caminho do oriente_guia do azulejo
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CA.MNHO DO OENTE G U I A 0 0 A Z U L EI0
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C.A.MNHO DO ORENTE c V i A o O A i! V L E j O T E X T e s D E L u S A A R R U D A
GUIAS 00 CAI'hlnH0 00 0RIEnTE
C00RDEnA0 GERAL
Jos Sarmento de Matos
GUIA HIST0RIC0
(2 Volumes) Jos Sarmento de Matos Jorge Ferreira Paulo
GUIA DO AZULEjO
Lusa Arruda
GUIA DO PAt",-mnio inDvst",-AL
Deolinda Folgado Jorge Custdio
GUIA DO 0LI'IAR..... Ricardo Martins Diane Gazeau Paulo Pascoal Dulce Fernandes
LEvAntAmEnto FOtOCFico
Antnio Sacchetti
DiP4co GFiCA
Jos Tefilo Duarte
P4viso
Fernando Milheiro
PAcinAO ELECTR0nlcA
Fernanda Quendera
.DEStA EDio
Livros Horizonte, 1998
SELECES DE COR.....
Policor
ImpP4sso
Printer
ISBn
972-24-1042-3
DEPsito LECAL
128443/98 Outubro 1998
0vtS cDitos FOtOCFicos Teresa Campos Coelho - Pgs. 32. 33. 34, 35. 36 Lusa Arruda - Pg. 37 IPM - Instituto Portugus de Fotografia - Pgs. 56. 61. 62. 63. 65. 66, 67. 68. 69 BNL - Lus Pavo - Pgs. 50, 84. 85
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CA.MNHO DO OENTE G U I A 0 0 A l U L EJ0
, L V I S A A
Livros
Horizonte
V D A
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o decurso do programa Caminho do Oriente , com este livro j em fase final de produo , uma peque
na contrariedade ps em relevo a justeza de alguns dos pressupostos que lhe estiveram na base .
Aco nteceu que numa obra de um prdio , em Santa Apolnia , o seu resp onsvel no hesitou em subs
tituir o velho revestimento de azulejos de finais do sculo passado , de facto em muito mau estado e com
grandes falhas , por um acabadinho de fazer , no propsito louvvel de contribuir para a renovao profunda em curso
em toda a zona oriental. Quando tal procedimento foi detectado o dano era j irreversvel e o novo revestimento , que
mantm curiosamente as mesmas tonalidades azuladas , j subia pelas paredes numa interessante afirmao do apego
profundo do gosto da cidade por essa prtica colorida e cheia de reflexos que tanto a embeleza e individualiza.
claro que no se trata de saber de culpas , se de tal se pode falar , mas sim constatar -se que , apesar desse gosto atvico pelos azulejos , a produo mais recente , da segunda metade do sculo XIX e deste sculo , que tanto alegra o pros
p ecto urbano e enriquece por vezes de efeitos inesperados alguma pobreza da prpria arquitectura , no ascendeu
ainda para a generalidade das pessoas categoria de objecto de culto patrimonial. vendo-se tratado com o -vontade
de qualquer utenslio caseiro que quando est velho se deita fora . Se o azulejo anterior ao sculo XIX, que esse tempo
tambm tanto maltratou, se v hoje alado a pea de museu - alis com notvel casa prpria no percurso do Caminho
do Oriente -, e j comumente olhado como uma das prticas artsticas em que melhor se retrata o sentido
genuno de uma sensibilidade especfica, j o mesmo no se passa com a restante produo azulejar, vista ainda pela
maioria na sua vertente exclusivamente utilitria . Justifica-se , por isso , uma ateno redobrada para que essa
mltipla variedade de efeito s estticos que nos preenchem os parmetros do olhar seja dotada de referncias mais
slidas para a sua compreenso . Por exemplo , indispensvel ter em conta que entre o azulejo do sculo XIX e o
anterior existe uma revoluo tecnolgica no tratamento industrial do produto final, permitindo a sua utilizao
sistemtica no exterior com garantias de durabilidade , facto que p or si s altera por completo quer o desenho dos
padr es , de cariz mais arquitectnico , quer o efeito global pretendido. Ou seja , o azulejo de fachada tem uma
lgica prpria que merece uma especial ateno pois , de facto , uma das referncias incontornveis em qualquer
leitura do p anorama construdo da cidade .
Esta preocupao de fundo, que o citado co ntratempo veio inesperadamente iluminar de um sentido mais premen
t e , aliada excepcio nal riqueza em azulejos de todos os tempos j anteriormente detectado na zona orie ntal de
Lisb o a , levou os responsveis pelo Caminho do Oriente a optarem p elo seu tratamento autonomizado no co njunto
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dos Guias patrimoniais a realizar. Ao mesmo tempo, julgou-se tambm indispensvel dar igual tratamento s diver
sas componentes desse patrimnio, inserindo - o num todo h o mogneo que no esquecesse tambm os factores de
produo, as fbricas ou os artesos , na maio ria dos casos inominados, que foram contribuindo modesta e teimosa
mente para a imagem da cidade que ns , afinal de contas, gostamos de ter.
A escolha de Lusa Arruda para materializar esses propsitos surgiu, assim, de forma natural . Por um lado a sua forma
o especfica, simultaneamente cientfica e artstica, era a garantia de uma correcta interpretao dos pressupostos
desejados; e, por outro, era conhecida a sua preo cupao ampla face ao patrimnio azulejar visto como um todo, b e m
como u m a especial sensibilidade para entender a dinmica do azulejo de fachada n a caracterizao de uma arquitectu
ra, tudo inserido num processo de produo que tem, naturalmente , os seus protagonistas: sejam oficinas ou fbricas,
com matrizes de gosto b e m diferenciveis , sejam artistas individuais que do o toque pessoal a uma actividade desde h
muito condicionada partida pelas regras rgidas do fabrico em srie .
Quanto ao resultado do seu trabalho, c o mpetir ao leitor dar o veredicto final, j que o autor destas linhas se sente
tambm parte interessada. No entanto , no dever deixar de se realar quer a ateno p osta na definio de cada
conjunto de azulejos, desde os mais antigos aos mais recentes, discutindo -se referncias e autorias e no se hesitando
em emitir opinies prprias, quer, ainda, a recolha de fontes iconogrficas que, numa ilimitada amplitude, ligam com
a maior naturalidade Rafael mais corriqueira imagem nai!, quer, sobretudo, o levantamento de algumas indstrias
produtoras, de que a Fbrica Roseira, sediada no Caminho do O riente e agente de primeira grandeza neste particular
processo econmico e histrico, se revela um paradigma e, a partir de agora, uma achega de monta para se conscien
cializar a dinmica social e cultural desse mesmo processo .
Inserido, assim, no conjunto mais vasto dos Guias do Caminho do O riente, este Guia do Azulejo constitui-se como um dos pilares da tarefa essencial que o Programa Caminho do Oriente se props: reintegrar na cidade uma zona
imensa dramaticamente abandonada, seja atravs do apoio sua recuperao fsica, seja do conhecimento do seu passa
do e das vrias lgicas - urbanas ou rurais, laicas ou religiosas, de lazer ou industriais -, que determinaram a sua espe
cificidade no mbito global de uma s cidade .
Lisboa, 19 de Julho de 1998
] os Sarmento de Matos
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Guia do Azulejo resulta de uma l o nga investigao feita no C aminho do O rient e , passeio que se p r o p e ao leit o r desde o Largo do Museu Militar ao C o nvento de M arvila . Este texto que
reco rre p alavra e imagem c ompl ementar d o s Guias do C aminho do O riente que reme
t ero para o Guia do Azulejo quando de azulejo s s e tratar . Inversamente o leito r p r o curar
nos outro s guias a info rmao histrica e p atrimonial detalhada s ob re cada zona , edifcio e p ersonalidades que
h abitaram ou p r o moveram a zona oriental de Lisb o a .
Propomos uma visita a uma zona esquecida e descurada, n o entanto b elssima n a sua relao com o Tejo , com
edifcios de grande qualidade ou meramente interessantes e casti o s , muito lisb o etas na forma como s e encaixam
ao longo das rua s . M arcaram o encanto rural de quintas e convento s mistura com modestssimos p tios e vilas
de habitao op erria onde se foram agregando as migraes da terra p ara Lisbo a p r o cura de trabalh o .
M esmo a surgem momento s de surpresa - cunhais , um p ortal e janelas de cantari a , ferros fo rjados , azulejos e
rvores antigas , p edao s ainda recuperveis do que j foi e do que ainda pode vir a s e r , em lugares que precisam
da c ap a cidade de ver ao mesmo tempo dos arquelogos e dos artistas . Ao longo do nosso p asseio tentaremos
mostrar que o patrimnio do C aminho do O riente merece ser devolvido aos que aqui vivem e trabalham e ainda
querem a este stio da cidade de Lisb o a .
Lisb o a f o i , desde o s culo XVI , o grande centro p rodutor e exp o rtador do azulejo , inventando uma fo rma
muito e s p e cial de viver com ele , multiplicando as suas hip teses deco rativas e significativas que vo evo luindo
ao mesmo t emp o que as mentalidade s e as p r e o cup a e s da s o ciedad e . Lisb o a p r o duziu e consumiu quantida
des p r o digiosas de azulejo s , sobretudo n o s s culos XVII , XVIII e XIX e apesar de parte desse p atrimnio ter
desaparecido muito ainda p o de s e r vist o na zona o riental . Veremo s duas vertentes da arte do azulejo: a dos
interiores que cria ambientes requintadssimo s dentro dos edifci o s , articulando memrias ori entais com
uma linguagem europ eia , e a azulejaria concebida p ara o exterior como fo rma de arte urbana , revestindo siste
maticamente edifcios com uma matria c o l o rida e sensvel luz que caracteriza muitas cidades no t erritrio
nacional e tamb m no B rasil , onde este gosto se implantou com tal fora que as suas cidades chegaram a s e r
c onsideradas como invento ras d a azulejaria de fachada .
O Museu Nacional do Azulejo , instalado no C onvento da M adre de D eu s , o lugar p ara s e ver azulejos em
Lisb o a , situado p r e cisamente no C a minho do O rient e . D el e daremos uma no tcia b reve de modo a manter o
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equilbrio da p ub licao , menos aprofundada do que desejaramos e que as suas c o l e c e s m ere c e m , o que s e
justifica tamb m p e l a facilidade d e u m a visita e p el a a qualidade d o s textos j p ub licado s p el o M u s e u .
O l eitor encontrar neste guia o s edifcios que t m ainda o s azulejo s de c a m p anhas de obras contem p o rneas
da sua construo o u azulejos com que foram enrique cidos a o l ongo do temp o , fruto das mudanas no gosto e
na vida dos seus sucessivos proprietrio s . O gost o , o significado da decora o , a articulao dos azul ej o s c o m
o espao e c o m a s arquitecturas s ero t e m a s deb atid o s p ara cada u m do s lugares tratado s que s e sucedero
medida que avan a m o s no C aminho do Oriente .
