caderno de textos e resumos
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Toledo
2013
caderno de textos e resumos
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Catalogao na Publicao elaborada pela Biblioteca
Universitria UNIOESTE/Campus de Toledo.
Bibliotecria: Marilene de Ftima Donadel - CRB 9/924
Semana Acadmica de Filosofia da Unioeste (16. : 2013 jun. 10-14
Toledo, PR)
S471a Caderno de textos e resumos da XVI Semana Acadmica de
Filosofia da Unioeste [recurso eletrnico], realizada no perodo de 10
a 14 de junho de 2013 / Organizao de Joo Ferrer Guimares, Ester
Maria Dreher Heuser, Remi Schorn, Danilo Miner de Oliveira, Geder
Paulo Friedrich Cominetti e Angelo Eduardo da Silva Hartmann. --
Toledo: UNIOESTE, 2013.
1 disco laser
Tema: Filosofia e Formao Esttica.
ISSN: 2175-5345
1. Filosofia Ensino Congressos 2. Filosofia Pesquisas
Congressos 3. Esttica Congressos I. Guimares, Joo Ferrer, Org.
II. Heuser, Ester Maria Dreher, Org.. III. Schorn, Remi, Org. IV.
Oliveira, Danilo Miner de, Org. V. Cominetti, Geder Paulo Friedrich,
Org. VI. Hartmann, Angelo Eduardo da Silva, Org. VII. T
CDD 20. ed. CD 106
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Caderno de Textos e Resumos da XVI Semana Acadmica de Filosofia da Unioeste Universidade Estadual do Oeste do Paran UNIOESTE Campus de Toledo
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Sumrio
1 Textos Completos ............................................................................ 7
O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA IMPLICAO TICA Adriana Muniz Dias .......... 8
ESCRIPICTURAS: FILOSOFIA E FORMAO ESTTICA Alan Rodrigo Padilha,
Paulo Roberto Schneider ...................................................................................................... 15
A REFLEXO FILOSFICA SOBRE O MTODO DE APREENSO DO
CONHECIMENTO NA MODERNIDADE A PARTIR DE PRTICAS
PEDAGGICAS Alexandre Tavares, Geraldo Guido Moreira, Jos Garcia de Souza,
Percy de Oliveira Jnior ....................................................................................................... 22
SOBRE A CONDIO HUMANA E A RELAO ENTRE OS CONCEITOS DE
PODER E LIBERDADE SEGUNDO H. ARENDT Andrei Gati da Costa ...................... 29
RACIONALISMO E FALIBISMO: A autoridade das fontes do conhecimento revisitada
Angelo Eduardo da Silva Hartmann ..................................................................................... 37
UNIVERSO INFINITO OU LIMITAO COGNITIVA? Carlos Henrique Favero ...... 45
DA FELICIDADE HUMANA NA FILOSOFIA: Uma breve abordagem a respeito das
consideraes do filsofo Bocio Cristiane R. Xavier Candido ........................................ 53
A CONCEPO DE ESPAO NA FSICA NEWTONIANA: Distino entre espao
relativo e absoluto Danilo Fernando Miner de Oliveira .................................................... 59
ESCRILEITURAS EM FOTOGRAFIA: Uma interpretao a partir dos escritos de Barthes
Elissiane Aparecida Zen do Amaral .................................................................................. 67
A FILOSOFIA CRIST DE J. R. R TOLKIEN Elizandra Bruno Sosa ........................... 72
O CETICISMO DE PIRRO Henrique Zanelato ................................................................ 78
ESCRILEITURAS: ENTRE LITERATURA E FILOSOFIA Intensidades de uma
EscriLeitora Janete Marcia do Nascimento ....................................................................... 84
ENTRE A MQUINA DE GUERRA E A EXTERIORIDADE: possveis dilogos entre
Enrique Dussel e Gilles Deleuze Jessica Fernanda Jacinto de Oliveira ............................ 92
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O UNIVERSO INDETERMINADO Kamilla R. S. Santana ............................................ 99
CONTRIBUIES DE THEODOR ADORNO NO DEBATE EDUCACIONAL Luana
Aparecida de Oliveira, Gerson Lucas Padilha de Lima ...................................................... 105
A FILOSOFIA DE DELEUZE E OS PROCEDIMENTOS DE MINORAO NO
TEATRO DE CARMELO BENE Lucas Henrique Nunes Batista .................................. 112
FILOSOFIA PARA CRIANAS E O ENSINO DA MATEMTICA Luciana Alves
Pinto .................................................................................................................................... 119
A CONCEPO DE DIREITO NATURAL E OS ATRIBUTOS FUNDAMENTAIS DA
CONDIO HUMANA EM ROUSSEAU Lus Fernando Jacques ............................... 126
NATUREZA E MOVIMENTO EM GALILEU: crticas concepo aristotlica de
movimento natural Luiz Antonio Brandt ......................................................................... 133
O NICHO EPISTEMOLGICO DO CRITICISMO KANTIANO Luiz Marcelo
Palauro ................................................................................................................................ 140
ASPECTOS MRBIDOS DO IDEAL ASCTICO Mauricio Smiderle ........................ 150
PERSPECTIVAS FILOSFICAS SOBRE O CONCEITO DE INFNCIA Michelle
Silvestre Cabral ................................................................................................................... 157
EMMANUEL LEVINAS: o Mesmo e o Outro Nadimir Silveira de Quadros ................ 163
OS VALORES TOMISTAS E A INFLUNCIA DESTES NO SURGIMENTO DO
SERVIO SOCIAL BRASILEIRO Pamela Ellen de Oliveira Pecegueiro, Geder Paulo
Friedrich Cominetti ............................................................................................................. 170
PROLEGMENOS DA REPBLICA: A Filosofia Positiva no Brasil Sandro Nogueira
Borges ................................................................................................................................. 178
ANGIONI E YEBRA: da definio de essncia na Metafsica de Aristteles Saulo
Sbaraini Agostini ................................................................................................................ 186
O TEATRO CRTICO NO TEATRO DE AUGUSTO BOAL Shirlei Bracht ................ 193
COMO O INTELECTO CONHECE? Relao entre afeco, percepo, imaginao e
pensamento no De Anima Thayla Gevehr ....................................................................... 200
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2 Resumos expandidos ........................................................................ 209
VULNERABILIDADE E DEPENDNCIA HUMANA EM ALASDAIR MACINTYRE
Anglica Ftima Rossetto Petter, Nedilso Lauro Brugnera ................................................ 210
O RENASCIMENTO DO HOMEM EPIMETEU: ILLICH E A QUESTO DA
EDUCAO Christian Carlos Kuhn .............................................................................. 212
GENEALOGIA DA MORAL CARTESIANA Cristiane Picinini .................................. 214
CONSTITUIO, REPRESENTAO E APRESENTAO EM EDMUND HUSSERL
Devair Gonalves Sanchez .............................................................................................. 216
OS GRAUS DE BELEZA EM PLATO Douglas Meneghatti ...................................... 218
LIBERDADE EM ARISTTELES Eli Schmidtke ......................................................... 220
O CONFLITO EM O PRNCIPE DE MAQUIAVEL Gabriel Allan Drehmer
Gonalves ............................................................................................................................ 222
OBSERVAES SOBRE UMA TESE DE SARTRE: a relao entre a reflexo e o ego
Helen Aline dos Santos Manhes ....................................................................................... 224
A FIGURA DO FILSOFO, CETICISMO E SUBJETIVIDADE EM MONTAIGNE:
interpretao de Luiz Eva Katyana Martins Weyh .......................................................... 226
A DESTRUIO DA AURA EM WALTER BENJAMIN Las Celant de Pollo .......... 228
O DESENVOLVIMENTO DE TEMAS TRANSVERSAIS NA ESCOLA E A
TRANSFORMO CULTURAL DO ALUNO Letcia Nunes Goulart ........................ 230
ALIENAO: Trabalho Alienado para Karl Marx Lucas Paiva Scussiatto ................... 232
APROXIMAES ENTRE NIETZSCHE E FOUCAULT: O surgimento do homem e o
significado da linguagem literria Pamela Cristina de Gois ............................................ 234
EM QUE A NOO DELEUZIANA DE PROBLEMA PODE CONTRIBUIR PARA A
NOO MATEMTICA DE PROBLEMA? Sandra Elisete Casola ............................ 236
KARL POPPER E SUA FILOSOFIA DA CINCIA: reflexes introdutrias Thaylan
Corassa ................................................................................................................................ 238
DA AMBA EINSTEIN: A emergncia do mundo 3 Vitor L.P. Diogo ..................... 240
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3 Resumos das oficinas ....................................................................... 242
A FILOSOFIA NAS HISTRIAS EM QUADRINHOS ................................................... 243
ENSIGNAR PARA O ENCONTRO: causando curto-circuito .......................................... 250
EUTANSIA: entre a vida e a morte ................................................................................. 256
DOLOS: conhecimento e instrumento para filosofar ........................................................ 260
O QUE A ESPERANA? Pensando o mito de Pandora ................................................ 263
EUTANSIA: Tirar a vida ................................................................................................. 266
POEMAS PROBLEMAS: TRANSCRIAES ................................................................ 268
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1 Textos Completos
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O ENSINO DE FILOSOFIA E SUA IMPLICAO TICA Adriana Muniz Dias
Escrileituras: Um modo de ler e escrever em meio vida.
Observatrio da Educao/CAPES/INEP
RESUMO
Temos como objetivo investigar o Ensino de Filosofia apontando a possibilidade para um
ensino pautado em uma tica vitalista, tendo como referncia a filosofia da diferena de Gilles
Deleuze. Para tanto, dividimos essa tarefa em dois momentos: inicialmente, buscamos
decifrar o funcionamento do pensamento e os signos como foras que o colocam em
movimento; e, em um segundo momento, intentamos relacionar ao ensino de filosofia uma
implicao tica, onde o professor estar engajado no propsito de promover encontros, que
possam mover o pensar e com isso potencializar a vida.
