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CADERNOSDOLOGEPA
Volume7,Número1,p.1‐136,jan./jun.2012 ISSN2237‐7522
Visualizaçãotopográficadaimagemgradiente.
Fonte:SANTANA,E.F.;BATISTA,L.V.;SILVA,R.M.Técnicasdesegmentaçãonão‐supervisionada: análise comparativa de mapeamentos do uso eocupaçãodo solo. CadernosdoLogepa, JoãoPessoa, v. 7, n. 1, p. 121‐136,jan./jun.2012.
UNIVERSIDADEFEDERALDAPARAÍBA
CENTRODECIÊNCIASEXATASEDANATUREZADEPARTAMENTODEGEOCIÊNCIAS
LABORATÓRIOEOFICINADEGEOGRAFIADAPARAÍBAJOÃOPESSOA–PARAÍBA
UNIVERSIDADEFEDERALDAPARAÍBACentrodeCiênciasExatasedaNatureza/DepartamentodeGeociênciasREITORRômuloSoaresPolariPRÓ‐REITORIADEPÓS‐GRADUAÇÃOIsacdeAlmeidaMedeirosPRÓ‐REITORIADEPÓS‐GRADUAÇÃOValdirBarbosaBezerraPRÓ‐REITORIADEEXTENSÃOEASSUNTOSCOMUNITÁRIOSLúciadeFátimaGuerraFerreiraDIRETORDOCENTRODECIÊNCIASEXATASEDANATUREZAAntonioJoséCreãoDuarteCHEFEDODEPARTAMENTODEGEOCIÊNCIASAnieresBarbosadaSilva
LABORATÓRIOEOFICINADEGEOGRAFIADAPARAÍBA
COORDENADORAProfa.Dra.MariadeFátimadeAlbuquerqueEQUIPEEDITORIALProf.Dr.RichardeMarquesdaSilva–EditorChefeProfa.Dra.EmiliaMoreira–EditorChefeProfa.Dra.MariadeFátimadeAlbuquerque–EditorGerenteCONSELHOEDITORIALAnaGlóriaCornélioMadruga,UniversidadeFederaldaParaíbaBernardoMançanoFernandes,UNESP–PresidentePrudenteEmiliaMoreira,UniversidadeFederaldaParaíbaJaneteLinsRodriguez,FundaçãoCasaJoséAméricodeAlmeida‐PBJoséBorzacchiellodaSilva,UniversidadeFederaldePernambucoMariadeFátimadeAlbuquerque,UniversidadeFederaldaParaíbaMariaGeraldaAlmeida,UniversidadeFederaldeGoiásMarildaAparecidadeMenezes,UniversidadeFederaldeCampinaGrandePedroCostaGuedesVianna,UniversidadeFederaldaParaíbaRichardeMarquesdaSilva,UniversidadeFederaldaParaíbaRosaEsterRossini,UniversidadedeSãoPauloRuyMoreira,UniversidadeFederalFluminenseARevista"CADERNOSDOLOGEPA"fazpartedoprogramadeeditoraçãodoLaboratórioeOficinadeGeografiadaParaíba(LOGEPA)edoDepartamentodeGeociênciasdaUniversidadeFederaldaParaíba. Seu objetivo é a publicação, de artigos técnico‐científicos e de ensaios teóricos, quecontribuam,sobretudo,paraoaprofundamentodoconhecimentodarealidadeestadualeregional.A publicação da revista é semestral e, atualmente, está classificada pela CAPES com Qualis B4Interdisciplinar,B5paraGeografiaeHistória.ISSN–2237‐7522
SUMÁRIO UMA AVALIAÇÃO SOBRE OS FOCOS DE CALOR E OS CONFLITOSTERRITORIAISEMÁREASPROTEGIDASDONORDESTEBRASILEIRO (1998‐2011)(AnevaluationofthefiredotsandtheterritorialconflictsinprotectedareasofBrazilianNortheast(1998‐2011))……………………………..................................
3‐24
LuizRenatoVallejo
TURISTIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E PARTICIPAÇÃO DOSSTAKEHOLDERS DO TURISMO NO MUNICÍPIO DE BARRA DE SANTOANTÔNIO,ESTADODEALAGOAS,BRASIL(Touristification,participationanddevelopmentofStakeholdersintourismtheBarradeSantoAntônio,AlagoasState)…….............................................................................................….…..........................................
25‐39
AnderssonPontesBarbosa
ESPANHA E BRASIL NA CONSTRUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA:clivagenseconsensos(SpainandBrazilintheconstructionofthedemocraticparticipation:cleavagesandconsensuses)...........................................................................
40‐71
RodrigoAlbertoToledo
POTENCIALNATURALEANTRÓPICODEEROSÃONABACIAEXPERIMENTALDO RIACHO GUARAÍRA (Anthropic and natural potential of erosion in theGuaraíraBasinExperimental)………..........................................................................................
72‐91
SamirFernandesGonçalves,RichardeMarquesSilva
EVIDÊNCIAS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS DETRANSFERÊNCIA DE RENDA PARA A REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL(Evidenceonthecontributionofprogramstransferofincomeforreductionofchildlabour)........................................................................................................................................
92‐120
MariaCarolinaCostaMadeira,IvanTarginoMoreira
TÉCNICAS DE SEGMENTAÇÃO NÃO‐SUPERVISIONADA: análise comparativade mapeamentos do uso e ocupação do solo (Unsupervised segmentationtechniques: comparative analyze of land use and covermapping)..............................................................................................................................................
121‐136
EduardoFreireSantana,LeonardoVidalBatista,RichardeMarquesSilva
Cadernos do Logepa v. 7, n. 1, p. 3‐24, jan./jun. 2012 ISSN: 2237‐7522
UMAAVALIAÇÃOSOBREOSFOCOSDECALOREOSCONFLITOSTERRITORIAISEMÁREASPROTEGIDASDONORDESTEBRASILEIRO(1998‐2011)
Artigo recebido em: 26/03/12 Revisado em: 11/04/12 Aprovado em: 08/06/12
Luiz Renato Vallejo¹
¹ Departamento de Geografia Universidade Federal Fluminense ldzƛȊNJŜƴŀǘƻ@ƛŘΦdzŦŦΦōNJ
Correspondência: Luiz Renato Vallejo Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Federal Fluminense. Av. Litorânea, s/n ‐ Campus da Praia Vermelha, 5º andar, Boa Viagem, Niterói ‐ RJ ‐ CEP:24.210‐340, Brasil.
RESUMOO estudo avaliou conflitos territoriais em unidades de conservaçãofederais e estaduais de proteção integral nordestinas, considerandoregistroshistóricosdefocosdecalor(1998‐2011).Foram9.496focosem24UC’s federais e4.169em9UC’s estaduais, totalizando13.665focos em 33 UC’s. As UC’s no Maranhão, Piauí e Bahia tiveram osmaiores números de focos. Houve um aumento progressivo entre osperíodosde1998‐2000a2011,variandode500atémaisde1800.Osanosde2007e2010foramosmaiscríticos,registrando2075e2399,respectivamente.Asmenoresocorrências acontecementreoutubro eabril,aumentandofortementedejulhoasetembro.Foramrelacionadasas8UC’scomosmaioresvalores,sendo5parques,1reservabiológica,1 estação ecológica e 1 refúgio de vida silvestre, que totalizaram13.150 focos. O uso do fogo no interior e entorno das UC’s acontececom diferentes motivações: manejo de pastos; expansão de frentesagropastoris; represália à existência das UC’s; caça e incêndiosacidentais. Todas as UC’s têm problemas fundiários desde a suacriação.AinfraestruturaéprecáriaenãodiferedasituaçãodeoutrasUC’speloBrasil.Palavras‐chave: Unidades de conservação, focos de calor, conflitosterritoriais.
AN EVALUATION OF THE FIRE DOTS AND THETERRITORIALCONFLICTS INPROTECTEDAREASOFBRAZILIANNORTHEAST(1998‐2011)ABSTRACTThestudyevaluatedtheterritorialconflictsinprotectedareas(federaland state) in the Northeast region from Brazil. Were considered aserial of records of fire dots obtained by satellites (1998‐2011). Thedata showed9,496 firedots in24 federal areas and4,169 in9 stateareas,totaling13,665dots.TheprotectedareasfromMaranhão,PiauíandBahiahadthehighestnumberoffiredots.Therewasaprogressiveincrease after 1998, ranging from 500 (1998‐2000) to greater than1,800(2011).Theyears2007(2,075dots)and2010(2,399dots)werethemostcritical.ThelowestoccurrenceshappenbetweenOctoberandApril,increasingsharplyfromJulytoSeptember.Eightprotectedareaswererelatedwithhighervalues:fiveparks,onebiologicalreserve,oneecological station and one wildlife refuge, totalized 13,150 fire dots.Thefireinandoutofprotectedareashappenedwithdifferentreasons:pasturemanagement,expansionofagropastoralfronts;reprisalfortheexistenceofprotectedareas;huntingandaccidentalfires.Allprotectedareas have land problems since its inception. The territorialinfrastructure is deficient anddoes not differ from several protectedareasinBrazil.Keywords:Protectedareas,firedots,territorialconflicts.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 3‐24, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
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INTRODUÇÃO
Oestabelecimentodeáreasprotegidaséaprincipal iniciativapolíticade
conservação da biodiversidade, dos ecossistemas e dos serviços ambientais
associados. No Brasil, a Lei no 9.985, de 18/07/2000 que instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, se destaca como
referência legal na criação e gestão de áreas protegidas, nacionalmente
denominadasdeunidadesdeconservação(UC’s).NumplanomaisgeralasUC’ssão
classificadascomodeproteçãointegral(PI)edeusosustentável(US).Asprimeiras
são mais restritivas1, enquanto as demais podem contemplar atividades
sustentáveis e de baixo impacto2. Em qualquer um destes casos, a competência
administrativapodeestarsobosdomíniosfederal,estadualoumunicipal.
Um dos aspectos mais complexos e polêmicos sobre este tema é a
efetividadedagestãodasUC’s,particularmentenotocanteàsdeproteçãointegral,
poisrequeremummaiorníveldecontrolesobreoterritórioatravésdadefiniçãoe
operacionalização de planos demanejo compatíveis comos objetivos de criação
das UC’s. Neste contexto, há de se destacar a importância das iniciativas de
regularizaçãofundiáriadaáreaaserprotegida,assimcomoaadoçãodemedidas
administrativasefetivasdecontroleegestãoterritorial.NoBrasil,assimcomoem
muitas outras partes pelo mundo, a grande polêmica está no fato de que os
governos têmpromovido a criação deUC’s,mas não conseguem consolidá‐las e,
desse modo, sofrem todo tipo de pressão decorrente de atividades extrativas,
invasões e ocupações (legais e ilegais) que trazem prejuízos à conservação da
biodiversidade(VALLEJO,2002).
Aocorrênciadequeimadaseincêndios3emgrandestrechosdoterritório
nacional, incluindo as áreas legalmente protegidas, tem chamado a atenção de
1 Estações Ecológicas (ESECs), Monumentos Naturais (MONATs), Parques, Reservas Biológicas(REBIOs)eRefúgiosdaVidaSilvestre(RVS)
2 Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), FlorestaNacional(FLONA),ReservaExtrativista(RESEX),ReservadeFauna,ReservadeDesenvolvimentoSustentável(RDS)eReservaParticulardoPatrimônioNatural(RPPN).
3Asqueimadasestãoassociadasaossistemasdeproduçãomaisprimitivoscomoacaçaecoletaindígenasetambémnaagriculturamaisintensivaemoderna,comoadacana‐de‐açúcar,algodãoecereais.Nocasodos incêndios,emgeral, acontecemnoambiente florestal sendodenaturezaacidental,indesejadosededifícilcontrole.
VALLEJO
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pesquisadoresedopúblicoemgeral,particularmenteduranteosmesesdemenor
índicepluviométrico.Aexpansãodas fronteirasagrícolaseaspráticasdemanejo
depastagenscomusodo fogoestãoentreasprincipaiscausasdos incêndiosque
acabamadentrandopeloslimitesdemuitasáreasprotegidasnoBrasil (VALLEJO,
2010, p. 179). Os impactos negativos dos incêndios recorrentes podem afetar
intensamenteossolos(perdadenutrientes,compactaçãoeerosão)eopatrimônio
biológico(KLINKeMACHADO,2005,p.150‐151).Outrosautoresdestacamtambém
os impactos associados à poluição atmosférica que afetam áreas imediatamente
vizinhas,alémdeseexpandiremregionalmente(FREITASetal.,2005;INDRIUNAS,
2008).
Desde 1987 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),
subordinadoaoMinistériodeCiênciaeTecnologia,promovemonitoramentodas
queimadasnoterritórionacional.Em1998,apósumgrandeincêndionoEstadode
Roraima4, houve um aperfeiçoamento do trabalho em parceria com o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O
instituto disponibiliza informações diárias georreferenciadas dos focos de calor,
alémdealertaspore‐maildasocorrênciasemáreasdeinteresseespecial,riscode
fogo, estimativas de concentração de fumaça, entre outras. A partir de junho de
1998,osfocosdecalorpassaramaserregistradosnasUC’s(federaiseestaduais)e
em terras indígenas comapoiodevários satélitese respectivos sensores (NOAA,
AQUA,GOES,TERRA,METEOSATeATSR).
Este artigo tem como objetivo principal apresentar as informações
pertinentesaosfocosdecaloremUC’s(federaiseestaduais)deproteçãointegral
localizadasnosestadosdaregiãoNordeste,noperíodocompreendidoentrejunho
de 1998 até dezembro de 2011. A pesquisa, originalmente realizada emUC’s de
todo o território brasileiro, detectou que alguns estados do Nordeste, como o
Maranhão,PiauíeBahia,apresentaramregistrosmuitoelevadosdefocosdecalor.
Trata‐sedeumaavaliaçãoquantitativainicialdosregistrosdefocosdecalor,mas
quepodecontribuirnaindicaçãodospossíveismotivosdesuaocorrência,ouseja,
os conflitos territoriais decorrentes das deficiências administrativas e das
4Emmarçode1998,oestadodeRoraimatevecercade40milkm²suprimidospelofogodevido,supostamente,àsqueimadasirregularesenãocontroladas.
UMA AVALIAÇÃO SOBRE OS FOCOS DE CALOR E OS CONFLITOS TERRITORIAIS EM ÁREAS PROTEGIDAS DO NORDESTE BRASILEIRO (1998‐2011)
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atividades que impactam negativamente a conservação da biodiversidade. Os
resultadosdopresente estudo integramaspesquisasdoNúcleode Pesquisasde
ÁreasProtegidas(NUPAP)doDepartamentodeGeografiadaUniversidadeFederal
Fluminense/RJ5.
MATERIALEMÉTODOS
Para atender os objetivos da pesquisa, foram selecionados dados dos
satélites NOAA‐12 (sensor AVHRR/noite6) e AQUA (sensor MODIS/tarde7) para
montagem de séries temporais. Entre 1998 e 2006 utilizamos os registros do
sistema NOAA‐12/AVHRR. A partir de agosto de 2007, o NOAA‐12 deixou de
operar,sendosubstituídopeloNOAA‐15.Apartirde2007,optou‐sepelosregistros
dosistemaAQUA‐MODIS,consideradomaisprecisoqueoanterior,poisnãosofre
tantasinterferênciasatmosféricas.
Acaptaçãodasimagensporestessensoresébaseadanoprincípiofísicode
que as chamas emitem energia, principalmente, na faixa termal‐média de
comprimento de onda entre 3,7 e 4,1 µm do espectro ótico. Em algumas
circunstânciasexistemimpedimentosouprejuízosàdetecçãodasqueimadas,tais
como: a) frentes de fogo em áreas menores de 1 km²; b) fogo rasteiro numa
florestadensa,semafetaracopadasárvores;c)nuvenscobrindoaregião,apesar
dequeasnuvensde fumaçanãoatrapalham;d)queimadasdepequenaduração,
ocorrendo entre as imagens disponíveis; e) fogo em uma encosta demontanha,
enquantoqueosatélitesóobservouooutrolado;ef)imprecisãonalocalizaçãodo
focodequeima,quenomelhorcasoédecercade1km,maspodechegara6km.
Cada foco de calor detectado pelos satélites não está diretamente
relacionado com o número de queimadas e/ou incêndios. Um foco indica a
existênciadefogoemumelementoderesoluçãodaimagem(pixel),quevariade1
5Disponívelem:http://www.uff.br/degeografia/nupap.6AVHRR ‐AdvancedVeryHighResolutionRadiometeréumtipodesensorquegera imagensdedetecçãoderadiaçãopodendoserusado,remotamente,paradeterminaracoberturadenuvenseatemperaturadeumasuperfície.
7MODIS ‐Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer ‐ opera em 36 canais espectrais emcomprimentos de onda que variam de 0,4 a 14,4 µm e resolução espacial entre 250 a 1.000metros.
VALLEJO
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×1kmaté5×4km.Nestepixelpodehaverumaouváriasqueimadasdistintas,
masoregistroindicaráapenasumúnicofoco.Seumaqueimadaformuitoextensa,
ela será detectada em vários pixels vizinhos, ou seja, vários focos estarão
associadosaumaúnicaegrandequeimada.Mesmoconsiderandoqueossensores
atuaisnão conseguemelucidaroque estáqueimandoequantoqueimou,podem
ser constatadas tendências espaciais e temporais nas ocorrências de fogo
(FERREIRAetal.,2005;PANTOJAeBROWN,2007;PIROMALetal.,2008).
Os registros mensais de focos de calor foram tabulados em planilhas
eletrônicas para produção de gráficos ilustrativos das séries de dados. As
informaçõesmaisdetalhadassobreasáreasdeconservação federaise estaduais,
incluindooanodecriação,aextensão(emkm²),osdadosgeorreferenciadoseos
municípiosocupados,resultaramdepesquisasnoCadastroNacionaldeUnidades
de Conservação doMinistério doMeioAmbiente, Secretaria deBiodiversidade e
Florestas.Também forampesquisadas informaçõesdoObservatóriodeUnidades
deConservaçãoWorldWildlifeFund–Brasil8.
RESULTADOSEDISCUSSÕES
AsUC’sdeProteçãoIntegralNordestinas
Inicialmente será apresentada uma avaliação geral sobre as UC’s
nordestinas em relação aos aspectos formais de localização, número, área e os
biomas protegidos. Estas informações foram resumidas e sistematizadas no
Quadro1.
Emtodaextensãoterritorialnordestina(1.554.387,73km²)existem41UC’s
federaise43estaduais,totalizando46.210,26km²,oquerepresentaapenas2,97%
da região. A maior extensão de áreas legalmente protegidas se refere às UC’s
federaiscom39.244,41km²,ouseja,2,53%.AsUC’sestaduaisperfazem6.965,85
km²oqueequivalea0,44%doespaço regional.OEstadodaBahia temomaior
númerodeUC’s(16 federaise9estaduais),masnãoapresentaamaiorextensão
territoriallegalmenteprotegidacom14.609,86km²(2,59%),ocupandoasegunda 8Disponívelem:http://www.observatorio.wwf.org.br.
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posição.OEstadodoMaranhãocontabilizaamaiorextensãocom18.063,63km²,
equivalendoa5,44%doterritório.Paraefeitodeavaliaçãodopresentetrabalho,
consideramos a área do PN das Nascentes do Rio Parnaíba (Cerrado) como
territóriomaranhense9.
Quadro1–InformaçõessobreasUC’sdeproteçãointegral(federaiseestaduais)doNordestebrasileiro
UC’sFederais UC’sEstaduaisEstado‐Área(km²) Nº Área(km²) Nº Área(km²)
Fed+Est(%)
Biomasprotegidos
Alagoas‐27.779,34
3 366,10 1 10,88 1,36CaatingaeMata
Atlântica
Bahia‐564.830,86
16 13.454,76 9 1.155,10 2,59
Cerrado,Caatinga,MataAtlânticaeMarinho
Ceará‐148.920,54
4 389,86 5 426,24 0,55CaatingaeMarinho
Maranhão‐331.935,51 4 13.120,36 4 4.943,27 5,44
Cerrado,AmazôniaeMarinho
Paraíba‐56.469,47
1 40,52 5 15,30 0,10MataAtlântica,CaatingaeMarinho
Pernambuco‐98.146,32
5 781,51 13 79,84 0,88Caatinga
MarinhoeMataAtlântica
Piauí‐251.576,64
410.592,75
1 246,03 3,76
CerradoeCaatinga
RioGrandedoNorte‐
52.810,702 363,10 3 58,82 0,80
Marinho,CaatingaeMata
AtlânticaSergipe‐21.918,35
2135,47
2 30,37 0,76
CaatingaeMataAtlântica
41 39.244,41 43 6.965,85Nordeste‐1.554.387,73 2,53% 0,44%
46.210,26‐2,97%
Fonte:DadosMMA/ICMBIO<http://www.mma.gov.br>.
O Estado do Piauí possui 4 UC’s federais e 1 estadual, totalizando
10.592,75km²(3,76%).Énesteestadoqueseencontra,integralmente,amaior
UC nordestina, o PN da Serra das Confusões com 8.238,37 km² (Caatinga). O
9OPNdasNascentesdoRioParnaíbaéasegundamaiorUCnordestinacom7.243,21km²eocupaos estados doMaranhão, Piauí,Bahia e Tocantins. Encontra‐se localizadomajoritariamente noestadodoMaranhão(>40%).
VALLEJO
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EstadodaParaíbatemamenorextensãoterritorialprotegidacomapenas55,81
km²,ouseja,0,10%daáreaestadual(1reservabiológicafederale5pequenos
parques estaduais). Mesmo no caso do menor Estado nordestino (Sergipe)
existem165,84km²deáreasfederaiseestaduaisprotegidas,oquerepresenta
0,76%daáreaestadual.
Das 84 áreas protegidas doNordeste, apenas 11 (13,1%) sãomaiores
que 1.000 km². A grandemaioria (50UC’s) pode ser consideradade pequena
extensão,poissãomenoresque100km²(59,5%);20UC’spossuemáreasentre
100 e 500 km² (23,8%); e somente 3 (3,6%) com extensão entre 500 e 1.000
km².AmaiorabrangênciaespacialdeproteçãopelasUC’srecaisobreobioma
doCerrado,seguidopelaCaatinga,MataAtlânticaeAmazônia.Osecossistemas
marinhos estão legalmente protegidos na maioria dos estados nordestinos:
P.N.M.dosAbrolhos/BA;P.E.MdaPedradoRiscodoMeio/CE;P.N.doLençóis
Maranhenses/MA e P.E.M. do Parcel de Manuel Luís/MA; P.E.M. Areia
Vermelha/PB;eP.N.M.deFernandodeNoronha/PE.
A Figura 1mostra a distribuição das áreas legalmente protegidas nos
diversosestadosdaregiãonordeste.AsFiguras2e3mostramopercentualde
ocupação das 5 categorias deUC’s de proteção integral em todo oNordeste e
tambémnos estados.Nota‐se que as áreas dos parques (federais e estaduais)
prevalecememrelaçãoàsdemaiscategorias(65,5%).
Figura1–DistribuiçãodasáreasdeUC’sdeproteçãointegralporestadonordestino.Fonte:MMA/ICMBIO:http://www.mma.gov.br.
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba Pernambuco Piauí Rio Grande do Norte
Sergipe
Área (km²)
UCs Federais UCs Estaduais
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10
Parques65,5%
ESEC21,5%
REBIO7,5%
RVS4,3%
MONAT1,2%
Figura2–DistribuiçãodasáreasdeUC’sporcategoriadeproteçãointegral‐
EstaçõesEcológicas(ESEC),MonumentosNaturais(MONAT),Parques,ReservasBiológicas(REBIO)eRefúgiosdaVidaSilvestre(RVS).
Fonte:DadosMMA/ICMBIO<http://www.mma.gov.br>
Figura3–DistribuiçãodasáreasdediferentescategoriasdeUC’sporestado.Fonte:DadosMMA/ICMBIO<http://www.mma.gov.br>
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
14.000
16.000
18.000
20.000
Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba Pernambuco Piauí Rio Grande do Norte
Sergipe
Área (km²)
ESEC MONAT Parque REBIO RVS
VALLEJO
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Sobre o período de criação das UC’s os dados indicam que a grande
maioria originou‐se depois de 1999 (58 UC’s – 69,1%). Desse total, 32 UC’s
(38,1%)foramcriadasposteriormentea2006.Antesde1998,jáexistiam26UC’s
(31,0%).AmaisantigadasUC’snordestinaséoPNdeSeteCidades/PI,criadoem
05/06/1961 através do Decreto nº 50.744 (63,04 km² ‐ Caatinga). Em seguida
aparecem a ESEC Uruçuí‐Una/PI (1981 – 1.372,86 km²) e o PN dos Lençóis
Maranhenses/MA(1981‐1.565,84km²).
OsregistrosdefocosdecaloremUC’snordestinas
Entre junho de 1998 e dezembro de 2011 foram contabilizados 9.496
focosem24UC’s federais e4.169 focosem9UC’s estaduais, totalizando13.665
focosem33UC’s.OsdadosnuméricostotaisanuaisestãodisponíveisnaFigura4.
Figura4–TotaisanuaisdefocosdecaloremUC’snordestinas.Fonte:DadosCPTEC/INPE<http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/bduc.php>
Noperíodoconsiderado,observa‐seumaumentoprogressivononúmero
de focosde calor.Até2000,osvalores se situavamabaixode500; entre2001e
2006,elevaram‐separaumafaixaentre500e1000.De2006até2011,osvalores
superaramopatamarde1000,comdestaqueparaosanosde2007(2.075),2010
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(2.399)e2011(1.806).OsmaioresregistrosanuaisaconteceramnasUC’sfederais.
Em princípio pode‐se considerar que este aumento acompanhou a elevação do
númerodeáreasprotegidas,pois,comojáassinalado,32novasUC’sforamcriadas
depoisde2006.Entretanto,umaamplamaioriadefocosdecalorocorreuemUC’s
maisantigascomonoPNdasNascentesdoRioParnaíba(criadoem2002–4.770
focos), no PE do Mirador (criado em 1980 – 4.060 focos), na REBIO do Gurupi
(criado em1988 – 1.799 focos), na ESECdeUruçuí‐Una (criado em1981 – 987
focos), entre outros. Observa‐se que somente nestas 4 UC’s foram registrados
11.616 focos, equivalendo a 85,0% do universo de análise. Portanto, não é
conveniente atribuir o crescimento dos registros em função da elevação do
númeroetamanhodasáreaslegalmenteprotegidas.
Emrelaçãoaosestados(Figura5),observa‐sequeasUC’sdoMaranhãose
destacaram commaiores registros (11.182), seguido pelo Piauí (1.260) e Bahia
(1.059).Nosdemaisestados,osvaloresforammuitoreduzidos(abaixode140)ou
nãoforamdetectados(EstadodeSergipe).
Figura5–DistribuiçãoanualdosfocosdecaloremUC’sporestado.Fonte:DadosCPTEC/INPE<http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/bduc.php>
AFigura6apresentaosregistrosmensaisdetodooperíododeanálise.O
gráficoevidenciaumanítidaoscilaçãosazonaldonúmerode focos,sendoqueas
menores ocorrências se deram entre os meses de outubro e abril, aumentando
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fortemente no trimestre julho‐setembro. Confirmando o que já foi assinalado
anteriormente, as UC’s localizadas noMaranhão, Piauí e Bahia concentraram os
maioresregistros.
Figura6–RegistrosmensaisdefocosdecaloremUC’snordestinas(1998–2011)Fonte:DadosCPTEC/INPE<http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/bduc.php>.
Preliminarmente, constata‐se que a elevação dos registros de focos de
caloracompanhaasazonalidadepluviométricaexistentenaregiãoNordeste,que
se divide em quatro mesorregiões geográficas: Zona da Mata, Sertão, Agreste e
Meio‐Norte.Ovolumetotaldechuvas,assimcomoasdemaiscondiçõesclimáticas
acompanhamasdiferenciaçõesproporcionadaspelorelevoeproximidadedacosta
litorânea.AZonadaMataéamesorregiãomais chuvosa, enquantonoSertãoas
chuvassãoirregulareseescassas,comlongosperíodosdeestiagem(mesorregião
maisinteriordoNE).OAgresteficanatransiçãoentreasduasanteriores(altodo
planaltodaBorborema)eoMeio‐Norte faz contatoentreaAmazôniaeoSertão
(estadosdoMAePI).Nestaúltimaaprecipitaçãomédiaanualpodechegara2.000
mmpróximoaolitoralnorte,decrescendoparavaloresemtornode1.500mm/ano
paranadireção lestee interior.Ao suldoEstadodoPI, asmédias sãobemmais
baixas,oscilandoos700mm/ano.
Segundo os dados de Silva et. al. (2011, p. 134‐135), com base em 600
sériespluviométricasdiárias(30anos)dosnoveestadosdaregião,aschuvasmais
intensas ocorrem entre janeiro e junho, decaindo entre julho e setembro e
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Focos de calor
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voltando a crescer entre outubro e dezembro. Além dos totais mensais, as
variações foram verificadas no número de dias chuvosos, onde as médias mais
baixastambémsãoregistradasnotrimestrejulho‐setembro.
Tendo como referência as informações contidas noQuadro 2 (ilustradas
naFigura8),foramdestacadasasoitoUC’scomoosmaioresregistrosdefocosde
calor.Elasse localizamnosestadosdoMaranhão,PiauíeBahia, sendoquecinco
delas estão namesorregiãoMeio Norte, umano Agreste e duasmais ao sul, no
Sertão da Bahia. A Figura 7 destaca as informações dasmédias de pluviosidade
mensal(A)enúmerodediasdechuva(B)nosrespectivosestados.
Figura7–Médiaspluviométricas(A)enúmerodediaschuvosos(B)mensaisemtrêsestadosnordestinos.
Fonte:DadosdeSilvaetal.,2011(adaptadopeloautor)
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Nº médio de dias chuvosos
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Em ambos os gráficos fica evidente a sazonalidade pluviométrica nos
valores totais e no número de dias de chuva no trimestre julho‐setembro.
Simultaneamenteàdiminuiçãodovolumetotalprecipitado,háreduçãodonúmero
dediasdechuva.AsinformaçõessobreoEstadodoPiauí,comparativamenteaos
demais,indicamqueoperíododeestiagemémaispronunciado.
Arelaçãoentreaestiagemeoaumentodosregistrosdefocosdecalorse
explicapeloacúmulodematériasecavegetal,aumentandoosriscosdecombustão
natural (raios) e/ou pelos incêndios (acidentais e provocados). As altas
temperaturastambémcontribuemparaelevarosriscosdecombustão,assimcomo
amaiorinsolaçãoeosventosintensos.Osefeitostendemasepronunciarnosdois
últimos meses do período de estiagem, ou seja, em agosto e setembro, fato
confirmadoemtodasasavaliaçõesanuais.
Focosdecaloreosconflitosterritoriais
OQuadro2sistematizaalgumas informaçõesdasUC’sondeaconteceram
os maiores registros de focos de calor entre 1998 e 2011. Das oito áreas
relacionadas, cinco são parques (4 federais e 1 estadual), uma REBIO (federal),
umaESEC(federal)eumaRVS(federal).Juntasperfizeram13.150focos(96,2%)
deumtotalde13.665registradosem33UC’sdaregião.Todaselastêmextensão
territorialsuperiora1.000km².
