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CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO PGT/CCR/2401/2008 Interessados: GRT/Volta Redonda e Cervejaria Cintra Indústria e Comércio Ltda. Assunto: Ilicitude em Convenção Coletiva de Trabalho
Quando existir conflito entre o princípio da indisponibilidade e outros princípios, verbi gratia os da materialidade, da relevância, da razoabilidade, da proporcionalidade, da repercussão social e outros assemelhados, é indispensável que conste da fundamentação, na promoção de arquivamento, a ponderação de uma hierarquia axiológica móvel, que significa não ser abstrata, isto é, sem fixação de valor hierárquico e permanente para os dois princípios rivais, e sim concretizada para a hipótese apreciada e válida para os casos semelhantes, em atenção ao princípio da igualdade.
Relatório
Integra-se para efeito de relatório o quanto aduzido na
reiteração de promoção de arquivamento que se encontra às
folhas 38/43 da lavra do ilustre Procurador do Trabalho Marco
Antonio Sevidanes da Matta.
Para maior clareza da proposta de voto, observe-se que a
Câmara de Coordenação e Revisão, em sua 158ª Reunião Ordinária,
por unanimidade resolveu não homologar a anterior promoção de
arquivamento fixando os seguintes pontos, verbatim:
“Cediço que somente na lacuna da lei é que se mostra possível a criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Nisso se estabelece o limite jurídico objetivo para validade e eficácia das normas autônomas coletivas. A possibilidade “de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, somente encontra respaldo se “elevam o patamar setorial de direitos trabalhistas, em comparação com o padrão geral imperativo existente”. (DELGADO, Maurício Godinho, Curso de direito do trabalho, São Paulo: LTr, 2003, pág. 1362). (...) Assim sendo, por um lado, ainda que não haja prejuízo ao trabalhador o recebimento do vale-transporte em dinheiro, conforme obtemperou, com razoabilidade, o Procurador Oficiante, o certo é que é vedado ao “empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento”, por outro, como forma de preservar o princípio da unidade, que sofreria séria vulneração caso viesse a ser invocado, pela defesa em ação civil pública ou anulatória, um precedente da Câmara de Coordenação e Revisão diametralmente oposto ao entendimento do Órgão agente, eventual titular daquelas ações. Isto posto, entende este órgão revisor que não é a ausência de violação a “direito fundamental do trabalhador” a motivação da atuação do MPT, mas sim o papel que exerce enquanto fiscal da lei, consagrado pelo texto da Constituição.”
Preliminarmente
O primeiro parágrafo em que se pretende, na Promoção,
tratar do mérito que lastreou a determinação de devolução do
procedimento à origem, localizado às folhas 38/39, não alcança
ultrapassar uma questão preliminar, que é justamente a fixação
da natureza, vinculativa ou não, da decisão da Câmara de
Coordenação e Revisão.
A redação do entelado parágrafo, depois da afirmação de
que se atua como “membro oficiante ordinário do MPT, revestido,
destarte, de independência funcional”, está assim externada ad
litteris et verbis:
“Nessas condições, e agora adentrando o mérito da questão posta nos autos, minha convicção como membro oficiante do MPT no Ofício de Volta Redonda, com a devida vênia por divergir da fundamentada posição da E. CCR, é exatamente a mesma esposada pelo órgão originalmente oficiante (o Exmo. Dr. Sandro Henrique), assumindo como meus todos os fundamentos fáticos e jurídicos lançados em seu Relatório às fls. 21/22.”
De golpe é possível detectar no excerto transcrito duas
constatações que, mesmo não tendo unidade lógica obrigatória,
funcionam na hipótese como face de uma só moeda: (1)
divergência com a fundamentação da Câmara de Coordenação e
Revisão; (2) ratificação de “todos os fundamentos fáticos e
jurídicos” lançados no primeiro relatório de arquivamento e não
homologado por este Colegiado.
Se a primeira condição é necessária – a discordância –
quando somada à segunda – ratificação dos fundamentos
anteriores – são suficientes, e ao contrário do que se pretende
consagrar na Promoção, para excepcionar a regra de exclusão
prevista no § 4º, do artigo 9º, da Lei 7.347/85,
Isto porque a ratio da norma é afastar o membro que, ao
colher os elementos que constam dos autos do procedimento,
tenha formado convicção contrária à propositura da ação, não
abrangendo aquele que, apenas teoricamente, aderiu a “todos os
fundamentos fáticos e jurídicos” lançados no primeiro
relatório.
