  perde  o  Setor  Elétrico,  pois  os  recursos  hídricos  excedentes  são  vertidos  ao  invés  de  serem  utilizados  pelos  consumidores  e  gerarem  receitas  para  remunerar  os  investimentos  realizados  e  incentivar  a  produção  de  energia  limpa  e  renovável.  

 

Figura  3  –  Perda  de  Sinal  Econômico  proporcionada  pela  Tarifa.  

Infelizmente,  a  perda  não  se  verifica   somente  no  período  de  abundância  de   recursos.  A  partir  de  outubro  de  2012,   a   situação   se   inverte:   devido   à   baixa   hidraulicidade,   a   curva   azul   (custo   da   Compra   de   Energia)   se  apresenta   muito   mais   elevada   do   que   a   curva   vermelha   (Cobertura).   Neste   caso,   o   consumidor   continua   a  utilizar   o   recurso   energético   a   um   preço   constante,   apesar   do   momento   de   elevada   escassez   hidrológica   e  elevada  produção  de  usinas  termoelétricas.    A   princípio,   as   distribuidoras   de   energia   pagam   aos   geradores   o   custo   efetivo   da   energia   e   contabilizam   a  diferença  para   ser   recuperada  no  próximo  evento   tarifário,   por  meio  da  CVA.  No  próximo  evento   tarifário,   a  tarifa  será  forte  e  positivamente  impactada  e  o  consumidor  deverá  pagar  esta  conta,  sem  tido   a  possibilidade  de  reduzir  seu  consumo  de  forma  tempestiva  e  assim  contribuir  para  reduzir  o  custo  de  operação  do  Sistema  Elétrico.    Conclui-­‐se  que  o  mecanismo  tarifário  atual,  sob  a  ótima  de  emitir  sinais  de  preço  de  geração  condizentes  com  a  realidade  energética,  é  extremamente  falho  e   induz  a  sinais  econômicos  que  não  estimulam  a  eficiência,  pois  não  incentivam  a  utilização  dos  recursos  baratos  no  momento  de  abundância,  tampouco  inibem  a  utilização  dos  recursos  caros  nos  momentos  de  escassez.      Na  tentativa  de  trazer  sinais  econômicos  eficientes  entre  produção  e  consumo  de  energia  elétrica,  na  próxima  seção  apresenta-­‐se  a  metodologia  de  Tarifação  Dinâmica  proposta  neste  artigo.    

3.0  -­‐  METODOLOGIA  DE  TARIFAÇÃO  DINÂMICA  

 A  metodologia  de  Tarifação  Dinâmica  proposta  neste  trabalho  visa  estabelecer  uma  relação  direta  entre  o  custo  da  energia  percebido  pelo   consumidor  e  o   custo  da  energia  efetivamente  produzida.  O  objetivo  é   reduzir   ao  

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máximo  a  defasagem  anual  existente  hoje  entre  custo  efetivo  e  repasse  tarifário,  de  modo  que  o  consumidor  possa  reagir  aos  sinais  de  preço  e  assim  responder  com  seu  nível  de  consumo.    Em   situações   de   hidrologia   favorável,   o   consumidor   usufruirá   de   energia   a   preço   mais   baixo,   podendo  intensificar  a  produção  da  indústria  ou  mesmo  o  consumo  residencial,  usufruindo  do  recurso  que  se  encontra  abundante.  Em  situações  de  seca  severa,  o  preço  da  energia  se  elevará  e  o  consumidor  poderá  adotar  medidas  para  reduzir  seu  consumo  e  assim  evitar  o  uso  das  fontes  mais  caras  de  produção,  ou  mesmo  contribuir  para  que  o  uso  seja  menor.      Estas   duas   situações   ilustram  de   forma   simplificada   a   sinalização   econômica   que   a   Tarifação  Dinâmica   busca  trazer   para   o   Setor   Elétrico,   refletindo   de   forma   direta   os   custos   efetivos   de   compra   de   energia   de   cada  concessionária  de  distribuição.      Embora  a  mudança  de  paradigma  seja  relevante,  pois  tarifa  variável  com  os  recursos  hidroelétricos  disponíveis  muda   de   forma   expressiva   a   situação   atual   do   Setor   Elétrico,   metodologicamente   o   processo   é   simples,  devendo-­‐se  seguir  os  seguintes  passos:    

1.  No  momento  do   reajuste  ou   revisão   tarifária,  passam  a  compor  a   tarifa   somente  a  Parcela  B  e  os  valores   de   Parcela  A   que   possuem  baixa   volatilidade   (Encargos   Setoriais,   Encargos   de   Transmissão   e  Contratos  de  Compra  de  Energia  com  preços  fixos).    2.   Os   custos   da   Parcela   A   que   possuem   volatilidade   (CCEARs   de   Energia   Nova   na   Modalidade  Disponibilidade,   Cotas   de   Energia,   Itaipu   (se   ainda   valor   em   dólar),   etc)   passam   a   ser   calculados  mensalmente.    3.  Ao  fim  de  cada  mês,  no  momento  em  que  os  Custos  Marginais  de  Operação  são  calculados,  os  custos  variáveis  de  cada  distribuidoras  são  previstos  para  o  mês  subquente.      4.  Ao  longo  de  cada  mês,  o  faturamento  é  realizado  com  base  em  uma  Tarifa  Fixa  e  uma  Tarifa  Variável.      5.  Eventuais  diferenças  entre  a  previsão  do  custo  (com  defasagem  apenas  de  um  mês)  e  o  custo  efetivo  seriam   compensadas   em   uma   CVA   de   valor   muito   reduzido   em   relação   aos   valores   observados  atualmente.  

   Observa-­‐se   que   esta   metodologia   é   economicamente   mais   eficiente   que   as   Bandeiras   Tarifárias   que   se  encontram   em   fase   final   de   regulamentação,   pois   a   Tarifação   Dinâmica   captura   os   custos   efetivos   de   cada  concessionária,  intensificando  ou  amortecendo  seus  impactos  sobre  os  consumidores.    A   Tarifação   Dinâmica,   no   entanto,   possui   Aspectos   Legais   e   Regulatórios   que   precisam   ser   observados.   A  próxima  subseção  apresenta  estes  aspectos,  demonstrando  que  legalmente  a  proposta  é  viável.    

3.1 Aspectos  Legais  e  Regulatórios  

 É   vedado,   pela   Lei   9.069/95   (Lei   do   Real),   o   reajuste   de   preços,   provocado   pela   alteração   dos   custos   das  concessionárias  dos  serviços  de  distribuição  de  energia  elétrica,  em  período  inferior  a  1  ano.  Esta  vedação  está  incorporada  na  íntegra  em  cláusulas  específicas  dos  contratos  de  concessão.  Em  seu  art.  70,  a  Lei  determina  que  o  reajuste  e  a  revisão  dos  preços  públicos  e,  em  especial,  das  tarifas  dos  serviços  públicos  de  energia  elétrica,  deverão   realizar-­‐se   conforme   atos,   normas   e   critérios   fixados   pelo   Ministro   da   Fazenda,   mas   sempre   em  intervalos  anuais.  Há  ressalva  observando  a  possibilidade  do  Poder  Executivo  reduzir  o  período  previsto.        