Nacolunarelativaaosfocos,observarqueforamdiscriminadososvalores
nas áreas internas e nos respectivos “buffers” que abrangem uma extensão de
cercade10km10apartirdoperímetrolegal,comexceçãodoPEdoMirador11.Os
registrossobreos focosnos“buffers”dasUC’ssão indicativosdeusos, taiscomo
pastoseagricultura,quepodeminfluirdiretaeindiretamentenointeriordasáreas
protegidas, incluindo os riscos de propagaçãode fogo. Pode‐se observar que em
10 Baseado na Resolução nº 013 de 06 de dezembro de 1990 do Conselho Nacional do MeioAmbiente(CONAMA),“Art2º‐NasáreascircundantesdasUnidadesdeConservação,numraiodedez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota, deverá ser obrigatoriamentelicenciadapeloórgãoambientalcompetente”.UmanovaResoluçãodenº428de17dedezembrode2010,revogouaResol.013/1990,passandoadefinirem3kmazonadeamortecimentoparafinsdelicenciamento.
11OsregistrosdoCPTEC/INPEnãofazemreferênciaaosfocosdecalordealgumasUC’s,comonocasodoPEdoMirador(MA).
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todas as UC’s, com exceção do PE do Mirador (dados não contabilizados pelo
CPTEC/INPE), tiveram registros de focos em suas vizinhanças, na maioria dos
casos em quantidade bem superior ao que ocorreu internamente. O PN das
Nascentes do Rio Parnaíba teve a maior quantidade de focos internamente e
também no seu entorno. O PN das Serra das Confusões teve menores valores
internos,entretantoonºdefocosnoentornofoi265%maior,indicandointensas
açõesexternas.
Quadro2–UC’scomosmaioresregistrosdefocosdecaloresíntesedosprincipaisconflitosterritoriais
NºdefocosUC’s Área(km²)
Interior Buffer*Frequência(%)** Conflitosterritoriais
PNdasNascentesdoRioParnaíba
(MA/PI/BA/TO)
7.243,21 4.770 2.979 58,0
Pecuária;fogo;desmatamentos;
extrativismodocapimdourado;caça
PEdeMirador(MA) 4.467,47 4.060 ‐‐ 54,9
Pecuária;fogo;agricultura;tráficode
animais
REBIOdoGurupi(MA) 2.711,80 1.799 1.826 41,4
Extraçãodemadeira;pecuária;agricultura;
fogo;plantiodemaconha;desmontedecarros;
assentamentos;invasões;pistolagem
ESECdeUruçuí‐Una(PI)
1.372,86 987 1.118 42,0 Caça;pecuária;fogo;agricultura
PNdaChapadadasMesas(MA) 1.599,52 473 737 61,1
Caça;extraçãodemadeira;fogo;
agricultura;pecuária;pesca;turismo
PNdaChapadaDiamantina
(BA)1.519,95 463 804 30,9
Caça;coletadeprodutosnãomadeireiros;fogo;garimpo;pecuária;
turismo
RVSdasVeredasdoOesteBaiano
(BA)
1.280,49 347 697 19,2
Extraçãodemadeira;pecuária;construçãoeoperaçãodeinfra
estrutura;fogo;caça;despejoderesíduos
PNdaSerradasConfusões(PI)
8.238,37 251 916 23,5 Turismo;invasãodeespéciesexóticas;fogo
*Faixacom,aproximadamente,10kmapartirdolimitedaUC**Relação entre o número de meses com registros de focos de calor e o total de meses demonitoramento.Fonte:DadosCPTEC/INPE<http://www.dpi.inpe.br/proarco/bdqueimadas/bduc.php>;WWF‐BRASIL–ObservatóriodeUnidadesdeConservação<http://www.observatorio.wwf.org.br>
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Osvaloresde frequência (%)apresentadosna5ªcolunadoQuadro2,se
referemaosmeses emquehouve registrode focos, independentementedo total
mensalassinalado.Opercentualfoicalculadotendocomobaseonºtotaldemeses
de monitoramento das UC’s. Quanto maior o percentual, maior é a taxa de
recorrênciadoproblema.AmaiorfrequênciafoiregistradanoPNdaChapadadas
Mesas(MA)com61,1%.Esteparqueéomaisnovodasáreasrelacionadas,tendo
sido criadoem2006 (Decreto s/nºde31/01/2006).OPNdasNascentesdoRio
Parnaíba (2002) com 58,0% e o PE do Mirador (1980) com 54,9% também se
destacarampelaaltafrequênciaderegistros.
A6ªcolunadoQuadro2apresentaumasíntesedosconflitos territoriais
maisrelevantes.Observarqueousodo fogoaparececomodenominadorcomum
emtodososcasos,emáreasinternase/ounoentornodasUC’s.Osrelatossobreo
emprego do fogo nestas áreas indicam diferentes motivações, destacando‐se: a)
manejodepastagensparalimpezadeáreaseplantiodegramíneascomerciais;b)
queimadas para supressão da vegetação original a favor de interesses de
pecuaristas e agricultores; c) queimadas por parte da população local em
represália à existência das próprias UC’s e às limitações de uso impostas pelos
órgãosambientais;d)queimadasassociadasàspráticas tradicionaisdecaça;ee)
incêndios acidentais decorrentes do turismo e circulação de pessoas no interior
das UC’s. Como já demonstrado anteriormente, as queimadas e incêndios
aumentam significativamente no trimestre de maior estiagem (julho‐setembro).
Em 2007, por exemplo, não foi registrado um únicomm de chuva entremaio e
setembronaEstaçãodePluviométricadeBalsas/MA12,localizadanaregiãocentral
do Estado. Isto pode ter contribuído decisivamente na elevação dos registros de
focos de calor. Nos anos de 2010 e 2011, o número de focos também foimuito
elevado(Figuras5e6)paralelamenteaausênciatotaldechuvaspor2e3meses,
respectivamente.
Asuscetibilidadeaosincêndiosemfunçãodaestiageméapenasumfator
quecontribuiparaelevarosriscosdesuaocorrência.Deve‐sedestacartambéma
faltadeaçõesgovernamentaisnocampodagestãoterritorialdasáreasprotegidas. 12DadosAgênciaNacionaldeÁguas(ANA)<http://hidroweb.ana.gov.br/>
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Todas as UC’s relatadas no Quadro 2 apresentam problemas de consolidação
territorial, tais como: a) o desconhecimento por parte dos gestores públicos da
realidade fundiária; b) a falta de políticas públicas e recursos para promover
desapropriações; e c) deficiências orçamentárias e administrativas para
fiscalizaçãoeprevençãodeaçõesimpactantes,incluindoaproblemáticadofogo.A
resultante desta escassez traz implicações diretas nos conflitos com populações
que vivem tradicionalmente nas áreas (interior e entorno), além de invasões,
grilagens,açõesespeculativas,insegurançaeoportunismopolítico.
Grandes projetos de características fortemente expansionistas, como no
caso do agronegócio da soja, podem contribuir nos impactos das UC’s. Das oito
áreas protegidas relacionadas no Quadro 2, cinco estão localizadas numa região
sob forte influência deprocessos de expansão populacional e do agronegócioda
soja(PNdaChapadasMesas,ESECdeUruçuí‐Una,PNdaSerradasConfusões,PN
dasNascentesdoRioParnaíbaePEdoMirador),conformemostradonaFigura8.
Elas estão situadas exatamente na linha de expansão denominada por
determinados autores como “arco de fogo” e “arco do desmatamento” (Becker,
2005;Ferreiraetal.,2005).
UmadasUC’semsituaçãomaiscríticaéaREBIOdoGurupi,situadaaoeste
doMaranhãoepróximoàdivisacomoEstadodoPará,sendoconsideradaumadas
últimas áreas remanescentes da Floresta Amazônica Maranhense. Segundo
avaliação feita pela ONG Conservação Internacional Brasil, ostenta o título de
“unidadedeconservaçãoempiorsituaçãodoBrasil”,pois,desdeasuacriaçãoem
1988, enfrenta problemas com a extração ilegal demadeiras, invasões, pecuária,
agriculturaefogo.TaisproblemassãocomunsàsdemaisUC’s,entretantohádese
destacarasações criminosas sobo signodapistolagem(plantiodemaconhaeo
desmonte de carros, entre outras). Os assentamentos promovidos pelo governo
estadual na área da REBIO federal, também indicam o descompasso na gestão
territorialdaUC.
Em todas as UC’s avaliadas neste estudo, assim como acontece
nacionalmente,existemconflitosterritoriaisdesdeasuaorigem.Acondiçãolegal
deterritóriodeconservaçãodanaturezarestringiuatividadestradicionaise/ouse
defrontou com frentes de expansão da pecuária e agricultura, muitas vezes
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viabilizadas pela abertura e pavimentação de estradas. Neste contexto, as
autoridades ambientais não conseguem proteger, com a eficiência desejada, os
limites territoriaisdasUC’s.Osconflitossão indicativosda ineficiênciae/oufalta
de interesse político dos governos na consolidação das áreas de conservação do
patrimônionatural.
Figura8‐PosicionamentodasUC’snordestinascommaioresregistrosdefocosdecalor
CONCLUSÕES
A região do Nordeste brasileiro é dotada de importantes atributos
naturais,particularmentepelapresençadosbiomasdaCaatinga eCerrado, além
daspaisagensdaFlorestaAmazônicaedos remanescentesdeMataAtlântica. As
zonas litorâneas e seus ecossistemas associados têm papel preponderante no
crescimento e consolidação do turismo, tornando a região uma importante
referência de atratividade em escala nacional e internacional. Desse modo,
acreditamos na importância de se investir em políticas públicas associadas à
criação e gestão de áreas protegidas, enquanto estratégia de desenvolvimento
socialeconservaçãodanatureza.
Legenda: 1 – PN das Nascentes do Rio Parnaíba 2 – PE do Mirador 3 – REBIO do Gurupi 4 – ESEC Uruçuí-Una 5 – PN da Chapada das Mesas 6 – PN da Chapada Diamantina 7 – RVS Veredas do Oeste Baiano 8 – PN das Serra das Confusões
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O presente estudo tem a pretensão de contribuir na avaliação sobre as
grandes áreas protegidas doNordeste, que estão sofrendo impactos decorrentes
da falta de atenção e investimentos para sua consolidação territorial. Emoutras
palavras, não adianta apenas criá‐las, mas é preciso dar a devida prioridade
política ao tema. A utilização dos registros de focos de calor deve ser entendida
comouma estratégia auxiliar de avaliação dos conflitos territoriais, tendo como
base séries temporais obtidas a partir do ano de 1998. Estes registros não nos
capacitam a ter plena certeza sobre a ocorrência dos incêndios e nem sobre a
extensãodosprejuízos.OssatélitesesensoresdereferênciadoINPEsãoeficientes
na detecção de médios e grandes eventos, entretanto, eles não conseguem
identificar os focos de calor num contexto de resolução espacial inferior a 1 km
(PANTOJAeBROWN,2007;PIROMALetal.,2008;TOMZHINSKILetal.,2011).Para
avaliaçõesemáreasmenores,comonocasodeUC’smunicipais,serãonecessários
outrosmétodoserecursosdemonitoramentodosfocosdecalor.
Baseadonosestudossobrefocosdecalorproduzidosemescalanacional,
pode‐seafirmarquediversasUC’saquicitadas,comooPNdasNascentesdoRio
Parnaíba,aREBIOdoGurupi,aESECUruçuí‐Una,oPNdaChapadadasMesas,oPN
daChapadaDiamantinaeoPEdoMirador,aparecemcomdestaquenorankingdas
que mais queimaram ao longo da última década. Os números apresentados se
igualam e, às vezes, superam os valores registrados em UC’s de outras regiões
intensamenteimpactadasnoCentro‐Oeste(MTeTO)enoNorte(PA,TOeRO)13.
O incremento dos focos de calor em UC’s acompanhou a sazonalidade
climática,comumnúmerosubstancialmentemaiornoperíodoquevaidejunhoa
setembro.Agostoesetembrosãoosmesescommaiorregistrodefocos.Até2005o
nº totalde focosanuaisera inferiora1.000, superandoestepatamarapartirde
2006. Os anos de 2007, 2010 e 2011 apresentaram a maior quantidade de
registros, sempre acima de 1.800. Portanto, o problema do fogo nas UC’s
nordestinas,assimcomoemmuitasoutraspeloBrasil,vemseagravandoaolongo
dosúltimosanos.MesmotendoconhecimentodequeforamcriadasnovasUC’s,a
13DadosdisponíveisemartigoenviadoparaoVIICongressoBrasileirodeUnidadesdeConservação(Vallejo, L.R, 2012 ‐ Avaliação geográfica dos incêndios em unidades de proteção integral noBrasil‐1998‐2011)Noprelo.
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maiorpartedos focosocorreuemáreasmaisantigas.A influênciaclimáticapode
tercontribuídopara isso,assimcomoa intensificaçãodosconflitos territoriais.A
avaliaçãodopesodecadaumadessasvariáveisprecisa ser investigadade forma
mais particularizada, já que o presente estudo apresenta uma visão geral do
problema.
AsUC’sdos estadosdoMA,PI eBA registraramosmaioresnúmerosde
focos de calor. Entre as causas que antecederam a ocorrência dos incêndios, a
precariedade da gestão territorial nas unidades criadas deve ser destacada. Sem
consolidaçãopelosgovernos,asUC’sconvivemcomafaltaregularizaçãofundiária,
fiscalização e outros investimentos de controle do território. Entende‐se que os
conflitos associados às práticas agrícolas, pastagens, exploração de recursos
vegetais e animais, turismo descontrolado, entre outros, resultam da falta de
comprometimentogovernamentalnoestabelecimentodaterritorialidadenasUC’s.
Dessa forma, o emprego do fogo nas suas diversas formas de motivação
(criminosa, expansionista ou prática cultural) deve ser considerado como um
elementoindicadordosconflitos.
Parafinalizar,destaca‐sequeem1989foiimplantadooSistemaNacional
dePrevençãoeCombateaosIncêndiosFlorestais–PREVFOGO(Decreto97.635de
10/04/1989eregulamentadopeloDecreto2.661de08/07/1998).OPREVFOGO
atua em treinamento e divulgação da queima controlada, na orientação às UC’s
paraaimplantaçãodeplanosdemanejodefogoepromovecampanhaseducativas
visando à conscientização das populações rurais e urbanas sobre os riscos e
problemas provocados pelos incêndios florestais. A efetividade das ações do
PREVFOGOjuntoàsUC’s,mesmotendoevoluídonoperíodode2000a2010,ainda
carecedeinvestimentosquemelhoremascondiçõesoperacionais(Vallejo,2010,p.
194).JáexistembrigadasdeincêndioqueatendemdeterminadasUC’sdoNordeste
(PNdasNascentesdoRioParnaíba,PNdaChapadadasMesaseESECdeUruçuí‐
Una).Entretanto,agrandeextensãodasáreasaliadaàsdificuldadesoperacionais,
aindadificultamaprevençãoeocombatediretoaosincêndiosdemaiorproporção.
Dessemodo,espera‐sequeasinformaçõesapresentadasestimulemainda
mais o desenvolvimento de pesquisas sobre o tema e ampliem a consciência
pública, em geral. É urgente empreender esforços por ações político‐
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22
administrativas coerentes e necessárias à proteção do patrimônio natural
nordestinoebrasileiro.
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Cadernos do Logepa v. 7, n. 1, p. 25‐39, jan./jun. 2012 ISSN: 2237‐7522
TURISTIFICAÇÃO, DESENVOLVIMENTO EPARTICIPAÇÃODOS STAKEHOLDERSDO TURISMONO MUNICÍPIO DE BARRA DE SANTO ANTÔNIO,ESTADODEALAGOAS,BRASIL
Artigo recebido em: 21/04/12 Revisado em: 25/05/12 Aprovado em: 10/06/12
Andersson Pontes Barbosa¹
¹ Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia [email protected]
Correspondência: Andersson Pontes Barbosa Av. 1º de Maio, 720, Jaguaribe, João Pessoa, Paraíba, Brasil CEP: 58.015‐430
RESUMOA participação de stakeholders no planejamento turístico tende atrazer benefícios para todos os envolvidos. Omunicípio de Barra deSanto Antônio, localizado a aproximadamente 45 km de Maceió, nolitoral norte alagoano, é um lugar conhecido turisticamente a pelomenos duas décadas. Em geral o crescimento do turismo na zonacosteira nordestina tem sido alvo de preocupação entre estudiosos,organizaçõesnãogovernamentais,emembrosdaprópriacomunidade,devido ao vários tipos de impactos ambientais que a atividade temcausado na região. Como uma das formas de evitar taisproblemas econtribuirparaodesenvolvimentosustentáveldoslugaresturísticos,ogoverno federal criou diversas políticas públicas, nas quais aparticipaçãodacomunidadenoplanejamentoturísticoéumprincípioa ser observado. A metodologia deste estudo incluiu revisão deliteratura,levantamentofotográfico,entrevistasabertaseentrevistadegrupofocal,incluindodiversosstakeholderslocaisdodesenvolvimentoturístico.OestudoconcluiqueoturismotemsedesenvolvidoemBarrade Santo Antônio de forma espontânea, e que não há participaçãosignificativados stakeholders locaisnoprocessodeplanejamentodoturismo.Palavras‐chave:Turismo,participação,desenvolvimentolocal.
TOURISTIFICATION, PARTICIPATION ANDDEVELOPMENTOFSTAKEHOLDERSINTOURISMTHEBARRA DE SANTO ANTÔNIO, ALAGOAS STATE,BRAZILABSTRACTStakeholder participation in tourism planning brings benefits to allinvolved.BarradeSantoAntônio,whichislocatedatapproximately45kmfromMaceió,ontheAlagoasnorthcoast,isatouristplaceknownassuchforatleasttwodecades.Ingeneral,tourismgrowthonthecoastof the Brazil’s northeast region has been amatter of concern amongscholars, non‐governmental organizations, and members of thecommunities, given the severe environmental impacts tourism hascausedintheregion.Inordertoavoidtheseproblemsandcontributeto sustainable development, the federal government enacted severalpublic policies in which community participation is a planningprinciple.Thestudymethodsincludedliteraturereview,photographicsurvey,open interviews,and focalgroup interviewwithdiverse localtourismstakeholders.ThestudyconcludesthattourismhasdevelopedinBarradeSantoAntônioinaspontaneousway,andthattherehasnotbeenanysignificantparticipationoflocalstakeholdersintheplanningprocessoftourism.Keywords:Tourism,stakeholders,participation,localdevelopment.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 25‐39, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
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INTRODUÇÃO
Oturismoéumdossetoresdaeconomiaquemaiscrescenaatualidade,já
tendo atingido o status de uma das principais atividades socioeconômicas no
mundo, e vem superando setores tradicionais como a indústria automobilística,
eletrônicaeapetrolífera.DeacordocomdadosdoConselhoMundialdeViagense
Turismo (WTTC), o turismomovimenta cerca de US$ 3,4 trilhões (10% do PIB
mundial)eemprega204milhõesdepessoas(10%daforçadetrabalhoglobal).O
turismo possui um número muito grande de outras atividades que direta ou
indiretamenteseconectamàsuacadeiaprodutiva(DIAS,2003,p.9).
As atividades turísticas têm se diversificado com o passar do tempo,
tendo‐setornadocadavezmaisimportanteparapaíses,regiõesemunicípiosonde
essaatividadeseinsere.Emmuitospaísesoturismosetornouumaalternativade
desenvolvimento(ARAÚJO,2009).EsseéocasodoBrasilqueem2003criouum
ministério exclusivamente para cuidar do setor turístico do país. O Brasil conta
hoje com grande número de políticas voltadas para explorar o turismo
economicamenteeparacontribuircomodesenvolvimentolocal.
Entretanto,quandoaatividadesedesenvolvedeformaespontânea,istoé,
sem planejamento, frequentemente o turismo causa muitos problemas
socioambientais. Alternativamente, o turismopode ser planejado para ser usado
como uma alternativa de desenvolvimento, buscando‐se tirar o máximo de
benefíciosparaoslugaresenvolvidos.
Entre vários aspectos relacionados ao planejamento do turismo, a
participaçãodestakeholders1noprocessodeplanejamentopodeajudararedefinir
a identidade local, fazendo com que possam existir perspectivas reais de
desenvolvimento, criando, assim, de forma positiva, o comprometimento dos
atores envolvidos nas destinações turísticas (DIAS, 2003). O processo de
participação de stakeholders no planejamento turístico pode trazer muitos
aspectos positivos em relação à forma pela qual uma destinação turística se
desenvolve,contribuindoparaamelhoriadaqualidadedevidadosresidentes.
1 De acordo com FREEMAN (1984) “stakeholders são elementos essenciais ao planejamento estratégico de negócios”.
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Por exemplo, a participação pode proporcionar benefícios para as
comunidades envolvidas a exemplo do controle e gestão dos seus recursos
(naturais, sociais, culturais e ambientais), muitas vezes explorados de forma
irracional ou sem levar em conta os interesses de todos os stakeholders
relacionados a tais recursos, mais precisamente representantes da própria
comunidadelocal.
No estado de Alagoas nas ultimas décadas o turismo vem ganhando
bastante espaço, crescendo de forma abrangente e acelerada, principalmente na
zonacosteira,aondevemcausandoproblemasambientaisesociais.
Adestinaçãovempassandoporumprocessodeturistificação,oqualjáse
estende por mais ou menos três décadas. Há localmente uma variedade de
stakeholders que de forma direta ou indireta estão relacionados ao
desenvolvimento turístico local. Entretanto, há uma separação entre esses
stakeholders no que diz respeito ao planejamento turístico local, com grupos
economicamentemaisfortestomandodecisõesdeformaindependentedosdemais
stakeholders.
Considerando os estudos relacionados à falta de planejamento e gestão
nasdestinaçõesnoestadodeAlagoas,esteprojetodepesquisatevecomoobjetivo
estudaroprocessodeparticipaçãodosstakeholders locaisnomunicípiodebarra
deSantoAntônio.
AdestinaçãoturísticaBarradeSantoAntônio
OmunicípiodeBarradeSantoAntônio(Figura1)estálocalizadonolitoral
nortedeAlagoasaaproximadamente45kmdeMaceió,àsmargensda fozdorio
SantoAntônio,limitando‐seaoNortecomosMunicípiosdeSãoLuizdoQuitundee
PassodoCamaragibe,aoSulcomomunicípiodeParipueira,aolestecomooceano
AtlânticoeaoOestecomomunicípioMaceió.
ConformedadosdoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE),a
áreadomunicípiodeBarradeSantoAntônioéde137,98km²,inseridanaMeso‐
RegiãodoLesteAlagoanoenaMicro‐RegiãodeMaceió.Asededomunicípioestá
localizada a uma altitude média de aproximadamente 10m, na coordenada
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geográfica 09º24’18” de latitude sul e 35º30‟25,2” de longitude oeste ‐
coordenadas de centro. O acesso ao município se dá a partir de Maceió, pela
rodoviaAL‐101‐Norte.
Figura 1. Município de Barra de Santo Antônio (Fonte: Laboratório deGeoprocessamentoAplicado–LGA/UFAL).
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MATERIAISEMÉTODOS
A pesquisa teve como principal objetivo estudar se há participação no
planejamento turístico em Barra de Santo Antônio, compreendendo como o
processo ocorre na prática. Foram realizadas cinco visitas ao município,
inicialmente com o objetivo de familiarização com a área. As visitas de campo
também tiveram como objetivo a realização de levantamento fotográfico,
identificação dos stakeholders locais da atividade turística e a realização de
entrevistasabertas.
Durante as visitas de campo se informou às pessoas contatadas sobre a
futurarealizaçãodeumareuniãodegrupofocalnacomunidadeparaaqualforam
convidados a participar. As entrevistas abertas foram realizadas com nove
stakeholders, a saber: Secretário Municipal de Saúde, Secretário Municipal de
Turismo,RestauranteEstrelaAzul,ColôniadePescadores (Z‐14),Associaçãodos
Jangadeiros,BardoPiu,EscoladeEnsinoFundamental7deSetembro,Restaurante
AlmiranteAraújoeumresidenteantigo.
Na reunião deGrupoFocal participaram stakeholders consideradosmais
relevantesparaosobjetivosdoestudo, tendosidoconvidadososqueseseguem:
ColôniadosPescadores,AssociaçãodosJangadeiros,BardoPiu,DiretoradaEscola
deEnsinoFundamental7deSetembro,eumamoradora.Adotou‐seprocedimento
qualitativodeanálisedosdados,priorizando‐seosdadoseinformaçõesrelevantes
paraaosobjetivosdapesquisa.
RESULTADOSEDISCUSSÃO
Ausênciadopoderpúblico edeparticipaçãonoplanejamento turísticodeBarradeSantoAntônio
OturismonomunicípiodeBarradeSantoAntôniovemsedesenvolvendo
unicamentecombasenassuascaracterísticasnaturais(praias,sol,mar,rioSanto
Antônio,manguezais,piscinasnaturaisefalésias).Esseconjuntodecaracterísticas
naturaisatrainãosóturistasbrasileiros,mastambémturistasestrangeiros.
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Naopiniãodosentrevistados,houveumareduçãono fluxode turistasa
Barra de Santo Antônio nos últimos anos. Provavelmente, esse fenômeno é
resultado de vários problemas, dentre os quais podem ser citados: falta de
investimentosporpartedopoderpúblicoedainiciativaprivada,deficiênciasnos
meiosdetransporteatéomunicípioedecirculaçãonolugar,erosãocosteira,falta
deinfra‐estruturadesaneamento(especialmentelixoeesgoto),edeterioraçãoou
sub‐utilizaçãodemeiosdehospedagem(Figura2).
Figura2–ProblemasapresentadosnomunicípiodeBarradeSantoAntônio: (a)Esgoto a céu aberto, proveniente da falta de saneamento básico, (b) Erosãomarinha provocada por construções irregulares, (c) Meio de hospedagem paraalugar defasados por falta de investimentos e parcerias entre poder público einiciativa privada, e (d) Estradas sempavimentação, dificultando a circulação deresidenteseturistas.(Fonte:LTTD/IGDEMA/UFAL–04/04/2009.Autor:LindembergMedeirodeAraújo)
Outro fator importantenessesentidoéa faltade iniciativasporpartedo
poderpúblicolocalemrelaçãoaoplanejamentoturísticoeafaltadeparticipação
dos stakeholders locais no planejamento turístico, que ocorre basicamente com
baseemaçõesdainiciativaprivada,eaausênciadeparceriasentreosstakeholders
locais.
a
c d
b
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É preciso haver um envolvimento direto dos gestores públicos no
planejamento e gestão do turismo, de tal forma que ele possa ter alguma
possibilidade de contribuir para o desenvolvimento em Barra de Santo Antônio.
Isto é fundamental para que o turismo contribua efetivamente para o
desenvolvimento,articulando‐seaoconjuntodaeconomia.Atravésdareuniãocom
osstakeholderspresentesnessemunicípiooturismonãocontacomainiciativado
poderpúblicolocalparaoplanejamentoturístico,quersejacomparticipação,quer
sejadeformaindividual,ouinvestimentosfinanceiros.
Nessesentido,umexemploligadoàscaracterísticasnaturaisdomunicípio
écitadoporumdosparticipantesdareuniãodegrupofocal,arespeitodaspiscinas
naturaisexistentesnomunicípioeque,navisão,nãosãoexploradaspeloturismo,
segundooentrevistadoporfaltadeiniciativadopoderpúblico.Esseparticipante
dogrupofocalafirmou:“Nuncafoiexploradaapiscina;quemvaiéopessoaldaqui
mesmo,(21/05/2009)”.
Dessemodo,oturistavemaomunicípio,masnãosabeoqueodestinotem
aoferecer (comexceçãodos turistasquevêmatravésdeagênciasdeviagens).A
faltade infraestruturaedeopçõesde lugaresaseremfrequentadossãotambém
aspectos falhos no município. Investimentos nesses aspectos poderiam trazer
melhorias para a própria rede de bares, restaurantes, pousadas meios de
hospedagemlocais.
Verificou‐sequeinvestimentosprivadosqueforamrealizadosnopassado
vêm diminuindo. Muita gente está indo embora por falta de melhorias na
infraestrutura,deficiênciasnasegurançapúblicaeporcausadaerosãomarinha,o
quetemprovocadodestruiçãoeperdasparaosmoradoresquepossuemcasasno
local.Nãohouvecontrolenaocupaçãodoespaçolitorâneo,nãoserespeitandoas
áreas próximas ao mar, tendo‐se construído nos Terrenos de Marinha, sem
qualquerformadeplanejamento.
Seguetranscritaaopiniãodeummoradorarespeitodesseproblema:
Opessoal tãovendoaBarramuitoparada,nãotemaquelemovimento que tinha. Talvez daqui pra frente ela semovimente, mas com essa parada que deu por causa da
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administraçãopassada,opovobotouacasapravender,temmuitagenteindoembora,(21/05/2009).
Os problemas ambientais ocorrem por todo o município. Outro ponto
abordado pelos moradores na entrevista foi à falta de opções de lazer para o
turistaeoprópriomorador.
Comooplanejamentoturísticoadotadonomunicípioexisteapreocupação
porpartedosgestoresdequeoresidentesejaalvodosinvestimentosrelacionados
àdestinação,ouseja,comodefendeYázigi(1999),aocomentarsobreapreparação
doslugaresquepretendeminvestirnasatividadesturísticas.
A opção de lazer no município inclui durante o dia, a exploração das
belezasnaturais.Ànoite, entretanto,nãoexistequalquer formadedivertimento,
como, por exemplo, casas noturnas, shows e lugares para recreação. A eventual
existência de opções relacionadas a esses itens seria importante para fazer com
que o turista visitasse o município e permanecesse por mais tempo no lugar,
contribuindo assim para o desenvolvimento local, especialmente através da
geraçãodeempregoerenda,alémdemovimentaraeconomiadomunicípio.
O turismo ganha grande visibilidade em Barra de Santo Antônio apenas
durante o período de carnaval, quando a cidade é ‘invadida’ por milhares de
pessoas à procura de diversão. Por outro lado, esse evento tira o sossego dos
moradores. Dois participantes do grupo focal mostraram sua indignação em
relaçãoaesseproblema:
Carnaval aqui, como eu gostaria que fosse tranquilo. Se aBarra pudesse, ela gritava: ‐ “Tira esse povo daqui”,(21/05/2009).Elesachamquepagamcaroporumacasa,botamosomnasua porta e fica de seis da manhã até o outro dia,(21/05/2009).
Essetipode fenômenoestáemparteassociadoaochamado“turismode
segunda residência” que é definido por Tulik (2000, p.196), “Como alojamentos
turísticos particulares, utilizados temporariamente, nos momentos de lazer, por
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pessoasquetêmseudomíniopermanenteemoutro lugar[...]”.Dessemodo,esse
tipo de turismo, que predomina na alta estação nomunicípio, se desenvolve no
município semnenhumestudoapropriadoouplanejamento, visandoestabelecer
condiçõesderelacionamentoentreosvisitanteseosmoradores,oquemaisuma
vez fornece indíciosdaausênciadeparticipaçãonadefiniçãodecomoexploraro
turismo no município. Caso houvesse a participação dos stakeholders locais no
planejamentoegestãodoturismo,problemascomoessepoderiamserenfrentados
deformamaisadequada.
