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  • CAPA_Fortuna_Crítica_7.indd 1 15/10/14 13:12

  • Coleção Fortuna Critica da INTERCOMConsultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa

    Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz

    Vol. 1 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Jornalismo e MidiologiaIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi, org. (2013)

    Vol. 2 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Teoria e Pedagogia da ComunicaçãoIury Parente Aragão, Sônia Jaconi, Osvando J. de Morais, org. (2013)

    Vol. 3 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Comunicação, Universidade e SociedadeClarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais,

    Sônia Jaconi, org. (2013)

    Vol. 4 – Fortuna Crítica da Intercom – José Marques de MeloClarissa Josgrilberg Pereira, Eduardo Amaral Gurgel, Iury Parente Aragão,

    Osvando Morais, org. (2014)

    Vol. 5 – Fortuna Crítica da Intercom – VisionáriosIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,

    Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)

    Vol. 6 – Fortuna Crítica da Intercom – BaluartesIury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,

    Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)

    Vol. 7 – Fortuna Crítica da Intercom – TimoneirosClarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão,

    Osvando J. de Morais, org. (2014)

  • Fortuna Crítica da IntercomTimoneiros

  • Coleção Fortuna Critica da INTERCOMConsultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa

    Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e Tyciane C. Vaz

    DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2014  2017

    Presidência – Marialva Carlos Barbosa (UFRJ)Vice-Presidência – Ana Silvia Lopes Davi Médola (UNESP)

    Diretoria Financeira – Fernando Ferreira de Almeida (METODISTA)Diretoria Administrativa – Sonia Maria Ribeiro Jaconi (METODISTA)

    Diretoria Científica – Iluska Maria da Silva Coutinho (UFJF)Diretoria Cultural – Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU)

    Diretoria de Projetos – Tassiara Baldissera Camatti (PUCRS)Diretoria de Documentação – Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ)

    Diretoria Editorial – Felipe Pena de Oliveira (UFF)Diretoria de Relações Internacionais – Giovandro Marcus Ferreira (UFBA)

    Diretoria Regional Norte – Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues (UFAM)Diretoria Regional Nordeste – Aline Maria Grego Lins (UNICAP)Diretoria Regional Sudeste – Nair Prata Moreira Martins (UFOP)

    Diretoria Regional Sul – Marcio Ronaldo Santos Fernandes (UNICENTRO)Diretoria Regional Centro-Oeste – Daniela Cristiane Ota (UFMS)

    Conselho Fiscal

    Elza Aparecida de Oliveira Filha (UP)Luiz Alberto Beserra de Farias (USP)

    Osvando J. de Morais (UNESP)Raquel Paiva de Araujo Soares (UFRJ)

    Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (USP)

    Conselho Curador – quadriênio 2013-2017

    Presidente – José Marques de MeloVice-Presidente – Manuel Carlos da Conceição Chaparro

    Secretária – Cicília Maria Krohling PeruzzoConselheiro – Adolpho Carlos Françoso Queiroz

    Conselheira – Anamaria FadulConselheiro – Antonio Carlos Hohlfeldt

    Conselheiro – Gaudêncio TorquatoConselheira – Margarida Maria Krohling Kunsch

    Conselheira – Maria Immacolata Vassallo de LopesConselheira – Sonia Virginia Moreira

      

    Secretaria Executiva Intercom

    Gerente Administrativo – Maria do Carmo Silva BarbosaWeb Designer – Genio Nascimento

    Assistente de Comunicação e Marketing – Jovina Fonseca

  • Fortuna Crítica da IntercomTimoneiros

  • Direção EditorialFelipe Pena de Oliveira

    PresidênciaMuniz Sodré (UFRJ)

    Conselho Editorial – Intercom

    Alex Primo (UFRGS)Alexandre Barbalho (UFCE)

    Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP)Christa Berger (UNISINOS)

    Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP)Erick Felinto (UERJ)

    Etienne Samain (UNICAMP)Giovandro Ferreira (UFBA)

    José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal)Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS)José Marques de Melo (UMESP)

    Juremir Machado da Silva (PUCRS)Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália)

    Luiz C. Martino (UnB)Marcio Guerra (UFJF)

    Margarida M. Krohling Kunsch (USP)Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs)

    Marialva Barbosa (UFF)Mohammed Elhajii (UFRJ)

    Muniz Sodré (UFRJ)Nélia R. Del Bianco (UnB)Norval Baitelo (PUC-SP)

    Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP)Osvando J. de Morais (UNESP)

    Paulo B. C. Schettino (UFRN/ASL)Pedro Russi Duarte (UnB)

    Sandra Reimão (USP)Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB)

  • Fortuna Crítica da IntercomTimoneiros

    Vol. 7 – Coleção Fortuna Crítica

    Osvando J. de MoraisClarissa Josgrilberg Pereira

    Iury Parente Aragão(Orgs.)

    São PauloIntercom

    2014

  • Ficha Catalográfica

    Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros / Organizadores,

    Osvando J. de Morais, Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão. – São Paulo: INTERCOM, 2014. Coleção Fortuna Crítica; vol. 7 307 p. ; 23 cm

    ISBN: 978-85-8208-074-0 Inclui bibliografias.

    1. Comunicação. 2. Comunidade. 3. Intercom. 4. História. 5. Cultura. 6. História da Comunicação. 7. Crítica. 8. Biobibliografia. 9. Ex-presidentes. 10. Diretoria. 11. Memória. I. Morais, Osvando J. de. II. Pereira, Clarissa Josgrilberg. III. Aragão, Iury Parente. IV. Título.

    CDD-079.09 CDD-302.23

    Coleção Fortuna Crítica Vol. 7 –Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    Copyright © 2014 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM

    EditorOsvando J. de Morais

    Projeto Gráfico e DiagramaçãoMariana Real e Marina Real

    CapaMariana Real e Marina Real

    RevisãoCarlos Eduardo Parreira

    Todos os direitos desta edição reservados à:Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOMRua Joaquim Antunes, 705 – PinheirosCEP: 05415 – 012 – São Paulo – SP – Brasil – Tel: (11) 2574 – 8477 / 3596 – 4747 / 3384 – 0303 / 3596 – 9494http://www.intercom.org.br – E-mail: [email protected]

  • Sumário

    Prefácio ....................................................................................................... 12Ofelia Elisa Torres Morales

    Prólogo ....................................................................................................... 14Esnél José Fagundes

    Introdução .................................................................................................. 17Clarissa Josgrilberg PereiraIury Parente Aragão

    1. Marialva Barbosa: Comunicação e história ............................................. 19Igor SacramentoHerica LeneLeticia Cantarela Matheus

    2. Rosa Maria Cardoso Dalla Costa: Uma profissional demúltiplas habilidades .................................................................................. 46Elza Oliveira Filha

  • 3. Osvando José De Morais: – Quixote? – Sísifo? Ou simplesmente,além de Brasileiro Cordial... Professor Teimoso? ........................................ 64Paulo B. C. Schettino

    4. Moacir Barbosa: Para além de títulos e livros ......................................... 78Maria Érica de Oliveira Lima

    5. Ana Carolina Temer: Uma Timoneira forte e sensível queescuta as ondas e sente o vento! .................................................................. 88Simone Antoniaci Tuzzo

    6. Maria Ataide Malcher: Uma timoneira comprometidacom a Comunicação ................................................................................. 111Jane A. MarquesFernanda Chocron MirandaSuzana Cunha LopesSuellen Miyuki Alves Guedes

    7. Paula Casari Cundari: Reflexões e iniciativas voltadas paraa comunicação regional ............................................................................. 139Maria Alice BragançaPaula Regina Puhl

    8. Iluska Coutinho: Azul da cor do mar televisivoe outras cores ............................................................................................ 156Jhonatan Mata

    9. Maria Cristina Gobbi: Protagonismo Acadêmico ................................ 174Paulo Vitor Giraldi Pires

    10. José Carlos (Zeca) Marques: uma história de paixão porComunicação e Esporte ........................................................................... 194Ary José Rocco Jr

    11. Fernando Ferreira de Almeida: A prática e o ensinoda Comunicação ....................................................................................... 215João Carlos Picolin

  • 12. Raquel Paiva: A comunidade em questão ........................................... 236Guilherme Moreira FernandesMarcello Gabbay

    13. Edgard Rebouças: Engajamento e labor .............................................. 258Rose Mara Vidal de Souza

    14. Paula Puhl: Carreira permeada por discursividadenas narrativas escritas e audiovisuais ......................................................... 270Poliana Lopes

    15. Valério Cruz Brittos: Perfil acadêmico ................................................ 279César BolañoJoanne Mota

    16. Nélia del Bianco: Múltiplas funções e uma única paixão,o rádio ...................................................................................................... 292Eliane MunizMaria Moraes Luz

  • 12 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    PREFÁCIO

    Prefácio

    Ofelia Elisa Torres Morales1

    Este livro surge inspirado no reconhecimento de uma geração de pesquisadores das ciências da comunicação que marcou, pela sua determinação profissional, curiosidade investigativa e pluralidade visionária, o universo comunicacional brasilei-ro contemporâneo.Trata-se de uma comunidade dinâmica que muito contribuiu na consolidação de diversas instituições de pesquisa na área. Uma delas, a INTERCOM, experimentou a efervescência transformadora de um grupo comunicacional de cientistas “timoneiros” que, com seu espírito inovador, trouxe dinamis-mo no campo de estudos midiáticos, identificando-se nuan-ces e diversidades, não somente de temáticas e visões, como também, revelando variedade regional significativa. Como os timoneiros que indicam os caminhos seguros no alto mar, a relevância de cada um dos especialistas revelados nesse

    1. Pós-Doutora em Comunicação Social pela Cátedra UNESCO da Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP. Doutora em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Mestre em Rádio e Televisão pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP. Graduada em Ciências da Comunicação – Habilitação Cinema, Rádio e Televisão pela Universidade de Lima, Peru.

