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história Da Monarquia à República Mandou-me procurar? - Passe cidadão! (*) 100 anos Outubro 2010 (*) Senha e contra-senha utilizadas pelos revolucionários republicanos de 1910 BIBLIOTECA MUNICIPAL DA PÓVOA DE LANHOSO

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Caderno n.º 34 da Biblioteca Municipal da Póvoa de Lanhoso: 100 Anos - Outubro 2010.

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história

Da Monarquia à República

Mandou-me procurar? - Passe cidadão! (*)

100 anos – Outubro 2010

(*) Senha e contra-senha utilizadas pelos revolucionários

republicanos de 1910

BIBLIOTECA MUNICIPAL DA PÓVOA DE LANHOSO

CADERNOS DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DA PÓVOA DE LANHOSO,

Nº 34

Acontecimentos que antecederam e influenciaram directamente a implantação da república em 1910

O ATENTADO DE 1 DE FEVEREIRO 1908

Do Diário de D. MANUEL II

O ATENTADO DE 1 DE FEVEREIRO DE 1908 (REGICIDIO) na versão de D. Manuel II

Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas intimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi

barbaramente assassinados o meu querido Pae e o meu querido Irmão. Isto que aqui

escrevo é ao correr da pena mas vou dizer franca e claramente e também sem estilo tudo o que se passou. Talvez isto seja curioso para mim mesmo um dia se Deus me

der vida e saúde. Isto é uma declaração que faço a mim mesmo. Como isto é uma

historia intima do meu reinado vou inicia-la pelo horroroso e cruel atentado. No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Magestades El-Rei D. Carlos I a Rainha a

senhora D. Amélia e Sua Alteza o Principe Real de Villa Viçosa onde ainda tinha

ficado. Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois a Villa Viçosa tinha regressado

novamente a Lisboa. Na capital estava tudo num estado excitação extraordinária: bem

se viu aqui no dia 28 de Janeiro em que houve uma tentativa de revolução a qual não

venceu. Nessa tentativa estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28, que o Ministro da Justiça Teixeira d'Abreu levou a Villa Viçosa o famoso decreto que

foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência ter rubricado nesse dia de

aniversário da revolta do Porto. Meu Pae não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa.

Bem lembro que se estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que meu Pae quis

ficar em Villa Viçosa: Minha Mãe pelo contrário queria forçosamente vir. Recordome perfeitamente desta frase que me disse na vespera ou no próprio dia que regressei a

Lisboa depois de eu ter estado dois dias em Villa Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna

é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro. Melhor teria sido que não tivessem voltado porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei!

Enfim, seja feita a Vossa vontade Meu Deus!

Mas voltando ao tal decreto de 31 de Janeiro. Já estavam presas diferentes pessoas

politicas importantes. António José d'Almeida, republicano e antigo deputado, João Chagas, republicano, João Pinto dos Santos, dissidente e antigo deputado, Visconde

de Ribeira Brava e outros. Este António José d'Almeida é um dos mais sérios

republicanos e é um convicto, segundo dizem. João Pinto dos Santos, é também um

dos mais sérios do seu partido. O Visconde de Ribeira Brava, não presta para muito e

tinha sido preso com as armas na mão no dia 28 de Janeiro. Mas o António ~

José d'Almeida e João Pinto dos Santos não podiam ser julgados senão pela Câmara

como deputados da última Câmara. Ora creio que a tensão do Governo era mandar alguns para Timor tirando assim por um decreto dictatorial um dos mais importantes

direitos dos deputados. O Conselheiro José Maria de Alpoim par do Reino e chefe do

partido dissidente tinha tido a sua casa cercada pela policia mas depois tinha fugido para Espanha. Um outro dissidente também tinha fugido para Espanha e lá andou

disfarçado. Outro que tinha sido preso foi o Afonso Costa: este é do pior do que existe

não só em Portugal mas em todo mundo; é medroso e covarde, mas inteligente e para

chegar aos seus fins qualquer pouca vergonha lhe é indiferente. Mas isto tudo é apenas para entrar depois mais detalhadamente na história íntima do meu reinado.

Como disse mais atrás eu estava em Lisboa quando foi 28 de Janeiro; houve uma

pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco o que se

passava, porque isto estava num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me

então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta diziame que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira! Mas

passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908 sábado. De manhã tinha eu tido o

Marquês Leitão e o King. Almocei tranquilamente com o Visconde d'Asseca e Na capital estava tudo num estado excitação extraordinária: bem se viu aqui no dia 28 de

Janeiro em que houve uma tentativa de revolução a qual não venceu. Nessa tentativa

estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28, que o Ministro da Justiça

Teixeira d'Abreu levou a Villa Viçosa o famoso decreto que foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência ter rubricado nesse dia de aniversário da revolta

do Porto. Meu Pae não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa.

Bem lembro que se estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que meu Pae quis ficar em Villa Viçosa: Minha Mãe pelo contrário queria forçosamente vir. Recordome

perfeitamente desta frase que me disse na vespera ou no próprio dia que regressei a

Lisboa depois de eu ter estado dois dias em Villa Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna é que

não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro. Melhor teria sido que não tivessem voltado

porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei! Enfim, seja feita a Vossa vontade Meu Deus!

Mas voltando ao tal decreto de 31 de Janeiro. Já estavam presas diferentes pessoas

politicas importantes. António José d'Almeida, republicano e antigo deputado, João

Chagas, republicano, João Pinto dos Santos, dissidente e antigo deputado, Visconde de Ribeira Brava e outros. Este António José d'Almeida é um dos mais sérios

republicanos e é um convicto, segundo dizem. João Pinto dos Santos, é também um

dos mais sérios do seu partido. O Visconde de Ribeira Brava, não presta para muito e tinha sido preso com as armas na mão no dia 28 de Janeiro. Mas o António José

d'Almeida e João Pinto dos Santos não podiam ser julgados senão pela Câmara como

deputados da última Câmara. Ora creio que a tensão do Governo era mandar alguns para Timor tirando assim por um decreto dictatorial um dos mais importantes direitos

dos deputados. O Conselheiro José Maria de Alpoim par do Reino e chefe do partido

dissidente tinha tido a sua casa cercada pela policia mas depois tinha fugido para Espanha. Um outro dissidente também tinha fugido para Espanha e lá andou

disfarçado. Outro que tinha sido preso foi o Afonso Costa: este é do pior do que existe

não só em Portugal mas em todo mundo; é medroso e covarde, mas inteligente e para

chegar aos seus fins qualquer pouca vergonha lhe é indiferente. Mas isto tudo é apenas para entrar depois mais detalhadamente na história íntima do meu reinado.

Como disse mais atrás eu estava em Lisboa quando foi 28 de Janeiro; houve uma

pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco o que se

passava, porque isto estava num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me

então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta diziame que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!

Mas passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908 sábado. De manhã tinha eu

tido o Marquês Leitão e o King. Almocei tranquilamente com o Visconde d'Asseca e

cadeira". O homem sahiu do passeio e veio se pôr atraz da carruagem e começou a fazer fogo.

Faço aqui um pequeno desenho para mesmo me ajudar.

