cadernos humanizasus atencao hospitalar

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Cadernos HumanizaSUS 1 MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas Brasília - DF 2011 Série B. Textos Básicos de Saúde

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  • Cadernos HumanizaSUS

    1

    MINISTRIO DA SADESecretaria de Ateno Sade

    Departamento de Aes Programticas e Estratgicas

    Braslia - DF2011

    Srie B. Textos Bsicos de Sade

  • Ficha Catalogrfica

    Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Aes Programticas e Estratgicas. Ateno hospitalar / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Aes Programticas e Estratgicas.

    Braslia: Ministrio da Sade, 2011.268 p., il. (Srie B. Textos Bsicos de Sade) (Cadernos HumanizaSUS ; v. 3)

    ISBN 978-85-334-1760-1

    1. Humanizao do atendimento. 2. Formao profissional em sade. 3. Gesto do trabalho e da educao em sade. I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 614.39:658

    Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2011/0017

    Ttulos para indexao: Em ingls: Hospital careEm espanhol: Atencin hospitalaria

    Sumrio

    Apresentao .........................................................................................................................................................5

    1 Ateno hospitalar em rede ...........................................................................................................................9

    2 Dimenso de planificao da Poltica de Humanizao na Ateno e Gesto em Sade.................................................................................................................................................................17

    3 Pistas metodolgicas para se avanar na humanizao dos hospitais no Brasil ......................29

    4 Clnicaampliada e acolhimento: desafios e articulaes em construo para a humanizao hospitalar.................................................................................................................................51

    5 Consideraes sobre o processo de humanizao no H.U. de Dourados MS ......................63

    6 Apelo humanizao da morte nas prticas de sade .....................................................................81

    7 O processo de gesto participativa no Hospital Giselda Trigueiro: sentimentocoletivo de trabalho pelo SUS ..............................................................................................................................................99

    8 Visita aberta e direito a acompanhante: garantia de acesso, de incluso e de cidadania......121

    9 O reencantamento do concreto e as apostas nas mudanas nos modelos de ateno e de gesto do SUS: o caso da maternidade do Instituto Hospitalar General Edson Ramalho Joo Pessoa/Paraba ...................................................................................................................................129

    10 Prticas cuidadoras como orientao da ateno sade: uma prtica teoria em integralidade na sade da mulher ..............................................................................................................143

    11 Construo de uma metodologia de acompanhamento do cuidado na emergncia de um hospital universitrio ..........................................................................................................................163

    12 Projeto Conhecendo Quem Faz................................................................................................................175

    13 Acolhimento com classificao de risco: dois momentos de reflexo em torno das cores........181

    14 Implantao do Acolhimento com Classificao de Risco (ACCR) em um hospital universitrio de grande porte no municpio de So Paulo....................................................................211

    15 Cuidando dos Cuidadores um programa multidisciplinar de acolhimento dos cuidadores informais no Hospital Geral de Pirajussara................................................................................................227

    16 A contao de histria como estratgia de acolhimento na orientaopr-operatria: relato de experincia.........................................................................................................235

    Eliane Teixeira Leite de AlmeidaErasmo Ruiz Erika DittzFabiana Almeida DantasGislene de Oliveira NogueiraGuilherme Cndido Costa Gustavo Nunes Jackeline PillonJos Luiz do A. C. Arajo Jr.Jlia Cristina do Amaral HortaJlia Florncio Carvalho Ramos Karla Larica Kelly Leonel MedeirosLlia Maria MadeiraLidiane Pereira Raposo Maira Barros Hasemi MagalhesMara Xavier MelnikMariluci Hautsch WilligMilena Maria Costa MartinsPatricia Andreia Lima MacielPriscila Bagio MariaRegina Clia Tanaka NunesRicardo Luiz Vilela de CastroRosane Maria dos SantosSerafim Barbosa Santos FilhoSheylla Maria Moura RodriguesShirley Monteiro de MeloTenile Guimares AguiarTeresa da Costa FreireThiago Feitosa Vera Cristina Augusta MarquesVera Lcia PatrezzeVernica Duarte Processi Yara Cristina Neves Marques Barbosa RibeiroYumi Kaneko

    Elaborao, distribuio e informaes:

    MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno SadeDepartamento de Aes Programticas e Estratgicas - Poltica Nacional de Humanizao Endereo: SAF Sul, trecho 2, bloco F, 1 andar, sala 102, Ed. Premium, torre II. CEP: 70070-600, Braslia DFTel.: (61) 3306-8130Fax: (61) 3306-8131E-mail: [email protected] Home pages : www.saude.gov.br /humanizasus www.redehumanizasus.net

    Organizao:Clara Sette Whitaker

    Colaboradores:Aide Mitie KudoAmanda Almeida Mudjalieb Amanda Ornelas CarvalhoAna Maria da SilvaAnnatlia Gomes Antonio Carlos Vazquez VazquezBernadete Perez CoelhoCacilda Geraldo dos SantosCaria Paranhos Carine Bianca Ferreira Clara Sette Whitaker Cludia E. Abbs Bata Neves Cristina Amlia LuzioDrio Frederico Pasche

    Reportagens:Bruno Arago

    Projeto grfico e diagramao:Roosevelt Ribeiro Teixeira

    Editora MSDocumentao e InformaoSIA, trecho 4, lotes 540/610CEP: 71200-040, Braslia DFTels.: (61) 3233-1774 / 2020Fax: (61) 3233-9558E-mail: [email protected] page: http://www.saude.gov.br/editora

    Normalizao: Amanda Soares

    Reviso: Mara Pamplona Jlio Maria Cerqueira

    2011 Ministrio da Sade.Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica.A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs

    Cadernos HumanizaSUS v. 3

    Tiragem: 1 edio 2011 1.000 exemplares

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

  • Cadernos HumanizaSUS

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    Apresentao17 A humanizao no Conjunto Hospitalar do Mandaqui da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo: da teoria prtica......................................................................................................................24518a Mrio Gatti: quando bons encontros produzem mais e melhor sade.......................................251

    18b No HU de Dourados, todo dia dia de ndio....................................................................................257

    18c Protagonismo desde o bero....................................................................................................................261

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    Apresentao

    A Poltica de Humanizao (PNH) do Ministrio da Sade nunca pretendeu inventar a roda. Ao contrrio, parte das boas experincias do SUS, identifica seus princpios, seus arranjos, seus modos de funcionamento, e prope diretrizes, dispositivos, ferramentas, para incentivar sua multiplicao.

    nesse contexto que a PNH publica este Caderno. Ele contm reflexes acerca da humanizao nos hospitais, artigos analticos sobre experincias com diretrizes e dispositivos da PNH, relatos e reportagens sobre iniciativas de humanizao que do certo. Humanizao aqui entendida como resultado da atuao sobre os processos de trabalho no cotidiano dos servios hospitalares, no sentido de melhorar a qualidade da assistncia prestada e a satisfao do usurio e do trabalhador.

    O caderno se inicia mostrando-nos o contexto da ateno hospitalar no Brasil, e seu papel no sistema de sade hoje, que se quer estruturar em rede. A seguir, o artigo sobre PNH e Planificao traz a importncia da dimenso do planejamento e da avaliao, propondo auxiliar-nos na tarefa muitas vezes deixada em segundo plano de colocar em evidncia a capacidade transformadora das nossas intervenes.

    Os artigos seguintes nos permitem refletir sobre os novos paradigmas da humanizao nos hospitais, e sobre duas importantes diretrizes da PNH, o acolhimento e a clnica ampliada. Mostram em que medida todos os dispositivos propostos se articulam entre si, e com outras iniciativas, para que sejam de fato desencadeadores de transformaes das realidades dos hospitais.

    A reflexo sobre a boa morte nos leva a pensar em novas atitudes para lidar com a morte e o morrer, to presentes no cotidiano dos servios hospitalares.

    As experincias, vindas de Norte a Sul e de Leste a Oeste do Brasil, abordam diversos dispositivos da PNH e as mudanas que permitiram desencadear. A gesto participativa, a visita aberta e o direito ao acompanhante; mudanas nas maternidades e nos servios de emergncia; acolhimento famlia cuidadora, acolhimento s crianas e o trabalho multidisciplinar so exemplos de iniciativas que, embora de amplitudes diferentes, tm grande potncia para melhorar os servios e o sistema de sade.

    Esperamos que estas reflexes e experincias, escolhidas em meio a tantas outras que esto acontecendo pelo Brasil afora, contribuam com ideias e ferramentas para os trabalhadores dos hospitais, ao mostrar que possvel mudar, sim, e que isso s depende de ns. Somente incentivando os primeiros passos e valorizando os pequenos avanos que conseguiremos tornar os servios sempre melhores para todos.

    Poltica Nacional de Humanizao

    Ministrio da Sade

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    Ateno hospitalar

    em rede

    Karla Larica Wanderley1

    1

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    1Diretora Substituta do Departamento de Ateno Especializada/SAS/MS e CoordenoGeral de [email protected]

    possam ser, de fato, estruturantes e coerentes para a garantia e ampliao do acesso populao usuria dos servios do SUS.

    O debate atual sobre a situao da Ateno Hospitalar no Brasil est marcado pela percepo de algumas dificuldades que possuem vrias dimenses conjunturais e que interagem entre si. Coexistem aspectos estreitamente vinculados aos fatores financeiros, assistenciais, organizacionais, polticos e sociais, alm de outros que direta ou indiretamente interferem no setor, como por exemplo, o ensino e a pesquisa.

    H muito se diz sobre a necessidade de se implementar polticas especficas para o setor hospitalar brasileiro que induzam a uma reestruturao capaz de responder s efetivas necessidades de sade da populao de forma integrada rede de servios de sade local e regional. A Ateno Hospitalar tem sido, ao longo de dcadas, um dos principais temas de debate acerca da assistncia no Sistema nico de Sade. indiscutvel a importncia dos hospitais na organizao da rede de sade, seja pelo tipo de servios ofertados e sua grande concentrao de servios de mdia e alta complexidade, seja pelo considervel volume de recursos consumido por esse nvel de ateno.

    Segundo a OMS, o conceito de hospital aplicado para todos os estabelecimentos com pelo menos cinco leitos para a internao de pacientes que garantam um atendimento bsico de diagnstico e tratamento, com equipe clnica organizada e com prova de admisso e assistncia permanente prestada por mdicos.

    Na prtica, estas instituies agregam uma srie de funes que as caracterizam como as organizaes mais complexas do setor Sade. Suas funes tm atravessado um perodo de rpidas mudanas que envolvem questes sociais, emprego, ensino e pesquisa, assistenciais e de apoio aos servios de sade.