  • 13Prefácio

    projeto editorial é expressiva, principalmente, pelo incentivo no aprofundamento de linhas de investigação e estudos, assim como na orientação e formação de novos pesquisadores na área comunicacional. A inspiração ética e a dignidade profissional são traços das identidades dos produtores de ciência apresentados nessa publicação.

    A convivência de ideais em comum, no sentido de mergulhar no amplo oce-ano de expressões que a comunicação traz, é um elo dos “timoneiros”. O cerne da questão é a busca pela densidade do conhecimento científico, partindo do pluralismo acadêmico e da crítica investigativa, presente nos intelectuais refe-renciados nesse projeto editorial. Mostra disso, é a multiplicidade de objetos de estudo e correntes interpretativas identificadas nas opções de vida no campo das descobertas científicas de cada um deles.

    Orientando, guiando e buscando novos horizontes, a repercussão dos inves-tigadores “timoneiros” não somente impacta nos cursos de graduação e pós-gra-duação nos quais eles desenvolvem suas atividades acadêmicas, mas, sobretudo, nas novas gerações, criando núcleos de pesquisa e desenvolvimento regional em áreas estratégicas da comunicação. Da mesma forma, seus trabalhos na acade-mia aliam teoria e prática, nos diversos projetos de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidos por muitos desses estudiosos. As produções intelectuais, reali-zadas pelo grupo comunicacional identificado como “timoneiros”, expressam rigor científico, reforçando, assim, a legitimidade dos discursos da ciência de-senvolvidos no país e, dessa forma, fortalecendo a ampliação e repercussão da comunicação nos cenários nacionais e internacionais.

    Nesse sentido, a publicação apresenta múltiplas perspectivas de saberes mi-diáticos, a partir dos olhares de uma geração, inspirada nos ensinamentos do mestre José Marques de Melo, exemplo de vida e dedicação profissional. Ao lon-go de seu desenvolvimento, o livro reúne textos reveladores de cada pensador, formando um grupo comunicacional representativo pelo seu esforço, pujança e determinação. A estrutura desses artigos, registrados por autores conhecedores das trajetórias desses “timoneiros”, combinam o registro biográfico e a análise do posicionamento investigativo dos mesmos, revelando-se, também, a importân-cia de suas experiências profissionais no mercado da comunicação. O presente projeto editorial destaca, de forma abrangente, o perfil pessoal e profissional de cada um dos integrantes desse grupo emblemático de pesquisadores expressivos, assim como seus cenários e produções investigativas, mostrando sua essência identitária, revigorando e potencializando a construção do conhecimento cien-tífico, nos contextos democráticos contemporâneos.

    É ampliando esses horizontes que os “timoneiros” navegantes vão ao encontro de novos caminhos na imensidão do mar, desbravando aventuras midialógicas, orientan-do e revelando a complexidade dos universos midiáticos. Salve, navegantes timoneiros!

  • 14 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    Prólogo

    Esnél José Fagundes1

    O projeto Coleção Fortuna Crítica foi idealizado com o objetivo de registrar a produção intelectual de autores no es-paço em que um homenageado é editorado por outro pro-fissional da área da comunicação. É de se admirar a respon-sabilidade dos editores que em poder de um conhecimento adquirido por meio da leitura dos textos dos homenageados se dispuseram e ousaram elaborar um novo texto expondo sua linha de pensamento sem perder o senso crítico e ético profissional. Ter a coragem de se expor e analisar a obra de outro colega merece sem sombra de dúvidas o respeito de todos.Por outro lado, deve-se reconhecer também a mesma ousadia e coragem a disponibilidade dos autores em colocar nas mãos de seus pares os seus textos para serem averiguados, explora-dos e criticados.O projeto Coleção Fortuna Crítica destaca-se na medida em que somos conhecedores de que para escrever o autor necessi-ta de “farta dose de entrega, de abandono, de devassamento, e

    1. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Formado em Relações Públicas pela Universidade Federal do Paraná, pro-fessor do Departamento de Comunicação da Universidade Fede-ral do Maranhão.

    PRÓLOGO

  • 15Prólogo

    impõe um combate contínuo contra o orgulho, o desespero e a solidão, destino que faz dos escritores, quase sempre, seres suscetíveis e irrequietos, que carregam sonhos além de suas forças”2, mesmos aqueles que escrevem cientificamente.

    Dentre os objetivos da obra destacam-se o de inventariar a produção aca-dêmica da vanguarda literária produzida pela INTERCOM, com o propósito de disponibilizar às novas gerações referências biográficas e bibliográficas que permitam o resgate das ideias dos autores abordados.

    Outro dos objetivos daqueles que organizam esta coletânea sempre foi que o público interessado na produção literária de comunicação conhecesse as obras e o perfil de vários autores e como estes são percebidos por outros pesquisadores da área. Assim, como a área de comunicação tem muitas interfaces optou-se por organizar a obra em temas que estivessem interligados.

    Portanto, este projeto possui uma vasta importância para a área da comuni-cação uma vez que privilegia quem lê o resultado deste embate sadio entre autor e editor.

    Previamente, sabiam os organizadores que seriam necessários vários volumes para atender às produções da literatura de comunicação dos últimos anos. Esse conhecimento sempre ficou evidente no próprio projeto da coletânea.

    Outro ponto de suma importância desta coletânea é que existe um resgate de obras que muitas vezes ficam em zonas sombrias impostas pelo mercado editorial, pela crítica, pela vaidade de muitos colegas e principalmente pela difi-culdade de circulação que os livros ainda enfrentam.

    Os textos reunidos neste volume perpassam por áreas distintas, porém se imbricam de forma a dar ao leitor uma visão clara do pensamento de autores consagrados, discutidos e criticados nas esferas profissional e acadêmica, permi-tindo desta forma que ao ler todos ou apenas alguns dos textos o leitor perceba que por mais variados que sejam os assuntos se complementam.

    Esta edição expõe de maneira clara e sistemática recentes desenvolvimentos no campo da teoria e prática da comunicação no Brasil, e assim torna-se capaz de abrir novas perspectivas para os que se interessam pela área. Escrito por re-nomados autores discutem os efeitos da comunicação nas áreas profissionais e acadêmica. Percebem-se claramente as constantes e aceleradas mudanças que invadiram a área da comunicação, nestes últimos anos, e que continuam mara-vilhando e às vezes apavorando os estudiosos da área.

    Neste volume da Coleção Fortuna Crítica encontramos os mais variados te-mas relacionados à comunicação como a questão histórica que trabalha a co-

    2. CASTELLO, José. Inventário das sombras. 3ª Ed. Rio de Janeiro; Record, 2006

  • 16 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    municação nos tempos das novas tecnologias, suas interfaces, correlações e evo-lução; a influência do jornalismo na sociedade e o tratamento, pela imprensa, dos conflitos sócios, políticos e econômicos, numa visão imparcial; os estudos de conteúdo e suas perspectivas em tempos de tecnologia; a radiodifusão suas normas, evolução e a participação da sociedade; as questões sempre atuais sobre comunicação, cidadania, ética e a mídia; o jornalismo esportivo as suas caracte-rísticas e a evolução do processo midiático como ferramenta para o exercício da cidadania, dentre outros.

    Longe de uma interpretação romântica da área homenageados e editores demonstram nesta edição a luta travada nas arenas profissional e acadêmica, enfatizando a velha e conhecida discussão sobre teoria e prática.

    O maior valor desta coletânea está em permitir a reflexão da área da comu-nicação por meio da veracidade da nossa produção literária.

  • 17Introdução

    Introdução

    Clarissa Josgrilberg PereiraIury Parente Aragão

    Segundo os dicionários, “timoneiro” é quem dá a direção e o ritmo aos navegadores. Dessa forma, este livro, como o próprio nome sugere, busca identificar e homenagear os pesquisadores da vanguarda da INTERCOM, os quais têm trazido grande contribuição para a área da comunicação, es-sencialmente, pelo incentivo e dedicação às novas gerações de estudantes. Mais que uma homenagem, a presente obra expõe sobre a linha de pesquisa de cada um dos personagens, assim como suas produções e contribuições acadêmicas, reunindo impor-tantes informações e referências para os novos pesquisadores da área da comunicação.A proposta desse livro, assim como de todo o projeto Fortu-na Crítica, é fazer um levantamento a respeito das reflexões de importantes pensadores brasileiros da comunicação, com-pondo riquíssima fonte de pesquisa para os estudantes do campo.Neste livro, todos os perfis foram escritos por orientandos e/ou colegas de profissão que tiveram contato direto com cada um dos personagens homenageados e, por isso, conhecem de perto cada pesquisa, cada trabalho e cada traço da personali-dade e da trajetória deles, o que, certamente, reflete em toda a contribuição dada às pesquisas da comunicação. Aliás, em todo o projeto Fortuna Crítica os traços biográficos foram

    INTRODUÇÃO

  • 18 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    levados em consideração, o que mostra não só a relação do indivíduo com o que produz, mas também o lado humanístico da ciência.

    Os personagens aqui homenageados refletem diversificadas regiões do país, nos permitindo inferir que esta obra traz o ritmo do velejo da comunicação de grande parte do território brasileiro. Os dezesseis homenageados: Marialva Barbosa, Rosa Dalla Costa, Osvando Morais, Moacir Barbosa, Ana Carolina Te-mer, Maria Ataide, Paula Cundari, Iluska Coutinho, Maria Cristina Gobbi, José Carlos Marques, Fernando Ferreira de Almeida, Raquel Paiva, Edgard Rebuças, Paula Puhl, ValérioBrittos e Nelia del Bianco, representam Rio de Janeiro, Bra-sília, Paraná, São Paulo, Pará. Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

    Ao resgatar o pensamento de estudiosos que estão à frente, como verdadeiros timoneiros da comunicação e que objetivam fortalecer essa área como um cam-po autônomo de pesquisa, estamos certos de que tal iniciativa recrutará cada vez mais marinheiros que queiram velejar nesse mar de águas revoltas, que, no entanto, oferece possibilidades de muitos portos.