Retratado “o objeto mediato do inquérito civil” “pelo grau
de convicção do representante do Ministério Público como
decorrência da produção dos elementos de prova que possam
respaldar a ação civil pública” (CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Lumens, 2007, p. 260), é esta
certeza formada na geração dos elementos que, quando negativa,
deve ser protegida pela regra de exclusão da norma de regência.
Essa objetividade, o grau de convicção forjado na
investigação ou, segundo o texto do Ato Normativo que
disciplina o inquérito civil do Ministério Público de São Paulo
(nº 484-CPJ, de 5 de outubro de 2006), “a formação (não ideação) de
convicção para o exercício responsável do direito responsável
de ação”, não alcança a subjetividade de uma adesão teórica à
promoção de arquivamento anteriormente não homologada, como
acertadamente já decidiu, dentro da sua anterior atribuição e
mutatis mutandi, o Conselho Superior do Ministério Público do
Trabalho em voto da lavra do Relator Edson Braz da Silva
(PGT/CS/PP nº 3703/2005), litteram:
“EMENTA - NÃO HOMOLOGAÇÃO DO ARQUIVAMENTO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. SUCESSIVAS REDISTRIBUIÇÕES. NEGATIVA DE ATUAÇÃO. DESIGNAÇÃO PELO CSMPT. Quando o CSMPT deixar de homologar a promoção de arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças de arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas e, no retorno dos autos à origem, houver sucessivas redistribuições, em decorrência de negativa de atuação, toca ao próprio CSMPT designar o Procurador que prosseguirá com as investigações ou ajuizará a ação civil pública (artigo
9º,§ 4º, da Lei 7347/1985). Nesse caso, a designação deve recair sobre a quem o procedimento foi redistribuído em primeiro lugar.” (sem negrito no original)
Da mesma pena, e ainda com maior acerto para o caso
concreto, a decisão tomada no PGT/CS/nº 6511/2004, verbis:
EMENTA – ARQUIVAMENTO NÃO HOMOLOGADO PELO CSMPT – ATUAÇÃO COMPULSÓRIA DO NOVO PROCURADOR DESIGNADO EM SUBSTITUIÇÃO AO SIGNATÁRIO DA PROPOSTA DE ARQUIVAMENTO REJEITADA. Quando o CSMPT, no exercício do poder revisional da atuação institucional (art. 9º §§ 3º e 4º da Lei nº 7.347/85, deixar de homologar a promoção de arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas e determinar o prosseguimento das investigações ou propositura da ação civil pública, o novo Procurador que receber o feito por designação ou por distribuição, segundo as regras de sua Regional, não poderá escusar-se ao cumprimento dessa deliberação, salvo se invocar fato novo ou tecer nova argumentação e que não foram anteriormente considerados no julgamento do CSMPT. (sem negrito no original)
Para evitar novas discussões formais idênticas e, ao
mesmo tempo, perseverar no respeito pela organização regional,
a Câmara de Coordenação e Revisão passou recentemente a adotar
na hipótese a seguinte deliberação, num primeiro momento
abstrata, de designação:
“Pelas razões expostas, a proposta de voto é pela não homologação da promoção de arquivamento, com devolução dos autos à origem para prosseguimento, como se entender de direito, deixando de designar membro específico para atuação (inciso II, artigo 10, da Resolução nº 69/2007), em respeito à autonomia organizacional da Regional, preservando-se, porém, o caráter de delegação deste ato, ainda que abstrata, que será individualizada no membro a quem couber oficiar no procedimento segundo os parâmetros regionais.” (PGT/CCR/1807/2008)
Por essa razão, ciente agora da distribuição
ocorrida, e segundo as suas regras, no Ofício de Volta Redonda,
proponho designar o Procurador Marco Antonio Sevinades da Matta
para oficiar no presente procedimento.
V o t o
A rigor, o mérito deveria se exaurir na devolução, com
designação formal, do presente procedimento ao ilustre
Procurador antes mencionado.
Não obstante, por ser a Câmara de Coordenação e Revisão um
órgão de integração das diferentes perspectivas hermenêuticas
(inciso III, artigo 103, LC 75/93), não é excessivo reafirmar,
aprofundando, os fundamentos porque mantém seu posicionamento
mesmo após a ciência, ou por causa deles, dos fundamentos da
Promoção.
