capital social e a regiˆo sul do rio grande do sul · ao prof. pedro bandeira. os seus estudos...

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LEONARDO MONTEIRO MONASTERIO CAPITAL SOCIAL E A REGIˆO SUL DO RIO GRANDE DO SUL Tese apresentada como requisito parcial obtenªo do grau de Doutor, pelo Programa de Ps-graduaªo de Desenvolvimento Econmico, Setor de CiŒncias Sociais Aplicadas, Universidade Federal do ParanÆ. Orientador: Prof. Dr. JosØ Gabriel Porcile Meirelles. CURITIBA AGOSTO 2002

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LEONARDO MONTEIRO MONASTERIO

CAPITAL SOCIAL E A REGIÃO SUL DO RIO GRANDE DO SUL

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor, pelo Programa de Pós-graduação de Desenvolvimento Econômico, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. José Gabriel Porcile Meirelles.

CURITIBA

AGOSTO 2002

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AGRADECIMENTOS

À CAPES e ao CNPq pelas bolsas de PICDT e de doutorado sanduíche,

respectivamente.

Aos professores membros da banca: Maurício Serra e Pedro Fonseca.

Agradeço aos comentários e críticas. O primeiro animou-me bastante em relação ao

tema da tese e o segundo, por ser um dos principais autores na área de história

econômica gaúcha, foi um dos leitores potenciais que tive em mente enquanto

elaborava o trabalho;

A Francisco Palheta e a Guglielmo Marconi, respectivamente pelos dois

insumos básicos para a tese: café e rádio. A combinação Nescafé (ou expresso) com

CBN (BBC quando estava no UK) me acompanhou durante todo o tempo e acelerou a

conclusão do trabalho;

Aos colegas do Departamento de Geografia e Economia da UFPel, dentre os

quais destaco o Prof. José Álvaro e a funcionária Marly, sempre dispostos cuidar dos

rolos administrativos. O pessoal da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação, em

especial a Tânia, foi ágil e gentil em responder às minhas demandas. Os colegas do

ICH, Adhemar e Beatriz Loner, além dos trabalhos citados, colaboraram com dados e

boas conversas sobre a história do RS;

Aos livros e funcionários das seguintes bibliotecas e instituições: FEE,

Unisinos, University e Marshall (em Cambridge), Biblioteca Nacional, IBGE (RJ),

UFRGS, IHGRGS, PUC-RS, UFPR;

Ao casal Marita e Euclides Redin pelo apoio, churrascos e impressões;

Aos professores da UFPR e à Ivone. Dentre os primeiros destaco o professor

Cássio Rolim pelo curso de Economia Regional, quando vi a primeira referência ao

conceito de capital social. Além disso, seu curso fez com que eu me convencesse que a

dimensão espacial não pode ser omitida;

A Ramon Fernandez, amigo e membro da banca, foi quem me motivou para

a ida a Curitiba. Seu curso de Metodologia por si só já valeu a viagem. Contudo, não

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tivemos o tempo que queríamos para conversar sobre assuntos relevantes como rock e

livros. Lamento não compartilhar com ele o interesse pelo ludopédio;

Aos colegas mestrandos e doutorandos da UFPR. Dentro e fora de sala de

aula foi sempre um prazer conviver com eles. Dentre estes, destaco os amigos Anna

Luisa, Luciano, Marcelo Passos, Marcelo Publio, Marcus, e, not least, Sandrinha,

cumpriram com brilhantismo o papel esperado dos amigos: me agüentaram

pacientemente;

A outros pesquisadores que forneceram dados, enviaram papers, ou deram

recomendações ao longo do trabalho: Rodolfo Hoffmann, Mário Maestri Filho,

Eduardo Pontual, Washington, Ichiro Kawachi, Daniel Leipzinger. Versões

preliminares desse trabalho foram apresentados em diversos seminários. Seria

impossível agradecer a todos que contribuíram e, portanto, saliento os comentários de

Lee Alston que foi meu "treinador" durante o Ronald Coase Seminar;

Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em

especial sobre a Metade Sul, foram imprescindíveis para a execução do trabalho. Além

disso, é notável sua preocupação em transformar a realidade dessa região do estado.

Como se isso não bastasse, há que se notar que seu artigo Participação, articulação de

atores sociais e desenvolvimento regional (1999) foi um dos primeiros em língua

portuguesa a trazer temas correlatos ao capital social para a análise regional brasileira.

As sugestões e conversas que tivemos foram fundamentais para o desenvolvimento do

trabalho;

O período de doutorado sanduíche, em Cambridge, trabalhando no Von

Hügel Institute, não teria sido possível sem o auxílio de Flávio Comim. Além disso,

junto com Angels, eles estiveram atentos a nos ajudar e se tornaram ótimos amigos.

Agradeço ao Dr. Simon Szreter por aceitar o compromisso de ser orientador de um

sujeito que mal conhecia. Michael Woolcock esteve sempre disposto a cooperar, a

trocar idéias sobre capital social (e referências bibliográficas) e foi um imenso prazer

trabalhar com ele;

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Ainda na Inglatera, destaco James e Rorie do St. John's College que nunca

lerão o que eu escrevi e que talvez nunca encontrarei novamente. De qualquer forma,

agradeço toda a gentileza e os galhos que quebraram quando lá cheguei. Sou grato ao

Huáscar pelas dicas e informações sobre a vida na Inglaterra;

Aos professores da Universidade do Minho pela gentil recepção;

Aos amigos de Porto Alegre. Dentre estes destaco os dois que mais

contribuíram para o trabalho: Cláudio Shikida e Sabino Porto (e família). Ambos

criticaram versões preliminares do trabalho, além de terem acompanhado, como

amigos e interlocutores, cada passo dessa tese. O eterno professor Sérgio M. M.

Monteiro foi desde o mestrado um grande amigo e me incentivou em toda a minha

trajetória. No doutorado, contudo, a distância fez com que não pudéssemos ter as

produtivas sessões de atrapalhação mútua. Tê-lo na banca de tese foi uma honra e um

reencontro;

Ao grande Jung, a quem inexplicavelmente esqueci de citar na dissertação de

mestrado, agradeço duplamente pela amizade;

Os papos com os professores Duílio de Ávila Bérni e Roberto Camps estão

entre os melhores que já tive. Foram conversas que ficaram reverberando na minha

cabeça e guiaram meus interesses acadêmicos;

Aos membros da lista de discussão sobre capital social

(http://capitalsocial.cjb.net);

A família. Mais uma vez, tive certeza que poderia contar com o apoio dos

meus familiares, apesar da distância física que nos separa. Igualmente, agradeço a

família da Fernanda porque estiveram ao nosso lado e, desde o começo, apostaram em

nós;

A la vida, que me ha dado tanto;

Ao meu orientador Gabriel. Nos e-mails que trocávamos com os capítulos da

tese eu o chamava de "patrão". Ele foi exatamente o oposto. Foi um amigo, capaz de

descascar e compreender os mais diversos tipos de abacaxis que eu lhe apresentava.

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Além disso, da gentileza e bom humor que todos conhecem, foi ótimo compartilhar

todo o seu conhecimento e experiência em teoria e história econômica. Lamento ter,

por vezes, diminuído seu tempo de convívio com Bethânia e Carolina;

Com freqüência consta dessa seção uma palavra de gratidão a pessoa amada

por ter tido paciência durante as ausências físicas e espirituais na elaboração da tese.