    Boa leitura!

  • 19Marialva Barbosa: Comunicação e história

    Marialva Barbosa: Comunicação e história

    Igor Sacramento1Herica Lene2Leticia Cantarela Matheus3

    Marialva Carlos Barbosa nasceu no dia 19 de junho de 1954. Viveu sua infância e adolescência em Piedade, bairro do subúrbio carioca, mas estudou no Colégio III-XIV Goiás no Encantado, um bairro vizinho. Em seguida, por um breve período, estudou na Escola Piedade. Cursou o antigo ginásio na Escola Estadual José do Patrocínio, em Inhaúma, e concluiu os estudos na Escola Normal Carmela Dutra, em Madureira. Nessa época, ela já tinha se mudado de Piedade para o Jardim América. Em 1973, aos 17 anos, ingressou no curso de Comunicação Social da Universida-de Federal Fluminense. Nesse momento, a opção pelo Jornalis-mo se tornou mais certa. Marialva foi aluna de professores como Muniz Sodré, Nilson Lage e Antonio Teodorio de Barros. Logo após concluir o curso, em 1979, ela passou num con-curso para uma vaga de professora auxiliar. Nessa época, pa-

    1. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e bolsista de pós--doutorado pela mesma instituição.

    2. Doutora em Comunicação pela UFRJ, mestre em Comunicação pela UFF e professora do curso de Comunicação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB.

    3. Doutora em Comunicação pela UFF e professora da Faculdade de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Co-municação da UERJ.

    1ºCAPÍTULO

  • 20 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    ralelamente à dedicação ao ensino, ela trabalhou como repórter na Rádio Tupi (1975 – 1976) e no jornal Última Hora (1977 – 1979) e como gerente de marketing e relações públicas na Sul América Seguros e na Telerj (1979-1991).

    Em 1989, Marialva iniciou o mestrado em História. Com dissertação in-titulada “Operários do Pensamento: Visões de Mundo dos Tipógrafos do Rio de Janeiro (1880-1920)”, ela dava início ao estabelecimento de interfaces entre os campos da Comunicação e o da História, iniciativa e programa de pesquisa que a define como investigadora. O trabalho, apresentado em 1992, desvenda o cotidiano e o universo do trabalho dos tipógrafos a partir diversos textos, es-pecialmente aqueles publicados pelo jornal O Gráfico. Os textos abordam temas acerca das péssimas condições de trabalho, da falta de higiene nas oficinas, das doenças que acometiam os operários e das necessidades de organização social do grupo. Um dos objetivos da pesquisadora na dissertação foi mostrar como as práticas e as condições cotidianas daqueles operários forneciam elementos indispensáveis para os tipógrafos se pensarem como um grupo, estabelecerem elos de identidade e formarem reivindicações.

    Para a sua tese de doutorado, “Imprensa, poder e público: os diários do Rio de Janeiro (1880-1920)”, a pesquisadora analisa as mudanças ocorridas nos principais jornais diários da cidade no período – Jornal do Commercio, O Paiz, Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Gazeta de Notícias, apontando para os modos como os jornais passaram ocupar mais espaço na vida dos mais diferen-tes grupos sociais, letrados e iletrados. Essa diversidade de público foi possível, porque a palavra impressa inseria-se como um forte elemento de normatização da sociedade, e os jornais passavam a ganhar expressiva credibilidade no modo de simbolização dos acontecimentos do mundo. Marialva, a partir da noção de circuito social da comunicação, esboçada por Robert Darnton (1990), investiga não apenas a estrutura administrativa e econômica dos períodos, mas também o que eles eram em aspectos formais e editoriais, como trabalhavam os profis-sionais envolvidos, como eles se popularizavam e chegavam ao público. Em 2000, ela publicou a sua tese em formato de livro, sob o título Os donos do Rio: imprensa, poder e público.

    Em 1994, Marialva foi aprovada no concurso para professora titular do De-partamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Nesse momento, Marialva Barbosa já vinha despontando como uma das importantes pesquisadoras do campo da Comunicação no Brasil e uma das principais espe-cialistas em História da Comunicação. Em 1996, se tornou chefe do Departa-mento de Comunicação Social e, nessa condição, estruturou a proposta de um curso de mestrado em Comunicação, Imagem e Informação. A proposta foi aprovada, e o curso entrou em funcionamento em 1997.

  • 21Marialva Barbosa: Comunicação e história

    Entre 1998 e 1999, ela realizou pós-doutorado no Centre National des Re-cherches Scientifiques. Sua pesquisa, intitulada “Meios de comunicação, me-mória e tempo: a construção da redescoberta do Brasil”, abriu uma nova área de investigação na trajetória intelectual de Marialva: as construções memoráveis e temporais pelos meios de comunicação. Tomando como objeto empírico os jornais e programas de televisão sobre as comemorações dos 500 anos do desco-brimento do Brasil, Marialva explicou o processo de presentificação do passado realizado pelas narrativas midiáticas. No retorno às atividades na UFF, ela se empenhou no projeto de criação de um curso de doutorado em Comunicação, Imagem e Informação, que foi aprovado pela Capes em 2002, tendo início em 2003.

    Como professora da UFF, ela escreveu obras de grande valia para os estu-dos históricos da comunicação no Brasil. Cabem destacar “Percursos do Olhar: Comunicação, Narrativa e Memória”, “História Cultural da Imprensa – Brasil (1900-2000)” e “História Cultural da Imprensa – Brasil (1800-1900)”. Em 2010, Marialva se aposentou na UFF. Atuou entre 2010 e 2011 como profes-sora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Uni-versidade Tuiuti Paraná (UTP). Em 2012, foi aprovada, novamente, num con-curso para professor titular. Atualmente, ela é professora titular de Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ e vice-presidente da Intercom. Desenvolve com bolsa do CNPq a pesquisa “Comunicação, História, Testemunhos e Valor: Modos de comunicação e escravos do século XIX” e prepara a publicação do livro com os resultados desta investigação, enquanto aguarda a publicação de “História da Comunicação no Brasil”. Numa proposta inédita, ela não conside-ra apenas os sistemas midiáticos, mas também os orais, manuscritos e escritos, para narrar histórias da comunicação no país.

    Neste texto, em ordem cronológica, dispomos uma síntese dos principais conceitos desenvolvidos pela autora ao longo de sua trajetória.

    Jornalismo

    Marialva Barbosa (2005a e 2005b) registra que o jornalismo como a história conta histórias. No primeiro caso, o passado seja remoto ou recente, próprio ou de outrem, é o relato. A história é uma história (HELLER apud BARBOSA, 2005a, p.3). Também o jornalismo é uma história, já que se valendo de um sentido de tempo presente, conta histórias em relação ao aqui agora.

    Contar uma história, acrescenta Heller (apud BARBOSA, 2005), significa estar no mundo. É dessa forma que se organiza a informação a respeito do mun-

  • 22 Fortuna Crítica da Intercom – Timoneiros

    do em que o evento ocorreu, podendo-se a partir dessa organização informar de modo coerente sobre o que, como e por que o evento ocorreu daquela forma. Barbosa coloca que, se o jornalismo faz exatamente esse exercício, no desvenda-mento de sua ação interpretativa, o pesquisador deve recuperar na sua análise a questão da narratividade ou, como enfatiza Paul Ricouer (1995), reflexões em torno do tempo de contar e do tempo contado. Ao relatar um acontecimento ou ao transformar um evento em acontecimento, a partir de sua publicização, o jornalismo instaura – tal como o texto ficcional também o faz – o mundo contado.

    Esse mundo contado é estranho ao locutor (no caso o jornalista) e ao ouvin-te. O jornalista presente no palco do acontecimento relata o que viu ou ouviu, mas não é ele em si mesmo construtor da ação. É através da sua narrativa que o leitor se insere no mundo das coisas contadas. Por outro lado, a perspectiva de locução marca na narrativa, pelo emprego dos tempos verbais, a diferença entre o tempo do ato (o que ocorreu) e o tempo do texto (tempo contado). Esta é uma das razões pela qual o jornalismo utiliza invariavelmente nos textos infor-mativos tempos verbais que marcam a defasagem da ação em relação à produção do texto (passado simples, por exemplo).

    A ação descrita pelo jornalista no presente é, por outro lado, retrospectiva, fazendo com que o passado se prolongue no aqui agora. Comentando os fatos passados, o jornalismo retém esses mesmos fatos no presente, ainda que seja fundamental acrescentar nos textos do mundo contado marcas que distinguem a verdade da ficção: os documentos (tudo o que está revestido de uma função de registro e fixação do real presumido, tal como os testemunhos, os textos de todas as ordens, os monumentos e também os vestígios inscritos em inúmeros objetos), por exemplo.

    O texto jornalístico, portanto, é uma narrativa que recupera um tempo vi-venciado por um outrem, narrado por um locutor, que instaura o tempo das coisas contadas. Esse mesmo narrador seleciona de um conjunto de acidentes uma história completa e una, ou “tece a intriga”, diz Barbosa utilizando a ex-pressão cara a Paul Ricoeur (1994).

    Pressupor, portanto, a questão da narrativa nos estudos de jornalismo é, diz Barbosa (2005a e 2005a), instaurar uma discussão fundamental em torno da questão da temporalidade e das convenções narrativas formadas em regimes de historicidades precisos. O que o jornalismo pretende é compor um texto que reproduz o que se passa no mundo.

    Os jornalistas, ao produzirem um discurso digno de ser publicado, isto é, oficializado, constroem também distinção em relação a outros grupos (BAR-BOSA, 2004b, p.2). Como produtores de discursos, a eles é dado o direito de

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    falar de fatos, eventos, ocorrências que não foram registrados em sua presença, sendo pois considerados produtores de um discurso credível. Suas palavras são aceitas como verdadeiras. E se a igreja, o Estado, a ciência puderam ao longo de séculos falar do passado, sendo seus discursos considerados críveis, aos jorna-listas hoje é dado o estatuto de produção do discurso do presidente acreditado como verídico.