O primeiro registro que se encontra, efetivamente, quanto
ao mérito da negativa de homologação na manifestação ora em
exame contém como premissa a subordinação da regra que trata do
auxílio transporte – o artigo 5º, do Decreto nº 95.247/1987 –
ao princípio que vem a ser nominado como o da materialidade.
Consta expressamente da promoção de arquivamento que “o
pagamento de auxílio transporte em dinheiro não se reveste de
materialidade suficiente a ensejar lesão significativa aos
direitos fundamentais”.
É possível no texto identificar o princípio da
materialidade como uma exteriorização sintética de outros
princípios também mencionados em outros pontos da Promoção,
como o da relevância, o da razoabilidade e o da
proporcionalidade.
E todos destacados, com ênfase nos dois últimos, para que
se “considere a falha verificada como desprovida de potencial
lesivo à coletividade de trabalhadores” (fl. 39)
Na Promoção “falha” significa e sem eufemismo, por um
lado, o desrespeito pela investigada à citada regra, e, por
outro lado, preconizar a inércia do parquet trabalhista em
razão de ser o ilícito trabalhista - na muito razoável opinião
do Procurador oficiante e mesmo após ter sido reconhecido o
desrespeito à regra do Decreto nº 95.247/1987 - “inábil a
operar repercussão social significativa”.
Para assim concluir, todavia, é preciso dar como resolvido
várias e tormentosas questões.
A primeira delas pode ser mais bem compreendida com
recurso a doutrina de Clauss-Wilhelm Canaris (Pensamento
sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Calouste: Lisboa,
1989, p. 80) a quem, certamente, ninguém munido de boa informação
jurídica negaria legitimidade para comparecer nesse debate,
verbo pro verbo:
“Em primeiro lugar, não é de imediato evidente que o sistema deva justamente ser composto de princípios. Põe-se antes a questão de saber se não poderia depender de outros elementos ‘gerais’, como por exemplo, de normas, conceitos, institutos jurídicos ou valores.”
Não seria correto superar a questão, a não evidência da
necessidade da composição do sistema com princípios, com
referência àqueles que estão implícitos, tão facilmente apenas
fazendo recordar que a obra do autor citado situa-se como uma
das pioneiras no estudo da possibilidade teórica das
contradições no sistema jurídico, porque é exatamente disso
que, no substancial, se trata: o modo de organizar as normas,
gênero composto das espécies princípios, conceitos, institutos
jurídicos, valores e regras, no interior do sistema jurídico.
Nas precisas palavras da doutrina (PALOMBELA, Gianluigi.
Filosofia del derecho, Madrid: Tecnos, 1999, p. 233), ipssima verba:
“Como ya se ha señalado, en muchos ordenamientos se recogen normas
sobre la interpretación tendentes a regular jerárquicamente el recurso a
los diversos métodos interpretativos. Sin embargo, esta disciplina
termina siendo ampliamente elástica em la actividade de los jueces,
como de los juristas em general, de modo que el pluralismo (abierto, no
necessariamente ordenado) metodológico sigue siendo uma indiscutible
realidad de la interpretación.”
A hierarquia mencionada na citação faz com que outra
questão venha à tona, com importante ramificação na perspectiva
democrática quando não se afasta, tão imediatamente como se
pretende, a divergência sobre a prevalência dos princípios na
formação do sistema jurídico, premissa que foi assentada com
desassombro pelo ilustre Procurador oficiante escudado, e bem,
na moderna hermenêutica constitucional, a chamada concepção
“normativa” da Constituição.