Meu caso é distinto. Conheci a Fernanda quando vim a Porto Alegre apresentar um

trabalho já relacionado com a pesquisa dessa tese. Voltei para reencontrá-la ao fazer o

mini-curso do Flávio sobre capital social na UFRGS. Ao me mudar para São Leopoldo

pudemos ficar mais próximos e eu trabalhei na parte histórica da tese. O doutorado

sanduíche nos possibilitou usufruir juntos dos prazeres e das dificuldades de nos

adaptarmos a uma nova realidade. Certamente, ela teve que agüentar meus maus

humores e meu distanciamento quanto estava mais imerso no trabalho. Contudo,

sempre esteve ao meu lado, me estimulando e empurrando para frente. Mais ainda, ela

foi uma ótima interlocutora, sempre pronta em criticar os pontos mais frágeis do

argumento, em especial os pontos metodológicos, aqueles em que, posto contra a

parede, eu só conseguia rir. Levando tudo isso em conta, me parece que a tese mais

nos aproximou do que nos separou. Talvez por isso fica uma boa lembrança do

período de tese. Ao contrário do poeta, eu não cometi o pecado da infelicidade. Isso

faz com que eu dedique esse trabalho, com muito amor, à Fernanda.

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Every historical event has some aspect in which it is unique; but nearly always there are other aspects in which it is a member of a group, often a quite large group.

Sir John Hicks (1969)

It is time for us, as economists, to quit searching for a theory - even a "general theory" of economic development. Rather we should concentrate our efforts on the construction of growth and development models which reflect the physical and institutional relationships which characterize particular national and regional economies.

Vernon Ruttan (1959)

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS......................................................................................................... xi

LISTA DE GRÁFICOS ....................................................................................................xiii

LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................xiii

LISTA DE MAPAS ...........................................................................................................xiii

RESUMO ........................................................................................................................ xiv

ABSTRACT ....................................................................................................................... xv

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1

2. CAPITAL SOCIAL....................................................................................................... 10

2.1.RAÍZES DO CAPITAL SOCIAL................................................................................... 11

2.1.1.Fatores "Internos" à Economia .................................................................................... 16

2.1.1.1.Teoria dos Jogos....................................................................................................... 16

2.1.1.2.Lógica da Ação Coletiva .......................................................................................... 17

2.1.1.3.Capital Humano em Becker e Lucas ......................................................................... 18

2.1.1.4.Nova Economia Institucional.................................................................................... 20

2.1.2.Fatores "Externos" à Economia ................................................................................... 23

2.1.2.1.Evidências Empíricas acerca do Desenvolvimento Econômico ................................. 23

2.1.2.2.Desempenho dos Projetos de Desenvolvimento e Banco Mundial. ............................ 24

2.1.2.3.Fatores Ideológicos................................................................................................... 25

2.2.ABORDAGENS DO CAPITAL SOCIAL...................................................................... 26

2.2.1.Putnam e as Associações Horizontais .......................................................................... 26

2.2.2.Granovetter, Coleman e Redes Sociais ........................................................................ 27

2.2.3.Capital Social como Ambiente Institucional ................................................................ 29

2.3.MODOS DE CAPITAL SOCIAL................................................................................... 30

2.4.CRÍTICAS AO CAPITAL SOCIAL .............................................................................. 31

3. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO ........................................... 36

3.1.CANAIS DE CONEXÃO ENTRE CAPITAL SOCIAL E DESEMPENHO

ECONÔMICO ..................................................................................................................... 36

3.1.1.Capital Social como Fator de Produção ....................................................................... 36

3.1.2.Capital Social e Produtividade Total dos Fatores ......................................................... 37

3.1.3.Capital Social e Capital Humano ................................................................................. 39

3.1.4.Capital Social e Investimento em Capital Físico .......................................................... 40

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ix

3.1.5.Capital Social e Inovação Tecnológica ........................................................................ 41

3.1.6.Capital Social e Estado................................................................................................ 43

3.1.7.Capital Social e Saúde ................................................................................................. 45

3.2.TIPOS DE CAPITAL SOCIAL E MECANISMOS DE CRESCIMENTO...................... 46

3.3.EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E CAPITAL SOCIAL....................................................... 49

3.4.DESIGUALDADE, CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ........................................ 52

3.4.1.Desigualdade e Crescimento Econômico: Mecanismos Institucionais .......................... 52

3.4.2.Desigualdade e Formação do Capital Social ................................................................ 55

3.4.3.Capital Social e Manutenção da Desigualdade ............................................................. 60

3.4.4.Capital Social Bonding e Grupos de Interesse.............................................................. 61

3.4.5.Origens da Desigualdade ............................................................................................. 68

3.4.6.Antecipação de uma explicação integrada para o Sul do RS......................................... 69

3.5.CONCLUSÃO ............................................................................................................... 71

4. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA REGIÃO SUL DO RS .............................. 73

4.1.A ESTÂNCIA................................................................................................................ 74

4.2.ESCRAVOS NA PECUÁRIA........................................................................................ 82

4.3.A CHARQUEADA........................................................................................................ 87

4.4.CAPITAL SOCIAL NA REGIÃO SUL ......................................................................... 93

4.4.1.Capital Social em Pelotas e Rio Grande....................................................................... 93

4.4.2.Capital Social na Elite ................................................................................................. 97

4.4.3.Regionalização do RS................................................................................................ 100

4.5.A UTILIZAÇÃO DE ESCRAVOS NA CHARQUEADA............................................ 104

4.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 113

5. A CAMPANHA DURANTE A REPÚBLICA VELHA ............................................. 115

5.1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 115

5.2.PANORAMA DA CAMPANHA ................................................................................. 116

5.3.INCENTIVOS PARA AS CHARQUEADAS .............................................................. 119

5.4.DA CHARQUEADA PARA O FRIGORÍFICO ........................................................... 123

5.5.CAPITAL SOCIAL E PROBLEMAS DA TRANSFORMAÇÃO ................................ 125

5.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 132

6. TRAJETÓRIAS DE CRESCIMENTO REGIONAL DO RS NO SÉCULO XX...... 134

6.1.CONVERGÊNCIA ABSOLUTA................................................................................. 135

6.1.1.β-convergência.......................................................................................................... 135

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x

6.1.2.δ-convergência .......................................................................................................... 137

6.2.TRAJETÓRIAS REGIONAIS ..................................................................................... 139

6.2.1.Desvios das Médias Regionais................................................................................... 140

6.2.2.Convergência Condicional para as AEC Gaúchas (1939-1980).................................. 141

6.2.3.Efeitos Fixos por AEC (1939-1980) .......................................................................... 143

6.2.4.Convergência Condicional para Municípios Gaúchos (1970-1998)............................ 145

6.3.CONVERGÊNCIA CONDICIONAL E CAPITAL SOCIAL ....................................... 147

6.3.1.Caracterização regional ............................................................................................. 148

6.3.1.1.Organização Social e Participação Política ............................................................. 149

6.3.1.2.Escravidão.............................................................................................................. 150

6.3.2.Correlações entre Variáveis Selecionadas .................................................................. 151

6.4.INDICADORES DO CAPITAL SOCIAL.................................................................... 154

6.5.CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS155

6.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 158

7. CAPITAL SOCIAL NO RS EM FINS DO SÉCULO XX ......................................... 160

7.1.INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 160

7.2.ASPECTOS SOCIAIS DAS REGIÕES DO RS ........................................................... 162

7.3.UM INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL ............ 165

7.4.UM INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL.................................................................. 169

7.5.CAPITAL SOCIAL E QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO................................... 176

7.6.CONCLUSÃO ............................................................................................................. 177

8. CONCLUSÃO ............................................................................................................. 179

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 181

APÊNDICE 1 - DUTCH DISEASE NO RS DO SÉCULO XIX: OBSERVAÇÕES

PRELIMINARES ............................................................................................................ 194