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Não  obstante   este   comando   legal,   a   sétima   sub-­‐cláusula   da   cláusula   sétima,   dos   contratos  de   concessão  dos  serviços  de  distribuição  de  energia  elétrica,  estabelece  a  possibilidade,  excepcional,  de   reajustes  em  períodos  inferiores  a  um  ano,  nos   casos  em  que   se   constatem  alterações   significativas  nos   custos  das   concessionárias,  que  afetem  o  equilíbrio  econômico-­‐financeiro  de  seu  contrato.    Do   ponto   de   vista   estrito   da   regulamentação   vigente,   fora   a   excepcionalidade   da   revisão   extraordinária  contratual,  não  se  mostra  possível  o  processamento  dos  reajustes  ou  revisões  de  tarifas  em  períodos  inferiores  a  1  ano.      Observa-­‐se  que,  mesmo  no  racionamento,  o  equacionamento  dessa  possibilidade  não  prescindiu  da  publicação  de   legislação   específica,   permitindo   o   ajuste   das   tarifas,   em   períodos   menores,   de   modo   a   viabilizar   o  pagamento  dos  custos  oriundos  da  contratação  das   térmicas  emergenciais  e  de  outras  despesas,  oriundas  do  Acordo  Setorial,  então  firmado.      No  caso  particular  dos  custos  de  aquisição  de  energia  elétrica,  a  Lei  nº  10.438/2002  autorizou  que  os  mesmos  fossem   rateados   para   todos   os   consumidores   finais   (excepcionadas   algumas   classes)   atendidos   pelo   Sistema  Elétrico   Interligado   Nacional,   na   proporção   do   consumo   individual   verificado,   mediante   adicional   tarifário  específico.      O   Encargo   de   Aquisição   de   Energia   Elétrica   Emergencial,   em   R$/kWh,   seria   então   obtido   pelo   rateio   da  totalidade,  estimada  para  o  mês,  dos  custos  aquisição  de  energia  elétrica  em  proporção  ao  consumo  projetado  de  cada  consumidor  final  atendido  pelo  SIN.  O  valor  deste  encargo  era  publicado  pela  ANEEL,  ao  final  de  cada  mês,   para   vigorar   no   mês   seguinte,   compensando-­‐se,   no   mês,   as   eventuais   diferenças   ocorridas   no   mês  anterior.      De   forma   simplista,   pode-­‐se   dizer   que   utilizou-­‐se   de   uma   Tarifação   Dinâmica   àquela   época   e   a   regulação  necessária  para  sua  aplicação  continua  vigente.  Logo,  a  implementação  da  proposta  deste  artigo  é  viável.    Como  os  custos  voláteis  da  Parcela  A  referem-­‐se  sobretudo  aos  CCEARs  na  Modalidade  Disponibilidade,  propõe-­‐se  ainda  um  ajuste  legal  para  fique  clara  a  possibilidade  do  repasse  dos  custos  mensais,  a  qual  é  apresentada  a  seguir.    

3.2 Ajuste  para  Reforçar  a  Legalidade  da  Tarifação  Dinâmica  

 Para   a   criação   da   CVA   foi   necessário   o   afastamento   do   disposto   no   §3º  do   art.   2º  da   Lei   nº  10.192.   Para  configurar   uma   possível   solução,   com   o   alcance   pretendido   (regulamentação   de   mecanismo   que   reflita   a  variação  dos  custos  de  produção  em  periodicidade  inferior  a  um  ano),  há  de  se  utilizar  o  afastamento  do  §1º  do  art.  2º  da  Lei  10.192,  já  devidamente  previsto  na  Medida  Provisória  (MP).      Cumpre  observar  que  embora  essa  MP  não  tenha  sido  transformada  em  Lei,  suas  disposições  permanecem,  em  decorrência   da   Emenda   Constitucional   32,   de   11   de   setembro   de   2001   que   determinou   que   todas   as   MPs  produzidas   até   aquela   data   permaneceriam   com   duas   disposições   em   vigor,   até   que   o   congresso   nacional  deliberasse  sobre  as  mesmas  ou  MP  posterior  as  revogasse.  Como  nenhuma  alteração  ocorreu,  a  referida  MP,  de  04  de  setembro,  portanto  de  data  anterior  à  Emenda  Constitucional,  está  em  vigor.    Os  CCEARs  por  disponibilidade  estão  previstos  na  Lei  10.848,  de  15/03/2004.  Dispôs  a  Lei:  

 Art.  2º       As   concessionárias,   as   permissionárias   e   as   autorizadas  de   serviço  público  de  distribuição  de  energia  elétrica  do  Sistema  Interligado  Nacional  –  SIN  deverão  garantir  o  atendimento  à  totalidade  de  seu  mercado,  mediante   contratação   regulada,   por  meio   de   licitação,   conforme   regulamento,   o   qual,  observadas  as  diretrizes  estabelecidas  nos  parágrafos  deste  artigo,  disporá  sobre:  

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 §  1º   Na   contratação   regulada,   os   riscos   hidrológicos   serão   assumidos   conforme   as   seguintes  modalidades  contratuais:          I  -­‐    pelos  geradores,  nos  Contratos  de  Quantidade  de  Energia;          II-­‐   pelos   compradores,   com   direito   de   repasse   às   tarifas   dos   consumidores   finais,   nos   Contratos   de  Disponibilidade  de  Energia.  

 Como  se  vê,  a  Lei  já  dispôs  que  a  variação  imprevista  do  custo  de  produção  dos  contratos  por  disponibilidade,  embora  assumida  pelos  compradores  dos  CCEARs,  fosse  repassada  aos  consumidores  regulados.  Assim,  faltou  apenas,   na   solução  que   se   visualiza,   que  o   art.   2º  da   Lei   10.848,   expressasse  um  comando  para  que  a  Aneel  fizesse  o  repasse  imediato  dessas  variações  de  custo.    Diante   do   exposto,   PROPÕE-­‐SE   que   o   art.   2º   da   Lei   nº   10.848,   de   15/03/2004,   passe   a   vigorar   acrescido   do  seguinte  parágrafo:    

“§   2º-­‐A.   Caberá   à   Aneel   estabelecer   mecanismo   de   repasse   mensal,   para   os   consumidores,   das  variações  de   custo  de  produção  decorrentes  do   risco  hidrológico,  provocadas  pelo  despacho   fora  da  ordem   de  mérito   ou   por   variação   do   Preço   de   Liquidação   de   Diferenças,   da   geração   associada   aos  Contratos  por  Disponibilidade  de  Energia.”  

 

“§  2º-­‐B.  Para  os  efeitos  previstos  no  §  2º-­‐A  desse  artigo,  não  se  aplicam  as  disposições  dos  §§  1º  e  3º  do  art.  2º  da  Lei  nº  10.192,  de  14  de  fevereiro  de  2001.”  

   Deve-­‐se  enfatizar,   conforme  observado  anteriormente,  que  o  Parágrafo  2º  B  é,  na  prática,  opcional,   já  que  a  Medida  Provisória  2.227  /  2001  permanece  em  vigor.  No  entanto,  entende-­‐se  prudente  reforçar  isso  na  redação  de  uma  nova  Lei.    

4.0  -­‐  RESULTADOS  ALCANÇADOS  

 Para  avaliar  os   impactos  da  Tarifação  Dinâmica,  trabalhou-­‐se  com  informações  de  uma  distribuidora  real,  que  possui  percentual  expressivo  de  Contratos  por  Disponibilidade  em  seu  portfólio.  Trata-­‐se  da  EDP  Bandeirante.    Para  dar  foco  à  questão  do  custo  da  energia  e  da  eficiência  do  mecanismo  de  repasse  destes  custos,  no  que  se  refere   a   dar   percepção   dos   clientes,   realizou-­‐se   uma   simulação   dos   eventos   ocorridos   no   passado   recente,  mostrando  o  que  o   consumidor   observou  de   tarifa   de   energia   (Tarifa  Vigente)   e   o  que  ele   observaria   caso   a  Tarifa  Dinâmica  estivesse  em  operação.    Como  passado  recente  utilizou-­‐se  o  período  de  julho  de  2010  a  agosto  de  2012.  Este  período  é  particularmente  interessante  porque  em  2010  e  2011  observam-­‐se  custos  efetivos  de  compra  de  energia  inferiores  à  cobertura  tarifária,  enquanto  que  em  2012  a  situação  se  inverte.  O  principal  motivador  desta  volatilidade  são  os  CCEARs  na  Modalidade  Disponibilidade,  pois  a  Parcela  Variável  depende  do  Preço  de  Liquidação  de  Diferenças  –  PLD,  e  este  preço  depende  das  condições  hidrológicas  e  de  mais  uma  série  de  condicionantes  atrelados  aos  modelos  computacionais  utilizados  em  seu  cálculo.    Para  explicitar  esta  volatilidade,  na  Figura  4  apresenta-­‐se  o  custo  dos  CCEARs  na  Modalidade  Disponibilidade,  em   R$/MWh,   e   a   Tarifa  Média   de   Cobertura,   também   em   R$/MWh,   ao   longo   do   período   de   análise.  Como  pode-­‐se  observar,  uma  Tarifa  Média  de  Cobertura  de  cerca  de  R$115/MWh  (linha  verde),  o  custo  dos  CCEARs  

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na  Modalidade  Disponibilidade  variam  de  cerca  de  R$80/MWh,  até  a  R$232/MWh  em  todo  o  horizonte,  e  de  um  mês  para  outro  chegam  a  variar  até  80%  (variação  de  R$83/MWh  para  R$137/MWh  no  início  de  2011,  por  exemplo).    

 

Figura  4  –  Variação  do  Custo  das  Termoelétricas  em  relação  à  Cobertura  Tarifária.  