Recordando que a base da democracia, sistema político que
os membros do ministério público têm a incumbência de defender
(artigo 127 da CR), “é a soberania popular, e que
constitucionalmente é limitação de poder – toda limitação
pressupõe controle. Assim, temos um curto circuito democrático:
todos podemos nos dar a lei que quisermos, desde que assim os
permitam os juízes (rectius: membros do parquet); todos controlamos
os governantes, desde que estes governantes, em sentido amplo,
não sejam juízes (rectius: idem), cujo único controle é sua
consciência” (MENDONÇA, José Vicente Santos de, Ulisses e o superego:
novas críticas à legitimidade democrática do controle judicial de
constitucionalidade.Revista de Direito do Estado. Jul/set, 2007, p. 84)
A última expressão, que na realidade teve uma redação algo
diversa - “é o único juiz da sua própria autoridade” -
atribuída por Inocêncio Mártires Coelho a Rui Barbosa (As idéias
de Peter Häberle e a abertura da interpretação constitucional e no direito
brasileiro. Revista de Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, nº
4, p. 198)), é bem conhecida para, e pelo, o Ministério Público
brasileiro sob fórmula semelhante – os membros submetem-se
apenas à sua consciência e a lei (por todos CARNEIRO, Paulo Cezar
Pinheiro. O Ministério público no processo civil e penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1995, p. 46) – e dá ânimo para prosseguir - ainda que
torne mais longa a proposta de voto e, pior, continue a
perturbar, com intervenções não autorizadas - a citação (ibidem, p.
99), ipsis litteris:
“A incorporação de argumentos morais escancara o paternalismo juridiciário, e, de quebra, imuniza a decisão judicial (rectius: do parquet), contra qualquer crítica. Além disso, libera o Judiciário (rectius: MP) de qualquer vinculação legal que viesse a garantir sua sintonia com a vontade popular. Pode acontecer que uma decisão judicial (rectius: ministerial) fundamentada em valores recorra a “princípios implícitos” (rectius: como o da materialidade), que ‘decorram do sistema’ para decidir o caso em contrariedade com alguma regra escrita (rectius: a do artigo 5º, do Decreto nº 95.247/1987). Acontece que as leis não são um obstáculo à ascensão de uma prática judicial (rectius: ministerial) transformadora; as leis não são um óbice chato e ultrapassado ao triunfo da dogmática pós-positivista. Na expressão de Wladron, há dignidade na legislação. Leis são tão dignas quanto o povo e o processo democrático que as tornou possíveis.” (sem negrito no original)
Não há como, nesse ponto, evitar a menção à doutrina do
ativismo judicial, que se inspira no valor da congruência do
Direito com a “consciência social”, por vezes a uma metaética
utilitarista, a tarefa dos juízes, ou do aplicador da lei, é
favorecer a melhor distribuição possível de alguns recursos, em
outras palavras e para o contexto deste procedimento, permitir
a “livre escolha” por parte dos membros do ministério público
de quais são regras que merecem proteção.
Nesse prisma, reflete a doutrina que “el limite de las
‘metafísicas’ no está em su ser no-significante (pues por el
contrario poseen un sentido y se halla así, como los juicios
éticos, los valores, ampliamente extendido y practicado), sino
en no ser sometibles a las condiciones de control de la
ciência”, reflexão que é seguida pela jurisprudência, verbis:
“As duas tentações que podem rondar o julgador e que devem ser repelidas para um correto exame da controvérsia são, primeiro, a consideração metajurídica das prioridades: ...” (RE nº 153.531-8, Redator para o Acórdão Ministro Marco Aurélio)
Como se vê estas são outras questões tormentosas, todas
interligadas – prevalência dos princípios na formação do
sistema jurídico e dificuldade de serem controlados – que estão
longe de serem superadas tão facilmente, tal como a outra antes
posta, o da composição do sistema jurídico com princípios
jurídicos, como o da materialidade, implícitos.
Ronaldo Dworkin, “expoente principal da distinção regra-
princípio” (Alexander, Larry e Kess, Kenneth. Op. cit. p. 423), que
preconizou a saída das regras dos sistemas jurídicos deixando
campo para os princípios, e por isso é apontado como um neo-
justanaturalista, ao contrário de comparecer em auxílio da
fundamentação contida na Promoção, aumenta a complexidade do
debate, ao mencionar que “palavras como ‘razoável’,
‘negligente’, ‘injusto’ e ‘significativo’ desempenham
freqüentemente” uma dupla função: “do ponto de vista lógico,
como uma regra”, “do ponto de vista substantivo, como um
princípio” (Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
p. 45).
Em síntese, para Dworkin, “às vezes, regras ou princípios
podem desempenhar papéis bastante semelhantes e a diferença
entre eles reduz-se quase a uma questão de forma”. (idem, p. 44)
Tampouco é fácil, ainda sem abandonar a perspectiva
democrática inscrita no caput do artigo 1º da Constituição da
República, afirmar que os princípios citados, além de servirem
como critério para a compreensão das regras do sistema
jurídico, opinião agasalhada pela doutrina de Celso Antônio
Bandeira de Mello citada na Promoção, também são hábeis,
fixando esse operador deôntico, para inabilitar - pelo
solipsimo endêmico que parece vicejar no Ministério Público do
Trabalho com vigor extraordinário e, principalmente, com
repercussão teórica muito além do exame da eficácia social da
regra jurídica sobre vale transporte – o princípio da
indisponibilidade do agir ministerial.