1) Estátua de D. José

2) Sítio onde estava o Buissa o homem das barbas

3) Lugar onde elle começou a fazer fogo 4) Sítio aproximadamente onde devia estar a carruagem Real quando o

homem começou a fazer fogo

5) Portão do Arsenal 6) Praça do Pelourinho

7) Sítio aproximadamente donde sahiu o tal Costa que matou o meu Pae.

Quando vi o tal homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem percebi bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então

se passou. Só Deus minha Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e

chorado Irmão presenceou poucos segundos porque instantes depois também era

varado pelas balas. Que saudades meu Deus! Dai-me a força Senhor para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, Meu Deus sabeis o que tenho sofrido!

Logo depois do Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita

fuzilada, como numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco. Se durante o seu

ministério sobretudo na parte da ditadura cometeu erros isso para mim é menos.

Tenho a certeza que a sua intenção era muito boa; os meios é que foram maus, péssimos, pois acabou da maneira mais atroz que jamais se poderia imaginar.

Quando se lhe dizia que isto ia mal que havia anarquistas no nosso País ele não

acreditou. O primeiro sintoma que eu me lembro de ter havido foi a explosão daquelas bombas na Rua de Santo António à Estrela. Recordo-me perfeitamente a impressão

que me fez quando soube! Foi no Verão estávamos então na Pena. Quem me diria o

que havia de acontecer 6 ou 8 meses depois! Mas voltando novamente ao pavoroso atentado.

Sei de um dos comandantes da polícia o Coronel Correia estava muito inquieto e o

João Franco não acreditava que pudesse ter lugar qualquer coisa desagradável,

quanto menos um horror destes, e infelizmente não estavam tomadas providências nenhumas.

Imediatamente depois do Buíça começar a fazer fogo saiu de debaixo da Arcada do

Ministério um outro homem que desfechou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu Pai; uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, que O matou

instantaneamente. Que infames! para completarem a sua atroz malvadez e sua

medonha covardia fizeram fogo pelas costas. Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembra-me perfeitamente de ver a minha adorada e heróica Mãe

de pé na carruagem com um ramo de flores na mão gritando àqueles malvados

animais, porque aqueles não são gente «infames, infames».

A confusão era enorme. Lembra-me também e isso nunca poderei esquecer, quando

na esquina do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. Só digo d'Ele o que o Cónego Aires Pacheco

disse nas exéquias nos Jerónimos: «Morreu como um herói ao lado do seu Rei»!

Não há para mim frase mais bela e que exprima melhor todo o sentimento que possa ter.

Meu Deus que horror! Quando penso nesta tremenda desgraça, ainda me parece um

pesadelo! Quando de repente já na Rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo Irmão vi O

caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue

jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o

sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja. No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a

carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. Eu

também, já na Rua do Arsenal fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.

Agora que penso ainda neste pavoroso dia e no medonho atentado parece-me e tenho

quase a certeza (não quero afirmar porque nestes momentos angustiosos perde-se a esquerdo. Na segunda carruagem vinham os Condes de Figueiró e o Marquês de Alvito

e na terceira o Visconde de Asseca, o Vice-Almirante Guilherme A. de Brito Capelo e o

Major António Waddington. Quando vínhamos a entrar o portão do Arsenal a Condessa de Figueiró entrou também na nossa carruagem e lembra-me que o

Visconde de Asseca e o Conde de Figueiró vinham ao lado da carruagem. Dentro do

Arsenal saí da carruagem primeiro e depois a minha adorada Mãe. Foi

verdadeiramente um milagre termos escapado: Deus quis poupar-nos! Dou Graças a Deus de me ter deixado a minha Mãe que eu tanto adoro. Sempre foi a pessoa que eu

mais gostei neste mundo e no meio destes horrores todos dou e darei sempre graças a

Deus de me A ter conservado! Quando a Minha adorada Mãe saiu da carruagem foi direita ao João Franco que ali

estava e disse-lhe ou antes gritou-lhe com uma voz que fazia medo «Mataram El- Rei:

Mataram o meu Filho». A minha pobre Mãe parecia doida. E na verdade não era para menos: Eu também não sei como não endoideci. O que então se passou naquelas

horas no Arsenal ninguém pode sonhar! A primeira coisa foi que perdi completamente

a noção do tempo. Agarrei a minha pobre e tão querida Mãe por um braço e não larguei e disse à Condessa de Figueiró para não a deixar.

Contudo ia entrando muita gente da Casa, diplomatas, os ministros e mesmo

ministros de Estado honorários.

Estava-se ainda na dúvida (infelizmente de pouca duração se ainda viviam os dois entes tão queridos! Estavam lá muitos médicos entre outros o Dr. Bossa (que me

parece foi o primeiro que chegou) o Dr. Moreira Júnior e o Dr. D. António Lencastre.

Contou-me depois (já alguns dias depois) o Dr. Bossa que logo que chegou acendeu um fósforo e ainda as pupilas se retraíram. Quando porém repetiu a experiência nem

mesmo esse pequeno sinal de vida lhe restava.

Descansa em paz no sono Eterno e que Deus tenha a Tua Alma na sua Santa Guarda! De meu Pai e mesmo meu Irmão não tinha grandes esperanças que pudessem

escapar.

As feridas eram tão horrorosas que me parecia impossível que se salvassem. Como disse já lá estava o Ministério todo menos o Ministro da Fazenda Martins de Carvalho.

Isso é que nunca poderei esquecer é que fazendo parte do Ministério do meu querido

Pai quando foi assassinado não foi ao Arsenal! Diz-se (não o quero afirmar) que fugiu

para as águas-furtadas do Ministério da Fazenda e ali fechou a porta à chave! seja como for há agora seis meses que Meu Pai e Meu Irmão de chorada memória foram

assassinados e nunca mais aqui pôs os pés! Acho isso absolutamente

extraordinário!... para não dizer mais.

Preveniu-se para o Paço da Ajuda a minha pobre Avó para vir para o Arsenal. Eu

não estava quando Ela chegou. Estavam-me a tratar o braço na sala do Inspector do

Arsenal.

Quando a Avó chegou foi direita à minha Mãe e disse-lhe «On a tué mon fils!» e a minha Mãe respondeu-lhe: «Et le mien aussi!» Meu Deus dai-me força. Mas antes disto

houve diferentes coisas que quero contar.

A minha pobre e adorada Mãe andava comigo pelo Arsenal de um lado para o outro com diferentes pessoas: Conde de Sabugosa, Condes de Figueiró, Condes de Galveias

e outros falando de sempre num estado de excitação indescritível mas fácil de

compreender. De repente caiu no chão! Só Deus e eu sabemos o susto que eu tive! Depois do que tinha acontecido veio aquela reacção e eu nem quero dizer o que

primeiro me passou pela cabeça.

Depois vi bem o que era: o choque pavoroso fazia o seu efeito! Minha Mãe levantou-se

quase envergonhada de ter caído. É um verdadeiro herói. Quem dera a muitos homens terem a décima parte da coragem que a minha Mãe tem.