APÊNDICE 2 - COMPONENTES PRINCIPAIS: TEORIA E RESULTADOS........... 196

APÊNDICE 3 - RICE E CAPITAL SOCIAL EM 1939 E 1991 ..................................... 201

ANEXO 1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS DO RS -

CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................... 206

ANEXO 2 - DESCRIÇÃO DA PROXIES DE CAPITAL SOCIAL - 1939 .................... 207

ANEXO 3 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS 1939/1980 ............................. 209

ANEXO 4 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS RECENTES......................... 211

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xi

LISTA DE TABELAS

TABELA 4.1 - TRABALHADORES EM MUNICÍPIOS SELECIONADOS DO RS- 1860..............................83 TABELA 4.2 - POPULAÇÃO DO RS, POR ZONA, SEGUNDO A CONDIÇÃO DA POPULAÇÃO

PRESENTE - 1814 .................................................................................................................90 TABELA 4.3 - POPULAÇÃO NOS DISTRITOS ELEITORAIS DO RS- 1860 ...............................................91 TABELA 5.1 - PARTICIPAÇÃO (%) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS NO VALOR TOTAL DAS

EXPORTAÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL, SEGUNDO AS SOMAS DOS VALORES EM PERÍODOS SELECIONADOS 1889-1900/1919-1929..........................................................117

TABELA 6.1 - CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 1939/1980 .........................................................................136 TABELA 6.2- MUDANÇAS ENTRE QUARTIS NO PERÍODO 1939/1980 .................................................139 TABELA 6.3 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL - 1939/1980 .................................................................142 TABELA 6.4 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS REGIONAIS - 1939/1980.....................................................142 TABELA 6.5 - CONVERGÊNCIA β -CONDICIONAL � DADOS DE PAINEL COM EFEITOS FIXOS -

1939/1980 ............................................................................................................................144 TABELA 6.6 - MÉDIA DOS ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES - 1939/1980...........................145 TABELA 6.7 - CONVERGÊNCIA β ABSOLUTA E CONDICIONAL COM DADOS DE PAINEL

MUNICIPAIS - 1970/1998 ...................................................................................................146 TABELA 6.8 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES 1970/1998...................................................147 TABELA 6.9 - CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS POR REGIÕES � 1939 .................................149 TABELA 6.10 - ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA - VALORES MÉDIOS DAS AEC

POR REGIÃO � 1939...........................................................................................................150 TABELA 6.11 - LEGADO DA ESCRAVIDÃO � 1939.................................................................................151 TABELA 6.12 - MATRIZ DE CORRELAÇÕES ENTRE VARIÁVEIS SELECIONADAS - 1939 ................153 TABELA 6.13 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL COM VARIÁVEIS DE CAPITAL SOCIAL � 1939/1980

.............................................................................................................................................158 TABELA 7.1 - PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS QUE PRATICAM ATIVIDADES SOCIAIS PELO

MENOS UMA VEZ POR SEMANA, POR REGIÕES - 2001 ...............................................161 TABELA 7.2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR MICROREGIÕES DO RS - 1995/96 ................................163 TABELA 7.3 - INDICADORES ECONÔMICOS E DEMOGRÁFICOS POR REGIÕES DO RS - ANOS

DIVERSOS ..........................................................................................................................165 TABELA 7.4 - INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL .................166 TABELA 7.5 - PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E OUTROS

INDICADORES. (EM TERMOS PER CAPITA)...................................................................166 TABELA 7.6 - INDICADORES DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO..167 TABELA 7.7 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADORES DE QUALIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.......................................................................................168 TABELA 7.8 - ESCORES FATORIAS- INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

MUNICIPAL POR REGIÃO ................................................................................................169 TABELA 7.9 - INDICADORES DE ATIVIDADES ASSOCIATIVAS E CÍVICAS ......................................170

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xii

TABELA 7.10 - MATRIZ DE CORRELAÇÕES ENTRE VARIÁVEIS SELECIONADAS - ANOS RECENTES .........................................................................................................................173

TABELA 7.11 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (I).........................................................................................................................................174

TABELA 7.12 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (I) .............175 TABELA 7.13 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL

(II)........................................................................................................................................175 TABELA 7.14 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (II)..................176 TABELA 7.15 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (I)...............................................................177 TABELA 7.16 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (II)..............................................................177 TABELA A.2.1 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - COMUNALIDADES - 1939...........................198 TABELA A.2.2 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA - 1939...198 TABELA A.2.3 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE

DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- COMUNALIDADES....................................199 TABELA A.2.4 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE

DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA............199 TABELA A.2.5 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO

CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES ..........................................199 TABELA A.2.6 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO

CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA ..................200 TABELA A.2.7- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO

CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES ..........................................200 TABELA A.2.8- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO

CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA ..................200 TABELA A.3.1 - RICE POR REGIÃO - 1939 ...............................................................................................201 TABELA A.3.2 - CORRELAÇÃO ENTRE RICE E VARIÁVEIS SELECIONADAS -1939..........................202 TABELA A.3.3 - RICE -EFICIÊNCIA RELATIVA DE CONVERSÃO DA RENDA - MÉDIAS REGIONAIS

1991 .....................................................................................................................................205

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1.1 - PARTICIPAÇÃO DE CADA METADE NA POPULAÇÃO (1890-1991) E PRODUTO INTERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1939-1990)........................................ 4

GRÁFICO 2.1 �NÚMERO DE REFERÊNCIAS ASSOCIADAS AO TEMA CAPITAL SOCIAL 1989-2001..11 GRÁFICO 5.1 - EXPORTAÇÕES GAÚCHAS DE CHARQUE - 1793-1929.................................................118 GRÁFICO 5.2 - TAXA DE IMPORTAÇÃO SOBRE O CHARQUE (EM RÉIS POR QUILO) - 1895-1906 ..120 GRÁFICO 6.1 - δ - CONVERGÊNCIA - VARIÂNCIA DA RENDA PER CAPITA - 1939-1998...................138 GRÁFICO 6.2 - DESVIOS DA RENDA PER CAPITA REGIONAL EM RELAÇÃO À MÉDIA ESTADUAL -

1939-1999 ............................................................................................................................141 GRÁFICO A.3.1 - RENDA PER CAPITA E MORTALIDADE INFANTIL -1939 .........................................203 GRÁFICO A.3.2. IDH* E RENDA PER CAPITA - 1991 ..............................................................................204

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 3.1 - SOCIEDADE I - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS ....................................57 FIGURA 3.2 - SOCIEDADE II - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS ...................................58 FIGURA 3.3 - COALIZÕES DISTRIBUTIVAS E CAPITAL SOCIAL LINKING ...........................................63 FIGURA 3.4 - RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE CAPITAL SOCIAL HEGEMÔNICOS E AÇÃO ESTATAL ...65 FIGURA 3.5 - RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO ............................71

LISTA DE MAPAS

MAPA 4.1 - PARTICIPAÇÃO % DOS ESCRAVOS NA POPULAÇÃO DO RS - 1860..................................92 MAPA 4.2 � DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ESCRAVOS NO RS - 1860 .................................................92 MAPA 4.3 - REGIÕES DO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA ..........................103 MAPA A.1.1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS ...............................................................206

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xiv

RESUMO

Essa tese aplica a abordagem do capital social para compreender o atraso econômico da região Sul do Rio Grande do Sul, chamada de Campanha. A hipótese é que a falta de capital social do tipo bridging e linking é a razão da decadência relativa da região. Escravidão nas charqueadas e criação de gado em uma região militarizada restringiram a acumulação de tais tipos de capital social. Evidências históricas mostram que, no começo do século XX, havia uma rica vida associativa nas principais cidades da região, mas os grupos eram basicamente de pessoas com perfis sociais semelhantes, isto é, capital social bonding. Durante a República Velha, o capital social bonding das elites atrasou a modernização tecnológica da charqueada na direção do congelamento da carne. Análises econométricas, usando dados de painel e corte transversal, estimam o impacto negativo da estrutura social da Campanha em seu crescimento econômico no período 1939-1980. Os índices de capital social na região, construídos através da análise de componentes principais, permanecem mais baixos do que os do restante do estado. Além disso, métodos estatísticos sugerem que, na esfera municipal, a qualidade do governo e os índices de capital social estão positivamente correlacionados.