    O relato jornalístico é revestido da característica de crível antes de qualquer outra presunção. Quando se descobre que um relato foi inventado, a notícia assume a proporção de um verdadeiro escândalo. Não existe possibilidade de invenção da realidade no mundo do jornalismo, em função de ser atribuída aos produtores desse discurso à outorga de poder realizar, somente, um discurso tido como verídico (BARBOSA, 2005b, p.109).

    História

    Ao abordar o conceito de História, Marialva Barbosa (2004c) destaca que a operação historiográfica deve ser pensada como um processo, no qual estão envolvidos não apenas os grandes nomes, as grandes datas, os grandes feitos sin-gulares, mas, sobretudo, os particularismos, as repetições, os vestígios, os restos que o passado legou ao presente. E, sobretudo, os anônimos.

    É a partir de restos e vestígios que chegam do passado ao presente também que se pode recontar as histórias que envolvem prioritariamente as ações co-municacionais do passado. Muitas vezes nessas ações, o objetivo último é prefi-gurar os sistemas de comunicação existentes em dado momento e lugar. Nesse instante, a história que afinal é comunicação, se torna história da comunicação (BARBOSA, 2007b).

    A História, para ela, é comunicação. “Se considerarmos que toda história refere-se ao fracasso ou ao sucesso de homens que vivem e trabalham juntos em sociedades ou nações, com pretensão ou ao verdadeiro ou ao verossímil, a histó-ria é, na verdade, o fragmento ou o segmento de um mundo da comunicação” (BARBOSA, 2007, p. 3). São os atos comunicacionais dos homens do passado o que se pretende recuperar como verdade absoluta ou como algo capaz de ser acreditada como verídico. É, nesse sentido, que Barbosa afirma que a história é sempre um ato comunicacional.

    Ela destaca a questão da interpretação como o principal postulado da historio-grafia: não se trata de recuperar o que de fato ocorre (até porque o que de fato ocor-re não pode jamais ser recuperado), mas interpretar – a partir da subjetividade do pesquisador – as razões de uma determinada ação social (BARBOSA, 2005b, p. 3).

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    Em sua concepção, só haverá entendimento se a história puder ser seguida por aquele que a lê, a decifra e a interpreta. Mas as histórias só merecem ser nar-radas e seguidas se a sua temática se referir a interesses e a qualidades humanas. Há sempre um nexo com os sentimentos nas histórias que contamos.

    Com isso, Barbosa não quer retirar da história o seu estatuto de ciência, construído como um lugar emblemático de sua fala e fundamental para o de-senvolvimento da disciplina histórica. Também não nega toda a discussão que governou o século XX e que procurou construir novos parâmetros e novas bases para a disciplina, privilegiando a estrutura e a conjuntura nos tempos de longa duração.

    Marialva Barbosa (2007b, p.15; 2009, p.10) diz que construir a história da comunicação é, pois, fazer mesmo movimento da “escrita da história” (CER-TEAU, 1982). É perceber a história como processo complexo, no qual estão engendradas relações sociais, culturais, falas e não ditos. Compete ao historiador perguntar pelos silêncios e identificar no que não foi dito uma razão de natureza muitas vezes política.

    Pensar historicamente pressupõe contextualizar os espaços sociais numa ca-deia de fatos, eventos, ocorrências, costumes, instituições que se conformam como um fluxo (antes e depois).

    Barbosa (2004c) insere a produção de uma história da comunicação den-tro de um campo claramente configurado e que se denomina história cultural. Difícil de ser definida, sendo muitas vezes confundida com história das ideias ou dos pensadores ou outras vezes com história das práticas culturais, a história cultural deve, na definição de Roger Chartier (1990), identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma dada realidade é construída, pensada e dada a ler.

    Quando enfatiza a expressão “dada a ler”, Chartier coloca em relevo a ques-tão da interpretação, fundamental na operação historiográfica. Barbosa (2004c) destaca que é preciso perceber que qualquer história é reinterpretação, reinven-ção, reescritura. Não há possibilidade de recuperação do passado tal como ele se deu: o passado é inteligível nas fimbrias das narrativas que ele mesmo compôs. O que o historiador faz é um ato ficcional, não no sentido de que aquilo que descreve não tenha se dado, mas considerando sempre o grau de invenção, com-posição, interpretação, inserção do sujeito pesquisador que compõe a história a ser interpretada. Não há possibilidade de isenção diante de qualquer construção humana (Ibid.).

    Barbosa (2009, p. 10) segue a metodologia proposta por Robert Darnton (1990), que propõe a realização de uma história social e cultural da comunica-ção impressa. Assim, o estudo dos meios de comunicação no seu sentido histó-

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    rico deve envolver todo o processo de sua construção e este movimento termina na interpretação dos leitores. Ao escrever a história da imprensa, destaca ela, é fundamental visualizar a invenção criadora do público no instante em que rea-lizam o processo de recepção e também caracterizar práticas que se apropriam de modo diferente dos materiais que circulam em determinadas sociedades, identificando-se as diferenças.

    Fazer história da comunicação, em sua visão, é estudar um corpus específico de textos ou de textualidades, considerando também a relação dos leitores com esses objetos culturais.

    Assim, Barbosa (2004c; 2007b; 2011) faz uma proposta teórica e metodo-logicamente para a construção de uma história da comunicação: em primeiro lugar, levar em conta as premissas da escrita da história e, em segundo lugar, considerar as especificidades de estar se lidando com textos e textualidades.

    Seguindo o modelo proposto por Robert Darnton (1995), Marialva Barbosa (2009, p.10; 2011, p. 23-24) afirma que é preciso desvendar, quando se fala em história da comunicação, quem escrevia nesses jornais, como procuravam se popularizar – ou seja, que estratégias, apelos e valores esses veículos invocavam no seu discurso -, como funcionavam essas empresas e de que forma esses textos chegavam ao público. Percorrido esse caminho é preciso ver ainda como os lei-tores entendiam os sinais na página impressa, quais eram os efeitos sociais dessa experiência. Por outro lado, as inovações devem ser pensadas não apenas como circunstancias de natureza política, econômica e tecnológica, mas, sobretudo, na relação direta com o público.

    Ela defende ainda como um aspecto que pode ser altamente positivo para a pesquisa histórica: a imersão do pesquisador no seu objeto. Longe de postular um distanciamento artificial, porque construído sobre parâmetros de uma ideia de ciência há muito tempo desconsiderada, o pesquisador deve se inserir no seu próprio relato. Isso porque em qualquer pesquisa está presente a subjetividade do sujeito que a constrói. Fazer história neste sentido, enfatiza, é construir a nossa própria história.

    A história, portanto, não fala do passado, mas do presente, tal como a ope-ração de memória. O que ela possibilita é uma dada reconstrução desse passado, feita através de um diálogo que ajuda, sobretudo, a entender melhor o presente. Barbosa destaca que a história não fala do tempo de ontem, mas possibilita apenas a sua reconstrução.

    Fazer uma história que envolva os meios de comunicação, conclui ela, não é apenas informar ou analisar o que esses meios publicavam; não é tão somente discorrer sobre as estratégias discursivas dessa imprensa; não é também se limi-tar a alinhar os grandes nomes e os grandes feitos dos homens de imprensa. É

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    dar conta de um processo comunicacional que envolve sempre o que foi produ-zido, quem produziu, porque produziu, para quem produziu. Como eram essas mensagens produzidas; como circulavam esses impressos; que materialidades possuíam; que atores estavam envolvidos ao longo do processo. E, por último, a quem eram destinadas. Mas não basta completar esse circuito com o momento em que esses impressos chegavam aos leitores.

    É preciso mais: é preciso compreender e perceber de que forma esse público realizava a interpretação de um texto que sempre chega ao mundo e a ele volta no momento em que produz compreensão. Nesse instante, gera um outro texto, uma apropriação crítica, uma transformação (BARBOSA, 2009, p.17).

    Sistemas de comunicação

    Marialva Barbosa vem consolidando no Brasil a história dos sistemas de co-municação (BARBOSA, 1997 e 2010). Tal projeto compreende a iniciativa de não se limitar a dar voz aos produtores das mensagens, mas também aos sujeitos sociais concretos que receberam e se apropriaram delas de diferentes maneiras, participando, assim, da produção de sentido. Essa perspectiva tem no trabalho de Robert Darnton forte inspiração. Em 1982, o jornalista e historiador norte--americano elaborou o modelo do “circuito das comunicações” para entender os modos como os livros surgem e se espalham na sociedade: do autor ao lei-tor, passando pelo editor (se o livreiro não assume esse papel), pela impressora, pelo carregador, pelo livreiro e chegando ao leitor. Os sentidos produzidos no processo são concebidos como rotas que passam da ideia para escrever à letra imprensa e que podem permitir uma nova ideia. Nessa concepção, a história do livro diz respeito a cada fase do processo e o processo como um todo, em todas as suas variações no espaço e no tempo e suas relações com outros sistemas: o econômico, o social, o político e o cultural.

    Desse modo, Darnton parte do pressuposto de que somente uma visão holística do livro como um meio de comunicação pode evitar as fragmentações de sua his-tória em especialidades esotéricas (a história dos autores, dos editores, dos livreiros, dos carregadores, dos leitores). Para ele, a história do livro se faz da conjunção de todas essas histórias. Sendo assim, não bastaria somente investigar as materiali-dades (o o que da questão), mas principalmente considerar os atores envolvidos na produção, na circulação e na recepção dos livros (o quem, portanto) e os seus propósitos, ações e projetos. Desse modo, também é possível analisar os agentes e os sentidos envolvidos nos sistemas midiáticos – sejam eles jornais, revistas, livros, filmes, programas de televisão – como partes de circuitos comunicacionais.