Tem sido uma verdadeira mártir! O que eu rogo a Deus sempre e a cada instante é

para m'A conservar! Pouco tempo depois de termos chegado ao Arsenal veio ainda o major Waddington

dizendo que os Queridos Entes ainda estavam vivos; mas infelizmente pouco tempo

depois voltou chorando muito. Perguntei-lhe «Então?» Não me respondeu. Disse-lhe que tinha força para ouvir tudo. respondeu-me então que já ambos tinham falecido!

Dai-lhes Senhor o Eterno descanso e brilhe sobre Eles a Vossa Luz Eterna Ámen!

Pouco depois vi passar João Franco com o Aires de Ornelas (Ministro da Marinha) e talvez (disso não me lembro ao certo) com o Vasconcelos Porto, Ministro da Guerra,

dirigindo-se para a Sala da Balança para telefonarem que se tomassem todas as

previdências necessárias. São isto cenas, que viva eu cem anos,

ficarão gravadas no meu coração. Agora já era noite o que ainda tornava tudo mais

horroroso e sinistro: estava já então muita gente no Arsenal, e principiou-se a pensar

no regresso para o Paço das Necessidades. No presente momento em que estou escrevendo estas linhas estou repassando com horror, tudo no meu pensamento!

Entrámos então para o landau fechado, a minha Avó, minha Mãe e o Conde de

Sabugosa e eu. Saímos doArsenal pelo portão que deita para o Cais do Sodré onde estava um esquadrão da Guarda Municipal comandado pelo Tenente Paul: Na

almofada ia o Coronel Alfredo de Albuquerque: à saída entregaram ao Conde de

Sabugosa um revólver; minha Avó também queria um. Viemos então a toda brida para o Paço das Necessidades. À entrada

esperavam-nos a Duquesa de Palmela, Marquesa do Faial, Condessa de Sabugosa, Dr.

Th. de Mello Breyner, Conde de Tattenbach, Ministro da Alemanha e a Condessa, e

muitos criados da casa. Foi uma cena horrorosa! Todos choravam aflitivamente. Subimos muito vagarosamente a escada no meio dos prantos e choros de todos os

presentes. Acompanhei a minha pobre e adorada Mãe até ao seu quarto e deixei a

minha pobre Avó na sala.

Lenço que D. Manuel II trazia no dia do Regicídio. Tem ainda sangue de El-Rei, resultado do ferimento de bala no atentado

D. Luís Filipe, O Príncipe que queria ser rei

Carta de Mouzinho de Albuquerque ao Príncipe D. Luís Filipe

“Meu Senhor:

Quando Vossa Alteza chegou à idade em que a superintendência da sua educação

tinha que ser entregue a um homem, houve por bem El-Rei nomear-me Aio do

Príncipe Real. Foi Sua Majestade buscar-me às fileiras do Exército. Não escolheu por

certo o militar de mais valor, mas simplesmente aquele a quem uma série de acasos

felizes mais ensejo dera de provar que sabia, custasse o que custasse, obedecer ao que

lhe era ordenado e que também sabia, doesse a quem doesse, fazer cumprir as ordens

que dava.

Não por certo a Vossa Alteza como filho e como súbdito, e menos a mim como soldado,

compete apreciar e criticar as determinações de El-Rei. A Vossa Alteza como a mim,

deu Sua Majestade uma ordem, a ambos nós cumpre obedecer-lhe e nada mais. Mas

para bem lhe obedecer não basta ver-lhe a letra, é necessário estudá-la, descortinar-

lhe o espírito. Escolhendo um soldado para vosso Aio, que fez El-Rei? Subordinou a

educação de Vossa Alteza ao estado em que se acha o País. Nesta época de dissolução,

em que tão afrouxados estão os laços da disciplina, entendeu Sua Majestade que

Portugal precisava mais que tudo de quem tivesse vontade firme para mandar, força

para se fazer obedecer. E como ninguém pode ensinar o que não sabe, o que não tem

praticado, foi El-Rei procurar o vosso Aio à classe única em que se encontra quem

obedeça sem reticências e mande sem hesitações.

Por esse motivo, o primeiro dos meus deveres é fazer de Vossa Alteza um soldado

É Vossa Alteza Príncipe, há de ser Rei; ora, Príncipe e Rei que não comece por ser

soldado, é menos que nada, é um ente híbrido cuja existência se não justifica. Há

poucos anos andava pela Europa, num exílio vagabundo de judeu errante, um

Imperador que num momento de crise esqueceu que o seu título vinha do latim

"Imperator", epíteto com que se saudavam os vencedores, e que se não vence sem

desembainhar a espada -- sine sanguine victoria non est. Por um erro igual já subiu

um Rei ao cadafalso e outros foram despedidos do trono para o exílio sempre doloroso

e humilhante. Príncipe que não fôr soldado de coração, fraco Rei pode vir a ser.

O que foram na verdade os Reis primitivos? Guerreiros audaciosos que os

companheiros de armas levantaram nos escudos acima das suas cabeças. E o que foi

o maior dentre os Reis, aquele cujo nome ribomba como um trovão na história deste

século? Um militar ambicioso que, elevado ao Império pelos seus soldados, não se deu

por contente enquanto não pôs o pavês que o levantara em cima das costas dos outros

Reis da Europa que lhe serviram de pés ao trono. E entretanto, a despeito da sua

incomparável grandeza de ânimo, a despeito das qualidades únicas de mando com que

a Providência o dotara, talvez para castigo de muitos, por certo para exemplo de todos,

caiu esse colosso e o grande Imperador foi derrubado por esses mesmos que tanta vez

vencera. Faltava-lhe a tradição da Monarquia, da linhagem Real, que cimenta e

consagra a autoridade dos Reis legítimos.

Mas nessas mesmas linhagens Reais só foram grandes os que souberam lançar mão

da espada sempre que lhes foi necessário. Por isso, repito, primeiro que tudo tem

Vossa Alteza que ser soldado.

Aprenderá a sê-lo na história de seus avós. Este Reino é obra de soldados.

Destacou-o da Espanha, conquistou-o palmo a palmo, um príncipe aventureiro que

passou a vida com a espada segura entre os dentes, escalando muralhas pela calada

da noite, expondo-se à morte a cada momento, tão queimado do sol, tão curtido dos

vendavais como o ínfimo dos peões que o seguia. Firmou-lhe a independência o Rei de

"Boa Memória", que tantas noites dormiu com as armas vestidas e a espada à

cabeceira, bem distante dos regalos dos Paços Reais. E para a formação de vossa Casa

concorreu com o ele o mais branco dos seus guerreiros, que simbolizou e resumiu em

si quanto havia de nobre e puro na História Medieval, um herói e um santo. Mais

tarde o Príncipe Perfeito, depois de haver mostrado que sabia terçar lanças em

combate com o melhor dos cavaleiros, depois de haver abatido de vez todas as cabeças

que se erguiam por demais altivas perante a Corôa Real, deu pela força da sua

vontade de ferro um impulso de tal ordem às nossas naus, que foram ter ao Cabo da

Boa Esperança, abrindo a Portugal o caminho por onde chegou ao apogeu da glória.

Soldados, se lhes pode bem chamar a estes, porque tiveram o desapego da vida, a

força do mando, a obediência cega àquilo que acima de tudo deve imperar nos Reis --

a ideia fixa e pertinaz da glorificação do seu nome e da grandeza do Reino onde Deus

os fez os primeiros de entre os homens.