Palavras-chave: Ensino. Pensar. tica.
Inicio a comunicao com uma pergunta: O que nos motiva a escrever e a
comunicar? E, em seguida, a resposta: algo que nos atinge, nos inquieta, pe nosso
pensamento em marcha. Neste trabalho em especial, esse algo o Ensino de Filosofia, que
nos desafia, nos potencializa, e ao mesmo tempo, nos deixa com um sem saber o qu, porqu
e como fazer. Diante de um alegrar-se e tambm de um sofrer ao ensinar, nos imposta uma
necessidade, uma busca que coloca nosso corpo e nosso pensamento em movimento e nos faz
querer saber: possvel ensinar a pensar? O que coloca o pensamento em movimento? Algo
muda na vida de algum que aprende filosofia na Educao Bsica?
No temos a inteno aqui, de responder estas questes, pretendemos sim, iniciar uma
busca por respostas apontando a possibilidade para um Ensino de Filosofia pautado em uma
tica vitalista, tendo como referncia a filosofia da diferena de Gilles Deleuze.
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1. O professor ensignador e a aula como encontro.
No livro Proust e os signos (2003), Deleuze como um decifrador, interpreta a obra
de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido e mostra que para Proust, no h em ns uma
boa vontade de pensar, um desejo, um amor natural pela verdade. A verdade depende de um
encontro com alguma coisa que force o pensar e que impulsione uma busca pelo
conhecimento. De acordo com Deleuze (2003, p. 15), a verdade (...) nunca o produto de
uma boa vontade prvia, mas o resultado de uma violncia sobre o pensamento. As
significaes explcitas e convencionais nunca so profundas; somente profundo o sentido,
tal como aparece encoberto e implcito num signo exterior". Proust faz uma distino entre o
seu modo de filosofia, forma prpria de busca pela verdade, contrapondo-a a outras duas
formas, a cientifica e a filosfica. Segundo ele, a grande diferena est no fato de que,
conforme a tradio grega, a filosofia e a cincia pensam uma inteligncia que vem antes,
enquanto Proust pensa a inteligncia como algo posterior.
O aprendizado no ocorre de maneira espontnea, ele precisa ser forado, e o que
fora o pensamento e motiva a busca pelo conhecimento so os signos; so eles que foram a
criao das significaes para as coisas, para o mundo. Conforme Deleuze (Deleuze, 2003,
p.5), h uma unidade e uma pluralidade dos mundos dos signos:
A unidade de todos os mundos est em que eles formam sistemas de signos emitidos
por pessoas, objetos, matrias; no se descobre nenhuma verdade, no se aprende
nada, se no for por decifrao e interpretao. Mas a pluralidade dos mundos
consiste no fato de que estes signos no so do mesmo tipo, no aparecem da mesma
maneira, no podem ser decifrados do mesmo modo, no mantm com o seu sentido
uma relao idntica.
Desta forma, o que nos fora a pensar o signo. O signo o objeto de um encontro;
mas precisamente a contingncia do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz
pensar (Deleuze, 2003, p.90). O ato de pensar no possvel naturalmente, mas a nica
criao verdadeira, por isso implica algo que violente o pensamento. Para Proust, no existe
significaes explcitas e ideias claras; s existem sentidos implicados nos signos. Os
sentidos dos signos so encobertos pelo hbito, por isso "procurar a verdade interpretar,
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decifrar, explicar, e essa explicao se confunde com o desenvolvimento do signo em si
mesmo" (2003, p. 16).
Proust estrutura tipos de linhas, que se separam, mas se cruzam; cada linha um
aprendizado, cada qual possui uma espcie de signo correspondente, contendo suas prprias
verdades. Essas linhas so distinguidas por Deleuze como quatro mundos, quatro espcies de
signos: signos mundanos; signos do amor; signos sensveis; e signos da arte.
Todo aprendizado dependente da fora exercida pelos signos, e como diz Deleuze,
Proust insiste no tema de que a verdade nunca o produto de uma boa vontade prvia, mas o
resultado de uma violncia sobre o pensamento (Deleuze, 2003, p.15). Com isso ele ope
uma filosofia metdica a uma dupla ideia de coao e acaso, ou seja, para ele:
A verdade depende de um encontro com alguma coisa que nos fora a pensar e a
procurar o que verdadeiro. O acaso dos encontros, a presso das coaes so os
dois temas fundamentais de Proust. Pois precisamente o signo que o objeto do
encontro e ele que exerce sobre ns a violncia. O acaso do encontro que garante
a necessidade daquilo que pensado (Deleuze, 2003, p. 15).
A partir dos signos, propomos pensar o ensino, e em especial a aula de filosofia como
um lugar de possveis encontros, como fonte de arrombamento do pensamento,
proporcionando a descoberta de signos antes escondidos, que por acaso possam ser
decifrados. Desta forma, a aula pode ser vista como lugar de possveis encontros, onde se
emitem mltiplos signos e o encontro se d ao acaso das possibilidades.
2. A implicao tica do Ensino de Filosofia.
Partindo da ideia de que o aprendizado se d por intermdio de signos e que a aula de
filosofia deve ser um lugar de encontro, o professor tem uma tarefa especial, que no envolve
especificamente um mtodo, mas um propsito, uma intenso. Disso decorre a ideia de que
por trs do ensino de filosofia h uma implicao tica. Como diz Heuser:
(...) o professor de Filosofia, para que consiga instaurar, em instantes de suas aulas,
momentos de experincia de pensamento, precisa passar a ser um ensignador, um
emissor de signos dolorosos capazes de elevar as faculdades de cada estudante com
a emisso de uma multiplicidade de signos, a seu exerccio transcendente, instalar a
necessidade absoluta de um ato de pensar e promover a paixo de aprender (Heuser,
2011, p.63).
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Quando o professor prope uma busca, empreende um movimento que pode vir a
propiciar encontros, exercendo a uma tarefa tica, ou seja, o que se pretende mostrar aqui a
possibilidade do ensino de filosofia a partir de uma tica vitalista. Segundo o professor Luiz
Orlandi a singularidade da tica da diferena est, no sentido de que a tica:
(...) em ltima instncia, pelo menos do ponto de vista de uma das dimenses
constitutivas do individuo, um cuidado permanente com sua essncia singular. Eu
preciso fazer um esforo permanente para que os encontros elevem a minha potncia
de viver ao ponto que eu possa transformar as paixes, porque eu vivo no mundo das
paixes, dos encontros casuais, e pelo menos criar as condies para que eu viva
paixes alegres, porque elas me do um sinal de que minha singularidade, minha
essncia singular, ou, vamos dizer, meu grau de potncia se engrene com o aumento
do meu poder de ser afetado. Quanto mais alegres forem esses encontros, mais eu
tenho oportunidade de acionar uma paixo no sentido de uma atividade. Ento, eu
recupero aquilo que importante, que a potncia de agir e no apenas de ser
paciente. Essa potncia de agir se espalha como potncia de pensar, como potncia
de sentir e de me engrenar com virtualizaes que me levem a compor, nesses
encontros, um terceiro indivduo que seja mais potente que eu mesmo (ORLANDI,
2009).
Desta forma, alm de um cuidado de si, o professor de filosofia, enquanto tarefa que
lhe prpria, desenvolve um cuidado com o outro, o aprendiz. Esse cuidado envolve a
necessidade de busca pelas condies para propiciar encontros em suas aulas, que so vistas
como acontecimento. Essa aula enquanto acontecimento pode ser imaginada a partir do que
Deleuze diz em Conversaes sobre as aulas de Foucault:
Quando pessoas seguem Foucault, quando tm paixo por ele, porque tm algo a
fazer com ele, em seu prprio trabalho, na sua existncia autnoma. No apenas
uma questo de compreenso ou de acordo intelectuais, mas de intensidade, de
ressonncia, de acorde musical. Afinal, as belas aulas se parecem mais a um
concerto que a um sermo, um solo que os outros acompanham. Foucault dava
aulas admirveis (Deleuze, 1992, p.108).
Para pensarmos essa tarefa tica do professor preciso compreender a diferenciao
que Deleuze e Guattari fazem entre tica e moral. Segundo Pelloso e Ferraz, eles
compreendem que as ideias de tica e moral so
movimentos produtores de realidade psicossocial ou sentidos de produo da vida
psicossocial que agenciam, em seu percurso, maiores ou menores espaos. O espao
psicossocial, neste sentido, constitui-se do chamado indivduo e de suas conexes
sociais, econmicas, lingusticas e culturais. Esses movimentos psicossociais podem
produzir desde a manuteno de um estado de coisas at a recriao da subjetividade
(PELLOSO; FERRAZ, 2005, p.117).
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As aulas de filosofia seriam pensadas assim, como mquinas produtoras de
subjetividade. Ainda segundo Pelloso e Ferraz,
Tais movimentos podem ser pensados em dois sentidos: (a) de reproduo dos
modelos sociais estandardizados; ou (b) de reinveno dos modos de produo. Os
primeiros (de reproduo) podem ser relacionados aos movimentos morais, e os
ltimos (de reinveno), aos movimentos ticos.
Os movimentos morais reproduzem os territrios (papis sociais, modos de
produo do psiquismo, etc.), efetuando um sentido edipiano de obedincia a um
lugar de interdio dos movimentos subversores do estado de coisas. Acredita-se
frequentemente que o dipo fcil, dado. Mas no assim: dipo supe uma
fantstica represso das mquinas desejantes (DELEUZE; GUATTARI, 1976, apud
PELLOSO; FERRAZ, p. 118).