C o me aremos p o r onde comea o p as s eio e logo vamos pro cura de u m b e c o , u m s tio encafuado e m ruas
ainda de traado m edieval - o B e c o do B el o . Em 1758, numa casa antig a , p rovavel m ente reconstruda , foi colo cado u m p ainel de azulejos dedicado aos sant o s que pro tegem dos fogos e terra m o t o s . Trata - se de um
p ainel que de certo modo conta a histria de Lisb o a , l embrando o terr a m o t o de 1755. A sua colo cao num e s p a o to a p ertado acentua a p er manncia do urb anism o medieval numa cidade que se vai reconstruir sob u m
projecto urb anstico norteado p el a razo , p el a g e o metria , p ela clarez a e c o modidade . N o m e s m o b e c o , m a s
agora n u m a grande casa voltada a o rio Tejo , c o m u m a pracinha fronteira , u m o utro revestimento d e azulejo s ,
d o s culo XIX, e que c orresponder a u m a data t a m b m inscrita e m azulejo s - 1873 - revela t a mb m u m a vocao urbana . Logo a b aix o , entram o s na C ap e l a da Boa N ova . Aqui preciso subir at sala que leva a o coro alto
p ara nas e s c adas e s ala encontrarm o s os azulejos do s cu l o XVII I que nobilita m um espao p ' o r onde p assaram
o rei e a corte quando assistiam aos a c t o s religio s o s .
Assim o no sso t exto s egue u m p ercurso p o r o rd e m d e entrada d o s edifcios no C a minho d o Oriente , p a s s eio
ao s a b o r do t ecido urbano que forma u m pachtwork de p o cas e de estil o s arquite ctni c o s onde se entrelaam
e conviv e m po cas e e stilo s da azulejaria p ortugu e s a . Urna histria em que a rigide z de urna organizao crono
l gica e estilstica no p oderia contar a natureza das coisas que acontecem na matria de que feita urna cida
de c o rn o Lisb o a .
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I.SAntA APOLniA LARGO DO MUSEU MILITAR - BECO DO BELO
BECO DO BELO
MUSEU MILITAR
LARGO DOS CAMINHOS ,
RUA DOS CAMINHOS DE FERRO
CASA MACHADO DE CASTRO
CALADA DO CARDEAL, N,O 9 PALCIO DA COVA " , , , , ,
A REAL FBRICA DA BICA DO SAPATO
CAPELA DE SANTO ANTNIO
FBRICA ROSEIRA
II. c R....V l DA P E D R....A PALCIO BRAO DE PRATA
RECOLHIMENTO DE LZARO LEITO
CONVENTO DE SANTOS-o-Novo
EDIFCIO CONVENTUAL '"
III.XABPJCAS PALCIO PEREIRA FORjAZ
RESIDNCIA MELLO " "
CONVENTO DA MADRE DE DEUS
MUSEU NACIONAL DO AZULEJO
PALCIO UNHO-NISA , , , , ,
II
41
43 44 45 37
57
59 60 60 65 69
I V D E X A B R....E C A S A o C Rj L o 71 EDIFCIO DA JUNTA DE FREGUESIA DO BEATO " ' " 73 CONVENTO E IGREJA DE S, FRANCISCO DE XABREGAS 73 PALCIO OLHO (ou PALCIO DE XABREGAS, DOS CUNHA) " " " " " " ' , " " ,' " " " '" 75 Q.UINTA LEITE DE SOUSA E CASTRO " '" NCLEO PERTENCENTE AO ANTIGO PALCIO
DAS ILHAS DESERTAS 88
9
V. DO c Rj LO ITIA R....vi LA EDIFCIO DA EMPRESA DE CAMIONAGEM RESENDE,
ANTIGA MORADIA PARTICULAR
CONVENTO DO GRILO
FACHADAS AZULEJADAS NA RUA DO GRILO
PRDIO N,oS 100 A 108 " " " " ' " PRDIO DA MANUTENO MILITAR, N,O 86 MANUTENO MILITAR , " , " , , ' ,
PRDIOS N,OS 87 A 91,85 A 80,74 A 79 FACHADA URBANA, N,oS I A 'l,7 PALCIO LAFES " " " "
91
93 94
99 99
, 100 , , , , , , , , 101
, 102 , 103
VI.EITI ITIAR....viLA , , . , , ... , , II3 AZULEJOS DE FACHADA NA ALAMEDA DO BEATO
PRDIO N,O 21 E EDIFCIO N,OS 26 A 30 " " PTIO DA Q.UINTINHA - PAVILHO MARIALVA PALCIO DA MITRA " ', " " " " " ' ,'
EDIFCIO JOS DOMINGOS BARREIRO
CONVENTO DE MARVILA , , , , , , , ,
, II5 II6 II8
, 128 , 128
BIBLIOGRAFIA " , ' . . " . , ........ ,." " " " , 139 AGRADECIMENTOS " " ' . . . . . . , ' ..... " " ,,, 140 LEGENDAS , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , .... , , , . , , , 141
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, , . _.--/
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I . S A nt A A P O L n i A
o primeiro percurso do nosso passeio riqussimo em azulejaria de fachada; veremos como muita da azulejaria corresponde
pro duo de uma s fbrica, a Fbri
ca da Calada dos C esteiros , da famlia
Roseira , hoje extinta . A nossa inves
tigao permitiu aprofundar larga
mente o pouco que se sabia da fbrica .
Encontrare m o s o edifcio onde se
instalou - o Palcio da C ova e o espao onde vendia e os seus produtos , e
nele o mostrurio de azulej aria de
fachada que produzia . Tambm encontraremos um prdio revestido com
azulejaria da fbrica Constncia, do sculo XIX, padro identificado pela
primeira vez . S er revelada a importncia desta investigaes para a histria da azulejaria de fachada em Lisbo a . Mostra - s e uma proposta actual de azule
j aria de fachada da tambm antiga Fbrica de Santa Ana . A azulejaria do
sculo XVIII pode ver-se num registo de azulej o s e no interior d e alguns edifcio s . Visitaremos o Museu Militar , terminando o nosso passeio pela
evocao da Fbrica da Bica do Sapato .
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Cristo crucificado, S. Marfa/, S. Caetano e S. Francisco de Brgja. Rl!gisto de azull!jos. Oficina de Lisboa. 1758.
[3
LARGO DO MUSEU MILITAR - BECO D O B ELO
PARA encontrar o primeiro painel de azulejos do nosso passeio necessrio tornejar o cotovelo do Beco do
Belo . A, no n . O 3, vemos o nico exemplar de um registo de azulejos do
Caminho do Oriente. Designa-se por
registo um painel votivo normalmente
usado no exterior do edifcio . Surgem
com maior frequncia depois do terra
moto de 1755 como forma de esconjurar
os perigos ligados a catstrofes naturais e
nomeadamente a fogos. A sua ligao
posse do edifcio mais do que evidente
revelando novos proprietrios e uma
outra forma de encarar a arte dos azule
jos, que passam a ser ostentados para
fora e no apenas como decorao de
interiores. Muitos destes registos so
produzidos de modo mais do que ing
nuo porque encomendados por uma
clientela menos exigente. As oficinas que
provavelmente se especializaram nesta
encomenda especfica deveriam propor
ao cliente uma seleco de imagens pias e
respectivas cercaduras, normalmente de
gosto rococ e importadas dos grandes
centros de produo de gravura europeia.
O registo de azulejos do Beco do Belo
uma bela pea de grandes propores,
datado de 1758. Ao centro est represen
tado Cristo na Cruz, do lado direito,
S. Maral, com a mitra de bispo , santo
sempre invocado para proteco contra o
fogo . Do lado direito da cruz, S. Caetano
-
e S. Francisco de BOlja. Os santos esto
desenhados como peas de imaginria,
representados sobre bases de escultura.
Inversamente, a cruz situa-se numa
paisagem. Resolvem-se assim as dife
rentes pocas a que corresponde cada
um dos santos e tambm o tempo da
Crucificao.
A cercadura corresponde em termos de
estilo datao inscrita no registo , uma
formao de concheados de expresso
dramtica e movimentada que acentua
da pelo recorte dos azulejos no limite ex
terior. O gosto rococ tambm se revela
pelo contraste de azuis-cobalto : no exte
rior a cercadura em azul-cobalto forte
cria uma reserva para a cena votiva, pinta
da em azul-cobalto mais transparente.
BECO D O BELO
A norte do Largo do Museu Militar
pode ver-se uma grande fachada azule
jada da segunda metade do sculo XIX,
Beco do Belo. Casa Joo Roseira. Balastres em trompe I'oei/. Joo Roseira, Fbrica da Calada dos Cesteiro!; c. 1875.
verdadeiro pano cenogrfico que fecha
o limite do espao . O edifcio de cons
truo corrente tpico do que se
edificava em Lisboa na poca , uma
evoluo empobrecida do prdio pom
balino. No entanto, o andar nobre
mostra um trabalho de concheados de
massa sobre os vos e a balaustrada su
perior, rematada com pinhas e urnas de
faiana outro sintoma da hipervalori
zao da decorao sobre o edifcio ,
falta de desenho arquitectnico.
A azulejaria que reveste integralmente a
fachada anima o edifcio projectando-o
sobre a pequena praa fronteira e at
sobre o Largo do Museu Militar, pela
sua situao numa cota elevada . O pr
dio representa uma mais-valia em ter
mos de imagem urbana que se deve em
grande parte grande escala do revesti
mento ' cor azul e ao brilho dos azule
jos que reflectem intensamente a luz.
O padro escolhido para os azulejos
participa neste carcter urbano , utili
zando um desenho de esferas perspec
tivadas no rs-do-cho , articulado com
um padro geometrizado nos outros
pisos. Esta soluo comum em Lisboa
e, no nosso percurso , encontraremos
outro edifcio que utiliza os mesmos
azulejos , na Alameda do Beato.
Num dos extremos do prdio, sobre o
portal lateral, surge urna banda de azu
lejos , suporte para a representao de
uma balaustrada perspectivada manei
ra de um remate de balastres de pedra
ou faiana. Olhando com mais cuidado
Perspectiva do prdio do Beco do Belo, revestimento de azulejos de fachada padro enxaquetado. Fbrica de Lisboa. Sc. XIX (2.l metade).
Beco do Belo. Pinha de faiana. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.3 metade).
-
apercebemo-nos que a esta balaustrada
fingida corresponde , por detrs, uma
balaustrada moldada em faiana que
delimita um pequeno jardim suspen
so no primeiro andar.
As esferas pintadas sobre azulejo preten
dem simular um revestimento de pedra
trabalhada e, do mesmo modo, funciona
a balaustrada. Trata-se de uma forma
ingnua, mas extremamente eficaz, de
trompe l' oeil pintado em azulejo a que
nos referiremos mais vezes.