Para não ser injusto nem ingrato, não deve Vossa Alteza lembrar-se somente dos

felizes porque nem só eles foram soldados. Houve um Rei de Portugal que, não

podendo ser vencedor, soube morrer herói. Não tendo alcançado a vitória

ambicionada, procurou a morte gloriosa. "A liberdade Real só se perde com a vida",

foram as últimas palavras que se lhe ouviram e do cativeiro infamante salvou-o a

morte, única libertadora invencível porque não há algemas que prendam um morto.

Errou, é certo, mas a morte de valente, expiatória e heróica, redime os maiores erros.

Bem merece ele o nome de soldado, bem estudada e meditada deve ser a sua História,

porque pelo estudo e pela meditação se formam as almas e a alma de um Príncipe

para tudo deve estar temperada, até para as maiores desgraças.

Soldado também e como poucos, foi D. Pedro IV. Trabalhou e combateu como soldado

e teve a audácia precisa nos lances decisivos, a resignação estóica nas mais dolorosas

crises, a presença de espírito nas situações mais difíceis, a decisão rápida e pronta

para aproveitar as vitórias. E tanto se lhe enraizaram na alma os brios de soldado que,

quando se viu insultado, apupado sem poder desembainhar a espada que tão bem o

houvera servido, estalou de dor. As chufas com que o populacho cobarde e ingrato lhe

pretendeu enlamear a farda, foram-lhe direitas ao coração, mataram-no.

Estude Vossa Alteza a História desses seus Avós. Leia-a, relei-a, medite-a, estude-a,

meta-a bem na cabeça e no coração. Na convivência deles aprenderá Vossa Alteza a

ser como eles, forte, justo, simples e verdadeiro. E bem compenetrado do que eles

fizeram, conhecendo-lhes a vida dia a dia, sentirá Vossa Alteza que deles vem, que é

um deles. Assim sonhará com futuros de glória que se assemelhem a esse passado de

grandeza, e sonhar assim é uma felicidade e uma força. Triste do homem que só cuida

do presente, que só preza a intimidade dos vivos. Pobre daquele que precisa

adormecer para sonhar com o futuro. No olhar saudoso para o que já passou, no

imaginar o que há de vir se vai formando a alma, se lhe vão apurando as qualidades,

desenvolvendo a força. E chegada a ocasião de as aproveitar, de as pôr em acção, cai-

se-lhe em cima como o milhafre sobre a presa e não se deixa escapar. A ciência da

vida assemelha-se à arte da guerra, em que numa e noutra é mais preciso que tudo

aproveitar as ocasiões e para o fazer é necessário o exercício constante, a trenagem;

ora, o estudo e a meditação constituem a trenagem do espírito.

Nasceu Vossa Alteza numa época bem desgraçada para este País. Foi talvez um favor

de Deus porque mais na desventura que na felicidade se prova a força do carácter. Em

todo o caso é bem certo, meu Senhor, que a vossa história tem sido muito triste

porque, convença-se bem Vossa Alteza, os Príncipes não têm biografia, a sua

história é, tem de ser a do seu povo. Nessa história, entretanto, há algumas páginas

que Vossa Alteza pode ler sem que lhe corem as faces de vergonha, sem que lhe

subam aos olhos lágrimas esprimidas do coração triturado de humilhações. Essas

poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na história do Portugal

contemporâneo, escrevêmo-las nós, os soldados, lá pelos sertões da África, com as

pontas das baionetas e das lanças a escorrerem sangue.

Alguma coisa sofremos, é certo; corremos perigos, passámos fomes e sedes e não

poucos prostraram em terra para sempre as fadigas e as doenças. Tudo suportámos

de boa mente porque servíamos El-Rei e a Pátria, e para outra coisa não anda neste

mundo quem tem a honra de vestir uma farda! Por isso, nós também merecemos o

nome de soldados; é esse o nosso maior orgulho.

Tudo é pequeno neste nosso Portugal de hoje! O mar já não é curral das nossas naus,

mas sim pastagem de couraçados estranhos; foram-se-nos mais de três partes do

Império de além-mar e Deus sabe que dolorosas surpresas nos reserva o futuro.

Não tiveram, portanto, as guerras em que agora temos andado, o brilho épico dos

feitos dos nossos maiores. Mas no campo restrito em que operámos, com os poucos

recursos de que dispúnhamos, não fizémos menos nem pior do que outros bem mais

ricos e poderosos.

A que devemos este resultado? A que no homem do povo em Portugal ainda se

encontram as qualidades de soldado: a resignação, a coragem fria e disciplinada, a

confiança nos superiores e, mais que tudo, a subordinação. E é preciso que Vossa

Alteza, soldado por dever e direito de nascimento, se possua bem da ideia de que a

subordinação é a primeira de entre as virtudes militares. Já a tenho ouvido alcunhar

de renúncia da vontade. Ora, ninguém como o soldado carece de força de vontade,

porque mais que em coisa alguma se demonstra ela na prática da obediência.

Renunciar ao capricho, ao egoísmo, à indolência, a tudo quanto o vulgar dos homens

mais aprecia e estima, ter por único fim servir bem, por único enlevo a glória, por

único móvel a honra e a dignidade, não é renúncia da vontade. E se nós que somos

soldados somente desde o dia em que nos alistámos e podemos voltar à classe civil de

onde saímos, precisamos para tudo de muito querer e saber querer, quanto mais um

Príncipe para quem nascer foi assentar praça e que só pode ter baixa para a

sepultura!

De vontade e vontade de ferro precisará Vossa Alteza no duro mister para que Deus o

destinou. Houve Reis, meu Senhor, que para desgraça dos seus povos adormeceram

no trono em cujos degraus haviam nascido e nesse dormir esqueceram a missão que

lhes cumpria desempenhar. No fim do século passado, o povo francês sacudiu-os de

forma tal que os deveria ter acordado para sempre e, desde então, Príncipe que

dormitasse no trono acordava no exílio. Assim deve ser. Castiga-se a sentinela que

se deixa vencer pelo sono e o Rei é uma sentinela permanente que não tem folga

porque, nomeado por Deus, só Ele o pode mandar render e então envia-lhe a morte a

chamá-lo ao descanso. Enquanto vive tem o Rei de conservar os olhos sempre bem

abertos, vendo tudo, olhando por todos. Nele reside o amparo dos desprotegidos, o

descanso dos velhos, a esperança dos novos; dele fiam os ricos a sua fazenda, os

pobres o seu pão e todos nós a honra do país em que nascemos, que é a honra de

todos nós!

Para semelhante posto só pode ir quem tenha alma de soldado. Porque ser soldado

não é arrastar a espada, passar revistas, comandar exercícios, deslumbrar as

multidões com os doirados da farda. Ser soldado é dedicar-se por completo à causa

pública, trabalhar sempre para os outros. E para se convencer, olhe Vossa Alteza para

o soldado em campanha. Porventura vê-o só a marchar e a combater?

Cava trincheiras, levanta parapeitos, barracas e quartéis, atrela-se às viaturas,

remenda a farda, cozinha o rancho e o que tem de seu trá-lo às costas, na mochila.