A aula enquanto produtora de subjetividade busca romper com os modelos
estandardizados de ensino e produo, reinventando modos de vida, criando, potencializando
a vida, libertando as mquinas desejantes, atravs da promoo de encontros e muitos pontos
de vista. Porm, sabe-se que a forma habitual de ensino ainda est aprisionada por uma moral
que desenvolve movimentos psicossociais que produzem a manuteno do estado de coisas. O
ensino desenvolve-se lentamente, o tempo fragmentado, os espaos escolares so ainda de
controle, repetio e manuteno de uma ordem a muito j estabelecida. Ainda uma forma
de enquadrar as pessoas, de coloc-las numa frma, de trein-las a repetir as mesmas coisas,
as mesmas operaes, ano aps ano. Parece mesmo um lugar de recluso, feito para dar uma
pausa na vida, como se estudar fosse um castigo, uma forma de frear as foras vitais. Mesmo
assim, predomina a ideia de que deve existir previamente uma boa vontade de aprender, o que
conforme Deleuze, no h. A vontade de experimentar das crianas vai se perdendo a medida
que seus desejos vo sendo reprimidos e os encontros empobrecidos, vai se criando barreiras,
preconceitos, medos, mecanismos de controle, o pensamento vai perdendo sua vitalidade, sua
potncia.
Sendo assim, a tarefa do professor de filosofia a de promover encontros onde os signos
diversos possam afetar o aprendiz, a ponto de imprimir-lhe uma busca pelo conhecimento.
Nesse sentido, pensamos que a aula poderia ser uma das formas de atacar e potencializar o
pensamento, e da colaborar para uma revitalizao da prpria vida. Segundo Heuser, Deleuze
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Reconhece que a cultura, ao longo da Histria, recebeu um sentido muito diverso da
sua essncia enquanto atividade formadora do homem ativo e livre. A cultura foi
tomada por foras reativas e encontrou sua degenerao na formao das sociedades
heirarquizadas, compostas por homens domesticados, dceis, doentes e medocres,
vivendo em regime gregrio, adestrados para a obedincia e tendo como ideal a
ausncia absoluta de disputas. Nessas mesmas sociedades, todavia, a vontade de
potncia sempre encontra interstcios e companheiros de foices afiadas a ponto de
partir as tbuas de valores que esto a servio do Estado, no qual dominam as foras
reativas. Companheiros nos quais as foras superiores e agressivas criam novas
formas de existncia e novos modos de pensar. (Heuser, 2010, p.64-65).
Por fim, as aulas de filosofia podem ser um espao de encontro, onde o professor
precisa criar foras superiores e agressivas, que possibilitem o surgimento de novas formas de
existncia e novos modos de pensar, usando os termos empregados por Heuser, ele deve ser
um companheiro de foice afiada e proporcionar ao aprendiz a criao de subjetividades
potencializadoras e afirmativas da vida.
Referncias
DELEUZE, Gilles. Conversaes, 1972-1990. Traduo de Peter Pl Pelbart. So Paulo:
Editora 34, 1992.
_________. Proust e os signos. 2. Ed. Traduo de Antonio Piquet e Roberto Machado. Rio
de Janeiro: Forense Universitria, 2003.
HEUSER, Ester Maria Dreher. Pensar em Deleuze: violncia e empirismo no ensino de
filosofia. Iju: Ed. Uniju, 2010.
HEUSER, Ester Maria Dreher. Estudos em torno da busca de um comeo para pensar: do
poderoso Eu ao impoder essencial do pensamento. In.: MONTEIRO, Silas Borges (Org)
Caderno de notas II: rastros de escrileituras. Canela: UFRGS, 2011, p. 45-65.
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ORLANDI, Luiz. tica em Deleuze, entrevista Fernanda Balei, em 2009, includo no site
Caf Filosfico, http://www.cpflcultura.com.br/2009/01/19/cafe-filosofico-etica-em-
deleuze-luiz-orlandi/ acessado em maio de 2013.
PELLOSO, Rodrigo Gelam.; FERRAZ, Maria da Graa C. Ferraz e. tica e moral como
modos de produo de subjetividade. Trans/Form/Ao, So Paulo, 28(2): 117-128 2005.
Disponvel na Internet:
http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/transformacao/article/view/897/0
http://www.cpflcultura.com.br/2009/01/19/cafe-filosofico-etica-em-deleuze-luiz-orlandi/http://www.cpflcultura.com.br/2009/01/19/cafe-filosofico-etica-em-deleuze-luiz-orlandi/http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/transformacao/article/view/897/0
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ESCRIPICTURAS: FILOSOFIA E FORMAO ESTTICA Alan Rodrigo Padilha1,
Paulo Roberto Schneider2
UNIOESTE/ESCRILEITURAS/CAPES/INEP
RESUMO
Gilles Deleuze e Flix Guattari em sua obra o MIL PLATS, refere-se filosofia e aos modos
no filosficos de escrita, como possibilidade do pensamento nmade resistir aos processos
de subjetivao num movimento tico e poltico do pensar. A formao esttica do
pensamento contemporneo se desdobra em uma noo de escripicturas nas quais a pintura e
arte se abre a multiplicidade de agenciamentos e no diz nada por si, mas relao intensiva
com o fora, no um fim em si mesmo, mas instrumento de uma mquina de guerra. O
texto busca, inicialmente, apresentar uma proposio sinttica do conceito
Desterritorializao e rostidade, em tal agenciamento com a arte de modo a criar linhas de
fuga para que a vida possa se efetivar num processo de abertura e movimento permanente do
pensamento.
Palavras-chave: Filosofia. Desterritorializao. Escripicturas.
Deleuze e Guattari no plat ANO ZERO ROSTIDADE nos aponta para uma
filosofia da no filosofia, uma possibilidade de fazer do pensamento um movimento
filosfico, tico e poltico, por meio dos agenciamentos de uma mquina de guerra com as
linhas de uma mquina complexa, as linhas de musicalidade, picturalidade, paisageidade,
rostidade, conscincia e a paixo, a alternativa do pensamento com a literatura e a arte que
passa por um processo de desterritorializao, um pensamento fronteirio, nmade, que se
comporta como maquina abstrata, metamrfica, criativa e inventiva. Sua funo como a
1 Professor do Ensino Bsico Tcnico e Tecnolgico do Instituto Federal do Paran, IFPR, Cmpus Umuarama,
Pesquisador do Observatria Nacional de Educao/Projeto Escrileituras/CAPES/INEP. Mestrado em
andamento em Filosofia (conceito capes 3). Universidade Estadual do Oeste do Paran, UNIOESTE, Brasil. 2 Licenciado em Filosofia pela Faculdade Padre Joo Bagozzi, de Curitiba/PR. Docente de Filosofia e de
Sociologia do Colgio SESI de Francisco Beltro/PR. Contato: [email protected].
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funo da arte e suas linhas so traos de vida no semiotizado e nem subjetivado implica em
uma no rostidade, mas se efetua nos agenciamentos com duplo, o dentro e o fora da escrita
como puro vira-a-ser.
necessrio toda uma linha de escrita, toda uma linha de
picturalidade, toda uma linha de musicalidade ... Pois pela
escrita que nos tornamos animais, pela cor que nos tornamos
imperceptveis, pela msica que nos tornamos duro e sem
recordao, ao mesmo tempo animal e imperceptvel: amoroso.
Mas a arte nunca um fim, apenas um instrumento para traar
linhas de vida, isto , todos os devires reais, que no se
produzem simplesmente na arte,todas essas fugas ativas, que
no se consistem em fugir na arte, em se refugiar na arte, essas
desterritorializao positivas, que no iro se reterritorializar na
arte, mas que iro, sobretudo, arrast-la consigo para as regies
do a- significate, do a-subjetivo e do sem-rosto. (DELEUZE &
GUATTARI,1996,p.57).
A expresso escripicturas3 diz da leitura e da escrita como um processo de criao da
leitura feito arte que nada diz por si. Neste, aspecto, as produes artsticas e literrias so
composies extremamente criativas do pensamento, seus modos de afetar se apresentam
como se fosse ao menos nos impor condies, mas ao contrrio nos colocam como agentes
ativos e nos remete a prtica a uma linha do a-significante, a-subjetivo e do sem resto.
Para Deleuze um livro um agenciamento com o fora nunca igual a si mesmo
relao de foras que se entrecruzam para que o pensamento continue seu devir. A literatura
passagem, fluxo, produo e autoproduo, composio e devir. Em o que a filosofia?
Deleuze e Guattari propem pensar o que prprio a filosofia e o que coube como tal
expresso na obra como conceito. O conceito expressa nos modos de vida relao intensiva e
criativa e nesse aspecto que funcionam a interseo de filosofia e a literatura e ainda todas
as relaes de desterritorializao e metamorfose do pensamento.
3Termo cunhado a partir das oficinas do proejto Escrileituras/CAPES/INEP do Observatrio da Educao
realizado no IFPR cmpus Umuarama com os estudantes do curso tcnico em design de mveis que produziram
com a pintura a escrita da leitura da obra Metamorfose de Franz Kafka.
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O conceito , portanto, ao mesmo tempo absoluto e relativo:
relativo aos seus prprios componentes, aos outros conceitos,
ao plano a partir da qual se delimita, aos problemas que se
supe deva resolver, mas absoluto pela condensao que opera,
pelo lugar que ocupa sobre o plano, pelas condies que impe
ao problema. absoluto como todo, mas relativo enquanto
fragmentrio. infinito por seu sobrevo ou sua velocidade,
mas finito por seu movimento que traa o contorno dos
componentes. (DELEUZE & GUATTARI, 1992, p.33-34).