A pintura de azulejo de fachada em
trompe 1 'oeil, dos sculos XIX e XX , voltada para o exterior, apesar do seu
carcter ingnuo, reinventa uma das
formas mais espectaculares de articula
o do revestimento azulejar com o
edificado - reproduzir, fingir ou imi
tar elementos da prpria linguagem
arquitectnica. As esferas so um novo
motivo na linguagem da azulejaria , os
balastres fingidos representam uma
evoluo ou uma nova utilizao deste
tema que encontraremos em grande
estilo , e datado da primeira metade do
sculo XVIII, nas escadarias do Palcio
da Mitra , na Rua do Acar.
Entrando na escadaria verificamos que o
vestbulo est revestido com azulejos cujo
padro se pode ver no mostrurio da
Fbrica Roseira, ou da Calada dos Ces
teiros, que reproduzimos adiante e que
ainda resiste na ntegra no edifcio n. o 18
da Rua dos Caminhos de Ferro , anti
go depsito da mesma fbrica. Uma va
riante deste modelo foi produzido pelas
fbricas do Porto , a das Devesas e a do
Carvalhinho , modelo publicado recen
temente (Amorim, 1996 , p. 23) . Nos diferentes andares do edifcio foram
alis colocados fragmentos de padres da
Fbrica Roseira, interessando especial
mente os que esta fbrica produziu para
o Palcio da Pena - Sala de Jantar, a sala
dita Casa de Banho das Damas, um
padro neomourisco , utilizado na facha
da do palcio e, finalmente, o padro
que reveste o interior do acesso torre
do relgio . Este padro vai ser usado no
Palacete Beau Sjour em Benfica e em
muitas fachadas de Lisboa.
Estes factos explicam-se porque no
prdio das esferas viveuJoo Roseira,
proprietrio e pintor da fbrica, figura a
que tambm nos referiremos adiante.
Veremos a importncia desta fbrica na
decorao das fachadas de muitos dos
edifcios do Caminho do Oriente e de
Lisboa. Os Roseira, como tambm se
ver, foram proprietrios de muitos
edifcios desta zona e de outras de Lisboa,
promovendo os seus produtos nas casas
que habitavam como forma de desenvol
ver o gosto pela azulejaria de fachada.
A data de 1872, pintada em cartela de
azulejos no exterior da chamin , pode
datar os azulejos da fachada ou do vest
bulo . Numa chamin do edifcio cont-
guo , na parte detrs , tambm se v outra
cartela de azulejos datada de 1875.
Os azulejos que revestem a mesma cha
min, no interior da casa e em todas as
cozinhas dos vrios andares, so pouco
'5
Beco do Belo. Pro(etaJermjas. Oficina de Lisboa. Sc. XVIII (I,a metade).
Beco do Belo. Azulejaria de fachada aplicada no interior (padro do fronto do Palacete Deau Sjour). Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2. a metade).
Beco do Belo. Azulejaria aplicada no interior. Padres usados no Palcio da Pena cm Sintra ( esquerda interior, direita revestimento da fachada), Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2;. a metade).
-
mais tardios e podem ter sido colocados
em poca posterior ao revestimento da
fachada. Trata-se de outro padro, este
da Fbrica Constncia, na medida em
que consta do catlogo da J. Lino , im
portante estncia de materias de cons
truo da Rua 24 de Julho , impresso
em r889 . Um prdio da Rua dos
Caminhos de Ferro est revestido com
o mesmo padro da mesma fbrica, a
que nos referiremos detalhadamente.
O edifcio do Beco do Belo tem por
tanto dois revestimentos interiores atri
buveis com segurana Constncia e aos
Roseira, respectivamente . A fachada das
esferas, provavelmente o padro mais
interessante e mais divulgado em Lisboa,
pode ser produo de uma destas ou
ainda de outra fbrica de Lisboa (Viva
Lamego , no Intendente, e Fbrica de
Miguel Oleiro, Imprensa Nacional,
entre outras que laboravam na mesma
poca e produziam tambm azulejos de
fachada) . Nenhum dado seguro permite
arriscar uma atribuio. A nica certeza
a datao dos revestimentos da segunda
metade do sculo XIX. Numa das cozinhas pode ver-se um
grande painel da l' metade do do sculo
XVIII, dedicado a uma personagem
bblica. No sculo XVIII os revestimen
tos azulejares das cozinhas dos palcios
ou conventos tinham um carcter mais
funcional, constitudos habitualmente
por padres, ou em casos mais raros
representaes de alimentos ou da sua
preparao . O painel a que nos referi-
mos est mal colocado em relao ao
espao da diviso que ocupa, aspecto
tambm impensvel no sculo XVIII.
Trata-se portanto de um reaproveita
mento de um painel que pertenceria ou
ao edifcio anterior ao terramoto, sobre
o qual se construiu o actual prdio de
rendimento, ou a outro edifcio prxi
mo. O seu reaproveitamento na cozinha
no aponta para uma pea adquirida no
mercado antiqurio que neste caso seria
colocada num espao mais nobre.
Trata-se de um fragmento de decorao
de capela constitudo por 9 x 7 azulejos.
A cercadura corresponde de cada lado a
metade de uma pilastra decorada com
volutas que se prolongaria pela deco
rao completa. No plano superior re
matam com uma grinalda de flores.
Inferiormente o painel est cortado.
Este esquema delimita a reserva central
onde se v uma personagem com lana e
coroa de espinhos, atributos da Cruci
ficao de Cristo . Ao lado numa espcie
de medalho l-se a identificao da
personagem: Geremias . Jeremias,
um dos profetas da Bblia, ter sido o
autor do Livro das Lamentaes, texto
usado pela Igreja na Semana Santa.
Jeremias tem assim como atributos os
emblemas do Calvrio de Cristo. O pai
nel em monocromia azul-cobalto sobre
branco datvel dos anos 20 de Setecen-
tos, ou mesmo um pouco anterior como
prova o desenho da figura e da cercadu
ra, construda como pormenor arqui
tectnico barroco , slido e simtrico.
,6
ERMIDA DA B OA NOVA
A Ermida da Boa Nova resulta de um
projecto sbrio e elegante atribudo ao
arquitecto Manuel da Costa Negreiros.
Foi construda no reinado de D. Joo V
e descaracterizada a sua implantao
no terreno logo no reinado seguinte.
De facto, foi necessrio construir uma
rampa (que esconde os alados e en
terra a igreja no terreno) para fazer
descer a esttua equestre de D . Jos,
da Fundio de Cima, para o Terreiro
do Pao .
O espao interior da capela, de planta
centralizada, no foi concebido para
receber azulejos, que neste caso se des
tinam a zonas de carcter mais funcio-
na! . D e facto vemos azulejos numa
escada interior, da poca da construo
da ermida e de padro azul e branco,
misturados com outros padres, nos
mesmos tons mas do sculo XVII , no
meadamente alguns do padro conheci
do como de maarocas . Estes azulejos
foram aproveitados em pocas mais
recentes para reconstituir a decorao da
escadaria. Trata-se de uma prtica muito
comum que se verifica em muitas deco
raes azulejares e que hoje deve ser
revista com mais cuidado e de forma a
no desvalorizar nem os azulejos em si,
nem o conjunto decorativo .
No entanto, a sala que antecede o coro
alto , mostra a sua decorao azulejar pri
mitiva, praticamente intacta, constituda
por uma belssima albarrada que se es-
-
tende pelas paredes em lambrim alto,
transformando e enriquecendo um espa
o que naturalmente teria funes de
recepo da corte que por a passaria para
assistir a cerimnias religiosas. Desig
nam-se como albarradas as composies
decorativas em que pontua um vaso ou
cesto florido repetido , como tal dife
rentes dos padres que podem cobrir
uma rea em todas as direces. A pala
vra albarrada deriva etimologicamente da
palavra rabe al-barrd, que significa
jarra com duas asas, de facto o tema
central das albarradas de azulejos, articu
ladas com putti, golfinhos, ou outros
elementos intercalados. Trata-se de uma
decorao mais rica do que a padronagem
exigindo a representao cuidada e em
maior escala dos diferentes elementos
figurativos que a constituem. As albarra
das foram utilizadssimas desde o final
do sculo XVII e sobretudo na primeira
metade do sculo XVIII , com uma gran
de multiplicidade de solues que en
contraremos ao longo do nosso percurso.
MUSEU MILITAR
A azulejaria do Museu Militar corres
ponde s campanhas de obras mais
importantes deste edifcio . Do edifcio
primitivo das Tercenas pouco resta, e
hoje v-se uma reconstruo da inicia
tiva de D . Joo V, desenho de Fernando
de Larre e interveno provvel de
Carlos Mardel. Talvez possamos datar
tanto a azulejaria da Escadaria Principal
Museu Militar. Escadaria. Paisagem e Cavaleiros. Oficina de Lisboa. c. 1740.
como a da Sala dos Capacetes, fabrica
da a partir da dcada de cinquenta de
Setecentos, provavelmente ainda ante
rior ao terramoto de 1755. O edifcio
teve reformas depois do terramoto. Em
1906, j como Museu Militar, fizeram
-se novas obras de que se destaca o
portal para o Largo de Santa Apolnia,
rematado com a monumental escultura
de Teixeira Lopes. Nas campanhas dos
sculos XIX e XX foram feitas outras decoraes azulejares, como veremos .
Na escadaria os azulejos pintados a azul
- cobalto sobre branco , representam
cpias de gravuras de cenas de guerra,
desenhadas por mos inbeis e com
cercaduras rococs muito recortadas
para o interior das cenas, sobre um
rodap marmoreado com motivos a
amarelo , sobre azul-cobalto . O amare-
17
Museu Militar. Pcnpectiva da escadaria.
lo-ouro comea a aparecer em pontua
es mais ou menos discretas combina
do com o azul-cobalto , como forma de
enriquecer a azulejaria azul e branca
pelo menos a partir de 1730, como se
pode ver, por exemplo , na decorao da
escadaria dos Palcios da Mitra, tanto
em Lisboa, que estudaremos adiante,
como em Santo Anto do Tojal.
Os painis de azulejos da Sala dos
Capacetes, tambm realizados numa
-
Museu MilitaI'". Sala D. Carlos I . Marinha (cpia de aguarela de D. Carlos 1). Fbrica Battistini de Maria de Portugal (?); c. 1936.
paleta de azuis-cobalto sobre branco
so mais espectaculares , usando en
quadramentos arquitectnicos pers
pectivados , criando uma forte iluso
escultrica. O tema de todos os pai
nis o dos trofus em grande escala,
com resultados muito decorativos .
U m dos painis tem as armas reais
como motivo principal, provavelmente
realizado logo no incio do reinado de
D . Jos.
Mais tardios e apresentando j cercadu
ras policromas muito recortadas, com
cenas militares centrais so os painis
de azulejos que decoram a escadaria de
acesso ao ptio . Trata-se de uma enco
menda da poca de D. Jos.
A decorao com azulejos continua,
neste edifcio , j como Museu Militar.
A Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro
devem-se os painis com cenas ligadas
Restaurao de I640, marcados Caldas
e assinados, devendo corresponder a
uma produo da Fbrica S. Rafael nas
Caldas da Rainha que Manuel Gustavo
funda depois de I907 , data da penhora
da Fbrica de Faianas das Caldas da
Rainha onde Rafael Bordalo Pinheiro e
o filho trabalharam. Estes painis so
executados como se de aguarelas se
tratasse, com uma figurao mais pr
xima do desenho , em que o pintor
utiliza um azul muito claro sobre bran
co . Apesar de tudo Manuel Gustavo
18
tentou encontrar uma nova linguagem
para a azulejaria sem copiar os painis
do sculo XVIII .
No foi o caso do pintor Jos Estvo
Vitria Pereira, genro do conhecido
pintor de faianas e azulejos, Jos Maria
Pereira Jnior que assina Pereira Co -
grande obreiro de muitas decoraes da
Fbrica Viva Lamego onde alis os azu
lejos de Vitria Pereira foram produzi
dos. Os azulejos de Vitria Pereira no
Museu Militar, datados de I907, deco
ram todo o ptio com cenas de guerra
com interveno dos portugueses e retra
tos de grandes militares. Inspira-se na
azulejaria da primeira metade do sculo
XVIII, resultando muito melhor o reves
timento integral da entrada nobre do
Museu, apenas com motivos decorativos e
trofus, do que os painis figurativos e as
sobreportas do ptio, exageradamente
recortados e bastante mal desenhados,
nomeadamente os retratos. No se trata
da nica produo de Vitria Pereira
que, quanto se sabe, tambm pinta azule
jos para o Mercado da Ribeira em Lisboa
e para a Estao de Caminhos de Ferro de bidos.
Na Sala de D. Carlos I encontramos uma
produo de outra fbrica de Lisboa.
A Fbrica Constncia, ou das Janelas
Verdes, que na poca se designava por
Fbrica Batisttini de Maria de Portugal,
como alis se l nos painis desta sala.
Leopoldo Batisttini morre em I936
deixando a fbrica sua discpula Maria
de Portugal que passa a designar a fbrica
-
com o seu nome. A decorao desta sala
ser portanto posterior a 1936, no
devendo ser uma produo de Maria de
Portugal cujo trabalho muito mais
ingnuo. No projecto de decorao da
Sala em homenagem a D. Carlos l, so curiosas as cpias de pinturas do rei
passadas escala da parede e devidamen
te assinaladas como tal, a cpia do seu
grande retrato a cavalo e a representao
de algumas vitrias ultramarinas do seu
reinado. A representao das cenas
cuidada, devendo pertencer a um dos
discpulos de Leopoldo Batisttini .
LARGO D OS CAMINHOS D E FERRO
Os trs primeiros edifcios deste largo
formam uma longa frente urbana vira
da a sul animada pelas cores e vidrado
das fachadas integralmente azulejadas
que reflectem intensamente a luz
quente de Lisboa. De facto , os azule
jos , embora diferentes em cada prdio ,
resolvem o desencontro de cima
lhas , formas e alturas dos vos dos
edifcios encostado s . A matria do
revestimento , placas de faiana vidra
da , empresta unidade e coerncia ao
conj unto das fachadas , como uma
imensa cortina cenogrfica .
Uma leitura da azulejaria mais prxima
dos edifcios, revela a especificidade
formal e cromtica de cada revestimen
to , revelando o carcter da encomenda,
a sua originalidade ou pelo contrrio a
conformao com o gosto em voga.
!J
Largo dos Caminhos dt: Ferro. Padro Palcio da Pena. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira), c. 1865.
Largo dos Caminhos de Ferro. Padro Rosas. Fbrica da Calada dos Cesteiro! (Roseira); c . 1865_
Analisemos o primeiro prdio , com os
n.os 13 a 136, de construo corrente,
com fachada azulejada e coroado por
uma balaustrada em faiana vidrada a
branco . As caractersticas formais dos
padres e o facto de se conhecer o
fabricante, pelo menos da azulejaria,
permite destacar o revestimento como
um dos mais interessantes da nossa
investigao .
'9
largo dos Caminhos de Ferro. Padro Porta de Diamante. Fbrica de Lisboa. Sc. XIX (2.3 mt:tade).
Largo dos Caminhos de FnTo. Pormenor de fachada azulejada.
GrguJa: c.1bea de faiana. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira) (?). Sc. XIX (2.3 metade).
-
N o portal principal a pedra de fecho
do arco mostra as iniciais A V (?) R e a
data de 1865.
Alguns aspectos do edifcio , como o
desenho dos vos muito alongados ,
o remate em semicrculo dos portais do
rs-do-cho entre outros elementos,
indiciam uma construo relativamente
prxima da data gravada no portal
principal, no entanto , Augusto Vtor
Roseira poder ter comprado o edifcio
acabado de construir.
Os azulejos esto dispostos em registos
separados por faixas de azulejo branco a
marcar os diferentes pisos : no andar
trreo o padro formado por rosas e
folhagem; os outros andares mostram
um desenho de carcter vegetalista que
reaparece em alguns prdios de Lisboa.
Trata-se de um padro que aparenta uma
grande simplicidade de desenho, arti
culado nas diagonais do quadrado,
formado pela repetio de uma mesma
florinha. No entanto, o rigor da com
posio permte uma leitura de conjunto
dupla. A primeira e mais imediata
constituda por losangos limitados pelo
cruzamento infinito das diagonais do
quadrado , outra talvez mais inesperada
revela a repetio de trevos de quatro
folhas constitudos pelo fundo branco de
cada um dos azulejos mais o espao bran
co necessrio forma dos trevos retirado
aos quatro azulejos contguos . Uma vari
ante deste padro foi utilizado no revesti
mento de um interior no Palcio da Pena
em Sintra - o acesso Torre do Relgio
e que corresponde s facturas de 1854 ou
de 1867 pagas a Eugnio Roseira, fIlho de
Vicente Roseira por azulejos entregues no
Palcio (ver docs. em Paes, 1996) . O mes
mo padro pode ser vsto no Palacete Beau
Sjour em BenfIca. J o encontrmos no
interior do prdio das esferas . Trata
-se portanto de um padro da primeira
poca de fabrico dos Roseira para o inte
rior do Palcio da Pena, encomendado
pelo mais importante fazedor de gosto
- o prprio rei D. Fernado II, passando
depois para o exterior de um palacete e
deste para o prdio da Rua dos Caminhos
de Ferro. Este padro tambm existe
numa coleco em Viseu, pertencente ao
Sr. Fernando Ferreira, representante da
6. a gerao dos Roseira em Portugal.
Pode ver-se o mesmo padro em alguns
prdios de rendimento em Lisboa. No
Brasil, tanto na Bahia, como em S. Lus
do Maranho , encontramos variantes
deste padro provavelmente exportado
pela mesma manufactura ou copiado
posteriormente por fbricas portugue
sas, prtica comum na poca. Apesar
disso no parece restar dvda quanto
origem do modelo.
Os azulejos deste edifcio so portanto
uma produo da fbrica dos Roseira,
ainda em fase inicial e provavelmente
dos primeiros padres de temtica
naturalista , prximo do desenho txtil
utilizando uma paleta aberta e franca
que lhe atribuda.
O segundo prdio do Largo, n. OS 122 a
128, encostado ao anterior, parece uma
construo mais antiga pela repetio de
um formulrio mais prximo do prdio
pombalino : portais de verga recta alter
nando com vergas encurvadas, andar
nobre de janelas de sacada, dois pisos de
janelas de peitoril. Como no caso anterior
dispe de azulejamento diferenciado pa
ra o rs-do-cho. Os trs pisos superiores
mostram um padro azul e branco de
efeito relevado . O desenho consti
tudo por pirmides cortadas, pespectiva
das, semelhana das esferas do edifcio
do Largo do Museu Militar. Tambm este
padro revela um desejo de trompe l'oeil,
tentando fingir uma fachada revestida
com trabalho de pedra em relevo. Este
padro pode ser vsto, com algumas va
riantes e por vezes associado ao padro das
esferas em mltiplos edifcios de Lsboa.
Estas tipologias de carcter ilusionista que
se referem linguagem da arquitectura e
que usam preferencialmente o azul e
branco, parecem-nos muito prximas da
azulejaria tradicional portuguesa, como
que um desenvolvimento natural da
azulejaria dos sculos XVI, XVII e XVIII,
representando uma corrente de gosto na
azulejaria de fachada que no conta
minada pelo gosto internacional de
influncia txtil, ou de clara descendn
cia arte nova e posteriormente art dco.
Um dos modelos que pode estar na
origem desta tipologia o clebre padro
ponta de diamante dos sculos XVI e
XVII (pode ver-se, por exemplo na Igreja
de S. Roque) , que se refere ao corte da
pedra de revestimento em pirmide
-
(divulgado entre ns na Casa dos Bicos) .
No andar trreo nota-se um revesti-
mento de azulejo de dimenses infe
riores aos 13 ,5 a 14 cm habituais no
azulejo portugus, colocado em diago
nal e formando um padro de xadrez
preto e branco. Debaixo de cada sacada
vem-se pequenas grgulas para despe
jo da gua da chuva, em faiana, repre
sentando carrancas de grandes bigodes,
coladas ou moldadas sobre um azulejo
branco . No se trata de uma produo
vulgarizada em Lisboa, mas de uma
encomenda especfica para este prdio e
que lembra alguma produo moldada
e irnica de fabrico das Caldas da Rainha,
na tradio popular, e que Rafael Bor
dalo Pinheiro desenvolveu naquele cen
tro de fabrico . Note-se que a Fbrica
Roseira produziu peas moldadas, tanto
pinhas e balastres como peas decora
tivas avulsas que se vem nas coleces I da famlia, nomeadamente na referida
coleco de Viseu, algumas de Joo Ro
seira, proprietrio e pintor ceramista
amador, que teve casa nas Caldas.
As grgulas podero representar carica
turas de galegos ou de saloios, figuras
tpicas chegadas a este local de Lisboa
trazidas pelo caminho de ferro. Dever
atribuir-se-Ihes, provavelmente o mes
mo fabrico dos azulejos axadrezados de
que se desconhece a origem e dataro
da 2 . a metade do sculo XIX. No terceiro edifcio , n . OS II2 a 120 per
deu-se o revestimento original do rs
-do-cho e os dois restaurantes que
Largo dos Caminhos de Ferro. Fac.hada azulejada (pormenor). Fbrica Constncia (?). Sc. XIX (2,3 metade).
Largo dos Caminhos de Ferro. Padro Constncia. Fbrica Constncia (?), Sc. XIX (2,3 metade).
llI' ... ' . . . . . . ..
- _ .... . Catlogo da]. lino (materiais de construo), Lisboa, 1889. Padro C01l5tncia.
o ocupam substituram-no por azuleja
ria actual, diferenciada para cada um, o
que rompe a unidade que deveria exis
tir originalmente .