O  fato  dos  CCEARs  Disponibilidade  terem  custos  tão  voláteis  não  significa  que  a  Tarifa  Dinâmica  proposta  neste  artigo   terá  volatilidade   semelhante,  uma  vez  que  estes   contratos  de   compra  de  energia   são  apenas  parte  do  portfólio  de  compra  de  energia  das  distribuidoras.  Quando  a  volatilidade  dos  CCEARs  Disponibilidade  é  somada  a  uma  parcela  de  CCEARs  com  custos  estáveis,  o  resultado  é  um  custo  de  energia  com  volatilidade  muito  menor.  Conforme  pode  ser  observado  na  Figura  5,  quando  a  Tarifa  Dinâmica  é  comparada  com  a  Tarifa  Vigente  (Tarifa  Média   de   Cobertura   de   cada   ano   tarifário),   as   variações   verificadas   situam-­‐se   entre    -­‐10%  e  +25%,  ou  seja,  muito  menores  do  que  os  valores  das  variações  dos  CCEARs  Disponibilidade.    Assim,  a  Tarifa  Dinâmica  introduz  sinais  econômicos  perceptíveis,  com  relativa  razoabilidade,  pois  traz  bônus  e  ônus   aos   consumidores.   Observando   a   evolução   temporal   da   Tarifa   Dinâmica,   observa-­‐se   que   ela   traria   um  custo  mais  elevado  aos  consumidores  no  período  seco  de  2010  e  no  período  seco  de  2012.  No  fim  do  ano  de  2010,  em  todo  o  ano  de  2011  e  no  início  do  ano  de  2012,  o  consumidor  observaria  um  custo  de  energia  inferior  ao  praticado  na  metodologia  vigente.    Neste   contexto,   é   importante   enfatizar   que   a   Tarifa   Dinâmica   a   princípio   não   deixa   a   energia   mais   cara,  tampouco  mais  barata  que  a  Tarifa  Vigente.  Ela   simplesmente  altera  a   lógica  de   repasse  de  custos  e  permite  que  o  consumidor  reaja  às  variações  de  preço  à  medida  em  que  estas  variações  ocorrem.  Se  houver  esta  reação,  aí  sim  o  valor  da  energia  pode  se  alterar.  Por  exemplo,  se  os  consumidores  reduzirem  o  uso  da  energia  durante  as  elevações  de  preço,  menos  termoelétricas  serão  necessárias  para  o  atendimento  ao  mercado  e  o  custo  de  operação  será  menor.    De  forma  semelhante,  se  durante  o  período  de  Tarifa  Dinâmica  reduzida  o  consumidor  elevar  o  seu  consumo  (uma  fábrica  antecipar  sua  produção,  por  exemplo),  o  custo  da  energia  será  menor  para  este  consumidor  e  ele  terá  tido  um  benefício  por  ter  se  aproveitado  do  sinal  econômico.  

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Figura  5  –  Comparação  entre  a  Tarifa  Dinâmica  de  Energia  e  a  Metodologia  Vigente.  

Finalmente,   é   importante   observar   que   a   Tarifa   Dinâmica   é   um   incentivo   ao   aproveitamento   das   condições  energéticas   do   Sistema   Elétrico   Nacional.   Para   que   este   incentivo   seja   realmente   aproveitado   pelos  consumidores,  é  necessário  que  sejam  desenvolvidas  campanhas  de  comunicação  e  uma  série  de  atividades  de  conscientização   dos   consumidores.   Nesta   linha   de   percepção   das   variações,   a   Tarifa   Dinâmica   apresenta-­‐se  como  uma  solução   robusta,  pois   as   variações  no   cenário  energético   são   repassadas  ao   consumidor  de   forma  gradativa,  reforçando  a  cada  mês  o  sinal  econômico  que  deve  originar  resposta  em  prol  da  eficiência  energética.    Para  mostrar  de  forma  mais  objetiva  este  papel  da  Tarifa  Dinâmica  proposta  neste  artigo,  recorre-­‐se  à  Figura  6.  A  linha  vermelha  é  a  Tarifa  Dinâmica,  a  linha  verde  é  a  Tarifa  Vigente  (Tarifa  Média  de  Cobertura  para  energia)  e  as  barras   azuis   são   as   variações  da  Tarifa  Dinâmica  de  um  mês  para  outro.   É  notável   que  na  maior  parte  do  tempo   as   barras   azuis   são  muito   pequenas,   o   que   significa   que   a   Tarifa   Dinâmica   se  mantém   praticamente  constante.      No  entanto,  quando  mudanças  mais   relevantes  no  preço  da  energia  ocorrem,  a  Tarifa  Dinâmica  exerce  o  seu  papel.  Por  exemplo,  para  o  período  compreendido  no  fim  de  2010  e  início  de  2011,  sublinhado  pela  área  cinza  rotulada  A,  há  uma  redução  significativa  no  preço  da  energia.  Neste  período,  mês  a  mês  a  Tarifa  Dinâmica  vai  determinando  reduções  no  custo  da  energia,  de  modo  que  o  consumidor  terá  repetidos  sinais  de  que  a  energia  se  tornou  mais  barata.    De   forma   semelhante,   no   período   sublinhado   pela   área   cinza   rotulada   B,   uma   seca   severa   se   apresenta   e   a  Tarifa   Dinâmica   transmite   este   sinal   ao   consumidor   com   elevações  mensais   sucessivas   do   custo   da   energia.  Trata-­‐se   de   uma   sinalização   que   auto   alimenta   mês   a   mês,   estimulando   a   reação   do   consumidor   e   um  comportamento  que  traz  eficiência  energética  ao  Sistema  Elétrico  Brasileiro.  

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Figura  6  –  Comparação  entre  a  Tarifa  Dinâmica  de  Energia  e  a  Metodologia  Vigente.  

 

5.0  -­‐  CONCLUSÕES  

 Este   artigo   apresentou   uma   proposta   de   Tarifa   Dinâmica   de   energia   que   tem   o   objetivo   de   induzir  comportamentos   e   hábitos   de   consumo   que   se   traduzam   no   uso   mais   eficiente   dos   recursos   energéticos  disponíveis  para  a  produção  de  energia  elétrica.    Além  da  eficiência  energética  sistêmica,  a  Tarifa  Dinâmica  também  possui  o  benefício  de  reduzir  a  exposição  das  distribuidoras  de  energia  elétrica  do  risco  de  variações  da  Parcela  A  sobre  seus  negócios.  No  Setor  Elétrico  Brasileiro,   as   distribuidoras   são   responsáveis   pela   expansão   da   oferta   de   energia   ao   garantir   os   Leilões   de  Energia   Nova;   no   entanto,   apesar   de   comprarem   energia   com   até   cinco   anos   de   antecedência,   os   riscos  assumidos  com  estas  operações  não  são  remunerados  e  ainda  expõem  os  recursos  financeiros  das  empresas  quando  há  períodos  de  secas  severas.    Unindo   estas   duas   vertentes,   a   Tarifa   Dinâmica   traz   benefícios   sistêmicos   ao   incentivar   o   uso   eficiente   da  energia  e  também  traz  mais  estabilidade  ao  fluxo  de  caixa  das  empresas  de  distribuição.    Os  resultados  apresentados  mostram  que  as  variações  impostas  pela  Tarifa  Dinâmica  variam  de  10%  a  25%  do  custo  da  energia.  Como  a  tarifa  ainda  possui  a  componente  da  Parcela  B  e  outros  itens  da  Parcela  A  (encargos  de  transmissão  e  encargos  setoriais,  por  exemplo),  a  conta  final  do  consumidor  variará  de  3%  a  8%.  Logo,  não  se  trata  de  um  oneração  ou  sobrecusto  significativo,  mas  sim  de  uma  sinalização  econômica.  Aliás,  na  maioria  dos  meses  apresentados,  o  impacto  foi  uma  redução  de  custos  para  o  consumidor.    

Convém  frisar  que  a  proposta  de  solução  visualizada  neste  artigo  visualiza  uma  alternativa  de  cunho  estrutural  para  o  problema  da  alocação  de  custos  de  operação  termelétrica  associados  aos  Contratos  de  Disponibilidade  

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detidos   pelas   Distribuidoras.   De   fato,   a   solução   recente   dada   pelo   Governo,   alocando   à   CDE   –   Conta   de  Desenvolvimento  Energético  -­‐  os  custos  de  operação  térmica  fora  da  ordem  de  mérito  que  foram  adicionados  à  rubrica  de  Encargos  de  Serviço  do  Sistema,  como  também  provendo  empréstimo  às  Distribuidoras  para  fazer  frente  aos  custos  devido  aos  Contratos  por  Disponibilidade,  não  é  sustentável  e  tem  “fôlego”  curto.    