O estado da arte passa por vrias formas de expresses sempre estabelecendo relaes
por meio de metforas, metonmias, alegorias, smbolos, analogias, pontuao, provocando
nossos sentidos, s vezes tais provocaes implicam em foras de rostidades e
territorializao, quanto s categorias estticas do belo, feio, grotesco, cmico, sublime, entre
outros, so assumidos pelo aparelho do estado nos impactandos por afetos tristes, nestes
termos, a esttica funciona como linha molar.
A mquina de guerra, o pensamento nmade como Filosofia e formao esttica passa
como um devir intenso, desterritorializando e reterritorializando visto que nenhuma obra
poder furtar-se de si mesma a possibilidade dos agenciamentos com o fora, neste, o
individuo posiciona-se como mquina abstrata e o ato criativo do mesmo diante de uma obra
processo de formao esttica e um movimento ao mesmo tempo de uma nova imagem do
pensamento que perambula e se constitui de diferentes maneiras, sempre em agenciamentos
entre o individuo e o fora nos modos de afectos.
Para Deleuze o principal o movimento de criao do pensamento e a filosofia no
pode furtar-se desse movimento, visto que cabe a ela criar os conceitos. O movimento do
pensamento um exerccio intensivo de desterritoralizao e desestratificao expressa em
meio vida nas linhas de escrileituras.
Num livro, como em qualquer coisa, h linhas de articulao ou
segmentaridade, estratos, territorialidades, mas tambm linhas
de fuga, movimento de desterritorializao e desestratificao.
As velocidades comparadas de escoamento, conforme estas
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linhas, acarretam fenmenos de retardamento relativo, de
viscosidade ou , ao contrrio, de precipitao e de ruptura.
(DELEUZE & GUATTARI, 1995, p.11-12).
O pensamento nmade da filosofia circula num espao liso que permite o
agenciamento com o dentro e o fora da escrita filosfica uma potncia de conexes e
multiciplidades com a natureza dos afectos. Tais conexes permitem que o pensamento
continue seu movimento, em contra partida, o pensamento sedentrio da filosofia, fixa o
modelo arbreo, imitao do mundo, territorializando, numa mtrica de um ponto ao outro
num espao estriado, de acordo com suas respectivas normas, impedindo o movimento do
pensamento.
A rvore e a raiz inspiram uma triste imagem do pensamento
que no pra de imitar o mltiplo a partir de uma unidade
superior, de centro ou de segmento [...] Os sistemas
arborescentes so sistemas hierrquicos que comportam centros
de significncia e de subjetivao, autmatos centrais como
memria organizadas.Acontece que os modelos
correspondentes so tais que um elemento s recebe suas
informaes de uma unidade superior e uma atribuio
subjetiva de ligaes preestabelecidas. V se bem isso nos
problemas atuais de informtica e de maquinas eletrnicas, que
conservam ainda o mais arcaico pensamento, dado que eles
conferem poder a uma memria ou a um rgo central.
(DELEUZE & GUATTARI,1995,p.26).
Para Deleuze e Guattari a filosofia uma geofilosofia, funciona como um rizoma
extensivo e conectvel s existe no fora e pelo fora, isto , existe nos agenciamentos da vida
com a arte, literatura e as cincias. O que permite que o pensamento filosfico seje uma
maquina de guerra desterritorializante, abstrata e revolucionria, tal concepo mostra que
no s a filosofia da no filosofia possvel, mas necessria para que o pensamento continue
a pensar.
No existem pontos ou posies num rizoma como se numa
estrutura, numa rvore, numa raiz. Existe somente linhas. [...]
um rizoma ou uma multiplicidade, no se deixa sobrecodificar,
nem jamais dispe de dimenso suplementar ao nmero de
linhas, quer dizer, multiplicidade de nmeros ligados a estas
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linhas. Todas as multiplicidades so planas, uma vez que elas
preenchem, ocupam todas as suas dimenses: falar-se- ento
de um plano de consistncia das multiplicidades, se bem que
este plano seja de dimenso crescente segundo nmero de
conexes que estabelecem nele. As multiplicidades se define
pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de
desterritorializao segundo a qual elas mudam de natureza a se
conectarem s outras. (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p.17).
Segundo Deleuze e Guattari o livro um agenciamento, multiplicidade
indeterminada que funciona como possibilidades da aventura da leitura e da escrita numa
relao criativa que ultrapassa a imagem dogmtica e sedentria do pensamento. Fazer
filosofia da no filosofia corresponde em agenciamentos possveis com o no pensado, ou
seja, com o que est por vir (devir) e ao mesmo tempo se relaciona com a imanncia dos
afectos.
Um livro no tem objeto nem sujeito; feito de matrias
diferentemente formadas, de datas e velocidades muito
diferentes. Desde que se atribui um sujeito negligncia-se este
trabalho de matrias e a exterioridade de suas correlaes.
(DELEUZE & GUATTARI, 1995, p.11).
A escrita rizomtica ao passo que ela aumenta seu territrio por
desterritorializao, estender a linha de fuga at o ponto que ela cubra todo plano de
consistncia em uma maquina abstrata.
O rizoma procede por variaes, expanso, conquista, captura
picada. Oposto ao grafismo, ao desenho ou a fotografia, oposto
ao decalques, o rizoma se refere ao mapa que deve ser
produzido, construdo, sempre desmontvel, conectvel,
reversvel, modificvel, com mltiplas entradas e sadas, com
suas linhas de fuga. (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p.32).
Em Deleuze e Guattari a filosofia opera por conceitos ou por personagem conceituais
e com eles criam novos modos de pensar, h um devir na escrita filosfica para que possa
funcionar como maquina de guerra. O devir implica multiplicidade, celeridade, ubiqidade,
metamorfose e traio, potncia de afecto. (DELEUZE & GUATTARI, 1997, p.24). Os
agenciamentos entre filosofia e literatura possibilitam um modo de pensar com o fora, a
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experincia de uma mquina de guerra, Deleuze pe Kafka ao lado de Nietzsche para pensar
os procedimentos de descodificao. Cada um compe a sua maneira, alcanam uma
descodificao absoluta, fazem passar na escrita algo no codificvel na medida em que
embaralham os cdigos, em suas palavras:
Embaralhar todos os cdigos no fcil, mesmo no nvel da
mais simples escrita e da linguagem. S vejo semelhana com
Kafka, com aquilo que Kafka faz com o alemo, em funo da
situao lingustica dos judeus de Praga: ele monta, em alemo,
uma mquina de guerra contra o alemo; fora de
indeterminao e de sobriedade, ele faz passar sob o cdigo do
alemo algo que nunca tinha sido ouvido. Quanto Nietzsche,
ele vive ou se considera polons em relao ao alemo.
Apodera-se do alemo para montar uma mquina de guerra que
vai passar algo que no codificvel em alemo. isso o estilo
como poltica (2006b, p. 321).
Por meio das linhas e dos agenciamentos contra a burocracia das leis inscritas no
corpo na maquina de matar, sendo possvel pensar a macro e a micropoltica e as relaes dos
indivduos a tica, portanto, a filosofia da no filosofia em boa medida um exerccio de
agrimensor, cartografo,mesmo que seja regies ainda por vir. (Deleuze, 1995) por um jogo de
imagens, mutaes diferentes do decalque, mas predominante no mapa.
Diferente o rizoma, mapa e no decalque. Fazer o mapa, no
o decalque. A orqudea no reproduz o decalque da vespa, ela
compe um mapa com a vespa no seio de um rizoma. Se o
mapa se ope ao decalque por estar inteiramente voltado para
uma experimentao ancorada no real. O mapa no reproduz
um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constri. Ele
contribui para a conexo dos campos, para o desbloqueio dos
corpos sem rgos, para sua abertura mxima sobre um plano
de consistncia. Ele faz parte do rizoma [..]O mapa aberto,
conectvel em todas as suas dimenses, desmontvel,
reversvel, suscetvel de receber modificaes constantemente
[...]Um mapa tem mltiplas entradas contrariamente ao
decalque que volta sempre "ao mesmo" (DELEUZE &
GUATTARI, 1995, p. 21).
Eis modelos de escrita nmade e rizomtica. A escrita esposa uma maquina de
guerra e linhas de fuga, abandona os estratos, as segmentaridade, o aparelho de Estado
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(Deleuze, 1995). O modelo intermezzo ... e ... e...e... no imagem dogmtica do pensamento
antes um modelo vagante de mutaes habitvel, fronteiras e devires .... Animal...
Criana.... Mulher.... Menor... nunca o mesmo e por fim sempre um recomeo abertura e
movimento permanente do pensamento.
REFERNCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que a filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso
Muoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
_____. Pensamento nmade. Traduo de Milton Nascimento. In: A ilha deserta: e outros
textos; edio preparada por David Lapoujade; organizao da edio brasileira e reviso
tcnica Luiz B. L. Orlandi. So Paulo: Iluminuras, 2006b. p. 319-329.
_________ Mil Plats: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1 Trad. Aurlio Guerra Neto. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995.
_________ Mil Plats: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3 Trad. Aurlio Guerra Neto. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995.
_________. Mil Plats: capitalismo e esquizofrenia, vol. 4 Trad. Suely Rolnik. So Paulo:
Ed. 34, 1997.