J os restantes pisos mostram um padro
em tons de ocre, verde e azul relativa-
mente divulgado em Lisboa, que pode
utilizar cores diferente, e por vezes ,
centros diferentes. As arestas do qua
drado de cada azulejo esto ocupadas
21
por um desenho radial de tons fortes
e, no centro, sobre branco, v-se um
motivo naturalista . Esta composio
permite aumentar ilusoriamente a
superfcie de cada azulejo. No decurso
da nossa investigao foi possvel deter
minar que foi produzido pela Fbrica
Constncia, nas Janelas Verdes, uma das
mais importantes fbricas de Lisboa.
No catlogo de 1889 da firma de mate
riais de construo J. Lino, sediada na
Av. 24 de Julho , encontramos a ilustra
o referente a este padro de azulejo ,
entre outros azulejos e outros materiais.
Trata-se de uma excelente fonte para o
estudo da construo e dos materiais da
poca. Curiosamente uma biblioteca
particular (S . Joo do Estoril) especiali
zada em faiana e azulej aria , entre
outros assuntos de arte e cultura portu
guesa' possui o mesmo catlogo repleto
de indicaes manuscritas, sempre com
a mesma letra, que s se justificaria
pertencer a um vendedor ou constru
tor. Na seco de azulejaria encontram
-se ilustraes de azulejos das Caldas da
Rainha (relevados e bem conhecidos dos
especialistas) com a nota margem
Caldas. Trs outras pginas de azule
jos tm a indicao manuscrita margem
Sequeira, entre eles este padro do 3. edifcio da Rua dos Caminhos de Ferro .
Sequeira era data o proprietrio da
Fbrica Constncia nas Janelas Verdes .
Conclumos ento que este padro deve
ser atribudo ao fabrico da Constncia
e datar dos anos 80, altura em que o
-
catlogo foi impresso. A ilustrao que
apresentamos mostra outros padres da
mesma fbrica. Nas pginas seguintes,
no reproduzidas aqui, vem-se padres
azul e branco muito comuns na poca e
fabricados em manufacturas diferentes.
Entre eles o padro de bicha, com
uma estrela central donde irradiam
traos, que parece ter sido muito popular
e utilizado tanto em fachadas como em
interiores com carcter mais funcional.
RUA D O S CAMINHOS DE FERRO
J no final do largo e incio da Rua dos
Caminhos de Ferro depara-se-nos uma
curiosa proposta moderna para revesti
mento de uma fachada antiga , recente
mente recuperada.
Trata-se de azulejaria esponjada, fabri
cada na Fbrica Santa Ana de Lisboa,
em dois tons branco sujo e azul forte,
entre o cobalto e o ultramarino . A an
lise da estrutura do edifcio revela uma
fachada sem preocupao de simetria
na distribuio dos vos. Este facto
sintomtico de uma arquitectura sem
desenho prvio , construda segundo as
necessidades da habitao e em moldes
mais rurais que urbanos . Ser portanto
um edifcio que se poder datar de
poca anterior ao terramoto de 1755,
com alguma cautela, e bastante modes
to em termos de preocupao esttica,
mas com uma certa escala.
A importncia da estrutura dos vos no
revestimento com azulejos da fachada ,
Rua dos Caminhos d e Ferro. Perspectiva d e prtdio awlejado. Fbrica Sanla Ana, 1998.
como j vimos primordial e habitual
mente, desde o incio das fachadas de
azulejos, de cerca dos anos 40 do scu
lo XIX, a azulejaria sublinha e refora a estrutura arquitectnica que normal
mente regular . Rarssimos so os
casos em que, como nesta fachada , se
revestem edifcios com um carcter
espontneo ou ingnuo . Cremos que a
acontecer algo no gnero se regulariza
ria a fachada antes de colocar os azule
jos porque este tipo de decorao era
sempre um sinal exterior de gosto
moderno e sobretudo de abastana da
classe burguesa em ascenso .
A decorao actual, de 1997, da facha
da que nos ocupa, tem um sentido
totalmente distinto . O projecto, inten-
22
Rua dos Caminhos de Feno. Padro esponjado. Fbrica Sanla Ana, 1998.
cionalmente, acaba por reforar visual
mente uma fachada de carcter pouco
ou quase nada urbano que anterior
mente se fundia na paisagem e agora se
torna bastante evidente, um pouco
inquietante , deslocada do contexto .
Apesar de se recorrer a azulejos de pa
dro tradicional, os esponjados, utili
zao de cercaduras para cada um dos
vos e marcao da diferena de pisos
com tons diferentes , estratgias muito
conservadoras, obtm-se uma soluo
totalmente imprevista . Apesar disto ,
um projecto de um artista plstico ,
mesmo usando o mesmo padro da
Fbrica Santa Ana , poderia ter um
resultado mais interessante do ponto de
vista da esttica urbana, criando novas
-
hipteses de articulao dos azulejos
com as fachadas com um carcter deci-
didamente contemporneo.
No final desta rua encontramos trs
outros edifcios revestidos a azulejos
provenientes da Fbrica Roseira. Dois
destes edifcios pertencem ainda aos
actuais representantes da famlia.
A fachada correspondente aos n . OS 30 e 32 totalmente azulejada com um
padro que consta do mostrurio da
Fbrica Roseira de que daremos notcia
detalhada. Trata-se do desenho conhe-
cido como de crocbet, com motivos em
transparncia lembrando trabalho de
renda, em duas cores azul e terra. Este
padro est tambm documentado no
catlogo da Fbrica das Devesas do
Porto , catlogo sem data, de cerca de
I90I, com o nO 84. No Brasil tambm surge este padro a que se atribui uma
origem francesa e portuguesa.
Neste desenho , obtido por transfern
cia dos motivos atravs de papis perfu
rados particularmente evidente este
processo de fabrico, designado por azu
lejaria de estampilha, que caracteriza
grande parte da azulejaria de fachada.
Em Xabregas voltaremos a encontrar o
mesmo revestimento em tons de verde
e terra. Trata-se portanto de uma fr
mula muito copiada e largamente
utilizada entre ns, que datamos do final
do sculo XIX, tendo entrado facilmente no gosto dos encomendadores, chegan
do a ser usada em fachadas de igrejas.
O desenho no deriva de nenhum mo-
Rua dos Caminhos de Ferro. Casa de Augusto Viclor Roseira. Padro azul e branco. Fbrica da Calada dos C('steiros (Roseira). St:c. XIX (2.3 metade).
delo tradicional da azulejaria portu
guesa e por esse motivo por vezes
usado sem as habituais cercaduras a
sublinhar os vos, suportando , como
neste caso , apenas uma faixa de remate
inferior e superior inspirado nos ga
les de passamanaria . O efeito arren
dado do desenho s perceptvel de
muito perto, funcionando o revesti
mento como uma mancha de tecido
esticado nas fachadas.
J o segundo edifcio , que ocupa os
n. OS 26 e 28 , revestido com um padro
pintado a azul-cobalto sobre fundo
branco, mais raro que o antecedente e
provavelmente original. A separao
dos pisos acentuada por um friso
constitudo por uma faixa de azulejo
marmoreado articulada com uma com-
posio que se desenvolve em dois
23
Rua dos Caminhos de Ferro_ Padr.o crochet. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (final).
azulejos de altura em que se repetem
carrancas de leo segurando grinaldas
de flores. Este desenho , de factura ing
nua, parece querer imitar ou lembrar
uma hipottica decorao escultrica da
arquitectura oitocentista. Por estas ra
zes contrasta com o padro estilizado
que cobre a fachada, mais tardio que
o friso das carrancas. Assim o edifcio
poder ter tido uma primeira interven
o de azulejaria apenas na separao
-
Casa Machado de Castro. Depsito de azulejos da Fbrica da Calada dos Cesteiros e Casa deJoo Roseira.
de pisos a que se adicionou mais tarde
o revestimento integral com padro
estilizado azul e branco. Tambm este
edifcio pertenceu aos Roseira e l viveu
Augusto Victor Roseira o ltimo pro
pritario da fbrica que temos vindo a
referir. Assim os padres desta fachada,
nomeadamente o do ltimo piso, deve
ser atribudo mesma fbrica.
CASA MACHAD O DE CASTRO
o ltimo edifcio azulejado da rua, n . O I8 , interessa particularmente histria
de Lisboa por documentar uma habita
o do tempo de D. Joo V , com alguma
nobreza no desenho do portal e dos
vos, a que foi acrescentado o piso supe-
Casa Machado de Castro. Janela de trapeira. Jarres. Joo Roseira (?). Sc. XIX (2.a metade).
Casa Machado de Castro. Padriio Parrira. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sec. XIX (2.a metade). rior, no sculo XIX . Depois do terra
moto de I755, viveu a algum tempo
Machado de Castro . Sabemos que pelo
menos a escadaria era dotada de azule-
jaria azul e branca da mesma poca de
construo - uma soluo de albarra
das (vasos floridos) inclinadas a acom
panhar o desenvolvimento da escada
(Raposo, 92) .
Um sculo mais tarde o edifcio perten
ce Fbrica Roseira, como balco de
vendas da produo que se manufactu
rava muito prximo . De facto , num
espao do Palcio da Cova, situado na
Calada dos Cesteiros, funcionava a f
brica de faiana Roseira. Porque o espa
o fosse pequeno ou porque a Rua dos
Caminhos de Ferro oferecesse maior
movimento de possveis fregueses, a
verdade que os Roseira vendiam as
faianas e azulejos no que tinha sido a
Casa Machado de Castro. No antigo
espao de entrada v-se, hoje, no tecto ,
um mostrurio de padres de azulejos
de fachada que poder datar dos ltimos
anos do sculo XIX , poca de Il1aior
produo da Fbrica Roseira.
A escadaria teve exemplares dos painis
decorativos que a fbrica tambm pro
duzia , especialmente p intados pelo
ceramista e proprietrio da fbrica,
Joo Roseira (1828-?) : um soldado eIl1
tamanho natural C0Il10 figura de convi
te e um grande j arro de hortnsias,
hoje na coleco Francisco Hiplito
Raposo . Os azulejos que se vem hoje ,
na escadaria , foraIl1 colocados em
Il1eados dos anos 60 quando da venda
dos azulejos primitivos a Hiplito
Raposo. No entanto parece ter havi
do o cuidado de a colocar azulejos
da fbrica. Pelo menos o padro
Roseira pela cor e desenho e mesmo
o padro azul e branco podeIl1 ser-lhe
atribudos.
A janela da trapeira, construda j no
sculo XIX, foi decorada com um par de
j arres floridos pintados provavelIl1ente
por Joo Roseira para o edifcio , no
como objectos de produo seriada, mas
como tema original , propagandeando as
qualidades de fabrico e as possibilidades
mais requintadas de decorao COIl1
azulejaria, semelhana do que tinha
realizado para a escadaria e que hoje
-
Calada do Card('al. Porm('nor dos balastr('s e pinha d(' faiana da Casa Augusto Victor Rosdra (fachada posterior). Fbrica da Calada dos C('steiros (Rosdra). Sc. XIX. (2.a m('tade).
pertence coleco Francisco Hiplito
Raposo , como dissemos.