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xv

ABSTRACT

This thesis applies the social capital approach to understand the economic backwardness of the southern region of Rio Grande do Sul, called Campanha. The hypothesis is that the lack of bridging and linking social capital are the main reasons of why that region fell behind. Slavery at the charqueadas (dry beef production) and extensive cattle-raising century in a militarized region restrained the formation of these modes of social capital. Historical evidence shows that, in the beginning of the XX century, there was an intense association life in the main cities of the region, but the groups were basically of people with similar social profiles, i.e., bonding social capital. During the period 1889-1930 (República Velha), the bonding social capital of the elites delayed the technological progress of the charqueada industry toward frozen meat production. Econometric analysis, using cross-section and panel data, estimates the negative impact of the social structure of the Campanha on its growth (1939-1980). It is shown that current social capital indexes, built by means of principal component analysis, are still low in the region. In addition, statistical methods suggest that quality of local government and social capital indexes are positively correlated in recent years.

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1. INTRODUÇÃO

��(T)he process of economic growth does not necessarily occurs in the

same way, at the same time, or at the same rate in the same locations�, escreveu

Theodore SCHULTZ (1953, p.147). Deve-se acrescentar que também não ocorre no

mesmo lugar durante todo o tempo. Regiões dinâmicas podem se tornar deprimidas e

vice-versa. Existe uma lógica geral nesses processos? Ou cada trajetória regional é

única? Entre esses dois extremos, há uma postura intermediária: considerar que as

múltiplas experiências concretas de desenvolvimento e estagnação correspondem a

diversas teorias. Nesse sentido plural, o presente trabalho almeja compreender a lógica

subjacente que levou uma região específica, o sul do Rio Grande do Sul- RS, a perder

o seu vigor econômico ao longo do século XX.

História, espaço e instituições-esses elementos estão ligados de forma

intersticial. O entendimento dos mecanismos de dependência da trajetória, econômico

ou institucional, forneceu os fundamentos da intuição geral de que é necessário atentar

ao passado de uma região para compreendê-la. Já as conexões entre o espaço e as

instituições são, poucas vezes, explicitadas. As instituições são obviamente imateriais

mas, em sentido amplo, elas subsistem no espaço. Quer se entendam as instituições

como leis, cultura, normas de comportamento, regras de conduta ou hábitos de

pensamento, elas têm em comum o fato de que são localizadas em um certo espaço em

um dado momento histórico. Sua aderência é regional.

Durante as últimas décadas, a noção de que as �instituições importam�

disseminou-se pelos diversos programas de pesquisa em Economia. Mas essa idéia é

vazia se não for detalhada. Precisa-se saber: quais instituições importam para o quê?

Qual a sua origem? Por que se chegou a uma malha institucional específica? Muito se

avançou nessas questões em relação ao desenvolvimento das nações. Mesmo não

havendo uma teoria hegemônica, diversas explicações institucionais para o atraso

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econômico foram desenvolvidas. Muitas tratam de características marcadamente

nacionais, como o padrão legal ou a estabilidade política, e são, portanto, inadequadas

para um estudo regional como o aqui proposto. Assim sendo, e seguindo os

pressupostos metodológicos supra citados, a teoria apropriada para o presente caso é

uma que, levando em conta os aspectos históricos, se mostre capaz de ser aplicada às

diferenças regionais de desempenho econômico.

A partir de meados da década de 90, o conceito de "capital social" adquiriu

importância crescente no debate sobre desenvolvimento econômico dos países e das

regiões. Em seu influente estudo, Making Democracy Work: civic traditions in modern

Italy, Robert Putnam definiu tal conceito como "features of social organization, such

as trust, norms, and networks, that can improve the efficiency of society by facilitating

coordinated actions." (PUTNAM, 1993, p. 167)

O autor argumentou que a carência de capital social no sul da Itália foi

responsável por seu atraso relativo. Segundo ele, a sociedade no norte do país

apresenta uma tradição cívica, associativa, a qual incentivou a cooperação e a

confiança entre os agentes. O mesmo não ocorreu com o sul no qual a estrutura social

mais hierárquica e não-participativa restringiu a acumulação de capital social e,

portanto, o desenvolvimento econômico.

As teorias sobre o capital social tomaram rumos tão diversos e foram

aplicadas a questões tão díspares que urge esclarecer qual dos ramos será seguido.

Devido às analogias entre os objetos, esse trabalho teve inspiração inicial na

abordagem de Putnam. Obviamente a experiência gaúcha não é mera reprodução da

história regional italiana; há várias divergências que sugerem mudanças nos métodos e

mesmo nos insights teóricos. Portanto foram utilizadas outras abordagens, algumas

vezes não relacionadas diretamente com a do capital social. Dentre elas, houve

especial interesse naquelas que atentam aos mecanismos institucionais entre a

desigualdade na distribuição de renda e o desenvolvimento econômico.

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Ainda na questão metodológica, vale notar que a abordagem de Putnam, e a

que aqui é feita, está incluída no que Oliver WILLIAMSON (2000, p. 597) chama de

nível 1 da análise institucional1. Essa esfera trata da questão das normas, valores e

tradições sociais. Seriam aqueles aspectos básicos e informais nos quais as outras

instituições estão inseridas. Ele também denomina esse nível de análise de

�embeddedness level�, pois se preocupa com o ambiente no qual as ações dos

indivíduos e suas relações se dão e se constroem os outros níveis institucionais.

Argumenta-se, nesse trabalho, que o atraso relativo do Sul do RS guarda

paralelos com a experiência italiana.2 Em termos brasileiros, a renda média dos

gaúchos é a terceira mais alta e seus indicadores sociais estão consistentemente

próximos da primeira posição. Contudo apenas o observador desavisado dos dados

inferiria que o estado é homogêneo e desprovido de questões regionais. O RS contém

regiões com notáveis diferenças geográficas, que são acompanhadas por distinções

socioeconômicas não menos amplas. Os dados estaduais escondem realidades

regionais distintas, alteradas ao longo do tempo.

Em 1907, os dois principais núcleos urbanos da parte sul do Estado, Pelotas

e Rio Grande, possuíam mais trabalhadores fabris do que Porto Alegre (BANDEIRA,

1994, p. 23) e cerca de 50% da população gaúcha residia na região sob escopo.

Recentemente, menos de 15% da produção industrial do RS é realizada na Metade Sul

e apenas um quarto da população do estado reside dentro desses limites. As

1 Os níveis são: 2) Economia dos direitos de propriedade/teoria política positiva; 3) Economia dos direitos de propriedade; 4) Economia dos custos de transação; 5) Economia neoclássica.

2 Em sua dissertação de mestrado em Administração Pública, "Metade Sul: uma análise das políticas públicas para o desenvolvimento regional no RS" (2000), Jorge Renato de Souza VERSCHOORE FILHO foi o primeiro autor que aplicou o conceito de capital social para a explicação do atraso relativo de tal região. Agradeço-o por ter me informado e cedido tal trabalho em fins de 1999. O fato de termos tido o mesmo insight de forma independente sugere a pertinência da teoria ao objeto. Vale notar que �Região Sul�, ao longo deste trabalho, designa aproximadamente os territórios chamados de �Região da Campanha� por FONSECA (1983, p. 26-31). Tais termos serão utilizados aqui de forma intercambiável.