Desde os misteres mais humildes até ao mais sublime, avançar de cara alegre direito à

morte, tudo faz porque todo o trabalho despido de interesse pessoal entra nos deveres

da profissão. Trabalho gratuito, sempre, porque o vencimento do millitar, seja pré,

soldo ou lista civil, nunca é remuneração do serviço, por não haver dinheiro que pague

o sacrifício da vida.

É assim que, por mais que espíritos desorientados tenham querido obliterar as

tradições de honra do Exército, a profissão entre todas nobre, foi, é e há de ser sempre

a militar porque nela se envolve tudo que exige a anulação do interesse individual

perante o da colectividade. É por isso que ninguém como o Rei tem de se esquecer de

si para pensar em todos, por isso que ninguém como Ele tem de levar a abnegação ao

maior extremo, ninguém como ele precisa de ser soldado na acepção mais lata e

sublime desta palavra, soldado pronto da recruta em todas as armas, instruído em

todos os serviços, desde o de cavalaria que, numa galopada desenfreada através de

uma saraivada de balas, vai completar com a carga a derrota do inimigo, até ao do

maqueiro que vai buscar os feridos à linha de fogo, ao enfermeiro que deles cuida na

ambulância. Tão bom Rei, tão bom soldado foi D. Pedro V nos hospitais, como outros

nos campos de batalha, porque a coragem e a abnegação são sempre grandes e

nobres, seja onde fôr que se exerçam, e tudo que é grande e nobre é próprio de Rei e

de soldado.

Não faltará ensejo a Vossa Alteza de revelar aquelas qualidades. Não lhe escassearão

por certo provações e cuidados, revezes que trazem o desconforto ao espírito, lances

dolorosos que desconsolam da vida. Para todos eles carece Vossa Alteza de estar

preparado, temperado pela educação, pelo estudo dos bons exemplos, pela firme

vontade de vir a ser um Príncipe digno desse nome e do da sua Casa. E para ser

Príncipe é preciso primeiro que tudo ser Homem.

Se para descanso de seu espírito vaticinasse a Vossa Alteza um futuro risonho de

despreocupações e gozos, faltaria por completo ao meu dever. Ao escolher-me para

vosso Aio, disse-me El-Rei: "Faze dele um homem e lembra-te que há de ser Rei"

Proporcionando a Vossa Alteza o conhecimento do que fizeram em África os seus mais

leais servidores, apontando-lhe com seu exemplo, procurando temperar-lhe a alma

para as mais duras provas por que pode vir a passar, não faço mais que cumprir as

ordens de El-Rei e procurar, como tenho sempre feito, corresponder à confiança de

Sua Majestade. A Vossa Alteza cumpre realizar as esperanças de seu Augusto Pai e

nosso Rei, as esperanças de todos os Portugueses.

Que Deus o guie e proteja nesse difícil e glorioso caminho, é o mais ardente voto do

Seu Aio muito dedicado

Joaquim Mouzinho”

Imprensa da época

Le Petit Journal - 1908

Illustração Portugueza –1908

Maria da Fonte - 1908

Os assassinos:

Manuel dos Reis da Silva Buiça, morto pela polícia e Alfredo Luís da Costa, abatido por D. Luís Filipe, já depois de ele próprio ter sido mortalmente atingido por uma bala disparada pelo próprio Alfredo da Costa.

“Aparte”

O REGICÍDIO E O PARLAMENTO

Vi que um voto de pesar Por um crime tão nojento É capaz de incomodar Quem vive do Parlamento. Vi bem que por ali ronda Quem não esconde que até gosta De gente tão hedionda Como o Buíça e o Costa. Vi que, passados cem anos, Ainda há muitos deputados

A serem tão desumanos Como esses dois celerados. Vi e não pude votar, Pois não pertenço aos votantes, Mas deixo aqui o pesar Por ter tais representantes. 11/2/2008

Fernando Henrique de Passos

A pistola com que mataram o Rei D. Carlos. A espingarda com que mataram D. Luís Filipe. O casaco com que Buiça escondeu a arma.

D. Amélia com D. Carlos, seu marido e D. Luís Filipe, seu filho.

“Dor de esposa e mãe”

A Rainha de Portugal no leito de morte do seu marido e do seu filho.

.

Implantação da República

5 de Outubro 1910

D. Manuel II partindo para o exílio

Busto official da República Portugueza

In: A Revolução Portugueza por Jorge D’Abreu

Governo Provisório da República Portuguesa

GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Decreto de 31 de Dezembro de 1910, com força de lei, que regula a posse pelo Estado

dos bens das extintas corporações religiosas.

O Governo Provisório da República Portuguesa faz saber que, em nome da República, se

decretou, para valer como lei, o seguinte:

CAPÍTULO I

Dos bens sob a guarda e na posse do Estado

Artigo 1.º Continuam confiados à guarda, conservação e posse do Estado, ou entrarão ainda nesse regime meramente tutelar, todos os bens mobiliários ou imobiliários, que, por virtude do decreto de 8 de Outubro de 1910, tem sido e forem arrolados pelas autoridades administrativas e judiciais, por terem sido ou serem ocupados, detidos ou usados, sob qualquer título, pelos jesuítas; ou por quaisquer congregações, companhias, conventos, colégios, hospícios, associações, missões e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens regulares, fosse qual fosse a sua denominação, instituto ou regra.

§ Único. Os bens que, porventura, estiverem ainda ocupados, no momento da publicação deste decreto, por qualquer dos institutos mencionados neste artigo, ou por membros dele, ou por terceiras pessoas dele representantes ou com ele relacionadas por qualquer título, considerar-se-ão possuídos em nome do Estado, para todos os efeitos legais.

Art. 2.º O Estado poderá, sem prejuízo de quaisquer direitos que venham a ser reconhecidos a terceiro, e como legítimo possuidor de boa fé dos bens mencionados no artigo anterior, dar-lhes desde já a aplicação de utilidade pública que entender conveniente e que melhor se conformar com a natureza dos mesmas bens.

Art. 3.º É permitido a quaisquer terceiras pessoas, que a isso se julguem com direito, reivindicar os referidos bens, ou fazer valer quaisquer direitos que, quanto a eles, se arroguem, mas somente nos termos deste decreto.

§ Único. São, insuprivelmente nulos todos os processos empregados, que não sejam dos aqui estabelecidos e regulados.

Art. 4.º Relativamente aos bens mobiliários e imobiliários, que tenham entrado ou entrarem na posse do Estado como ocupados, detidos ou usados pelos jesuítas ou por qualquer das associações sob cujo nome se disfarçavam, a sua reivindicação só será procedente, seja qual for o título em que o reclamante se funde, provando-se que não eram, em verdade, ocupados, detidos ou usados por eles, visto que, tendo-o sido, reverteram, ipso facto, para o Estado, nos termos da lei, em vigor, de 3 de Setembro de 1759 e do decreto de 8 de Outubro de 1910, artigo 8.°.

Art. 5.° Presume-se que pertenciam às respectivas casas ou associações religiosas todos os bens que por elas, sob qualquer título, fossem ocupados, detidos ou usados.