O grande afluxo de visitantes a um lugar turístico em determinados
períodos do ano é um fenômeno comum à maior parte dos lugares turísticos.
Normalmente,issoocorreduranteaaltatemporada,quandoapopulaçãovisitante
pode superar em número a população residente, um fenômeno previsto pelo
modelo de Butler (apud ARAUJO; MOURA, 2007), denominado Ciclo de Vida da
ÁreaTurística(CVAT),(Figura3).
Figura3.CiclodeVidadaÁreaTurística.Butler(ARAUJOeMOURA,2007).
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Segundo essemodelo,os lugares turísticos surgem e evoluempassando
por cindo fases ou estágios evolutivos: exploração, envolvimento,
desenvolvimento,consolidaçãoeestagnação,apartirdoqualolugarpodeentrar
em declínio ou passar por um rejuvenescimento, isto é, o número de turistas
voltariaacrescer.DeacordocomoCVAT,quandoolugaratingeafasedenominada
“desenvolvimento”,onúmerodeturistasultrapassaapopulaçãoresidentedurante
aaltatemporada.Nocasoemquestão–BarradeSantoAntônio–,assimcomoem
outras cidades do litoral alagoano,o Carnaval caracteriza umperíodo de grande
concentraçãodepessoas,semelhanteàaltaestação.
Aplicando‐seomodelodeButleraomunicípiodeBarradeSantoAntônio,
pode‐sesugerirqueograndeafluxodevisitantesaesselugarduranteocarnavalé
semelhanteaoqueocorreriadurantea fase “Desenvolvimento”.Excetuando‐seo
períododealta temporadaeo carnaval, levando‐seemconsideraçãoasopiniões
dos participantes do grupo focal de uma forma geral Barra de Santo Antônio
encontra‐senafasede“Estagnação”.Porexemplo,essemunicípionãotemmaiso
glamour de alguns anos atrás, não atrai mais tantos turistas como em anos
anterioreseapresentasériosproblemasambientais,sociaiseeconômicos.
Alémdisso,levando‐seemconsideraçãocomentárioscolhidosduranteas
entrevistasabertasenogrupofocal,pode‐selevantarahipótesedequeBarrade
SantoAntônioapresentatambémsinaisdepós‐estagnação,ouseja,areduçãono
fluxo turístico e a existência de um grande número de imóveis – geralmente
segunda residência – à venda. Os entrevistados identificaram dois aspectos
explicativos desse problema, ou seja, o avanço da erosão marinha, destruindo
casaseoutrasemrisco;eproblemasdefaltadesegurança,oqual,navisãodeles,
tenderáaseagravarcomoresultadodaconstruçãodeumapontesobreorioSanto
Antônio,ligandoaparteantigadacidadeàáreamaisrecente,aIlhadaCrôa.Eles
acreditamqueafacilidadedeacessocomaponte,atrairámaiscriminososaolugar,
prostituiçãoepoluição.
Podemos destacar a opinião de alguns moradores a respeito da
construçãodessaponte(Figura4).
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Figura4–PonteemconstruçãonomunicípiodeBarradeSantoAntônio.Fonte:LTTD/IGDEMA/UFAL–14/11/2008.Autor:LindembergMedeirodeAraújo.
EupreferiaaBarra com trêsbalsasboase comcanoasdoqueaponte.
Também se dependesse de mim, essa ponte não existirianão. Teria melhorias pra comunidade, vai trazer renda,emprego, mas também com ela vai vir o crescimento daprostituição,aumentonoíndicededrogaepoluição.
Como não se encontrou evidências de participação da comunidade no
planejamento ou gestão do turismo em Barra de Santo Antônio, constatando‐se
umagrandeausênciadopoderpúblicoemrelaçãoàquestão,verifica‐sequenão
existeumambienteinstitucionalouorganizacionalquepermitaqueacomunidade
expresseseuspontosdevistaemrelaçãoacomooturismodevasedesenvolverno
município, o que limita muito as possibilidades de o turismo contribuir para o
desenvolvimentolocal.
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Os dados coletados para este trabalho não foram suficientes para uma
análisedoprocessodeturistificaçãodomunicípiodeBarradeSantoAntônio,isto
é, quais os acontecimentos e como eles se sucederam ao longo do tempo, até os
diasatuais,caracterizandocadaestágiodoseuCVAT.Assim,aanálisedofenômeno
daparticipaçãonoplanejamentoturísticonessemunicípiofoirealizadacombase
nos comentários colhidos durantes as entrevistas abertas e na reunião de grupo
focal.Ficouclaroquedeumaformageralnãohouveenvolvimentodacomunidade,
sejanoplanejamentoounagestãodoturismonessemunicípioaolongodotempo,
comoturismoocorrendobasicamentedeformaespontânea.
Entretanto, os participantes do grupo focal informaram que as ações de
recuperaçãodoHotelCaptainNikolas2, localizadona restingada sedemunicipal,
antes dele ser arrendado, envolveu discussões com a comunidade. Entretanto,
essas discussões surgiram com base na ação de membros da comunidade
(pescadores)quequestionaramcertosaspectosdoprojeto,aspectoqueéilustrado
pelatranscriçãoabaixo:
Aquele hotel ali, na verdade, ele ia modificar muito aquestãodomeioambiente.Logonocomeço, foiumabrigamuitograndequeagentepegoucomessepessoal,queelesiamfechartodaaquelapraiaondepertenceaesseCapitão.Aí a gente entrou na questão, discutimos com ele sobre aquestãodapesca.Emeles fecharemaquilo tudodeestaca,ospescadoresiamparardepescarporali,indomodificaromeioambiente.
Esseeventomostraumapré‐disposiçãoda comunidade (pescadores)de
lutar por seus interesses, com base na sua auto‐mobilização. Outro fato
interessante relacionado à mobilização da comunidade de pescadores frente a
açõesassociadasaoturismonomunicípiodeBarradeSantoAntôniodizrespeitoa
umprojetovisandoaimplantaçãodeumresort,nafazendaMorrosdeCamaragibe,
localizadanasproximidadesdafozdorioCamaragibe,aaproximadamente13km 2 O Hotel Captain Nikolas, inicialmente de propriedade de um grego, e que havia fechado, foi adquirido por outro grupo, que o re‐abriu com o nome D’Aldeia Village Hotel.
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dasedemunicipal,nosentidonordeste.Aosaberemquehaveriaumareuniãocom
osórgãosambientaisparadiscutiroprojetodesseresort,reuniãoessaparaaqual
os pescadores não foram convidados, eles se mobilizaram e conseguiram a
participaçãodeumrepresentantedeles.Osentrevistadosinformaram,nareunião
de grupo focal, que eles sugeriram a realização de uma audiência pública com
ampla participação dos pescadores, pleito que foi atendido. Informaram que
participaram mais de 200 pescadores nessa audiência, o que permitiu uma
discussão detalhada do projeto, resultando inclusive namodificação de aspectos
queconflitavamcomos interessesdospescadores,particularmenteemrelaçãoà
iluminaçãodapraia,emfrenteaoresort,oque,segundoosentrevistados,afastaria
ospeixesdomarpróximoaessaárea.
Essesdoisfatosrelacionadosàcapacidadedeauto‐mobilizaçãoporparte
dospescadoressãosugestivosdequeacomunidadelocalapresentaalgumnívelde
capitalsocial.CasohouvesseemBarradeSantoAntônioalgumainiciativadopoder
públiconosentidodecriarumplanejamentoegestãodoturismoparticipativo,as
informações e articulações dos pescadores locais poderiam ser utilizadas como
objetivodeaperfeiçoarodesenvolvimentolocalcombasenoturismo.
CONSIDERAÇÕESFINAIS
De acordo com o estudo realizado, os stakeholders do planejamento e
desenvolvimento turístico do município de Barra de Santo Antônio são muito
numerosos, envolvendo os moradores antigos e os mais recentes, a iniciativa
privada, as Organizações Não‐Governamentais (ONGs) e a sociedade civil.
Entretanto,apenasumapequenapartedesses stakeholdersdemonstrou interesse
emdiscutirosproblemasrelacionadosàquestãododesenvolvimentoturísticodo
lugar:ColôniadePescadores(Z‐14),AssociaçãodosJangadeiros,BardoPiu,Escola
deEnsinoFundamental7deSetembro.
O município de Barra de Santo Antônio possuie sua oferta turística
baseada exclusivamente nos aspectos naturais. Apesar disso, foram identificados
problemasambientaisqueoscolocamemrisco,principalmentelixo,tibornanorio
SantoAntônio,esgotosemtratamento,eerosãomarinha.Dopontodevistasocial,
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verifica‐se a existência de inúmeras áreas subnormais, com barracos e casas de
taipasemamenorcondiçãodemoradia.
De fato, faltaumamobilizaçãoporpartedopoderpúblicoeda iniciativa
privada para uma discussão com a comunidade relacionada em planejar e
desenvolver o turismo no município. Verificou‐se que em apenas dois casos, e
como resultado de auto‐mobilização por parte dos pescadores em relação à
recuperação do hotel Capitão Nikolas e um resort planejado para o município,
denominadoOndazul,nasproximidadesdapraiadeMorrosdeCamaragibe.
O processo de turistificação do município de Barra de Santo Antônio
ocorreu de forma espontânea, ou seja, sem um planejamento integrado,
envolvendotodososstakeholdersdoturismonomunicípio.Alémdisso,apesarde
constardaspolíticaspúblicasfederaisdeturismocomoumprincípioaserseguido,
em Barra de Santo Antônio não tem havido participação da comunidade no
planejamentoturístico.
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Cadernos do Logepa v. 7, n. 1, p. 40‐71, jan./jun. 2012 ISSN: 2237‐7522
ESPANHA E BRASIL NA CONSTRUÇÃO DAPARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA: CLIVAGENS ECONSENSOS
Artigo recebido em: 21/02/12 Revisado em: 05/06/12 Aprovado em: 21/06/12
Rodrigo Alberto Toledo¹
¹ Universidade Estadual Paulista ro‐[email protected]
Correspondência: Rodrigo Alberto Toledo Rua Padre Duarte, 989, Apto 12 Centro – Araraquara, São Paulo, Brasil CEP: 14801‐310
RESUMOO artigo busca lançar algumas análises e indagações sobre o alcancehistórico de processos participativos engendrados na Espanha e noBrasil. Evidentemente, ambos os processos se desenrolaram emcontextos históricos, sociais, econômicos e políticos distintos, mas,mesmo assim, guardam algumas aproximações às quais pretendemosdardestaquenopresenteartigo.QuantoaodesmantelamentodoEstadode bem‐estar social, apresentamos ainda que, no caso da Espanha,provocou reflexos no modus operandi do processo de formulação eimplementaçãodepolíticaspúblicas.Ocorreu,emoutraspalavras,umadescentralização de seu arranjo decisório formulador de políticaspúblicas, que passou a contar com a participação de atores sociais nodenominadomunicípiorelacional(BECERRA,2011).NocasodoBrasil,o período ditatorial (1964‐1985), o rápido crescimento urbano e ageraçãodeperiferiasprecáriasnasprincipais cidades, adistensão e aConstituinte(1986‐1988)geraramasforçasdepressãosuficientesparaque, paulatinamente, incorporasse‐se o arranjo participativo noprocessodecisório.Palavras‐chave:Democraciaparticipativa,políticaspúblicas,processodecisório,Estadodebem‐estarsocial,BrasileEspanha.
SPAINANDBRAZIL INTHECONSTRUCTIONOFTHEDEMOCRATIC PARTICIPATION: CLEAVAGES ANDCONSENSUSESABSTRACTThearticlesearchestolaunchsomeanalysesandinvestigationsonthehistorical reach of produced participative processes in Spain andBrazil. Evidently, both the processes if had uncurled in historical,social, economic contexts and distinct politicians, but, exactly thus,keep some approaches that we intend to give prominence in thepresentarticle.HowmuchtothedismantlementoftheStateofsocialwelfare, we present, still, that in the case of Spain occurred adecentralization of its formulator power to decide arrangement ofpublicpoliticsthatstartedtocountontheparticipationofsocialactorsinthecalledrelationalcity(BECERRA,2011).InthecaseofBrazil,thedictatorial period (1964‐1985), the fast urban growth and thegenerationofprecariousperipheriesinthemaincities,thedistensionandtheConstituent (1986‐1988)hadgenerated theenough forcesofpressure so that, gradually, if it incorporated the participativearrangementinthepowertodecideprocess.Keywords: participative democracy, public politics, power to decideprocess,Stateofsocialwelfare,BrazilandSpain.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 40‐71, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
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INTRODUÇÃO
DemocraciaeparticipaçãonaEspanha
O debate sobre a administração dos municípios vem de longa data. No
séculoXVIII,JeremyBenthan(2012)1sereferiaaosmunicípioscomoorganizações
funcionais que contribuíam e eram protagonistas da descentralização
administrativa do Estado e, por conseguinte, melhoravam as ações públicas. Já
Stuart Mill (2012)2 descrevia‐os como escolas de cidadania, como espaços de
proximidades entre governantes e governados. Mill (2012) entendia‐os como
instrumentos destinados a favorecer a dispersão do poder político sobre o
território. Os municípios, desde essa época, não se justificavam por seu
comprometimento com a eficiência administrativa, mas por sua capacidade de
impulsionarefavorecerademocracia.Osmunicípioseram,então,compreendidos
como, simultaneamente, administraçõesegovernos locais.Nesse sentido, tantoa
tradição anglo‐saxã quanto a espanhola, na avaliação da eficiência dos governos
locais,consideravamoespíritodemocráticocomoprincipalcritério.
ParaBecerra(2011,p.26),“podríamosafirmarqueelhabermosdecantado
por el espíritu eficientista nos coloca en un escenario dominado pela lógica de la
democraciarepresentativa,mientrasalosidealesdelademocraciaparticipativa.”
A democracia representativa poderia ser interpretada como um
mecanismodelegitimaçãoquepermitiriaselecionaraquelaselitesdegovernantes
que, a partir de sua efetivação em um processo eleitoral, assumiriam as
responsabilidades de governo. Ao contrário, o conceito de democracia
participativasupõequea inclusãodoscidadãosnastarefasdegovernonãopode
serapenaseletiva(limitadaàeleiçãodosrepresentantes),masquesejacanalizada
rotineiramentenasdecisõesgovernamentais.
Entretanto, segundo Becerra (2011, p.16), o fortalecimento do modelo
democráticorepresentativoouparticipativoserelacionacom“[...] la tradiciónde
cada nación, pero tambiénde la conyuntura y delmomentohistórico donde nos
1 Consultar: BENTHAN, J.Um fragmentosobreelgobierno. Borrador de umprefacio previstoparalasegundaedición.Salamanca:EditoraTecnos,2012.(Colecciónclássicosdelpensamento).
2 Consultar:MILL,J.S.Filosofíayteoriadelderecho.Salamanca:EditoraTecnos,2012.
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encontremos;esdecir,losayuntamientosbritánicosolosayuntamientosfranceses
secaracterizanporotorgaracadaunodesusespíritusunpesodeltiempodentre
decadapaís.”
Essaobservaçãoéimportantejáquenospermitenotarcomotêmevoluído
osgovernoslocaisecomo,emparalelo,estãoredefinindoasvisõessobreoqueée
comofuncionaademocracianosmunicípios.
No entanto, para compreendermos em mais profundidade como a
democraciavemse transformandoao longodosanos,principalmenteduranteas
décadasde1980e1990nosmunicípioscatalães,temosqueutilizaroconceitode
bem‐estar social e seu posterior desmantelamento, a partir da política
“thatcherista”,3originandopressõesqueimpulsionaramoredimensionamentodas
práticasdemocráticasnosmunicípiosespanhóis.
O termo bem‐estar é utilizado para referirmos a uma combinação de
elementoseconômicos,tecnológicos,produtivosepolíticosque,umavezsomados
eoportunamentecombinados,geraramumasituaçãodecrescimentoeconômicoe
estabilidade social sem precedentes. Nesse arranjo, também denominado de
Estado‐providência,oEstadoassumeopapeldeagentedapromoção(protetore
defensor) social e organizador da economia em parceria com sindicatos e
empresas privadas. Os estados de bem‐estar social se desenvolveram
principalmente na Europa, onde seus princípios foram defendidos pela social‐
democracia, e foram implementados com maior intensidade nos Estados
Escandinavos (ou países nórdicos) tais como Suécia, Dinamarca, Noruega e
Finlândia, sobaorientaçãodoeconomistae sociólogo suecoKarlGunnarMyrdal
(SCHUMPETER,1908).
Como pano de fundo desse crescimento e dessa estabilidade social
espanhola, que foram chancelados pelo Estado de bem‐estar pós meados da
década de 1970, tivemos um pacto entre governantes e governados, segundo o
qualosprimeiros se comprometiamaoferecerumvolumecrescentede serviços 3 Becerra (2011) faz referência à Margaret Hilda Thatcher, Baronesa Thatcher, (nascida emLincolnshire,Inglaterra,em13deoutubrode1925),primeira‐ministrabritânicade1979a1990.AoliderarogovernodoReinoUnido,Thatcherimpôsumapolíticadereversãodoqueviacomoodeclínionacionaldeseupaís.Suaspolíticaseconômicasforamcentradasnadesregulamentaçãodo setor financeiro, na flexibilização do mercado de trabalho e na privatização das empresasestatais.
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em troca de que os segundos limitassem sua participação política somente ao
momento do voto.Ditode outra forma, tratava‐se de umapermuta de eficiência
porpassividadepolítica,quefoiajustamedidadomodelodedemocraciaelitistae
representativanaEspanhapósredemocratizaçãoapartirdemeadosdadécadade
1970. Nesses termos, o Estado de bem‐estar veio acompanhado por dinâmicas
democráticas caracterizadas tanto por uma condição de depressão do possível
dinamismodasociedadecivil,quantoporumapotencializaçãodaacumulaçãode
responsabilidadespúblicasnasmãosdeelitespolíticaseburocráticas.Oresultado
desseprocesso foi a apariçãodeumademocracia instrumental,umademocracia
útil para eleger líderes dentre as elites governantes,mas longe do debate sobre
aquiloqueestasfazemoudeixamdefazernogoverno.Nessearranjodemocrático,
aparticipaçãoda sociedade civil sevê seriamente limitada, já que seupapel fica
absorvidopelosetorpúblico.
Estemodelo,doEstadoqueocupatodooespaçopolíticoeadministrativo,
encontra suamanifestaçãomais clara no âmbitomunicipal, já que a arquitetura
institucionalquedá formaaoEstadodebem‐estarnosmunicípiostemassumido
umpapeleminentementeexecutor,pois“losayuntamientos–entantoqueparte
del Estado – acaparan actividades administrativas y marginan el potencial
participativodelaciudadaníaaunsegundoplano”(BECERRA,2001,p.17).Essaéa
situaçãoquemaiscaracterizaomunicipalismocatalãodosanos1980,umaépoca
em que se construiu o Estado de bem‐estar, pois foi nesse período que os
municípios democráticos se impuseram a necessidade de superar o déficit e o
raquitismo herdado dos anos franquistas.4 Em consequência desse raquitismo,
floresceram administrações locais centradas em tarefas de construção dos
principais equipamentos, infraestruturas e serviços municipais. Essas
características foram determinantes para a sedimentação de uma lógica
eficientista,jáqueoimportanteerareconstruirosmunicípios,poishaviamsofrido
umdesmonteduranteosanosfranquistas.Nãoéestranho,portanto,queoespírito
democrático fique limitadoaoexercícioperiódicodovoto,poisasassociaçõesda
4 FranquismofoiumregimepoliticoaplicadonaEspanhaentre1939e1975,duranteaditaduradoGeneralFranciscoFranco(falecidoem1975).Apósasuamorte,oregimefoisucedidonachefiadoEstadoespanholpeloatualReiJuanCarlos IqueinstaurouumaMonarquiaConstitucionaleconduziuumlongoprocessoderedemocratizaçãodopaís.
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sociedadecivilpassamdeumpapelreivindicativo–centralnosprimórdiosdeuma
democraciamunicipal–aumasituaçãodedesativaçãoe,inclusive,domesticação.
Durante a transição democrática, as associações possuíam um papel muito
dinâmico,representandooespaçoondeapopulaçãomanifestavasuasinquietudes
e suas demandas acumuladas.Nesse período, as associações se converteram em
refúgio de ativistas e de pessoas comprometidas com a transformação da
comunidade.Asassociaçõesda sociedadecivil, emdefinitivo, representavamum
panorama marcado por altos níveis de atividade e participação política dos
cidadãos.
Adesarticulaçãoe adomesticaçãodessasassociaçõesestão relacionadas
com as práticas das próprias prefeituras municipais, as quais esvaziavam as
associações tanto de conteúdo (a administração municipal assumia as
reivindicações e suas propostas), como de líderes (os quais passaram a formar
quadrosdeequipesmunicipais).
Poroutrolado,tambémháacompreensãodequeasassociaçõesestavam
emoutromomento dematuridade, pois nãonecessitavammais fazer ouvir suas
queixas e reivindicações para estabelecer novas relações de colaboração comos
poderespúblicos.Assim,asnovasrelaçõescomopoderpúbliconãosebaseavam
mais no confronto de opiniões e na exigência de responsabilidades, mas, na
coprodução de serviços e das subvenções. O resultado disso é uma nova
desativaçãodotradicionalpotencialparticipativodasassociaçõescatalãs,asquais
seconverteramemumtipodepseudo‐administração(BECERRA,2011).
Portanto o domínio da lógica eficienticista de uma visão estritamente
representativa e institucionaldademocracia impregnanasdinâmicasmunicipais
queseproduzemnomarcodaconstruçãodoEstadodebem‐estarespanhol.
Entretantoosanos1980trarãooutroimpactoparaoEstadodebem‐estar,
o “thatcherismo”. A política conservadora da primeira ministra britânica se
orientava para o desmonte do Estado de bem‐estar e, com esse objetivo,
concentravaseusesforçosemdoisâmbitos:1)nadestruiçãodossindicatos,seus
principais defensores; 2) na destruição dos governos locais, seus principais
executores.Édessecontextoquesurgeaorientaçãoqueasprefeiturasmunicipais
espanholasnãodeviamdedicar‐seàprovisãodebenseserviços,massimhabilitar,
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coordenar, contratar ou capacitar outros para que realizassem essas atividades
(RIDLEY,1988;STOKER,1988).
Becerra (2011) classifica essa nova administração municipal como
relacional,ouseja,umanovaformadeadministrarquenãodeveriaserobcecada
em ser administrativamente eficiente, já que são outros atores que se
responsabilizariampelaexecuçãodeboapartedosserviçosmunicipais.Entretanto
omunicípio relacional abrepossibilidadesparaa sociedadee suasorganizações.
Estas podem despertar do longo estado de hibernação a que foram submetidas
peloEstadodebem‐estarereencontrarumnovoespaçodeparticipaçãonagestão
dosserviçosmunicipais.Emoutraspalavras,omunicípiorelacionalabreasportas
para uma ampla constelação de atores e, por consequência, possibilita a sua
incorporação na gestão dos serviçosmunicipais. O que não está claro, poroutro
lado, é se esta participação de caráter funcional chega ao âmbito da tomada de
decisões.Dequalquer forma,existeumconsensodequealgotransformadorestá
ocorrendonosgovernos locais, apassagemdademocracia representativapara a
umanovaformadedemocraciaparticipativa.
Oataque“thatcherista”aogoverno local,paraalémdeseusêxitoseseus
fracassos,teveacapacidadedecolocaremxequeofervortécnicoeadministrativo
das últimas décadas, anos 1980 e 1990.Nesse período, ocorreu umprocesso de
politizaçãodosmunicípios,ouseja,oaprofundamentodeumavertenterepletade
instrumentosvariadosdeinovaçãodemocráticaparticipativa.
É necessário, antes de continuarmos nossas reflexões, buscarmos
definições conceituais de participação. Para Gyford (1991), não existe um único
tipo de participação, mas sim escalas de participação. Em um nível mais baixo,
estãoos instrumentosparticipativosquesóobjetivamoferecer informações,com
intenções manipuladoras, a um cidadão eminentemente passivo.
Intermediariamente, está o tipo que conta commecanismos que pretendem dar
vozaos cidadãos e às suasorganizações,mas somentepara saberoqueopinam
sem compromisso de implementação.No nívelmais alto de participação, omais
potente,estáaquelequepermitetrasladaropodere,portanto,acapacidadepara
tomardecisõesparaasociedadecivil.
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Nomunicípiodebem‐estar,ondeépredominantealógicarepresentativa,
aparticipaçãodiretado cidadãonoprocessodecisórionãoconsegue ir alémdos
primeirosdoispassosouníveis,ouseja,nãorompecomodireitoaserinformadoe
ser ouvido. Gyford (1991) reforça que o pacto de bem‐estar supervaloriza a
passividadedoscidadãos,umavezqueestesnecessitamestarapenasinformados
da oferta de serviçosmunicipais. Na atualidade, o direito a ser informado já foi
superado, especialmente quanto a politização do âmbito local desperta fortes
questionamentos não somente sobre como se fazem as coisas (perspectiva
tecnocrática),massobrequecoisassehãodefazer(perspectivapolítica).Estáem
curso a sedimentação de uma perspectiva que defende um aprofundamento
democrático participativo, em que o próprio cidadão exerça a capacidade para
tomar decisões, e que critica os rituais baseados apenas na atenção dada às
demandassemocompromissodeimplementá‐las.
Gyford (1991) aponta que os governantes aumentariamo seu aporte de
legitimidadepolíticaemelhorariamaqualidadedesuasdecisões,seestasfossem
tomadas após a consulta de múltiplas vozes e opiniões, não somente porque
seriam incorporados mais pontos de vista, mas porque o próprio consenso
rebaixariaasresistênciaseaumentariaaspossibilidadesdeêxitodadecisãoaser
tomada.
Segundo Brugué e Gallego (2001, p.25), “Es decir, la participación tiene
como objetivo directo escuchar a los ciudadanos, aunque inderectamente sirve
también para otra cosa, quizás inclusomás importante: generar el capital social
quehadegarantizarelbuenfuncionamientodenuestrasociedad.”
Desde que Putman (1993) popularizou o conceito de capital social,
entendido como um conjunto de características intangíveis de uma comunidade
(densidade associativa, níveis de confiança interna etc.), úteis para explicar seu
rendimento institucional, econômico e social, o questionamento tem sido
precisamente como fomentar esse capital social. Não existem respostas claras a
respeito, mas a própria participação cidadã parece ser um fator chave no
desenvolvimentodascomunidades.Ocapitalsocial,portanto,fazreferênciaauma
cidadaniaqueadquirematuridadedemocráticaedinamismosocioeconômicopor
meiodaprópriaparticipaçãonosassuntoscoletivos.
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Os suspeitos dessa dita participação são cidadãos mais ativos, mais
exigentes e suas relações com as instâncias político‐administrativas. Inglegart
(1991) apresenta a aparição de uma cidadania mais preparada e sofisticada.
Somadoaesse cenário,nosmunicípiosespanhóis, osgovernantes tambémestão
mais dispostos a ativar suas relações com os governados nas mais diferentes
dimensõeseconômicas,políticaseadministrativas.
Os cidadãos estão fartos de serem tratados como usuários passivos que
recebemserviçose,comoconsequência,queremservistoscomoclientesecomo
consumidores que exigem da administração aquilo que querem e em quais
condições.
Gyford(1991,p.27)afirmaque
Finalmente,losciudadanosyanoseconformaríanconemitirun voto, cada equis año, sino que querrían asumir sucondición de ciudadanos con opiniones que se quierenexpresar y proyectar en el día a día de las actuacionespublicas (ámbito político). Por tanto, existe un nuevoproceso participativo en que el individuo posuí voluntad ycapacidad para fortalecer sus relaciones con las instanciaspolítico‐administrativasquehande canalizar lasdemandasy las opiniones de una ciudadanía más exigente ysensibilizada.
Esseprocessodeativaçãodasparticipaçõesindividuaisdoscidadãoseas
pressões produzidas geraram um tipo de participação democrática em que o
cidadão se vê no direito de tomar parte do processo decisório. A participação
democrática, para Fox e Millar (1995) deve superar as fazes de monólogo
(tipologiaquesegueosritosdeumdiscursodominantedeumaelitequetransmite
mensagens a uma cidadania apática e sem capacidade para emitir opiniões
próprias).Devetambémsuperarafasedemagógica(palabrería)(tipologiaemque
osatoressociaissemanifestam,masnãoháumprocessoinstitucionalizadocapaz
de canalizarasdemandasparaaobtençãodeumresultadoconcreto).Por fim,o
nível ideal diálogo é aquele instituído a partir de conflitos bemdefinidos com a
presença de cidadãos bem informados e interessados nos assuntos objeto do
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debate. O diálogo focaliza a atenção dos participantes emuma gama limitadade
temas,clarificaassuasposiçõesarespeitoe,atravésdeescutasedebates,permite
chegaraconclusõeseresultadosoperativos.
Aparticipaçãonosmunicípiosespanhóisapareceofuscadapelaintrodução
deumconjuntode instrumentosdemasiadamente formalistas, comoospróprios
regulamentos de participação cidadã, os conselhos consultivos e os planos
estratégicos.
As primeiras experiências espanholas possuíam uma forte tendência ao
monólogo.Entretantoforamcriadasaçõesparaimpulsionarespaçosparticipativos
fortementedominadospelosdiscursosepela agendadosatorespolíticosqueos
haviam criado. Em uma segunda etapa, apareceu um conjunto de novos
instrumentosvinculadosaodiscursodainovaçãodemocrática.
Para Becerra (2011, p.31) tratam‐se de “Los nucleos de intervención
participativa, los consejos ciudadanos, los planes comunitarios, los presupuestos
participativos,etc.Setratadeunconjuntodeherramientasdestinadasatrasladar
unpoderefectivoalosciudadanos.”
Odesenvolvimentodaparticipaçãoedademocracialocalreclamaparasi
umafortesintoniaentreas justificativas(os“porquês”),osprotagonistas(osque
estãoenvolvidos)eosinstrumentos(comoaparticipaçãoéestruturada).Becerra
(2011) sintetiza, no quadro a seguir, as formas participativas existentes nos
municípiosespanhóis.
Asdiferentesfórmulasdeparticipaçãoqueforamsistematizadasno
quadro1apresentamtrêsbasesdistintasqueapontamparaoprocessodeatuação
pública na canalização das demandas sociais. A primeira, denominada base
asociativa(baseassociativa),ocorrequandoaparticipaçãoéconduzidapormeio
daparticipaçãodegruposorganizadosdecidadãos.Asegunda,basemixta,ocorre
de duas formas: por meio da participação de indivíduos que representam
instituições/associações ou de indivíduosmovidos por interesses particulares. A
terceira base, a personal, ocorre quando os cidadãos participam sem vínculo
institucionalizado,movidospelointeresseemmanifestardemandaspessoais.
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Quadro1–Tipologiadefórmulasparticipativas
Baseasociativa Basemixta BasepersonalSectorial Territorial Intensiva Intensiva
Eneldiagnóstico
Forumsymesas
sectoriales
Planesestratégicos,procesos
participativostemáticos(agendas21,
planeseducativosdeciudad,etc.)