Habilitar, ou com mais adequação para a hipótese
inabilitar à ação, significa a necessidade de racionalização do
que é escasso, e não há dúvida de que os recursos humanos e
materiais do Ministério Público do Trabalho “são limitados
frente à imensa gama de responsabilidade de atuação da
instituição”, como apontado na ratificação da promoção de
arquivamento.
“A dúvida está no como. Em tese, é perfeitamente possível,
mesmo em casos nem tão difíceis, chegar a duas conclusões
rigorosamente opostas, partindo-se do texto normativo, fazendo-
se referência a argumentos legislativos, teóricos
(doutrinários) e jurisprudenciais, e, dependendo da habilidade
de redação, ainda conquistar a adesão de uma audiência
informada e de boa-fé” (MENDONÇA, José Vicente Santos de. Op. cit. p.
93).
É fácil encontrar convergência de que é preciso
racionalizar os escassos recursos humanos e materiais do
parquet trabalhista, mesmo que não se saiba muito bem como, ou
por quem, sobretudo quando é razoável aceitar que o pagamento
de auxílio transporte em dinheiro - ainda que se pudesse
ponderar ser um direito de acessibilidade ao direito
fundamental ao trabalho (inciso IV, artigo 1º c/c caput do artigo 170,
CR) – não é suficiente a ensejar lesão significativa aos
direitos fundamentais.
Não seria impertinente recordar, neste momento, que
constou da deliberação da Câmara de Coordenação e Revisão, que
negou homologação à promoção de arquivamento, o entendimento de
que “não é a ausência de violação a ‘direito fundamental do
trabalhador’ a motivação da atuação do MPT, mas sim o papel que
exerce enquanto fiscal da lei, consagrado pelo texto da
Constituição.”
Muito mais difícil, todavia, quando se trata da aplicação
dos princípios é substituir a operação de subsunção, inadequada
segundo a melhor doutrina, pela operação de ponderação que “es
uno de los rasgos centrales de la aplicación del Derecho en la
cultura del constitucionalismo”, acrescente-se, normativo.
(MORESO, José Juan. Conflicto entre princípios constitucionales. Madrid:
Editorial Trotta. 2003, p. 100)
E a razão, do ponto de vista democrático, é que se todo
sistema jurídico, como se costuma dizer – especialmente depois
da contribuição de Ronald Dworkin nos anos 70 – inclui dois
tipos de normas, as regras e os princípios, as primeiras contêm
um enunciado condicional que liga uma conseqüência jurídica
qualquer a uma classe de hipótese (Se f, então, G), enquanto essa
ilação é muito mais complicada e controversa, menos sujeita,
portanto, a obediência à separação dos poderes, quando se trata
de princípios.
Propõe-se, a esta altura, dar como resolvidas às várias e
tormentosas questões, todas com alguma importância quanto à
prevalência do princípio em relação à regra e seu caráter de
menor valor democrático (para uma aprofundada discussão ver Alexander,
Larry e Kess, Kenneth. Contra os princípios jurídicos. In Direito e
Interpretação. Editado por Andrei Marmor. São Paulo: Martins Fontes, 2004),
não por ter pretensamente cariz acadêmico, afinal, incumbe ao
Ministério Público defender o regime democrático, proteção que
constou do juramento de todos os membros quando da posse na
instituição, mas porque o confronto proposto está, como se verá
na seqüência, não entre princípio e regra, mas no mesmo nível,
entre princípios.
Isto porque o princípio da materialidade, referido na
ratificação da promoção de arquivamento e que pode ser tomado
como síntese dos outros referidos no mesmo momento, “assim como
os demais princípios do ordenamento jurídico, não possui a
mesma densidade normativa de uma regra, e, por conseguinte,
pode coexistir com outros do ordenamento jurídico.” (KATTAH,
Marina. DE JURE – Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais:
Jan/jun, 2007)
Dworkin, autor, como já se disse, da “teoria mais
influente que existe dentre as baseadas em princípios
jurídicos” (Alexander, Larry e Kess, Kenneth. Op. cit. p. 420), afirma
que a “diferença entre eles é de natureza lógica.(...) As
regras são aplicáveis à maneira de tudo-ou-nada. Dados os fatos
que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso
a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e
neste caso em nada contribui para a decisão. (Op. cit.p. 39).