§ Único. Esta presunção subsiste, embora se mostre estarem esses bens em nome de

interpostas pessoas, e como tais se consideram para os efeitos do Código Civil e deste decreto, salva a prova em contrário:

1.° Os indivíduos que sejam ou tenham sido membros, empregados ou assalariados, temporários ou permanentes, da respectiva casa ou associação religiosa, ou de qualquer outra existente em Portugal ou no estrangeiro, e os seus ascendentes, descendentes, e irmãos, compreendendo os afins, e os herdeiros legítimos ou testamentários de todos eles;

2.° Os indivíduos, não compreendidos no número anterior, que, desde a data em que adquiriram os referidos bens lhes não tenham dado outro uso ou aplicação;

3.° As sociedades de qualquer natureza, objecto e fins, que sejam compostas, no todo ou em parte, das pessoas referidas no n.os 1.° ou 2.°;

4. º Os que se apresentarem como donos dos imóveis onde hajam funcionado associações religiosas com clausura, práticas de noviciado, profissões ou votos, salvo se provarem que por completo ignoravam esses factos.

Art. 6.° Aos bens, que pertenciam às associações ou casas religiosas, é aplicável o disposto no artigo 2.° do decreto, em vigor, de 28 de Maio de 1834, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal que cabe aos membros das associações ou casas em que se prove ter havido clausura, práticas de noviciado, profissões ou votos.

CAPÍTULO II

Da reclamação perante o Ministério Público

Art. 7.° Nenhuma acção ou execução relativa aos aludidos bens poderá ser intentada contra o Estado ou contra terceira pessoa sem que a preceda o processo de reclamação graciosa, regulado nos artigos seguintes.

Art. 8.º Todo aquele que se julgue com direito a quaisquer bens mencionados no artigo 1.º e seu parágrafo, ou a créditos por que hajam de responder esses bens, apresentará por artigos, ao delegado do procurador da República da comarca ou vara da situação dos bens, a sua petição tição fundamentada, assim da por advogado, oferecendo logo todas as provas documentais que tiver, e juntando a respectiva procuração.

§ único. Não se considerará reclamação, para os efeitos deste artigo, nem dispensará a sua apresentação nos termos nele exigidos, qualquer pedido feito, até a data da publicação do presente decreto, perante o juiz do arrolamento, o Ministério da Justiça ou qualquer outra repartição ou autoridade; mas o reclamante fica dispensado de apresentar os documentos que já produziu, desde que deles faça expressa menção, indicando onde, quando e a que autoridade os apresentou.

Art. 9.º Não serão recebidas pelo respectivo delegado as petições que não estejam nos termos do artigo anterior, ou que abranjam pedidos de mais de um reclamante, quando não sejam com proprietários, ou relativas a bens situados em mais duma comarca, ou referentes a mais duma casa ou associação religiosa.

Art. 10.º Apresentada a petição, de que se cobrará recibo, o referido magistrado do Ministério Público procurará obter todos os elementos de prova relativos ao caso, tanto a favor como contra o reclamante, solicitando-os de quaisquer autoridades, incluindo as que procederam aos arrolamentos e o administrador do respectivo concelho ou bairro, ao qual poderá também requisitar que abra um inquérito administrativo.

§ Único. Seguidamente, o delegado, dentro do prazo máximo de quinze dias, a contar da entrega da reclamação, remeterá directamente a petição com os documentos que a instruem, com os elementos que colheu e com a sua informação, ao secretário da comissão de exame, nomeada por portaria de 27 de Dezembro de 1910, publicada no Diário do Governo de 28 do mesmo mês.

Art. 11.º A comissão acima referida requisitará do mesmo magistrado ou de quaisquer outros, ou ainda de quaisquer corporações ou repartições públicas, os elementos de que careça, remetendo no mais curto prazo ao respectivo delegado o relatório dos seus trabalhos, do qual tirará cópia para ficar em poder do Ministro da Justiça.

Art. 12.º O delegado, em face dos elementos fornecidos pela comissão, concluirá pela procedência ou improcedência do pedido, não cabendo da sua decisão recurso algum, salvo o que vai disposto nos artigos 19.º e seguintes.

Art. 13.º No caso de considerar procedente a reclamação, o delegado do procurador da República, no mesmo despacho mandará, quando for caso disso, efectuar a entrega dos bens pelo escrivão do juízo que tenha procedido ao respectivo arrolamento, ou pelo escrivão de semana, não se tendo este realizado, deixando sempre o direito salvo a quaisquer terceiras pessoas que o tenham ou possam ter sobre os mesmos bens.

Art. 14.º No segundo caso, julgando a reclamação improcedente, mandará, no mesmo

despacho, intimar pelo escrivão de semana, o reclamante, a quem será entregue certidão do

respectivo despacho

Art. 15.º O disposto nos artigos anteriores será respectivamente aplicável quando o despacho concluir pela procedência em parte, e pela improcedência noutra parte, de qualquer reclamação.

Art. 16.º Nos processos de reclamação perante o Ministério Público, embora ela seja julgada improcedente, nenhumas custas terão os reclamantes a pagar, e tudo será processado sem selo e sem despesas.

Art. 17.º O relatório, assim como os documentos que não tenham sido juntos pelo

reclamante, serão secretos, e apenas os documentos, com que o reclamante tenha instruído a sua

reclamação, serão enviados, a seu requerimento, para o escrivão a cujo cartório tiver sido distri-

buída a respectiva acção.

Art. 18.º As reclamações reguladas nos artigos antecedentes só poderão ser apresentadas no continente até o dia 30 de Junho próximo futuro, nas ilhas adjacentes até 16 de Agosto seguinte, e nas províncias ultramarinas até 31 de Dezembro de 1911.

§ Único. Após as datas referidas, não tendo aparecido reclamações, os bens serão definitivamente encorporados na Fazenda Nacional, mediante comunicação do Ministério da Justiça ao Ministério das Finanças.

CAPÍTULO II

Do processo perante o Poder Judicial

Art. 19.º Julgada improcedente a reclamação graciosa perante o Ministério Público, o

reclamante será obrigado, sob pena de perda do seu direito, e de se cumprir o disposto posto no

§ único do artigo anterior, a distribuir a respectiva acção no prazo de trinta dias, a contar da

intimação do despacho do delegado do Procurador da República.

Art. 20.º Se no fim de seis, dez ou dezoito meses, conforme for no continente, ilhas adjacentes ou províncias ultramarinas, o reclamante não for intimado da decisão da sua reclamação, pode, querendo, intentar logo a acção respectiva, juntando o recibo a que se refere o artigo 10.º.

Art. 21.º A acção, que será igualmente proposta na comarca ou vara da situação dos bens, seguirá os termos das acções ordinárias reguladas no Código do Processo Civil quando se destinar à reivindicação de bens, ou os termos correspondentes quando se tratar doutros direitos ou créditos, com as alterações constante dos artigos seguintes.

Art. 22.º Não é permitido cumular na mesma acção pedidos de mais dum autor, ou relativos a bens situados em mais duma comarca, ou referentes a mais duma casa, ou associação religiosa.

§ 1.º É, porém, permitido aos comproprietários intentarem conjuntamente a sua acção.

§ 2.º A infracção do disposto neste artigo constitui nulidade insuprível de todo o processo.