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A REFLEXO FILOSFICA SOBRE O MTODO DE APREENSO DO
CONHECIMENTO NA MODERNIDADE A PARTIR DE PRTICAS
PEDAGGICAS Alexandre Tavares, Geraldo Guido Moreira, Jos Garcia de Souza,
Percy de Oliveira Jnior
UNIOESTE
RESUMO
O objetivo deste trabalho apresentar, aos estudantes de filosofia, a possibilidade de trabalhar
filosofia com algum aspecto da arte junto aos alunos do ensino mdio, atravs de vdeos e
micro-aulas expositivas, onde sobressaiam diversas situaes em que os sentidos podem nos
enganar, mostrando tambm a eficincia do mtodo para a apreenso de conhecimento. Tais
apresentaes poro em evidncia situaes de iluso de tica e de diversas outras que podem
facilmente nos levar ao erro. Como comunicao, nosso trabalho focar a filosofia na poesia,
mais precisamente em letras de msicas. Mostrando que o trabalho com a produo de
pardias pode ser um aspecto interessante para se iniciar uma conversao sobre a
importncia do mtodo. Por fim, ser executada uma cano e depois uma pardia para a
percepo do mtodo. Tudo isso ser fundamentado atravs dos filsofos Davi Hume, John
Locke, Ren Descartes e Francis Bacon.
Palavras-chave: Empirismo, racionalismo, mtodo experimental e conhecimento seguro.
1. REVISO DE LITERATURA
Com base nos conceitos de David Hume, sobre a causalidade, de John Locke sobre
as idias, de Descartes sobre a base para o conhecimento seguro e, por fim, sobre os conceitos
de mtodo cientfico, de Francis Bacon, que este trabalho est sendo fundamentado. Nosso
objetivo organizar e condensar relevantes elementos historiogrficos dos autores, sobre o
tema proposto, focando a influncia mecanicista, da revoluo industrial, mostrando fatos, a
partir de testes empricos, que afirmam que os sentidos podem nos enganar, para que os
estudantes do ensino mdio, aos quais, este trabalho se destina, possam concluir sobre a
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necessidade e a possibilidade de utilizao de um mtodo seguro para a apreenso do
conhecimento.
Seguindo por esta via, nossa equipe de trabalho procura mostrar, em linhas gerais, a
contribuio que os autores citados deram para a construo do conhecimento.
A reflexo filosfica que propomos tem razes nos conceitos dos quatro autores
mencionados e a porta de entrada de nossa percepo pode estar diretamente conectada com
as diversas prticas pedaggicas. Prticas essas que, depois de um contato com a filosofia,
podem gerar a necessidade de reflexo contnua. Desta forma, o ato de conhecer no fica
preso somente a fatores quantitativos de aprendizado, mas, amplia-se tambm aos
qualitativos.
luz destas reflexes, objetiva-se, ainda, contribuir para que os estudantes do ensino
mdio possam, juntamente com os profissionais envolvidos com a temtica educacional, ou
seja, com os professores e com toda a comunidade escolar, trabalharem na busca e criao de
novas alternativas que propiciem a utilizao de mtodos adequados para a apreenso de
conhecimento seguro.
Francis Bacon (1561-1626)
Bacon, nascido em Londres, entende que o homem, para conhecer, precisa se
desvencilhar de uma srie de mitos e construir um mtodo experimental que ser para o
homem ferramenta til que o possibilitar a conhecer a natureza externa que, segundo seu
entendimento, mais complexa que a natureza humana. Desta forma, o homem poder usar a
fora da natureza em seu favor.
Segundo Bacon o homem deve usar as foras naturais, como da gua, do fogo, do
vento, em favor do progresso da cincia para o bem estar humano. Props a diviso da cincia
em trs partes: a) poesia ou cincia da imaginao; b) histria ou cincia da memria; c)
filosofia ou cincia da razo.
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Bacon prope trs tbuas de orientao de seu mtodo indutivo: a tbua de presena,
a tbua de ausncia ou de declinao e a tbua de comparao. Estas tbuas permitem,
segundo o autor, meios de investigao, registrando variaes e controle de dados.
O tipo e a base do conhecimento propostos por Bacon, dando importncia aos
princpios, como base, afirmando que o modelo de construo do conhecimento que se tinha
at ento, no serve mais e da necessidade de destruir tudo e lanar novas bases a mesma
linha que Descartes, mais tarde, vai seguir, embora de forma diferente.
Ren Descartes (1596-1650)
Os princpios fundamentais que o filsofo buscou para formular um mtodo para o
conhecimento levam em conta dois pontos contraditrios: a dvida e a certeza. Ou seja, de
incio, o filsofo elege a dvida dentro de um processo metdico para separar e por de lado
tudo o que pode no ser um conhecimento seguro. Testando todas as possibilidades de
veracidade ou inveracidade dos objetos e fenmenos por ele estudados. Com isso, coloca em
xeque todas as bases do conhecimento com a inteno de construir uma base nova e segura
que fundamente um conhecimento verdadeiro.
Desta forma, Descartes suspende, temporariamente, o juzo que tem das coisas e at
de si para realizar tal percurso. Poderamos elencar quatro pontos fundamentais neste
processo:
a) verificar atravs de estudo minucioso de cada fenmeno ou objeto para concluir,
se for o caso, sobre a indubitabilidade do mesmo; evitando a precipitao. Procurando todos
os motivos para no aceit-lo como verdadeiro;
b) analisar, dividindo o problema ao mximo para possibilitar o estudo do mesmo
com preciso;
c) sintetizar, unindo novamente as partes para compor um todo, formulando
entendimento a partir daquilo que for mais simples para o complexo;
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d) enumerar tudo; formas, princpios, concluses, fazendo revises para nada
omitir.
Descartes, atravs da dvida metdica, busca a certeza de algo, encontrando o
Cogito, ou seja: Penso, logo existo. Atravs do dubitvel chega ao indubitvel, ou seja, da
dvida chega certeza. Esta a primeira certeza que o autor encontra atravs do mtodo
racional. Depois, ele encontra a certeza do mundo e a certeza de Deus. Descartes foi tambm
matemtico e influenciou a fsica e a filosofia e foi muito considerado na revoluo cientfica.
Precursor da modernidade, suas ideias influenciaram Hume, Locke, Kant e outros. Entre
muitos pensamentos de Descartes, citamos dois que consideramos importantes. Deve-se
evitar toda precipitao e todo o preconceito ao se analisar um assunto e s ter por verdadeiro
o que for claro e distinto. E: A razo ou o juzo a nica coisa que nos faz homens e nos
distingue dos animais..
John Locke (1632-1704)
O conhecimento, para Locke, tem uma relao direta e necessria com o empirismo,
pois, as ideias so derivadas da sensao ou da reflexo. A sensao toda espcie de
afeco que se pode receber atravs dos sentidos. Por exemplo, quando se utiliza o sentido da
viso, na observao de algum objeto, no caso, na apreciao de uma obra de arte, o indivduo
observador j teve outras experincias sensveis que ocorreram atravs dos sentidos. Ele j
tem no intelecto um arquivo com diversas informaes, com relao a tudo aquilo que os
sentidos possam fornecer, tais como: cores, odores, paladares, vises e tambm olfato. Alm
disso, tem tambm informaes culturais e histricas. Todo esse conjunto de conhecimento
vai influenciar na apreciao da obra de arte.
John Locke concebe a mente como uma tbua rasa, no concorda, portanto, com a
existncia de ideias inatas na mente humana. As ideias vo sendo formadas no intelecto em
compartimentos de arquivos. Essas ideias que do origem ao conhecimento tm inicio
externo, ou seja, fora do homem, a partir da experincia que ele tem com o mundo exterior e
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so formadas em dois tipos: as simples e as complexas. As idias simples so de solidez,
extenso, distino de cores, superfcies lisa ou rugosa, suas formas, cheiro etc. Enquanto que
as complexas so formadas a partir de combinao de ideias simples. Exemplo de ideias
complexas: o que o universo, homem, liberdade, entre outros conceitos, subjetivos. A
reflexo ocorre quando associamos as sensaes a um processo interno mental.
David Hume (1711-1776)
Quando causa, efeito e sua relao esto nos sentidos que se tem a percepo.
Exemplo: vi a manga caindo da mangueira. J concluo que ela vai tocar o cho. E antes de ela
tocar o cho, se a topografia do solo for inclinada, concluo, antecipadamente, que a manga, ao
tocar o cho, rolar. uma concluso precipitada vinda dos sentidos e do hbito que podem
enganar a razo. Pode ser que a manga no role. Pode ser que ela se espatife. Ou que ela caia
numa parte em que a terra est fofa e penetre no solo. Assim, Hume afirma que sobre todos
esses fenmenos de causa e efeito, a cincia no nos d certeza de que vo continuar
ocorrendo.
O fato de o sol ter nascido hoje, no me d a certeza de que nascer aman. Outro
exemplo: eu soltei um objeto slido da mo e ele caiu (um giz). Todas as vezes que fiz isso,
ele caiu. Ento se eu solt-lo de novo, cair. Cientificamente, segundo Hume, no posso
afirmar isto. Com isto, Hume critica a cincia, afirmando que ela no produz aquele
conhecimento verdadeiro a que ela se julga produtora. A causalidade funciona na vida prtica
e podemos tirar muito proveito disso para a nossa sobrevivncia, mas no podemos considerar
os fatores de causa e efeito para a produo de um conhecimento seguro. Hume um
empirista, contra, portanto, aos racionalistas.
Ao final, com a execuo da cano Bomio Demod transcrita abaixo, so
mostrados indcios filosficos em letra. E depois com a apresentao de uma pardia, usando
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a mesma melodia, alm de aspectos filosficos possvel fazer uma conexo com a utilizao
do mtodo mencionado pelos autores apresentados.
Bomio Demod (Autor Adelino Moreira)
Cantor: Cyro Aguiar
Vou fazer uma seresta
Moderninha como o qu
Misturar os tratamentos
Juntar o "tu" com "voc"
Eu no quero que me chamem
Um bomio demod.