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    Em seu trabalho, Barbosa visualiza o processo da comunicação como um sistema, no qual têm importância o conteúdo e o produtor da mensagem, bem como a forma como o leitor/espectador entende, nos limites de sua cultura, os sinais desse sistema. Considerando o texto histórico também como um artefato literário, a comunicação enumera os pressupostos teórico-metodológicos indis-pensáveis para a construção de uma história dos sistemas de comunicação.

    Essa proposta se inscreve no campo de estudos da história da cultura renova-da pelos contatos com os estudos sobre os processos de produção social dos sen-tidos. Privilegia-se o estudo das mídias contemporâneas através da delimitação dos seus circuitos sociais de produção, circulação, consumo e agenciamento de produtos, experiências estéticas e processos culturais. Tem como objetivo prin-cipal definir os processos da produção de sentido no mundo contemporâneo, através de seus efeitos, seus suportes, vetores e mediadores. Uma história dos sistemas de comunicação, portanto, deve articular a mensagem aos produtores e receptores, visualizando a face desse receptor, as formas como realizavam leituras diferenciadas e, sobretudo, a singularidade ao se apropriarem dessas mensagens.

    A comunicação é um processo que envolve a produção da mensagem, a sua emissão e a sua apropriação por alguém que é, acima de tudo, um sujeito histó-rico concreto. Visualizar a história dos sistemas de comunicação é perceber todo esse circuito e só assim realizar uma reinterpretação que possibilite recuperar formas culturais inscritas num passado.

    Qualquer compreensão desse sistema depende, também, fundamentalmente da forma como esta comunicação chega ao leitor/espectador. Nenhum processo comunicacional existe fora do suporte que lhe confere legibilidade. Para Marial-va, estabelecer a complexidade dos estudos dos objetos de comunicação como um sistema, ao mesmo tempo histórico e cultural, exige, pois, que se considere o texto/emissão, o objeto que o comunica e o ato que o apreende. 

    Sensacionalismo

    Marialva Barbosa deslocou o conceito de sensacionalismo de uma concepção normativa sobre o jornalismo, preferindo a ideia de jornalismo de sensações. Embora ela faça uso do termo sensacionalismo, ele não remete, em sua obra, a um gênero jornalístico de “baixa” qualidade ou mesmo como desvio de sua su-posta função iluminadora, mantendo sempre o cuidado de rejeitar classificação de ordens discursivas em compartimentos para estanques.

    Para ela, o sensacionalismo é uma prática de comunicação que se dá quando repórteres, redatores e editores optam por configurar e encadear as narrativas

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    jornalísticas de modo a acentuar seus mecanismos narrativos que acionam as sensações no leitor-espectador. Caracteriza-se pelo uso de recursos de expressão – tanto pelo conteúdo, mas principalmente pela forma – que mobilizam asco, arrepio, susto, excitação, choro, despertando sentimentos como medo, surpresa, piedade, dor, ira etc. Trata-se de um jornalismo sensorial, herdeiro de formas populares de comunicação, ligadas ao universo oral.

    Chamamos habitualmente de jornalismo sensacionalista um tipo de no-tícia que apela às sensações, que provoca emoção, que indica uma relação de proximidade como fato reconstruído exatamente a partir de uma me-mória dessas sensações (BARBOSA, 2007a, p.122).

    Sua concepção de sensacionalismo tem como base o princípio de Martín--Barbero segundo o qual o popular sobreviveu e sobrevive integrado aos pro-dutos massivos, como um movimento de longa duração daquilo que Barbero (2001) chama de matriz cultural do popular. Não há, portanto, em Barbosa, fronteiras nítidas entre as culturas “alta” e “baixa”, considerando que elas circu-lam pela sociedade, como em Bakhtin (1996).

    Evidentemente que, quando estamos considerando o jornalismo como sensacionalista, ou melhor, de sensações, não o fazemos apenas porque esses textos apelam para as sensações físicas e psíquicas. As sensações a que nos referimos encontram-se na relação da leitura com o extraordiná-rio, com o excepcional, aproximando esse tipo de notícia do inominável. São sensações contidas nas representações arquetípicas do melodrama e que continuam subsistindo nos modos narrativos dessas tipologias de notícias. Tal como os gostos e anseios populares – formados na longa duração – também as sensações desse tipo de narrativa mesclam os dra-mas cotidianos – os melodramas – em estruturas narrativas que apelam ao imaginário que navega entre sonho e realidade (BARBOSA, 2007a, p.123, grifo original).

    O interesse de Barbosa pelo tema do sensacionalismo foi despertado quando em sua pesquisa de doutorado em História Social, defendida em 1996 na Uni-versidade Federal Fluminense, ela descobriu que os jornais só se popularizaram graças às “notas sensacionais”, na virada do século XIX para o XX, no Rio de Janeiro. A partir daquele momento, surgem inclusive periódicos totalmente vol-tados para os escândalos e os crimes, como “Manhã”, de 1925, e “Crítica”, de 1928, ambos fundados por Mário Rodrigues.

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    Esses diários integram uma cultura popular mais ampla, que excede as fron-teiras do jornalismo, ao mesmo tempo tão inflamada por ele. Eles ajudam a construir mitos urbanos, e se tornam importantes simuladores da experiência cotidiana, na medida em que o sensorial materializa a experiência narrativa ao fazê-la retornar ao plano da oralidade. Pelo sensacionalismo, a relação com o ambiente urbano e com a comunicação se torna concreta, atrelada ao corpo.

    Marialva recupera o jornalismo de sensações de um limbo desviante que o mantêm como um objeto “menor” na Comunicação e o traz à superfície da história como um dos pilares do jornalismo, ao lado do jornalismo político, responsável pela ampliação do público leitor. Radicalizando, é possível extrair da obra de Barbosa que o jornalismo deve ao sensacionalismo a formação do seu público.

    É justamente da análise do jornalismo de sensações que a autora encontra os primeiros desafios que a demarcação de fronteiras entre realidade e ficção fre-quentemente impede os pesquisadores de avançar. Ao elaborar seus princípios norteadores sobre a narrativa, adotando uma concepção de Ricouer que trata a formação da intriga como um exercício da imaginação produtora, Barbosa expande essa compreensão para todo o seu pensamento sobre a comunicação e rompe a fronteira entre verdade e ficção, por meio da construção da verossimi-lhança. Assim, o tratamento dado ao sensacionalismo em suas análises alcança outra dimensão.

    O irracional é a marca principal dessas narrativas. Entretanto, como per-tence ao mundo do jornalismo, é necessário mesclar o ficcional e o imemorial como dados de uma pretensa realidade objetiva (BARBOSA, 2007a, p.128).

    Memória e usos do passado

    A questão da memória, nas suas múltiplas conceituações e apropriações, tem sido um tema frequente nos estudos de Marialva Barbosa desde a década de 1990. Na sua interseção com a problemática do jornalismo, enfatiza ela, a questão da me-mória possibilita uma série de reflexões que ajuda a compreender as inter-relações fundamentais entre imprensa e poder. Afinal, ao ser portadora de um discurso vá-lido que pode ser transformado em documento para o futuro, a mídia se configura como um dos “senhores da memória” da sociedade (BARBOSA, 2004, p.1).

    Para a pesquisadora (2004a; 2004c; 2005a; 2005b), falar de memória é se referir a quatro problemas fundamentais: ela é sempre uma ação do presente. Nessa ação estão envolvidas escolhas, ou seja, pressupõe a dialética lembrança e esquecimento. É se referir às disputas em torno da fixação das chamadas memó-

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    rias válidas, o que enseja necessariamente a questão do poder. E, por último, é também construir uma ideia de projeto. A memória é projetiva, no sentido que se direciona sempre a uma ideia de futuro.

    Apropriação seletiva do passado, apoiada num feixe de subjetividades, do qual o tempo faz parte, a memória coloca em destaque, em seu caráter plural, também a noção de agentes de memórias, de pluralidade de funções e de sig-nificações. A memória é uma construção e não um dado, destaca ela. Seletiva reconstrução do passado, baseada em ações subsequentes, não localizadas nesse passado, em percepções e em novos códigos, é através da memória que se deli-neia, simboliza e classifica do mundo. O passado é, pois, universo de significa-dos, disputados conflitivamente no presente.

    Ao explicar as diferenças entre memória e história, Barbosa (2004c) ressalta que: memória é um conceito tecido nas disputas e diálogos com que inúmeros autores desde o século XIX tentam dar conta da complexa teorização em tor-no de uma problemática importante para diversos campos do conhecimento. História, por outro lado, define-se por ser um campo de conhecimento, uma disciplina, uma prática, uma escrita com função simbolizadora que permite a sociedade situar-se, abrindo espaço para o próprio passado (ibid., p.107).

    Em seus estudos, Barbosa dialoga com inúmeros autores que se ocuparam nos últimos 100 anos em tecer esse conceito em toda a sua complexidade: os estudos pioneiros de Sigmund Freud (1889; 1899; 1925), passando pela con-ceituação de Henri Bérgson (1959); a percepção de memória na sua dimensão social realizada por Maurice Halbawchs (1990); sem falar em outros pesquisa-dores que mais recentemente não deixaram de se referir à memória, acrescentan-do outros postulados fundamentais. Neste sentido, Barbosa (2004a, p.107-108) destaca a obra de Pierre Nora (1979) e seu conceito polêmico e, ao mesmo tem-po, desafiador, de “lugares de memória”; os estudos de Michel Pollack (1989); as aproximações entre memória e identidade, realizadas por Gérard Namer (1987) e Jöel Candau (1998); as reflexões em torno da relação memória e poder, das memórias silenciadas e esquecidas em contraposição às memórias publicizadas e oficializadas, realizadas por Jacques Le Goff (1990), Georges Duby (1989) e Andréas Huyssen (2000), entre outros. Barbosa (2004c, p.108) afirma que toda a conceituação realizada em torno da questão da memória se configura extrema-mente importante para os pesquisadores da comunicação. Não apenas porque a mídia trabalha quotidianamente com a dialética fundamental da memória, lembrança e esquecimento, ao valorizar alguns elementos em detrimento de outros, os meios de comunicação reconstroem de maneira seletiva o presente, contribuindo hoje a história desse presente e fixando para o futuro o que deve ser lembrado e o que precisa ser esquecido.