O  ideal,  no  entender  dos  Autores,  é  se  pensar  em  uma  solução  que  envolva  a  alocação  imediata  de  custos  aos  consumidores,  podendo-­‐se  excepcionar  algumas  classes  (por  exemplo,  Baixa  renda),  para  as  quais  se  manteria  o  repasse  de  custos  anual,  posto  que  isso  efetivamente  proporciona  um  sinal  de  preço  aos  consumidores  que  tem  capacidade  de  reação.  Esses  consumidores,  dependendo  de  sua  elasticidade  Preço  x  Consumo,  reagiriam  com  redução  de  consumo,  contribuindo  para  minorar  o  problema  da  alocação  posterior,  que  terá  que  ser  feita  mais  dia  menos  dia  e,  nesse  momento,  o  impacto  poderá  ser  muito  maior  do  que  aquele  onde  o  consumidor  já  teria  atuado  ativamente  ao   longo  do  ano,  reduzindo  seu  consumo,  em  resposta  aos  preços  elevados,  que  no  caso  da   solução   conjuntural   do  Governo  não   seria  de   seu   conhecimento   a  não   ser  no  momento  do   repasse  tarifário   anual,   quando   eventualmente   já   teria   consumido   energia   que   teria   podido   evitar   de   consumir,   se  soubesse  antes  do  patamar  de  preços  sendo  praticado.  

 

 

6.0  -­‐  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS  

 (1)  BRASIL.  Portaria  Interministerial  MF/MME  nº  296,  de  25/10/2001.  Disciplina  o  mecanismo  de  compensação  das   variações   de   valores   de   itens   da   "Parcela   A",   previstos   nos   contratos   de   concessão   de   distribuição   de  energia  elétrica,  ocorridas  entre  reajustes  tarifários  anuais.    (2)  BRASIL  .  Portaria  Interministerial  MF/MME  nº  025,  de  24/01/2002.  Cria,  para  efeito  de  cálculo  do  reajuste  da    tarifa   de   fornecimento   de   energia   elétrica,     a   Conta   de   Compensação   de   Variação   de     Valores   de   Itens   da  "Parcela  A",  e  dá    outras  providências.    (3)  BRASIL.  Lei  9.069,  de  29/06/1995.  Dispõe  sobre  o  Plano  Real,  o  Sistema  Monetário  Nacional,  estabelece  as  regras  e  condições  de  emissão  do  REAL  e  os  critérios  para  conversão  das  obrigações  para  o  REAL,  e  dá  outras  providências.    (4)  BRASIL.  Lei  nº  10.438,  de  26/04/2002.  Dispõe  sobre  a  expansão  da  oferta  de  energia  elétrica  emergencial,  recomposição   tarifária  extraordinária,   cria  o  Programa  de   Incentivo  às  Fontes  Alternativas  de  Energia  Elétrica  (Proinfa),  a  Conta  de  Desenvolvimento  Energético  (CDE),  dispõe  sobre  a  universalização  do  serviço  público  de  energia  elétrica,  dá  nova   redação  às  Leis  no  9.427,  de  26  de  dezembro  de  1996,  no  9.648,  de  27  de  maio  de  1998,  no  3.890-­‐A,  de  25  de  abril  de  1961,  no  5.655,  de  20  de  maio  de  1971,  no  5.899,  de  5  de  julho  de  1973,  no  9.991,  de  24  de  julho  de  2000,  e  dá  outras  providências.    (5)  BRASIL.  Lei  nº  10.848,  de  15/03/2004.  Dispõe  sobre  a  comercialização  de  energia  elétrica,  altera  as  Leis  nos  5.655,  de  20  de  maio  de  1971,  8.631,  de  4  de  março  de  1993,  9.074,  de  7  de   julho  de  1995,  9.427,  de  26  de  dezembro  de  1996,  9.478,  de  6  de  agosto  de  1997,  9.648,  de  27  de  maio  de  1998,  9.991,  de  24  de  julho  de  2000,  10.438,  de  26  de  abril  de  2002,  e  dá  outras  providências.      

AGRADECIMENTOS  

 Os   Autores   gostariam   de   registrar   seu   agradecimento   às   contribuições   dos   Engºs.   Luiz   Carlos   da   Silveira  Guimarães   e   Fernando   Cesar   Maia,   da   BENCH   Consultoria   e   Assessoria   em   Energia,   pelas   importantes  contribuições  ao  presente  texto.  

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A ENERGIA NUCLEAR COMO ALTERNATIVA PARA O PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NACIONAL  

Fernando  Marques  do  Valle;    Engenheiro,  Programa  de  Pós  Graduação  em  Ciências  e  Técnicas  Nucleares  da  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais,  [email protected],  (31)  3409-­‐6666  Ricardo  Brant  Pinheiro    Professor  Doutor  do  Departamento  de  Engenharia  Nuclear  da  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais,  [email protected],  (31)  3409-­‐6666  

 

RESUMO  

Os  resultados  dos  últimos   leilões  de  energia  evidenciam  a  dificuldade  de   licenciamento  ambiental  das  usinas  

hidrelétricas  no  Brasil.  Além  disso,  as  novas  usinas  de  fonte  hídrica  não  possuem  capacidade  de  regularização,  

o  que   torna  o   setor   elétrico  mais   vulnerável   à   característica   estocástica  das   afluências  hidráulicas.  Assim,   as  

fontes  térmicas  têm  relevante  importância  na  complementaridade  da  expansão  da  geração  de  energia  elétrica.  

No   mundo,   por   questões   econômicas   e   estratégicas,   a   fonte   nuclear   tem   sido   amplamente   utilizada.  

Considerando  níveis  de   investimento   similares  àqueles  observados  para  países   com  construções  em  curso,   a  

geração  de  energia  nuclear  pode  alcançar  preço  de  venda   próximo  de  140,00  R$/MWh.  Além  disso  questões  

estratégicas   colocam   a   fonte   nuclear   como   uma   importante   alternativa   para   o   país,   complementando   junto  

com  as  demais  fontes  uma  expansão  da  geração  de  energia  elétrica  sustentável  e  adequada  tanto  em  termos  

econômicos  quanto  em  termos  de  segurança  de  suprimento.  

 

PALAVRAS-­‐CHAVE:  Planejamento  energético,  energia  nuclear,  análise  econômica  

 

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1.  INTRODUÇÃO  

Apesar  dos  esforços  para   licitar  novos  empreendimentos  hidrelétricos  no  Brasil,   em  princípio  mais  baratos  e  renováveis,   os   resultados   dos   últimos   leilões   de   energia   nova   realizados   para   atendimento   ao   mercado  regulado  evidenciam  a  dificuldade  de   licenciamento  ambiental  dessas  usinas.  Além  disso,  as  novas  usinas  de  fonte  hídrica  são  do  tipo  a  fio  d’água,  ou  seja,  sem  capacidade  de  regularização,  o  que  torna  o  setor  elétrico  mais  vulnerável  à  característica  estocástica  das  afluências  hidráulicas.  

Dentro  deste  contexto,  as  fontes  térmicas  passam  a  ter  papel  cada  vez  mais  relevante  na  expansão  da  matriz  de   geração  de   energia   elétrica   no  Brasil.  Dessa   forma,   se   faz   necessária   uma  ampla  discussão  em   torno  das  fontes  térmicas  disponíveis  tanto  em  termos  econômicos,  quanto  ambientais  e  estratégicos.  

No  que  se  refere  à  fonte  nuclear,  a  mesma  tem  sido  amplamente  utilizada  no  mundo  para  geração  de  energia  elétrica   tendo   tido   seu  principal   impulso  nas  décadas  de  1960  e   1970  em   função  da   crescente  preocupação  com  questões  ambientais  e  da  crise  do  petróleo.  Na  França,  a  fonte  foi  responsável  por  75%  de  toda  a  energia  elétrica  gerada  em  2009  (IAEA(b),  2013).  

Em  2011,  o  acidente  nuclear  ocorrido  na  usina  de  Fukushima,  no  Japão,  alterou  o  cenário  político  e  colocou  em  alerta  os  crescentes  investimentos  em  geração  nuclelétrica  no  mundo.  A  Alemanha,  por  exemplo,  decidiu,  após  ter   aprovado   em   2010   o   aumento   da   vida   útil   de   suas   17   usinas   nucleares,   desligar   todas   as   suas   usinas  nucleares  até  2022.  Entretanto,  segundo  reportagem  do  jornal  espanhol  El  Mundo,  os  custos  da  decisão  alemã  poderiam  chegar  a  40  bilhões  de  euros,  impondo  ainda  um  aumento  de  6%  nas  tarifas  de  energia,  em  função  do  aumento  da  participação  de  fontes  renováveis,  e  de  9%  na  emissão  de  gases  de  efeito  estufa  motivado  pelo  incremento  de  produção  de  usinas  a  gás  natural  e  a  carvão  mineral  (SANCHEZ,  2011).  