Com acordes dissonantes
Sem marquise e sem calada
Sem culto de mulher amada
Na penumbra do balco
Seresta ultramoderna
Sem viola e violo.
Minha seresta
No ter pinga na rua
No ter luar nem Lua
e nem lampio de gs
Porque a lua
Nestes tempos agitados
J no dos namorados
Romantismo no tem mais
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Minha seresta
Nesta era espacial
Vai-se tomar imortal
Na voz daquele ou daquela
Minha seresta
Vai ganhar placa de bronze
Pois nem mesmo a Apollo 11
mais moderno que ela.
REFERNCIAS:
BACON, Francis. Mtodo Experimental. Disponvel em:
. Acesso em 23 mai.2013.
DESCARTES. Ren. Discurso do Mtodo. J. Guinsburg e Bento Prado Junior (trad). 3. Ed.
So Paulo: Abril Cultural, 1983.
HUME, David. Causalidade. Disponvel em:
.
Acesso em 23 mai.2013.
LOCKE, John. Ideias. Disponvel em: . Acesso em 23 mai.2013.
http://educacao.uol.com.br/biografias/francis-bacon.jhtmhttp://www.consciencia.org/david-hume-e-o-entendimento-humano-em-relacao-a-moralhttp://www.brasilescola.com/sociologia/ciencia-politica.htmhttp://www.brasilescola.com/sociologia/ciencia-politica.htm
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SOBRE A CONDIO HUMANA E A RELAO ENTRE OS CONCEITOS DE
PODER E LIBERDADE SEGUNDO H. ARENDT Andrei Gati da Costa
Unioeste/ Fundao Araucria
E-mail: [email protected]
Orientador: Rosalvo Schtz
RESUMO
O presente trabalho pretende explicitar as relaes entre os conceitos de poltica, poder e
liberdade nos moldes do pensamento da filsofa Hannah Arendt. Para tal partiremos da obra
condio humana, onde abordaremos as trs atividades fundamentais da condio humana e o
modo como cada uma delas se d, sendo a terceira o nosso principal objeto de estudo.
Palavras-chave: Liberdade, Poltica, Poder.
Em sua obra A Condio Humana Hannah Arendt nos sugere o que seja condio
humana propriamente dita e quais so os elementos que a constitui. Segundo a referida autora
a condio humana diz respeito aos modos sistemticos de vida, seja ele o natural (a vida dada
ao homem na terra em seu estgio mais elementar) ou o convencionado ( onde os seres
humanos em conjunto deliberam e criam paradigmas regulamentadores do modo de vida da
sociedade como um todo). A condio humana nos remete diretamente ao conceito de vita
activa, que para Ela consiste em trs atividades fundamentais, a saber: Labor, Trabalho e
Ao. Quando a pensadora analisa a condio humana, observa que essas atividades no
podem ser de forma alguma perdidas enquanto a condio humana no mudar. Faamos uma
breve analise da cada atividade e suas personagens humanas correspondentes.
Faz-se sabido que dentre todas as atividades o Labor a primeira, justamente por ser
esse movimento fundamental e garantidor da vida e de manuteno da espcie, ou seja, um
processo que corresponde ao mbito dos mecanismos biolgicos e fisiolgicos da vida,
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necessariamente uma labuta da dimenso orgnica. Sendo que o processo vital no ligado
liberdade, pois possui sua prpria necessidade que a vida, s podemos falar em liberdade no
mbito do labor na medida em que ele um processo que acontece de forma livre, mas no
como um desgnio apoltico da poltica, ele constitui um fenmeno de margem, que estabelece
limites ao qual o governo no deve transpor, pois pode por em jogo a prpria vida e seus
interesses imediatos, que constituem a labuta orgnica. Assim vemos na obra de Arendt:
O processo vital no se acha ligado liberdade, mas segue uma
necessidade que lhe prpria, e somente pode ser chamado de
livre no sentido em que falamos de um regato que flui
livremente. Aqui, a liberdade no sequer o desgnio apoltico
da poltica, mas sim um fenmeno marginal, que constitui de
certa forma os limites que o governo no deve transpor sob
risco de por em jogo a prpria vida e suas necessidades de
interesses imediatos. (ARENDT, HANNAH. Entre o
Passado e o Futuro. P.196)
A condio humana do Labor a prpria vida, ele corresponde s atividades de
manuteno, tudo o que visa manuteno seja do prprio corpo ou de objetos Labor.
Tomar banho, fazer comida, lavar roupa, enfim todas essas atividades em conjunto com os
processos biolgicos pertencem ao Labor.
O produto gerado por ele consumido quase to rapidamente quanto o esforo
despendido, justamente por ser de carter incessante, ou seja, enquanto houver vida deve
necessariamente existir o labor.
A personagem humana do labor corresponde ao animal laborans, sendo este que
ganha vida, mas est enredado fundamentalmente em mante-l. Visto que est de carter
urgente uma vez que justamente o movimento que garante a vida e, portanto no pode sofrer
influncia das duas outras atividades, sendo que este de carter mais urgente e elementar.
A segunda atividade da condio humana o Trabalho ou Fabricao, que
corresponde a um movimento por meio do qual o homem transforma a natureza, e capaz de
trazer coisas novas ao mundo, trata-se da ao transformadora do homem sobre a natureza.
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A personagem humana do trabalho, a saber, o Homo Faber, aquele que fabrica que
cria, e com suas prprias mos age e transforma a matria em objetos claramente distintos das
coisas naturais. Diferente do labor o trabalho gera produtos utilizveis (ex: Carros, estradas,
prdios, pontes e etc...) e dotados de durabilidade, ou seja, transcendem a existncia de seus
criadores.
A condio humana do Trabalho a prpria mundanidade. Para Arendt o resultado
do trabalho o mundo e este essencialmente diferente da natureza, sendo que concerne ao
artefato humano como produto das mos do homem.
A terceira atividade a ao ou poltica que se configura como o nosso principal
objeto de estudo, a partir deste ponto explicitaremos a sua relao com os conceitos de poder
e liberdade. Partiremos da tese de que a razo de ser da poltica a liberdade.
Mas o que a poltica para Hannah Arendt?
Essa diz respeito aos modos que os homens se relacionam sem violncia, a fim de
sanar necessidades e problemas em comum. Porm para poder exercer a poltica os homens
devem ter se libertado das atividades de manuteno do organismo e fabricao, uma vez que
essa no sofre influencia nem do labor enquanto uma necessidade, nem do trabalho enquanto
utilidade.
Aqui se afirma a importncia do conceito de liberdade, e liberdade para Hannah
Arendt no : um liberum arbitrium, uma liberdade de escolha arbitrria e decide entre
duas coisas dadas, uma boa e uma m (HANNAH ARENDT, Entre o Passado e o Futuro. P.
197)
Liberdade para a referida autora se afirma como liberdade civil, ou seja, uma
liberdade essencialmente poltica, na qual necessita:
alm da mera liberao, da companhia de outros homens no
mesmo estado, e tambm de um espao publico comum para
encontr-los um mundo politicamente organizado, em outras
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palavras, no qual cada homem livre poderia se inserir por
palavras e feitos (ARENDT. HANNAH, Entre o passado e
o futuro. p. 194).
No existe nessa atividade intermdio das coisas ou matria, pois por habitarem
juntos o mundo, os homens so capazes de colocar a si mesmos mediante a ao e o discurso.
A Ao remete a condio humana que se revela quando os seres-humanos em sua pluralidade
se renem em espaos pblicos, e para alm dos interesses individuais decidem livremente.
a nica atividade humana que no pode ser pensada fora do mbito de uma sociedade de
homens, uma vez que a condio humana da ao a prpria pluralidade. Seu tipo humano de
Ao denominaremos de Homo Politicus (mesmo sabendo que esse termo no aparece na
obra). como vemos na prpria obra:
No nos imposta pela necessidade, como o labor, nem se rege
pela utilidade como o trabalho, pode ser estimulada, mas nunca
condicionada, pela presena dos outros em cuja companhia
desejamos estar; seu mpeto ocorre do comeo que vem ao
mundo quando nascemos e ao qual respondemos comeando
algo novo por nossa prpria iniciativa. Agir, no sentido mais
geral do termo significa tomar iniciativa (ARENDT.
HANNAH, A condio humana. P.190).
Hannah Arendt no considera o homem de ao um Animal que apenas labora em
prol da manuteno da vida e muito menos uma espcie de deus que cria um mundo a partir
de objetos, mas a Ao a atividade poltica por excelncia, e a poltica a expresso por
excelncia da liberdade. A pluralidade humana esse fator que comporta duplo aspecto,
igualdade e diferena, se no possussemos estruturas iguais seriamos incapazes de nos
entendermos entre ns, ou de elencarmos metas ou planos que prevejam as necessidades das
futuras geraes, por outro lado, se os homens fossem todos iguais e no diferissem em
relao a qualquer outro que existe, existiu ou vai existir, no seria necessrios a ao e o
discurso para se fazerem entender. Podemos perceber a importncia e o duplo aspecto contido
na pluralidade no prprio texto:
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A pluralidade humana, condio bsica da ao e do discurso
tem o duplo aspecto de igualdade e diferena. Se no fossem
iguais, os homens seriam incapazes de se compreender entre si
ou a seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as
necessidades das geraes vindouras. Se no fossem diferentes,
se cada ser humano no diferisse de todos os que existiram,
existem ou viro a existir, os homens no precisariam do
discurso ou da ao para se fazerem entender. Com simples
sinais ou sons, poderiam comunicar suas necessidade imediatas
e idnticas (ARENDT. HANNAH, A condio humana.