Art. 23.º O pedido e os fundamentos da acção serão, sob pena de nulidade insuprível, exactamente os mesmos da reclamação graciosa que tenha sido apresentada.

Art. 24.º A acção, quando tenha de seguir o processo civil, será julgada por um tribunal colectivo, composto em Lisboa e Porto, pelo juiz da respectiva vara e pelos das varas seguintes na ordem da sua enumeração, nas restantes comarcas do continente pelos respectivos juizes e pelos das duas comarcas mais próximas, e, nas ilhas adjacentes e colónias, pelo juiz ou juizes da comarca e pelo conservador e competente substituto do juiz até perfazer aquele número 1.

§ único. Entende-se por com arca mais próxima, para os efeitos deste decreto, aquela cuja sede distar menos da sede da comarca onde pender a causa.

Art. 25.º Depois das alegações das partes, por escrito, nos termos do artigo 400.º do Código do Processo Civil, será o processo remetido oficialmente a cada um dos vogais, no prazo de dez dias; e recebido o processo, o juiz presidente porá também o seu visto, e marcará logo dia, que será comunicado por ofício aos dois vogais, para se realizar o julgamento, que terá lugar, sem a assistência das partes ou de quem as represente, dentro de trinta dias, salvo o caso de adiamento por falta dalgum dos juizes.

Art. 26.º Os juizes apreciarão em plena liberdade, sem sujeição às regras legais, todas as provas dos autos, procurando acima de tudo firmar a sua convicção sobre a verdade e a justiça dos pedidos feitos, mas fundamentarão as suas decisões, expondo todos os elementos de or-dem jurídica e moral que tenham influído no seu espírito para as proferirem.

§ Único. Sendo declarada improcedente a acção de reivindicação de bens por decisão

passada em julgado, cumprir-se-á o disposto no § único do artigo 18.º.

Art. 27.º Se tiver de seguir-se o processo comercial, o júri intervirá necessariamente, e julgará em sua consciência toda a matéria de facto alegada, pertinente à causa e necessária para a resolver.

Art. 28.º O Supremo Tribunal de Justiça, quando pelo valor da causa tiver de intervir nestes processos, limitar-se-á a conhecer da nulidade do processo.

CAPÍTULO IV

Disposições gerais e transitórias

Art. 29.º As acções, que à data da publicação deste decreto já estejam em juízo contra o Estado, relativamente a bens de casas ou associações religiosas, ficarão suspensas, interrompendo-se todos os prazos, até que lhes seja junta a nota da intimação ou a certidão do despacho proferido na reclamação graciosa, a que se refere o artigo 15.º.

§ único. Os prazos interrompidos continuarão a correr para cada uma das partes desde a data em que lhe seja intimado o despacho que mandar juntar aos autos a nota ou certidão referidas.

Art. 30.º Se essa nota ou certidão não for junta no prazo dum mês, a contar do julgamento da reclamação, as acções não poderão prosseguir e, ex-officio ou a requerimento do Ministério Pública, serão declaradas caducas e improcedentes, para todos os efeitos legais.

Art. 31.° Nenhuma acção ou execução poderá ser intentada contra qualquer pessoa, que se diga dono ou possuidor do bens que tivessem sido ocupados, detidos ou usados por jesuítas ou por quaisquer casas ou associações religiosas, ou contra aqueles ou estas, ou ainda contra os seus membros, relativamente aos referidos bens ou para a cobrança de dívidas, sem preceder a reclamação graciosa regulada nos artigos 7.° e seguintes, que lhes são inteiramente aplicáveis.

§ único. As acções referidas neste artigo são igualmente aplicáveis as disposições deste decreto, e para elas será sempre citado o Ministério Público para deduzir o que tiver por conveniente em defesa dos interesses do Estado.

Art. 32.° As acções, que tiverem de ser intentadas contra qualquer casa ou associação religiosa, sê-lo hão contra o Estado, que todavia só será responsável pelas forças dos bens, que tenham pertencido à respectiva casa ou associação, e só depois de terem sido esses bens definitivamente considerados como pertencentes à Fazenda Nacional.

Art. 33.° Tratando-se de créditos de géneros alimentícios ou doutros que, por sua natureza não devam esperar que decorram os prazos referidos, o Estado poderá solvê-los depois de findo o processo de reclamação, ficando subrogado nos direitos dos credores, e po-dendo ainda exigir caução, se a julgar necessária.

Art. 34.° Quando, nos termos da lei geral, o processo a empregar contra as pessoas indicadas no artigo 31.°, ou contra o Estado em substituição de qualquer casa ou associação

religiosa, for o de execução, seguir-se hão os termos daquela lei, sendo sempre citado o Ministério Público para deduzir o que tiver por conveniente em defesa dos interesses do Estado, e observando-se o disposto no artigo 32.°.

§ único. A execução será em todo o caso precedida da reclamação graciosa de que trata este decreto, aplicando-se as respectivas disposições.

Art. 35.° As acções e execuções referidas nos artigos antecedentes, mas que já estiverem pendentes à data em que este decreto entrar em vigor, é aplicável o disposto no artigo 29.°, ainda mesmo que o Ministério Público até agora não tenha nelas intervindo.

Art. 36.º Em todos os casos previstos neste decreto fica salvo ao Ministério Público o uso de todas as demais acções cíveis ou comerciais e criminais, que entenda dever propor contra os que pretenderem defraudar os interesses do Estado, ou de terceiras pessoas.

Art. 37.º A comissão nomeada por portaria de 27 de Dezembro último fornecerá aos delegados dos Procuradores da República todos os elementos que obtenha e sejam necessários para eles proporem, em nome do Estado, as acções para cobrança das dívidas activas dos jesuítas e das extintas casas ou associações religiosas.

Art. 38.º A comissão a que se refere o artigo anterior instalar-se há no Ministério da Justiça, devendo toda a correspondência, que será franca de porte, ser dirigida ao seu secretário e por ele assinada. A comissão poderá corresponder ao directamente, por via postal ou telegráfica, sem pagamento de quaisquer taxas, com os Procuradores da República, seus delegados, magistrados judiciais e corporações o repartições públicas, requisitando os documentos e esclarecimentos de que carecer para desempenho da missão que lhe foi confiada, considerando-se como urgentes todos os serviços públicos por ela reclamados.

CAPÍTULO V

Proibições e penalidades

Art. 39.º Na execução do decreto, com força de lei, de 8 de Outubro de 1910, o Governo

Provisório poderá continuar por algum tempo, até a reunião da Assembleia Constituinte, a

tolerância concedida, com as devidas restrições, a algumas casas religiosas.

Art. 40.º Os membros das associações religiosas, a que se refere o art. 6.º e seus

parágrafos do decreto de 8 de Outubro de 1910, e que foram autorizados a viver em Portugal em

vida secular, não poderão exercer o ensino ou intervir na educação, quer como professores ou

empregados, quer como directores ou administradores de quaisquer institutos ou

estabelecimentos de ensino, seja directamente, seja por interposta pessoa.

Art. 41.º Os indivíduos mencionados no artigo anterior só poderão ser empregados em estabelecimentos de saúde, higiene, piedade e beneficência, ou noutros de natureza análoga, em número não excedente a três e mediante autorização do Governo, especial para cada estabelecimento, e que será permanentemente afixada numa das suas salas acessíveis ao público.