    Hoje, o Brasil conta com uma rede de servios hospitalares construdos e legitimados historicamente, detentora de uma realidade concreta sendo operacionalizada dentro de um novo cenrio sanitrio e com diretrizes gerais que apontam para a busca de uma maior insero na rede de servios de sade. So mais de 7,5 mil instituies que produzem mais de 11 milhes de internaes por ano, segundo dados do DATASUS/MS (ano base 2008).

    Assim, ao se discutir a necessidade de (re)construo de um novo papel dos hospitais brasileiros dentro da rede de servios do SUS preciso apreender sua historicidade, seus determinantes, os valores e atores envolvidos, com vistas elaborao de propostas que

    Em cada uma dessas dimenses possvel destacar variveis que contribuem para tornar a situao hospitalar extremamente complexa e desafiadora. Na dimenso Financeira, destacam-se os aspectos relacionados com as opes em termos de mecanismos de custeio das unidades, bem como aspectos relacionados com a gerao de investimentos necessrios para a construo, ampliao e reforma das unidades existentes. Na dimenso Poltica, pode-se destacar a opo por uma dada direcionalidade, seja por privilegiar o modelo hospitalocntrico como proposta hegemnica para a sociedade, seja inversamente, para fortalecer a ateno primria como vem sendo denominada no Brasil, a includas as aes de promoo da sade, preveno de riscos e agravos e a assistncia, essa ltima redefinida a partir da nfase na assistncia ambulatorial, em busca de maior cobertura, efetividade e satisfao da populao. Do ponto de vista poltico-gerencial essa dimenso inclui o estabelecimento de mecanismos de regulao do sistema hospitalar o qual contribui para a dimenso Organizacional que trata de definir o lugar ocupado pelo hospital no conjunto da rede de servios, tema que tem sido objeto de amplo debate internacional, em torno das alternativas de construo de redes assistenciais voltadas prestao de servios especficos, como o caso das redes de servios de urgncia e emergncia, as

    Figura 1 Dimenses da rea hospitalar

    Ensino e Pesquisa

    FinanceiraPoltica

    Assistencial

    Organizacional

    Social

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    UTIs, os servios de ateno ao parto e gestao de alto risco, os servios de assistncia oncolgica, etc. A questo que se coloca se a organizao dessas redes leva ou no em conta o princpio da integralidade, que preconiza a implantao e articulao de servios em vrios nveis de complexidade, orientando, portanto, a constituio de sistemas de referncia e contrarreferncia de informaes e pessoas, usurios, em algum momento, das diversas redes assistenciais.

    Na dimenso propriamente Assistencial pode-se enfatizar o modo de organizao tecnolgica do trabalho desenvolvido no mbito hospitalar sade, o que pe em questo o modelo clnico e seus desdobramentos na moderna medicina tecnolgica, espao de fragmentao do objeto de trabalho (doena e doentes) e diviso tcnica do trabalho mdico em especialidades e subespecialidades. O desafio resgatar a integralidade do cuidado ao indivduo, promovendo a rearticulao do trabalho parcelado, ao tempo em que se promove a humanizao do cuidado, em verdade uma requalificao das relaes entre equipe de sade e usurios do sistema, com base em valores como respeito s singularidades e defesa dos direitos dos usurios.

    A dimenso do Ensino, por sua vez, aparece nos hospitais que se constituem em espao de ensino-aprendizagem das diversas profisses de sade, tendendo a reproduzir um modelo mdico-assistencial hegemnico, com todos os seus corolrios em termos da diviso tcnica do processo de trabalho, fragmentao dos objetos e dos procedimentos diagnsticos e teraputicos, emoldurados pela perda da qualidade na relao dos profissionais de sade com os pacientes. Nessa dimenso situa-se o enorme desafio de mudana na formao do pessoal de sade, que vem sendo problematizado de diversas formas, desde o debate sobre as reformas curriculares at a introduo de inovaes pedaggicas no processo de ensino-aprendizagem.

    Tudo isso tem implicaes, evidentemente, na dimenso Social, na medida em que a populao usuria da ateno hospitalar sofre os efeitos das polticas e dos processos referidos acima, quer se evidenciem na dificuldade de acesso a determinados servios, quer na baixa qualidade da assistncia hospitalar ou mesmo na falta de ateno a que so sujeitados, o que contribui para a insatisfao e elevao das presses sociais e polticas por mudana, ainda que grande parte da populao desconhea as alternativas que vm sendo discutidas no mbito dos servios e da academia.

    A formulao e implementao de polticas e estratgias de reforma da ateno hospitalar no SUS so, sem dvida, um dos maiores, seno o maior desafio da atual gesto ministerial. Assim, impossvel pensar a problemtica hospitalar de forma isolada, sendo necessrio projetar as decises a serem adotadas e as polticas que se pretenda formular, no cenrio mais amplo de um sistema de sade complexo e submetido a um conjunto de variveis. A propsito, a literatura internacional tem privilegiado a temtica da integrao de sistemas

    de sade como um dos grandes desafios contemporneos, e a redefinio do papel do hospital parte importante nesse processo.

    O entendimento deste contexto sob a tica da proposta de gesto impe um (re)ordenamento e uma redefinio de aes para a ateno hospitalar no Brasil, tendo como princpios bsicos a busca contnua da maior eficincia; a participao ampla de todos os interessados, inclusive usurios; e a total transparncia na conduo dos trabalhos e tomadas de deciso.

    Segundo a Organizao Mundial da Sade (2000), o novo papel dos hospitais exige deles um conjunto de caractersticas:

    Ser um lugar para manejo de eventos agudos;

    Deve ser utilizado exclusivamente em casos que haja possibilidades teraputicas;

    Deve apresentar uma densidade tecnolgica compatvel com suas funes, o que significa ter unidades de tratamento intensivo e semi-intensivo; unidades de internao; centro cirrgico; unidade de emergncia; unidade de apoio diagnstico e teraputico; unidade de ateno ambulatorial; unidade de assistncia farmacutica; unidade de cirurgia ambulatorial; unidade de hospital dia; unidade de ateno domiciliar teraputica, etc.;

    Deve ter uma escala adequada para operar com eficincia e qualidade;

    Deve ter um projeto arquitetnico compatvel com as suas funes e amigvel aos seus usurios.

    A rede hospitalar brasileira caracteriza-se pela existncia de inmeros estabelecimentos de sade que no atendem a maioria dessas caractersticas. Pelo contrrio, essa rede bastante heterognea do ponto de vista de incorporao tecnolgica e complexidade de servios, com grande concentrao de recursos e de pessoal em complexos hospitalares de cidades de mdio e grande porte, com claro desequilbrio regional e favorecimento das regies Sul e Sudeste do pas.

    Outro elemento central na elaborao e implementao de polticas na rea de ateno hospitalar o claro entendimento de que os hospitais no constituem ilhas de excelncia, parte da rede de servios. de extrema importncia que todas as medidas adotadas considerem os hospitais e a sua insero na rede. Essas instituies devem ser vistas, planejadas e avaliadas enquanto determinantes e determinadas do sistema de sade como um todo. Vale aqui destacar o papel dos gestores locais do SUS na discusso das necessidades de sade, da demanda de servios e da efetiva conduo e controle das aes implementadas.

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    Nesse sentido, tem-se trabalhado considerando as diferentes realidades da rede hospitalar brasileira. O resultado deste esforo tem proporcionado, alm do diagnstico e da anlise, a possibilidade de melhor compreenso e caracterizao dos problemas e das dificuldades atuais, definindo, assim, as diretrizes para as aes da rea e a priorizao de segmentos hospitalares estratgicos.

    Na busca de novas perspectivas para o setor hospitalar brasileiro, tem-se apontado para algumas estratgias comuns ao conjunto dos hospitais de forma a induzir maior eficincia sistmica ao SUS. So elas a garantia de acesso, a humanizao dos servios, a insero na rede SUS, a democratizao da gesto e a contratualizao hospitalar.

    Neste momento, destaca-se o desafio de promover uma maior insero dos hospitais no SUS, entendido como um princpio que permite a integrao funcional na rede de servios disponveis para a populao, com ampla participao do gestor local para a discusso das necessidades de sade, da demanda de servios e da efetiva conduo e controle das aes implementadas em prol do sistema.

    Outra questo relevante e que avana na rea hospitalar, induzida por polticas especficas do Ministrio da Sade a da contratualizao dos servios de sade definida como um mecanismo de planejamento para a organizao da gesto local, com definio de metas quanti e qualitativas, e nfase na relao entre gestores e prestadores na busca de resultados.

    Atualmente, so mais de 1.327 hospitais contratualizados por intermdio de aes especficas do Ministrio da Sade, sendo 432 hospitais de pequeno porte, 756 hospitais filantrpicos e 139 hospitais de ensino. Essa nova lgica de relacionamento entre gestores e prestadores tem contribudo para a discusso do novo papel dos hospitais na rede de servios do SUS integrados e participantes dentro do seu espao na linha de ateno integral aos usurios do SUS.

    Na procura de sistemas de sade equitativos, solidrios e eficientes, surge a necessidade de estruturar a diversidade. Com tal fim, tm sido propostas as atuais polticas na rea hospitalar, como forma de organizar estrategicamente segmentos especficos, mas apostando nas redes integradas de ateno sade, onde os hospitais, mesmo sendo as estruturas mais complexas do setor Sade, desempenham e assumem seu papel peculiar.

    A rede hospitalar no SUS enfrenta uma nova situao de exercer a prtica cooperativa. O centrismo do hospital e a sua departamentalizao/fragmentao excessiva devem ceder espao ao hospital que d valor ao conjunto da rede de servios e coopere, eficazmente, com seus usurios (internos e externos) antes e depois da hospitalizao. Esta evoluo necessria para melhorar a organizao da ateno, responder s necessidades da populao e aproximar-se dela, bem como para eliminar os gastos desnecessrios.

    A necessidade de potencializar a rede de servios faz com que os hospitais j no se situem na cspide do sistema sanitrio. Debates recentes indicam que os hospitais esto perdendo suas fronteiras tradicionais e mudando sua posio no sistema de sade. J no possvel conceb-lo seno como integrante de uma rede de servios de sade, um conceito que ganha protagonismo no Brasil com o avano da ateno primria como porta de entrada e reorientadora de todo o modelo de sade. Ao formar parte de uma rede de servios de sade, o hospital amplia o seu horizonte de atuao, enfrenta as relaes mais diversas e persegue um objetivo mais preciso: a efetividade social.