P.188).
Mas interligado a esse conceito de liberdade temos o conceito de poder, que veremos
a seguir.
Diferente de outros pensadores da cincia poltica, Hannah Arendt entende o poder
no como a possibilidade da imposio da vontade individual de um sujeito, mas uma
faculdade que possibilita um acordo em relao ao exerccio da ao (poltica) no contexto da
livre comunicao desprovida de violncia, ou seja, h uma grande valorizao do dilogo.
Para Hannah Arendt, poder o acordo quanto ao comum, a comunicao livre de
violncia e orientada para o entendimento recproco, seu modelo de ao o comunicativo. O
poder resulta da capacidade humana, no somente de agir ou de fazer algo, como de unir-se a
outros e atuar em concordncia com eles.
O conceito de poder possui um fim em si mesmo, serve para preservar a atividade
humana em sociedade, o poder das convices orienta o entendimento recproco e no para o
sucesso prprio, diferentemente do modelo de M. Weber, ele construdo na ao
comunicativa e a conseqncia do discurso e entendimento mtuo entre os participantes. Na
ao comunicativa, modelo de ao de poder, os indivduos so nicos e seres responsveis.
Pode-se dizer que muito trivial confundir poder como expresso de fora.
Sendo que a convivncia humana pacifica a verdadeira e legitima fonte de gerao do poder,
na to disseminada acepo do ditame popular: A unio faz a fora.
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Desse modo, Arendt enxerga naquele que se isola por algum motivo da convivncia
humana, renncia ao poder e torna-se impotente, mesmo que todos os seus motivos e razes
sejam vlidos.
Assim a gerao do poder no uma espcie de trabalho, mas uma ao conjunta,
entre os homens, na qual propicia por meio do discurso a revelao de suas peculiaridades.
A no-violncia um fator fundamental e que capaz de proporcionar o encontro
dos homens por meio da palavra. E esta necessria, pois na condio humana, no se mira
um determinado fim (individual), mas a constituio de uma meta de carter comum e que
sirva como fator de aglutinao.
Quando a palavra usada to-somente para atingir um fim em especifico,
conseqentemente perde sua significao original. Visto que est atrelada fundamentalmente
a poltica, e entende a poltica no como algo instrumental e, ou pragmtico, mas um espao
no qual vige a igualdade e o interesse comum.
Como exemplo do contraste entre poder poltico e a violncia, temos a ao
estratgica, que para H. Arendt essencialmente apoltica. Ela violenta e instrumental e por
isso colocada fora da esfera do poltico. Essa ao se manifesta nas lutas pelo poder e na
concorrncia por posies no poder. Atravs da ao estratgica pode-se definir violncia que
privao do individuo de lutar por seus interesses, sendo assim a violncia sempre esteve
presente nos processos de conquista do poder.
A no-violncia esse movimento fundamental que, por conseguinte fonte
geradora do poder, que advm do agir e viver conjuntos pautados na unio e harmonia, sendo
a violncia o extremo contrrio, o produto gerado excluso da interao e cooperao social.
Em suma a ausncia de dilogo.
Como dito anteriormente, devemos sempre ter em mente que liberdade em Hannah
Arendt remete necessariamente em liberdade poltica, ou seja, um meio de tornar a ao
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efetiva, da qual se podem originar inmeras conseqncias, visto que as mesmas dentro do
mbito da ao so imprevisveis.
Mas, para se conservar a possibilidade da prtica da liberdade, os seres humanos
devem conservar o espao pblico, e tendo em vista a manuteno do direito bsico, que ter
cidadania, ou seja, o direito a ter direitos.
Se partirmos de uma breve analise do mundo grego, principalmente o cenrio
poltico de Atenas, concluiremos que a Plis sempre foi e continua sendo a origem da
liberdade para a referida autora, pois como vimos anteriormente liberdade neste pensamento
em especifico diz respeito ao mbito civil, ou seja, s h liberdade a partir do momento em
que o estado fundado, e que a poltica no instrumentalizada, afim de atingir interesses
prprios.
Justamente por discordar de Aristteles e dizer que o homem no um ser
essencialmente poltico, mas sim apoltico. O homem cria o estado medida de duas
necessidades. Neste ponto Arendt se aproxima de Hobbes, justamente por este entender que a
poltica uma conveno que visa manuteno da vida enquanto tal.
Tomemos como exemplo um homem isolado em uma ilha remota, este pode exercer
duas atividades, o Laborans e o Faber, mas nunca o Polticus, pois este necessita da
pluralidade, ou seja, de uma sociedade de homens que se renem a fim de sanar problemas e
necessidade comuns.
Mas, em suma, a no-violncia o elemento definidor do exerccio do poder, deste
modo a poltica deixa de ser pragmtica, e passa a ser a construo do espao pblico e da
possibilidade de exercer a liberdade em sua totalidade.
Onde h poltica, h espao publico, vige o dilogo e h direito.
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REFERENCIAS:
ARENDT, Hannah. A condio humana. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007.
O que liberdade? In: Entre o passado e o futuro. So Paulo: Perspectiva, 2007.
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RACIONALISMO E FALIBISMO: A autoridade das fontes do conhecimento revisitada
Angelo Eduardo da Silva Hartmann
Unioeste/PET Filosofia
RESUMO
O objetivo desta comunicao investigar como Karl Popper (1902-1994) desenvolve a sua
filosofia do conhecimento ao colocar em questo a busca pelas fontes ou origens do
conhecimento, situada no debate clssico entre o empirismo e o racionalismo. Pela
constatao de que a pergunta pelas fontes de todo conhecimento exige respostas autoritrias,
Popper encaminha o debate admitindo como possvel toda e qualquer fonte e que, no
entanto, nenhuma possui autoridade. A pergunta relevante a uma teoria do conhecimento a
de saber se h alguma esperana em detectar os erros lgicos que o permeiam. Ao assumir o
falibilismo em resposta abordagem autoritria do conhecimento, o autor reconfigura o papel
que tanto a razo, quanto a observao exercem sobre o avano do conhecimento e constitui
como proposta filosfica a busca crtica pelo erro no mbito do Racionalismo Crtico,
norteada pelo padro implcito da verdade objetiva.
Palavras-chave: Fontes. Racionalismo Crtico. Teoria do Conhecimento.
A disputa, reconstruda por Popper, entre as escolas de filosofia britnica e
continental entre o empirismo de Bacon, Locke, Berkeley, Hume e Mill, por um lado, e o
racionalismo clssico ou intelectualismo de Descartes, Spinoza e Leibniz, por outro
travada perante o problema acerca da origem de todo conhecimento. A resposta dada pelos
empiristas da escola britnica pergunta quais so as fontes do conhecimento? reside, em
ltima instncia, na observao ou percepo sensorial. Em confronto direto, os filsofos
continentais defendem a intuio intelectual de ideias claras e distintas como a fonte ltima de
todo conhecimento seguro.
A viso de Popper (1982, p.32) a respeito de tal disputa pode ser inicialmente
apresentada pelas seguintes cinco teses:
(1) h mais semelhanas entre o empirismo e o racionalismo do que diferenas;
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(2) ambas as escolas esto erradas;
(3) apesar de estarem erradas, Popper admite ser empirista e racionalista;
(4) a razo e a observao desempenham papeis importantes no conhecimento, ainda
que no sejam os papeis que lhe foram atribudos por seus defensores clssicos;
(5) (...) nem a observao, nem a razo podem ser descritas como fontes do
conhecimento, no sentido em que at hoje tm sido definidas.
A posio de Popper perante o problema da validade do empirismo enfrenta a atitude
adotada por David Hume (1711-1776) na seguinte formulao feita em sua Investigao
sobre o Entendimento Humano (Livro V, Parte I):
Se eu vos perguntar por que acreditais num fato particular que
estais relatando, devereis dar-me alguma razo disso; e essa
razo ser algum outro fato ligado ao primeiro. Mas, como no
podeis proceder desse modo at o infinito, deveis terminar em
algum fato que esteja presente vossa memria ou aos vossos
sentidos, ou ento admitir que vossa crena no tem nenhum
fundamento. (Hume, 1984, p.151.)
Acontece que todo e qualquer fato guardado pela memria ou presente aos sentidos,
internos ou externos, tomado por Hume como cpias das impresses. H dois tipos de
percepes da mente na filosofia do conhecimento de Hume: (a) pensamentos ou ideias, que
produzem a reflexo sobre as sensaes ou movimentos dos sentidos; e (b) impresses, que
so as sensaes recebidas pelos sentidos. A tese empirista de Hume a de que, todos os
materiais do pensamento derivam da sensao interna ou externa; s a mistura e composio
destas dependem da mente e da vontade (1984, p.139). As ideias fracas e obscuras so
cpias das impresses e possuem ntidos limites para com as impresses que so fortes e
vvidas aos sentidos. Hume distingue dois tipos de conhecimento: aquele que se d por
relaes de ideias, cujo contrrio impossvel, e aquele que opera por questes de fatos, cujo
contrrio possvel. As relaes de ideias so operaes do pensamento e constituem o
conhecimento prprio s cincias da Geometria, lgebra e Aritmtica, como a proposio
trs vezes cinco igual metade de trinta. As questes de fato, ao derivarem das
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impresses e se estabelecerem por relaes de causa e efeito, permitem ultrapassar a
evidncia de nossa memria e de nossos sentidos (Hume, 1984, p.142).
O desfecho ao trilema entre justificar empiricamente, conduzir a uma reduo ao
infinito ou abandonar a tentativa de fundamentar a crena em certo fato ou teoria dado por
Hume ao admitir o costume ou o hbito como princpio da natureza humana.