O revestimento integral da fachada no
pode deixar de representar a produo
da fbrica, provavelmente mais tardio
que os jarres da janela da trapeira.
Trata-se de um raro desenho que mos
tra uma parreira com cachos de uvas e
flores. No entanto, a cercadura que sub
linha os vos relativamente comum.
Prdio de gaveto. Calada dos Cesteiros. Peupectiva da fachada azulejada.
CALADA D O CARDEAL, N . O 9
Se se utilizar a escada interior deste edi
fcio samos para a Rua do Cardeal, n. o 9 , o que corresponde fachada posterior da
Casa Machado de Castro . Nesta fachada
encontramos um revestimento de azu-
lejos axadrezado em dois tons de azul.
Ser tambm uma provvel produo dos
Roseira. Este desenho deriva de um pa
dro do final do sculo XVI, muito utilizado no sculo XVII, conhecido como
enxaquetado ou de caixilho que se desen
volve nas diagonais do quadrado. Nesta
fachada v-se ainda uma faixa de azulejo
amarelo, igual ao que foi produzido para
o Palcio da Pena. Tambm, no revesti-
mento da cimalha, outro padro Roseira
que no consta do seu mostrurio e que
veremos mais adiante numa fachada da
Rua do Grilo. Nesta fachada e na cont
gua encontramos a soluo j conhecida
de diferenciao de pisos utilizando uma
faixa alta de azulejo branco. A cercadura e
a barra em festes floridos de remate
so comuns, como tambm o o azulejo
axadrezado que se encontra tanto em
Portugal como no Brasil, de origem por
tuguesa. Cremos que tambm neste caso
os padres e cercaduras no seriam
produzidos apenas pela Fbrica Roseira.
A cimalha deste edifcio est rematada
com balastres e pinhas azuis e brancas de
faiana, peas decorativas vulgares na po-
-
Pormenor da azulejaria de fachada do pr(!dio de gaveto da Calada dos Cesteiros. Desenho inspirado num padro Minton & Coo Fbrica Calada dos Cesteiros (Roseira) . S(!c. XIX (2.8 metade).
ca, fabricadas, como se sabe, por muitas
fbricas e tambm pelos Roseira. As cha
mins esto revestidas a azulejo esponjado
ostentando a data de 1870. No interior do
edifcio no existem azulejos que mere
am destaque excepto um nico que mar
ca a data da instalao da gua corrente
junto torneira da cozinha do L andar.
O edifcio imediatamente contguo , ape
sar de no ter azulejaria de fachada, revela
uma outra utilizao para estes azulejos
lambris interiores, fabrico Roseira e
constantes do seu mostrurio .
Junto a este uma interessante repetio
do tratamento da fachada posterior da
Casa Machado de Castro que corres
ponde fachada posterior da Casa de
Augusto Victor Roseira, segue-se uma
fachada revestida a padro de crochet,
correspondendo tambm fachada
para a Rua dos Caminhos de Ferro .
PALCIO DA C OVA
O edifcio de gaveto da Calada do
Cardeal e Calada dos Cesteiros, situa
-se numa cota bastante alta, sobre os
caminhos-de-ferro e corresponde a uma
parte da Casa da Cova, construda na
transio do sculo XVI para o sculo
XVII e com muitssimas campanhas de
obras posteriores. Apesar de se apresen
tar hoje com esta cota elevada em relao
aos caminhos de ferro, a designao Casa
da Cova diz respeito ao antigo Palcio
que se situava numa cova , relati
vamente ao Campo de Santa Clara. De
facto esta fachada que interessa histria
da azulejaria de fachada no seria a
mesma do antigo Palcio ou Casa da
Cova que foi habitado pelo cardeal Joo
Mota da Silva, no sculo XVIII. Como
muitos edifcios nobres ou religiosos, no
Caminho do Oriente, a Casa da Cova foi
totalmente desvirtuada das suas funes
-
de habitao para se transformar numa
fbrica e em prdio de habitao.
Sabemos que a Fbrica Roseira foi ins
talada em parte deste edifcio que che
gou a ser comprada por Joo Roseira,
facto que nos foi relatado pelo Sr. Fer
nando Ferreira, representante da fa
mlia, constante de documentao que
guarda no seu domiclio, em Viseu. Ser
possvel a azulejaria de fachada que ape
nas cobre uma poro individualizada
da imensa construo dever-se tambm
aos Roseira? No parece lgico que os
Roseira desperdiassem uma to im
portante montra da sua produo ,
localizada no gaveto e a uma cota so
branceira, visvel do rio . Outra e no
menos importante razo, determinada
pela anlise do modelo do padro, pode
constituir tambm uma boa hiptese de
atribuio desta azulejaria aos Roseira .
O padro em causa representa um de
senho de inspirao internacional ,
constitudo por pequenos crculos onde
se desenha uma folhagem estilizada, de
grande simplicidade e rigor geomtrico.
Ao que parece inspira-se num padro
ingls produzido pela Minton & Co de 1880 (Alcntara, 1980) . Foi produzido
entre ns em dois tons de verde, como
neste caso, em dois tons de ocre que ve
remos na Rua do Grilo e em dois tons de
azul, soluo cromtica mais conseguida
e mais prxima do gosto portugus.
Encontra-se em muitas zonas de Lisboa,
e no Brasil pelo menos na Bahia e S. Lus
do Maranho (Alcntara , 1980, Barata,
1986, Knof, 1986) . Ter sido produzido
por outras manufacturas portuguesas.
Trata-se ento de um caso muito seme-
lhante ao padro de crochet a que j
nos referimos e que est documentado
como produo dos Roseira, no seu
mostrurio na Casa Machado de Castro
e no catlogo da Fbrica das Devesas,
como dissemos. O padro que agora
nos ocupa no est catalogado nem
aparece no mostrurio referido. No
improvvel que os Roseira, naturaliza
dos portugueses mas originrios de
Praga ou Saint-Gall, tenham sido os
primeiros a importar e fabricar estes
dois padres de gosto internacional e os
tenham introduzido, com sucesso, no
gosto nacional e no revestimento inte
gral de fachadas, modalidade de uso da
azulejaria que obviamente pertence ao
que podemos designar como arte
urbana portuguesa do sculo XIX.
A REAL FBRICA DA BICA DO SAPATO
N o local da actual Rua da Bica do
Sapato houve uma fbrica de faiana e
azulejos da qual no parece restar
nenhum vestgio fsico . Muito se tem
especulado acerca da produo da f
brica que dura relativamente pouco
tempo. Alguns pintores desta fbrica
foram trabalhar para a fbrica de Estre
moz, provavelmente depois do perodo
das invases francesas , transportando
consigo as tcnicas, o cromatismo e as
maneiras da Fbrica da Bica do Sapato
29
pelo que por vezes se confunde a
produo das duas fbricas. No entan
to , parece no ter havido uma produo
de azulejos significativa em Estremoz,
que se dedicava preferencialmente s
peas de faiana.
A nica pea de faiana que se pode
atribuir com absoluta segurana a esta
fbrica uma travessa com os dizeres
Real Fbrica da Bica do Sapato , em
moldura oval central. Trata-se de uma
travessa moldada, de aba canelada de
corada com sanefas e festes pendentes.
No interior um anjinho segura um
compasso deitado sobre uma constru
o em volutas e concheados muito
decorada com flores, grinaldas e frutos
em composio assimtrica. Todos ou
quase todos os pigmentos usados na
poca foram distribudos pela decora
o da pea, que provavelmente seria
uma espcie de amostra das capacidades
de produo da fbrica.
Algumas peas no marcadas so atri
budas pelos ceramgrafos portugueses
Fbrica da Bica do Sapato , e actual
mente , no Catlogo da Exposio da
Cermica Neoclssica em Portugal so
-lhe atribudas com reserva cerca de
15 peas. Tambm se publica excerto
da documentao da Junta do Comr
cio , Arquivo Histrico do Ministrio
das Finanas, que se refere ao seu pro
cesso de licenciamento . O texto assina-
do por Joaquim Fernando Bandeira e
Domingos Vandelli, datado de 1801 ,
refere o pedido de licenciamento da
-
fbrica de Lus Soares Henriques,
junto Bica do Sapato , na Horta das
Flores, junto ao Cais do Tojo que se
estaria a construir. O local e as peas
que foram mostradas parecem conve
nientes, no entanto , o texto revela uma
nota negativa em relao ao mestre da
fbrica Joaquim Simpliciano Franco.
O pedido de licenciamento j datava de
1796 e ao que parece existem peas que
se podem datar de 1795, o que signifi
ca que a fbrica trabalha sem licencia
mento durante algum tempo. A fbrica dura at cerca de 1820 .
No mesmo catlogo fica provada a exis
tncia de uma outra fbrica na zona, a
Fbrica da Calada dos Cesteiros a que
j nos referimos , pela sua importncia
na produo de azulejaria de fachada e
que se instalava no Palcio da Cova em
1832 , nada tendo a ver com a produo
nem com o local fsico da Real Fbrica
da Bica do Sapato . Nada nos diz que
no tenha efectivamente usado a antiga
fbrica em determinado momento, no
entanto, no usa o nome, nem as pro
dues respectivas tm qualquer
sentido de continuidade.
Sabe-se que a fbrica produziu azulejos
pela declarao de Francisco Paula e
Oliveira , publicada no catlogo citado
e proveniente da mesma fonte , em
que afirma ter ido pintar azulejos para
a Fbrica da Bica do Sapato quando a
Real Fbrica do Rato fechou em 1808,
por motivo das invases francesas,
tendo regressado ao Rato quando da
Restaurao. No entanto no passiveI
atribuir nenhum revestimento cermi
co a esta fbrica, apenas conjecturar
que tenha fabricado azulejos, peas de
muito mais fcil produo do que as
peas moldadas que lhe so atribudas,
exigindo , no entanto , maiores conhe
cimentos de desenho por parte dos
mestres pintores, na medida em que se
trabalha escala mural.
Curioso o facto de o prato com a tabe
la Real Fbrica da Bica do Sapato, refe
rido acima, mostrar na sua decorao
uma Alegoria ao Desenho como modo
de expressar a capacidade dos pintores
da fbrica.
CAPELA D E SANTO ANTNIO
N a Rua do Vale de Santo Antnio , um
pouco acima da Rua da Bica do Sapato ,
fica a Capela de Santo Antnio , de
antigas tradies na rua, situada em
edifcio encaixado nas construes
contguas. Trata-se se uma reconstru
o da antiga ermida que dataria do
sculo XVI , erguida em torno de uma imagem do santo , da mesma poca .