    Vivemos um momento em que preciso em muito avanar na direo de uma maior resolutividade dos servios prestados. Por um lado, h a necessidade da melhoria organizativa do sistema como um todo, ampliando o acesso, facilitando a utilizao dos servios de sade atravs da articulao responsvel e racional dos servios, da desburocratizao e descentralizao das aes. De outro lado, preciso haver mudanas conceituais no foco da ateno prestada, deslocando-a da tica privilegiada da doena e a centrada na disponibilidade dos servios e dos profissionais de sade, para um modelo de cuidado centrado nas efetivas necessidades de sade do usurio, contemplando suas relaes e espaos de vida, bem como a sua qualidade.

    Assim, a discusso sobre o papel da ateno hospitalar na rede de servios de sade ganha concretude ao alinhar a questo hospitalar ao cumprimento de sua misso institucional que a da efetividade social, onde essas instituies constituintes da rede de servios do SUS devem disponibilizar e entregar todos os seus processos produtivos s novas exigncias epidemiolgicas e s crescentes expectativas dos usurios, entendidos neste contexto como a razo maior de todos os esforos.

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    Referncias

    BRASIL. Ministrio da Sade. Redes regionalizadas de ateno sade: diretrizes para sua implementao no SUS. Braslia: Ministrio da Sade, 2008. Documento preliminar.

    BRASIL. Ministrio da Sade. Reforma do sistema da ateno hospitalar brasileira. Braslia: Ministrio da Sade, 2004. (Cadernos de Ateno Especializada).

    ORGANIZAO PAN-AMERICANA DA SADE. A transformao da gesto de hospitais na Amrica Latina e Caribe. [S. l.]: Opas; OMS, 2004.

    OMS. The world health report: improving performance. Geneva: World Health Organization, 2000.

    Dimenso de planificao da

    Poltica de Humanizao na Ateno e

    Gesto em Sade

    Serafim Barbosa Santos Filho1

    2

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    2.1 As ofertas da Poltica Nacional de Humanizao na Linguagem da Planificao

    Desde que foi criada, em 2003, a Poltica Nacional de Humanizao/PNH vem se consolidando em vrios mbitos de interveno, partindo das bases estruturantes previstas em seu marco terico-poltico (BRASIL, 2008). Na medida em que foi se expandindo e se aprofundando na abertura de frentes de ao, a PNH passou tambm a se preocupar com um olhar avaliativo sobre seus processos, da resultando em importantes investimentos em metodologias e instrumentos de avaliao (SANTOS FILHO, 2006; SANTOS FILHO, 2007; SANTOS FILHO, 2009). Por outro lado, ao mesmo tempo em que se foi abrindo-aprofundando o olhar avaliativo, foram surgindo vrias questes relacionadas ao modo como a Poltica tem apresentado suas propostas/objetos/ofertas, observando-se que muitas vezes as suas orientaes gerais no so bem compreendidas em eixos de objetivos e metas a serem concretizados no mbito dos servios de sade. A experincia de aproximao com diferentes pblicos e atores dos sistemas de sade tem deixado ver as diferentes percepes institucionais que se tm da PNH, no sendo incomum a percepo de uma certa dificuldade em compreender concretamente os princpios e diretrizes da Poltica. Em algumas situaes, h mesmo uma certa dificuldade em se perceber como o marco referencial da Poltica se traduz (ou pode-se traduzir) em aes e mudanas efetivas nas prticas de cuidado, na realidade dos servios. Entendemos que essas dificuldades de compreenso trazem consequncias importantes quanto ao propsito de consolidao da Poltica (que pressupe ampliao de alianas e parcerias), gerando muitas dvidas sobre o seu sentido e sua capacidade efetiva de se instituir como intervenes e resultados concretos.

    A partir de nossas observaes avaliativas e interlocues mais recentes com servios e atores comprometidos com a multiplicao e transversalizao da Poltica, consideramos necessrio a retomada dos princpios e diretrizes da PNH, canalizando-os em eixos de planificao, isto , em agrupamentos de metas e indicadores capazes de traduzir-explicitando as suas intencionalidades (servindo como um modo-instrumento para facilitar a introduo da Poltica com os gestores e trabalhadores). De uma maneira mais ampliada, j foi sistematizado um conjunto de matrizes lgicas de indicadores relacionados PNH, especialmente em um documento denominado Manual com eixos avaliativos e indicadores de referncia (SANTOS FILHO, 2006). Nosso objetivo agora neste texto compor matrizes demarcando bem especificamente: (i) quais so as metas de implementao de aes quando os servios criam uma agenda institucional com a PNH e (ii) quais os mbitos de mudanas/efeitos que se espera alcanar a partir das intervenes realizadas junto com os coletivos/equipes. Prope-se assim uma compreenso de como se materializam os processos da/na PNH, com o cuidado de reafirmar que no se intenciona uma previso abstrata de aes e resultados (abstrato no sentido de pretensas prescries genricas para serem

    cumpridas), mas tambm no deixando parecer que se trabalha no vazio de metas e resultados. E, sobretudo, chamando a ateno (na tica do planejamento e gesto) para algumas condies poltico-institucionais que precisam ser criadas para viabilizar as aes e as mudanas esperadas. A questo central pode ento ser formulada da seguinte forma: o que pode a PNH, quais processos e efeitos ela pode trazer/disparar como mudanas efetivas nos servios/equipes? Julgamos bastante relevante essa discusso no momento atual (no bojo dos processos avaliativos), para pr em evidncia as experincias que vm sendo desenvolvidas e seus diversos mbitos de xitos, demonstrando a capacidade interventiva da Poltica. Por outro lado, tambm trazendo tona os diversos mbitos de limites na implementao de aes, sempre associados s condies institucionais de sua viabilizao.

    Como a PNH se (retro)alimenta ou se (re)direciona com a prpria experimentao que vamos tecendo com os servios/coletivos, vale ressaltar os sinais que temos recebido de aprovao da Poltica como ferramenta potente, quando a enfatizamos na sua dimenso de planificao e de busca de corresponsabilizao com a viabilidade do que se planeja.

    2.2 Diretrizes da PNH e Planejamento Baseado em Metas

    Nos tpicos seguintes sistematizamos, de forma esquemtica e operacional, os referenciais da PNH e seus eixos de planificao.

    Neste primeiro desenho, ilustramos a articulao dos eixos estruturantes da Poltica e sua dimenso de planejamento e monitoramento.

    Figura 2 Articulao dos eixos estruturantes da PNH e Planejamento de Aes

    Dispositivos (portadores de intencionalidades, o b j e t i v o s e m e t a s

    especficos)

    I n t e r v e n e s n a o r g a n i z a o d o s

    servios

    Processos e efeitos

    Fonte: (SANTOS FILHO, S.B., 2009).

    Indicadores de monitoramento e avaliao

    Princpios e diretrizes da PNH

    1Mdico Sanitarista, Professor da PUC/MG, pesquisador do NESCON/UFMG e Consultor da Poltica Nacional de Humanizao do Ministrio da [email protected]

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    A seguir apresentamos o modelo de matriz utilizada na sistematizao das diretrizes e metas (aqui compreendidas como os prprios indicadores), explicando-se as categorias que estamos utilizando nesta matriz-modelo.

    Os focos de interesse/intervenes da Poltica de Humanizao englobam: (i) a organizao do trabalho (os trabalhadores como protagonistas da prtica) e (ii) a prestao de servios (ateno e respostas aos usurios). esse contexto que deve direcionar as metas de implementao de aes e de efeitos esperados, seguindo as diretrizes da Poltica.

    DIRETRIZESReferenciais sustentadores das mudanas propostas no mbito da ateno e da gesto.

    MBITO DE EFEITOS ESPERADOS

    Mudanas refletindo as diretrizes (e os princpios) da PNH.

    I n d i c a d o r e s d e implementao de aes

    (e de dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados

    Pressupostos para viabilizao das metas (indicadores)

    Indicadores representativos dos proce s so s , aes e movimentos disparados; so meios estratgicos para disparar e sustentar aes para mudanas; so tambm produtos de mudanas na organizao do trabalho.

    (traduzem-se como produtos relacionados aos processos)

    Indicadores representativos das transformaes nas prticas de ateno e de gesto, indicando o que mudou (o que se espera mudar) no processo de trabalho e para os usurios (em suas demandas, em seu atendimento, em sua sade, satisfao).

    Condies consideradas essenciais para induzir e suportar os movimentos de mudanas. So condies que podem ser criadas, coconstrudas, juntamente com os demais movimentos de mudanas, mas devem ser entendidas como posturas poltico-institucionais e s s e n c i a i s p a r a a s s e g u r a r ou potencializar condies de viabilidade aos processos de mudanas.

    Quadro 1 Referenciais sustentadores das mudanas propostas no mbito da ateno e da gesto.

    O conjunto de indicadores e pressupostos deve explicitar exatamente o que se espera desenvolver, implantar, alcanar, etc., seguindo-se as diretrizes da PNH.

    Os indicadores de implementao de aes assumem relevncia especial na PNH, porque no so apenas produtos intermedirios, mas refletem a especificidade quanto ao modo de fazer da Poltica, modo que opera essencialmente com constituio de espaos estratgicos e de coletivos para assumir e coconduzir (de forma corresponsabilizada) os projetos de mudanas. Este um mbito que bem explicita a compreenso de interveno na PNH estar/agir no entre para disparar processos. Explicita tambm a funo de apoio/apoiador, sempre contando com apoiadores da PNH para ajudar na constituio e dinmica desses coletivos e dos projetos.2

    A seguir esto sistematizadas matrizes partindo das diretrizes da PNH e reunindo indicadores que refletem as principais metas a serem objeto de contratualizao nos momentos de planejamento e pactuao.3

    Quadro 2 Matriz de Indicadores: Cogesto

    DIRETRIZ: COGESTO

    Diretriz afeta implementao de espaos coletivos/colegiados para anlises coletivas, diagnsticos, pactuaes e conduo de aes para mudanas das prticas de ateno e gesto.

    MBITOS DE EFEITOS ESPERADOS

    Corresponsabilizao; Alterao no padro de comunicao; Fomento de redes; Protagonismo e Autonomia dos trabalhadores.

    Espaos como dispositivos para a circulao da palavra, e deciso participativa para aumentar o grau de democracia nas organizaes, e a capacidade de anlise e de interveno dos trabalhadores.

    Indicadores de implementao de aes (e de dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados

    P r e s s u p o s t o s p a r a viabilizao das metas

    (indicadores)

    Espaos coletivos e/ou grupos estratgicos constitudos:

    Unidades funcionais/de produo implementadas a part i r de reorganizao do organograma institucional;

    Colegiados gestores (geral e de unidades funcionais/de produo);

    C o m i t s e s t r a t g i c o s : d e acolhimento e classificao de risco, de Sade e Trabalho, etc.;

    Conselhos gestores, incluindo usurios;

    Servios de escuta e ouvidoria (usurios e trabalhadores).