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semelhanças quantitativas no começo do século ocultavam estruturas socioeconômicas

bastante distintas, as quais explicam a divergência na trajetória de desenvolvimento

regional que serão retratadas ao longo do texto e podem ser antecipadas pelo gráfico a

seguir:

GRÁFICO 1.1 - PARTICIPAÇÃO DE CADA METADE NA POPULAÇÃO (1890-1991) E PRODUTO INTERNO DO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1939-1990)

FONTE: VERSCHOORE FILHO (2000)

O foco deste trabalho é o Sul do RS; as outras regiões entram aqui como

pano de fundo para que se tenha um maior contraste com a região-problema. A

questão principal é explicar a sua perda de dinamismo e não entender o sucesso

relativo da Serra ou do Planalto3. Aqui se conta a história de uma região �fracassada�.

Poder-se-ia fazer o inverso e aplicar a abordagem do capital social a outros territórios

relativamente bem sucedidos do estado. BAZAN e SCHMITZ (1997) fizeram isso a

partir de um estudo de caso. Os autores examinam como Dois Irmãos, município da

região da Serra gaúcha, transformou-se de uma sociedade de pobres imigrantes

alemães em um pólo calçadista exportador de destaque. Eles argumentam que o

3 Essas regiões são definidas no capítulo 3.

0

20

40

60

80

100

1890 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991

Participação % da Metade Norte na PopulaçãoParticipação % da Metade Norte no Produto InternoParticipação % da Metade Sul no Produto InternoParticipação % da Metade Sul na População

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estoque inicial de capital social foi fundamental nessa trajetória e como a crise

econômica nos anos 90 induziu à criação, ou melhor, à reconstrução deliberada de

capital social. Avaliar se Dois Irmãos constitui apenas um caso isolado ou se

representa bem a história de outros municípios da região da Serra requererá o exame

de outras experiências de desenvolvimento. Entretanto, a despeito das diferenças dos

métodos utilizados, o contraste solar entre os objetos de tal trabalho e o que se segue

reforça mutuamente suas conclusões, pois mostram como duas histórias regionais são

influenciadas pelas formas com que o capital social se apresenta em cada caso.

Com essa limitação do objeto pôde-se ir mais fundo na questão da sua

formação histórica e da acumulação dos diversos tipos de capital social. Além disso,

busca-se preencher uma lacuna explicativa. Várias hipóteses foram cogitadas para o

entendimento do atraso econômico do Sul. CASTRO (1980) sugere que os seus

problemas têm origem na sua integração com o restante da economia brasileira.

BANDEIRA (1994), por sua vez, atribui o atraso da Região Sul às estruturas

fundiárias distintas, à sua especialização na atividade primária e ao fato de que seus

pecuaristas, por serem satisficers e não optimizers, eram pouco dotados de espírito

empreendedor.

ALONSO (1994) aplica a abordagem de Douglass NORTH (1959) quando

este ainda era um autor mais identificado com a Economia Regional. Nesse estudo,

North qualifica o seu trabalho clássico anterior, quando afirmava que a exportação de

produtos agrícolas poderia ser uma forma de alavancar o desenvolvimento regional

(NORTH, 1955). Ele assevera que, caso a atividade primária seja baseada em grandes

propriedades, seus efeitos econômicos sobre a região serão limitados. Perfis de

demanda concentrados levariam, de um lado, a produção de bens de subsistência para

os mais pobres e, de outro, à importação de bens de consumo de luxo para a elite. A

produção de manufaturados ficaria restringida e a região teria seu crescimento

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abortado mais cedo ou mais tarde, quando retornos decrescentes surgissem na

atividade principal4.

Esse tipo de explicação, focado na demanda, tem sua pertinência. Contudo,

por não dar o devido destaque às questões de oferta, não explicam por que algumas

regiões conseguem seguir se desenvolvendo e outras não. Isto é, não esclarecem o que

leva algumas a inovarem em produtos e processos e realocarem recursos produtivos,

enquanto outras vêem o setor, outrora dinâmico, decair ao longo do tempo. Além

disso, em termos empíricos, vale lembrar que Rio Grande e Pelotas, já em 1853,

tinham diversas manufaturas de bens de consumo não duráveis, na maior parte dos

casos. Um relatório do Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul

mostra que havia seis e doze fábricas naquelas cidades, respectivamente, não

relacionadas com a atividade de criação e processamento de carne (FEE, 1981, p.63).

O registro mostra a existência de, entre outras, fábricas de licores, chapéus e mesmo

uma fundição. Apesar de tênue, essa diversificação produtiva põe dúvidas acerca da

adequação de utilizar o arcabouço analítico de NORTH (1959) para o caso em questão.

Mais recentemente, em BANDEIRA et al. (1997), combinam-se explicações

locacionais, com as referentes às diferenças entre padrões de consumo (decorrentes de

graus de desigualdade distintos), e de densidade demográfica. Os autores encontram

nesses elementos as razões mais gerais do atraso relativo da Região Sul.

Buscar apenas um motivo para um fenômeno tão complexo quanto a

decadência regional é uma tentação que esse trabalho busca evitar. Porém, considerar

todas as razões possíveis apenas o levaria para além dos limites desejados de

complexidade e surgiria o risco de confusão metodológica e expositiva. O enfoque do

4 NORTH (1959) aponta outro mecanismo que faz com que a agricultura de plantation não seja dinâmica no longo prazo: a concentração de renda levaria a um subinvestimento em educação pública e pesquisa científica. Outros elementos que devem ser examinados, ainda de acordo com o autor, são a dotação de fatores que permita a diversificação produtiva da região e os impactos da implantação de infra-estrutura de transportes.

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capital social é destacado com sendo uma das causas, mas, sem dúvida, tem-se ciência

de que outros processos estão envolvidos.

Outras ressalvas referem-se aos indicadores escolhidos para analisar os

efeitos do capital social. A análise centra-se na trajetória regional do produto per

capita. Os problemas dessa variável são conhecidos e o tornam um indicador bastante

limitado do desenvolvimento humano. A carência de dados justifica essa escolha.

Outro problema é que a ligação entre capital social e crescimento pode fazer crer que o

capital social tem valor instrumental. Certamente, as relações sociais são um fim em si

mesmo; e considerar apenas os benefícios materiais que podem delas advir é, de certa

forma, empobrecê-las.

Em favor dessas concessões, vale dizer que, se conceitos de desenvolvimento

humano mais amplos fossem aqui utilizados, as diferenças regionais seriam até mais

realçadas. A bibliografia mostra que o capital social está positivamente relacionado

com melhorias nos diversos aspectos da vida humana que tais indicadores buscam

capturar, como saúde, educação e segurança. Portanto as sociedades que, por falta de

capital social, forem mais pobres terão também os piores indicadores de

desenvolvimento. A limitação da análise apenas à renda implica a adoção de um

critério mais exigente para a avaliação da hipótese de que o capital social importa para

o desenvolvimento; se as áreas com menos capital social forem mais pobres, logo o

seu Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo, será também mais baixo.5

A abordagem do capital social exige dos pesquisadores posturas plurais e

interdisciplinares. Um olhar apenas econômico, em sentido mais estrito, levaria à

ocultação exatamente dos elementos que se pretende compreender. Ao longo desse

trabalho, recorreu-se a trabalhos interpretativos e fontes elaboradas por outros ramos

das ciências sociais para construir um mosaico ilustrativo da sociogênese da Região

Sul do RS. Boa parte dos elementos fornecida pelas outras ciências teve caráter mais

5 De fato, no Apêndice 3 mostra-se que as regiões com baixos indicadores de capital social são menos eficientes em transformar renda per capita em melhorias nas condições de saúde.