Planesestratéficos,procesos
participativostemáticos(agenda21,planes
educativosdeciudade,etc.)
Forumstemáticos,círculosdeestudio,
conferenciasdeconsenso
Asambleas,audiencias,
teledemocracia
Enlasdecisiones
Consejos,comisiones
yponenciassectoriales
Consejosmunicipalesdebarrioodistrito,planes
integrales
Consejos,territorialesmixtos,jurados
ciudadanosmixtosGestión
compartidadeservicios
Presupuestosparticipativos,
juradosciudadanos,panelesdeciudadanos,encuestas
deliberativas
Referéndum,consultaspopulares,
teledemocracia
Enlagestión
Gestiónasociativa
deservicios
GestiónasociativadeCentrosCívicos
Gestióncomparativadeconjunto
Gestiónconvoluntariadodeserviciosoprogramasmunicipales
Co‐producciónpersonalizadadeservicios.
Fonte:GomàeFont(2001,p.70).
No entanto a participação de base associativa pode dividir‐se entre
aquela que corresponde a uma lógica setorial e aquela que se articula
territorialmente. A de base personal, por sua vez, pode ser intensiva (quando
exigedeumgrupodecidadãosumafortededicaçãonoprocessoparticipativo)ou
extensiva (quando envolve um amplo número de pessoas, mas não exige uma
participaçãointensadasmesmas).
Já quanto ao segundo critério, a basemixta, Becerra (2011) diferencia
entreadeparticipaçãoquesedirigeaodiagnósticodosproblemaseaformaçãoda
agenda local; a que se ocupa de influenciar nas decisões e na formulação de
políticaseaquelaqueseconcentranagestãodosequipamentosedosserviços.
Procuramos, nessas notas preliminares sobre a participação nos
municípios espanhóis, apresentar o confronto entre o denominado modelo de
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município de bem‐estar com o atualmunicípio relacional. Em contraste com as
diversasvisõessobreomunicipalismo,destacamos,emprimeirolugar,suarelação
com determinadas conjunturas históricas e, em segundo lugar, suas implicações
sobreademocracialocal.
Passemos agora para a análise do contexto de introdução de
procedimentos participativos no processo decisório das realidades municipais
brasileiras.
Partiremos de uma análise de teóricos a respeito da inevitabilidade da
burocracia,comoresultadodacrescente complexibilizaçãodoprocessodecisório
das democracias representativas para, posteriormente, enfocarmos suas
implicações em um novo arranjo democrático participativo que se incorpora no
discurso dos movimentos sociais a partir da redemocratização brasileira de
meadosdadécadade1980.
DEMOCRACIAEPARTICIPAÇÃONOBRASIL
Ao longo do século XX,mais precisamente na sua segundametade, essa
discussão sobre complexidadee inevitabilidadedaburocracia foi se fortalecendo
na medida em que as funções do Estado foram crescendo com a instituição do
welfare state nospaíses europeus.OEstadocresceu em funções ligadasaobem‐
estarsocial,comodemonstramosnocasodosmunicípiosespanhóis.Esseenfoque
levouàconstituiçãodeumateoriahegemônicadedemocraciaqueprivilegiasseo
papeldossistemaseleitoraisnarepresentaçãodoeleitorado(LIPJART,1984).No
entanto a concepção hegemônica de democracia, ao contemplar o problema das
tendênciasdoeleitoradoemescalaampliada,ignorasuastrêsdimensõesasaber:a
autorização, a identidade e a prestação de contas (recentemente introduzida no
debatedemocrático).
Nesse sentido, o pessimismo de Weber (1978) sofre uma mudança de
perspectiva,ouseja, a inevitabilidadedocrescimentodaburocracia foimudando
detom,assumindoumaconotaçãopositiva.
Bobbio (1986) sintetizou a mudança de perspectiva em relação à
desconfiançaweberianacomoaumentodacapacidadedecontroledaburocracia.
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Oautorconstruiuumainterpretaçãoqueconsideraastransformaçõespelasquais
as sociedades passam como fundamentais para o surgimento de competências
técnicas.Segundoele,
[...] à medida que as sociedades passaram de umaeconômicafamiliarparaumaeconomiademercado,deumaeconomia de mercado para uma economia protegida,regulada e planificada, aumentaramos problemas políticosquerequeremcompetênciastécnicas.Osproblemastécnicosexigem, por sua vez, expertos, especialistas... Tecnocracia edemocracia são antitéticas: se o protagonista da sociedadeindustrial é o especialista, impossível que venha a ser ocidadãocomum.(BOBBIO,1986,p.33‐34).
Há, nesse trecho, uma clara radicalização do conceito weberiano de
burocracia. Bobbio (1986) compreende que, a partir do momento em que o
cidadãooptouporfazerpartedasociedadedeconsumodemassaedoEstadode
bem‐estar social, está abrindo mão do controle sobre as atividades políticas e
econômicasporeleexercidasemfavordeburocraciasprivadasepúblicas.
Háaindaumterceiroelementoqueconstituiaconcepçãohegemônicada
democracia. Essa concepção afirma ser a representatividade a única solução
possível nas democracias de grande escala. Dahl (1998, p.110) defende essa
posiçãocommaiorênfaseafirmandoque
[...]quantomenorforumaunidadedemocráticamaiorseráopotencial para a participação do cidadão e menor será anecessidade para os cidadãos de delegar as decisões dogoverno para os seus representantes. Quanto maior for aunidade, maior será a capacidade de lidar com problemasrelevantesparaoscidadãosemaiorseráanecessidadedoscidadãosdedelegardecisõesparaosseusrepresentantes.
Ofundamentodarepresentaçãopelateoriahegemônicadedemocraciaé
a autorização. Nesse sentido, constituem‐se dois pilares que sustentam a
autorização. O primeiro, que diz respeito ao problema do consenso dos
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representantes, surge dentro da teoria democrática clássica, em contradição às
formasde rodízionoprocessode tomadade decisão característicoàs formasde
democraciadireta(MANIN,1997).Nocontextodessaconcepção,oexercíciodireto
da gestão própria das antigas cidades‐estado ou das repúblicas italianas estava
envoltopelafaltadeautorizaçãoaqualerasubstituídapelaideiadoigualdireitoà
ocupação dos cargos de decisão política. Quando surge a noção de consenso no
interiordosdebatessobreumateoriaracionaldapolítica,osorteio,oconceitode
exercício direito deixa de fazer sentido e é substituído pelo consenso, que se
constituienquantoummecanismoracionaldeautorização.
Mills (1977) trará a segunda forma de justificação da questão da
representação juntamente com a questão da capacidade das formas de
representação de se refletirem as opiniões no âmbito da sociedade. Para Mills
(1977), a assembleia é uma miniatura do eleitorado e toda assembleia
representativa é capaz de expressar as principais tendências do eleitorado. Esse
enfoque levou à constituição de uma teoria hegemônica de democracia que
privilegiasse o papel dos sistemas eleitorais na representação do eleitorado
(LIPJART, 1984). No entanto a concepção hegemônica de democracia, ao
contemplaroproblemadas tendênciasdoeleitoradoemescalaampliada, ignora
suastrêsdimensões,a saber:a autorização,a identidadeeaprestaçãodecontas
(recentemente introduzidanodebatedemocrático).Seporumlado,comoafirma
Dahl(1998),aautorizaçãoviarepresentaçãopossibilitaoexercíciodademocracia
em escala ampliada, por outro lado dificulta a prestação de contas e a
representaçãodemúltiplasidentidades,ouseja,arepresentação,pelométododa
tomada de decisão pelamaioria, não contempla as identidadesminoritárias que
nãoterãoexpressãonoparlamento.Noquedizrespeitoàprestaçãodecontas,ao
diluí‐la no processo de reapresentação no interior de um bloco de questões,
comprometeadesagregaçãodoprocessodeprestaçãodecontas.Énessemomento
quesedesenhaumterceirolimitedateoriademocráticahegemônica:limitaçãoem
apresentaragendaseidentidadesespecíficas.
Dessaforma,osmarcoshistóricos“fimdaguerrafria”e“aprofundamento
doprocessodeglobalização”reabremodebateentredemocraciarepresentativae
democracia participativa o qual se aprofunda mais nos países em que a
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diversidadeétnicaémaior.Neles,formaram‐segruposquetêmmaiordificuldade
paraterosseusdireitosbásicosreconhecidos(BENHAIBIB,1996;YOUNG,2000),
oqueocorre,emcertamedida,pelaquestãodeadiversidadedeinteresseschocar‐
secomoparticularismodeeliteseconômicas(BÓRON,1994).
Esse contexto abre uma reinterpretação da teoria democrática
hegemônica, denominada por Santos (2003) de concepções não hegemônicas da
democracia. Na segunda metade do século XX, surgirá uma concepção que
reconhecerá que a democracia não constitui ummero acidente ou uma simples
obra de arquitetura institucional. Essa percepção é formatada em resposta ao
arcabouço teórico construído pela teoria democrática hegemônica que vincula
procedimentocomformadevidaecompreendeademocraciacomomecanismode
aperfeiçoamento da convivência humana (SANTOS, 2003). Nessa concepção,
encontrada nas obras de autores como Lefort (1986), Castoriadis (1986) e
Habermas (1995), Lechner (1988), Bóron (1994) e Nun (2000), a democracia
assumeumagramáticadeorganizaçãodasociedadeedarelaçãoentreoEstadoea
sociedade.Asconcepçõesnãohegemônicasapresentamasmesmaspreocupações
queashegemônicas:comoreconhecerapluralidadehumana,nãoapenasapartir
da suspensão da idéia de bem comum,mas a partir dos critérios que, primeiro,
enfatizamacriaçãodeumanovagramáticasocialeculturale,emsegundo,buscam
a compreensãoda inovação social articulada coma inovação institucional coma
procuradeumanovainstitucionalidadedademocracia(SANTOS,2003).
Nessa concepção, Castoriadis (1986, p.274) fornece elementos críticos à
teoriadedemocraciahegemônica:“[...]algunspensamhojequeademocraciaoua
investigaçãoracionalsãoautoevidentes,projetando,assim,demaneira ingênuaa
excepcionalsituaçãodaprópriasociedadeparaahistóriaemseuconjunto.”
Castoriadis (1986)apontaque ademocracia sempre indicaumaruptura
com tradições estabelecidas e, portanto, a tentativa de instituição de novas
determinações,novasnormasenovas leis.Dessa forma,a indeterminaçãonãose
refereapenasaoocupantedaposiçãodepoder,masàsdimensões societáriasde
discussão dos procedimentos democráticos. Essa discussão rompe com o
procedimentalismo produzido pela teoria hegemônica de democracia. Habermas
(1995) foi o autor que abriu espaço para se pensar o procedimentalismo como
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prática social e não como método de constituição de governos. Para tanto, ele
propôsumelementonodebatedemocráticocontemporâneo:apluricidade,capaz
degerarumagramáticasocietária.Aesferapúblicaéumespaçonoqualindivíduos
podem problematizar, em público, uma condição de desigualdade no âmbito
privado.Oprincípio“D”deHabermas(1995)permitediscutirasaçõesempúblico
dos indivíduos excluídos de arranjos políticos através de um princípio de
deliberaçãosocietária.Paraoautor,apenassãoválidasaquelasnormas‐açõesque
contamcomoassentimentodetodosos indivíduosparticipantesdeumdiscurso
racional. Ao discutir um princípio de deliberação amplo, Habermas (1995)
recoloca, no interior do debate democrático, um procedimentalismo social e
participativo.Essedebateétributáriodapluralidadedasformasdevidaexistentes
nassociedadescontemporâneas,pois,paraserplural,apolíticatemdecontarcom
o assentimento desses atores emprocessos racionais de discussão e deliberação
(SANTOS,2003).Emoutraspalavras,oprocedimentalismodemocráticodeBobbio
(1986) não pode ser visto como um método de autorização de governos. Ao
contrário,temdeser,comoafirmaCohen(1997),umaformadeexercíciocoletivo
dopoderpolíticocomumabasepertencenteaumprocessolivredeapresentação
de razão entre iguais. Assim, a conexão entre procedimentalismo e participação
residenopluralismoenasdiferentesexperiênciasdedemocracia representativa
comprocedimentosparticipativos.
Háoutroelementoque,segundoSantos(2003),deveserlevadoemconta
ao analisar a questão das teorias não hegemônicas de democracia: refere‐se ao
papel de movimentos sociais na institucionalização da diversidade cultural. O
autor constrói uma análise dessa vertente partindo de Williams (1981), o qual
entende que cultura compreende uma dimensão de todas as instituições –
econômicas,sociaisepolíticas–queenvolvemumadisputasobreumconjuntode
significações culturais. Os movimentos sociais estariam envolvidos em uma
contendapelaampliaçãodocampopolíticooqual,porsuavez,engendrariauma
disputa pela ressignificação de práticas (ALVAREZ et al., 1998). A ampliação do
campopolíticotemumarelaçãodiretacomaatuaçãodosmovimentossociaisque,
no limite, possibilitaram a transformação de práticas dominantes, o aumento da
cidadaniaeainserçãopolíticadeatoressociaisexcluídos.
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ParaDagnino (2002), a construçãodademocraciabrasileira,nasúltimas
duas décadas, tem se configurado na possibilidade de trânsito de projetos
formatadosnointeriordasociedadecivilparaoâmbitodoEstado,endereçadosà
democratização das políticas públicas, às premissas de inclusão, cidadania e
equidade,sobretudonaesferalocal.
Assim, no Brasil, as interseções entre as questões tematizadas e as
proposições construídas no âmbito da sociedade civil organizada e os avanços
institucionaisrelativosaosmarcosjurídico‐institucionaisdaspolíticasurbanasno
país, bem como os processos de formulação e implementação destas políticas,
pressupõem transformações que indicam um aumento da democratização do
processodecisório.
Portanto,paracompreendermosasexperiênciasconcretasdeaumentodo
cânonedemocráticonoBrasil, focalizaremosopadrãode intervençãourbanano
decursodoséculoXX.Paraelaborarumaanálisedesseprocesso,podemosutilizar,
comoreferência,ospadrõestradicionaiseanterioresde intervençãoestatal ede
relações entre Estado e sociedade. Nesse sentido, as características que se
destacamsãoacentralizaçãodasdecisõeserecursos,afragmentaçãoinstitucional,
a segmentação no atendimento dos serviços públicos, a atuação de cunho
estritamente setorial, a impermeabilidade das políticas e agências públicas aos
cidadãos, a penetração dos interesses privados na esfera estatal e a ausência do
controlepúblicoedeavaliaçãodaspolíticas,dentreoutrosaspectos.
Esses padrões são utilizados como referência por Farah (1997, p.3) ao
interpretar as possibilidades de inflexão e de inovação, no que se refere à
ampliaçãodaofertaetipologiadaspolíticasedeseu
[...] conteúdo substantivo; ao seu formato e as suascaracterísticasinstitucionais;eaosprocessosdeformulaçãoe de gestão, os quais envolvem a incorporação de novosatores, apontando, portanto, para a democratização daspolíticas públicas e para as possibilidades de inclusãosociopolítica.
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Opadrãotradicionaldeintervençãonaáreaurbana,porexemplo,podeser
caracterizadopelofortecunhotecnocráticoemsuaspráticas,apresençamarcante
dos interesses imobiliários e vinculados à acumulação urbana, e à ausência de
possibilidades de participação cidadã na cunhagem das políticas produzidas e
ofertadas. O quadro socioespacial brasileiro também se precarizou,
principalmente, em virtude da ineficiência e omissão do poder público no
enfrentamento da problemática urbana no curso da urbanização brasileira. Essa
ineficiênciaeaomissãoresultaramemdesigualdadeseprocessosdeexclusão,pela
magnitudedodéficithabitacional eda informalidadedeocupação,dentreoutros
aspectos.
O direito à cidade, as políticas mais justas e includentes e a
democratização das relações entre Estado e sociedade apresentam‐se em três
eixosdeavanços: apossibilidadedademocratizaçãodas relaçõesentreEstadoe
sociedadepormeiodacriaçãode instânciasparticipativas;mudançasnas lógicas
de planejamento, principalmente em relação ao instrumento do PlanoDiretor; a
sedimentaçãodo conceitodedireitoà cidadepormeioda inclusão socioespacial
dasáreasinformaisedeseusmoradores.
AsanálisesdeRibeiroeCardoso(1996)confirmamqueaquestãourbana
não chega a se constituir como objeto de intervenção e de reforma social
incorporado à agenda governamental. Apresentam uma análise do processo
histórico de como a questão urbana foi utilizada como um instrumento de
construçãodecidades,masnãodecidadãos.
No curso do século XX, as intervenções nas cidades brasileiras ocorrem
sob o rótulo de urbanismo em sua versão higienista. Para Pechman (1994), o
urbanismoselegitima,noambientebrasileiro,comosabercientíficosobreacidade
à margem de qualquer debate político e da possibilidade de colocar em foco a
questãodacidadaniaedodireitoàcidade.
Do pós segunda guerra até 1964, segundo ciclo socioeconômico, as
estratégiasdemodernizaçãoprodutivaatreladasàestratégiade substituiçãodas
importações são as tônicas do período. O molde keynesiano‐desenvolvimentista
sedimenta ummodelo de desenvolvimento econômico ancorado nomercado de
bens de consumo duráveis. O Estado assume uma postura de investidor em
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produção pública de infraestruturas endereçadas ao desenvolvimento do setor
privadodaeconomia.
No governode JuscelinoKubstichek (1955‐1960), dematriz populista, o
planejamento transforma‐se em instrumento para a resolução dos problemas
brasileiros.Aquestãourbanapassaaserestruturadasobabalizadoobjetivismo
tecnocrático,dirigidoaoprojetonacionaldesenvolvimentistaeàprimaziadoeixo
econômico(RIBEIRO;CARDOSO,1996).
No entanto as políticas urbanas voltadas para a equidade e com viés
redistributivonãocomparecemaessecenário,aindaque,especialmentenoinício
dos anos 1960, a questão habitacional configure‐se como objeto emergente de
tematizaçãoemespaçosdasociedadecivil.
Entre o finaldos anos 1960 e início dos anos1980, como aumento dos
fluxos migratórios campo‐cidade, ocorre o ápice do processo de crescimento
urbano e metropolização revelador da problemática socioespacial atual: a
expansão urbana, por meio da constituição de periferias precárias e distantes,
conformadaspelasdinâmicasespeculativasquesealimentamdaprovisãopública
de infraestruturas, e a multiplicação de favelas e de outras tipologias de
informalidade,destituídasdasmínimascondiçõesdehabitabilidade.
O ambiente demodernização conservadora e centralizadora do governo
militar impõe novos arranjos administrativos e burocráticos, tais como:
intervenção do Estado nas cidades nas áreas de saneamento, transporte e
habitação; implantação de novas estruturas governamentais federais e
subnacionais, voltadas para as políticas urbanas, como o Serviço Federal de
HabitaçãoeUrbanismo(SERFHAU),criadoem1964eextintoem1974,eoBanco
NacionaldaHabitação(BNH),damesmaépoca.
Em meados da década de 70 são criadas iniciativas que podem ser
configuradas como ensaios na direção de uma política urbana de cunho
compreensivo,comoacriaçãodaComissãoNacionaldeRegiõesMetropolitanase
PolíticaUrbana,decomposiçãomultissetorial,e,adiante,suareconfiguraçãocomo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano. De qualquer forma, essas
iniciativasdecriaçãodeestruturasnãorevelamapresençamaisatuantedaUnião
nas atividades urbanas e não implicam na formatação de uma política urbana
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integrada.Maricato (2000) afirma que a questão urbana, sob total influência do
urbanismo modernista‐progressista e dos determinantes do contexto fordista‐
keinesiano, imputa ao Estado o papel central do desenvolvimento e considera‐o
portadorprivilegiadoderacionalidade.
Chega‐seaumaestruturaestratégicaespacialdedesenvolvimentourbano
dentro do contexto de uma política de desenvolvimento econômico regional
centrado,principalmente,emtrêsaspectos.
Primeiramente, o planejamento regional, referente às diretrizes voltadas
para o fortalecimento dos polos nacionais e regionais de desenvolvimento. Em
segundo,comapromoçãodoplanejamentointegradonoâmbitolocal,realiza‐seo
financiamento dos planos locais integrados e a assistência técnica para sua
elaboração.
Os planos locais integrados recodificam o planejamento urbano em
pressupostos racionalista‐compreensivos e produzem extensos diagnósticos
multissetoriais que abrangem todos os aspectos das cidades. No entanto
apresentam pontos de disjunção entre os planos da realidade em que visam
intervir, desconsiderando o tecido informal. Outra disjunção está localizada na
relaçãoentreplanejamentoegestãoquejuntamentecomasobredeterminaçãoda
capacidade estatal efetiva no âmbito local e subdeterminação da atuação dos
agentes privados e dos fatores institucionais e burocráticos resultam no
descompromissoquantoàimplementação.
O terceiro aspecto remete ao centralismo decisório e à valorização da
concepçãotecnocráticadoplanejamento.
Oquadroderecessãodofinaldadécadade1970eascrescentestensões
entreoEstadoeasociedadebrasileiradesembocarãonagradualaberturapolítica
e na redemocratização do país. O rompimento com o ciclo autoritário,marcado
pela restriçãoàparticipaçãopolíticaea repressãoàorganizaçãoeàação social,
constitui o terreno do qual emergem os movimentos sociais, voltados para
reivindicaçõesrelativasàesferadoconsumocoletivoecondiçõesdevida.
OMovimentoNacionaldeReformaUrbana (MNRU)destaca‐seenquanto
articuladordeatorescoletivos,atuantesnocontextodaconstituinte,elaboradores
de propostas de intervenção urbana que se solidificarão em alguns artigos da
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Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, no Estatuto das Cidades. O
contexto de elaboração de uma nova carta constitucional iniciada em 1986
solidifica a atuação da sociedade civil como uma plataforma de cunho
democratizanteevoltadaparaainclusãoeampliaçãodosdireitossociais.
Nocampourbano,oMNRUintroduzosprincípiosdodireitoàmoradiaeà
cidade bem como o da função social da propriedade. A articulação desse
movimento, conectado às demandas oriundas de uma rede de organizações,
constitui‐secomoumanovidadenoqueserefereàsformasdeorganizaçãoeação
coletiva. Os pilares da plataformade reformaurbana do período são o direito à
moradiaeàcidadeeoplanejamentoeagestãodemocráticadascidades.Quantoà
questãourbana,podemserapontadosavançose inflexões significativosno texto
constitucional(MARICATO,2000):
a) ampliação das competências municipais e o papel central reservado aos
municípiosnoenfrentamentodaquestãourbana,garantindo‐lhesautonomialegal,
ressalvadas competências e responsabilidades para os demais níveis de governo
relativas à produção de normais gerais de cooperação conjunta na oferta de
políticaspúblicas;
b) possibilidades de participação cidadã, inclusive no âmbito da política urbana,
assinaladas no art. 29, que prevê a cooperação de associações no planejamento
municipal e a iniciativa popular de projetos de leis e programas; e, mais
genericamente no art. 5º, que trata do reconhecimento dos direitos difusos, nos
quaissepoderemeteràquestãourbano‐ambiental;
c)osartigos182e183,quepodemsertomadoscomomarcojurídicoparaodireito
urbano,namedidaemqueexplicitamoprincípiodafunçãosocialdapropriedadee
da cidade e o vinculam às exigências dos planos diretores, obrigatórios para
municípios de mais de 20 mil habitantes e reservam aos governos locais a
faculdadedeelaboraçãodelegislaçãoparadisciplinarousoeaocupaçãodosoloe
garantirocumprimentodafunçãosocialdacidade;
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d)oartigo183 reconheceodireitoàocupação informal,pormeiodousucapião
urbano,inclusivecoletivo,apóscincoanos.
Entretanto a ausência da legislação complementar, que se estende até a
promulgaçãodoEstatutodaCidadeem2001,implicouumobstáculoexpressivoà
autonomiadosgovernoslocaisquantoàaplicaçãodedispositivosconstitucionaise
aodescompromissodasesferasdegovernonocasodascompetênciaseatribuições
compartilhadas.
O Estatuto da Cidade aprofunda os avanços constitucionais, dotando de
conteúdooprincípioda funçãosocialdapropriedade,poispermitiu(MARICATO,
2000):
a)aregulamentaçãodeinstrumentosdedesenvolvimentourbanovoltadosparao
controleeacoibiçãodaespeculaçãoimobiliáriaedacapturadamais‐valiadosolo
urbano;
b)aregulamentaçãodeinstrumentosvoltadosparaaregularizaçãofundiáriadas
áreas informais, especificamente o usucapião urbano e, adiante, por meio de
medidaprovisória, a concessãodeusoespecialpara finsdemoradia, ao ladoda
identificaçãodeoutrosinstrumentosquejávinhamsendoempregadosnoâmbito
local,comoasZonasEspeciaisdeInteresseSocial(ZEIS);
c) o reconhecimento da participação social no planejamento e na elaboração de
planos diretores, bem como a previsão da criação de canais de participação –
órgãos colegiados, gestão participativa do orçamento, conferências, audiências e
debates públicos, dentre outros – em seu capítulo de gestão democrática das
cidades;
d) a recomendação de articulação do plano diretor com instrumentos
orçamentáriosbemcomoaprevisãode suarevisãoperiódica,nomáximoacada
dezanos.
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O Estatuto da Cidade reenquadra os modelos de planos diretores
anteriores, colocando como requisito a participação e a gestão democrática por
compatibilização com o planejamento orçamentário ou por meio da
disponibilização dos instrumentos mencionados. Assim, o novo paradigma de
planejamento reconecta o planejamento e a gestão, bem como as dimensões
técnica e política. Villaça (1978, p.235‐236), afirma que essa “[...] politização
imprime, à década de 90, o caráter de umpossívelmarco divisor na história do
planejamento brasileiro, ancorado na superação dos modelos tradicionais”.
(VILLAÇA,1999,p.15).
Comessaspremissas,oPlanoDiretordefine‐seapartirdeumaleiturada
cidadeconcretacomoumconjuntoderegrasorientadasparaaaçãodosagentes
que constroem e utilizam o espaço urbano e aponta para a dimensão política e
pactuadadoplanejamentoedagestãourbana.
SegundooInstitutoPólis(2001,p.40),
Asnovaspráticassubstituemoplanoquepriorizatudo–ouseja,nãopriorizanada–pelaideiadeplanocomoprocessopolítico,pormeiodoqualopoderpúblicocanalizaesforços,capacidade técnica e potencialidades locais em torno dealgunsobjetivosprioritários.
Ribeiro e Cardoso (2003) exploram as mesmas premissas por meio do
conceito de “planejamento politizado” como ferramenta de análise do processo
iniciadopelomovimentodareformaurbana . Segundoeles,adimensãodepacto
territorial é influenciada pelos direitos urbanos, pelo enfrentamento das
desigualdades socioespaciais e por parâmetros de qualidade de vida e de
preservaçãoambiental.Asforçassociaiseosinteressesgravitamemtornodanova
estrutura do PlanoDiretor que assumeuma feição politizada. Para os autores, o
planejamentopolitizado
[...]pressupõeumanovaconcepçãodeplanoegestão,umanovametodologiadeelaboraçãoenovosinstrumentos.Paratantoé fundamentalpartir‐sedeumquadrode referênciasque coloque a cidade comopalco e objeto dos conflitos no
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centro do ‘diagnóstico dos problemas urbanos’ e daformulação das ‘diretrizes de desenvolvimento urbano’. Oplano constituir‐se‐á no mapeamento dos interesses e dopalcoterritorialeservirádebaseparaagestãodemocráticadacidade.(RIBEIRO;CARDOSO,2003,p.111).
Noentantoessesavançosnãodeixamescaparograudecomplexidadedos
instrumentosregulamentadospeloEstatutodaCidade.Essegraudecomplexidade
torna‐seumabarreiraparaalgunsgovernoslocais,assimcomoparaatoressociais
envolvidos nos processos de participação. O discurso técnico‐especializado
converte‐se em uma barreira de difícil transposição pelos atores sociais que
clamamporumarranjoinstitucionalparticipativo.
AsprincipaisinflexõesnaatuaçãofederaldogovernoLulaforamacriação
doMinistério das Cidades, o ciclo de Conferências das Cidades e o Conselho das
Cidades.OMinistériodasCidades significou redefiniçõese reformulaçõesparao
escopodaspolíticas federais.OciclodeConferênciasdasCidades,promovidoem
2003,tevecomopressupostoaparticipaçãodosdiversosatoressociaisevisouao
estabelecimentodediretrizesdeatuaçãogovernamental,apartirdarealizaçãode
conferências municipais e estaduais, finalizando na realização da conferência
nacional. O Conselho das Cidades, regulamentado em 2006 pelo Decreto
5790/2006, não possuiu caráter deliberativo mais amplo, mas consultivo para
alguns temas. Mesmo assim, o ConCidades vem produzindo um conjunto de
resoluçõesrelativasàspolíticasurbanasehabitacionais,queconstituemavanços
normativos.
Farah (1997, p.18) argumenta que “os governos locais não apenas têm
ampliado sua esfera de ação,mas têm atuado de forma distinta em relação aos
padrões anteriores e produzido inovações em seus diversos campos de
intervenção”. Segundo o autor, a partir das experiências locais, é possível
identificar algumas vertentes de inovações às mudanças nas características
institucionaisedesenhodaspolíticas,programaseprojetos,taiscomo:
1.Ocunhointersetorial;
2.Ainclusãodenovosatoresnosprocessosdeformulaçãoegestão;
3.AdemocratizaçãodasrelaçõesentreEstadoesociedade.
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Nessa concepção de democratização das relações entre o Estado e a
sociedade, o autor ainda aborda três tendências mais gerais de inovação
observadas no contexto brasileiro, a saber: 1. a criação de instâncias de
participação voltadas para as políticas urbanas; 2. as novas lógicas e processos
envolvidos na elaboração dos planos diretores; 3. a incorporação da “cidade
informal” comoobjetodeplanejamentoede políticasurbanas;3.1. as instâncias
institucionaisdeparticipaçãocidadãnaspolíticasurbanas.
A participação cidadã nos governos locais constitui umponto central de
tematização no campo das políticas urbanas, pois contempla a perspectiva de
publicitação de conflitos, a negociação de interesses distintos dos segmentos
sociaiseaafirmaçãoe(re)construçãodeidentidadescoletivas.
Podemos interpretar que a participação tem sido entendida como um
ponto de partida para a democratização das políticas públicas e possibilita a
garantiadosdireitossociaiseareduçãodasdesigualdades.
Portanto,acriaçãodeespaçosdeparticipaçãotemsidoelementonuclear
nareformulaçãodarelaçãoentreEstadoesociedade,configurandoumquadrode
avançosnaspolíticaspúblicasurbanasquevãodoconteúdoàdemocratizaçãodos
processosdeformulaçãoegestão.
Há iniciativas autônomas de criação de espaços de participação de
governos locaiscomoocorremnoscasosdosConselhosdePolíticaUrbanaoude
DesenvolvimentoUrbano,presentesem6%dosmunicípiosem2001(IBGE,2003).