A lenda conta que Santo Antnio ter descido por este vale onde se sentou
a descansar, antes de embarcar para
Itlia, num dos cais da Lisboa Oriental.
Como santo de grande devoo
popular, conta ainda a lenda que foram
os operrios de Lisboa que constru
ram a capela oferecendo o seu traba
lho e os materiais de construo . Ainda
30
hoje uma confraria preside e vela pela
manuteno da capela.
O edifcio tem uma traa austera e , no
interior, a capela revela alguma largueza.
A decorao foi um dos aspectos mais cuidados na sua construo . Assim, azule
jaria, talha dourada e imaginria, dinami
zam e emprestam dignidade ao espao .
Os azulejos revestem todos os alados e
so recortados nas cabeceiras, em pro
longamento rocaille das cerca duras
muito movimentadas. As cartelas mos
tram cenas da vida e milagres de Santo
Antnio. Trata-se de uma azulejaria
policroma e extremamente bem con
servada e da melhor qualidade enquan
to fabrico . No entanto , o desenho das
cenas, escala mural, assaz ingnuo,
embora eficaz como forma de comu-
nicao. A tipologia decorativa dos
azulejos aponta para uma produo
ps-terramoto, j tardia, numa poca
em que despontava j uma linguagem
neoclssica na azulejaria portuguesa.
Pelos documentos guardados na con
fraria sabemos que os azulejos foram
pagos em 1795, embora no se tenha
encontrado meno do fabricante ou
do pintor . Pela proximidade com a Rua
da Bica do Sapato tem sido aventada a
possibilidade de ser uma produo
desta fbrica. Os elementos decorativos
das cercaduras, as tonalidades francas
dos pigmentos usados, e at a ingenui
dade do pintor , podem ser razes
plausveis para a atribuio deste ncleo
decorativo Bica do Sapato .
-
Palacete Beau Sjour. Pormenor da fachada. Fbrica da Calada dos Cesleiros (Roseira). Sc. XIX (23 metade).
FBRICA ROSEIRA
A F BRl CA Roseira fundada por um mestre loueiro estrangeiro, instalou-se em Lisboa e tornou-se rapida
mente numa das fbricas de faiana com
importncia na difuso do gosto pela
azulejaria de fachada em Lisboa. O seu
sucesso deveu-se s encomendas de
D . Fernando II para o Palcio da Pena,
reproduo e recriao de modelos da
azulejaria tradicional portuguesa, fruto
do gosto eclctico que vigorava na segun
da metade do sculo XIX e por esta via um reconhecimento do valor da azulejaria
como forma de arte decorativa nacional.
A criao de novos modelos de azulejos
desenhados para fachadas, para escada-
rias ou vestbulos tornou-se ento uma
realidade a que se juntavam tambm
balaustradas, pinhas, jarres e fogarus
em faiana, para remate dos prdios,
emprestando uma imagem mais rica e viva
severidade da arquitectura corrente
dos prdios de rendimento da capital. A
azulejaria de fachada dos Roseira mostra
uma grande capacidade de adaptao ao
gosto portugus, na forma como se arti
cula com a arquitectura, atravs de frisos
e cercaduras, restaurando tambm a anti
ga forma de ladrilhar, contornando as
cantarias, ajustando-se com o mximo
rigor a todo o tipo de formas nomeada
mente as cncavas e convexas.
A produo de alguma azulejaria artis
tica , figurativa e peas de vulto , nome-
33
adamente os medalhes della-robiannos
de fachada, marcados com R, de inicia
tiva de Joo Roseira, comeam agora a
ser conhecidos e caracterizados como
produo da fbrica.
O conhecido Estudo Quimico e tecno
lgico sobre a cermica portuguesa de
finais do sculo XIX (Charles Lepierre, Lisboa, 1899, p. 134 , 135), publica as
indicaes essenciais sobre a fbrica da
Calada dos Cesteiros , que designa por
fbrica de Augusto Victor Roseira.
Indica a data de fundao 1833, a data
em que Joo Roseira dirige a fbrica,
1885-95 e a passagem desta ao neto
do fundador, Augusto Victor Roseira,
contemporneo de Lepierre. Refere
que foram os primeiros a produzir
azulej os para construo em 1840 ,
tendo a fbrica dois fornos, 4 moinhos
para moer vidro, movidos por motor a
vapor de 6 cavalos. A fbrica estava
instalada em 3 pisos e trabalhava com
barro branco dos Prazeres. Publica o
Museu do Azulejo documentos daJ unta
do Comrcio que confirmam a data de
fundao e nome do fundador Vicente
Roseira , estrangeiro , e a localizao
exacta da fbrica - O Palcio da Cova
(Cal . Cermica Neoclssica, MNA,
Lisboa, 1997, p . 240) . Finalmente,
Alexandre Paes d a conhecer os Ro
seira como fornecedores do Palcio da
Pena (em trabalho curricular da disci
plina de Histria da Arte Contem
pornea' do Mestrado em Histria da
Arte na Universidade Nova de Lisboa,
-
Busto de D. Carlos I. Fragmento de medalho de faiana. Joo Roseira (?). S.c. XIX. (2.a metade).
de 1977) . Uma vistoria fbrica para
determinar a sua salubridade em 1858,
poca ainda de Vicente Roseira, confir
ma a produo de azulejos que eram
fabricados no ptio do Palcio, o uso
de barro dos Prazeres, de uma paleta
pouco variada, facto j referido como
negativo por vrios autores da poca,
nomeadamente Joaquim de Vascon
cellos, como veremos adiante. Esta do-
cumentao publicada em Comu
nicao s III Jornadas de Cermica
Medieval e Pst-medieval, Mtodos e
Processos, Tondela, 28 a 31 de Outubro
de 1998 , documentos da Torre do
Tombo, do Arquivo das Finanas - Mi
nistrio do Reino sobre vistorias
fbrica de Vicente Roseira em 1858
(Mangucci, "A pesquisa e anlise de do
cumentos . . . " in Actas . . . , no prelo) .
Entre 1858 e 1899, data do estudo de
Lepierre, verifica-se que a fbrica se
manteve no essencial, apesar de estar
equipada com motor a vapor. No en
tanto a sua produo , e mesmo a
proteco de D. Fernando II que lhes
encomenda uma srie grande de azule
jos para o Palcio da Pena, justificam a
compra das instalaes fabris em r879 e
a instalao de um depsito de vendas
na Rua dos Caminhos de Ferro e a
compra de muitos prdios na zona de
Alfama , para sua habitao prpria ou
rendimento . O trabalho de campo que
efectumos no Caminho do Oriente
permitiu avanar no conhecimento da
fbrica, nomeadamente atribuir-lhe
alguns dos revestimentos de fachada
neste local e, por outro lado , descobrir
outro tipo de produo dos Roseira.
Para tal contriburam muito as infor
maes, documentao e peas da colec
o da famlia. Um ensaio genealgico
de Fernando Jos Rodrigues Ferreira e
seu genro, alis autor da pgina, pintor
Lus Filipe Calheiros foram da maior
utilidade. AB informaes contidas nes-
34
te documento foram cruzadas com notas
da agenda da Sra. D . Isaura Roseira Pe
reira de Sousa, na posse de sua filha,
Sra. D. Maria Lusa Bacelar que alis
tambm nos facultou a leitura dos ttu
los dos jazigos. A coleco de Fernando
Ferreira e da Sra. D . Maria Isabel Ro-
drigues Ferreira Craveiro Lopes, com
peas da fbrica, e peas de Joo Ro
seira, foram essenciais para o nosso
estudo , assim como as da Sra . D . Maria
Lusa Bacelar.
A famlia Rosinska ou Rosenska veio de
Samkt-Gallen, na Bomia, para Lisboa,
com a inteno de se instalar como fabri
cante de loua. Segundo elementos da
famlia, Franz Rosinska, foi o primeiro a
chegar a Portugal, naturalizado Francisco
Roseira. Este Francisco poderia ter sido o
comprador da Real Fbrica da Bica do
Sapato que Jos de Queirs liga fbrica
Roseira e de que nunca mais se fala
(Queirs, Lisboa 1987, p. 86 e 366; I . a
ed. , 1907) . Um aspecto referido pela
famlia liga-se a este facto : a existncia de
pretas de faiana em dois ramos da
famlia diferentes e com quem falmos
separadamente. AB cabeas de pretas , peas de faiana moldadas com tampa e
formando uma espcie de caixa, so
tradicionalmente atribudas ao fabrico
Bica do Sapato embora tambm Real
Fbrica do Rato (Cat. Cermica Neo
clssica, MNA, Lisboa, 1997, p. 240) .
Ocuparam -se da fbrica trs geraes
da famlia Roseira, no tempo da sua
durao :
-
l. O) Vicente Roseira, fundador da fbrica de faiana, (Praga, ou Samkt-Gallen,
1790 - Lisboa, cerca de 1862) . A data
de transladao do seu corpo para o
jazigo do Alto de S. Joo (ttulo I053) ,
pertencente a Eugnio Roseira , seu
filho, de 1867 (deve ter morrido 5
anos antes) . Foi casado com Joaquina
Maria Nunes (? 1797 - Lisboa 1868) ;
2. ) Eugnio Roseira (Lisboa? - Lisboa, 1879) , o segundo dono da fbrica; sem
filhos, faz testamento , em 1878 a favor
do sobrinho Augusto Victor. Compra
um jazigo no Alto de S. Joo em 1867.
Tem quatro irms e um irmo , Joo , que
lhe sucede. As quatro irms Eugnia ,
Emlia, Doroteia e lrmnia eram soltei
ras e viviam numa casa junto ao Chafariz
del'Rei, revestida a azulejos. Tinham
casa de campo no Campo Grande,
destruda para a construo da Cidade
Universitria, era revestida a azulejos e
tinha painis no interior e um grande
jardim com azulejos. Chamavam-lhes as
tias do Campo Grande .
3. ) Joo Roseira (Lisboa , ? - Lisboa, 1895 (? , irmo do anterior , foi in
dustrial e ceramista e foi casado com
D. Josefa Francisca Vidal , natural de
Mellon, Tuy, na Galiza . O casamento
realizou-se em 16 de Janeiro de 186o,
existindo peas de faiana comemora
tivas da data. Teve dois filhos e duas
filhas . Comprou a fraco do Palcio
da Cova onde se instalara a fbrica, em
1879 por 600 000 ris a Manuel An
tnio Monteiro que era seu propriet-
rio de raiz (segundo apontamentos da
famlia) . Morou no edifcio da Rua dos
Caminhos de Ferro , depsito de ven
das da fbrica e no Beco do Belo , no
edifcio das esferas pintadas em
azulejo. Tinha casa de Vero nas Caldas
da Rainha;
4. ) Augusto Victor Roseira (Lisboa, 1862 - Lisboa, 1941) o ltimo pro
prietrio da fbrica. Tem um irmo,
Dr. Jlio, com gerao e duas irms,
Adelaide , sem gerao , e Isabel Virg
nia , com gerao . Viveu com sua filha
Isaura Roseira, casada com Dr. Alfredo
Pereira de Sousa, na Rua dos Caminhos
de Ferro , n. o 2 6 , 2 8 , num prdio com
azulejos, com fachada para a Calada
dos Cesteiros. Fechou a fbrica cerca de
1930 (?) . A ltima pea datada que se
conhece da fbrica o revestimento da
Fbrica das Balanas, junto S, em
Lisboa, de 1918 , assinada P.tor Reis
e marcada F.ca Roseira . A grande
poca da fbrica a da segunda metade
do sculo XIX , comeando depois a decair. De facto , em 1904, Augusto
Victor Roseira pede cmara para
construir um barraco na sua fbrica
de azulejos, cita na Calada dos Ces
teiros, n . o 15 , mostrando ainda uma
certa vida na produo fabril. Um auto
de vistoria da Cmara Municipal de
Lisboa de 1927 , informa que o Palcio,
foi aproveitado para indstria cer
mica e dividido por tabiques para abrigar
as numerosas famlias que o habitam.