    Agendas de funcionamento:

    Planos de trabalho elaborados;

    Plano diretor de gesto;

    Agenda programada e pactuada institucionalmente (funcionando como rodas);

    Agenda de educao permanente.

    Dispositivos indutores e catalisadores dos processos:

    Contratos internos de gesto.

    E s p a o s c o l e g i a d o s i n s t i t u d o s e c o m funcionamento sistemtico, efetivo (agenda regular, pautas, metas, etc.);

    Aumento do grau de corresponsabilizao, de participao e de autonomia;

    Aumento da capacidade de viabilizao de aes, de despachos institucionais, de construo de alianas, de enfrentamento de problemas;

    Aumento da capacidade de acompanhamento de aes;

    Ampliao do sentimento d e p e r t e n c i m e n t o institucional (valorizao dos trabalhadores);

    V i a b i l i z a o d e o p o r t u n i d a d e s p a r a anlise do trabalho (rodas, incluindo os problemas, conflitos, etc.);

    Aumento do grau de satisfao dos trabalhadores.

    Mudanas na gesto como condio para sustentar outras mudanas.

    Disponibilidade institucional para mudar o modo de fazer gesto;

    A d e s o d o g e s t o r (construo concreta de parceria);

    Movimentos concretos de enfrentamento de situaes, de resistncias, de interesses diversificados;

    Construo de uma agenda programtica: de metas, movimentos, aes, com plano de acompanhamento.

    2.3 Matriz de Indicadores com Base na Diretriz de Cogesto

    2Para aprofundar a compreenso das concepes de apoio institucional e interveno, ver textos de referncia da PNH, disponveis no site da Rede HumanizaSUS/RHS e em artigos e livros diretamente relacionados aos referenciais terico-metodolgicos da Poltica.

    3Para aprofundar a compreenso das diretrizes e dispositivos da PNH, consultar publicaes especficas relacionadas aos conceitos, mtodos e anlises de experincias implementadas (publicaes de referncia no site da Rede HumanizaSUS e citadas nas referncias bibliogrficas). Para aprofundar em indicadores mais detalhados, consultar o documento Monitoramento e avaliao na PNH: manual com eixos avaliativos e indicadores de referncia (citado nas referncias bibliogrficas).

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    2.4 Matriz de Indicadores com Base nas Diretrizes de Acolhimento, Ambincia e Clnica Ampliada

    Quadro 3 Matriz de Indicadores: Acolhimento, Ambincia e Clnica Ampliada

    DIRETRIZ: ACOLHIMENTO, AMBINCIA E CLNICA AMPLIADA

    Reorganizao dos processos de trabalho e ambientes institucionais, seguindo-se as perspectivas clnica, tica e poltica (tecnologia do encontro: vnculo, escuta qualificada e inclusiva, postura na relao/encontro).

    MBITOS DE EFEITOS ESPERADOS

    Vnculo; Incluso; Adequao de oferta/respostas conforme gravidade dos casos; Resolubilidade; Induo formao de equipes multiprofissionais de referncia (apropriao e uso articulado de conhecimento, habilidades e instrumentos; codecidindo).

    I n d i c a d o r e s d e i m p l e m e n t a o d e a e s ( e d e

    dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados P r e s s u p o s t o s p a r a viabilizao das metas

    (indicadores)

    Comits constitudos e planos de trabalho pactuados (movimentos locais e em rede);

    Equipe de referncia, atuando no referencial da clnica ampliada;

    R e a l i z a o d e d i a g n s t i c o s e m a p e a m e n t o d e situaes, demandas, fluxos, etc.;

    A g e n d a d e capacitaes sistemticas (% de trabalhadores capacitados em temas afins);

    Construo coletiva de ferramentas: protocolos (de ACR) , manuai s (critrios, rotinas, fluxos, informaes sobre a rede, etc.);

    Projetos de adequao dos ambientes.

    Mudanas no processo e relaes de trabalho:

    Novos padres de organizao para qualificao do atendimento: critrios e fluxos (casos priorizados conforme vulnerabilidade, risco);

    Vnculo/fluxos institudos com o sistema de sade locorregional (rede);

    Mudanas na postura dos trabalhadores/equipes (escuta, qualidade da interao);

    Configurao de equipes multiprofissionais de referncia, atuando com o referencial e instrumentos da clnica ampliada (instrumentos integrados);

    Espaos fsicos (re)adequados, seguindo o conceito referencial de ambincia.

    Ampliao do acesso e grau de resolubilidade:

    Percentuai s de casos atendidos , solucionados, redirecionados, conforme critrios definidos nos protocolos (reduo das filas);

    Percentuais de reduo dos tempos de espera (conforme protocolo);

    Percentuai s dos casos atendidos e encaminhados rede (bsica ou outra) com procedimentos marcados a partir do hospital;

    Percentual de altas de pacientes de grupos de risco, com encaminhamentos para acompanhamento na rede bsica;

    Aumento do grau de satisfao dos usurios (avaliaes criteriosas).

    Incorporao efetiva na pauta/agenda da gesto ( p o s i c i o n a m e n t o d o gestor);

    Construo de uma agenda programtica: pactuaes de metas e aes, recursos, plano de acompanhamento;

    R e v i s o d o a r r a n j o organizacional, redefinindo a hierarquia de gesto e de conduo de casos;

    Estratgias de articulao e pactuao em rede.

    2.5 Matriz de Indicadores com Base nas Diretrizes de Direito a Acompanhante e Visita Aberta

    Quadro 4 Matriz de Indicadores: Direito a Acompanhante e Visita Aberta

    DIRETRIZ: DIREITO A ACOMPANHANTE E VISITA ABERTA

    Reorganizao do servio para atender ao direito do paciente internado de ter junto de si a sua rede familiar e social (perspectivas clnica, tica e poltica: vnculo, participao e controle social).

    MBITOS DE EFEITOS ESPERADOS

    Repercusses quanto ao conforto do paciente, da famlia; repercusses nas condies de recuperao; controle social; momento de aprendizagem da famlia para cuidados bsicos; contribuio no ganho de autonomia do paciente e acompanhante; induo consolidao de equipes multiprofissionais de referncia.

    I n d i c a d o r e s d e i m p l e m e n t a o d e a e s ( e d e

    dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados P r e s s u p o s t o s p a r a viabilizao das metas

    (indicadores)

    Comits constitudos e planos de interveno pactuados;

    Projetos de adequao d o s a m b i e n t e s e mobilirio;

    Equipe de referncia, atuando no referencial da clnica ampliada;

    Projetos e instrumentos desenvolv idos para facilitar a comunicao e informao sobre servios e direitos dos usurios (informaes visuais sobre funcionamento dos servios, crachs, placas de identificao nos leitos, cartilhas, boletins, documentos-guia sobre os direitos e normas do servio);

    Ouvidoria ou servios estruturados para escuta e avaliao dos usurios e acompanhantes;

    Pesquisas de opinio sobre a proposta de acompanhantes na internao.

    Hospital funcionando com direito a acompanhante e com visita aberta (normas institucionalizadas);

    Espaos fsicos e mobilirio (re)adequados, segu indo o conce i to re ferenc ia l de ambincia;

    Equipes multiprofiss ionais atuando com recursos que garantam vinculao e comunicao adequada com pacientes e acompanhantes (disponibilizao de informaes, horrios para conversas, esclarecimentos sobre procedimentos, etc.);

    Escalas de atribuies e horrios pactuados com profissionais/equipes para interlocuo com pacientes e acompanhantes;

    Material informativo disponibilizado regularmente em todos os locais de circulao dos usurios e acompanhantes;

    Aumento do grau de satisfao dos usurios e acompanhantes (avaliaes criteriosas)

    Avaliaes envolvendo equipes e estagirios do hospital, produzindo indicadores sobre os efeitos do hospital com acompanhante, na perspectiva tico-clnico-pedaggica;

    Avaliaes estabelecendo correlaes com reduo dos tempos de permanncia de internao.

    Incorporao efetiva na pauta/agenda da gesto ( p o s i c i o n a m e n t o d o gestor);

    Construo de uma agenda programtica: pactuaes de metas e aes, recursos, plano de acompanhamento;

    Reviso da concepo d e o r g a n i z a o e funcionamento do hospital;

    Estratgias de sensibilizao e p a c t u a o c o m a s categorias profissionais, conduzindo a discusso na perspectiva de equipe.

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    2.6 Sobre a Diretriz de Valorizao do Trabalho e Trabalhadores da Sade

    A diretriz de valorizao do trabalho e trabalhadores da sade incorpora as outras diretrizes e se amplia em diferentes sentidos, demarcados de forma mais aberta na matriz que se segue.

    Salientamos que essa diretriz deve permear ou transversalizar-se a todos os esforos institucionais que estejam sendo pensados para interferir na chamada precarizao do trabalho atual em sade. Por precarizao compreendem-se desde as situaes de instabilidade na forma de contratao e vnculos trabalhistas at as inadequaes das condies de trabalho e dos modelos de gesto autoritrios ou pouco participativos. A experincia de contato com os servios, bem como estudos atuais no campo da sade e trabalho, revelam um amplo conjunto de marcadores das precrias condies de emprego, trabalho e sade (e suas consequncias em indicadores de adoecimento, afastamentos, absentesmos, rotatividade, desmotivao, insatisfao e sofrimento), no sendo possvel que esse tema fique de fora das discusses locais (a ser tratado como pauta de gesto). Tambm so as experincias concretas que tm mostrado que, ao se tentar deixar de fora a discusso dessas questes, perde-se a oportunidade de contar com o potencial de disponibilidade dos trabalhadores, fragilizando ou inviabilizando movimentos de aliana para mudanas.

    Quadro 5 Matriz de Indicadores Valorizao do Trabalho e Trabalhadores da Sade

    DIRETRIZ: VALORIZAO DO TRABALHO E TRABALHADORES DA SADE

    Constituio de espaos/oportunidades sistemticas para anlises coletivas do trabalho, com participao ativa dos trabalhadores, buscando a corresponsabilizao com as avaliaes e tambm com as propostas que sejam deliberadas como viveis.

    MBITOS DE EFEITOS ESPERADOS

    Corresponsabilizao; ampliao do grau de comunicao entre sujeitos/equipes/gestores; protagonismo e autonomia dos trabalhadores (levando em conta os diferentes fatores intervenientes nas relaes estabelecidas com o processo produtivo).

    I n d i c a d o r e s d e implementao de aes

    (e de dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados

    Pressupostos para viabilizao das metas (indicadores)

    Reafirmao de dispositivos de cogesto, com participao efetiva dos trabalhadores. Exemplos: mesas locais de negociao permanente; instncias locais de anlises e intervenes (CIPAs e outros tipos de comisses de sade);

    Espaos coletivos institudos e com func ionamento sistemtico, efetivo (agenda regular, pautas, metas, etc.);

    Enfatiza-se especialmente a disponibilidade de gestores e trabalhadores para construir viabilidade para mudana do modelo institucional de gesto, afirmando a cogesto como princpio tico, esttico e poltico.

    continua..