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    Retendo assuntos que, em princípio, guardariam alguma identificação com o leitor, ressalta ela, os meios de comunicação selecionam o mundo a partir de critérios subjetivos, classificando-o para seu público. Desorganizando a reali-dade e apresentando o mundo como um amontoado de fatos desconexos, sem nenhuma lógica racional interna, colocam lado a lado, crimes, ganhadores de prêmios milionários, espetáculos populares, jogos inesquecíveis, disputas políti-cas e as turbulências do mercado econômico.

    Ao selecionar fatos para os leitores, em detrimento de outros que passam à categoria do esquecimento, dão ao público a impressão de que ele participa daquele mundo. E os jornalistas fazem a memória, na medida em que é papel da mídia reter assuntos que, guardando identificação com o leitor, precisam ser permanentemente atualizados. Ao selecionar temas que devem ser lembrados e ao esquecer outros, produzem, a partir de critérios altamente subjetivos, uma espécie de classificação do mundo para o leitor (BARBOSA, 2004c, p.1-2).

    O jornal retém em sua estrutura assuntos que, em princípio, guardariam alguma identificação com o leitor. Entretanto, como não se pode informar a totalidade, seleciona e hierarquiza as informações tomando por base critérios subjetivos. A própria distribuição das notícias em eixos centrais de análise, onde informações em rubricas específicas produzem uma classificação permanente do mundo social para o leitor, mostra esta tendência.

    Ao produzir o acontecimento como ruptura algo que emerge na duração – a partir de um modelo de normalidade ou anormalidade considerado a priori, os meios de comunicação tornam-se espécies de “senhores da memória” da socie-dade, sendo detentores do poder de fixar o presidente para um futuro próximo ou distante. Ao legitimar o acontecimento, divulgando-o e tirando-o de zonas de sombras e de silêncio, impõem uma visão de mundo que atua outorgando poder (BARBOSA, 2004a, p.108-109).

    Acontecimento

    Marialva Barbosa (2002) discute esse conceito que envolve abordagens na história, na filosofia e nas ciências sociais e qual o papel dos meios de comu-nicação na construção ou constituição de acontecimentos, dialogando com vários autores (BRAUDEL, 1978; KOSELLECK, 1990; LACOUTRE, 1990; BURKE, 1992; WHITE, 1994; RICOUER, 1994; e NORA, 1979).

    Ela registra que múltiplas definições emergiram desde o início dos anos 1970, quando as reflexões sobre o acontecimento se desenvolveram e se apro-fundaram. De um lado, os estruturalistas debatiam as relações entre estrutura e

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    acontecimento, que na história ganha, por vezes, definições imprecisas: estru-turas históricas profundas, de um lado, fatos de superfície, de outro; história “acontecimental” e história fundamental profunda.

    Em um texto de 1974, o historiador francês Pierre Nora (apud BARBOSA, 2002) distinguiu o que chama acontecimento moderno e localizou seu apareci-mento nos últimos 30 anos do século XIX. Para ele, a sensação de que o presente já é possuído de um sentido histórico, existente na contemporaneidade, produz a percepção de que existiria uma circulação generalizada dessa percepção histó-rica no presente, o que culminaria com um fenômeno novo: o acontecimento.

    A partir daí, houve um movimento duplo: de um lado, os positivistas procu-rando fazer do acontecimento passado a matéria-prima da história, que, assim, se tornaria responsável pelo encadeamento desses acontecimentos e, de outro, os mídias promovendo um verdadeiro retorno da história, na medida em que nas sociedades contemporâneas seria por intermédio deles que o acontecimento marcaria a sua presença. O texto de Nora registra um momento singular de apagamento da memória do acontecimento do “ofício dos historiadores” e, ao mesmo tempo, o liga aos meios de comunicação (BARBOSA, 2002, p. 181).

    Nas ciências sociais, paralelamente ao campo da história, desenvolveram-se uma série de estudos buscando a conceituação de acontecimento a partir de uma explicação construtivista. A ideia central nas pesquisas construtivistas é que os meios de comunicação não descrevem a realidade objetiva, existente em si mesma, mas que a constroem. Assim, o mundo configurado pelas notícias é sempre uma realidade construída.

    Barbosa (2002) considera, pois, que o acontecimento não se resume a uma simples ocorrência espacial e temporal. Não comporta em si mesmo uma signi-ficação determinada e não fixa, a priori, a descrição que se faz de um evento. Ao ser editado, selecionado, escolhido, o acontecimento midiático recebe sentidos atribuídos pelos chamados operadores da mídia. Nessa perspectiva, portanto, os acontecimentos públicos seriam produtos ou resultados das atividades, das práticas rotineiras e das estratégias de um certo número de atores sociais.

    Perceber que a mídia eleva um fato a categoria de acontecimento parece impor-tante, mas Barbosa destaca que, sem dúvida, o mais relevante é caracterizar o próprio acontecimento contemporâneo: imprevisível, dramático, violento. Quais as razões dessa configuração? Sem dúvida, é resultado de uma lenta estruturação cultural e de fatos sociais reais: a emergência de um jornalismo especializado, o debate cultural em torno de um assunto presentificado, uma nova apreensão temporal do mundo contemporâneo e a configuração do imaginário social, entre tantas outras nuanças.

    O acontecimento tem, registra a pesquisadora, um sentido de ruptura com rela-ção aos meios de comunicação. Barbosa (2004b) explica que os jornalistas, produ-

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    zindo um discurso digno de ser publicado, isto é, oficializado, constroem distinção em relação a outros grupos. Produzem o acontecimento como algo que emerge na duração, a partir do pressuposto de que este fugiria aos padrões de normalidade.

    O acontecimento como ruptura seria algo que produziria no público uma espécie de estranhamento. Passaria a ser nesta ótica tudo aquilo que se mate-rializa via publicização dos meios de comunicação. Mas não é só a escolha do fato que transforma o acontecimento em algo seletivo, já que a ação mesma de narrar pressupõe uma seleção. Não é possível a qualquer narrativa apreender tudo o que se produz em torno do narrador, uma vez que a percepção é sempre seletiva e a atenção reflexiva.

    Ela explica que o narrador escolhe os elementos do seu relato, mesmo quan-do pretende que nada lhe escape. O conjunto de unidades registradas será sem-pre um subconjunto do que realmente se passou. Assim, os meios de comuni-cação registram, de preferência, fatos que os jornalistas estão convencidos de terem visto ou compreendido e decompõem o tempo vivido em uma sequência de unidades individualizadas.

    Cada unidade individualizada do tempo vivido corresponde a uma mudança que o espectador percebe em torno de si mesmo, a uma passagem de um estado a outro, a uma descontinuidade em relação ao momento anterior, resultado do aparecimento ou desaparecimento de algo ou da rearrumação dos elementos que estão à volta. A mudança que o público percebe a sua volta é o aconteci-mento, no sentido que se dá a esta palavra na literatura histórica.

    Mas para que haja acontecimento não basta a presença do espectador. É preciso que haja a mudança e que ela seja acessível a uma pluralidade de es-pectadores virtuais, capazes de comunicar reciprocamente os resultados de suas recepções. E são os meios de comunicação que tornam essa mudança acessível. Para ser percebida é preciso que seja perceptível. Para isso é necessário que o acontecimento se produza no espaço visível do público. E são mais uma vez os meios de comunicação que tornam o acontecimento visível.

    Barbosa (2004b) explica que a narrativa do acontecimento, entretanto, não é apenas a descrição das mudanças que se percebeu. O jornalista confere signifi-cação àquilo que fala, mesmo quando não existe propósito deliberado para isso. Acontecimento seria, assim, não a mudança perceptível no tempo e no espaço, mas a descontinuidade construída a partir de um modelo de normalidade e anormalidade construído.

    Do ponto de vista da caracterização temporal, embora o acontecimento seja atual, evidencia um tempo de natureza cíclica. Os fatos narrados hoje são repetidos amanhã, ainda que envolvendo outros personagens, outros lugares. O tempo da narrativa jornalística mostra uma repetição sistemática da quebra de normalidade.

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    Cerimônias e comemorações

    Marialva Barbosa também discutiu em seus estudos a questão da relação dos meios de comunicação com as cerimônias e comemorações, fazendo re-flexões relacionadas principalmente à televisão. Ao reproduzir o mundo sob a forma de narrativa, diz Barbosa (2004a), a televisão está construindo a me-mória do presente para um futuro. Por outro lado, ao incluir na sua progra-mação momentos de interrupção para as chamadas emissões ao vivo que se reatualizam sem cessar – as chamadas cerimônias midiáticas –, evocando como contraponto o passado imemorial, está se constituindo em um outro lugar de memória: a memória do passado possível em relação a um presente em perma-nente atualização.

    Ao construir comemorações reatualiza o passado, mas por uma ótica que inclui não apenas o presente, mas, sobretudo, o futuro. A memória, portanto, se configura na televisão não apenas nas notícias do quotidiano, mas nas come-morações e nas cerimônias midiáticas.

    Citando Dayan (1996), diz que o primeiro lugar de materialização de uma dada memória da sociedade, organizada como memória dominante pelos meios de comunicação, são as chamadas cerimônias televisivas.

    Nessas emissões procede-se a uma espécie de suspensão do tempo e a inclu-são do público como comunidade interpretativa. Cria-se uma espécie de senti-mento de comunhão entre aqueles que partilham a experiência de visualizar a mesma emissão, em conjunto com outros que também veem o desenrolar dos acontecimentos que se atualizam sem cessar, naquele mesmo momento e lugar, graças à ação da mídia.