“Mas não é assim que funcionam os princípios (...). Mesmo
aqueles que mais se assemelham as regras não apresentam
conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as
condições são dadas.” (idem, p. 40)
Um princípio “não pretende [nem mesmo] estabelecer
condições que tornem sua aplicação necessária. Ao contrário,
enuncia uma razão que conduz o argumento em certa direção, mas
[ainda assim] necessita uma decisão particular”. (ibidem, p. 41)
Tendo como certo que os princípios não são idôneos a
funcionar como premissa maior como no silogismo mencionado
acima (Se f, então, G), mediante o qual os órgãos competentes
aplicam as regras, o fenômeno interpretativo que se descortina
necessário, então, não é o da interpretação cognitiva, que
consistem em identificar os diversos significados possíveis de
um texto normativo, nem mesmo o da interpretação criativa, que
consiste em atribuir a um texto um significado novo – não
compreendido entre aqueles identificáveis na sede anterior.
“Em suma, para ser empregado no raciocínio de um órgão de
aplicação, todo princípio exige ‘concretização’: isto é, deve
ser ‘transformado’ numa regra precisa (relativamente precisa).
Praticamente, concretizar um princípio significa determinar as
regras ‘implícitas’ (...) que dele se podem extrair, e,
portanto: a) em primeiro lugar, determinar o seu campo de
aplicação, decidir a quais classes de casos ele é aplicável; b)
segundo lugar, determinar ao mesmo tempo suas exceções, ou
seja, as subclasses de hipóteses às quais não é aplicável”
(GUASTINI, Riccardo. Teoria e ideologia da interpretação constitucional.
Interesse Público, p. 244)
Concretização reclamada pela doutrina que foi inteiramente
agasalhada pela 1ª CCR do Ministério Público Federal, em voto
do seu então membro-coordenador Dr. Antonio Fernando Barros e
Silva, ao analisar o PA nº 1.00.002.000050/2004-53, com o
seguinte teor, ipsis verbis:
“6. Considerando as suas atribuições de coordenação, de integração e de revisão do exercício funcional na Instituição (art. 58, LC nº 75/93), assim como a necessidade de que sejam evitadas divergências funcionais que militem contra uma prestação jurisdicional rápida e efetiva, voto no sentido de que esta 1ª Câmara de Coordenação e Revisão, na linha dos seus pronunciamentos mais recentes, que guardam sintonia com a manifestação do Procurador-Geral da República e com as conclusões dos membros do Ministério Público Federal reunidos no II Encontro Nacional da 1ª CCR, firme o entendimento de que é
obrigatória a participação do Ministério Público Federal em mandado de segurança, sendo que eventual não-manifestação sobre o mérito de pretensão mandamental deve ser externada, mediante análise individualizada do caso concreto, em parecer contendo
relatório e a indicação dos motivos de fato e de direito que, na hipótese, justificam a não apreciação do mérito, ficando, em conseqüência, revogado o Enunciado nº 1” (negrito no original)
Orientação que segue prevalecendo na instância de origem,
como se verifica da ementa constante do Procedimento nº
1.00.000.004869/2008-33, deliberado em sessão ocorrida em junho
de 2008, Relator Subprocurador Geral da República Francisco
Xavier Pinheiro Filho, ad litteris et verbis:
“Mandado de Segurança. Obrigatoriedade da manifestação do Ministério Público. Artigo 10, da Lei nº 1.533/51. Conclusão dos participantes do II Encontro Nacional da 1ª CCR: eventual não-manifestação sobre o mérito da pretensão mandamental deve ser externada, mediante análise individualizada do caso concreto, em parecer contendo relatório e a indicação dos motivos de fato e de direito que, na hipótese, justificam a não-apreciação de mérito. Voto sugerindo ao Coordenador da 1ª CCR o envio de cópia das Conclusões do II Encontro e do VOTO nº 187/2004 – AF à PR/SC para ciência dos Representantes Ministeriais lotados naquela unidade.”