Entendemos que existe uma mudança na condução do processo de
elaboração do Plano Diretor, no final do século XX, a partir da consolidação do
princípio da função social da terra, da previsão dos novos instrumentos
urbanísticos e dos preceitos de gestão democrática das cidades. O caráter
participativo de sua elaboração também revela uma lógica distinta de
planejamentoemrelaçãoàspráticasanteriores.
Nessesentido,épossívelidentificarmosqueoprocessodeelaboraçãodo
plano diretor não sofreu uma simples renovação metodológica, mas rupturas
conceituais com formatos pretéritos imprimindo novas lógicas de formulação e
gestão, assentadas na participação cidadã. Portanto o núcleo das inflexões
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presentesnosplanosdiretoresdeváriascidadesbrasileirasnosanos90ancora‐se,
principalmente,nademocratizaçãodoplanejamentoenagestãodascidades,oque
jáseanunciavanoconteúdodasLeisOrgânicasMunicipais.
Portanto,oprocessodedemocratizaçãoedeconstituiçãodenovosatores
comunitários surgiu de modo semelhante à concepção do direito a ter direitos
(SADER,1988;DAGNINO,1994),comocomponentedaredefiniçãodenovosatores
sociais.
Aquestãourbanaestáumbilicalmente conectadaaodesenvolvimentode
um procedimento democrático‐participativo de elaboração de políticas públicas
urbanas. Tanto o desenvolvimento quanto a aplicação de instrumentos que
normatizem o uso e a ocupação do solo estão inseridos em um padrão de
intervenção estatal e de relações entre Estado e sociedade que precisam ser
compreendidos. O padrão de intervenção estatal urbana noBrasil foi desenhado
pelo processo de construção de instrumentos de planejamento urbano que, ao
longo do século XX, variaram em centralização das decisões e recursos, em
fragmentação institucional e, principalmente, em sua impermeabilidade das
políticas e agências públicas criadas para o atendimento das demandas dos
cidadãos. O caráter impermeável aos cidadãos das políticas contribuiu para a
penetraçãode interessesprivadosnaesferaestataleparaaausênciadecontrole
público. Em muitos casos, o poder público, pressionado por atores sociais de
relevânciaeconômica,acaboucedendonaconcessãodebenessescomoperdõesde
dívidasgeradaspelatributaçãoterritorialurbana.
CONCLUSÕES
As análises do processo de instituição de democracias participativas na
Espanha, mais especificamente na Província da Catalunha, apontaram que a
superaçãodomunicípiodebem‐estarcomachegadadomunicípiorelacionaltem
valorizado o papel dos atores sociais no âmbito local. A participação cidadã
representouumaformadesuperarosdéficitsadministrativosepolíticosquetêm
acompanhadoacrisedoEstadodebem‐estarpormeiodo impulsodacogestãoe
docapitalsocial.
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Portanto o fim do Estado de bem‐estar é um marco histórico‐teórico
importante para analisarmos a guinada de uma democracia fortemente
representativaparaasuaformaparticipativaduranteasdécadasde1980e1990
naEspanha.
O desenvolvimento de uma democracia participativa local passa, em
primeiro lugar, pela ativação dos interesses individuais dos cidadãos e, em
segundolugar,porumprocessodedotaçãodesentidocoletivoeintensificaçãodas
relaçõesentregovernantesegovernados.
Arevalorizaçãodaparticipaçãonoâmbito localencontradificuldadesno
momento da identificação dos instrumentos que levarão à prática participativa.
Mesmo assim, a proliferação de experiências nos últimos anos nos municípios
catalães mostra que alguns caminhos estão alcançando êxito no despertar dos
interessesindividuaisparaparticiparativamentededebates.
O papel da equidade e da honestidade na comunicação entre os que
impulsionamprocessosdeparticipaçãocidadãeosatoressociaisé fundamental,
pois sem isso muitos dos processos podem ficar opacos ou simplesmente
tendenciosos. Semesses requisitos, aspolíticasdeparticipaçãoeasexperiências
podemdegeneraremsimplesencontrosquechancelamdecisõestomadasapriori.
As análises da instituição dos processos democráticos participativos no
Brasil,assimcomonaEspanha,tambémpartemdasegundametadedoséculoXX,
coma instituiçãodoEstadodoWelfareState nospaíseseuropeus.Esseprocesso
também é apontado por Bobbio (1986) como umamudança de perspectiva em
relação à desconfiançaweberiana com o aumento da capacidade de controle da
burocracia.Nocasoespanhol,issosedegenerouparaofortalecimentodocaráter
representativoetécnicodaburocracia,queatuoueficientementenoatendimento
dasdemandassociaisdosmunicípioscatalãesoque,porseuturno,contribuiupara
o fortalecimentodoqueBobbio (1986)denominoude concepçãohegemônicade
democracia, uma tipologia em que o cidadão abre mão do controle sobre as
atividades políticas e econômicas por ele exercidas em favor de burocracias
privadasepúblicas.
Portantoosprocessosdeaprofundamentodademocraciaparticipativaem
ambos os casos, Brasil e Espanha, estão ligados aos marcos históricos “fim da
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guerra fria” e aprofundamento do processo de “globalização”, sobretudo com as
gestões de Margaret Thatcher, na Inglaterra, e de Ronald Reagan, nos Estados
UnidosdaAméricadoNorte,dedesmantelamentodoEstadodebem‐estarsocial.
Esse debate se aprofundamais nos países emque a diversidade étnica émaior,
poisneleshágruposque têmmaiordificuldadepara teros seusdireitosbásicos
reconhecidos,casodoBrasiledaEspanha.
A instituição de uma democracia de caráter participativo no Brasil,
guardando as devidas proporções, parece ter seguido as mesmas intempéries
espanholas.AssimcomonaEspanha–queviveuumlongoperíodosobaégideda
ditadura franquista (1939‐1975) –, o recente processo de democratização pelo
qualoBrasilpassou,apósumtambémlongoperíododitatorial (1964‐1985),não
lheconduziuimediatamenteaumprocessoderadicalizaçãodademocracia.
No caso brasileiro, o processo de democratização e de constituição de
novosatoressociaisbeneficiou‐sedomomentodaconstituinteem1986,quando
diversasdemandassociaisreprimidasseorganizaramnoformatodemovimentos,
comoporexemplo,oMovimentoNacionalpelaReformaUrbana(MNRU).
A diferença entre os dois processos de aprofundamento democrático‐
participativo, o espanhol e o brasileiro, reside, principalmente, no fato de, na
Espanha, ter sido instituído um período de Estado de bem‐estar social pós‐
ditadura e, como seu posterior desmanche, influenciado pela política neoliberal
“thatcherista”, ocorreu um aprofundamento democrático participativo com o
surgimentododenominadomunicípiorelacional.
O Estado de bem‐estar social instituído nos municípios espanhóis e o
consequente recrudescimento da democracia representativa foram a mola
propulsora para o desmantelamento da possibilidade de instituição de uma
radicalização da democracia participativa imediatamente após o término do
regimefranquista(1975).
NoBrasil, o padrão de intervenção estatal e das relações entre Estado e
sociedade fundadas na centralização das decisões e recursos, a fragmentação
institucional, a segmentação no atendimento dos serviços públicos, a
impermeabilidadedaspolíticaseagênciaspúblicasaoscidadãos,apenetraçãodos
interessesprivadosnaesferaestatal e a ausênciado controlepúblico somadosà
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supressãodoEstadodeDireitodemocrático,noperíodode1964‐1985, foramas
forçasqueatuaramna implantaçãode instrumentosparticipativosnaelaboração
do texto constitucional de 1988. Esse painel do período ditatorial conduziu o
Estado para um padrão de intervenção, principalmente na área urbana,
tecnocráticoemsuaspráticas,vinculadoaosinteressesimobiliáriosdeacumulação
urbana e impermeável à instituição de possibilidades de participação cidadã na
cunhagemdaspolíticaspúblicas.
Entretanto o processo de aprofundamento democrático no Brasil com
indíciosderompimentoda lógicaacimadescrita,diferentementedoqueocorreu
naEspanha,estárelacionadocom,principalmente,comtrêsforças.Primeiramente
comanecessidadedeimplantaçãodepolíticasurbanasvoltadasparaaequidadee
com o viés redistributivo especialmente com a emergente questão habitacional
comoobjetode tematizaçãoda sociedadecivil.Emsegundo, comoaumentodos
fluxosmigratórioscampo‐cidade,eseureflexonoprocessodecrescimentourbano
eaformaçãodeperiferiasprecáriasdeinfraestruturas.
Em terceiro, pelo ambiente de modernização conservadora e
centralizadora do governo militar que impôs novos arranjos administrativos e
burocráticos.Essastrêsforças,comorompimentodocicloautoritárioem1985e
comaconstituinteapartirde1986,dãoaamplitudedoterrenonoqualemergem
os movimentos sociais que pressionam para a formação de um novo arranjo
democrático no processo de formulação e implementação de políticas públicas
participativas em alguns municípios brasileiros. Destacamos o já citado MNRU
comoumarticuladordeatorescoletivos,noperíododaConstituinte,elaboradorde
propostas de intervenção urbana. O Estatuto da Cidade que, em certa medida,
aprofundaosavançosobtidospeloMNRUnaConstituinte,principalmentenoque
dizrespeitoàregulamentaçãodeinstrumentosvoltadosparaocontroleecoibição
daespeculaçãoimobiliária.
ComoatestaFarah (1997), asexperiências locais inovamseusprocessos
dedesenhodaspolíticas,programaseprojetos sociais inéditosnosprocessosde
formulação e gestão após esse período da Constituinte. Portanto, no Brasil, a
questão de fundo que promoveu a base e a substância da reformulação dos
processosparticipativosdegeração,implementaçãoegestãodepolíticaspúblicas,
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é urbana. No caso da Espanha, a crise do Estado de bem‐estar e o consequente
surgimento do município relacional, gerido a partir de um contexto de
amplificação da participação cidadã na formulação, implementação e gestão das
políticas públicas, impulsionou uma reconfiguração desse processo. Os cidadãos
espanhóisseviramaleijadosdeumconjuntodeserviçospúblicos,antesoferecidos
comoumamoedadetrocapeloseuenvolvimentoapenas formalcomoprocesso
democrático.Emquepesemasexplicaçõestradicionais,essecontextoimpulsionou
oscidadãosasemobilizaremparacanalizarseusinteresseseassimtentarsuperar
odéficitadministrativoepolíticoqueacompanhouacrisedoEstadodebem‐estar.
Claraestá,emambososprocessos,queainstauraçãodeumcenáriocrítico
desupressãoouaausênciadepolíticaspúblicasfocadasfoiamolapropulsoradas
transformações operadas no arranjo democrático que rompe seu caráter formal
representativo e oxigena‐se com a proposta participativa na construção de
políticaspúblicas.
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POTENCIALNATURALEANTRÓPICODEEROSÃONABACIAEXPERIMENTALDORIACHOGUARAÍRA
Artigo recebido em: 01/02/12 Revisado em: 05/05/12 Aprovado em: 25/05/12
Samir G. Fernandes Costa ¹
Richarde Marques da Silva²
¹
²
Universidade Federal da Paraíba Bolsista IC/Pibic/CNPq [email protected]
Universidade Federal da Paraíba [email protected]
Correspondência: Richarde Marques da Silva Departamento de Geociências Cidade Universitária João Pessoa‐PB, Brasil CEP 58051‐900
RESUMOA intensificação das práticas agrícolas e expansão urbana em baciashidrográficas têm acelerado os processos de erosão. Dessa forma, háuma necessidade de estudos que estimem e analisem perdas de soloatravés do uso de modelos empíricos de perdas de solo acoplados aSistemasdeInformaçõesGeográficas.EstetrabalhoanalisouaevoluçãodasperdasdesoloatravésdaUSLEeidentificaasáreasmaissuscetíveisaos processos erosivos na Bacia Experimental do Riacho Guaraíra emdoisperíodos(1974e2011).Comosvaloresdosfatoresantrópicosfoiestimada a expectativa de erosão. As perdas de solo acima de 20ton/ha/ano se concentraram nas regiões com presença de cana‐de‐açúcaresoloexposto,alémdisso,sãoáreas derelevoonduladoedetipodesoloArgissoloVermelhoAmarelo.Pode‐seconcluirque autilizaçãointegradaentreaUSLEeaferramentaSIGsemostrouumaferramentaeficazepromissoranarepresentação espacialdasperdasdesoloenaidentificaçãodasáreasmaisvulneráveisàerosão.Palavras‐chave:Modelagem,perdadesolo,SIG.
ANTHROPICANDNATURALPOTENTIALOFEROSIONINTHEGUARAÍRABASINEXPERIMENTALABSTRACTThe intensification of agricultural practices and urban sprawl inwatershedshasacceleratederosionprocesses.Thus,thereisaneedforstudies that estimate and analyze soil losses through the use ofempirical models of soil loss coupled with Geographic InformationSystems. This paper analyzed the evolution of soil loss by USLE andidentifies the areasmostsusceptible to erosion in theGuaraíraRiverExperimentalBasin in twoperiods(1974and2011). In addition, thevaluesofanthropicfactorsforerosionexpectationwereestimated.Soilloss above 20 t/ha/year it is concentrated in the regions with thepresence of sugarcane and bare land,moreover, these areas possesssteep slope andsoil typeAcrisolYellow‐Red.Thus, canbe concludedthattheintegrateduseoftheUSLEandGIStoolprovedaneffectiveandpromising tool in the spatial representation of soil losses and toidentifyareasmostvulnerableforsoilerosion.Keywords:Modeling,soilloss,GIS.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 72‐91, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
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INTRODUÇÃO
Aocupaçãoemanejoinadequadosembaciashidrográficasvêmatingindo
níveis críticosem todoomundo, refletindoemgrandesprejuízosparaa fauna e
flora, dependendo das características físicas e da capacidade de recomposição
vegetaldessesambientes.
ParaBertonieLombardiNeto(1999)oprocessoderetiradadacobertura
vegetal,alémdemodificaraspectosdapaisagem,diminuiaestabilidadedosoloe
ocasiona a produção de sedimentos impulsionados pela erosão laminar,
impermeabilizandoereduzindoafertilidadedosolo.Vanzelaetal.(2010)afirmam
quealémdessesimpactosocorretambémoassoreamentoderiosereservatórios,
deteriorandoaqualidadedaáguaereduzindoadisponibilidadehídrica.
Nesse sentido, Mello et al. (2005) discorrem que a introdução de
geotecnologiasqueresultememinformaçõesespaciaissobreaevoluçãohistórica
do uso e ocupação do solo diante de seu quadro atual, é primordial não apenas
para a quantificação das perdas de solo e identificação de áreas críticas, mas
também para o planejamento conservacionista. Segundo Carvalho (2006), a
utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) aliados a técnicas de
SensoriamentoRemotoemodelagemmatemáticapossibilitaobterinformaçõesde
maneirarápidaecombaixocustoeconômicoeservemnaelaboraçãodeaçõesde
planejamento emanejo adequado do solo. Integrando‐se essas geotecnologias, é
possível estimar e analisar perdas de solo a partir de fatores que exercem forte
influência nos processos de erosão de solos. Essas estimativas em análise de
perdasdesolosãorealizadaspormodelosdeprediçãoqueaoseremaplicadosem
ambiente SIG produzemdados espaciais valiosos na identificação e avaliação da
suscetibilidadeàerosãoemdiferentestiposdesolo.
Um dos métodos mais utilizados na estimativa de perdas de solos por
erosão laminar é aplicando a USLE – Equação Universal de Perda de Solo
(Wischmeier e Smith, 1978), desenvolvida nos Estados Unidos. Os primeiros
trabalhosempregandoessaequaçãonoBrasilforamdesenvolvidosporLombardi
NetoeBertoni(1975),noEstadodeSãoPaulo.NaParaíbapodemsercitadosos
trabalhos de Albuquerque et al. (2004) em uma área representativa a
COSTA e SILVA
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suscetibilidadenaturaleoriscodeerosãoeSilvaetal. (2007)utilizandoaUSLE
modificada(RUSLE)noestudodaBaciaGuaraíra.
Estetrabalhotemporobjetivoanalisarosimpactosdamudançanousodo
solo nas perdas de solo na Bacia Experimental do Riacho Guaraíra em dois
períodos (1974 e 2011), visando assim fornecer subsídios para um manejo
adequado do uso e ocupação dos solos e dos recursos hídricos em bacias
hidrográficas.
MATERIALEMÉTODOS
LocalizaçãoecaracterizaçãodaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra
ABacia Experimental RiachoGuaraíra possuiuma área de drenagemde
5,73km²eestá localizadaentreascoordenadas9.191.000mNa9.195.000mNe
275.000mEa276000mE,entreosmunicípiosdeAlhandraePedrasdeFogo,na
MicrorregiãoLitoralSuldoEstadodaParaíba.
Essa bacia faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio Gramame, uma das
baciasmaisimportantesporseramatrizfornecedoradeáguaparaosmunicípios
de João Pessoa, Conde, Santa Rita, Bayeux e Cabedelo que compõem a Região
MetropolitanadenominadadeGrandeJoãoPessoa.Deacordocomaclassificação
deKöppenabaciaestáemumazonaAs’,oqueindicaumclimatropicalchuvoso.O
regime de chuvas ocorre principalmente nosmeses deMaio Junho e Julho, com
precipitaçãomédiaanualde1615,45mm/ano.
Na década de 70 com a crise do petróleo o governo brasileiro
implementouumprogramadeincentivoaproduçãodacana‐de‐açúcaremtodoo
país, o Proálcool (Programa Nacional do Álcool), esse programa apareceu como
umaalternativadesubstituirocombustívelgasolina.
NaParaíbao cultivoda canaveioa transformarprincipalmenteasáreas
ruraislitorâneascomaedificaçãodeusinasdeaçúcareálcool,recobrindotantoa
faixanortequantoafaixasuldaZonadaMataParaibana.Antesdainstalaçãodeste
programa,apenas477estabelecimentosruraisutilizavamadubosquímicosnessa
região. Em 1985, após dez anos de vigência do Proálcool, esse número já era
superior a 5.000. As despesas com fertilizantes também crescerammuito nesse
POTENCIAL NATURAL E ANTRÓPICO DE EROSÃO NA BACIA EXPERIMENTAL DO RIACHO GUARAÍRA
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período. Em1970, elas perfaziam apenas 6,6% do total das despesas realizadas
pelos estabelecimentos agrícolas, passando a representar 14,5% em 1985.
(MOREIRAetal.,1997).
Figura1.LocalizaçãodaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra.
No caso específico do litoral sul paraibano, onde está inserida a Bacia
Experimental Riacho Guaraíra, a cultura da cana‐de‐açúcar nos últimos 30 anos
implicou em grandes alterações na paisagem. A intensificação dessa prática
agrícola comomonocultura, não oferece cobertura vegetal eficiente ao solo, que
ficadesprotegido,podendoocasionararetiradadohorizontesuperficialpelaação
daságuasdachuva.Alémdessesimpactosháosimpactosquímicos,poraplicação
decorretivosdesolos,quepodeminfiltrareimpactarolençolfreático.Destemodo
COSTA e SILVA
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a reconstituir a evolução douso e ocupação do solo possibilitou acompanhar as
transformações associadas às atividades existentes na bacia, que podem ser
problemáticas,principalmenteemtermosambientais.
Utilizaçãodegeotecnologiasnaanálisedousoeocupaçãodosolo
Os estudos envolvendo o uso e ocupação do solo por imagens orbitais
geradas de satélites surgiram com as primeiras tecnologias de Sensoriamento
Remotonocomeçodadécadade1970comolançamentodoLANDSAT1em1972
atémeadosdadécadade1980.
Segundo Almeida (2010), o Brasil foi pioneiro em termos de ciência
espacial, pois apenas os Estados Unidos e Brasil dispunham de antenas para
recepção dos dados, quando em 1972, foi lançado o primeiro satélite civil
comercial de observação da Terra, o ERS (Earth Resources Satellite), que
posteriormente veio a se chamar de LANDSAT1. A partir do final da década de
1980foramcriadosmuitosmodeloscomacapacidadedeutilizartodoopotencial
do SIG comoArcViewSpatialAnalyst,ArcView3DAnalyst,ErMapper,Sprinter e
principalmenteoSWAT(SoilandWaterAssessmentTool)(SILVA,2010).
Com a evolução dos sistemas computacionaisadquirida nas últimas três
décadas no que se refere à disponibilização de imagens com alta resolução
espacial, a integraçãodebases físicasemambientesSIGganhougrande impulso,
proporcionandoumaanáliseespacialdosprocessosnaturaisemqualquerpartedo
planeta.Aproduçãocientíficaaumentouconsideravelmentenosúltimosanosno
Brasilaoquesereferedaanalisedosprocessosdeerosãodossolosemodelagem
hidrossedimentológicapormeiodeumSIG(SistemadeInformaçãoGeográfica).
Osavançosnessesestudostêmdifundidoumasériedemétodosetécnicas
quevemestabelecendouma importante formade se conhecero comportamento
hidrossedimentológico de bacias. Para Silva e Santos (2008) as aplicações de
modelos hidrossedimentológicos incorporadas a Sistemas de Informações
Geográficas(SIG),possibilitamarepresentaçãoespacialdosresultadosobtidosda
modelagem,principalmentenaelaboraçãodemapas temáticos,oqueauxilianas
POTENCIAL NATURAL E ANTRÓPICO DE EROSÃO NA BACIA EXPERIMENTAL DO RIACHO GUARAÍRA
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análises espaciais e no cruzamento de dados tabulares e de informações
geográficas.
Essas informações permitem produzir um banco de dados das
informações de uso e ocupação do solo; perda do solo; dinâmica hídrica; entre
outros dados de base física. Assim, um sistema integrado de análise ambiental
acoplado a um SIG torna‐se extremamente vantajoso e pode ser utilizado para
planejamentoegestãodousoeocupaçãodosoloedosrecursoshídricos.
Para a BaciaGuaraíra omapeamento da evolução do uso eocupaçãodo
solodafoirealizadoemambienteSIGutilizadoprimeiramenteacartatopográfica
do RioMamuaba na escala de 1: 25.000 (SB‐25‐Y‐C‐II‐4‐NE) de 1974. Já para o
mapeamentode2011utilizou‐seimagenspancromáticasdealtaresoluçãoespacial
do satélite QuickBird. O uso do solo foi vetorizado em ambas as imagens, e de
acordoFitz(2008),esseprocessoérealizadopormeiodaidentificaçãovisualem
tela de computador, utilizando uma imagem previamente tratada, a qual será
desenhada com auxílio de um mouse com. Por meio das representações
matemática da distribuição dos fenômenos espacial existentes criaram‐se
estruturas de representação, onde os valores dos atributos foram obtidos por
procedimentos de interpolação a partir do conjunto de amostras do Modelo de
Elevação do Terreno (MDE). Em seguida as classes foram fotointerpretadas
manualmenteemtela,proporcionandooagrupamentodasmesmas.
Segundo Florenzano (2008) esse método de interpretar fotografias ou
imagensorbitais é identificarobjetosnelas representadosedarumsignificadoa
essesobjetos.Quantomaiorforaresolução,emaisadequadaaescala,maisdireta
efáciléaidentificaçãodosobjetosemumaimagem.Essasimagensorbitaisalém
possibilitaremafotointerpretação,tiveramgrandeimportâncianosmapeamentos,
pois permitiram analisar as classes que pertenciam aos usos mais recentes da
baciaGuaraíra.
AplicaçãodaUSLE
Osmodelosempíricosbaseiam‐seemexperiênciasouemconhecimentos
obtidos por percepção dos fenômenos ambientais. Em geral são formulados por
COSTA e SILVA
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regressões cujos coeficientes são definidos experimentalmente. Através das suas
respostas há um melhor entendimento dos processos hidrossedimentológicos
favorecendo uma maior proximidade de como é o processo do ciclo
hidrossedimentológico. A consideração da variação espacial da bacia e espaço‐
temporal da precipitação faz com que os mesmos possam ser utilizados para a
análise dos impactos causados pelo uso da terra sobre os processos erosivos. O
significado físicodos parâmetros permite analisar a variação do comportamento
dosistemadevidoàvariaçãoemalgumcomponentedomesmo(SANTOS,2009).
ParaanálisedasperdasdesolonaBaciaGuaraírafoiutilizadaaEquação
UniversaldePerdadeSolodeWischmeiereSmith(1978),aplicandoosfatoresque
exercem influência na área de estudo. O cálculo foi realizado totalmente em
ambienteSIGapartirdetécnicasdegeoprocessamento.
PCLSKRA (1)
sendoAasperdasdesolo(t/ha/ano),Rofatordeerosividade(Mj.mm/ha/h/ano),
K o fator de erodibilidade dos solos (t.h/Mj/mm), LS (fator topográfico) e os
fatoresadimensionaisCeP (Manejoeusodo soloePráticas conservacionistas),
foramgeradosmapastemáticos,queserviramdebaseparaanálisedasperdasde
soloeidentificaçãodasáreasmaissuscetíveisaosprocessoserosivos.
FatorR(erosividade)
SegundoBertoni&LombardiNeto(1999),oFatorRéumíndicenumérico
que expressa a capacidade da precipitação em causar erosão em uma área sem
proteção (Equação 2). Para compor essa equação foram utilizados dados
pluvioméricos diários dos últimos 30 anos, obtidos de três postos de coleta que
estão localizadosnasproximidadesdabacia, apresentadosnaTabela2.Osdados
foram interpolados utilizando o método do Inverso do Quadrado da Distância
(IDW), essemétodo de interpolação global utiliza se baseia no principio de que
quantomais próximo estiver um ponto do outro,maior deverá ser a correlação
entreseusvalores.
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0,759212
1
89,823 m
i a
PR
P
(2)
sendoRofatordeerosividade(MJ.mm/h/ha),Pmprecipitaçãomédiamensal(mm)
ePaaprecipitaçãomédiatotalanual(mm).
Tabela1–Localizaçãogeográficaeperíododedadosdasestaçõespluviométricas
Postos Latitude(m) Longitude(m) Períododosdados
FazendaMamuaba 9.196.187 276.378 1969–1989Imbiribera 9.196.257 273.659 1969–1989
RiachodoSalto 9.190.734 275.524 1969–1989
FatorK(erodibilidadedosolo)
Ofatorerodibilidadepodeserdefinidocomoàsusceptibilidadedosoloa
erosão. Esse fator foi obtido por meio da associação do mapa de solos da
EMBRAPA (1999)edaatribuiçãodevaloresdeerodibilidadecorrespondentes a
cadaclassedetiposdesolo,conformeométodopropostoporFarinasso(2006).
FatorLS(fatortopográfico)
Paraobtençãodofatortopográfico(fatorLS),querepresentaoparâmetro
de comprimento da encosta e o grau de declividade, este fator foi obtido pela
equação desenvolvida por Moore e Burch (2006) e utilizada por Zhang et al.
(2009).
3.14.0
0896.0sin
13.22
VLS (3)
sendoVaacumulaçãodefluxopelotamanhodacélulaeθoângulodadeclividade
emgraus.
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FatoresCeP(usoemanejodosoloepráticasconservacionistas)
Segundo Bertoni e Lombardi Neto (1999), o fator uso emanejo do solo
expressaarelaçãoesperadaentreperdasdesolosemáreascomculturasagrícolas
evegetação,comáreascontinuamentedescobertas.Comoaanálisedasperdasde
soloébaseadaemumasérieespacialhistórica,foirealizadoumaanálisedosusos
dosolopara1974e2011.Quantoofatorpráticasconservacionistas,Wischmeiere
Smith(1978)explicaqueexpressaumarelaçãoentrea intensidadedeperdasde
solocomumadeterminadapráticaconservacionistaeasperdasquandoacultura
estaplantadanosentidododeclive,ouseja,morroabaixo.
Os valores para os dois fatores foram estipulados adotando os valores
encontradosnaliteratura,ondeestesforamintegrados,umavezquenãosepode
identificar em campo práticas conservacionistas na área de estudo diante da
dificuldade em tabular tais informações. Os valores são adimensionais e estão
descritosnaTabela2.
Tabela2–UsosdosolonabaciaerespectivosvaloresdosFatoresCeP
Usosdosolo FatoresCePCana‐de‐açúcar 0,0012
Cerrado 0,01Mata 0,019
SoloExposto 1,0Fonte:AdaptadodeBertonieLombardiNeto(1990).
RESULTADOSEDISCUSSÕES
AquantificaçãodasperdasdesolonaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra
possibilitou estimar a produção de sedimentos e gerar mapas temáticos de
Erosividade, Erodibilidade, topografia, uso e ocupação do solo e práticas
conservacionistas,dosquaisseobteveosmapasdeperdasdesolode1974e2011.
Já para a estimativa do PotencialNatural de Erosção foramutilizados os fatores
físicosqueexerceminfluêncianabacia(R,K,LS),apartirdosquaisserealizoua
espacializaçãodasestimativasdeperdadesolo.
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ErosividadedasChuvas
Os resultados da análise da erosividade das chuvas (fator R) na bacia
revelamqueovalormédioanualparaaárea foide7.739Mj.mm/ha/h/ano,com
umdesviopadrãode686,44Mj.mm/ha/h/ano.Asestimativasapresentaramuma
variaçãode7.485a8.516Mj.mm/ha/h/ano,osmaioresvaloresestiveramentrea
classede7.486a8.516Mj.mm/ha/h/ano.
Com base na classificação propostas por Carvalho (2008), os valores
estimadosdeerosividadeforamdispostosemclassesdeerosividadeefragilidade,
comopode servistonaTabela3.Os resultados revelamquepara a classe7.485
Mj.mm/ha/h/anoafragilidadefoiconsideradacomomédiaforte,jáaclasse8.516
foiconsideradacomoalta.
Tabela3–RelaçãoentreasclassesdeErosividadeefragilidadedossolosdabacia
Classesdeerosividade(Mj.mm/ha/h/ano)
Classesdefragilidade
7.485 MédiaForte8.516 Alta
Fonte:AdaptadodeCarvalho(2008).
Figura2.MapadaErosividadedaBaciaGuaraíra.
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ErodibilidadedosSolos
Nabaciaforamidentificadosdoistiposdesolos,otipoArgissoloVermelho
Amarelo e o Podzol Hidromórficos. De acordo com a classificação de solos da
EMBRAPA(1999),essessolostêmporcaracterísticaumaconsiderávelresistência
à erosão, sendo que o tipo Podzol Hidromórfico é ainda mais resistente aos
processos erosivos. A partir dos tipos de solo encontrados na bacia, a Tabela 3
apresenta os valores do fator k associados aos solos existentes, sendo estes
divididosemduasclasses.
Tabela4–SoloserespectivosvaloresdeErodibilidadedabacia
Classes TiposdeSolo Área(km²)
Erodibilidade(t.h/Mj/mm)
Pv19 ArgissoloVermelhoAmarelo 4,68 0,044HP3 PodzolHidromórfico 1,05 0,014
Osvaloresdeerodibilidadeencontradosparaosdoistiposdesolorevelam
queotipoArgissoloAmarelovermelho(classePv19)apresentamaiorvalorcom
0,044 t.h/Mj/mm, enquanto que o tipo Podzol Hidromórfico (classe Pv19)
apresentamenor valor com0,014 t.h/Mj/mm.Dos resultados obtidos do fator k
verificou‐se que o tipo de solo Argissolo Vermelho Amarelo apresenta uma
suscetibilidadeerosivasuperioremrelaçãoaotipodesoloPodzolHidromórfico.