Apesar  da  decisão  alemã,  vários  países  vizinhos  como  França,  Bélgica,  Holanda  e  República  Tcheca  continuam  mantendo  em  operação  seus  reatores  nucleares  e  seguirão  exportando  energia  para  Alemanha.  Na  França,  o  então  primeiro  ministro  François  Fillon  afirmou  que,  ainda  que  respeite  a  Alemanha,  a  energia  nuclear  seguirá  sendo   uma   solução   para   o   futuro   (PÉREZ,   2011).   Apesar   dos   efeitos   negativos   do   acidente   de   Fukushima,  diversos  países  mantêm  a  continuidade  dos  seus  planos  de  expansão  da  fonte  nuclear.  

No  Brasil,  muito  tem  se  discutido  sobre  a  viabilidade  econômica  da  geração  de  energia  nuclear,  principalmente  desde  a  retomada  do  projeto  de  Angra  3.  Considerando  que  o  Brasil  tem  uma  das  maiores  reservas  mundiais  de   urânio   (mesmo   com   apenas   25%   do   território   nacional   prospectado),   o   que   permite   o   suprimento   das  necessidades   domésticas   no   longo   prazo   e   a   disponibilização   do   excedente   para   o   mercado   externo,   é  importante  avaliar  a  competitividade  da  geração  termelétrica  de  forma  a  subsidiar  o  debate  sobre  a  questão  da  expansão  e  diversificação  da  matriz  elétrica  no  Brasil  e,  mais  especificamente,  do  papel  da  geração  nuclear  no  País.  Dessa  forma,  as  reservas  brasileiras  de  urânio  permitem  o  suprimento  das  necessidades  domésticas  em  longo  prazo  e  a  disponibilização  do  excedente  para  o  mercado  externo  (INB,  2013).  

A   usina   nuclear   Angra   3   teve   suas   obras   retomadas   conforme   solicitação   do   Conselho   Nacional   de   Política  Energética,   através   da   Resolução   CNPE   3/2007   (CNPE,   2007)   e   sua   energia   será   comercializada,   conforme  Portaria  980/2010  do  Ministério  de  Minas  e  Energia,  em  um  Contrato  de  Energia  de  Reserva  pelo  prazo  de  35  anos   com   preço   de   148,65   R$/MWh   (MME,   2010).   Vale   destacar   o   Regime   Especial   de   Incentivos   para   o  Desenvolvimento   de   Usinas   Nucleares   –   RENUCLEAR,   instituído   pela   Lei   12.431,   que   confere   isenção   do  Imposto  sobre  o  Produto   Industrializado  e  do   Imposto  de   Importação  para  as  vendas  no  mercado   interno  ou  importação  de  máquinas,  aparelhos,  instrumentos  e  equipamentos,  novos,  e  de  materiais  de  construção  para  utilização  ou  incorporação  em  obras  de  infraestrutura  destinadas  ao  ativo  imobilizado  (BRASIL,  2011).  

A  proposta  deste  artigo  é  realizar  uma  análise  econômica  da  geração  de  energia  nuclear  a  partir  da  avaliação  dos  custos  de  implantação  e  operação  de  uma  nova  usina.  De  forma  complementar,  o  artigo  busca  destacar  os  aspectos   estratégicos   que   abordam   a   independência   energética,   a   estabilidade   do   custo   de   geração,   o  desenvolvimento  teconológico  nacional  e  a  empregabilidade  no  País.  Além  disso,  a  questão  ambiental  também  é  tratada,  utilizando  uma  avaliação  comparativa  com  outras  fontes  de  geração  termelétrica  convencionais.  

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De  uma   forma  geral,   a   tecnologia   de   geração  nuclelétrica   pode  desempenhar   papel   importante  para  o   país,  complementando   junto   com   as   demais   fontes   uma   expansão   da   geração   de   energia   elétrica   sustentável   e  adequada  tanto  em  termos  econômicos  quanto  em  termos  de  segurança  de  suprimento.  

 

2.  MÉTODO  

Considerando  as  diferentes  características  de  cada  uma  das  fontes  termelétricas  convencionais,  principalmente  em  termos  de  flexibilidades  operacionais  e  de  custos  de  investimento,  operação  e  manutenção,  o  setor  elétrico  brasileiro  tem  utilizado  o  método  da  Razão  Incremental  Custo/Benefício  para  classificar  os  projetos  de  geração  termelétrica   de   fontes   diversas   nos   leilões   de   energia   para   novos   empreendimentos.   O   índice   resultado   da  aplicação  deste  método,  que  também  é  utilizado  neste  artigo,  é  chamado  de  Índice  Custo  Benefício  (ICB).  

Em  resumo,  o  ICB  pode  ser  interpretado  como  a  estimativa  de  custo  de  fornecimento  de  energia  elétrica  por  uma   usina   durante   o   prazo   de   vigência   do   contrato   e   definido   como   a   razão   entre   seu   custo   total   e   o   seu  benefício  energético,  podendo  ser  calculado  com  a  aplicação  da  formulação  algébrica  apresentada  na  Equação  1,  onde  EE  corresponde  à  quantidade  de  energia  para  venda,  limitado  à  garantia  física  da  usina:  

ICB  =  [Receita  Fixa  /  EE]  +  [(COP  +  CEC)  /  Garantia  Física]  Equação  1  –  Cálculo  do  Índice  Custo  Benefício  

Fonte:  Adaptado  pelo  autor  de  EPE,  2006  

Segundo  EPE   (2006),   em  um   sistema  de   geração  predominantemente  hidrelétrico,   como  o   caso  brasileiro,   o  benefício   energético   da   operação   integrada   de   um   empreendimento   de   geração   pode   ser   avaliado  aproximadamente   pelo   acréscimo   observado   na   energia   assegurada   do   sistema   existente   devido   à   inclusão  daquele  empreendimento.  No  jargão  do  setor  elétrico  brasileiro,  este  benefício  gerado  pelo  empreendimento  é  chamado   de   garantia   física   e   sua   metodologia   de   cálculo,   baseada   na   Portaria   258/2008   (MME,   2008).  Especificamente  para  a  geração  de  energia  nuclear,  por  ser  uma  fonte  de  geração  que  opera  na  base,  ou  seja,  com  despacho   inflexível,   sua  garantia   física  é   igual   à  disponibilidade  máxima  da  usina,   calculada   conforme  a  expressão  a  Equação  2.  De  forma  geral,  a  garantia   física  de  usinas  termelétricas  depende  fundamentalmente  do  custo  variável  de  geração  e  da  inflexibilidade  de  despacho.  

Dmáx  =  Pot  x  FCmáx  x  (1-­‐TEIF)  x  (1-­‐IP)  Equação  2  –  Disponibilidade  máxima  de  geração  contínua  de  uma  termelétrica  

Fonte:  MME,  2008  

A  parcela  Pot  se  refere  à  potência   instalada  da  usina  e  FCmáx,  ao  fator  de  capacidade  máxima.  Os  parâmetros  TEIF  e  IP  representam,  respectivamente,  as  taxas  de  indisponibilidade  forçada  e  programada.  

Ainda  de  acordo  com  EPE  (2006),  no  que  se  refere  aos  custos  de  um  projeto  de  investimento,  o  ICB  contempla  três  parcelas:  

(i)   Receita   Fixa,   que   representa   a   receita   requerida   pelo   investidor   de   forma   a   cobrir   o   custo   total   de  implantação   do   empreendimento,   incluindo   os   custos   socioambientais,   os   juros   durante   a   construção   e   a  remuneração  do  investimento,  além  de  todos  os  custos  fixos  relativos  à  operação  e  manutenção  da  usina,  tais  como   o   custo   fixo   de   combustível   associado   ao   nível   de   inflexibilidade,   o   custo   de   conexão   à   rede   básica   e  tarifas  de  uso  dos  sistemas  de  transmissão  e  distribuição;  

(ii)   custo  de  operação  esperado  –  COP,  que  representa  a  expectativa  de  gastos  futuros  com  a  operação  de  um   empreendimento     para   um   dado   período   de   tempo   e   é   calculado   em   função   do   nível   de   inflexibilidade  declarado  pelo  empreendedor  e  da  expectativa  futura  de  despacho;  e  

(iii)  custo  econômico  de  curto  prazo  esperado  –  CEC,  que  corresponde  à  expectativa  dos  custos  futuros  de  liquidação   financeira   incorridos   por   um   empreendimento   na   Câmara   de   Comercialização   de   Energia   Elétrica  (CCEE),  ou  seja,  resultado  das  diferenças  mensais  apuradas  entre  a  estimativa  de  despacho  efetivo  da  usina  e  sua  garantia  física  multiplicadas  pelos  preços  de  liquidação  calculados  pela  CCEE.  