    Indicadores de implementao de aes (e de dispositivos)

    Indicadores de resultados esperados

    Pressupostos para viabi l izao das metas (indicadores)

    Pautas sistemticas de anlise das condies de trabalho, sistematizando indicadores locais ilustrativos dos ambientes e cargas/riscos de trabalho, perfil de morbidade dos trabalhadores, a f a s t a m e n t o s , a b s e n t e s m o s , rotatividade, discutindo suas causas e fomentando intervenes;

    Pautas especficas de discusso sobre avaliaes de desempenho, no apenas reproduzindo a lgica restrita de produtividade, mas compondo com os trabalhadores metas, critrios e parmetros que atendam ao trplice interesse institucional (usurios, gestores e trabalhadores);

    Pautas especficas para discusso de diferentes tipos de incentivos que possam ser negociados e atrelados aos resultados coletivos do trabalho;

    Planos de qualificao (educao permanente).

    Avaliaes com enfoques e m i n d i c a d o r e s q u e demonstrem alteraes quanto horizontalizao das relaes, (re)distribuio de poder intrainstitucional, capacidade de promover pertencimento, grau de satisfao, reduo dos casos indicativos de sofrimento e afastamentos devido s condies de trabalho (e indicadores afins).

    ...continuao

    2.7 Planejamento e Acompanhamento Avaliativo na Lgica de Contratos de Gesto

    Os contratos internos de gesto so compreendidos como dispositivos no contexto da cogesto e na perspectiva da humanizao como interveno nas prticas de ateno e gesto em sade. Devem ser entendidos como campo de negociao e acordo entre partes; como dispositivos de dilogo e contratao de compromissos e responsabilidades, em torno de objetivos e metas afinadas com as necessidades das partes que negociam/pactuam. Considera-se especialmente o que se refere ao seu potencial de propiciar interaes, de colocar sujeitos/equipes em interlocuo para construir mudanas, gerando novos padres de relao e comunicao no mbito das organizaes/servios de sade. Campos (2006) reafirma o conceito de contrato social no sentido de estabelecimento de novas relaes que alteram regras, leis e comportamentos segundo um acordo bem explicitado. Considera que nessa perspectiva o contrato significa ou aponta para uma formao de compromisso entre sujeitos.

    Algumas experincias analisadas atestam o potencial dos contratos de gesto em sua capacidade de promover mudanas institucionais (SANTOS FILHO; FIGUEIREDO, 2009). O prprio ato de implementao dos contratos induz transformao nas relaes de

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    trabalho, promovendo corresponsabilizao entre os sujeitos/equipes, com valorizao dos trabalhadores e formao de redes de compromisso para melhoria da ateno. Podem assim ser considerados dispositivos/instrumentos potentes para a pactuao de metas e avaliaes participativas, produzindo efeitos na organizao e relaes de trabalho e aumentando a eficincia e a eficcia institucional.

    2.8 Desafios para Incorporao da PNH na Pauta da Gesto dos Servios

    A PNH pode ser compreendida como um conjunto de princpios e instrumentos que pretendem influir na qualidade dos servios de sade. Por essa via de compreenso, pode no somente interferir em padres de qualidade, como tambm estimular a discusso sobre a concepo de qualidade. Nessa direo, a qualidade precisa englobar mudanas em diversos mbitos, abarcando desde a organizao e as relaes institucionais de trabalho at as caractersticas/condies da prestao de servios e dos produtos oferecidos populao (para resultar em servios resolutivos, teis, conforme as necessidades dos usurios Santos Filho, 2009).

    Esses mbitos de qualidade remetem-se ao que se compreende na PNH como mbitos inseparveis de gesto e ateno em sade. So, portanto, objetos/pautas que precisam ser assumidas pelas equipes gestoras, em aliana com os usurios e trabalhadores (estes tambm sempre gestores de seu fazer cotidiano), para propiciar mudanas no trabalho. Nessa perspectiva a PNH age/intervm buscando fomentar essas alianas, fortalecendo as relaes, no referencial da trplice incluso: dos trabalhadores, gestores e usurios.

    Para atrair o interesse desses atores necessrio que a PNH se apresente e se institua em uma dimenso de planificao (incluindo acompanhamento avaliativo), explicitando objetivos e metas afinadas com os mltiplos interesses institucionais. Considerar mltiplos interesses significa compreender que usurios e trabalhadores/gestores ocupam o mesmo mbito de importncia (como protagonistas) na organizao do servio (no processo de produo de sade), tornando-se estratgica a postura de escuta atenta e respeitosa desses atores, promovendo e fortalecendo sua incluso/participao.

    Consideramos que o ato de escuta, planejamento, execuo e avaliao de aes/processos deve constituir um movimento inseparvel, sempre com o carter de avaliar coletivamente para produzir sinais indicativos dos rumos que precisam ser redirecionados. E consideramos que a induo desse movimento, ou da articulao desse movimento, uma atribuio essencial da PNH (como interveno nos modos de fazer) e entendemos que esse exerccio que pode ajudar na consolidao da Poltica no cotidiano de trabalho.

    Ao se planejar a incorporao da PNH ao mbito dos servios, deve-se atentar para a articulao de metas que reflitam esses movimentos estratgicos e os efeitos que se esperam deles. Assim, demarca-se a racionalidade de potenciais resultados da Poltica, seguindo-se fielmente seus eixos referenciais sustentados pelas perspectivas tica, esttica e poltica.

    Referncias

    BRASIL. Ministrio da Sade. HumanizaSUS: documento base para gestores etrabalhadores do SUS. 4. ed. Braslia: Ministrio da Sade, 2008.

    CAMPOS, G. W. S. Clnica e sade coletiva compartilhadas: teoria Paidia e reformulao ampliada do trabalho em sade. In: CAMPOS, G. W. S et al. (Orgs.). Tratado de sade coletiva. So Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

    SANTOS FILHO, S. B. Monitoramento e avaliao na Poltica Nacional de Humanizao da Ateno e Gesto em Sade: manual com eixos avaliativos e indicadores de referncia. Braslia: Ministrio da Sade, 2006.

    SANTOS FILHO, S. B. Perspectivas da avaliao na Poltica Nacional de Humanizao: aspectos conceituais e metodolgicos. Revista Cincia e Sade Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 999-1010, 2007.

    SANTOS FILHO, S. B. Avaliao e humanizao em sade: aproximaes metodolgicas. Iju: Uniju, 2009.

    SANTOS FILHO, S. B.; FIGUEIREDO, V. O. N. Contratos internos de gesto no contexto da Poltica de Humanizao: experimentando uma metodologia no referencial da cogesto. Interface: Comunicao, Sade, Educao, So Paulo, v. 13, supl.I, p. 615-26, 2009.

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    2928Drio Frederico Pasche1

    Pistas metodolgicas para se avanar

    na humanizao dos hospitais no Brasil

    3

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    Resumo

    O artigo tem por objetivo indicar orientaes gerais para a produo de mudanas nos hospitais da rede SUS, tomando por referncia a Poltica Nacional de Humanizao (PNH), notadamente seu Mtodo da Trplice Incluso. Sem desconhecer o peso e a fora de desafios macropolticos, como o insuficiente e inadequado financiamento dos hospitais, o artigo parte da necessidade de se superar a tradicional estrutura organizacional dos hospitais, a qual produz relaes de poder muito desiguais e assimtricas, que repercutem na qualidade da assistncia e na dinmica da organizao do trabalho. Nessa direo, so apresentadas quatro pistas metodolgicas, as quais apontam para uma ao no contexto hospitalar na busca da construo de experincias inovadoras que assegurem maior estabilidade s mudanas, acionando processos coletivos e participativos, como sugere o mtodo da Poltica de Humanizao.

    Palavras-chave:

    Humanizao da Assistncia; Sistema nico de Sade; Poltica Nacional de Humanizao; Mtodo da Trplice Incluso; Administrao Hospitalar; Assistncia hospitalar.

    3.1 Introduo

    Este artigo apresenta algumas linhas gerais para a produo de mudanas nos hospitais brasileiros, considerando ofertas e orientaes da Poltica Nacional de Humanizao (PNH), bem como algumas reflexes e proposies inovadoras destacadas na literatura nacional. Nesta perspectiva, sero apresentadas algumas pistas metodolgicas para o enfrentamento de problemas como a perda de eficcia das prticas de cuidado e a insatisfao dos trabalhadores da sade, os quais emergem em grande parte da estrutura organizativa dos hospitais, produzindo relaes de trabalho e de poder assimtricas que desfavorecem o trabalho em equipe e a incluso de usurios nos processos de cuidado de si. Os hospitais so estruturas hipercomplexas e, alm de adotarem modos de organizao tradicional, com gesto verticalizada e pouco participativa, tm sido fortemente influenciados pela existncia de problemas e desafios macropolticos, notadamente a questo do financiamento, fazendo emergir a questo da sustentabilidade econmico-financeira dos hospitais na rede SUS. O artigo no se deteve a essa questo, por se compreender que a experimentao de novos modos de organizao que favoream a produo de consensos mais coletivos e plurais se, por um lado, pode ser favorecida por um aporte mais adequado de recursos, no depende, de outro lado, necessariamente da superao deste desafio para se tornar realidade.

    As pistas metodolgicas aqui apontadas, longe de se mostrarem recomendaes ou prescries, indicam uma direo para os processos de mudana nos hospitais do SUS, apresentando-se como um caminho, uma aposta com forte sentido tico-poltico, uma vez que tomam por pressuposto a necessidade da produo de mudanas com envolvimento e participao efetiva das pessoas, com as quais se busca produzir novos modos de gerir e cuidar e, ao mesmo tempo, realizar reposicionamentos subjetivos nos prprios sujeitos. A efetividade e sustentabilidade dos processos de mudanas dependem muito deste movimento, sem o qual as experincias mudancistas passam a depender de uma elite vanguardista, que uma vez afastada da gesto assistir, distncia, a captura da experincia pelas foras retrgradas que buscou superar.

    3.2 Poltica de Humanizao: novo modo de fazer gesto e cuidado em sade

    A Poltica Nacional de Humanizao (PNH) foi criada em 2003 com o objetivo de deflagrar um movimento no sistema e instituies de sade para a realizao de mudanas nos modos de gesto e nos modos de cuidar em sade, em consonncia com os pressupostos da humanizao explicitados nos princpios, diretrizes e mtodos da PNH (BRASIL, 2007), os quais sustentam a experimentao de dispositivos, mecanismos concretos de mudana (ESCSSIA, 2009).