    Mas essas transmissões são também, segundo ela, arquivos memoráveis cons-truídos para um futuro possível e também a mídia recorre a elas sempre que ne-cessita relembrar um passado memoriável. Por outro lado, é preciso considerar que a cerimônia transmitida ao vivo pela televisão possui todas as características de um ritual. Os personagens, por outro lado, situam-se entre o real e o fictício, solicitando do público a crença coletiva. Cria-se, portanto, em torno dessas cerimônias uma série de artifícios narrativos, nos quais a escolha de imagens, o apagamento do contexto, a repetição dos efeitos e a lentidão dos movimentos dos personagens assumem papel central. Cria-se uma espécie de festa coletiva, nos quais os rituais são extremamente importantes e para os quais se pede tam-bém a participação do público, também ator da cerimônia.

    Outro aspecto a ser considerado é o da simultaneidade das transmissões, em tempo real. Inaugura-se assim um regime de imprevisibilidade, criando uma permanente expectativa em relação ao próprio desenrolar dos acontecimentos.

  • 35Marialva Barbosa: Comunicação e história

    Essa atualização permanente produz memórias fluidas, voláteis desses aconte-cimentos, ao mesmo tempo em que as emissões apelam a todo instante para a memória: ao mesmo tempo em que mudam as imagens do ao vivo, intercalam--se essas imagens com arquivos de um passado pertencente ao personagem central da emissão.

    Assim, constroem-se dois arquivos para o presente e a para o futuro e os meios de comunicação se constituem não apenas em arquivos para o futuro, mas em arquivos permanentes do presente. E a narrativa não é mais apenas a mescla do ficcional com o informacional, mas a narrativa histórica do imediato.

    Após relatar com minúcias os detalhes daquele acontecimento singular que produz a interrupção do fluxo narrativo convencional, a própria emissão vai preparando o seu esquecimento e preparando o público para voltar ao ritmo e ao quotidiano de suas existências. A narrativa começa a fazer uso do recurso do flash-back e das sínteses que resumem as horas de transmissão em eventos considerados significativos.

    Gradativamente esses restos, vestígios, espécies de relíquias fabricadas não são apresentados como cenas diretas. Assume o controle da emissão as perfor-mances de estúdio, até que gradativamente sai de cena. E a mesma televisão que produziu a cerimônia também produz o seu esquecimento, através dessas estra-tégias narrativas que apelam à síntese ou à idealização de momentos construídos como clímax. Construída como evento memorável, a cerimônia é depois dire-cionada para o esquecimento.

    As comemorações são outro tipo de evento midiático que coloca em relevo a questão da memória. Espécies de marcos que reatualizam o passado, são um importante instrumento utilizado pela prática jornalística, para construir uma dada memória da sociedade. Se a narrativa jornalística é marcada pela identi-dade com o instante é preciso, também, criar mecanismos em que se elimine o déficit existente em relação ao passado.

    Presentificando o passado, a retórica jornalística da comemoração estabelece em relação ao acontecimento, difundido como informação e como espetáculo, a materialização de uma dada memória através da montagem de uma verdadeira indústria da comemoração.

    Para isso mistura-se o presente e o passado, razão pela qual tornam-se os meios de comunicação verdadeiros guardiões das comemorações contemporâ-neas e construtores de uma dada materialização da memória. As comemorações fazem parte de um processo de construção de poder, no qual o interesse político de dominar o tempo assume papel fundamental. Possibilita também a constru-ção do acontecimento e a sua valoração pública, o que leva os detentores deste poder a serem publicamente proprietários de sua criação.

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    Não se pode esquecer também o caráter comercial desses eventos. Transfor-mada em produto, a comemoração é uma comercialização lucrativa, ao mesmo tempo em que se torna integradora do sagrado e do profano. As festas comemo-rativas possuem, pois, essas duas dimensões: a praça pública subversiva, profana e a dimensão sagrada dos atos oficiais. E são essas duas dimensões que são vei-culadas pelos meios que se tornam, assim, na contemporaneidade guardiões da única memória válida da sociedade.

    Para Marialva Barbosa (2006a), as comemorações talvez sejam o momento mais emblemático como aparecem não apenas essas expectativas de futuro na construção dos meios de comunicação, como também a política deliberada do esquecimento como figuração da memória.

    Ela é construída como acontecimento, restabelecendo a lógica narrativa no qual o passado pode ser utilizado concomitantemente ao presente e moldando uma realidade diferente daquela da transmissão direta, que por si só não cria este tipo de identificação. Mas na presentificação do passado ocorrida nos jogos comemorativos, os meios de comunicação apresentam também uma expectativa de futuro.

    Dando visibilidade as comemorações, os meios de comunicação desenvol-veram a ideia de passado como fato incomum, transformando-o em algo que pertence ao regime do excepcional. Conectando o passado ao presente, por ou-tro lado, tornam-se guardiãs do fluxo temporal, atrelado a pratica do instante. Os promotores dos gestos comemorativos assumem explicitamente uma função política, reafirmando-se, simbolicamente, como herdeiros do passado.

    Mas cada gesto comemorativo aponta para o futuro, reforçando a ideia de integração. Isso ocorreu, por exemplo, nas comemorações dos 500 anos do Bra-sil, em 2000, quando a Rede Globo se instaurou como verdadeira guardiã do ato celebratório e responsável direto pelo discurso de redescoberta e integração do Brasil, através da criação e da divulgação de gestos comemorativos. A televi-são aparecia na construção discursiva como a única capaz de integrar um país com a extensão de um continente.

    Barbosa destaca que cada comemoração se inscreve numa tensão entre dois pontos: um responde a uma preocupação de sociabilidade, de construção ou de afirmação de uma identidade e outro é de natureza pedagógica, cuja preocupa-ção é transmitir, fazer conhecer e incitar. Cada comemoração é, pois, misto de sociabilidade e de pedagogia.

    A mídia ao ser criadora da comemoração e, nesse sentido, inventora de um passado memorial toma para si o papel de promotora da identidade nacional e local e o sentido pedagógico do gesto comemorativo.

  • 37Marialva Barbosa: Comunicação e história

    Narrativa

    O conceito de narrativa com o qual Marialva Barbosa opera deriva de sua filiação fenomenológica em Paul Ricoeur e não se confunde com a questão de gênero. Não se trata de identificar quais textualidades podem ou não ser carac-terizadas como narrativas, como “molduras do discurso” (BARBOSA, 2004a, p.2). Em Barbosa, narrativa é um operador teórico substitutivo ao conceito de discurso, com a finalidade de dar conta das tessituras linguísticas (verbais e não-verbais) no mundo social. Sua opção conceitual se deve à necessidade de acentuar o aspecto temporal da comunicação, garantindo coerência no seu sistema de pensamento.

    Esse conceito faz emergir a questão do tempo nos objetos preferenciais de Barbosa, entre eles, a narrativa televisual. O ato de narrar integra o tempo da narração e o tempo histórico. O conceito também permite à autora acentuar três de suas principais preocupações: a ação do público, a dimensão ficcional do discurso e a presença da história, como atualização de múltiplos passados, nos meios de comunicação. Portanto, não existe, em Barbosa, uma função narrativa específica do discurso. A narrativa se encontra como metáfora para vida, assim como em Ricoeur.

    Por isso, outro conceito chave para compreender a concepção da autora de narrativa é o de experiência, pois “o que está em cena é o lugar de fala do sujeito e a sua própria experiência frente ao mundo” (BARBOSA, 2004a, p.2). Essa concepção deriva, evidentemente, de Benjamim, mas também de Ricoeur. Para ela, a narrativa “produz a transição entre a experiência que precede a construção do texto e a que lhe é posterior e só ganha sentido quando passa a figurar nesse novo mundo.” (BARBOSA, 2007c, p.12) Dessa maneira, inspirada na tríplice mimese de Ricoeur (1994), Barbosa toma a narrativa como modelo para o pro-cesso comunicacional, mantendo forte compromisso antiestruturalista. Para ela, narrativa é o processo de comunicação, no qual fica evidenciada a ação do públi-co ao fazer o texto retornar ao mundo social. Ao produzir sentido sobre o texto, o público lhe dá nova vida e novo ciclo comunicacional, nunca idêntico ao anterior, como no modelo do espiral em Ricoeur, isto é, do arco hermenêutico.

    Através da narrativa re-atualizamos permanentemente nossa experiência solitária e muda. Mas isso só se dá se houver a re-configuração textual através da experiência temporal. Assim, falar em narrativa pressupõe se referir a uma forma que é trans-cultural e que coloca em evidência o caráter temporal da experiência humana (RICOEUR, 1994: 85 apud BARBOSA, 2007c, p.11).

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    Segundo a autora, essa unificação entre tempo e narrativa se dá por uma operação mimética. Nesse sentido, o texto se torna a ponte entre o vivido e o narrado (RICOEUR, 1987). Segundo ela:

    Produzimos inúmeras definições do ato de narrar, transformando-o em gêneros plurais, fez com que se produzisse também uma dicotomia bá-sica entre os textos: de um lado, as narrativas que têm pretensão à ver-dade (o discurso da ciência e do Jornalismo, por exemplo) e de outro, as narrativas ficcionais, sejam as que utilizam a linguagem escrita (literatu-ra), sejam as que utilizam a imagem (filmes, fotografia, telenovelas, etc.) (BARBOSA, 2006b, p. 2).

    Barbosa não rejeita os gêneros, mas não é a preocupação com as classificações o que vigora em seu pensamento quando ela trata da narrativa. Por coerência teórica, ela privilegia os modos de ver, as formas comunicacionais e a ação do público sobre o texto, que são sua interpretação e sua apropriação, isto é, a pro-dução de sentido. Mais uma vez, evidencia-se o parentesco entre comunicação e história através do viés narrativo na obra de Barbosa.

    A necessidade de evitar as classificações discursivas é radicalizada no apa-gamento das fronteiras entre verdade e ficção, especialmente caro à autora ao tratar da importância das narrativas televisuais na cultura brasileira.