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qualitativo, e a tradição historiográfica sobre o Estado foi imprescindível, mesmo

quando alvo de críticas. A utilização de informações quantitativas, como era de se

esperar, foi bem mais restrita para o século XIX do que para o XX. Tem-se ciência de

que a qualidade dos dados, até em momentos recentes, não são um reflexo tão

fidedigno da realidade quanto se desejaria. Mesmo assim, eles foram utilizados para

que se fosse além das impressões dos observadores. DOMAR (1970, p.23) afirmou

que "�an economic model without empirical testing is equated with a detective story

without an end"6. Não se precisa concordar inteiramente com ele para considerar que o

instrumental estatístico-econométrico tem seu papel em estudos históricos. Apesar de

não se ter aqui um modelo econômico com microfundamentos formais, nem

procedimentos econométricos à prova de críticas, os testes empíricos permitiram uma

maior segurança no exame da adequação da teoria do capital social para a

compreensão do pouco dinamismo econômico da região da Campanha durante o

século XX.

Esse trabalho está estruturado da seguinte forma: no segundo capítulo volta-

se ao conceito de capital social, destacando a sua origem e seus tipos. Ainda nessa

seção, apresentam-se e discutem-se algumas das críticas freqüentes ao conceito de

capital social. O terceiro capítulo aborda a relação entre capital social e crescimento

econômico com destaque para a questão da desigualdade. Em seguida, o quarto

capítulo trata da formação econômica do Sul e das outras regiões do RS durante o

século XIX, com ênfase nas charqueadas e nas estâncias criadoras de gado. Reflexões

sobre os tipos e estoques de capital social presentes nessas formações e suas relações

com a escravidão são igualmente tratadas. Uma nota acerca das razões pelas quais o

trabalho cativo foi utilizado na região com críticas à visão de CARDOSO (1977) que

domina a bibliografia. O quinto capítulo retrata o período da República Velha na

Campanha e aplica-se a abordagem do capital social a um momento-chave e

6 Curiosamente, Domar, nesse trabalho clássico, não faz qualquer teste estatístico.

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paradigmático dos problemas da região: as dificuldades de modernização do setor

charqueador. O sexto e o sétimo capítulos são de caráter mais quantitativo. Um trata

das trajetórias regionais no período 1939-1998, utilizando procedimentos

econométricos e buscando estimar os efeitos do capital social sobre o crescimento

econômico. Na outra seção, criam-se indicadores de capital social e de qualidade da

administração pública, para verificar as diferenças regionais e sua inter-relação. Ao

final, aparecem resumidos os principais pontos levantados ao longo do trabalho.

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2. CAPITAL SOCIAL

Na década de 1990, em especial ao longo de seus últimos anos, o conceito de

capital social foi um dos de maior impacto nas ciências sociais. Aplicaram-se ao

capital social os epítetos: "elo perdido das ciências sociais"; " conceito fundamental";

"condensador da fumaça que envolve o debate sobre instituições", entre outros

igualmente entusiasmados7. O conceito foi utilizado para o estudo dos mais diversos

assuntos. A bibliografia registra trabalhos nos quais o capital social serve para analisar

desde questões mais amplas, como a das diferenças de taxa de crescimento mundiais

(KNACK; KEEFER, 1997) até discussões mais específicas como a das crianças de rua

em Moscou (STEPHENSON, 2001).8

O levantamento das referências bibliográficas que utilizaram o conceito de

capital social, no mesmo sentido do presente trabalho, mostra uma tendência de

crescimento exponencial ao longo da década de 1990.9

7 Essas designações foram feitas, respectivamente, por GROOTAERT (1997), OSTROM (2000) e PALDAM e SVENDSEN (1998).

8 Durante a pesquisa bibliográfica, encontrou-se até um texto sobre capital social e campismo (HENDERSON, 1999)!

9 As citações indexadas de �capital social� anteriores a 1988 (data da publicação do influente trabalho de Coleman) têm o sentido de �infra-estrutura� ou seguem orientações marxistas.

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GRÁFICO 2.1 �NÚMERO DE REFERÊNCIAS ASSOCIADAS AO TEMA CAPITAL SOCIAL 1989-2001

0

100

200

300

400

500

600

1989

1990

1991

1992

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1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Ano

Cita

ções

FONTE: Banco de dados preparado pelo autor com base em diversas fontes (EconLit, Cambridge Scientific Abstracts, Sociological Abstracts, Social Sciences Citation Index, entre outros). NOTA: O número de referências em 2001 pode estar subestimado devido à defasagem que ocorre entre a publicação dos artigos e sua inclusão nos bancos de dados citados.

Conforme apontou BOURDIEU (1998, p. 73) quando da apresentação de um

conceito em si mesmo, há sempre o risco de se cair na teorização vazia. Não obstante,

optou-se por apresentar inicialmente a origem do conceito e os rumos da pesquisa

sobre o capital social, seus três modos (bridging, linking e bonding). Os canais que

fazem com que o capital social tenha impacto sobre o crescimento econômico são

abordados em seguida, bem como um debate acerca das dificuldades de mensuração

desses efeitos. Ainda nesse capítulo algumas das críticas mais comuns ao conceito de

capital social têm sua pertinência apreciada.

2.1. RAÍZES DO CAPITAL SOCIAL

"Social capital is a concept with a short and already confused history"

escreveu STIGLITZ (2000, p. 59). A expressão "capital social" foi reinventada

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diversas vezes com sentido semelhante (BORGATTI, 1998)10. Apenas no século XX, o

termo foi cunhado independentemente por pelo menos seis pesquisadores (PUTNAM,

2000, p.16). Desde os escritos de um supervisor de escolas rurais em 1916 até o

trabalho de COLEMAN (1988), autores como a Jane JACOBS (1961), Glenn LOURY

(1977) e Pierre BOURDIEU (1998) utilizaram a expressão.

Como costuma acontecer, a releitura das obras dos grandes economistas

mostra que eles já tratavam de questões semelhantes às que hoje são objetos de análise

dos pesquisadores ligados à abordagem do capital social. Era inevitável que fossem

encontrados na obra de Adam Smith trechos nos quais se pode entrever a presença do

conceito de capital social (BRUNI e SUGDEN, 2000).11 Ou seja, a idéia de que certas

características institucionais têm relevância para a vida econômica é tão antiga quanto

a própria Ciência Econômica. WOOLCOCK (1998, p. 17) argumenta que pelo fato de

os economistas terem preferido o caminho indicado por A Riqueza das Nações do que

o sugerido por A Teoria dos Sentimentos Morais fez com que nos distanciássemos de

debates que poderiam ter levado mais cedo à questão do capital social. Na tradição

sociológica, argumentam PORTES e SENSENBRENNER (1993), pode-se encontrar o

capital social em diversos níveis analíticos nas contribuições de Marx, Simmel,

Durkheim e Parson.

O fato novo é a avidez com a qual pesquisadores oriundos das mais diversas

áreas do conhecimento e linhas teóricas recorreram à noção sob foco. O economista

heterodoxo Samuel Bowles, o típico scholar de Chicago José Scheinkman, o cientista

político ligado ao establishment Francis Fukuyama, sociólogos de tradições tão

díspares como James Coleman e Pierre Bourdieu: todos escreveram acerca do capital

social.

10 Existe até o registro do seu uso pela romancista inglesa do século XVIII Jane Austen, em seu livro Razão e Sensibilidade (BORGATTI, 1998, p.41).

11 Ainda sobre a questão da ética na obra de Smith, ver Giannetti da FONSECA (1993). O autor, contudo, incluiu as virtudes cívicas como parte do capital humano.