Art. 42.º Fica proibido aos indivíduos mencionados nos artigos antecedentes o uso de

qualquer hábito talar, devendo ser presos pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo, em flagrante delito, os que infringirem as disposições deste artigo.

Art. 43.º Os contraventores das proibições constantes dos artigos antecedentes serão punidos com a pena de desobediência qualificada, e o estabelecimento respectivo poderá ser imediatamente encerrado por ordem da autoridade pública, sem prejuízo da responsabilidade dos seus dirigentes como co-autores da desobediência.

Art. 44.º As penas do artigo 263.º do Código Penal são aplicáveis a todos os membros da chamada Companhia de Jesus, quer sejam dos que vivam ou viviam em Portugal e seus domínios, e que constam do catálogo publicado no Diário do Governo de 26 de Dezembro de 1910, quando forem encontrados ou pretenderem entrar no território português antes de decorridos vinte anos sobre o seu abandono da ordem dos jesuítas, quer sejam dos que de novo se introduzirem em Portugal, devendo uns e outros ser presos por qualquer autoridade e podendo também sê-lo por toda a pessoa do povo.

§ 1.° Exceptuam-se somente aqueles jesuítas que foram ou forem autorizados a demorar-se em Portugal por motivo de idade muito avançada ou de doença gravíssima, verificada por peritos médicos, e que estejam munidos do respectivo documento emanado do Ministério da Justiça.

§ 2.º Para a aplicação das penas mencionadas neste artigo são competentes os tribunais de Lisboa e Porto, nos termos do artigo 5.º do decreto de 28 ele Dezembro ele 1910.

Art.. 45.º O presente decreto com força de lei entra imediatamente em vigor e será

sujeito à apreciação da próxima Assembleia Constituinte.

Art. 46.º Fica revogada a legislação em contrário.

Determina-se, portanto, que todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução do presente decreto, com força de lei, pertencer, o cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nele se contêm,

Os Ministros de todas as repartições o façam imprimir, publicar e correr. Dado nos Paços do Governo da República, aos 31 de Dezembro de 1910. – Joaquim Teófilo Braga – António José de Almeida – Afonso Costa – José Relvas – António Xavier Correia Barreto – Amaro de Azevedo Gomes – Bernardino Machado – Manuel de Brito Camacho.

Imprensa da época

Illustração Portugueza –1910

Maria da Fonte - 1910

A Portuguesa, que hoje é um dos símbolos nacionais de Portugal (o seu hino nacional), nasceu como uma canção de cariz patriótico em resposta ao ultimato britânico para que as tropas portuguesas abandonassem as suas posições em África, no denominado "Mapa cor-de-rosa". Em Portugal, a reacção popular contra os ingleses e contra o governo português, que permitiu esse género de humilhação, manifestou-se de várias formas. "A Portuguesa" foi composta em 1890, com letra de Henrique Lopes de Mendonça e música de Alfredo Keil, e foi utilizada desde cedo como símbolo patriótico mas também republicano. Aliás, em 31 de Janeiro de 1891, numa tentativa falhada de golpe de Estado que pretendia implantar a república em Portugal, esta canção já aparecia como a opção dos republicanos para hino nacional, o que aconteceu, efectivamente, quando, após a instauração da República a 5 de Outubro de 1910, a Assembleia Nacional Constituinte a consagrou como símbolo nacional em 19 de Junho de 1911 (na mesma data foi também adoptada a bandeira nacional). A Portuguesa, proibida pelo regime monárquico, que originalmente tinha uma letra um tanto ou quanto diferente (mesmo a música foi sofrendo algumas alterações) — onde hoje se diz "contra os canhões", dizia-se "contra os bretões", ou seja, os ingleses — veio substituir o Hymno da Carta, então o hino da monarquia. Em 1956, existiam no entanto várias versões do hino, não só na linha melódica, mas também nas instrumentações, especialmente para banda, pelo que o governo nomeou uma comissão encarregada de estudar uma versão oficial de A Portuguesa. Essa comissão elaborou uma proposta que seria aprovada em Conselho de Ministros a 16 de Julho de 1957, mantendo-se o hino inalterado deste então. Nota-se na música uma influência clara do hino nacional francês, La Marseillaise, também ele um símbolo revolucionário O hino é composto por três partes, cada uma delas com duas quadras (estrofes de quatro versos), seguidas do refrão, uma quintilha (estrofe de cinco versos). É de salientar que, das três partes do hino, apenas a primeira parte é usada em cerimónias oficiais, sendo as outras duas partes praticamente desconhecidas. A Portuguesa é executada oficialmente em cerimónias nacionais, civis e militares, onde é prestada homenagem à Pátria, à Bandeira Nacional ou ao Presidente da República. Do mesmo modo, em cerimónias oficiais no território português por recepção de chefes de Estado estrangeiros, a sua execução é obrigatória depois de ouvido o hino do país representado. A Portuguesa foi designada como um dos símbolos nacionais de Portugal na constituição de 1976.

A Portuguesa Data: 1890 (com alterações de 1957) Letra: Henrique Lopes de Mendonça

Música: Alfredo Keil I Heróis do mar, nobre povo, Nação valente e imortal Levantai hoje de novo O esplendor de Portugal! Entre as brumas da memória, Ó Pátria, sente-se a voz Dos teus egrégios avós Que há-de guiar-te à vitória! Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela Pátria lutar Contra os canhões marchar, marchar! II Desfralda a invicta Bandeira, À luz viva do teu céu! Brade a Europa à terra inteira: Portugal não pereceu Beija o solo teu, jucundo, O oceano, a rugir de amor, E o teu Braço vencedor Deu mundos novos ao mundo! Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela Pátria lutar Contra os canhões marchar, marchar! III Saudai o Sol que desponta Sobre um ridente porvir; Seja o eco de uma afronta O sinal de ressurgir. Raios dessa aurora forte São como beijos de mãe, Que nos guardam, nos sustêm, Contra as injúrias da sorte. Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela Pátria lutar Contra os canhões marchar, marchar!

Data: 1890 (versão original)

Letra: Henrique Lopes de Mendonça Música: Alfredo Keil

I Herois do mar, nobre povo, Nação valente e imortal Levantai hoje de novo O esplendor de Portugal! Entre as brumas da memoria, Oh patria, sente-se a voz Dos teus egrégios avós Que há-de guiar-te à vitória! Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela patria lutar! Contra os Bretões marchar, marchar! II Desfralda a invicta bandeira, À luz viva do teu céo! Brade a Europa á terra inteira: Portugal não pereceu! Beija o teu sólo jucundo O Oceano, a rugir de amor; E o teu braço vencedor Deu mundos novos ao mundo! Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela patria lutar! Contra os Bretões marchar! III Saudai o sol que desponta Sobre um ridente porvir; Seja o eco de uma afronta O sinal do resurgir. Raios dessa aurora forte São como beijos de mãe, Que nos guardam, nos sustêm, Contra as injurias da sorte. Às armas, às armas! Sobre a terra, sobre o mar, Às armas, às armas! Pela patria lutar! Contra os Bretões marchar!!