    A narrativa da TV particulariza objetivos, causas e acasos reunidos numa unidade temporal de uma ação total e completa (RICOEUR, 1994: 9-20). Mas qualquer narrativa coloca em cena a intriga, o novo, o iné-dito, o não dito, as peripécias, os acasos, articulando a ação humana no tempo (BARBOSA, 2007b, p. 4).

    As narrativas televisuais são inscritas no cotidiano do público de modo ritua-lizado numa rotina diária, mesclando referências ficcionais à experiência prática. Essa intensa narratividade atende a uma necessidade de expressão dos senti-mentos e da vida privada. A televisão se traduz não apenas numa tecnologia de comunicação, mas possui seu significado completado pelos usos que se fazem dela, especialmente como utensílio doméstico. Segundo Barbosa, o fato de a te-levisão ter sido absorvida no âmbito privado foi fundamental para definir como o público se relacionaria com esse meio (BARBOSA, 2007b, p.7).

    Uma característica importante acentuada nas reflexões de Barbosa sobre as narrativas televisuais diz respeito à oralidade, como expressividade prioritária que é materializada tanto na imagem quanto nos ambientes que reproduzem

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    cenas de experiências orais primárias. Mesmo nos telejornais, “os locutores-jor-nalistas apresentam-se sempre em duplas, reproduzindo um diálogo no qual o público é peça fundamental. Falam olhando diretamente para o telespectador que é imaginado na cena” (BARBOSA, 2007c, p.137).

    Além disso, a televisão é onde se encontra a simultaneidade plena entre do tempo levado para contar e do tempo contado, articulado pela narrativa. Assim, os acontecimentos podem ser narrados durante sua própria produção, tendo a televisão com um dos agentes engajados na ação que ela mesma participa e apresenta, assumindo assim o papel de narradora da experiência.

    Tempo

    A categoria do tempo exerce três funções na obra de Marialva Barbosa. Além de recurso metodológico, opera como ponte possível entre Comunicação e His-tória, e se constitui num problema sensível em relação aos fenômenos midiáticos.

    O primeiro ponto que se deve ter em mente é que as reflexões de Barbosa sobre o tempo partem de sua preocupação com o excessivo presentismo nos estudos em torno da comunicação, vinculado, na maior parte das vezes, a uma perspectiva de fundo que se pauta pela lógica da pós-modernidade. Tal perspec-tiva teria resultado, na Comunicação, em explicações frequentemente rasas em relação aos fenômenos relativos aos processos de comunicação, compostas, prin-cipalmente, por teses tautológicas que explicam as mudanças pela mudança.

    Como antídoto contra esse efeito teórico, Marialva Barbosa foi buscar na História Cultural, especialmente nos fundamentos da École des Annais, uma concepção que lhe permita repartir metodologicamente o tempo social em pro-cessos históricos de curta, média e longa duração. Assim, as explicações mais imediatistas para os fenômenos comunicacionais, focadas nas transformações visíveis, não são invalidadas pela a pesquisadora, mas redimensionadas como versões possíveis e necessariamente parciais, de modo a proteger o conhecimen-to de princípios monocausais.

    O que Barbosa coloca em cena são, portanto, outras estratificações para es-sas explicações, segundo as quais alguns dos níveis causais são mais duradou-ros, perdurando por médios e longos tempos. Esse princípio de organização do pensamento científico de Barbosa parte de sua plena consciência e domínio sobre a lógica das permanências, isto é, das continuidades na história. Em Bar-bosa, os modos de comunicação não se transformam exclusivamente de forma acelerada no fluxo na história, mas também permanecem em longos processos de continuidade e de lentas transformações imperceptíveis ao pesquisador que

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    insiste em construir objetos a partir recortes estreitos de tempo. Portanto, o refinamento metodológico introduzido pela professora Marialva no campo da Comunicação torna sua obra teoricamente complexa e densa, especialmente ao tratamento que ela confere ao tempo.

    No que concerne especificamente à história da comunicação, sua perspectiva sobre o tempo se apresenta como a opção teórica mais fértil. Sua proposta é relativizar o princípio da origem que governa os estudos históricos em comuni-cação. A ideia de gênese serve, segundo ela (BARBOSA, 2008a e 2010), a um tipo de escrita da história que se confunde com os mitos fundadores.

    A concepção metodológica tripartite do tempo é uma ponte mais nítida entre Comunicação e História, na qual a professora transita, porém não a úni-ca. Se o tempo social e a relação do homem com o tempo constituem objetos privilegiados da História, não se poderia buscar referência em outro campo que não o historiográfico. Mas esse parentesco íntimo entre os processos de comuni-cação e o processo histórico é sintetizado por Marialva na questão da narrativa, outra chave de leitura fundamental em sua obra, sob a inspiração da fenome-nologia de Paul Ricoeur. A narrativa é o processo de produção de sentido que evidencia a relação entre comunicação e história, a partir da dimensão temporal da existência. Os homens inscrevem suas ações, significativas, na duração.

    A sobrevivência de atos de comunicação, que são afinal vestígios da história, dá-se pelo encadeamento entre passado, presente e futuro expresso na narrativa. Além disso, os modos de narrar se encontram submetidos à própria historicida-de. É o que Ricoeur chama de tempo contado e tempo do contar.

    Por fim, o último aspecto bastante relevante e que igualmente tensiona co-municação e história é a questão do acontecimento. Se a narrativa une episte-mologicamente Comunicação e História, o acontecimento marca as diferenças entre as duas ciências na medida em que os critérios acontecimentais de uma de outra são diferentes, o recorte temporal dos acontecimentos históricos e midiáti-cos ou jornalísticos, na forma da notícia, por exemplo, podem ser até antagôni-cos, embora a narrativa reenvie o acontecimento à dimensão significante, como textualidade mas também como peripécia dos “textos” do processo histórico.

    Mais do que uma chave de leitura para sua obra, é possível afirmar que o tem-po é, para Barbosa, um conceito fundante da Comunicação. E, na sua reflexão, essa categoria analítica se apresenta de forma especialmente cara nos estudos sobre o jornalismo e sobre a cultura das múltiplas mídias em geral. “O jornalismo, par-ticularmente, está situado em uma tensão permanente entre o mundo e o tempo. Os acontecimentos ganham sentido pela apropriação e interpretação dos grandes sistemas de mediação, movimento obrigatório para chegar ao público que, assim, forma opinião e uma representação do mundo” (BARBOSA, 2007c: 79).

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    Segundo ela, o “tempo-mídia” instaura uma noção de simultaneidade que potencializa a ação do indivíduo à distância, amplificando o presente, ao mesmo tempo em que lhe confere o aspecto de transitoriedade absoluta. Nesse sentido, constrói-se a ilusão de uma temporalidade direta, como imagem do real.

    A virtualidade foi acrescentada à lógica da interatividade que produz ilu-são de ter a imagem em tempo real e o poder de modificá-lo por controle direto. Com isso, cria-se a certeza de ser capaz de construir não apenas o futuro, mas o presente, já que este pode ser modificado, a partir de um ato de vontade. A interatividade tem, pois, uma relação intrínseca com as novas lógicas temporais (BARBOSA, 2007c, p. 83).

    Outro aspecto levantado por Barbosa é o caráter ritualístico do consumo das mídias. Desde o rádio, na década de 1920, até se consolidar com a televisão, Barbosa aponta para o funcionamento da mídia como uma espécie de relógio contemporâneo, cujo tempo particularizado rege a vida cotidiana. “Jantamos antes ou depois do jornal das oito, saímos para o trabalho antes ou depois do noticiário da manhã e marcamos nossos encontros após a emissão das telenove-las” (BARBOSA, 2007c: 84).

    Oralidade e letramento

    Ao analisar a relação dos escravos com o mundo dos impressos do século XIX, em suas mais recentes pesquisas, Marialva Barbosa (2009) considera os processos de transição da oralidade à escrita e de transformações decorrentes da passagem de uma oralidade primária (ONG, 1982) para uma secundária e a entrada no mundo do letramento. Também Paul Zumthor (1993) reconhece da mesma maneira esta oralidade secundária e primária, mas ajunta uma terceira oralidade: a mista. Cada uma delas correspondendo a situações culturais dife-rentes. A primária seria aquela existente em sociedades sem qualquer contato com a escrita. Mas outros tipos de oralidade coexistem dentro do grupo social com a escrita. Dá o nome de oralidade mista, quando a influência do escrito é externa, parcial; a segunda se constitui a partir da escritura no entorno, debili-tando os valores da voz no uso e no imaginário. Já a oralidade mista precede a existência de uma cultura escrita; a oralidade segunda de uma cultura erudita (em que toda a expressão está mais ou menos condicionada pelo escrito).

    O projeto de pesquisa de Marialva engloba, ainda, reflexões sobre modos de comunicação orais, escritos, letrados, impressos, no mundo comunicacional

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    de misturas do século XIX e questões relativas aos processos cognitivos exis-tentes em sociedades e culturas de oralidade primária e das transformações que ocorrem a partir da introdução da escrita/impressão. No projeto, ela coloca importantes questões: “Os escravos eram leitores de primeira, segunda e terceira natureza e, sobretudo, eram sujeitos imersos em novos modos de comunicação. É necessário tentar reconstruir os contextos dessas leituras e escrituras. Como aprendiam a ler e a escrever? Por que aprendiam a ler e a escrever? Qual era o significado de saber ler e escrever nessa sociedade? Será que a leitura e a escrita não eram meramente vistas como mais uma habilidade? O que era saber escre-ver nesta sociedade? Saber escrever textos complexos ou apenas assinar o nome? O que era saber ler nessa mesma sociedade? Conseguir decifrar signos isolados ou saber formular um sentido a partir da leitura?” (BARBOSA, 2011).

    Referências

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  • 43Marialva Barbosa: Comunicação e história

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