Com efeito, não há como negar que estamos diante do
conflito do princípio material com o da indisponibilidade,
mesmo que relativizado (por todos, MELO, Raimundo Simão. Inquérito
civil – poder investigatório do ministério público do trabalho. Revista do
MPT, n º 24/2002), e “supõe-se que os princípios, porém, têm peso
(finito).” (COLEMAN, Jules L. e LEITER, Brian. Determinação, objetividade
e determinação. In Direito e interpretação. Editado por Andrei Marmor. São
Paulo: Martins Fonte, 2004, p. 454)
“Na verdade, o peso é essencial para que sejam princípios,
já que não possuem forma canônica nem dependências das
intenções datáveis de pessoas específicas para governar sua
aplicação. Sua aplicação é uma função do peso.”. (idem)
A doutrina citada faz recordar de que não existe princípio
jurídico, senão princípio jurídico interpretado e que,
portanto, a questão proposta no presente procedimento é muito
mais complexa do que uma asséptica subordinação da regra ao
princípio e cuja conseqüência teórica ultrapassa o caso
concreto, a exigir um acurado exercício de ponderação entre os
princípios em pugna, para estabelecer, nos casos semelhantes,
qual o correto, litteris:
“Um princípio incorreto, na medida em que é um princípio, deve, portanto, ter um peso. De que outra maneira poderíamos determinar, em um caso específico, se os princípios incorretos superam os princípios rivais? (...) Mas que peso terão os princípios incorretos e como tal peso será determinado? Nenhum conjunto de casos passados, por maior que seja o conjunto, pode fixar, como questão de vinculação lógica, o peso, no contexto de um caso presente, de qualquer princípio que explicasse esses casos passados, como demonstra a tese da indeterminação de Quine.” (ibidem)
Seguindo a mesma linha, afirma-se que os princípios gerais
exigem: “por um lado, um trabalho de ‘concretização’, para
serem aplicados a controvérsias concretas; por um outro lado,
uma estratégia de ‘ponderação’ ou ‘balanceamento’, toda vez que
entram em conflito um com o outro.” (Op. cit. GUASTINI, Riccardo, p.
240).
Pela ausência de ponderação entre os princípios da
indisponibilidade, dever de ação na acepção Mazzilliana
(Inquérito Civil, Editora Saraiva, 2000, p. 280), e o da materialidade,
tanto na Promoção de Arquivamento (fl. 21/22) quanto na
ratificação (fl. 38/43), ou se está diante de uma interpretação
que pode ser chamada de formalista, onde domina a idéia que as
normas possuem um significado prévio, ou se revela o ceticismo
interpretativo dogmático - não o realista, que decide “um
significado” entre os vários possíveis – aquele que exercita a
escolha “sans phrase” (FERRAJOLI, Luigi, cit. PALOMBELA, Gianluigi, Op.
cit. nota 14, p. 216).
Deve ser enfatizado, então, a inconveniência das duas
concepções, tanto a formal quanto a cética, já que um
intérprete constitucionalizado da ordem jurídica (art. 127, CR)
tem o dever de externar numa contextualização a justificação da
sua eleição pelo princípio da materialidade em detrimento do da
indisponibilidade.
Em conseqüência, na decisão ministerial de arquivamento,
os processos interpretativos - lembrada a lição que a norma não
tem um significado pelo simples fato de que é um significado -
não devem permanecer obscuros nem imunes a um controle, de modo
a que se reduza o azar da interpretação.
Ou, nas palavras de F. Denozza (cit. idem, p. 219), “desde
esta óptica (o al menos desde una afín), se ha afirmado que um
‘sistema de reglas (al igual que cualquier outro sistema) posee
características que dependen no de la naturaleza de sus
elementos (los contenidos de las reglas) sino de la manera em
que organiza sus próprios limites externos e internos, esto es
por la naturaleza, y por la modalidad de funcionamiento, de los
mecanismos que distinguen las informaciones aceptadas de las
rechazadas como irrelevantes, que vigilan el output, que
someten a control los efectos producidos por el sistema en el
ambiente, etc.’”
Uma vez constatada a inequívoca ausência de ponderação
entre os princípios rivais, a solução natural seria a conversão
do julgamento em diligência para que, uma vez colmatada a
lacuna de fundamentação, houvesse condição de julgamento pela
Câmara de Coordenação e Revisão (§ 4º, artigo 10, da Resolução nº
69/2007).