Na mesma origem um despacho de 1929
35
Revt:rso da pea da figura anterior. Marca R. Joo Roseira (?). Sc. XIX. (2.a metade).
autoriza a demolio de uns fornos . . .
Parece ento poder inferir-se que a f
brica labora de 1832 a cerca de 1930 .
Joo Roseira foi conhecido ceramis
ta , corno nos diz Liberato Telles , a
propsito da sua encomenda de azule
jos para restauro da Igreja da Madre de
Deus (Telles, 1899 , p. 18) .
Fabricava ele mesmo peas de presen
te que ainda existem nas coleces da
-
Palcio de Sintra. Mirante. Reve.stimento a azulejo amarelo. Fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.a metade). famlia. Marcava as suas peas com R, R
com pontos e R rodeado de vergntea.
Algumas eram objectos de faiana mol
dada como cestas floreiras , cestas perfu
radas (inspiradas nas clebres verguinhas
criadas pelo Manuel Mafra nas Caldas,
seu contemporneo e como ele protegi
do por D . Fernando) . Na coleco de
Cascais existe mesmo um par de pratos -
abanos de palha , tpico da produo
das Caldas, mas atribudo pela famlia a
Joo Roseira . Outras peas que se
encontram na coleco de Viseu, so
vasos, pratos e canecas datadas e com
iniciais , correspondendo a datas
festivas. Um prato , da mesma coleco,
mostra a efgie de D . Fernando , dese
nhado de forma ingnua.
Na casa de Vero , das Caldas, tinha uma
pequena oficina de olaria, no jardim.
A fachada era azulejada com azulejo
vidrado verde, provvel fabrico Caldas.
No entanto, na fachada posterior, esta
vam colocados dois Tondi (medalhes)
de faiana maneira dellarobbiana, que
se v claramente numa fotografia de
famlia. Joo Roseira assistiu em 1870,
descoberta do portal da Igreja da
Madre de Deus pelo arquitecto Jos
Maria Nepomuceno . A descoberta foi
possvel graas ao quadro da Procisso
das Relquias de Santa Auta (hoje no
MNAA) , representando a fachada ma
nuelina da Madre de Deus, onde esta
vam os Tondi de Dellarobbia, hoje
tambm no mesmo Museu.
Joo Roseira produziu e ter ele mes
mo moldado, como conhecido cera
mista , uma srie destes medalhes de
fachada, marcados com R. O par da
coleco de Cascais , marcado R, com
pontos , mostra uma cena repartida,
invertida para formar o par, com um
bacanal de putti, muito renascena .
Vimos outro par na coleo de Lisboa,
sem marca, que infelizmente se partiu
e sabemos de outro par ainda, este
de 65 cm de dimetro , em coleco
particular , S .J oo do Estoril , com
retratos de D. Fernando (r816-1885)
e de D . Lus (1838-1889) , marcados
com R.
Tambm pintou azulejos . Conhecem
-se os que estavam na antiga Casa Ma
chado de Castro , hoje na coleco de
Francisco Hiplito Raposo , que deles
deu notcia num artigo do Indepen
dente (Francisco Hiplito Raposo ,
A Real Fbrica da Bica do Sapato in,
O Independente, 13 de Novembro de 1992) . Da mesma casa saiu tambm um
painel de cozinha, com iguarias dese
nhadas, hoje na coleco de Cascais.
O conde de Sabugosa afirma que o
Sr. Roseira fabricou e introduziu no
mercado o clebre padro de azuleja
ria sevilhana, conhecido como p de
galo , existente no patio do repuxo no
Palcio de Sintra (Conde de Sabu
gosa, O Pao de Cintra, Lisboa, 1903, p . 2 07) .
Joaquim de Vasconcellos o nico
autor que escreve criticamente sobre os
azulejos da fbrica , referindo que ,
apesar do Sr . Roseira no marcar os
seus azulejos , produzia azulejo liso ,
isto sem relevo , de boa qualidade
(Vasconcellos, Cermica portuguesa,
1884, p. 75) . Na Exposio de Cer
mica Nacional do Porto em 1 8 8 2 , o
mesmo autor reporta que o Sr. Roseira
(trata-se j de Joo Roseira) apresen
tou uma cpia de um padro antigo
(que tambm se expunha e era per-
-
tencente coleco do arquitecto Jos
Maria Nepomuceno) . Tratar-se-ia dos
azulejos de fachada do Palcio de Sin
tra, modelo de feio arabizante ,
produzido pelos Roseira : . . . as cores
so ordinrias, sem fora sem transpa
rncia e sem esmalte. Perdeu-se o
verde antigo, intenso , perdeu-se a cor
de vinho , perdeu-se a cor turquesa, e
as outras duas (azul e castanho) ,
perderam pelo menos a intensidade e a
transparncia: o caracter do esmalte"
(Vasconcellos, op. cit. ) . No entanto
admira os azulejos de relevo da fbrica:
O snr. Roseira tinha-os at de relevo ,
de muito bom effeito . (Idem, p. 76) .
Esta declarao de Vasconcellos pode
relacionar-se ainda com os azulejos
da Pena, onde existem numerosos pa
dres em relevo .
De facto , em 1854 compram-se azule
jos para a fachada do Palcio de Sintra a
Eugnio Roseira. Trata-se de azulejos
que reproduzem azulejaria quinhen
tista de fabrico sevilhano , conhecido
como padro de estrela, fabricado tanto
na tcnica de corda seca como de aresta
e largamente importados por Portugal.
D . Fernando II escolhe um modelo que
existe tanto na zona conventual do
Palcio como no Palcio da Vila de
Sintra , e coloca-o emblematicamente
na fachada do Palcio da Pena. Alexan
dre Paes , no texto j citado aponta esta
renovao do interesse pela azulejaria,
agora corno decorao de fachada,
corno um moda que tambm deve
ser imputada a D . Fernando I I , prova
velmente o mais importante fazedor
de gosto na sua poca . Corno j refe
rimos, esta encomenda, d obviamente
notoriedade Fbrica Roseira e, apon
ta o caminho do interesse pela azule
jaria portuguesa tradicional a que os
Roseira vo ficar atentos.
Com toda a probabilidade os Roseira
forneceram a azulejaria amarelo-ouro ,
que reveste as cpulas da mirante .
O mesmo azulejo amarelo pode ver-se
na fachada posterior da Casa Machado
de C astro , Rua dos Caminhos de
Ferro . Como veremos os Roseira vo
fornecer toda a fachada do Palacete
Beau Sjour; a encontramos tambm
um pavilho de jardim ladrilhado com
o mesmo azulejo amarelo .
Em 1867 trs outros modelos fabrica
dos pelos Roseira vo integrar a decora
o dos interiores do Palcio da Pena;
interessa-nos especialmente o modelo
de padronagem para o interior da es
cadaria da Torre do Relgio , colocado
nas paredes e cpula. O padro revela
urna notvel capacidade de inveno
e muito feliz como desenho ; apren
de-se a lio de geometria da azuleja
ria morabe, utilizam-se as diagonais
do quadrado, o que permite, quando
da construo do tapete multiplicar
as diagonais criando efeitos dinmicos
e imprevistos . A simplicidade do
mdulo utilizado, uma folha recortada,
de inspirao naturalista , facilita a
produo em srie. Este padro inven-
37
Palacete Beau SejoUl-. Pormenor da fachada. AwJejaria da fbrica da Calada dos CC'steiros (Roseira). Sec. XIX (2.3 metade).
ta do para a Pena ter uma longa vida
e vamos encontr-lo em muitssimos
prdios de Lisboa, provavelmente de
pois de ser usado no Palacete Beau
Sjour, em Benfica.
De facto , em texto mais recente pu
blicado sobre Beau Sjour faz-se
a atribuio da sua fachada azulejada
Fbrica Viva Lamego (Teresa Vale,
O Beau Sjour: Uma quinta l'omnti-
-
Mostrurio de azulejaria de fachada (fragmento). Casa Machado de Castro. Antigo depsito de azulejos da fbrica da Calada dos Cesteiros (Roseira). Sc. XIX (2.a metade).
ca de Lisboa, Lisboa, s . d . ) . A autora
baseia -se numa investigao da azu
lejaria de fachada (Barros Veloso e
Isabel Almasqu, Azulejos de Facha
da em Lisboa II, in Lisboa Revis
ta Municipal , Lisboa, Ano XLIV, . a srie, n . o 4, . o trimestre, 1983 ,
No interior da casa do Beco do Belo,
onde viveu Joo Roseira, encontra-se
um mostrurio de produes da fbri
ca, colocado a formar lambrins. Nesta
casa encontrmos fragmentos de todos
os elementos da fachada do Palacete, o
padro de folhas, da Pena, e a decora
o do fronto curvo : o padro de
vulos, amarelo e azul e mesmo o
padro de pintas azul-cobalto .
Se percorrermos o eixo, desde o Cam
po das Cebolas ao Largo dos Caminhos
de Ferro verificamos a moda do pa
dro de folhas do Palcio da Pena e do
Palacete Beau Sjour . Encontramos
cerca de 10 prdios com este padro
glosado em diferentes jogos de cores, o
mesmo acontecendo na zona da Rua da
Madalena e outros pontos do Chiado .
No primeiro caso trata-se de uma ver
dadeira rea geogrfica de influncia
da fbrica, a que no deve ser estranha
a ligao desta famlia com famlias
galegas, importantes construtores e
proprietrios dessas zonas . Junto ao
Chafariz d' el Rei uma casa pertencente
aos Roseira e tm mesmo uma variante
do padro de folhas que no vimos em
mais nenhum local . Trata-se de uma
curiosa viagem, o percurso deste pa
dro que pode ter comeado no prdio
do Largo dos Caminhos de Ferro
(I865?) para o Palcio da Pena (1867) ,
ou inversamente, o que seria mais na
tural. De qualquer modo a sua aceita
o no mercado passa naturalmente
pela utilizao que dele se faz no