Na espacialização dos dois tipos de solo encontrados (Figura 3), foi
possível verificar que o tipo Argissolo Vermelho Amarelo ocupa quase que toda
extensão da bacia, enquanto que o tipo Podzol Hidromórficos ocorre apenas na
porçãosudeste.
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Figura3.MapadeErodibilidadedesolosdaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra.
FatorTopográfico
A partir do fator topográfico (LS) identificou‐se que nas áreas onde há
convergênciadeacumulaçãodefluxo,ouseja,ondeossedimentosseacumulame
asdeclividadessãomaisacentuadas,ovalordeLStendeuasermaior.
Conforme a tabela 4, os menores valores obtidos do fator LS
compreendemaclassequevariade0a1,048,estaclasseocupaumaáreade4,70
km²,oque representa80,6%dabacia.Osmaioresvaloresvariaramde11,003a
23,745,oquecorrespondea0,03km²,ouseja,0,5%daáreatotaldabacia.
Tabela5–ClassesdoFatorTopográficonabacia
ClassedeLS Área(km²) %0–1,048 4,70 80,6
1,049–2,933 0,55 9,62,933–5,446 0,29 6,3
5,447–11,002 0,16 3,011,003–23,745 0,03 0,5
COSTA e SILVA
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Na espacialização do fator topográfico verificou‐se que as classes cujos
valores forammaisexpressivos, localizam‐senaporçãonortedabacia, emáreas
íngremespróximasaocursodorio.Osresultadosdadeclividaderepresentadosna
tabela7demonstrarambaixaamplitude,comvariaçãode0a12,3.Relacionandoas
declividades da bacia Guaraíra com a classificação da Embrapa (1999), a bacia
apresenta classes de relevo de plano a ondulado, havendo um predomínio da
classe0a3,3,queocupa4,65km²(81%)deárea,oquedemonstraqueabacianão
apresentagrandesoscilaçõesderelevo.
Tabela6–Distribuiçãodasclassesdedeclividadeseáreascorrespondentes
Declividade Relevo Área(km²) %0–3,3 Plano 4,65 81,03,4–8,7 Suavementeondulado 0,62 11,08,8–12,3 Ondulado 0,46 8,0
Fonte:Adaptado,EMBRAPA(1999).
Figura4–MapadoFatorLSparaaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra.
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EvoluçãodoUsoeOcupaçãodoSolo
Conforme a Tabela 7, no mapeamento para o ano de 1974 foram
encontradas as classes cana‐de‐açúcar, cerrado e mata. Já para o ano de 2011
foram encontradas as classes cana‐de‐açúcar, cerrado, mata e solo exposto. A
composição vegetal representada pelas classesmata e cerrado recobriam juntas
umaáreabastanteconsideráveldabaciaem1974,ocupando5,29km²(92,5%)da
área total. Para o ano de 2011, as classes: mata e cerrado, juntas, ocupam
atualmenteumaáreade3,61km²(63,1%).
Noqueserefereàclasse soloexposto foiobservadooseuaparecimento
apenasparaoanode2011ocupando0,22km²(3,80%),talocorrênciapodeestar
relacionadoàausência totalda coberturavegetalporaçãoerosivaou comáreas
preparadasparaoplantiodaculturacana‐de‐açúcar.
As espacializações das classes de uso e ocupação representadas nas
Figuras7e8possibilitarama identificaçãodasatividadesexistentesnabaciaem
1974e2011,alémdecontribuirparaaanalisedoprocessodeevoluçãodasáreas
maisvulneráveisaerosão.
Tabela7–Usoeocupaçãodosoloparaosperíodosde1974e2011emkm²
1974 2011ClasseÁrea(km²) % Área(km²) %
Cana‐de‐açúcar 0,44 7,5 1,90 33,1Cerrado 3,80 66,8 2,69 46,8Mata 1,49 25,7 0,92 16,3
SoloExposto – – 0,22 3,80TOTAL 5,73 100,0 5,73 100,0
EstimativadasPerdasdeSolo
Osresultadosobtidosdasperdasdesolodabaciaestãorepresentadosna
tabela 8 e foram distribuídos em 6 classes de perda de solo, cujos intervalos
variaramde0a>20ton/ha/ano,tantoparaoperíodode1974quantoparaode
2011
No que se refere às perdas de solo para o ano de 1974 os resultados
sugeremqueaproduçãodesedimentosrepresentadapelaclassede0a5t/ha.ano
COSTA e SILVA
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compreendiaquasetodabacia,ocupandoumaáreade5,29km²(91,8%),enquanto
queaclassede>20t/ha.anotinhaumaproduçãodesedimentosreferenteauma
área de apenas 0,13 km² (2,5%). Para o ano de 2011 houve um aumento
considerávelnaproduçãodesedimentosnoqueserefereàclassecomperdasde
solo > 20 t/ha.ano, correspondendo a 5,6 % da bacia. Não foram encontradas
perdasdesolosuperioresa50ton/ha/anoemambososperíodos.
Figura5.Classesdeusoeocupaçãodo
soloem1974.
Figura6.Classesdeusoeocupaçãodo
soloem2011.
Emconcordânciacomomapeamentodousoemanejodossolosdabacia,
na análise evolutiva das classes de perdas de solo verificou‐se que houve um
aumentoem5vezesda classede>20 t/ha.anode1974a2011. Issopodeestar
relacionado ao aumento do desmatamento em faixas que possuem declividades
maisacentuadas,próximasaocursodorioquecortaabacia.
Nas Figuras 7 e 8 é representada a distribuição espacial das perdas de
solodabaciaGuaraíranosdoisperíodosestudados.Naespacializaçãodasclasses
verificou‐sequeasaltasperdasdesolo(acimade20ton/ha/ano),concentraram‐
se nas regiões com cana‐de‐açúcar e solo exposto. Esses setores são
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potencialmentemaissuscetíveisaosprocessosdeerosão,devidooconjugadodas
característicaserosividade, erodibilidade,edeclividade,alémdisso, temoagravo
dainfluênciadaaçãoantrópicacomocultivodacananessasparcelas.
Tabela8–Perdasdesolode174e2011poráreaocupada
1974 2011Classes(t/ha.ano) Área(km²) % Área(km²) %
0‐5 5,29 91,8 4,94 86,66‐10 0,12 2,4 0,18 3,211‐15 0,10 1,7 0,15 2,416‐20 0,09 1,6 0,12 2,2>20 0,13 2,5 0,34 5,6
Figura7.MapadasPerdasdesolosem1974.
COSTA e SILVA
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Figura8.MapadasPerdasdesoloem2011.
Comrelaçãoàsperdasdesolossegundoostiposdesolos,verificou‐seque
as maiores perdas de solo ocorrem onde estão presentes os solos Argissolo
Vermelho Amarelo e onde também se concentra a classe cana‐de‐açúcar. Na
porçãoondeseencontraotipoPodzolHidromórficoosmaioresvaloresdeperdas
desoloforamencontradosnasáreascomsolosexpostossomenteparaoperíodo
de2011.
Aoanalisarosresultadosdosdoisperíodosebaseando‐senaclassificação
deFAO(1967),conformeatabela9,osvaloresdeperdasdesolonabacia foram
consideradosdebaixosamoderados.
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Tabela9–PerdadesoloporGraudeerosão
Perdadesolo(t/ha.ano) Graudeerosão<10 Baixo
10–50 Moderado50–200 Alto>200 Muitoalto
Fonte:AdaptadodeFAO(1967).
CONSIDERAÇÕESFINAIS
AutilizaçãointegradaentreSIGeaUSLEsemostrouumatécnicaeficazna
representaçãoespacialdasperdasdesolonaBaciaExperimentalRiachoGuaraíra
enaidentificaçãodasáreasmaissuscetíveisaerosão.
Osvaloresestimadosdeperdasde soloparaosdoisperíodosestudados
sugerem que houve um aumento considerável do desmatamento durante os
últimos30anos.Apesardeos tiposdesoloencontradosnabaciaoferecemcerta
resistência à erosão, a influência da ação antrópica com o plantio de cana‐de‐
açúcarveminterferindonasperdasdesolodabacia.Nasáreasdemaioresvalores
deperdadesolo,foramasqueconcentravamintensainfluênciadaaçãoantrópica,
alémdepossuíremosmaioresvaloresdedeclividadeseondeosolotinhapoucaou
nenhumaproteção.
Osdadosanalisadosevidenciamtambémqueparaocontroledoprocesso
erosivolaminarnabaciaénecessárioumreordenamentodousodosolo,quepode
ser efetivado adotando‐se coberturas que sejam capazes de proteger o solo de
forma apropriada e/ou adotando práticas conservacionistas por maquinais que
rescindam o comprimento da rampa e diminuam o espaço de escoamento
superficialdaágua.Asinformaçõescoletadasqueresultaramnaconstruçãodeum
Sistema Geográfico de Base de Dados – SGBD poderá servir de base nessas
aplicaçõesdegestãodabacia.
Alémdisso,hápossibilidades futurasdecompactaçãodosolonaáreada
Bacia Guaraíra, caso continue com um manejo inadequado do solo e,
consequentementeaisso,provoqueimpactosnaregiãodaBaciadoRioGramame,
devido à produção de sedimentos e suas associações com agrotóxicos quando
carreados pela ação das chuvas. Portanto, verifica‐se a importância de novos
COSTA e SILVA
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trabalhos relacionados com a temática apresentando alternativas a esses
problemas.
AGRADECIMENTOS
OsautoresagradecemaoCNPq–ConselhoNacionaldeDesenvolvimento
Científico e Tecnológico pela concessão da bolsa de pesquisa de IC do primeiro
autor. Os autores agradecem ainda ao Laboratório de Recursos Hídricos e
EngenhariaAmbiental–LARHENAeaoLaboratóriodeEnsino,PesquisaeProjetos
emAnáliseEspacial–LEPPAN,ambosdaUFPB,peladisponibilizaçãodedadose
equipamentosutilizadosnestetrabalho.
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ZHANG,Y.etal.IntegrationofModifiedUniversalSoilLossEquation(MUSLE)intoaGISframeworktoassesssoilerosionrisk.LandDegradation&Development,IowaCity,v.20,n.1,p.84‐91,2009.
Cadernos do Logepa v. 7, n. 1, p. 92‐120, jan./jun. 2012 ISSN: 2237‐7522
EVIDÊNCIAS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DOSPROGRAMASDETRANSFERÊNCIADERENDAPARAAREDUÇÃODOTRABALHOINFANTIL
Artigo recebido em: 01/04/12 Revisado em: 05/06/12 Aprovado em: 15/06/12
Maria Carolina Costa Madeira¹
Ivan Targino²
¹
²
Universidade Federal da Paraíba [email protected]
Universidade Federal da Paraíba [email protected]
Correspondência: Ivan Targino Departamento de Economia Cidade Universitária João Pessoa‐PB, Brasil CEP 58051‐900
RESUMOO texto objetiva identificar as características determinantes para aoferta de trabalho de crianças na Paraíba, como também gerarevidências sobre a contribuição dos programas de transferência derenda para a redução do trabalho infantil no estado. A base dedadosescolhida para este estudo é a Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD) de 2004. Através do modelo probit, verificou‐secomo a participação no PETI e nos outros programas sociais e ascaracterísticasindividuaisefamiliarescontribuemparaaocorrênciadetrabalho infantil. Para comparar com os resultados encontrados naParaíba, realizaram‐se regressões para o Brasil e para o Nordeste. AsestimaçõesparaoBrasileoNordesteindicaramqueapenasoPETIfoicapazdereduziraincidênciadetrabalhoinfantil.Porém,osresultadospara Paraíba mostraram que tanto a participação do PETI, como nosdemaisprogramas sociais, diminuemapossibilidadedeocorrênciadofenômeno.Palavras‐chave:TrabalhoInfantil.PETI.ProgramasSociais.Paraíba.
EVIDENCE ON THE CONTRIBUTION OF PROGRAMSTRANSFER OF INCOME FOR REDUCTION OF CHILDLABOURABSTRACTThe objective of this paper is to identify the characteristicsdetermining the labor supply of children in Paraiba, but also togenerateevidenceonthecontributionofincometransferprogramstoreduce child labor in the state.Thedatabase chosen for this study isthePNAD2004.Throughtheprobitmodel,itwasliketoparticipateinthe PETI and other social programs and individual and familycharacteristicscontribute to the incidenceof child labor.To comparewith the results founds in Paraiba, regression were performed forBrazil and Northeast. The estimates for Brazil and the NortheastindicatedthatonlythePETIwasabletoreducetheincidenceofchildlabor. However, results for Paraíba showed that the participation ofPETI,asinothersocialprograms,reducethepossibilityofoccurrenceofthephenomenon.Keywords:ChildLabor.PETI.SocialPrograms.Paraíba.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 92‐120, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
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INTRODUÇÃO
Os programas de transferência de renda criados na segundametade da
décadadenoventasurgiramparaproporcionarumefeitoimediatoaumconjunto
da população que vivia em situações de carência aguda de recursos, em face a
situação de pobreza e de insuficiência de renda existente no Brasil nas últimas
décadas.
As propostas desses programas utilizam critérios de rendimento para a
escolhadeseupúblico‐alvo,exigindocomocontrapartidadobenefíciorecebido,o
respeito a algumas regras. Em geral, as condicionalidades propostas aos
beneficiários são voltadas ao cuidado das crianças e adolescentes, como a
obrigatoriedade de atendimento médico, da freqüência escolar dos filhos e da
retiradadotrabalhodosmesmos.
Emfunçãodaimportânciadestesprogramasdetransferênciaderenda,em
termos de cobertura e de dispêndio público, observou‐se o surgimento de
pesquisas voltadas à análise do impacto de suas ações em âmbito nacional. No
entanto, verifica‐se a falta de estudos específicos dos resultados alcançados em
nívelregionaloulocal.
OProgramadeErradicaçãodoTrabalhoInfantil(PETI),lançadoem1996,
tornou‐se uma importante política de combate ao trabalho de crianças e
adolescentes e de contribuição à redução da pobreza, por combinar o aspecto
compensatório – a transferência de renda para as famílias como forma de
substituirorendimentoobtidocomotrabalhodeseus filhos‐,comoincentivoà
educaçãoeàfocalizaçãodosgastos.
DototaldascriançaseadolescentescadastradosnoPETI,55%encontram‐
senosestadosdoNordeste,regiãocommaiorincidênciadetrabalhoinfantilecom
ospioresindicadoressócio‐econômicos.AParaíbaéumdosestadosnoNordeste
commaiorincidênciadetrabalhoinfantil,e,em2010,foiosextomaiorrecebedor
derecursosdoPETI.
Mesmo sendo o único programa com a meta de combater o trabalho
infantil,elepossuialgumaslimitações,comomenorcoberturadebeneficiárioseo
pequeno valor concedido às bolsas, pelo menos, se comparado aos programas
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BolsaFamíliaeoBenefíciodePrestaçãoContinuada(BPC‐LOAS).Poroutro lado,
osestudosexistentessobreo impactodessaspolíticas informamque,apesardos
resultadospositivosdeprogramas,comodoBolsaFamília,ematenderasfamílias
mais pobres e em elevar o atendimento escolar das crianças, os resultados com
relação ao combate ou redução do trabalho de crianças sãomenos significantes.
Issoocorre,especialmente,pelofatodocombateaotrabalhoinfantilnãoseralvo
direto desse programa. (CARDOSO e SOUZA, 2004; FERRO e KASSOUF, 2005;
CACCIAMALI,TATEI,FERREIRA‐BATISTA,2008).
Oobjetivodesteartigoéidentificarascaracterísticasdeterminantesparaa
oferta de trabalho de crianças e adolescentes na Paraíba, como também gerar
evidências sobrea contribuiçãodosprogramasde transferênciade rendapara a
reduçãodotrabalhoinfantilnoestado.Oquestionamentoseria,portanto,desaber
qualaprobabilidadedeumacriançatrabalharounãocasoseusfamiliaresestejam
participandodoPETIoudeoutrosprogramasdetransferênciaderenda.
A base de dados escolhida para este estudo é a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 2004, porque além de fornecer informações
sobreotrabalhorealizadoporindivíduosentrecincoenoveanos,oIBGEincluiu
na pesquisa suplemento especial sobre o acesso a oito programas sociais de
transferênciasderenda.
Dessa forma, será estimado ummodelo probit para determinar como a
participação no PETI e nos outros programas sociais e as características
individuais e familiares contribuem para a ocorrência de trabalho infantil na
Paraíba.Paracompararcomosresultadosencontradosnoestado,serãorealizadas
regressõesparaoBrasileparaoNordeste.
O presente artigo está organizado nas seguintes seções: um breve
levantamentodosprincipaisfatoresrelacionadosàocorrênciadotrabalhoinfantil
e dos programas de transferência de renda; a descrição da situação do trabalho
realizado pelas crianças e adolescentes e do número dos beneficiários de
programas sociais na Paraíba; os procedimentos metodológicos utilizados; a
apresentaçãodosresultadose,porfim,asconclusões.
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LevantamentodosprincipaisfatoresrelacionadosaotrabalhoinfantiledosprogramasdetransferênciaderendanoBrasil
A escolha do indivíduo entre trabalhar ou continuar estudando inicia‐se
dentro do ambiente familiar. Está condicionada à situação de pobreza e ao
tamanhodafamília,àscondiçõesdetrabalhodospaisouresponsáveiseseugrau
de escolaridade, entre outras variáveis. Sabe‐se que muitos pais colocam seus
filhospara trabalhar como formade complementara renda,porque seusganhos
são poucos, ou então, para que não faltem recursos em caso de desemprego ou
doençadoresponsável.
Emrazãodestasevidências,originou‐seumaextensabibliografiasobreo
tema, a qual se direcionou em duas vertentes complementares de análise: na
formulação demodelos teóricos de decisão familiar para explicar a alocação de
tempodosfilhosentreaescola,olazereotrabalho;enarealizaçãodepesquisas
empíricas, na maioria, utilizando microdados, no intuito de descrever as
características do trabalho realizado pelas crianças e adolescentes e verificar a
correlação entre a ocorrência do trabalho e as características domiciliares e
familiares.
OsmodelosdedecisãofamiliarsãobastanteinfluenciadospelaTeoriado
CapitalHumano,deTheodorSchultz (1973)eGaryBecker (1975).Aeducaçãoé
considerada um investimento, que gera custos presentes e benefícios futuros
(BASU,1998;KASSOUF,2001).A famíliadeverealizarumatrocaentrerenunciar
aoconsumopresente(nestemomentoacriançanãotrabalhaeospaistêmcustos
com a escola) e, se beneficiar no futuro, em decorrência dos ganhos dos filhos
obtidos pelo nível de instrução mais elevado. Qualquer fato que modifique os
custos ou benefícios com a educação ou as restrições orçamentárias da família
poderáafetarotempodisponívelvoltadoparaaeducaçãoeaquantidadedehoras
gastascomtrabalho.
ParaCacciamalieTatei(2008),osmodelosquetêmcomobaseaofertade
trabalhoinfantil,consideramqueadistribuiçãodotempodacriançaentreescola,
atividadesdomésticasetrabalho,ocorredeacordocomotamanhoeaestruturada
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família,aprodutividadedacriançaedospais,eograudesubstituiçãonotrabalho
entreeles.
O trabalho realizado na infância gera benefícios imediatos na forma de
renda (mesmo que seja pequeno), no entanto, poderá causar prejuízos ao
desenvolvimento das potencialidades da criança, por afetar sua saúde física e
psicológica, por tomar o tempo e os recursos que poderiam ser melhores
dedicados à acumulação de conhecimentos através da educação formal
(FERNANDESeSOUSA,2003).
Ograudeescolaridadedospais,alémdarendafamiliar,éumimportante
determinantedosanosdeestudosdeseusfilhos,nestesentido,“aeducaçãoéum
elementofundamentalnatransmissãointer‐geracionaldacaracterísticaquantoao
nível de rendimento, consistindo em um elemento explicativo chave da
perpetuaçãodapobreza”(LAM,1992apudROCHA,2003:64).
Kassouf (2002) analisou o efeito da entrada precoce no mundo laboral
sobreosrendimentosdosindivíduosnafaseadultadavida,utilizandoaPNADde
1999,everificouquequantomaioraidadedeingressodoindivíduonoprocesso
produtivo,maiorseráasuaescolaridadetantoparahomensquantoparamulheres.
Tais constatações estão de acordo ao que Emerson e Sousa (2003 apud
Kassouf,2005)chamamde“armadilhadapobreza”:paisquetrabalharamquando
criançasenxergamcommaisnaturalidadeotrabalhoinfantilesãomaispropensos
acolocarosfilhosparatrabalhar.
Os dados da PNADde 2002, relativos às crianças entre 10 e 16 anos de
idade,mostramque o status ocupacional do chefe da família, combinado ao seu
nível de educação e o gênero, pode alterar o uso do trabalho dos membros da
família,oqueincluiosfilhos(CACCIAMALIeTATEI,2008).Osautoresverificaram
que as famílias chefiadas por trabalhadores por conta própria apresentaram
probabilidade superiores de trabalho infantil do que as famílias chefiadas por
assalariadoscomcarteiradetrabalho.Alémdisso,observaramqueaelevaçãoda
educaçãodospais refletiu‐seemreduçõesbastanteacentuadasdaprobabilidade
deincidênciadotrabalhoinfantil.
Dentreasprincipaisconseqüênciasdotrabalho,estáoefeitonegativona
educaçãoda criança edoadolescente. Schwartzman (2007) informaqueobaixo
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rendimentoescolarestárepresentadoemdoisindicadoresescolares:freqüênciaàs
aulas e defasagem idade e série. Ao utilizar dados da PNAD de 2001, o autor
observouqueaos12anosdeidade,adiferençanafreqüênciaàescolaentreosque
trabalhameosquenãotrabalhamépequena,doisatrêspontospercentuais.Nas
idadesseguintes,adiferençatendeaaumentarchegandoa10pontospercentuais
apartirdos14anos.Aos17anos,idadeemqueépermitidootrabalho,32%dos
adolescentesocupadosjáestãoforadaescola.
Outraspesquisasempíricaschegaramaconclusõessemelhantesquantoàs
conseqüências do trabalho sobre a escolaridade de crianças e adolescentes
(BEHRMAN e WOLFE, 1984; KASSOUF, 1997, 2005; ROCHA, 2003; KRUGER e
BERTHELON, 2007; WAHBA, 2005). Este déficit educacional contribuirá
negativamente para o nível salarial ao se tornarem adultas. A falta de educação
formaltorna‐se,portanto,uminstrumentoparaadesigualdadederendaentreos
trabalhadoreseparaaformaçãodociclointer‐geracionaldepobreza.
ProgramasdetransferênciaderendanoBrasil
No intuito de dar uma resposta às pressões sociais e de respeitar a lei,
durante a década de 1990, as três esferas do governo, em parceria com órgãos
internacionais,comoaOrganizaçãoInternacionaldoTrabalho(OIT)1eUnicef,eda
sociedade civil organizada, passaram a desenvolver projetos voltados para a
universalizaçãoemelhoriadoensinopúblico,paraareduçãodapobrezaeparao
combateeaerradicaçãodotrabalhoinfantil.
Duranteadécadade1990,ganharambastantevisibilidadeprogramasde
municípiosbrasileiros,comodeIcapuí(CE),queconseguiuuniversalizaroensino
básico e melhorar os índices educacionais através de ações integradas com as
secretariasdaPrefeituraecomacomunidade,eparceriascomuniversidadeseo
Unicef (LOTTA e MARTINS, 2003); ou as experiências de Campinas (SP) e do
Distrito Federal (na região do Paranoá), que desenvolveram, a partir de 1995,
1AOITcriouem1992,oProgramaInternacionalparaEliminaçãodoTrabalhoInfantil(IPEC),quetem servido comomodelo para vários países elaborarem programas e projetos de ação para aprevençãoeaerradicaçãodotrabalhoinfantil.OBrasil,aÍndia,aIndonésia,aTailândia,oQuêniaeaTurquiaforamosprimeirospaísesescolhidosparainiciarasatividadesdoIPEC.
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programasderendamínimavinculadosàpermanênciaescolardascrianças.
Baseando‐se nos resultados obtidos das experiências municipais, o
governo federal implementou os programas Bolsa Escola Federal2 e o Bolsa
Alimentação,amboscriadosem2001;oAuxílioGás(2002)eoCartãoAlimentação
(2003)3, eo ProgramadeErradicaçãodoTrabalho Infantil –PETI, instituídoem
1996.
O PETI é uma política pública social do Governo Federal, implantada a
partir de 1996 em parceria com estados e municípios brasileiros. O Programa
objetivaretirarcriançaseadolescentesentresetee15anosdeidadeinseridosno
trabalho,demodoagarantirasuaescolaridadecomatransferênciadeumarenda
mensal (bolsa Criança‐Cidadã), bem como reforçá‐la através de atividades
socioeducativas em complemento ao horário escolar. As famílias atendidas
caracterizam‐se pela situação de pobreza e de exclusão social, com renda per
capitadeatémeiosaláriomínimo(MDS,2010).
Mesmo sendo o único programa com a meta de combater o trabalho
infantil,elepossuialgumaslimitações,comomenorcoberturadebeneficiárioseo
pequeno valor concedido às bolsas, pelos menos, se comparado aos programas
BolsaFamíliaeoBenefíciodePrestaçãoContinuada(BPC‐LOAS),oqualtransfere
valormensaldeumsaláriomínimoaosidososepessoascomdeficiência.
PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS
Quanto aos meios de investigação, as fontes utilizadas referem‐se à
pesquisabibliográficaeàutilizaçãodosdadosdaPNAD2004.
A pesquisa bibliográfica consistiu no levantamento das publicações
disponíveis sobre o tema em estudo, como em livros, artigos, revistas, teses,
relatórios,legislaçãoespecífica,dissertações,entreoutros.
APNADfoiutilizadaparalevantardadosacercadotrabalhorealizadopor
crianças e adolescentes na Paraíba e dos beneficiários de programas sociais,
2ApartirdaLeinº10.219,de11deabrilde2001,foiinstituído,emâmbitonacional,oProgramaNacionaldeRendaMínimavinculadaàEducação‐BolsaEscolaFederal.3Em2004,osprogramasBolsaEscola,BolsaAlimentação,CartãoAlimentaçãoeAuxílioGásforamunificadosemumúnico,originandooProgramaBolsaFamília‐PBF.
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incluindo o PETI. Foi escolhida a PNAD de 2004 porque além de fornecer
informaçõessobreasatividadesprodutivasdeindivíduosentrecincoanoveanos,
o IBGE incluiunapesquisa suplementoespecial sobreoacessoaoitoprogramas
sociais de transferências de renda: Auxílio‐gás, Bolsa‐escola, Bolsa‐alimentação,
Cartão‐alimentação do Fome Zero, Bolsa Família, PETI, Benefício Assistencial de
PrestaçãoContinuada ‐BPC–LOAS, eoutrosgeridosporgovernosestaduaisou
municipais.
Aprimeiraetapadapesquisavoltou‐seadarprosseguimentoàbuscade
informações e de conhecimentos prévios acerca do problema, de forma a
complementarabaseteóricaeinformacionalsobreoobjetodeestudo.Nasegunda
etapa realizou‐seaanáliseda situaçãodo trabalho infantilnoestadodaParaíba,
pormeiodautilizaçãodosmicrodadospresentesnaPNAD2004.
Ointuitodessaanáliseéidentificarascaracterísticasdeterminantesparaa
oferta de trabalho de crianças e adolescentes na Paraíba, como também gerar
evidências sobrea contribuiçãodosprogramasde transferênciade rendapara a
reduçãodotrabalhoinfantilnoestado.
Paraisso,foiestimadoummodeloprobitparasabercomoaparticipação
noPETIenosoutrosprogramassociaiseascaracterísticasfamiliaresrelacionadas
à pessoa de referência do domicílio (ou chefe de família) e dos seus filhos,
contribuemparaaocorrênciadetrabalhoinfantilnaParaíba.Paracompararcom
osresultadosencontradosnoestado, foramrealizadasregressõesparaoBrasil e
paraoNordeste.
Emmodelos comoo probit, a probabilidade de um eventoocorrer – um
indivíduomenorde17anos(nacondiçãodefilho)trabalhar–estácondicionadaa
um vetor de variáveis explicativas. Emprega‐se, neste caso, uma função de
distribuiçãoacumuladadeumavariávelnormalpadronizada, istoéZ~N(0,σ²).
(GUJARATI,2006).
OModeloprobitadmiteaseguintehipótese:
ii XI 21 (1)
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emqual IiéumíndicenãoobservadodependentedavariávelXi,de talmodoque
quantomaiorovalordoíndiceIi,maioréaprobabilidadedoeventoocorrer.
Supõe‐seumnívellimiar(oucrítico)doíndice,chamadodeIi*,talque,se
Ii*≤ Ii, o indivíduopossui a característicade interesse (trabalha), caso contrário,
nãopossuiestacaracterística.
Admitindoahipótesedanormalidade,ahipótesedequeIi*≤ Iipodeser
apresentadadoseguintemodo:
iiiiii XFXZPIIPXYPP *|1 (2)
Afunçãoprobitapresenta‐se,portanto:
2Z / 2
,X 1 dz, , iF(X ) (X ) ei i 2
(3)
sendoΦ(.)representaafunçãodedensidadenormal.
Nos modelos binários, os coeficientes estimados medem o impacto de
cadavariávelexplicativanoíndicelatente,enãonavariávelexplicada.Comisso,o
impactodecadavariávelexplicativanavariáveldependenteéchamadodeefeito
marginal.
Oefeitomarginalémostradoaseguir:
kiiik
XXx
)()( ,,
(4)
Aequaçãoutilizadaparaestetrabalhoédadapor:
iiXY ,
(5)
Avariáveldependenteéumadummyqueapresentavalor1,casoacriança
trabalha,e0(zero),senãotrabalha.
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OvetordevariáveisexplicativasXi incluidadossobreochefeda família,
que na PNAD é indicada como pessoa de referência, sobre os filhos e sobre a
participaçãodosmoradoresdosdomicíliosemprogramassociaisdetransferência
derenda.
A amostra selecionada para este trabalho é composta por indivíduos na
condiçãodepessoadereferência,acimade10anosdeidade,eporindivíduosna
condiçãodefilho,entrecincoeaté16anosdeidade.Oconjuntodedadosutilizado
foitratadocomoamostracomplexa.
Asdefiniçõesdasvariáveisexplicativasestãoapresentadasabaixo:
a)Variáveisreferentesàpessoadereferência:
‐Idade:Anosdevidadoindivíduo.
‐ Idade que começou a trabalhar (idtrab): Informa em que idade o
indivíduocomeçouatrabalhar.
‐Corouraça(db):Dummyqueassume1paracorbrancaezeroparaas
demais(preta,parda,amarela,indígena).
‐ Gênero ou sexo (dh): Dummy que assume 1 se o chefe da família for
homem,ezeroseformulher.
‐ Escolaridade (anosdeestudo): Assume valores entre 1 e 16. O valor 1
indica nenhuma instrução ou menos de um ano de estudo. Valores de 2 a 15
mostramqueonúmerodeanosdeestudodo indivíduovariaentre1a14anos,
respectivamente.Eovalor16,significa15anosdeestudooumais.