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Obviamente, não seria provável que uma gama tão ampla de autores

adotassem uma definição operacional única de capital social. Na verdade, buscar

sentido definitivo do termo é uma tarefa condenada ao fracasso. Devido às diferenças

entre os objetivos dos pesquisadores, suas acepções são orientadas pelo seu valor

instrumental. A tentativa de unificar o conceito ampliando-o aumenta os riscos de ele

se tornar vazio de conteúdo.12 Por outro lado, uma definição teórica, ao redor da qual

exista um consenso, mesmo que haja divergências menores e que guie a elaboração de

conceitos operacionais, é fundamental para que o capital social ocupe o seu lugar. O

risco de afirmar que �social capital is what social capital scholars do� é o de incorrer

em um vale-tudo que acaba por minar o rigor acadêmico do conceito, conforme alertou

WOOLCOCK (2000).

Sem querer penetrar nesse debate com ímpeto maior do que o necessário,

algumas considerações preliminares precisam ser feitas antes que se formule a

definição operacional que será utilizada ao longo do trabalho. Olhando-se essa questão

mais de perto, percebe-se que muitos conflitos da literatura acerca da definição e

mensuração do capital social decorreram apenas do fato de que os autores não

diferenciaram esse aspecto em si de suas conseqüências imediatas. Houve, inclusive,

mudanças na posição dos pesquisadores mais influentes. FUKUYAMA (1995), por

exemplo, equiparava capital social e confiança. Em trabalho mais recente, porém, ele

afirma que são as normas de cooperação as que compõem o capital social. Em suas

palavras:

By this definition, trust, networks, civil society, and the like which have been associated with social capital are all epiphenomenal, arising as a result of social capital but not constituting social capital itself. (FUKUYAMA, 1999)

12 Para um debate sobre das múltiplas acepções de capital social ver REQUIER-DESJARDINS (2000), ADLER e KWON (2000), SERALGEDIN e GROOTAERT (2000), FUKUYAMA (1999) e BAZAN e SCHMITZ (1997). ADLER (2000) apresenta o survey mais completo e uma interessante tipologia.

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Putnam também segue essa trajetória. Em sua obra de 1993, a confiança é

uma forma de capital social; em uma conferência em 1999, ele já asseverava que o

capital social se refere a redes sociais; e em seu livro mais recente, a confiança e as

normas de reciprocidade seriam resultado das conexões sociais (PUTNAM, 1999 e

2000, p. 19). WOOLCOCK (2000) também segue de perto essa orientação e resume:

�it is important that any definition of social capital focus on its sources rather than consequences, i.e., on what social capital is rather than what it does. This approach eliminates an entity such as �trust� from the definition of social capital. Trust is doubtless vitally important in its own right but for our present purposes is more accurately understood as an outcome (of repeated interactions, of credible legal institutions, of reputations). (WOOLCOCK, 2000, p.9)

Note-se que mesmo aqui ainda há diferenças: Putnam analisa o capital social

como sendo as redes; já Fukuyama considera sua essência como sendo as normas de

cooperação. Assegurando haver um consenso na literatura, escreve Woolcock sobre as

disputas conceituais:

I am prepared to declare that while the battles aren�t over, the war has essentially been won. There is an emerging consensus on the definition of social capital, one built on an increasingly solid empirical foundation, and it is as follows: Social capital refers to the norms and networks that facilitate collective action. [sem grifo no original] (WOOLCOCK, 2000, p. 9)

Essa definição tem a virtude de se equilibrar bem entre os extremos de ser

ampla demais, pecando pela tolerância excessiva, e estreita demais, a ponto de excluir

os trabalhos que foram feitos utilizando, ou não, o termo capital social. Dentre a

pletora de definições, a de Woolcock reúne as virtudes suficientes para se tornar

hegemônica. Ela inclui as normas e as redes sociais e, por relacionar o capital social

com a ação coletiva e não com eficiência, conforme fez Putnam inicialmente, evita

outras discussões sobre esse último conceito, além de incluir uma diversidade maior de

fenômenos sociais.

A definição aqui utilizada enfatiza as redes sociais e não as normas. Na

discussão sobre capital social, desigualdade e crescimento (seção 3.4) o enfoque se

centra nos tipos de capital social, no sentido de ligações entre agentes sociais, e não

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nas normas em vigor. Igualmente, nos capítulos quatro e cinco, a ênfase recai sobre a

constituição das redes sociais.

A justificativa teórica para se destacar as redes, e não tanto as normas

sociais, reside em que as primeiras são mantidas graças àquelas. Apesar de não ser a

única forma, a difusão e as cadeias de influências que fazem com que as normas

sociais sejam seguidas se baseiam nas conexões entre os agentes (DASGUPTA, 2002).

WOOLCOCK (2001) alerta para os riscos de que, ao se considerar apenas as redes, o

ambiente institucional fique de fora da análise. Assim, ao longo desse trabalho, mesmo

se adotando uma definição de capital social que enfatiza os tipos de redes vigentes,

tenta-se não incorrer nesse erro através da permanente consideração dos elementos

macro-institucionais em vigor.

Vale reiterar que a opção presente não implica desqualificar os trabalhos que

identificam a confiança ou normas cooperativas com o capital social. Se um termo é a

decorrência do outro, os trabalhos que analisam, por exemplo, o efeito da confiança

sobre o mundo, econômico seguem sendo válidas análises das conseqüências do

capital social. Em outras palavras, a confiança ou a cooperação são elos intermediários

entre o capital social em seu sentido mais restrito e seus efeitos mais amplos.

Para o exame das origens da linha de pesquisa sobre capital social, seguir-se-

á a classificação de Giannetti da FONSECA (1994), o qual argumenta que a evolução

de um conceito depende de fatores internos e externos à Ciência Econômica. Esses

primeiros remetem ao próprio desdobramento da pesquisa em Economia, que,

colocando novos temas e métodos, prepara o terreno intelectual para os passos

seguintes.13 Por fatores externos, compreende-se que as situações-problema, oriundas

do mundo concreto, sugerem novos desafios para os pesquisadores.

13 Omitiram-se as contribuições vindas da Economia que, apesar de pertinentes, não foram fundamentais para a legitimação do capital social, como, por exemplo, a racionalidade restrita de Herbert Simon e as reflexões de Albert HIRSCHMAN (1984)

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16

2.1.1. Fatores "Internos" à Economia

2.1.1.1. Teoria dos Jogos

O trabalho seminal de Von NEUMANN e MORGENSTERN, The Theory of

Games and Economic Behavior (1944), abriu novos caminhos, por introduzir um

instrumental que permitiu à Economia transcender o estudo de agentes atomizados; a

partir de então foi possível tratar das interações estratégicas entre indivíduos. Se, por

um lado, a Teoria dos Jogos (TJ) aumentou o alcance (e as pretensões) da pesquisas

econômicas, por outro trouxe à tona novas questões. A primeira dessas consiste no

descolamento entre a racionalidade individual e a coletiva. Como se sabe, a busca do

interesse individual leva a um equilíbrio de Nash sub-ótimo em jogos do tipo Dilema

do Prisioneiro.

Os desenvolvimentos subseqüentes do programa de pesquisa em TJ (com

jogos repetidos, informação incompleta, abordagens evolucionárias, inclusão de

reputação, entre outros avanços) a tornaram formalmente mais árida; em compensação,

novos insights e resultados surgiram. Em relação ao tema sob escopo, o maior

interesse centra-se na questão da cooperação entre os agentes.

O chamado Folk Theorem mostra que, em jogos infinitamente repetidos, a

cooperação mútua pode ser um equilíbrio de Nash (HEAP e VAROUFAKIS, 1995,

cap. 6). Em consonância, nos experimentos em computador realizados por AXELROD

(1984), foi uma estratégia cooperativa (submetida a um critério "olho por olho"/ Tit-

for-Tat) a que obteve o melhor desempenho. Finalmente, no campo da economia

experimental acumularam-se evidências suficientes de que os agentes não se

comportam exatamente como sugere a teoria dos jogos em suas versões mais simples.