    1 Enfermeiro, sanitarista, mestre e doutor em Sade Coletiva. Ex coordenador da PNH e Diretor do DAPES MS . Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

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    O tema da humanizao foi apontado como um dos desafios para o SUS na 11 Conferncia Nacional de Sade, realizada em 2000 (BRASIL, 2001). A emergncia deste tema na pauta e agenda do SUS trouxe um novo desafio-problema: qual sentido de humanizao sustentaria a renovao de prticas de gesto e de cuidado? E nesta direo, quais prticas poderiam ser apontadas como humanizadas? Assim, um primeiro desafio para a questo da humanizao na sade foi constituir um sentido para que ela pudesse ao mesmo tempo ser um qualificativo de prticas renovadas e uma direo tico-poltica para se promover um movimento no sistema de sade que indicasse certo modo de lidar com os desafios e problemas que ainda persistem no SUS e de se promover as mudanas necessrias.

    Benevides e Passos (2005) foram pioneiros na colocao desta problemtica e apontavam para a necessidade da PNH, como poltica pblica, realizar um duplo movimento: conceitual e metodolgico, explicitando-se os fundamentos desta poltica e seus modos de fazer que indicassem caminhos para a construo de novas prticas de gesto e de cuidado, pois um dos riscos apontados poca era fazer permanecer a humanizao como recurso discursivo, sem a indicao clara de prticas de humanizao.

    Fazia-se necessrio, ento, sair do conceito-sintoma para se tomar e lidar com aquilo que produz os problemas apontados tanto no campo da gesto como no do cuidado. Esta foi, desde sempre, a tarefa com que se incumbiu a PNH. E ela j indicativa de uma profunda inflexo quilo que mormente se atribui humanizao, em geral associada a atitudes e sentimentos de benevolncia, cordialidade, hospitalidade e interao harmoniosa entre sujeitos. Logo, o oposto disto seria imediatamente identificado como desumanizao. Permanecer nesta posio (identificao e enfrentamentos de sintomas de prticas de gesto e cuidado degradadas) significaria sustentar movimentos poltico-institucionais que no colocariam em questo os modos de organizao e de gesto dos servios de sade e, por consequncia, os modos de organizao do trabalho, os objetos da Poltica Nacional de Humanizao.

    Assim, quando no SUS se tomou a tarefa de humanizar as prticas de gesto e de cuidado pela PNH, no foi para combater prticas adjetivadas de desumanas, mas para afirmar a humanizao como um valor do cuidado e da gesto em sade. Valor que afirma uma nova tica: a de colocar em primeiro plano na gesto do trabalho e no cuidado em sade as pessoas, que implica em reconhecer seus diferentes interesses, desejos e necessidades e inclu-los nos processos de dilogo, negociao e construo de corresponsabilidade. Sujeitos que em relaes mais democrticas, sejam mais capazes esta uma importante aposta de compor planos comuns a partir de processos de negociao regidos pelo dilogo, ento recurso para se pr em evidncia o interesse pblico nas prticas de sade.

    Assim, toda dificuldade que o tema da humanizao coloca para as prticas de sade, a

    partir da PNH, do como fazer: como produzir as mudanas necessrias para qualificar as prticas de sade, segundo os princpios e o mtodo da PNH? Pode-se perceber que a pergunta no interroga sobre o que fazer, nem mesmo indica onde se deve chegar. Parte do como fazer. Esse um desvio que produzir na PNH sua mais importante contribuio para o SUS: humanizao um modo de fazer. E qual seria este modo de fazer?

    A Poltica Nacional de Humanizao tem sido construda seguindo princpios metodolgicos, que so a prpria expresso de um mtodo, que tem sido apresentado como inclusivo. Mtodo da Trplice Incluso: incluso dos sujeitos, dos coletivos e da perturbao que estas incluses produzem nos modos de governar os servios de sade e nas relaes clnicas. E essa ltima incluso se apresenta como a mais importante do ponto de vista tico: incluso da diferena, suportando-a e, ao mesmo tempo, tomando-a como principal fora-motor da produo de mudanas, que em ltima instncia, so nas atitudes e comportamentos das pessoas.

    Incluso, na perspectiva democrtica, significa acolher e incluir as diferenas, a diversidade. Diversidade da manifestao da pluralidade do humano na vida social. Incluir o que no sou eu, que em mim produz estranhamento e que provoca tanto o contentamento e a alegria, como mal-estar. Assim, pode-se perceber que a incluso produz movimentos ambguos, os quais precisam ser suportados e sustentados por prticas de gesto que tolerem o convvio da diferena.

    O principal efeito da incluso , ento, produzir perturbao e estranhamento nas prticas cotidianas de trabalho, pois da que nascem movimentos que fomentam mudanas, pois elas tendem a desestabilizar o que est dado. Tomar a perturbao da incluso, as tenses que a se produzem como matria-prima para a construo de modos de gesto afinados com interesses coletivos e prticas clnicas mais aproximadas das prticas de vida dos sujeitos que se singularizam nesta relao, o mtodo da PNH.

    A incluso do outro para diferir, para a produo do comum, necessita, todavia, ser orientada por premissas ticas, polticas e clnicas. E quais seriam estes pressupostos? Aqueles construdos e ratificados no processo de construo do SUS, como o direito sade, a universalidade e a equidade do acesso, a integralidade e a participao cidad, bem como aquilo que a sociedade brasileira ao longo da histria tem construdo como a base de sua ao social, como os valores da solidariedade, da cooperao, da justia e da no discriminao. A PNH, por sua vez, toma algumas diretrizes para orientar os processos de humanizao das prticas de cuidado e de gesto da PNH, que informam o sentido da incluso. Entre estas esto o acolhimento, a gesto democrtica, a clnica ampliada, a valorizao dos trabalhadores, a defesa dos direitos dos usurios e o fomento a redes sociais de produo de sade.

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    Incluir o outro, todavia, no um exerccio passivo, requerendo postura crtica daquilo que se traz para o encontro. Isso implica em assumir a posio de que toda relao produz tenses, as quais acolhidas e processadas definem o que ser formado como compromisso e contratado como tarefa, portanto o que ser aceito como legtimo.

    Nessa perspectiva, o mtodo da incluso no prope aderncia ingnua quilo que o outro traz desde sua experincia singular, mas em uma atitude generosa de acolher estas manifestaes para, imediatamente, confront-las com a multiplicidade das percepes, compreenses e afetos que se compem pela presena do outro, do coletivo. E isso pressupe a construo e substantivao de espaos coletivos que devem ser presididos pelo exerccio dialgico, que sustenta processos de negociao, de composio de contratos, considerando orientaes ticas, no caso, aquilo que desejvel como cuidado em sade.

    Humanizar as prticas de sade permite aos sujeitos a experimentao de outras perspectivas de construo de sua existncia, mais em lateralidade, em relao interativa com os outros, forjando a emergncia de subjetividades mais multirreferenciadas (PASCHE, 2005) e de novas atitudes que favoream a construo de novas realidades sociais, polticas, institucionais e clnicas, ou seja, da produo de novos sujeitos.

    Dessa forma, a qualificao do atendimento e a democratizao das relaes de trabalho os efeitos da PNH decorreriam de processos sistemticos de discusso das relaes que tm sido construdas no processo de cuidado/ateno, os quais sustentam determinadas atitudes e comportamentos na relao usurio/rede social com trabalhador/equipe de sade, e tambm na relao entre trabalhadores e gestores. Pr em anlise as relaes que se estabelecem entre os sujeitos, suas atitudes e as prticas sociais que da decorrem se apresenta como um poderoso recurso metodolgico cujo efeito mais uma aposta da PNH o reposicionamento subjetivo dos sujeitos, que de forma mais coletiva reconstroem relaes de poder, afeto e saber.

    Este reposicionamento tarefa sempre inconclusa ao mesmo tempo em que depende da capacidade das organizaes de sade de experimentar espaos coletivos (CAMPOS, 2000), ethos privilegiado do exerccio do mtodo da incluso, promove uma mudana cultural na organizao, que passa a tomar como inerente a seu modo de ao o exerccio compartilhado da anlise e tomada de deciso em espaos coletivos.

    3.3 Uma observao nada animadora: os hospitais so organizaes complexas e bastante resistentes s mudanas mas mudam: eis a notcia alvissareira

    Os hospitais so estruturas hipercomplexas e uma das instituies contemporneas mais impermeveis a mudanas (CAMPOS, 2008). Logo, mexer em sua organizao e em seus modos de gesto, tomando por princpio o mtodo da Poltica de Humanizao, uma tarefa que exige preparao e acompanhamento avaliativo (SANTOS-FILHO, 2009)

    A estrutura organizativa e a tradio gerencial dos hospitais brasileiros os tm tornado organizaes burocrticas, autoritrias e centralizadoras (CAMPOS; ARAJO; RATES, 2008). Estas caractersticas tm sido apontadas como relevantes na produo de uma srie de problemas, como a oferta de assistncia impessoal e fragmentada, a indefinio de vnculos entre usurios e profissionais, o que produz baixa responsabilizao e descompromisso, fragmentao do trabalho e insatisfao dos trabalhadores, e tambm dos usurios.

    A estas caractersticas tm sido agregados como problemas frequentes nos hospitais brasileiros a existncia de sistemas de gesto centralizados, com baixa participao dos trabalhadores; organizao do trabalho por categorias profissionais, o que dificulta o trabalho em equipe; segmentao do cuidado pela lgica da seo, da unidade, com fragmentao dos processos de trabalho. Alm disto, a estrutura interna de poder tem sido marcada pelo excessivo poder tcnico-burocrtico, em geral colonizado pela tradio mdica, que tem ao disciplinadora, de ordenamento e controle do conjunto dos processos de trabalho. Isso tem produzido relaes de trabalho bastante hierarquizadas, com diviso desigual do poder e, desta maneira, a vida cotidiana para os trabalhadores dos hospitais tem sido experimentada de forma bastante diversa, considerando a posio que se ocupa na estrutura organizativa do trabalho.

    Assim, o hospital produz e convive com relaes de poder que conformam uma realidade paradoxal, pois enquanto alguns so bem remunerados, outros nem tanto; para alguns os espaos de autonomia e liberdade so amplos, para outros maioria a fora do poder administrativo e seus instrumentos de controle e submisso so a principal forma de interao com a organizao.

    No bastasse isto, a relao com os usurios/pacientes e sua rede sociofamiliar tem sido marcada pela pouca participao destes na definio do cuidado, com restries importantes no acesso a informaes e mesmo aos profissionais, sobretudo mdicos.