Acrescente-se no tema a inolvidável lição doutrinária
(MAZILLI, Hugo Nigro, Op, cit. p. 257) que “a fundamentação não é
mera indicação de artigos de lei, mas a menção especificada aos
motivos de fato e de direito nos quais se baseia a decisão de
arquivamento. (...) Enfim, a motivação do ato permite o
adequado controle do arquivamento pelo Conselho Superior do
Ministério Público, que zelará pela observância do princípio da
obrigatoriedade.” (sem negrito no original)
Observando-se, contudo, o discurso produzido nos autos,
especificamente a promoção de arquivamento (fl. 21/22) e a
manifestação do analista processual (fl. 03/04), excluindo-se o
contido na ratificação da promoção de arquivamento que já foi
objeto de análise, encontra-se solução diversa da conversão em
diligência.
Isto porque, a promoção de arquivamento está baseada no §
10, do artigo 214, do Decreto nº 3.048/89 (fl. 21/22), enquanto
que a manifestação externada pelo analista processual do MPT
(fl. 03/05) tem esteio no Decreto 4.840/2003, ambas, porém, com a
mesma solução de derrogação do artigo 5º, do Decreto 95.247/87.
Derrogação inexistente, data maxima venia, de lei especial
- a de regência específica do vale transporte – por outras
também especiais - a de regência do Regulamento da Previdência
Social (fl. 21/22) e a que trata do desconto de prestação em
folha de pagamento (fl. 03/05) – tomando-se “como ponto de
partida o fato de não ser lícito aplicar uma norma jurídica
senão à ordem de coisas para a qual foi feita”, da mesma forma
que “preferem-se as disposições que se relacionam mais direta e
especialmente com o assunto de que se trata” (MAXIMILIANO, Carlos.
Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 135)
Assim posto, a questão não é só de lacuna de ponderação, e
sim de ilícito trabalhista que atrai, em princípio, a
obrigatoriedade da atividade do parquet, como é ilustrativo o
acórdão que segue transcrito, verbo pro verbo:
“TRIBUTÁRIO. MULTA FISCAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUXÍLIO-CRECHE. NÃO INCIDÊNCIA. VALE TRANSPORTE. PAGAMENTO EM PECÚNIA. INCIDÊNCIA. LEI Nº 7.418/85. DECRETO Nº 95.247/87. 1. (...) 2. O pagamento habitual em pecúnia do vale-transporte não está albergado pelas normas isentivas da contribuição previdenciária (artigos 28, § 9º, alínea ‘f’, da Lei nº 8.212/91 e 2º, alínea ‘b’, da Lei nº 7.418/85), encerrando, inclusive, prática vedada, conforme se infere do disposto no art. 5º do Decreto nº 95.247/87: “Art. 5º: É vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na forma de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento.” 3. Destarte, pago habitualmente o auxílio-transporte em pecúnia, e não por meio de vales, como determina a Lei nº 7.418/85, o benefício deve incluir o salário-de-contribuição para efeito de incidência da contribuição previdenciária (Precedentes: Resp nº 873.503/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 01/12/2006; Resp n. 3897.149/PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 25/05/2006, Resp nº 508.583/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 12/09/2005). 4. Recurso especial parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda. Sustentou oralmente o Dr. MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN, pela parte RECORRENTE: BANCO BRADESCO S/A.
Pode ser útil, ainda que óbvio, realçar que não cabe
confundir o reconhecimento do ilícito e a subseqüente decisão
de não atuação por aplicação do princípio da materialidade, com
o não reconhecimento do ilícito, ou avaliação dos requisitos
mínimos para o ajuizamento da ação, como corretamente externado
na doutrina, ipssima verba:
“O princípio da obrigatoriedade que norteia a atividade do MP busca, de um lado evitar a desídia e a omissão na defesa do interesse público, e, de outro, obrigar o membro do MP a ajuizar a ação cabível quando reconhecida a violação do interesse que justifica sua atuação. Isso não lhe retira, todavia, a liberdade em avaliar a presença dos requisitos mínimos para o ajuizamento da ação. Somente surge a obrigação mencionada quando o juízo de valor retrocitado for positivo.” (BECHARA, Fábio Ramazzini. Interesses difusos e coletivos. ação civil pública – inquérito civil – improbidade administrativa – consumidor – meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2005, fl. 16)