Toda crena numa questo de fato ou de existncia real deriva
de algum objeto presente memria ou aos sentidos, e de uma
conjuno habitual entre esse objeto e algum outro. Ou, em
outras palavras: aps descobrir, pela observao de muitos
exemplos, que duas espcies de objetos, como a chama e o
calor, a neve e o frio, aparecem sempre ligadas, se a chama ou a
neve se apresenta novamente aos sentidos, a mente levada
pelo hbito a esperar o calor ou o frio e a acreditar que tal
qualidade realmente existe e se manifestar a quem lhe chegar
mais perto (Hume, 1982, p.151).
A possibilidade de conhecer, em Hume, est vinculada s conexes causais de fatos,
que podem ou no ser observados. O fundamento de todas as relaes de causa e efeito est
na experincia, de modo que a constatao de eventos regulares, por contiguidade ou
sucesso, constitui hbitos ou costumes que, ao fazer parte da vida prtica de todo homem,
converte-se em princpio da natureza humana.
Com vistas postura empirista de Hume, cuja doutrina dominante na Inglaterra,
nos EUA e no prprio continente europeu nos anos 1960, a reposta de Popper pergunta pelas
fontes do conhecimento assume a atitude de que h muitos tipos de fontes para o nosso
conhecimento, nenhum dos quais tem autoridade (1982, p.52). A proposio de Popper no
a de optar por esta ou aquela fonte resposta que, alm de insatisfatria a uma pergunta
irrelevante, presume a atitude autoritria daquele que assim a considera. Buscar a fonte ltima
de todo conhecimento logicamente impossvel, pois leva a uma regresso ao infinito (Cf.
Popper, 1982, p.51). A constatao da falha lgica da busca pelas fontes do conhecimento
afirmada por Popper com a seguinte razo crtica:
O erro fundamental da teoria filosfica sobre as fontes ltimas
do conhecimento consiste no fato de que ela no distingue com
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suficiente clareza a origem de validade do conhecimento. (...)
no testamos a validade de uma assertiva ou de uma informao
procurando identificar sua fonte ou sua origem e sim, de forma
muito mais direta, examinando criticamente o que foi afirmado
o prprio contedo da assertiva (Popper, 1982, p.53).
O contedo de uma assertiva implica, de um ponto de vista lgico, a teoria objetiva
da verdade situada na filosofia do conhecimento de Popper4 como padro implcito da busca
crtica pelo erro. Este o cerne filosfico do falibilismo crtico de Popper e a situao lgica
na qual o problema da validade do empirismo pode ter um tratamento relevante.
Consequentemente, a indagao pelas fontes do conhecimento substituda pela seguinte
pergunta: De que forma podemos esperar a identificao e a eliminao do erro? (Popper,
1982, p.53). A articulao entre o falibilismo e o mtodo de tentativa e erro constitui a
filosofia do conhecimento de Popper. Em suas palavras,
Por falibilismo entendo aqui a opinio, ou a aceitao do fato,
de que podemos errar e de que a busca da certeza (ou mesmo a
busca de alta probabilidade) uma busca errnea. Mas isto no
implica que a busca da verdade seja errnea. Ao contrrio, a
ideia de erro implica a de verdade como padro que no
podemos atingir. Implica que, embora possamos buscar a
verdade e at mesmo encontrar a verdade (como creio que
fazemos em muitssimos casos), nunca podemos estar
inteiramente certos de que a encontramos (Popper, 1987,
p.396).
Retornamos aqui tese segundo a qual Popper admite ser racionalista e empirista. A
aceitao do falibilismo gera novas implicaes para com o racionalismo e o empirismo.
Quanto ao primeiro, Popper mantm a busca da verdade, mas abandona a busca da certeza
tal como tomada por Ren Descartes (1596-1650) na abertura de sua Primeira Meditao:
4 Talvez seja interessante notar que uma filosofia do conhecimento possui um carter de investigao mais
abrangente do que uma epistemologia. Enquanto esta tomada por Popper como a teoria do conhecimento
cientfico, a filosofia do conhecimento pode ser admitida como uma teoria do conhecimento humano ou pr-
cientfico. O seguinte trecho de Popper sugere a mesma distino: Embora pretenda limitar esta discusso ao
progresso do conhecimento cientfico, penso que meus comentrios podero ser aplicados sem grandes
alteraes expanso do conhecimento pr-cientfico isto , ao modo genrico como os homens, e at mesmo
os animais, adquirem novos conhecimentos fatuais a respeito do mundo. O mtodo de aprendizado por tentativas
por erros e acertos parece fundamentalmente o mesmo, seja aplicado pelos animais superiores ou inferiores,
por chimpanzs ou cientistas (Popper, 1984, p.242).
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H j algum tempo eu me apercebi de que, desde meus
primeiros anos, recebera muitas falsas opinies como
verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princpios
to mal assegurados no podia ser seno mui duvidoso e
incerto; de modo que me era necessrio tentar seriamente, uma
vez em minha vida, desfazer-me de todas as opinies a que at
ento dera crdito, e comear tudo novamente desde os
fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de
constante nas cincias (Descartes, 1973, p.93).
A dvida empregada metdica e sistematicamente por Descartes, apesar de dirigir-se
criticamente tradio aristotlico-tomista, converge (ao dispensar a crtica) com o
estabelecimento dogmtico das bases firmes e inabalveis do edifcio do conhecimento. O
projeto cartesiano leva em considerao as opinies certas e indubitveis e mediante o
menor indcio manifesto de dvida lana a opinio ao status de falsidade e, portanto, de
conhecimento infrtil.
H que se considerarem, aqui, ao menos trs aspectos no que diz respeito distino
das noes de dvida, falsidade e verdade entre Descartes e Popper: (a) a dvida, em Popper,
ainda que favorvel crtica racional , no entanto, um estado mental e possui,
consequentemente, uma realidade radicalmente distinta da falsidade; dito de outro modo, no
h, para Popper, relao de implicao entre dvida e falsidade tal como estabelecida por
Descartes; (b) a falsidade configura-se, na filosofia do conhecimento de Popper, como relao
lgica entre uma proposio e o sistema ao qual pertence mais precisamente, falsa a
proposio que contradiz o sistema do qual foi derivada;5 (c) a verdade, por conseguinte, est
associada busca crtica dos erros e desvios lgicos do contedo objetivo do conhecimento e
no evidente, como quisera Descartes. A teoria da verdade na filosofia do conhecimento de
Popper objetiva, ainda que implcita, e est diretamente implicada pela tentativa de localizar
e eliminar o erro, ideia reguladora.
No que concerne ao empirismo, a relao que o falibilismo provoca a de correo
das expectativas que orientam toda e qualquer percepo sensorial inclusive a observao
5 Sobre a relao entre falseabilidade e compatibilidade, afirma Popper na seo 24 da Lgica da Pesquisa
Cientfica: Dessa maneira, nenhum enunciado particularizado como incompatvel ou como derivvel, pois
todos so derivveis. Um sistema compatvel, por outro lado, divide em dois o conjunto de todos os enunciados
possveis: os que ele contradiz e aqueles com os quais compatvel (Popper, 2007, p.97).
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enquanto instncia do teste crtico de uma teoria cientfica. A premissa adotada por Popper
sobre os dados dos sentidos a de que toda experincia, seja ela subjetiva ou objetiva,
impregnada de interpretao. No h nada no intelecto que no tenha passado pelas
expectativas e, por conseguinte, que no esteja impregnado de interpretao. O papel que a
experincia exerce sobre o conhecimento no o de confirmao, mas de frustrao: assim
como quando tropeamos no degrau de uma escadaria, quando a experincia sensvel
provoca um choque de nossas expectativas que aprendemos, isto , que corrigimos buscas
errneas.
Por um conhecimento sem autoridade, Popper entende uma teoria do conhecimento
(1) desgarrada da busca pelas fontes daquilo que se afirma e (2) preocupada em saber se
possvel detectar os erros e tentar elimin-los criticamente seja pela contribuio da
observao, seja pelo livre curso da imaginao criativa ao propor novas tentativas
conjeturais, seja ainda pelo confronto com a tradio. Sequer a prpria formulao das
perguntas acerca das fontes do conhecimento teve sua legitimidade questionada pelos
sistemas epistemolgicos tradicionais (cf. Popper, 1982, p.53). A atitude falibilista rompe
com a abordagem autoritria do conhecimento ao admitir que a razo humana suscetvel ao
erro e que, confrontados com a nossa infinita ignorncia, ainda assim podemos conhecer. No
h uma fonte pura e abstrata do conhecimento, pois toda e qualquer fonte pode ser
criticamente compreendida, testada e melhorada luz de outras fontes ou conhecimentos. A
teoria do conhecimento, no entanto, no se preocupa com as origens do conhecimento mas
com o problema da validade ou veracidade do que se afirma.
O problema da validade do conhecimento isto , o problema de se adotar as regras
pelas quais a verdade das premissas transmitida para a concluso e a falsidade da concluso
retransmitida para as premissas tem como organon da crtica racional a lgica formal (Cf.
Popper, 1982, p.94). Pela contraposio entre dois tipos de argumentos dedutivos o modus
tollens e o modus ponens Popper extrai concluses relevantes para a teoria do
conhecimento. Enquanto o modus tollens empreende a derrocada da premissa, inicialmente
admitida como verdadeira, pela constatao da falsidade da concluso dela derivada, o modus
ponens tem em sua concluso a justificao positiva da verdade da premissa. A considerao
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do modus tollens mais interessante ao conhecimento a possibilidade da novidade emergir e
provocar a reviso das premissas inicialmente aceitas como verdadeiras ou em outras
palavras, a possibilidade de aprendermos