‐Condiçãodeocupação:Variávelbinária,assumevalor1,seestáocupado
emalgumaatividadeprodutiva,ezero,seestádesocupado,oumelhor,ausênciade
trabalho.
‐Setorocupacional:Utilizou‐sevariáveisdummiesparasaberseochefe
está ocupado no setor formal (dsf) ou no setor informal (dsi). A variável de
comparação utilizada foi a dsf, pois os pais ocupados no setor formal são os
empregados comcarteiraassinadae assalariados registrados.O setor informalé
formadoporindivíduossemcarteiraassinadaeporcontaprópria.
‐Atividadedetrabalho:Criaram‐setrêsvariáveisbináriaspara informar
se o chefe trabalha na indústria (dind), em atividades agrícolas (dagri) ou nos
serviços (dserv). A variável de comparação foi a dind. No setor industrial, estão
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contidas as áreas da indústria de transformação e de construção, no de serviços
estão incluídos comércio, alimentação e alojamento, transporte, e comunicação,
educação, saúde e o trabalho doméstico. O setor agrícola inclui as atividades
agropecuárias.
‐Situaçãododomicílio(durb):Variávelbináriaqueassumevalorunitário
paraomeiourbanoevalorzeroparaomeiorural;
‐ Variáveis de migração: O deslocamento familiar de uma determinada
área, sejaummunicípioouestado,paraoutra, éumaalternativa feitapelospais
paramelhorar a sua condição de vida e de seus filhos. No intuito de verificar a
importânciadessefenômenoparaaocorrênciadotrabalhoinfantil,selecionaram‐
seasvariáveis:
NasceunaUF(dest):Variávelbináriaqueassumevalorunitáriono
casodoindivíduoresidirnoestadoemquenasceu,ezeroparaocasocontrário.
Nasceunomunicípio(dnasmun):Variávelbináriaqueassumevalor
unitárionocasodoindivíduoternascidonomunicípioemqueresideezeroparao
casocontrário.
b)Variáveisreferentesaosfilhos:
Deformaanálogaàpessoadereferênciaforamcriadasasvariáveis:corou
raça (dbf), gênero ou sexo (dhf), nasceu na UF (dest), nasceu no município
(dnasmunf); idade da criança (idadef), que varia entre cinco a 16 anos de vida;
escolaridade(anosdeestudo):valoresentre1a15;efreqüênciaàescola(dfrescf):
variável binária de valor 1, se a criança freqüenta a escola, e valor zero, se não
freqüenta.
c)Variáveisreferentesàfamília:
‐ Número de moradores do domicílio (totalmora): indica o número de
membrosdafamília;
‐ Localização:Dummies que informam as regiões em que a família está
presente:Norte(regno),Nordeste(regne),Centro‐oeste(regco),Sudeste(regse)e
Sul (regsu).A região sudeste foi consideradaavariávelde comparação.Também
foramcriadasasdummiesMA,PI,CE,RN,PB,PE,AL,ALeSE,pararepresentaros
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estadosnordestinosemquesituao indivíduoesua família.Nestecasoavariável
omitidafoiaquerepresentaoestadodaParaíba.
‐ Renda (renddomcipcap): Refere‐se ao valor da renda domiciliar per
capita.
‐ Beneficiário de programas sociais de transferência de renda (pt):
Dummiecomvalor iguala1(um)seomoradorrecebeAuxílio‐gás,Bolsa‐escola,
Bolsa‐alimentação, Cartão‐alimentação do Fome Zero, Bolsa Família, Benefício
Assistencial de Prestação Continuada (BPC – LOAS), ou em outros geridos por
governos estaduais ou municipais, e valor zero se não recebe algum desses
benefícios.
‐BeneficiáriodoPETI (dpeti):Variávelbinária comvalorunitário sehá
moradorquerecebePETI,ezero,casonãoreceba.
Serãoconstruídasduasequações,umaemqueseincluiarendadomiciliar
percapita,eoutra,levandoemconsideraçãoosanosdeescolaridadedapessoade
referência. Para comparar com os resultados encontrados na Paraíba, foram
realizadas,previamente,regressõesparaoBrasileparaoNordeste.
Antesdeseapresentarosresultadosobtidospelomodelo,oqueseráfeito
na sessão 4, faz‐se uma contextualização do trabalho infantil no Nordeste e na
Paraíba.
O trabalho de crianças e adolescentes na Paraíba e a participação emprogramasdetransferênciaderenda
OsdadosdaPNADinformamquenoBrasilhavia2,8milhõesdecriançase
adolescentesentre5e16anostrabalhandonoanode2004,emumtotalde30,1
milhões,oquerepresenta7%dapopulaçãonestafaixaetária.Nafaixaetáriaentre
5e9anos,foramencontrados203milmeninosemeninasemsituaçãodetrabalho.
Entreas regiõesbrasileiras,oNordesteapresentaamaior incidênciade
trabalho infantil, pois 10%de sua populaçãoentre 5 e 16 anos trabalhavam em
algumaatividade,nasemanadereferência,seguidapelaregiãoSul(9%)4.
4AregiãoSuléconsideradaumasdasmaisricas,detémosmenoresníveisdepobreza,contudo,sedestacapelasegundamaiorincidênciadetrabalhoinfantil,emdecorrência,emoutrosmotivos,pela
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Do total de indivíduos nessa faixa etária que trabalhava no país, 42%
encontram‐senosestadosnordestinos.Esseelevadopercentualpodeseratribuído
aofatodestaregiãodeterospioresíndicessócio‐educacionais,esertambémaque
possuiomaiornúmerodepobres,importantesdeterminantesdotrabalhoinfantil
(KASSOUF,2004;SILVAJÚNIOR,2006).
TABELA1–Brasil:númeroepercentagemdecriançasde5a16anostrabalhandosegundoregiões–2004
LOCAL TOTALOCUPADOS (%)Brasil 2.873.111 7Norte 337.676 8
Nordeste 1.195.581 10Centro‐oeste 179.922 6Sudeste 632.828 4Sul 527.104 9
Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Conforme o gráfico 1, entre os estados da região Nordeste, a maior
incidênciadetrabalho infantil foiencontradanoPiauí(17%)eMaranhão(13%),
seguidospelaParaíbaepelaBahia,empatadoscom12%.Osmenorespercentuais
foramencontradosemSergipeenoRioGrandedoNorte.
NaregiãoNordeste,otrabalhoinfantilconcentra‐senazonarural(64%)e
entre indivíduos do sexo masculino (85%), de acordo com a tabela 2. Alagoas
apresenta maior percentual de indivíduos trabalhando nomeio rural, 78%. Por
outro lado, Sergipe apresentou distribuição distinta, com maior número de
trabalhadoreslocalizadonasáreasurbanas,55%.
Comrelaçãoàdistribuiçãoporgênero,emtodososestadosapresençado
trabalho realizado por meninos foi superior ao das meninas. O Rio Grande do
Norte detém maior percentual de crianças do sexo masculino (92%), enquanto
Sergipeapresentouamenorocorrênciademeninosemsituaçãodetrabalho.
importânciadaagriculturafamiliar,umfortetraçoculturaldascolôniasdeimigranteseuropeuseasiáticos.
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Gráfico1–Nordeste:distribuiçãoporestadosdoníveldeocupaçãodascriançasentre5e16anosdeidade–2004
Maranhão13%
Piauí17%
Ceará11%
Rio Grande do Norte
8%
Paraíba12%
Pernambuco10%
Alagoas11%
Sergipe6%
Bahia12%
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Tabela 2 – Número de crianças e adolescentes de 5 a 16 anos trabalhando, porgêneroeporsituaçãododomicílio,emcadaestadodonordeste–2004
ESTADOS TOTAL MENINOS % MENINAS % URBANO % RURAL %Nordeste 1.195.581 1.017.753 85 177.828 15 433.733 36 761.848 64Maranhão 175.342 153.026 87 22.316 13 62.965 36 112.377 64Piauí 108.658 89.852 83 18.806 17 39.703 37 68.955 63Ceará 189.901 161.397 85 28.504 15 82.193 43 107.708 57
RioG.doNorte 44.472 40.727 92 3.745 8 18.725 42 25.747 58Paraíba 91.762 79.558 87 12.204 13 38.422 42 53.340 58
Pernambuco 162.612 133.183 82 29.429 18 63.844 39 98.768 61Alagoas 69.516 60.885 88 8.631 12 15.447 22 54.069 78Sergipe 25.090 20.407 81 4.683 19 13.714 55 11.376 45Bahia 328.228 278.718 85 49.510 15 98.720 30 229.508 70
Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Como foi verificado no Gráfico 1, a Paraíba possui um dos maiores
percentuais de trabalho infantil na região Nordeste. Com relação ao sexo e à
localizaçãodascriançastrabalhadoras,oestadoseguiuatendênciaapresentadana
região – é realizado, em sua maioria, em áreas rurais e por indivíduos do sexo
masculino.
AodesagregarosdadosporidadeparaaParaíba,verifica‐seoaumentodo
trabalhoconformeaidadeavança.Paraosindivíduosdosexomasculino,aosoito
anos, o percentual de trabalho era 1,7%, e aos 16 anos, idademínima que a lei
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brasileira permite o trabalho, o nível aumenta para 19,89%. Com relação às
meninas,osmaiorespercentuaisencontram‐senasidadesde13e15anos.
Tabela 3 – Paraíba: Distribuição percentual de crianças e adolescentestrabalhadoresporgênerosegundoaidade‐2004
IDADE MENINOS MENINAS5 1,14 ‐6 1,14 ‐7 1,14 ‐8 1,70 3,79 1,14 ‐10 5,68 7,4111 7,95 7,4112 9,09 11,1113 14,20 22,2214 19,32 7,415 17,61 22,2216 19,89 18,52
Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Na tabela 4, estão apresentados os principais ramos de atividades das
criançasedos respectivospais.Observa‐se queos filhos tendema trabalharnas
mesmas atividades dos seus responsáveis. A principal atividade realizada no
estado,pelascriançaseseus familiares, éaagricultura.Emseguida,aparecemos
ramosdecomércioereparaçãoedeserviçosdomésticos.
Tabela4–Paraíba:ramosdeatividadesemqueascriançasentre5a16anoseosrespectivospaisestãoinseridos‐2004
RAMOSDEATIVIDADE PAIS(%) FILHOS(%)Agrícola 54,62 63,35Indústria 9,72 11Construção 6,65 0,52Comércioereparação 12,38 13,61Alojamentoealimentação 3,33 2,62Transporte,armazenagemecomunicação 2,9 1,67Administraçãopública 2,77 ‐Educação,saúdeeserviçossociais 2,08 ‐Serviçosdomésticos 4,01 5,76Outros 1,83 1,57Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
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Quanto à situação ocupacional dos pais das crianças trabalhadoras, a
maiorpartedosindivíduosencontra‐senainformalidade–56,38%consideraram‐
se trabalhador por conta própria ‐, seguido por 21,81%, que anunciaram ser
empregados sem carteira. Apenas 9,5% afirmaram ser empregados com carteira
assinada(vertabela5).
TABELA5–Paraíba:Distribuiçãopercentualdospaisdascriançastrabalhadorassegundoposiçãonaocupaçao–2004
POSIÇÃONAOCUPAÇÃO %Empregadocomcarteira 9,57Funcionáriopúblicoestatutário 1,06OutrosEmpregadossemcarteira 21,81Trabalhadordomésticosemcarteira 2,66Contaprópria 56,38Trabalhadornaproduçãoparaopróprioconsumo 3,72Outros 4,79Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Adistribuiçãodecrianças,trabalhandoounão,deacordocomosanosde
estudodapessoadereferênciapodeservistanatabela6.Demaneirageral,onível
deescolaridadedosindivíduosdaamostraébaixo.Mesmoassim,observa‐seque
osanosdeestudodoschefesdefamíliaquenãotêmfilhostrabalhandoésuperior
àquelescomfilhosnotrabalho.Nadistribuiçãopor faixasdeestudoentrechefes
de famíliaqueapresentamalgum filhoemsituaçãode trabalho,maisdametade,
55,67%,épraticamenteanalfabeta,enenhumdelesapresentamaisde12anosde
estudo.
Outracaracterísticafamiliarconsideradaimportanteparaaincidênciado
trabalhoéonúmerodemoradoresdodomicílio.Atabela7comparaosdomicílios
comcriançasquetrabalhamcomaqueles semcriançastrabalhando.Observou‐se
queopercentualdedomicílioscomatécincomoradoresémaiornasresidências
semcriançastrabalhadoras.
Nos domicílios com seismoradores oumais, a situação se inverte, pois
29,56% dizem respeito àqueles contendo crianças que trabalham, enquanto em
apenas 11,57% residem crianças que não trabalham. O resultado anterior
permanece entre domicílios de baixa renda, o que induz ao entendimento que
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famíliasgrandeseemsituaçãodepobrezalevamosseusfilhosatrabalhar,como
umaalternativadesobrevivênciadeseusmembros.Conformeaamostrapresente
naPNAD2004,12,2milhõesdemoradores receberamalgumdosoitobenefícios
indicadosnapesquisa.
TABELA6–Paraíba:númerodeanosdeescolaridadedoresponsáveldascriançasde5a16anostrabalhandoounãotrabalhando–2004
ANOSDEESTUDODORESPONSÁVEL
CRIANÇASQUETRABALHAM(%)
CRIANÇASQUENÃOTRABALHAM(%)
Seminstruçãoemenosde1ano
55,67 33,00
1‐3 14,28 21,684‐8 24,63 27,109‐11 5,42 14,0212‐16 ‐ 5,20
Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Tabela7–Paraíba:distribuiçãodosdomicílioscomcriançasquetrabalhamenãotrabalhampornívelderendamensalfamiliar,segundoonúmerodemoradores–2004
TOTALDEDOMICÍLIOS
DOMICÍLIOSCOMRENDADOMICILIARMENSALIGUALOUINFERIORAR$400,00
Númerodemoradores
Domicílioscomcrianças
quetrabalham
(%)
Domicílioscomcriançasquenãotrabalham
(%)
Domicílioscriançasquetrabalham
(%)
Domicílioscomcriançasquenãotrabalham
(%)2 0,99 1,81 1,10 2,163 7,88 13,49 10,99 13,424 12,81 30,32 13,19 30,095 18,72 23,66 16,48 23,056 19,70 13,26 26,37 13,96
7oumais 29,56 11,57 21,98 10,17Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
Na Paraíba, cerca de 586 mil indivíduos estavam cadastrados em pelo
menos um dos programas sociais (aproximadamente 15% da população do
Estado). O gráfico 2 apresenta a distribuição dos beneficiários paraibanos nos
programas.
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OmaiornúmerodebeneficiáriosdeprogramassociaisnaParaíbaestava
cadastradonosprogramasBolsaEscola(28%),AuxílioGás(26%)eBolsaFamília
(23%).OPETIrespondepor4%debeneficiáriosdeprogramassociaisnoestado.
1%4%7%
11%
23%
26%
28%
0%BPC
PETI
Bolsa alimentação
Cartão alimentação
Bolsa Família
Auxílio gás
Bolsa escola
Outros programas
Gráfico2–Paraíba‐distribuiçãodosbeneficiáriosdosprogramassociais–2004.Fonte:PNAD2004–Elaboraçãoprópria.
ANÁLISEDERESULTADOS
Seguem abaixo os resultados obtidos pelo modelo probit para o Brasil,
paraaregiãoNordesteeparaoestadodaParaíba.
RegressãoparaoBrasil
ATabela8apresentaoresultadoestimadopeloprobitparaaamostrado
Brasil. Os parâmetros presentes nas duas estimações apresentaram‐se
estatisticamente significativos. Os resultados encontrados nas estimações 1 e 2
para o Brasil não obtiveram grandes diferenças entre si (veja tabela 8). Na
estimação 1, quando se omitiu os anos de estudo dos pais, verificou‐se que o
aumento renda per capita do domicílio reduz a probabilidade de trabalho dos
filhos.Naestimação2,avariávelanosdeescolaridadedoresponsável,obtevesinal
negativo.
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A variável idade de ingresso no trabalho obteve coeficiente negativo,
indicando que, quantomais tarde os pais começarem a trabalhar,menor será a
probabilidade que seus filhos se ocupem durante o período da infância e
adolescência.
Sinalnegativotambémfoiverificadoseapessoadereferênciafordosexo
masculino,eestiverocupadaemalgumaatividadeprodutiva.Comooesperado,o
trabalhonosetorinformaleematividadesligadasàagricultura(emcomparaçãoà
atividadenaindústria)contribuipositivamenteparaofenômeno.
Quanto às características do filho, o fato dele ser do gênero masculino
aumentaapossibilidadede trabalharprecocemente, enquanto serda corbranca
reduz tal possibilidade. A freqüência à escola mostrou‐se relevante para a
probabilidadedereduçãodotrabalho.Poroutrolado,osanosdevidacompletados
pelacriançacolaborampositivamenteparaainserçãonotrabalho.
Sinalpositivo, tambémapresentouavariável anosde estudodo filho.O
mesmoresultadonestasduasúltimasvariáveisindicaqueasatividadestrabalhoe
estudonãosãomutuamenteexclusivasparaascrianças,podendoserrealizadasao
mesmotempo.
As variáveis de migração indicaram que se o filho e o seu responsável
residirem no estado onde nasceram, pode contribuir negativamente para a
ocorrênciadetrabalhoinfantil.Mesmosinalfoiverificadoquandoofilhomorano
municípioemquenasceu.
Mas, quando o responsável da família não reside no município onde
nasceu, aprobabilidadedosseus filhostrabalharempodeaumentar. Issosedeve
ao fato da ausência do pai levar a uma maior utilização da força de trabalho
familiar no processo produtivo como forma de complementar a renda familiar,
principalmentenocasodafamíliaresidirnazonarural.
Emtermosgeográficos,o fatodea famíliaresidir foradaregiãoSudeste
ampliaapossibilidadedosfilhostrabalharem.Igualmente,alocalizaçãodafamília
emáreasurbanascontribuiparaanãoocorrênciadotrabalhoinfantil.
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Tabela8–EstimaçãoProbitdasvariáveis indicadorasdetrabalho infantilparaoBrasil–2004
Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente P>|t| Coeficiente P>|t|
Idade ‐0,0013903(0,0000482) 0,00 ‐0,0025084(0,0000479)
0,00
Idtrab ‐0,0506606(0,0001409)
0,00 ‐0,04753(0,0001419)
0,00
db 0,0490465(0,0010663) 0,00 ‐0,0554114(0,0010673) 0,00
dh ‐0,133327(0,0011156) 0,00 ‐0,1355501(0,0011165)
0,00
anosdeestudo ‐0,0209476(0,0001216)
0,00
docup ‐0,109342(0,0021847)
0,00 ‐0,1044726(0,0021877)
0,00
dsi 0,223741(0,0009067) 0,00 0,2107931(0,0009093)
0,00
dagri 0,3833635(0,0011701) 0,00 0,3626508(0,0011705)
0,00
dserv 0,081784(0,0010645) 0,00 0,0909341(0,0010699)
0,00
durb ‐0,4854637(0,001001) 0,00 ‐0,4742958(0,0009986)
0,00
dest ‐0,017247(0,0011729) 0,00 ‐0,0086958(0,0011774)
0,00
dmun 0,0461528(0,0011238) 0,00 0,0595607(0,0011307) 0,00
renddomcipcap ‐00000906(1.21e‐06) 0,00
idadef 0,2234256(0,0001962)
0,00 0,2197804(0,0001967)
0,00
Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente P>|t| Coeficiente P>|t|
dhf 0,4692721(0,0008044) 0,00 0,4725255(0,0008055) 0,00
dbf ‐0,0362564(0,0010812) 0,00 ‐0,0280435(0,0010796) 0,00
anosdeestudof 0,0132164(0,0002237)
0,00 0,0191659(0,0002269) 0,00
destf ‐0,0301075(0,0018091) 0,00 ‐0,0270893(0,0018114) 0,00
dmunf ‐0,0620113(0,0015531 0,00 ‐0,0603698(0,0015558) 0,00
dfrescf ‐0,2376765(0,0012342) 0,00 ‐0,2215374(0,0012328) 0,00
totalmora 0,0262503(0,0002105) 0,00 0,0243446(0,0002095) 0,00
pt 0,0332175(00008708) 0,00 0,0195356(0,0008703) 0,00
dpeti ‐0,091733(0,0022361) 0,00 ‐0,099185(0,0022312) 0,00
regno 0,240902(0,0014273) 0,00 0,2460695(0,0014286) 0,00
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regne 0,2413773(0,0010832) 0,00 0,2327846(0,0010878) 0,00
regco 0,1279146(0,0016291) 0,00 0,339535(0,001632) 0,00
regsu 0,3765636(0,0011812) 0,00 0,3775434(0,0011839) 0,00
constante ‐3.503232(0,0040904) 0,00 ‐3,706939(0,0076523) 0,00
Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
Tabela 9 – Efeitomarginal das variáveis indicadoras de trabalho infantil para oBrasil–2004
Estimação1 Estimação2 Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente Coeficiente
VariáveisCoeficiente Coeficiente
idade ‐0,0000368 ‐0,0000654 dbf ‐0,0009587 ‐0,0007301idtrab ‐0,0013408 ‐0,0012384 dhf 0,0127505 0,0126481db 0,0013045 0,0014519 anosdeestudof 0,0003498 0,0004994dh ‐0,0039471 ‐0,0039595 destf ‐0,0007753 ‐0,0006886
anosdeestudo ‐0,0005458 dmunf ‐0,0017235 ‐0,0016499docup ‐0,0032486 ‐0,0030409 dfrescf ‐0,0072913 ‐0,0066237dsi 0,0059096 0,0054792 totalmora 0,0006948 0,0006343dagri 0,0130465 0,0119857 pt 0,0008926 0,0005135dserv 0,0022185 0,0024356 dpeti ‐0,0021925 ‐0,0023139durb ‐0,0180954 ‐0,0172798 regno 0,0080361 0,0081278dest ‐0,0004531 ‐0,0002257 regne 0,0072439 0,0068475dmun 0,0012282 0,0015631 regco 0,0038442 0,0039888
renddomcipcap ‐2,40e‐06 regsu 0,0137109 0,0135588idadef 0,0059134 0,0057265
Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
Os coeficientes apresentados pelas variáveis relacionadas à participação
em programas sociais indicaram que ser beneficiário deles eleva as chances de
incidência de trabalho infantil5. Resultado distinto apresentou a variável
participação no PETI, o coeficiente negativomostrou que estar integrado a este
programadiminuiapossibilidadedetrabalhoentrecriançaseadolescentes.
Umaexplicaçãoplausíveléqueosprogramassociais,excetuandooPETI,
o combate ao trabalho das crianças não faz parte, diretamente, das metas
estabelecidas, além disso, a maioria das famílias participantes dos programas é
pobre e, acabam por ainda necessitar da renda oriunda do trabalho de suas
criançasparagarantirsuasobrevivência.(CACCIAMALI,TATEIeBATISTA,2008).
5 Essa constatação não deve ser entendida como a inserção da família como beneficiária dessesprogramasestariaestimulandootrabalhoinfantil.Deveserantesentendidacomorelacionadacomapobrezaquefazasfamíliasseinseriremnessesprogramas.
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Na tabela9estãoorganizadosos resultadosdosefeitosdos coeficientes
estimados nas variáveis explicativas na regressão probit para oBrasil. Todos os
coeficientestambémapresentaramsignificânciaestatística.
De acordo com a tabela 9, se o chefe da família for homemdiminui em
0,4%aprobabilidadedeo filhotrabalhar,emambasestimações.Casoochefeda
famíliaestiverocupado,reduz‐seem0,3%apossibilidadedetrabalhoinfantil,nas
estimações1e2.
RegressãoparaoNordeste
Os resultados das estimações do modelo probit para a região Nordeste
estãoorganizadosnatabela10.Osresultadosapresentadosnasestimações1e2,
emgeral,forammuitosimilaresaosencontradosnasregressõesparaoBrasil.
No Nordeste, o tamanho da família, a ocupação do chefe da família em
atividadesagrícolasenosetorinformalcolaboramdiretamenteparaaocorrência
do trabalho das crianças. Similarmente ao ocorrido em nível nacional, tanto a
escolaridadedospaisquantoarendapercapitadomiciliarinfluenciamdemaneira
negativaaincidênciadetrabalhoinfantil.
Diminuiaprobabilidadedeinserçãonotrabalhoquandoosfilhosresidem
noestadoounomunicípioemquenasceram.Poroutrolado,quandoospaisnão
moram tanto no município quanto no estado de origem, aumenta‐se a
possibilidadedosfilhostrabalharem.
Quantoàsdummiesdelocalização,emcomparaçãoaoestadodaParaíba,o
fatodafamíliaresidirnosestadosdoMaranhão,Piauí,Ceará,PernambucoeBahia
contribuipositivamenteparaaocorrênciadetrabalhodascriançaseadolescentes.
JáaresidêncianoRioGrandedoNorteefetuaefeitocontrário.AvariávelAlagoas
nãoapresentoucoeficientesignificante.
Com relação à participação nos programas sociais, a integração ao PETI
diminui a probabilidade de trabalho das crianças, enquanto a participação nos
outrosprogramasdetransferênciaatuaemsentidoinverso.
EVIDÊNCIAS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA PARA A REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
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114
Tabela10–EstimaçãoProbitdasvariáveisindicadorasdetrabalhoinfantilparaaregiãoNordeste–2004
Estimação1 Estimação2Variáveis
Coeficiente P>|t| Coeficiente P>|t|
Idade ‐0,001461(0,0000482)
0,00 ‐0,0026147(0,0000479)
0,00
Idtrab ‐0,0519407(0,0001415)
0,00 ‐0,0488033(0,0001424)
0,00
Db 0,0698108(0,0010419)
0,00 0,0760962(0,0010429)
0,00
Dh ‐0,1306947(0,0011109)
0,00 ‐0,132756(0,0011121)
0,00
anosdeestudo ‐0,0212367(0,0001216)
0,00
Docup 0,1097747(0,002174)
0,00 ‐0,1051963(0,0021765)
0,00
Dsi 0,2401531(0,0008994)
0,00 0,2278552(0,0009022)
0,00
Dagri 0,3883491(0,0011725)
0,00 0,3671511(0,0011731)
0,00
Dserv 0,0797403(0,0010574) 0,00 0,0886437
(0,0010625) 0,00
Durb ‐0,509773(0,0010029)
0,00 ‐0,4986214(0,0010003)
0,00
Dest 0,0191081(0,0011429)
0,00 0,0273696(0,0011469)
0,00
Dmun 0,067916(0,0010969)
0,00 0,0809615(0,0011038)
0,00
renddomcipcap ‐0,000096(1,20e‐06) 0,00
anosdeestudof 0,0110336(0,0002246) 0,00 0,0169406
(0,0002273) 0,00
Destf ‐0,022388(0,0018017)
0,00 ‐0,0192128(0,0018041)
0,00
Idadef 0,2231586(0,0001965)
0,00 0,2195011(0,0001969)
0,00
Estimação1 Estimação2Variáveis
Coeficiente P>|t| Coeficiente P>|t|
dbf ‐0,0156163(0,0010524)
0,00 ‐0,007849(0,0010511)
0,00
dhf 0,4662774(0,0008007)
0,00 0,4694694(0,0008018)
0,00
dmunf ‐0,064689(0,0015492)
0,00 ‐0,0630659(0,0015517)
0,00
dfrescf ‐0,2427658(0,0012305)
0,00 ‐0,2264607(0,0012292)
0,00
totalmora 0,0233926(0,0002082) 0,00 0,0231782
(0,0002115) 0,00
pt 0,0380733(0,0008732)
0,00 0,0240982(0,0008739)
0,00
dpeti ‐0,0592777(0,0022663)
0,00 ‐0,067206(0,0022619)
0,00
Ma 0,1121373(0,0017833)
0,00 0,1079401(0,0017865)
0,00
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Pi 0,2683317(0,0024835)
0,00 0,2629279(0,0024771)
0,00
Ce 0,0682051(0,0017199)
0,00 0,0552109(0,0017246)
0,00
Rn ‐0,1002409(0,0032722)
0,00 ‐0,1087393(0,003274)
0,00
Ba 0,0600753(0,0013743)
0,00 0,049384(0,0013786)
0,00
Pe 0,0603428(0,0018088)
0,00 0,0519962(0,0018078)
0,00
Al ‐0,0018585(0,0026322)
N.S. ‐0,023813(0,0026349)
0,00
Se ‐0,2023333(0,0038848)
0,00 ‐0,2099639(0,0038815)
0,00
constante ‐3,334465(0,0039982)
0,00 ‐3,222149(0,0039911)
0,00
Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
ATabela11apresentaoefeitomarginalparaasvariáveisdomodelopara
oNordeste.OsresultadosforammuitosimilaresaosdaestimaçãoparaoBrasil.
TABELA11–EfeitomarginaldasvariáveisindicadorasdetrabalhoinfantilparaoNordeste–2004
Estimação1 Estimação2 Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente Coeficiente
VariáveisCoeficiente Coeficiente
Idade ‐0,0000402 ‐0,0000708 anosdeestudof 0,0003035 0,000459Idtrab ‐0,0014287 ‐0,0013222 destf ‐0,0006035 ‐0,0005115Db 0,0019341 0,002078 dmunf ‐0,0018718 ‐0,0017953Dh ‐0,0040089 ‐0,0040191 dfrescf ‐0,0077565 ‐0,007055
anosdeestudo ‐0,0005753 totalmora 0,0006933 0,0006338docup ‐0,0033882 ‐0,0031836 pt 0,0010655 0,00066Dsi 0,0065955 0,006161 dpeti ‐0,001527 ‐0,00169Dagri 0,0137539 0,0126313 Ma 0,0034806 0,003286Dserv 0,0022461 0,0024664 Pi 0,0099824 0,0095841Durb ‐0,0200481 ‐0,0191778 Ce 0,0020157 0,0015854Dest 0,00053 0,0007504 Rn ‐0,0024662 ‐0,0026095Dmun 0,0018835 0,0022155 Ba 0,001753 0,0014046
renddomcipcap ‐2,65e‐06 Pe 0,0017689 0,0014883Idadef 0,0061384 0,0059467 Al N.S. ‐0,0006282Dbf ‐0,0004294 ‐0,0002126 Se ‐0,0044434 ‐0,0045011Dhf 0,0131537 0,0130529
Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
RegressãoparaaParaíba
Osvaloresencontradosdosparâmetrosnosdoistiposdeestimação,uma
omitindoosanosdeestudodapessoadereferência,easegunda,emqueseexclui
a renda domiciliar per capita, foram bastante similares entre si, nos modelos
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construídos para o Brasil e para o Nordeste. Contudo, vale ressaltar que, na
estimação 1, a variável renda per capita do domicilio apresentou significância
apenasa10%.
Naestimação2,oscoeficientesdasvariáveisnascidonaUF(dest)paraa
pessoa de referência e anos de estudo para filho (anosdeestudof) foram não
significantes. Isto implicaafirmarqueaocorrênciade trabalho infantilnãopode
serexplicadapelo fatodospaisresidiremounãonoestadodeorigem,ou,então,
pelosanosdeestudoparaas criançase adolescentes.Naestimação1, avariável
destapresentousignificâncianosparâmetrosapenasa5%.