    Outra caracterstica importante dos hospitais no Brasil sua grande liberdade e autonomia de insero nas redes/sistemas locorregionais de sade, no sendo infrequentes movimentos

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    de resistncia a processos de definio de corresponsabilidades nos territrios sanitrios. Nesta direo, no tem sido incomum no Brasil hospitais exercerem funes tipicamente gestoras, definindo clientela, modos de financiamento e ao no sistema de sade e sua rede de servios.

    Diante dessa complexa situao, as perspectivas de mudana nos hospitais impem a necessidade de se produzir planos de interveno que incidam sobre os elementos que decisivamente interferem na produo de seus principais problemas. Ou seja, necessrio o enfrentamento daquelas questes que efetivamente originam os problemas, notadamente sua arquitetura organizacional e seus arranjos de trabalho, que informam a sistemtica de definio de quem faz o que, para que e quem, e sob quais condies.

    Antes de se entrar nesta discusso necessrio dizer que algumas questes macropolticas, como o financiamento dos hospitais, no foram ainda totalmente resolvidas no SUS. E isso exigir, doravante, ateno especial de gestores e formuladores, pois a inverso do modelo de ateno sade exige o reposicionamento da funo e lugar dos hospitais na rede, processo j em curso no Brasil. Nesse sentido, fundamental que os hospitais tenham uma poltica adequada de financiamento a qual necessita superar a lgica ainda hegemnica de compra de servios sem contratualizao e baixa regulao. Essas questes, embora importantes, no sero tratadas de forma direta nas reflexes que seguem.

    Gasto Campos, no final dos anos 1990, publica um importante artigo: O anti-Taylor (CAMPOS, 1998), que estabelece um importante mote para a problematizao da gesto nas instituies de sade, sobretudo os hospitais, propondo a combinao entre um novo mtodo de governar e uma nova geometria para as organizaes de sade. Democracia institucional, produo de sujeitos mais livres e comprometidos, acionados e fazendo funcionar um dispositivo original: a roda. A partir de ento, temas como a gesto compartilhada do trabalho, a reconstruo da clnica, ampliao dos vnculos teraputicos e da responsabilizao, entre outros, so tratados de forma indita, questes que o autor desenvolve na sequncia em vrios textos, contedos que se encontram de forma articulada no livro Mtodo da Roda (CAMPOS, 2000).

    O contexto destas formulaes inclua-se naquilo que Gasto Campos havia anunciado como a reforma da reforma (CAMPOS, 1992). Que reforma seria esta e quais as suas direes? Buscar articular os servios de sade em rede sob a tica da gesto pblica; recriar/reinventar os servios de sade, democratizando-os e permitindo a expresso dos interesses e necessidades de trabalhadores e usurios, de tal forma que fosse possvel tornar as organizaes de sade ao mesmo tempo produtoras de valor de uso (de servios com utilidade para a sociedade) e se constiturem em espaos privilegiados de produo de novos sujeitos. Lanava a discusso, nesta via, sobre as finalidades das organizaes, que

    no se restringiam, como se advogava predominantemente, produo de servios e bens, incluindo entre seus fins a produo de sujeitos.

    As organizaes de sade passam a ser compreendidas, desta forma, tambm como mquinas de produo subjetiva (GUATARRI; ROLNIK, 2000), ou seja, exercem funo ontogentica: produzem gente. Isto faz compreender que determinados modos de gesto incidem diretamente na conformao de processos de subjetivao. Nesta perspectiva, uma gesto mais democrtica das organizaes, que desafia os sujeitos criao e ao uso de recursos dialgicos para a produo do comum, mais flexveis composio entre distintos interesses e necessidades, entre outros, tendem tambm a produzir sujeitos mais livres e autnomos, efeitos que se estendem para alm do local de trabalho, interferindo, ento, nas demais esferas da vida, incidindo sobre o conjunto das relaes socioafetivas dos sujeitos.

    Assim, as mudanas na gesto nas organizaes de sade no seriam motivadas apenas para conformar sujeitos mais aptos e eficazes produo de bens e servios, mas tambm por orientao tico-poltica: a gesto pode ser espao importante para a produo de novos sujeitos, mais livres, mais criativos, mais solidrios, mais capazes de se deslocarem de interesses imediatos, portanto mais capazes de suportar a existncia em contextos mais heterogneos, onde a expresso do humano como fora social e poltica mais diversa. A gesto teria, nesta direo, a capacidade de produzir sujeitos melhores.

    3.4 Humanizar os hospitais: algumas pistas desde a Poltica de Humanizao

    A problematizao dos modos de organizao dos servios de sade, dos hospitais em particular, sobretudo pelos efeitos negativos que produzem nos sujeitos e nas prticas de cuidado, tem propiciado a emergncia de novas concepes sobre a gesto em sade, que passa a ser compreendida como um campo de experimentao de novos processos de comunicao e de interao entre sujeitos, ampliando sua lateralidade na direo da construo de um plano comum de ao. Esse movimento tem favorecido a produo de uma srie de inovaes em toda a rede SUS como a introduo de mudanas da arquitetura dos servios de sade e a reorganizao de seus processos de trabalho.

    Essas experincias, diversas e heterogneas por certo, renem um conjunto de pressupostos tericos e metodolgicos, os quais podem ser compreendidos como princpios e diretrizes para uma gesto inovadora dos hospitais. Entre esses, tem ganhado destaque:

    A incluso das finalidades da instituio e/ou do setor/rea (seus objetivos finalsticos que legitimam e justificam sua existncia) nos processos de

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    reorganizao do trabalho dos profissionais e equipes, ampliando a construo de sentido s prticas de sade (afinal, se trabalha para qu?);

    A gesto compartilhada do trabalho envolvendo todos os sujeitos que compartilham situaes singulares de trabalho, o que favorece a recriao dos processos de gesto do trabalho a partir de definies mais coletivas sobre os modos de fazer e de organizar o trabalho;

    A horizontalizao da estrutura organizacional e, consequentemente, das relaes de poder (tendncia de achatamento das organizaes), e o acionamento da funo de matriciamento especializado como garantia de acesso aos trabalhadores das unidades/setores de referncias tcnicas;

    O entendimento de que todo trabalho em sade se sustenta em determinados modos de conversao (TEIXEIRA, 2003) e interao (PEDUZZI, 2001; 2007), que reafirmam ou retificam modos de comunicao mais ou menos potentes para a produo de trabalho em equipe;

    A compreenso de que as organizaes de sade conformam realidades hipercomplexas, produtoras de uma grande variabilidade de conexes internas invisveis e muitas vezes opacificadas, o que pressupe a necessidade de construo de linhas dialgicas e espaos coletivos para a produo de consensos internos;

    Tomar o adoecimento humano como fenmeno complexo, o que exige ao articulada e integrada entre mltiplos territrios de saberes e prticas;

    Acolher a diversidade, a pluralidade e a multiplicidade social e subjetiva dos sujeitos em relao como requisito e insumo para a composio de projetos teraputicos (no reduzir os sujeitos sua dimenso biolgica, nem tampouco infantiliz-los com atitudes piedosas e no acionadoras de sua potncia renormalizadora da vida);

    Compreender que a produo de sade se afirma como um projeto de produo e ampliao da autonomia com o outro (usurio, famlia, comunidade);

    Compreender que o cuidado em sade sempre singular e sua capacidade de produzir e qualificar a vida decorre da qualidade dos encontros entre os sujeitos.

    Essas compreenses tm orientado uma vasta gama de experincias na rede SUS, permitindo a emergncia de novas relaes sociais no trabalho, mais afirmativas do

    cuidado digno e de qualidade, valorizando o conjunto das profisses que compem o campo da sade.

    Na perspectiva da Poltica de Humanizao, a reorganizao da arquitetura das organizaes de sade e o reordenamento dos processos de trabalho e da ao dos hospitais na rede SUS deveriam decorrer desde a ativao e experimentao de processos coletivos, favorecendo a emergncia de novos sujeitos capazes de sustentar um conjunto de valores tico-polticos, os quais tomam concretude na forma de novas prticas de cuidado.

    Essa compreenso permite inferir que os problemas apontados como desumanizao dos e nos hospitais tm estreita relao com as formas de organizao e de gesto dos processos de trabalho, o que impe a necessria tarefa de alter-los. Nesta mesma direo, advoga-se que as mudanas que se apontam como necessrias nos hospitais sero mais efetivas e mais resolutivas se forem capazes de alterar a lgica da organizao do poder nas organizaes.

    Estas questes apontam para a necessidade de se produzir mudanas na gesto e modos de se organizar o trabalho nos hospitais, alterando-se tanto sua dinmica interna de funcionamento, como sua relao com os demais servios da rede de sade.

    Tomando a humanizao da sade como referncia para estas mudanas, algumas pistas metodolgicas podem ser apontadas na definio de estratgias para enfrentamento dos desafios da gesto hospitalar. Essas pistas se desdobram em quatro grandes linhas de interveno e como indicativo metodolgico para a ao no podem ser tomadas como suficientes e independentes de outras linhas de ao, a exemplo da gesto de custos, a adoo de programas de racionalizao do uso de insumos, entre outros.

    Todavia, considerando o marco tico-poltico da Poltica de Humanizao, o que se aponta a seguir so orientaes tico-polticas para a implementao de processos de mudana, pois afirmam (1) certo modo de se produzir mudanas, que aciona a lgica inclusiva e coletiva, portanto participativa e emancipatria e (2) consideram que a obteno de objetivos e metas institucionais indissocivel da produo de novos modos de subjetivao.

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    3.5 Quatro pistas metodolgicas para a humanizao dos hospitais da rede SUS

    3.5.1 Primeira pista: ampliar a experincia democrtica na gesto dos hospitais

    Esta primeira linha de mudana aponta como perspectiva utpica a organizao dos hospitais como redes de conversao que incluem o conjunto de seus operadores, fazendo do hospital uma grande gora, uma grande arena, onde trabalhadores, gestores e usurios discutem, analisam e decidem, considerando as pluralidades de seus interesses e necessidades sociais.

    Para tanto, necessrio enfrentar a estrutura e a lgica de organizao dos hospitais, sabidamente vertical e piramidal. Horizontalizar as estruturas hospitalares, com dissoluo/diminuio do peso e incidncia das estruturas poltico-administrativas que segregam e distanciam a gesto do cuidado, tem sido apontada como importante alternativa nessa direo (CAMPOS, 1998; 2000). Em outras palavras: achatar o organograma do hospital, aproximando a experincia de gesto aos espaos reais do cuidado, onde os processos de assistncia e cuidado ocorrem.