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Para  uma  geração  com  despacho  inflexível  como  a  geração  de  energia  nuclear,  as  parcelas  COP  e  CEC  são  nulas,  restando   apenas   a   parcela   da   receita   fixa,   que   deve   cobrir   todos   os   custos   de   implantação   e   operação   do  empreendimento.  

Para  determinar  a  receita  fixa  requerida  para  remunerar  de  forma  adequada  os  investimentos  na  implantação  de  uma  usina  térmica,  pode-­‐se  utilizar  o  critério  do  Valor  Presente  Líquido  (VLP)  em  que  todo  o  fluxo  de  caixa  do   projeto,   incluindo   investimentos,   receitas   e   custos   é   transformado   em   um   valor   monetário,   conforme  Equação   3.   O   VPL   de   um   projeto   representa   então   o   benefício   líquido   a   ser   obtido   como   resultado   do  investimento  a  ser  realizado  (OLIVEIRA,  2009).]  

VPL  =  -­‐  I  +  ∑  [S  /  (1  +  k)]  Equação  3  –  Cálculo  do  Valor  Presente  Líquido  

Fonte:  OLIVIERA,  2009  

A  parcela  I  representa  o  investimento,  e  as  parcelas  S  e  k  se  referem,  respectivamente,  ao  fluxo  de  caixa  livre,  à  vida  econômica  e  à  taxa  de  desconto.  Dessa  forma,  a  receita  fixa  mínima  é  aquela  que  resulta  em  VPL  nulo  para  o  projeto,  ou  seja,  a   receita  necessária  para   remunerar  o  capital   investido  pela  Taxa  Mínima  de  Atratividade  (TMA).  Para  o  presente  estudo,  foi  considerada  uma  taxa  de  desconto  de  8%  ao  ano.  

O  fluxo  de  caixa  livre  é  calculado  com  base  num  modelo  econômico  anual  com  a  configuração  apresentada  na  Tabela  1.  

 Tabela  1  –  Modelo  econômico  para  cálculo  da  receita  fixa  mínima  

Fonte:  Adaptado  pelo  autor  de  OLIVEIRA  (2009)  

Para   o   cálculo   do   ICB  mínimo,   foi   considerada   uma   usina   nuclear   do   tipo   PWR   (Power  Water   Reactor).   No  mundo,  cerca  de  90%  da  capacidade  de  geração  nuclear  instalada  em  operação  é  do  tipo  PWR  ou  do  tipo  BWR  (Boiled  Water   Reactor),   sendo  mais   comuns   aqueles   do   tipo   PWR,   correspondendo   a   67%.   Considerando  os  reatores  em  construção,  85%  da  capacidade  de  geração  é  do  tipo  PWR,  confirmando  a  expressiva  adoção  desse  tipo  de   reator   no  mundo   (IAEA(b),   2013).  No   caso  do  Brasil,   as   usinas  nucleares  Angra  1   e  Angra  2,   e   ainda  Angra  3,  em  construção,  também  utilizam  o  reator  do  tipo  PWR.  

Atualmente,   os   reatores  mais   avançados   que   deverão   dominar   a   tecnologia   das   novas   usinas   nucleares   nas  próximas  duas  décadas  são  os  chamados  de  Geração  III  ou  Geração  III+,  que  contemplam  uma  série  de  reatores  do   tipo  PWR  desenvolvidos  em  vários  países  do  mundo.    Dentre  estes   tipos  de   reatores,   destacam-­‐se  o  AP-­‐1000,  desenvolvido  nos  EUA  pela  Westinghouse  Electric  Corporation,  e  o  reator  europeu  a  água  pressurizada  (European  Pressurized  Water  Reactor  –  EPR),  desenvolvido  na  Europa  por  meio  de  uma  parceria  entre  Areva  e  Siemens  (WEC,  2010).  

Em  relação  aos  custos,  de  acordo  com  EIA  (2013),  o  custo  de  investimento  para  uma  usina  nuclear  é  de  5.530  US$/kW,   considerando  uma  usina  de  2.236  MW  de  capacidade   instalada,   sendo  composta  por  dois   reatores  

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nucleares  do   tipo  AP-­‐1000.  Entretanto,  WEC   (2010)  mostra  que  o  custo  de   investimento  de  usinas  nucleares  varia  dentro  de  uma  ampla  faixa  de  valores.  A  Figura  1,  construída  a  partir  da  contribuição  de  14  países  e  duas  associações   industriais,   apresenta   a   expectativa   de   custo   de   investimento   em   novas   usinas   nucleares   no  mundo.  Para  Coréia,  Suíça  e  China,  são   indicados  dois  ou  três  custos  de   investimento,  o  que  se   justifica  pela  consideração  de  mais  de  uma  tecnologia  ou,  no  caso  do  emprego  de  uma  mesma  tecnologia,  pela  consideração  de  diferentes  valores  de  capacidade  instalada.  

 

 Figura  1  –  Custo  de  investimento  em  novas  usinas  nucleares  Fonte:  Adaptado  pelo  autor  de  NEA,  2010,  e  IEA,  2010;  apud  WEC,  2010  

Nos  países  com  construções  em  curso,  como  China,   Japão,  Coréia  do  Sul  e  Rússia,  os  custos  de   investimento  são  menores  em  função  da  experiência  adquirida,  não  ultrapassando  3.000  US$/kW.  Em  alguns  países,  onde  o  projeto  específico  nunca  foi  construído  ou  onde  a  construção  de  usinas  nucleares  está  abandonada  há  anos,  o  custo   pode   chegar   a   quase   5.900   US$/kW   principalmente   em   função   de  maiores   contingências   para   cobrir  eventuais   imprevistos   (WEC,   2010).   De   forma   complementar,   a   Tabela   2   apresenta   uma   consolidação  elaborada  por  WNA  (2011)  de  valores  de  investimento  para  usinas  atualmente  em  construção  ou  planejadas.  

 Tabela  2  –  Valores  de  investimento  para  usinas  nucleares  em  construção  ou  planejadas  

Fonte:  Elaborado  pelo  autor  com  dados  de  WNA,  2011  e  IAEA(a),  2011  

No  Brasil,  a  expectativa  é  de  que  o  custo  de  investimento  em  novas  usinas  nucleares  se  mantenha  em  cerca  de  3.800  US$/kW  (WEC,  2010).  Especificamente  para  Angra  3,  o  investimento  previsto  é  de  9,9  R$  bilhões  (cerca  de  4,5  US$  bilhões  utilizando  câmbio  de  2,50  R$/US$).  Com  os  incentivos  fiscais  do  RENUCLEAR,  a  expectativa  é  que   os   investimentos   possam   ser   reduzidos   em   até   1   R$   bilhão,   alcançando   um   investimento   total   8,9   R$  bilhões  (ou  aproximadamente  4  US$  bilhões  para  um  câmbio  de  2,20  R$/US$)  (BRASIL  ENERGIA,  2011).  

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Quanto  aos   custos  de  operação  e  manutenção,   a   Figura  2  apresenta  o  histórico  de  preços   internacionais  do  mercado   spot   de   urânio   desde   o   final   da   década   de   1980,   que   representam  os   preços   negociados   no   curto  prazo.   Entre   2003   e   2007,   a   visão   mais   otimista   da   demanda   e   várias   falhas   técnicas   nas   principais   minas  produtoras,   que   afetaram   a   capacidade   de   produção   de   Austrália,   Canadá   e   Cazaquistão,   impulsionaram  significativamente  os  preços  no  mercado  de  curto  prazo.  Após  2007,  em  função  da  normalização  da  capacidade  de   produção   das   principais   minas   de   urânio   e   da   perspectiva   de   capacidade   adicional   em   função   dos  investimentos   em   mineração,   houve   redução   dos   preços   spot.   Adicionalmente,   assim   como   a   maioria   das  commodities,   as   condições   de   mercado   mudaram   significativamente   com   a   crise   econômica   mundial  deflagrada  em  2008.  No  final  de  2009,  os  preços  no  mercado  spot  foram  cerca  de  35%  abaixo  de  seu  máximo,  ocorrido   em   meados   de   2007,   quando   alcançou   US$   350/kg   U.   Além   da   drástica   redução   de   demanda  energética,  a  queda  nos  preços  de  curto  prazo  também  foram  influenciadas  pelos  fundos  de  hedge,  que  foram  obrigados  a  vender  suas  posições  devido  à  necessidade  de  caixa  (WEC,  2010).  