Outra particularidade presente nas estimações para a Paraíba foi com
relaçãoaoresultadoparaaspolíticasdetransferênciarenda:tantoaparticipação
no PETI, quanto nos outros programas reduzem a probabilidade de ocorrer
trabalhoinfantil.
Como verificado nacional e regionalmente, na Paraíba o fato de os pais
estaremocupadoscolaboraparaqueos filhosnãotrabalhem.Aprobabilidadede
ocorrência do trabalho infantil aumenta com o tamanho da família e se o
responsávelestiverinseridonosetorinformal.
Quantoàscaracterísticasdofilho,aidade,serdogêneromasculinoenão‐
branco influenciam positivamente para a entrada no trabalho. Já a freqüência
escolarealocalizaçãododomicilioemáreasurbanasreduzemessapossibilidade.
Tabela12–EstimaçãoProbitdasvariáveisindicadorasdetrabalhoinfantilparaoEstadodaParaíba–2004
Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente P>|t| Coeficiente P>|t|
idade ‐0,0056259(0,0002756)
0,00 ‐0,00593210,000277
0,00
idtrab ‐0,0630805(0,0009534)
0,00 ‐0,05756270,0009706
0,00
db 0,0422676(0,0059756) 0,00 0,049921
0,0059764 0,00
dh ‐0,1572887(0,0076353)
0,00 ‐0,17013520,0076652
0,00
anosdeestudo ‐0,02687630,0007877
0,00
docup ‐0,4984531(0,0111636)
0,00 ‐0,51726220,010886
0,00
dsi 0,3905334(0,0063548)
0,00 0,37102170,0063537
0,00
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dagri 0,1485306(0,0064866)
0,00 0,13101090,0064886
0,00
dserv 0,3553018(0,0069445)
0,00 0,36848610,0069726
0,00
durb ‐0,6784435(0,0060929)
0,00 ‐0,66019420,0060808
0,00
dest 0,0343998(0,0127978)
0,007 ‐0,0018560,0125658
N.S
dmun 0,2189494(0,0133307)
0,00 0,18484030,0130422
0,00
renddomcipcap ‐0,0000323(0,0000132)
0,015
idadef 0,2077286(0,000942) 0,00 0,20229950,0009369
0,00
dbf 0,0598601(0,0060759)
0,00 0,07482390,0060786
0,00
dhf 0,7451367(0,0053252) 0,00 0,7571028
0,0053373 0,00
anosdeestudof ‐0,010924(0,0013603)
0,00 0,0008570,0013749
N.S.
destf ‐0,1384833(0,0122097)
0,00 ‐0,15864820,0123004
0,00
dmunf ‐0,0841975(0,0102132)
0,00 ‐0,09903220,010196
0,00
dfrescf ‐0,2526897(0,0072889)
0,00 ‐0,23037230,007263
0,00
totalmora 0,0906846(0,0010804) 0,00 0,0883221
0,0010898 0,00
pt ‐0,1556036(0,0057856)
0,00 ‐0,18196220,005709
0,00
dpeti ‐0,1482594(0,011416)
0,00 ‐0,17902760,0115135
0,00
constante ‐2.709552(0,0244091)
0,00 ‐2,5600840,0240526
0,00
Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
Conformeatabela13,participarnoPETIdiminuiem0,7%(estimação1)
e0,8%(estimação2)apossibilidadedeocorrênciadofenômeno.Jáainclusãoem
outrosprogramasdetransferênciaderenda(pt)areduçãofoide0,9%e1%,nas
estimações1e2respectivamente.
Tabela13–Efeitomarginaldasvariáveis indicadorasde trabalho infantilparaaParaíba–2004
Estimação1 Estimação2 Estimação1 Estimação2VariáveisCoeficiente Coeficiente
VariáveisCoeficiente Coeficiente
idade ‐0,0003298 ‐0,0003401 renddomcipcap ‐1.89e‐06** idtrab ‐0,0036978 ‐0,0033 idadef 0,012177 0,0115974db 0,0025132 0,0029107 dbf 0,0035668 0,004379dh ‐0,0104178 ‐0,0111403 dhf 0,0461194 0,0459547
anosdeestudo ‐,0015408 anosdeestudof ‐0,0006404 N,S,
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docup ‐0,0441248 ‐0,00455976 destf ‐0,0072513 ‐0,0079873dsi 0,0209996 0,0195717 dmunf ‐0,005234 ‐0,006086dagri 0,0091875 0,0078757 dfrescf ‐0,0168525 ‐0,0148614dserv 0,0244208 0,024952 totalmora 0,0053159 0,0050633durb ‐0,0539079 ‐0,0509702 pt ‐0,0094735 ‐0,0109126dest 0,0020474 N.S. dpeti ‐0,0076207 ‐0,0087516dmun 0,0121515 0,0101085
*significativoa1%**significativoa5%Fonte:IBGE–PNAD2004.Elaboraçãoprópria.
CONSIDERAÇÕESFINAIS
O objetivo geral do presente trabalho foi identificar as características
determinantes para a oferta de trabalho de crianças e adolescentes na Paraíba,
como também gerar evidências sobre a contribuição dos programas de
transferência de renda para a redução do trabalho infantil no estado. O estudo
mostrou que a participação no Programa contribui para a redução da
probabilidadedeocorrênciadotrabalhoinfantil.Issofoiobservadonostrêsníveis
espaciaisdeobservação:Paraíba,regiãoNordesteeBrasil.
Nas estimações realizadas para o Brasil e o Nordeste os resultados
indicaramqueapenasoPETIfoicapazdereduziraincidênciadetrabalhoinfantil.
Poisaparticipaçãonosoutrosprogramascontribuiupositivamenteparaainserção
das crianças no trabalho. A explicação para este resultado na literatura é que o
combate ao trabalho infantil não é uma das metas diretas do programas de
transferência, e como as famílias beneficiadas possuem, em geral, rendas
extremamentebaixas,necessitamdos rendimentosprovenientesdo trabalhodos
filhosparaasobrevivênciadelesedeseusfamiliares.
Porém, para o estado da Paraíba os resultados mostraram que tanto a
participação do PETI, como nos demais programas sociais, incluindo o Bolsa‐
família, diminuem a possibilidade de ocorrência do fenômeno. Os resultados
mostraramque o PETI,mesmo commenor cobertura de beneficiários, consegue
atingir um de seus objetivos fundamentais – retirar crianças da situação de
trabalho,noterritórionacional,incluindooestadodaParaíba.
Emrazãodadiferençaderesultadoquantoàparticipaçãoemprogramas
detransferênciaderendaentreosmodelos,seriamnecessáriasanálisesadicionais
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para descobrir porque tais programas são capazes de reduzir a incidência de
trabalhoinfantilnaParaíba.
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Cadernos do Logepa v. 7, n. 1, p. 121‐136, jan./jun. 2012 ISSN: 2237‐7522
TÉCNICASDESEGMENTAÇÃONÃO‐SUPERVISIONADA:análise comparativa de mapeamentos do uso eocupaçãodosolo
Artigo recebido em: 16/05/12 Revisado em: 25/06/12 Aprovado em: 05/07/12
Eduardo Freire Santana¹
Leonardo V. Batista¹
Richarde Marques da Silva²
¹
²
Universidade Federal da Paraíba Departamento de Computação [email protected]
Universidade Federal da Paraíba [email protected]
Correspondência: Eduardo Freire Santana Departamento de Informática Cidade Universitária João Pessoa‐PB, Brasil CEP 58051‐900
RESUMOTécnicas de sensoriamento remoto são fundamentais para omonitoramentodasmudançasdeusodaterra,principalmenteemáreasextensas. Omapeamento de uso da terra, geralmente é realizado pormétodos de classificação manual ou digital pixel a pixel, os quaisconsomem muito tempo. Este trabalho busca desenvolver um novométodo para segmentação não‐supervisionada de imagens desensoriamento remoto baseado na minimização da entropia cruzadaentre a distribuição de probabilidade da imagem e um modeloestatístico. Para os testes realizados, foram utilizadas quinze imagenscapturadaspelosensorTM(ThematicMapper)dosatéliteLandsat5apartirdobancodedadosdoprojetodemapeamentodousodosolodaregiãoamazônica.Osresultadosindicamqueaminimizaçãodaentropiacruzadaestárelacionadacomumasegmentaçãocoerentedasimagens.Aconcordânciamédiaentreoclassificadoreogabaritofoide85%paraasquinzeimagensselecionadasede92%paraquatropequenasregiõesquerepresentamdetalhesdeumadasimagens.Palavras‐chave: Segmentação não‐supervisionada, modelosestatísticos,sensoriamentoremoto.
UNSUPERVISED SEGMENTATION TECHNIQUES:comparativeanalyzeoflanduseandcovermappingABSTRACTRemote sensing techniques are mandatory for monitoring land usechangesinlargeareas.Landusemappingisusuallyperformedbybothmanual and digital pixel based classificationmethodswhich are costand time‐consuming. In this paper, a new method for imageunsupervised segmentation based on cross‐entropy minimizationbetween probability distribution of image and one statistical model.For testing15 imagescapturedby thesensorTM(ThematicMapper)of the Landsat 5 satellite from the databasemappingproject of landuse in the Amazon region were used. The results indicate that thecross‐entropy minimization relates to a consistent segmentation ofimages. The average agreement between the classifier and thefeedbackwas85%forthe15selectedimagesand92%forfoursmallregionsthatrepresentdetailsoftheimages.Keywords: Unsupervised segmentation, statistical models, remotesensing.
Cadernos do Logepa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 121‐136, jan./jun. 2012. ISSN: 2237‐7522 DGEOC/CCEN/UFPB – www.geociencias.ufpb.br/cadernosdologepa
Cadernos do Logepa, v. 7, n. 1, p. 121‐136, jan./jun. 2012
122
INTRODUÇÃO
Processamento digital de imagens refere‐se a operações realizadas sobre
imagens digitais por meio de computadores. O interesse nessa disciplina deve‐se
principalmente a duas aplicações: melhorias para interpretação visual humana e
processamentoparaarmazenamento,transmissãoerepresentaçãodainformaçãocontida
em uma imagem para percepção por máquinas (GONZALEZ e WOODS, 2002). O
processamento digital de imagens está correlacionado com outras áreas, como
computaçãográficaevisãocomputacional,efazamplousodereconhecimentodepadrões
para atingir seus objetivos. Reconhecimento de padrões é a disciplina da ciência cujo
objetivo é a classificação de objetos em categorias (THEODORIDIS e KOUTROUMBAS,
2009).Essesobjetospodemser,entreoutros,sinaisemformatodeonda,textoseimagens.
A classificação de imagens consiste em agrupar imagens com conteúdo semelhante de
acordo com algum critério, já a segmentação de imagens tem por objetivo a criação de
regiõeshomogêneas,demodoqueauniãoentreregiõesadjacentesnãosejahomogênea
(PALePAL,1993).Oníveldesegmentaçãodeumaimagemdependedoproblemaqueestá
sendoresolvidoedevepararquandoosobjetosdeinteressetiveremsidoisolados.
Uma das abordagens para segmentação de imagens é a utilização de modelos
estatísticos. A Teoria da Informação considera a comunicação como um problema
matemático embasado na estatística, e possui grande importância para a ciência
principalmentepor fornecerasdefiniçõesde informaçãoeentropiaeapossibilidadede
quantificar estes conceitos a partir de probabilidades estimadas (SALOMON, 2007).
UtilizandoconceitosdaTeoriadaInformação,épossívelmedircomumvalornuméricoa
surpresacausadapelaobservaçãodeumamensagematravésdaóticadeumdeterminado
modelo estatístico. Esta medida de surpresa é a entropia cruzada entre o modelo
estatístico e a distribuição de probabilidade da mensgaem, e pode ser utilizada, por
exemplo,comomedidadedissimilaridadeparadividirumaimagememregiões.
O problema de segmentar imagens aparece com frequência em sensoriamento
remotosobaformadedetecçãodemudançadepaisagenseclassificaçãodousodosolo.
Sensoriamentoremotoéa tecnologiaparaaquisiçãode informaçõessobreumobjetode
estudosemquehajacontatodiretocomesteobjeto,sendoousomaiscomumdessetermo
osensoriamentoóticodasuperfícieterrestrepormeiodesatélites.Imagensdasuperfície
terrestre capturadas do espaço estão disponíveis desde a década de 1960, embora
possuíssembaixaresoluçãoefossemfrequentementeregistradasemângulosoblíquos.A
partir da década de 1970, com o lançamento do programa de satélites Landsat, e
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posteriormentecomo lançamentodoprogramaSPOT,nadécadade1980, foipossívela
captura de imagens com ângulos quase verticais e resolução capaz demapear recursos
terrestres de forma útil (LILLESAND e KIEFER, 1999). Aplicações modernas de
sensoriamento remoto envolvem a análise multiespectral de objetos localizados na
superfíciedaTerrapormeiodesatélites,aeronaveseestaçõesespaciais.Ainformaçãoé
obtidaatravésdesensoresquecaptamaenergiaeletromagnéticaemitidapelasuperfície
terrestre emdeterminadasbandasde comprimentodeonda. Superfícies compostaspor
diferentes materiais, como vegetação, água e solo, em geral, refletem diferentes
proporções de energia nas faixas do espectro eletromagnético (azul, verde, vermelho,
infravermelhopróximo,etc.)(JENSEN,2007).
Umdosproblemas enfrentadosnomapeamentode recursos eusodo solopor
imagens de sensoriamento remoto é o gerenciamento de grande quantidade de dados.
Para a análise quantitativa de imagens de sensoriamento remoto, a classificação
supervisionadaéoprocedimentomaisfrequentementeutilizado(RICHARDSeJIA,2006).
Autilizaçãodetécnicasdesegmentaçãopresentesemsistemasdeinformaçãogeográfica
ajudaareduzirotrabalhomanualdeinterpretaçãodasimagens,emboraaindasejatarefa
do especialista a construção de um conjunto de treinamento no caso da classificação
supervisionada.Segmentaçãode imagensnão triviaiséumadas tarefasmaisdifíceisem
processamento digital de imagens, além de ser um fator crucial para o sucesso de uma
análise feitaporcomputador(GONZALEZeWOODS,2002).Emborahajamuitosestudos
sobresegmentaçãodeimagensesegmentaçãodeimagensdesensoriamentoremoto,este
problemapermaneceemaberto,atémesmoporsuanaturezasubjetiva.Ainvestigaçãode
um método de segmentação não‐supervisionada que utiliza conceitos da Teoria da
Informação pode contribuir com os avanços na área. Este trabalho tem como objetivo
geral o desenvolvimento de um novométodo para segmentação não‐supervisionada de
imagens de sensoriamento remoto por minimização da entropia cruzada entre a
distribuiçãodeprobabilidadedaimagemeummodeloestatístico.
MATERIAISEMÉTODOS
EstimaçãodeumaFunçãoDensidadedeProbabilidade
ClassificadoresbaseadosnaTeoriaBayesianadeDecisãocalculamaprobabilidade
deumobjetopertenceracadaumadaspossíveisclasseseatribuiesseobjetoàclassemais
provável.Quandonãohá conhecimentoapriori sobre aprobabilidadedeocorrênciade
cadaclasse,adecisãotomadapeloclassificadorédefinidapor:
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Decida se ,i i j j c p x|c p x|c i (1)
ondep(x|ci)éafunçãodensidadedeprobabilidadedaclasseci.
Essa regradedecisão éumcaso especial deuma regra geral, ondepodehaver
diferentespenalidadesatribuídasadiferentesclassificaçõesincorretas.Nessascondições,
odesempenhodoclassificadordependedeboasestimaçõesparaasfunçõesdensidadede
probabilidade, pois a tomada de decisão fica condicionada apenas à distribuição dos
vetoresdecadaclasse.
Em muitos problemas, a função densidade de probabilidade é desconhecida e
precisa ser estimada a partir dos dados disponíveis. Em alguns casos, o tipo de
distribuição é conhecido (distribuição normal, distribuição de Poisson, etc.), sendo
necessário estimar apenas os parâmetros da função, como média ou desvio‐padrão.
Quandootipodedistribuiçãoédesconhecido,éprecisoutilizartécnicasparaestimaçãode
formanão‐paramétrica(THEODORIDISeKOUTROUMBAS,2009).
Estimaçõesnão‐paramétricassãobasicamentevariaçõesdeaproximaçõesfeitas
por histograma de uma função densidade de probabilidade desconhecida. Nenhuma
suposiçãoéfeitaapriorisobreotipodedistribuiçãoemquestão.Afunçãodedistribuição
éestimadaapartirdasobservaçõesrealizadas,recebendomaiorprobabilidadeasregiões
ondeosdadosobservadosestãomaisconcentrados.AFigura1ilustraaestimaçãoporum
método não‐paramétrico, aplicado a dois diferentes tipos de distribuições. Essa figura
mostra a estimação não‐paramétrica por histograma de uma distribuição normal (a) e
uma distribuição bimodal (b). Nos dois casos a distribuição estimada conseguiu se
aproximar da distribuição real, embora tenha sido necessário um número elevado de
amostras.
Figura1–Exemplosdeestimaçãonão‐paramétrica
Fonte:Yoneyama(2009).
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Abordagensnão‐paramétricaspossuemmaiorflexibilidade,poisseadaptamaos
diferentes tipos de distribuição. Em contrapartida, precisam de um número maior de
amostras para que se possa atingir uma estimação próxima à distribuição real
(YONEYAMA,2009).
EntropiaeModelosEstatísticos
ATeoriadaInformaçãofornececonceitosimportantesparaoreconhecimentode
padrões,comoinformaçãoeentropia,alémdepossibilitartratamentonuméricoparatais
conceitos. Existe uma relação entre reconhecimento de padrões para compressão de
dados e modelagem de uma densidade de probabilidade desconhecida. Um modelo
estatístico que se aproxima da distribuição real desconhecida consegue comprimir os
dadosdeumamensagemreduzindoainformaçãomédiaporsímbolo.
A informação de uma variável aleatória x está relacionada com a surpresa
causadapelaobservaçãodeseuvalor(BISHOP,2006).AEquação2apresentaocálculoda
informaçãoh(x)emfunçãodaprobabilidadedeocorrênciap(x):
2( ) log ( )h x = p x (2)
Afunçãoh(x)decrescemonotonicamenteemrelaçãoap(x),i.e.,quantomaiorfor
aprobabilidadedeocorrênciadex,menor será a informação.Caso sejautilizada abase
logarítmicadois,ainformaçãoseráquantificadaembits.
Aentropiadeumadistribuiçãorefere‐seaograudeincertezadeumasequência
de símbolos retirados desta distribuição (DUDA et al., 2001). A entropia de uma
distribuiçãodeprobabilidadediscretap(x)sobreumalfabetoXé:
2( ) log ( )x X
H p = p(x) p x
(3)
Emumprocessodecomunicação,ainformaçãopresenteemumamensagemestá
associada às expectativas do receptor. Entropia cruzada entre duas densidades de
probabilidade é a informação média necessária para representar um símbolo, quando
utilizadaumadistribuiçãoestimadaporummodeloestatísticoq(x)emvezdadistribuição
realp(x)(BISHOP,2006).
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2( ) log ( )x X
H p,q = p(x) q x
(4)
Emmuitassituações,adensidaderealédesconhecidaeaentropiacruzadanão
pode ser calculada diretamente pela Equação 4. Uma aproximação é feita a partir da
informaçãoobservadasobredeterminadamensagemretiradadadensidadereal.Parauma
mensagemde tamanhoN e umdensidade estimadaq(x), a entropia cruzada é calculada
pelainformaçãomédiadamensagem:
N
2i 1
1( ) log ( )
N iH p = q x
(5)
A entropia cruzada pode ser utilizada para a classificação de padrões como
medidadedissimilaridadeentredistribuições.AFigura2contémarepresentaçãográfica
de duas distribuições de probabilidade, modeladas por histograma a partir de uma
segmentaçãodeáreaurbanaehidrografia.
Figura2–Distribuiçõesestimadasparaáreaurbanaehidrografia.
Éesperadoqueadistribuiçãodeumaregiãopossuabaixaentropiacruzadacom
adistribuiçãodeoutraregiãodemesma classe,enquantoasdistribuiçõesderegiõesde
classesdiferentespossuamaltaentropiacruzadaentresi.
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Inicializaçãodesementesatravésdométodomax‐min
Umdosproblemasencontradosemmétodosdeclassificaçãonão–supervisionada
é a escolha de sementes para inicialização dos clusters. Várias abordagens para
inicialização foram propostas para os algoritmos de classificação não supervisionada,
muitasdelasnão‐determinísticas (MAITRAetal., 2010).Ométododamáximadistância
mínima (max‐min), poroutro lado, éumaabordagemdeterminísticaquedefine alguma
amostra observada como semente e que procura sementes distantes entre si (MIRKIN,
2005).OAlgoritmo1descreveoprocessodeseleçãodassementes.
ALGORITMO1‐MAX‐MIN
Calculartodasasdistânciasentreparesdevetoresnoconjuntodedados.
Selecionarcomosementesosdoisvetorescommaiordistânciaentresi.
Atéonúmerodesejadodesementes,repetir:
Selecionar como nova semente o vetor cuja distância mínima para as atuais
sementessejaamaiorpossível.
Fonte:Maitraetal.(2010).
Caso o conjunto de dados seja muito grande, esse método pode tornar‐se
computacionalmente custoso, pois apresenta complexidade O(n2). Para contornar esse
problemaéprecisosubstituiramaneiracomoasduasprimeirassementessãoescolhidas,
eliminandoocálculodasdistânciasentretodososparesdevetores.Nocasodeimagens,
pode‐seescolheraprimeirasementeporalgumcritériocomoregiãomaishomogênea,e
asdemaissementespormáximadistânciamínima.
TransformadaWATERSHED
ATransformadaWatershed éumaabordagemdesegmentaçãode imagensque
geraregiõescombaseemumasituaçãorealdeinundação(BEUCHER,1992).Aprimeira
etapa dessa transformada é o cálculo da imagem gradiente através de um operador de
diferenciação.Aimagemgradienteindicaavariaçãodosvaloresdaimagememcadapixel
(Figura3).
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Figura 3 – Detalhe de imagem capturada pelo satélite Landsat‐5, banda 4 (a); ImagemgradientecalculadapelooperadordeSobel(b).
Aimagemgradienteétratadacomoumasuperfícietopográfica,ondeovalorem
cadapixelsignificaaelevaçãodasuperfícienaquelelocal(Figura3).
Figura 3 – Visualização topográfica da imagem gradiente da Figura 3.
O processo de inundação é então iniciado e a água começa a fluir a partir dos
mínimos locais. Quando a água que parte de doismínimos converge, é construída uma
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represa delimitando as duas regiões. A Figura 4 ilustra o processo de inundação e a
construçãodasrepresas.
Figura5–Mínimoslocaisidentificadosporpontosvermelhos(a).Quandoaáguaencontraum ponto onde pode transbordar, uma represa é construída (b). A inundação acaba aoatingir o ponto mais alto (c). As regiões delimitadas pelas represas determinam asegmentaçãodaimagem(d).Fonte:adaptadadeBeucher(1992).
Oresultadodoprocessotendeaserumasupersegmentaçãodaimagem,devidoà
presençaderuídooupadrõesdetexturas(BEUCHER,1992).Ospassosparaarealização
daTransformadaWatershedsãodescritosnoAlgoritmo2.
ALGORITMO2‐TRANSFORMADAWATERSHED
Calcularaimagemgradiente.
Localizarosmínimoslocaisdaimagemgradiente.
Paracadamínimolocal:
Criarumaregiãoapartirdomínimolocal.
Repetir:
Adicionaràregiãoospixelsdavizinhançacujovalornaimagemgradienteé
maiorqueovalordaregiãonafronteira.
Enquantohouverpixelsparaseremadicionadosnafronteiradaregião.Fonte:Beucher(1992).
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Imagensutilizadosnesteestudo
Paratestarodesempenhodoalgoritmodesegmentaçãoproposto,foramutilizadas
imagens de sensoriamento remoto da região amazônica, capturadas pelo sensor TM do
satéliteLandsat‐5noanode2008,disponíveisnositedoInstitutoNacionaldePesquisas
Espaciais (INPE). A escolha por esse banco de dados se deve ao fato de se encontrar,
também no site do INPE, a classificação do uso do solo para essa região, gerada pelo
projetoTerraClass.
Em 1988, o Programa de Monitoramento do Desflorestamento na
AmazôniaLegal (PRODES),desenvolvidoeexecutadopelo INPE,surgiucomo intuitode
produzir a estimativa da taxa anual do desflorestamento, a partir de levantamentos
sistemáticos utilizando imagens de satélite. Vinte anos após o início do PRODES, para
atender as novas necessidades de qualificação das áreas desflorestadas da Amazônia, a
Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) e o INPE executaram um
projeto em parceria, chamado TerraClass (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISAS
AGROPECUÁRIAS; INSTITUTONACIONALDE PESQUISAS ESPACIAIS, 2011). A execução
desseprojetoresultounaelaboraçãodeummapaquedescreveasituaçãodousodosolo
na Amazônia durante o ano de 2008. Os dados digitais resultantes do mapeamento
encontram‐sedisponíveisnositedoINPE(www.inpe.br).
Para a avaliação dométodo de segmentação proposto, foram utilizadas imagens
classificadasdoprojetoTerraClass.Essasimagensestãodivididasporcenaeencontram‐se
noformatovetorialshapefile.Asclassestemáticasconsideradasnostestesrealizadossão
três:hidrografia,vegetaçãoenãofloresta,derivadasdasclassesconsideradaspeloprojeto
TerraClass.OTabela1exibedescriçãoe legendadecorparaasclassesconsideradas.Os
pixels marcados na imagem temática como área não observada não participam do
processodeclassificação.
Tabela1–Legendaedescriçãodasclassestemáticas
Cor Classe Descrição
Hidrografia Rios
Vegetação Floresta,vegetaçãosecundáriaeagricultura
NãoFloresta
Áreaurbana,pastos,áreasdesmatadaseáreascomsoloexposto
Área nãoObservada
Áreas que tiveram sua interpretação impossibilitada pelapresençadenuvensousombradenuvens
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Ataxadeacertosdoclassificadoré aferidapixel apixele,portanto, foipreciso
converter a imagem temática disponível em formato vetorial para uma imagem em
formatoraster.Paraesta tarefa,umconversor foi desenvolvidocombasenodocumento
deespecificaçõestécnicasdaempresaEnvironmentalSystemsResearchInstitute(1998).
Paraostestesrealizados,foramutilizadasquinzeimagensdedimensões500x500
pixelsequatroimagensdedimensões50x50,querepresentamdetalhescomoatransição
entre rio e vegetaçãoou entre vegetação e solo exposto.O gabaritoparaosdetalhesde
imagemfoifeitomanualmenteporumespecialista.
Segmentaçãoporminimizaçãodaentropiacruzada
A entropia cruzada é calculada pela informação média de uma mensagem de
acordocomummodeloestatístico.AEquação6apresentaocálculodaentropiacruzada
deacordocomamodelagemproposta:
N
2 2x X k 1 1
1 1log log ( )
| X |
B
k k bb
H= R x P xK
(6)
onde:
|X|éonúmerodepixelsdaimagemX.
xéumpixeldaimagem.
Kénúmerototaldeclusterspresentesnasegmentação.
Rk(x)éumafunçãoqueassumevalor‘1’casoopixelxpertençaaoclusterke‘0’caso
contrário.
Béonúmerodebandasquecompõemaimagem.
pk(xb) é a funçãodensidadedeprobabilidadedo clusterk para os valoresde x na
bandab.
O algoritmo desenvolvido tem por objetivominimizar a Equação 6 através da
manipulaçãodasfunçõesRk.OAlgoritmo3descreveasetapaspropostasparaaredução
iterativadaEquação6.
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ALGORITMO3‐MINIMIZAÇÃODAENTROPIACRUZADA
ExecutaraTransformadaWatershed.
Selecionarsementes(regiões)pelométodomax‐min.
Repetir:
Estimaradensidadedeprobabilidadedasclassesdeacordocomsuasregiões.
Atribuircadaregiãoàclassequeobtivermenorinformação.
Enquantohouverreduçãodaentropiacruzada.
RESULTADOS
Em cada iteração, as regiões que pertencem a um cluster têm seus pixels
utilizados como amostras para a construção do modelo estatístico daquele cluster por
meiode estimaçãonão‐paramétrica.Omodelo estatísticodeumcluster é construídode
modoquehajaestimativa(maiorquezero)paracadaumdos256possíveisvaloresque
umpixelpossaassumiremcadabandadaimagem.Dessaforma,cadaclusterkpossuiB
funções independentes para estimação de probabilidades, uma para cada banda,
construídas através de histogramas. A probabilidade estimada inicialmente para a
ocorrência de qualquer valor em qualquer banda é, portanto, 1/256. Ao final do
treinamento,aprobabilidadeestimadaparaumdeterminadovaloremumabandaseráa
frequênciarelativadessevalornaquelabanda.
A Figura 4 ilustra a escolha das sementes e o processo de minimização da
entropiacruzada.NoexemplodaFigura4,épossívelperceberquejáexistedistinçãoentre
asclasseshidrografia,vegetaçãoenão florestanaprimeira iteração,ondeasdensidades
deprobabilidadedecadaclustersãoestimadasapenascomasamostrasdecadasemente
selecionada.Asiteraçõesseguintesutilizamomodeloestatísticodaiteraçãoanteriorpara
obter um modelo mais preciso para a redução da entropia cruzada e uma esperada
melhoranasegmentaçãodaimagem.
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Figura 4 - Redução da entropia cruzada: seleção das sementes pelo método max-min (a). Primeira iteração: entropia=14,84 bits/símbolo; concordância observada=62,08% (b). Sexta iteração: entropia=10,58 bits/símbolo; concordância observada=76,64% (c). Fim do processo de redução da entropia (iteração 42): entropia=10,49 bits/símbolo; concordância observada=92,18% (d).
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Figura5–Segmentaçãodosdetalhesdeimagem
CONCLUSÕES
Osresultadosobtidosindicamqueométododesegmentaçãopropostoconsegue
classificarasimagensdeformacoerenteenquantobuscaareduçãodaentropiacruzada.A
operação sobre regiões, além de acelerar o processo, adiciona contexto espacial à
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segmentação,algoquenãoexisteemmétodosbaseadospuramentenaclassificaçãopixela
pixel.
Embora o gabarito utilizado como referência nos testes não seja totalmente
preciso,aconcordânciamédiade84,55%sobreas imagensdobancoéum indicadorde
bom desempenho do classificador. Para os detalhes de imagem, cujos gabaritos foram
segmentados manualmente, a concordância média de 91,81% também é um bom
indicador.Namaioriadoscasos,oíndiceKappaestápróximodaconcordânciaobservada,
oquesugerebaixataxadeacertosporacaso.
Algoquepodeserexploradoparaaumentaropoderdeclassificaçãodométodo
proposto é autilizaçãodeumsistemahierárquicode classificação.Após a segmentação
inicial das classes épossível subdividir cada classe selecionandobandas específicasque
possam diferenciar, por exemplo, pastos de área urbana, ou vegetação secundária de
floresta.
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