    Essa direo visa enfrentar uma forma tpica de organizao dos hospitais que tendem a definir os processos de organizao do trabalho em instncias meio, a exemplo do corpo clnico ou chefia de enfermagem, deslocando dos espaos reais de trabalho (as unidades de servio) a responsabilidade pela definio de quem faz o que, para que e quem e sob quais condies.

    Um dos efeitos dessa forma tradicional de organizao a baixa capacidade dos trabalhadores das diferentes profisses de compartilhar e produzir um campo comum a partir de suas distintas competncias, responsabilidades e tarefas. Isso porque em geral o trabalho em instituies piramidais normatizado pela interao instrumental entre seus agentes (PEDUZZI, 2007), o que conforma relaes de trabalho desde um agir competente que se aferra a padronizaes e normalizaes definidas alhures. Isso por sua vez, ratifica relaes de poder bastante desiguais no campo do cuidado, cuja lgica acaba por produzir relaes de subordinao bastante evidentes.

    Na mesma direo, uma mudana importante na organizao do trabalho pode ocorrer pela organizao de Unidades de Produo UP (CAMPOS, 1998). Unidades de produo articulam processos de trabalho em equipes, que so organizadas pela juno em funes e atividades, considerando determinados objetos de trabalho e os objetivos comuns como, por exemplo, uma unidade de pediatria, a porta de emergncia do hospital e assim por diante. Desde essas UPs se constroem dinmicas de cogesto, acionando-se processos de (1) compartilhamento de responsabilidades no trabalho, as quais so (2) estabelecidas por processos coletivos de anlises (da instituio, dos objetos de trabalho...) e tomada de

    deciso. O produto desse exerccio coletivo comparece em espaos de gesto que renem as demais UPs do hospital levados por seus coordenadores que assumem assim tanto (a) o papel de agenciador e articulador da equipe de trabalho, como (b) de gestor do hospital, pois participam de processo de tomada de decises da instituio.

    Unidades de Produo so uma das formas de exerccio da gesto do trabalho, atravs do acionamento de espaos coletivos, que so situaes provocadas (podendo ganhar maior ou menor formalizao nas instituies de sade) para a produo de encontros entre as pessoas, nos quais so produzidos acordos e contratos mais compartilhados sobre os modos de funcionamento das equipes e a organizao de suas ofertas assistenciais e de cuidado, as quais compem planos de ao, acompanhados e avaliados desde indicadores consensuados em contratos de gesto, entre outros.

    Uma maior experimentao coletiva na organizao do trabalho favorece tanto os trabalhadores que podem produzir, nessa dinmica, determinados modos de compartilhamento dos encargos sanitrios derivados da ao profissional e insero institucional, como para os usurios, uma vez que um modo mais coletivo de organizao do trabalho reflete em processos mais qualificados de dilogo e troca com os profissionais, favorecendo o acolhimento das necessidades dos usurios e sua rede sociofamiliar e a definio mais clara de corresponsabilidades com os profissionais e as equipes.

    3.5.2 Segunda pista: ampliar a experimentao de ao clnica mais compartilhada e corresponsabilizada entre os trabalhadores que se encontram em situao de trabalho.

    O trabalho em sade depende, sempre, de trabalho coletivo, em geral da ao de equipes de sade. Todavia, a organizao dos processos de trabalho no hospital obedece e guarda coerncia sua prpria lgica de funcionamento, sendo por ela determinados em grande medida. Assim, se a lgica que preside a instituio a hierarquizao piramidal, com segmentao do trabalho por corporaes e/ou setor de atendimento, o trabalho ser muito provavelmente regulado por relaes tambm hierrquicas, com predominncia de interaes dialgicas fracas e baseadas na comunicao instrumental, compartilhamento burocrtico de responsabilidades entre os profissionais, o que impe, quando muito, uma ao de equipe multiprofissional. Esse arranjo de trabalho faz com que muito embora os trabalhadores coabitem o mesmo espao de atuao e at compreendam a natureza interdependente de suas atividades, suas tarefas no necessariamente correspondero ao interdisciplinar, a qual pressupe padres de troca, interao e comunicao na direo da produo de ao comum, ultrapassando aquilo que est estabelecido antes da experincia concreta de trabalho.

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    Nessa perspectiva, bem provvel tambm que o ordenamento e disciplinamento do trabalho ocorram desde o poder/saber mdico, que tradicionalmente subordina os demais trabalhadores e profisses. Dessa forma, o trabalho mdico tende a presidir toda a organizao institucional inclusive colonizando a alta direo , ganhando papel de destaque e tornando-se, do ponto de vista simblico, a atividade mais importante e relevante.

    Essa forma de organizao do trabalho impe limites importantes ao em equipe. Melhor dizendo, conforma uma ao em equipe cujas caractersticas se aproximam muito daquilo que Marina Peduzzi (2007) chamou de equipe agrupamento, onde predomina a justaposio das aes, portanto com baixa conectividade entre as distintas atividades, pois o padro de comunicao restrito e se baseia em relaes pessoais aliceradas no sentimento de amizade e camaradagem.

    O trabalho em equipe um requisito fundamental para a efetividade das prticas de sade porque, entre outros, o adoecimento e os agravos so fenmenos hipercomplexos e a ampliao da eficcia das prticas de sade tende a ser proporcional capacidade de se promover olhares mltiplos sobre o caso, ou seja, depende da articulao e coordenao de um conjunto de ofertas tecnolgicas que se apresentam desde os distintos territrios de saberes e prticas de sade presentes no cotidiano do trabalho.

    Nessa perspectiva, no h, necessariamente, uma profisso ou territrio de saber/poder que tome, a priori, maior importncia que outro, sendo necessrio o acionamento de modalidade de trabalho grupal que ative mecanismos de agenciamento que permitam a construo de novas modalidades, comunicao e integrao favorecendo a produo de plano comum de ao. E o comum se reconhece na experincia, indicando que a construo concreta do trabalho em equipe decorre dessa experimentao, acompanhando as prticas efetivas, criando comunidade pelo efeito da partilha e do pertencimento. comum o que est instanciado na experincia a partir do pertencimento de cada um ao coletivo (PASCHE; PASSOS, 2010).

    Assim, para que o trabalho em equipe acontea se faz imprescindvel a construo de outro marco lgico para a regulao do trabalho, favorecendo a ao interdisciplinar, acionadora de maior cooperao e corresponsabilizao coletiva.

    O trabalho em equipe, alm de no ser espontneo, no ocorre de forma generalizada na organizao. Se no alar lugar de diretriz de gesto no encontra, na justaposio das profisses, seu reconhecimento como tecnologia potente para a produo de sade. O trabalho coletivo em sade se estabelece por processos de negociao e experimentao e, nessa medida, jamais ser igual em todos os hospitais, assumindo caractersticas

    impostas pela cultura organizacional e o grau de disposio e/ou reatividade das equipes incorporao de inovaes nos arranjos de trabalho.

    Trabalho em equipe pressupe saber-fazer comum, fazer com (o outro), pois os diferentes saberes profissionais, isoladamente, no so capazes de operar com eficcia sobre zonas de no saber, no se fazendo aptos e competentes para lidar com os furos do trabalho, inexoravelmente presente na atividade como nos aponta Ives Schwartz (1998). Segundo esse autor, o agir competente pressupe, entre outros, a construo de ao profissional e de equipe que contempla (1) a apropriao do saber protocolar (aquilo que est inscrito como regra, que se funda na tradio cientfica); (2) a incorporao dos saberes da experincia, pois o trabalho um exerccio de gerir variveis diversas e resolver problemas que se apresentam invariavelmente no fazer, na atividade; e (3) competncia para articular o saber protocolar com situaes que so singulares, ou seja, que escapam ao regramento dos protocolos, o que exige do trabalhador realizar ajustamentos felizes entre o caso, a pessoa e seu pedido e as definies regulamentadas em protocolos e medidas administrativas.

    Alm disso, nos alerta Schwartz, para se realizar essa complexa operao necessrio gerir e criar sinergias entre individualidades e coletivos de trabalho, ou seja, a criao de um agir coletivo. A sinergia de coletivos de trabalho tecida em pequenas negociaes cotidianas que vo se constituindo em situaes reais de trabalho, realizando um projeto em comum. E essa sinergia se refere a laos que se tecem no viver comum, a partir do compartilhamento de objetivos e valores em uma permanente construo e reconstruo, o que possibilita a construo de espaos de gesto coletiva do trabalho.

    A experincia cotidiana dos encontros no trabalho vai tecendo laos que constroem entre si os agentes que se propem a realizar, voluntariamente, uma obra comum. Esses laos so os que permitem a reinveno do trabalho, preenchendo aquilo que ainda no est prescrito para ser feito (os furos). Ou seja, como inexoravelmente a vida teima em se expressar tambm por aquilo que no est regulado (fora contnua de renormalizao da vida), ser sempre necessrio que o trabalhador preencha os furos, cuja capacidade ser maior quanto melhor for a experincia de organizao coletiva do trabalho, porque nela est incluso o compartilhamento e o agenciamento de saberes que ultrapassam o estabelecido em cdigos e regramentos.

    Assim, os trabalhadores constroem conhecimentos singulares na experincia cotidiana do trabalho e lanam mo deles para lidar com aquilo que no foi prescrito, ou seja, com aquilo que aparece como varivel no cotidiano do trabalho. A produo e o compartilhamento cotidiano dos saberes coemergentes que podem transformar a ao dos profissionais em um trabalho em equipe dotado de agir competente.

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    De outra parte o trabalho em equipe pressupe, conforme Peduzzi (2007), ao reflexiva sobre a organizao do trabalho, com arguio sobre as desigualdades do trabalho especializado, ou seja, sobre os valores e normas sociais que hierarquizam moralmente as diferenas tcnicas entre as profisses, colocando algumas como superiores a outras, o que estabelece relaes de subordinao entre os profissionais. Essa construo crtica uma estratgia para dar passagem a uma experincia mais coletiva de trabalho, cujas construes permitiro (1) o estabelecimento de processos de comunicao intrnsecos ao trabalho, com a elaborao conjunta de linguagens, objetivos, propostas comuns; (2) a construo de projeto assistencial comum, integrando os distintos saberes dos membros da equipe, ou seja, (3) o trabalho em equipe parte e considera a existncia de diferenas tcnicas e especificidades entre as reas e profisses, as quais dizem respeito s especializaes dos saberes e das intervenes, que se apresentam como mltiplas possibilidades de contribuio para a qualificao das respostas tcnicas e dos servios prestados. O reconhecimento das diferenas tcnicas sem subordinao por ordem moral permitir (4) a flexibilizao da diviso social e tcnica do trabalho, garantindo a coexistncia de aes privativas das respectivas reas profissionais e aes que so executadas indistintamente por agentes de diferentes campos de atuao, pois considera como componente essencial do trabalho em equipe a (5) autonomi