 Figura  2  –  Preços  internacionais  de  urânio  no  mercado  spot  

Fonte:  WEC,  2010  

Apesar  da  expressiva  flutuação  nos  preços  spot,  cerca  de  85%  do  urânio  fornecido  no  mundo  está  submetido  a  contratos  de   longo  prazo,   o  que  permite  uma  proteção   contra   as   variações  de  preços  no   curto  prazo.   Entre  2006  e  2009,  quando  os  preços  no  mercado  spot  alcançaram  350  US$/kg  U,  os  preços  no  mercado  de   longo  prazo  permaneceram  cerca  de  metade  do  preço  do  mercado  de  curto  prazo  (WEC,  2010).  

No  curto  e  médio  prazos,  preços  acima  de  80  US$/kg  U  devem  ser  suficientes  para  estimular  o  investimento  na  capacidade   de   exploração   e   produção.   Alguns   analistas   esperam   que   a   próxima   geração   de   projetos   de  mineração  de  urânio  tenha  custos  maiores  do  que  as  minas  atualmente  em  operação.  Em  2030,  a  mineração  de  urânio  necessitará  de  preços  em  torno  de  150  US$/kg  U  para  justificar  os  investimentos  em  novos  projetos  (WEC,  2010).  

Adicionalmente,   para   se   obter   o   custo   real   do   combustível   nuclear,   é   necessário   considerar   os   custos   de  conversão,   enriquecimento   e   fabricação   do   combustível.   Segundo   WNA   (2011),   são   necessários   8,9   kg   de  urânio  beneficiado,   chamado  yellow   cake,   para   a  produção  de  1   kg  de   combustível   nuclear.   Considerando  o  preço  do  yellow  cake  de  146  US$/kg  U3O8,  os  custos  de  conversão,  enriquecimento  do  urânio  e  fabricação  do  combustível,  o  custo  total  estimado  para  a  fabricação  de  1  kg  de  combustível  é  de  US$  2.769,  o  que  significa,  em  outras  palavras,  um  custo  de  combustível  por  unidade  de  energia  de  7,70  US$/MWh.  

Além  dos  custos  de  combustível,  os  custos  de  operação  e  manutenção  contemplam  ainda  os  custos  de  (i)  mão  de   obra   da   operação,   (ii)  mão   de   obra   e  materiais   para  manutenção,   e   (iii)   administração   de   pessoal.   Estes  custos   podem   ser   divididos   em   custos   fixos,   independentes   do   fator   de   capacidade   da   usina,   e   variáveis,  dependentes  do  nível  de  despacho  da  usina.  De  acordo  com  EIA   (2013),  para  a   tecnologia  nuclear,  pode   ser  considerado  um  custo  variável  de  2,14  US$/MWh  e  um  custo  fixo  de  93,28  US$/kW.ano.  

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3.  RESULTADOS  

O   primeiro   aspecto   importante   a   ser   abordado   é   o   reduzido   impacto   do   preço   do   urânio   no   custo   final   do  combustível,   conforme  mostrado  na  análise  de   sensibilidade  apresentada  na  Figura  3.  Para  uma  variação  de  100%  no  custo  do  urânio,  o  custo  final  do  combustível  varia  cerca  de  38%.  

 

 Figura  3  –  Variação  do  custo  do  combustível  em  relação  ao  preço  do  urânio  

Fonte:  Elaborado  pelo  autor  com  dados  de  WNA,  2011  

 

Para  usinas  nucleares,  BRASIL  (2007)  estima  que  o  prazo  de  construção  até  o  início  da  operação  comercial  seja  de   sete   anos,   sendo   o   desembolso   anual   de   8%,   no   primeiro   ano,   20%,   21%,   27%,   12%,   7%   e   5%   nos   anos  subsequentes.  Considerando  (i)  custo  de  investimento  de  3.800  US$/kW  e  custos  fixos  e  variáveis  de  operação  e   manutenção   de   93,28   US$/kW.ano   e   2,14   US$/MWh,   respectivamente;   (ii)   câmbio   de   2,20   R$/US$;   (iii)  incidência   de   tributos   e   encargos;   (iv)   perdas   internas   da   usina   e   de   transmissão   de   2,5%   cada   e   (v)   vida  econômica   do   empreendimento   de   35   anos,   o   valor   final   do   ICB   é   de   249,82   R$/MWh,   impactado  principalmente  pelo  alto  custo  de  investimento  e  pela  recente  forte  desvalorização  do  câmbio.  

Conforme  mostrado   na   Figura   1,   há   uma   variabilidade   considerável   no   custo   de   investimento   de   uma  usina  nuclear  no  mundo,  girando  entre  1.500  US$/kW  e  5.800  US$/kW,  sendo  esperado  para  o  Brasil  valor  em  torno  de   3.800   R$/kW.   A   Figura   4  mostra   a   análise   de   sensibilidade   do   preço   da   energia   em   relação   ao   custo   de  investimento.   Considerando   (i)   o   valor   de   investimento   de   referência   para   o   Brasil   de   3.800   R$/kW   e   (ii)   a  expectativa  de   redução  em   torno  de  10%  no   valor  do   investimento  em   função  do   impacto  da  aplicação  dos  incentivos  fiscais  do  RENUCLEAR,  o  preço  de  venda  da  energia  poderia  alcançar  cerca  de  231,23  R$/MWh.  Para  investimentos  de  1.500  US$/kW  a  2.500  US$/kW,  como  indicado  para  alguns  países  com  usinas  em  construção,  os  preços  chegam  a  valores  próximo  de  140  R$/MWh.  

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 Figura  4  –  Análise  de  sensibilidade  em  relação  ao  custo  de  investimento  

Fonte:  Elaborado  pelo  autor  

Considerando   os   preços   de   venda   dos   últimos   leilões,   próximos   de   100   R$/MWh,   e   as   análises   realizadas,  dificilmente  a  geração  nuclelétrica  teria  condições  de  competir  no  cenário  atual.  Apesar  da  geração  nuclelétrica  não  se  apresentar  como  a  mais  competitiva  economicamente  no  cenário  atual  brasileiro  é  importante  ressaltar  que  externalidades  como  a  emissão  de  CO2  não  são  consideradas  na  metodologia  de  cálculo  do  ICB.  

Órgãos  internacionais,  na  avaliação  comparativa  de  custo  de  geração  entre  fontes,  consideram  uma  taxa  entre  25   US$/t   CO2   e   30   US$/t   CO2   como   compensação   ambiental   pelas   emissões   (MIT,   2009   e   WNA,   2011).  Entretanto,   é   importante   ressaltar   que   as   emissões   de   CO2   respondem  apenas   por   uma  parte   dos   impactos  causados  pela  indústria  de  geração  de  energia  elétrica.  De  acordo  com  a  European  Commission  (2003),  há  uma  série  de  externalidades  importantes  que  impactam  no  custo  final  de  uma  determinada  tecnologia  de  geração.  

Logicamente,  o  nível  de  conscientização  dos  impactos  dos  sistemas  de  geração  de  energia  elétrica  na  saúde  e  no   meio   ambiente,   assim   como   a   capacidade   técnica   e   econômica   de   mitigação   desses   impactos,   varia  conforme   a   prioridade   de   cada   país   e   está   intimamente   ligado   à   regulação   desenvolvida   por   cada   nação.   A  Tabela  3  apresenta  o  valor  das  externalidades  calculados  para  diversos  países  da  Europa  segundo  a  European  Commission  (2003).  A  geração  nuclelétrica,  incluindo  os  impactos  do  ciclo  de  combustível,  é  a  que  apresenta  os  menores  custos  associados  às  externalidades.  A  geração  a  gás  natural,  dependendo  da  eficiência  da  tecnologia  empregada  (ciclo  combinado  ou  ciclo  aberto),  também  pode  ter  impactos  reduzidos  com  relação  aos  poluentes  clássicos.  Tecnologias  de  geração  a  carvão  mineral  são  as  de  maior  impacto  em  função  principalmente  das  altas  emissões  de  CO2.  

 

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 Tabela  3  –  Custo  das  externalidades  por  tecnologia  de  geração,  em  €/MWh  

Fonte:  Elaborado  pelo  autor  com  dados  de  European  Commission,  2003  

 

Considerando  um  câmbio  de  2,90  R$/€,  o  custo  total  de  externalidades  seria  em  torno  de  165  R$/MWh  para  a  geração   a   carvão   mineral,   de   50   R$/MWh   para   a   geração   a   gás   natural   e   de   10   R$/MWh   para   a   geração  nuclelétrica.  

 

 

 

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5.  CONCLUSÃO  

 

Dada  que  a  expansão  de  novas  hidrelétricas  se  dá  apenas  com  usinas  a  fio  d’água,  com  total  dependência  das  afluências  hídricas,  e  que  as  demais   fontes  renováveis   também  são  dependentes  de   fenômenos  climáticos,  a  expansão  termelétrica  vem  ganhando  importância  na  matriz  de  energia  elétrica  em  função  do  seu  papel  para  a  garantia  da   segurança  de   suprimento.  Na   realidade,   a  expansão   ideal  pressupõe  um  mix  de   fontes  para  que  seja   alcançada   a   segurança   de   suprimento   desejada   ao   menor   preço   possível   e   atendendo   aos   requisitos  ambientais.  Cada  tipo  de  fonte  pode  desempenhar  um  papel  importante  dentro  da  matriz  de  energia  elétrica  e  é  função  do  planejador  determinar  qual  o  volume  de  cada  tipo  de  fonte  deve  ser  inserido  na  matriz.  

A   partir   da   análise   econômica   desenvolvida   por   meio   da   metodologia   de   avaliação   de   empreendimentos  termelétricos  nos  leilões  de  energia,  incluindo  o  efeito  dos  impostos  e  considerando  uma  taxa  de  desconto  de  8%,  a  geração  nuclelétrica  foi  de  aproximadamente  250  R$/MWh,  impactado  pelo  alto  custo  de  investimento  e  atualmente   pela   forte   desvalorização   cambial.   Aplicando   um   desconto   de   10%   no   valor   do   investimento   no  intuito   de   simular   o   efeito   dos   incentivos   fiscais   do   RENUCLEAR,   estima-­‐se   uma   redução   em   torno   de   20  R$/MWh,  levando  a  um  custo  de  geração  de  230  R$/MWh.  

Considerando   os   níveis   de   investimento   observados   nos   países   com   usinas   nucleares   em   construção,   o   ICB  poderia  chegar  a  valores  próximos  de  140  R$/MWh.  Logicamente,  na  comparação  com  outros  tipos  de  fonte,  é  importante   a   consideração   das   externalidades,   que   poderiam   incrementar   o   preço   de   venda   em   até   165  R$/MWh  no  caso  da  geração  a  carvão  mineral.  

Extrapolando  a  questão  do  preço  de  venda,  pois  cada  tipo  de  fonte  tem  um  papel  a  desempenhar  na  matriz  de  energia   elétrica,   a   discussão   sobre   a   expansão   da   geração   de   energia   elétrica   no   Brasil   deve   ir   além   dos  aspectos   econômicos,   abordando   questões   como   (i)   característica   de   cada   fonte   de   energia   (ii)   emissões   de  gases   de   efeito   estufa,   (iii)   disponibilidade   e   localização   de   suprimento   nacional   de   combustível   em   longo  prazo,  criando  independência  de  fontes  externas  e  evitando  evasão  de  divisas  com  importação  de  combustível,  (iv)  sensibilidade  do  preço  de  energia  em  relação  aos  custos  de  combustível,  (v)  desenvolvimento  tecnológico  nacional  e  (vi)  empregabilidade.  Neste  sentido,  é  importante  reforçar  a  importância  do  desenvolvimento  de  um  mix  de   geração  que   confira   ao  País   a   segurança  de   suprimento  adequada   com  preços   acessíveis   de   forma  a  manter  a  competitividade  da  indústria,  a  geração  de  empregos  e  o  crescimento  econômico.  

Dada  a  complexidade  que  envolve  a  elaboração  de  um  planejamento  adequado  da  expansão  da  geração,  por  considerar   diversos   aspectos   que   vão   além   das   questões   econômicas,   é   extremamente   importante   que   se  consiga  por  meio  dos   leilões   alcançar  os  objetivos   traçados  no  planejamento.  Uma  alternativa  que  pode   ser  considerada  no  futuro  pelo  governo  é  a  realização  de  leilões  de  energia  nova  por  região  e  por  tipo  de  fonte.  

Certamente,   a   tecnologia   de   geração   nuclelétrica   pode   desempenhar   papel   fundamental   para   o   País,  complementando   junto  com  as  demais   fontes  uma  expansão  da  geração  de  energia  elétrica  adequada   tanto  em  termos  econômicos  quanto  em  termos  de  segurança  de  suprimento.  

Neste   sentido,   vale   destacar   a   China,   com   27   usinas   nucleares   em   construção,   utilizando   principalmente  reatores   do   tipo   PWR.   O   País,   que   tem   aplicado   o   conceito   de   padronização   das   usinas   buscando  menores  prazos  de  construção  e  processos  de   licenciamento  mais   céleres,  pode   indicar  a   real  dimensão  do   futuro  do  setor  nuclear  no  mundo  e  fornecer   lições  importantes  para  um  planejamento  adequado  da  expansão  nuclear  no  Brasil.  

No   que   se   refere   aos   custos   de   investimento,   a   redução  dos  mesmos   está   ligada   (i)   ao   desenvolvimento   de  unidades  de  maior  capacidade  e  mais  eficientes,  provendo  economia  de  escala,  (ii)  à  padronização  dos  projetos  de  reatores  e  (iii)  à  previsibilidade  do  processo  de  licenciamento  ambiental,  reduzindo  custos  inesperados  e  o  tempo  de  construção  das  usinas.  Além  disso,  o  desenvolvimento  de  novas  abordagens  que  reduzam  o  risco  do  investidor  pode  facilitar  a  obtenção  de  melhores  financiamentos,  trazendo  maior  competitividade  econômica  para  a  geração  de  energia  elétrica  a  partir  da  fonte  nuclear.  

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6.  REFERÊNCIAS  

BRASIL,  MINISTÉRIO  DE  MINAS  E  ENERGIA.  Plano  Nacional  de  Energia  2030.  Brasília:  MME/EPE,  2007.  

BRASIL.  Lei  12.431.  Brasília:  2011.  

BRASIL  ENERGIA.  Angra  3  garante  TIR  da  Eletrobras.  Disponível  em  <http://www.energiahoje.com/brasilenergia/noticiario/2011/02/01/425278/angra-­‐3-­‐garante-­‐tir-­‐da-­‐eletrobras.html>.  Acessado  em  28  de  setembro  de  2011.  

CNPE.  Resolução  3.  Brasília:  2007.  

EIA.  Updated  Capital  Cost  Estimates  for  Utility  Scale  Electricity  Generating  Plants.  EUA:  EIA,  2013.  

EPE.  Nota  Técnica  EPE-­‐DEE-­‐RE-­‐023:  Índice  de  Custo  Benefício  (ICB)  de  Empreendimentos  de  Geração  Termelétrica  –  Metodologia  de  Cálculo.  Rio  de  Janeiro:  EPE,  2006.  

European  Comission.  External  Costs  –  Research  results  on  socio-­‐environmental  damages  due  to  electricity  and  transport.  Bélgica:  2003.  

IAEA(a).  Power  Reactor  Information  System.  Disponível  em  <http://www.iaea.org/  programmes/a2/index.html>.  Acessado  em  21  de  fevereiro  de  2011.  

IAEA(b).  Power  Reactor  Information  System.  Disponível  em  <http://www.iaea.org/  PRIS/home.aspx>.  Acessado  em  04  de  julho  de  2013.  

INB.  Reservas  –  Brasil  e  Mundo.  Disponível  em  <http://www.inb.gov.br/pt-­‐br/  WebForms/interna2.aspx?secao_id=48>.  Acessado  em  04  de  julho  de  2013.  

Massachusetts  Institute  of  Technology  (MIT).  Update  of  the  MIT  2003  Future  of  Nuclear  Power  Study.  Estados  Unidos:  2009.  

MME.  Portaria  258.  Brasília:  2008.  

MME.  Portaria  980.  Brasília:  2010.  

OLIVEIRA,  E.  A.  de.  Perspectivas  da  Geração  Termelétrica  a  Carvão  no  Brasil  no  Horizonte  2010-­‐2030.  Rio  de  Janeiro:  UFRJ/COPPE,  2009.  

PÉREZ,  I.  Los  Costos  e  Implicaciones  del  Apagón  Nuclear  en  Alemania.  El  Tiempo,  Colômbia,  05  de  junho  de  2011.  

SANCHEZ,  R.  Alemania  Fija  su  Apagón  Nuclear  para  2022.  El  Mundo,  Espanha,  30  de  maio  de  2011.  

WEC.  2010  Survey  of  Energy  Sources.  Reino  Unido:  WEC,  2010.  

WNA.  The  Economics  of  Nuclear  Power.  Reino  Unido:  WNA,  2011.  Disponível  em  <http://www.world-­‐nuclear.org/info/inf02.html>.  Acessado  em  13  de  março  de  2011.  

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