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17

Quer por um sentido de justiça, quer por altruísmo, o comportamento cooperativo

surge, mesmo em jogos estáticos, com uma freqüência não prevista pela teoria14.

Duas contribuições da Teoria dos Jogos foram marcantes para que o conceito

de capital social fosse incorporado pelo mainstream: a Teoria dos Jogos permitiu que a

ortodoxia superasse a análise atomizada dos indivíduos e legitimou o estudo das

interações entre os agentes.

Em um primeiro momento, a TJ tornou nossa ciência ainda mais lúgubre,

mostrando o fracasso da racionalidade instrumental em certos jogos. Indivíduos

perfeitamente racionais podem ficar presos a situações sub-ótimas. Posteriormente, os

modelos sugeriram que a cooperação mútua constitui um equilíbrio possível e que, sob

certas condições, o homo economicus poderia abrir mão de um comportamento

orientado por uma racionalidade míope em favor de uma estratégia de longo prazo.

Aprendizado, reputação e sinalização passaram a ser categorias freqüentes na literatura

sobre TJ.

2.1.1.2. Lógica da Ação Coletiva

Mancur OLSON (1965), a partir de um instrumental da escolha racional,

mostrou as dificuldades que grupos enfrentam na provisão de bens coletivos para seus

membros. Em termos simplificados, o autor argumenta que nessas situações cada

agente adota uma postura de caroneiro, esperando a contribuição alheia para a

provisão de um bem que beneficie todo um grupo. A ação coletiva fracassa e,

novamente, racionalidade individual e coletiva se distanciam.15 A posição de Olson é

14 Ver HEAP e VAROUFAKIS (1995, cap. 8) para uma síntese crítica da bibliografia sobre experimentos envolvendo jogos.

15 É interessante notar que, a despeito das semelhanças aparentes entre esse resultado e o obtido no Dilema do Prisioneiro, OLSON (1992) considera que esse tipo de jogo não representa adequadamente os dilemas da lógica da ação coletiva. De fato, em nenhum momento de sua obra, Olson apelou para o instrumental analítico da TJ.

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bastante pessimista: grupos com poucos membros tendem a solucionar esse dilema,

contudo grupos grandes (latentes, em seus termos) serão, via de regra, incapazes de se

organizarem para a ação coletiva. Logo, os interesses dos grupos pequenos são sobre-

representados vis à vis os interesses da maioria desorganizada. As conseqüências

perversas dessa lógica foram examinadas em OLSON (1982).

Qual a relação da lógica da ação coletiva com a pesquisa em capital social?

Com base nas contribuições de Olson, o esperado é o comportamento free-rider dos

agentes. A pergunta, agora, passa a ser o porquê do fracasso da previsão de Olson, ou

seja, por que os indivíduos, muitas vezes, superam o dilema da ação coletiva.

Empiricamente, os trabalhos de Elinor OSTROM (1990), por exemplo, mostraram que

mesmo sociedades pouco desenvolvidas conseguem criar arranjos institucionais,

formais ou não, que suprimem o problema do free-rider e da gestão de recursos

comuns.16 A bibliografia sobre capital social usou essas evidências como suporte à

argumentação de que normas cooperativas e a confiança mútua entre os membros de

uma sociedade elevam o seu bem-estar material.

2.1.1.3. Capital Humano em Becker e Lucas

A expressão capital humano tem hoje amplo trânsito pelo mainstream e a sua

pertinência é aceita sem maiores reflexões. Nos modelos de crescimento recentes, o

estoque de capital humano reduziu-se a um indicador do número de anos de

escolaridade média da população ou a outra variável semelhante. Contudo dois dos

mais influentes economistas neoclássicos, Robert Lucas e Gary Becker, adotam uma

16 Na mesma direção, Hirschman, em seu diálogo com Swedberg, apresenta a sua posição em relação à teoria neoclássica da ação coletiva: "Mancur Olson's idea of collective action just struck me as nonsensical. He argues for the impossibility- not the logic but the illogic - of collective action (...). Since my own experience of having participated in collective action was such that I found it very important, this construct of Olson just struck me as obviously absurd "(SWEDBERG, 1990, p. 159).

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definição do capital humano ampla que chega a se sobrepor a alguns dos sentidos do

capital social. Tome-se esse trecho de LUCAS (1988):

... human capital accumulation is a social activity involving groups of people in a way that has no counterpart in the accumulation of physical capital (...) We know from ordinary experience that there are group interactions that are central to individual productivity and that involve groups larger than the immediate family and smaller than the human race as a whole.

Isto é, Lucas percebe que a produção de capital humano depende das relações sociais e

que, ao mesmo tempo, a produtividade individual depende de características grupais

que se estendem além dos laços "fortes".

Desde seu trabalho de 1974, Gary Becker já atentava à questão das

interações sociais. Após lembrar que economistas acima de qualquer suspeita, como

Marshall, compartilharam essa preocupação, ele relata:

My interest in interactions can probably be traced to the study of discrimination and prejudice (...) Further reflection convinced me that the emphasis of earlier economists deserved to be taken much more seriously because social interactions had significance far transcending the special cases discussed above. (BECKER, 1974, p. 1064)17

Sem embargo, existem limites metodológicos para que Becker trate as

relações sociais. Ele o faz da maneira típica para um economista com sua formação:

incluindo argumentos na função utilidade dos agentes. Em seus trabalhos mais

recentes (BECKER, 1996; BECKER e MURPHY, 2000), ele voltou à questão, dessa

vez aplicando o conceito de capital social, mas sem perder de vista o referencial

neoclássico. De maneira mais sofisticada, ele sustenta que as preferências dos agentes

são influenciadas pelo capital social dos indivíduos, aqui entendido como "the

17 Mais de uma década depois, Becker reforça essa posição: "Economists (...) are prone to assume that people's preferences are independent of what other people are doing. I personally don't accept that. I think that the social side is very important, and agree with the sociologists on this approach". (SWEDBERG, 1990, p. 42)

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influence of past actions by peers and others in an individual's social network"

(BECKER, 1996).18

2.1.1.4. Nova Economia Institucional

Os trabalhos reunidos no que hoje se designa Nova Economia Institucional

(NEI) foram fundamentais para a formação da abordagem do capital social. Na

verdade, as histórias intelectuais de ambas as linhas de pesquisa chegam a se confundir

de tão próximas. Os pesquisadores ligados ao Capital Social citam, com freqüência, os

textos básicos da NEI, desde o seminal paper de COASE (1937) até os trabalhos mais

recentes de Douglass North. Dessa maneira, vale repassar o desenvolvimento da NEI.

Foi na década de 60 que as implicações do insight fundamental de Coase

foram amplamente compreendidas. Quando se percebe que as transações econômicas

estão longe de serem tão fluidas e transparentes como diziam os livros-texto, uma

caixa de Pandora de novos temas se abre. As instituições e a definição dos direitos de

propriedade passam a condicionar os resultados econômicos. Somando-se a isso, as

contribuições de STIGLER (1961) a respeito da Economia da Informação e outras

questões, como contratos incompletos, relação agente-principal e comportamento

oportunista, passam a ser tratadas pelo mainstream da Ciência Econômica.

Para a questão do capital social, um trabalho tem uma importância notável:

The Market for �Lemons�: quality uncertainty and the market mechanism (1970) de

George AKERLOF. Com base em Stigler, Akerlof foi mais longe e analisou os

problemas quando a informação não é apenas imperfeita, mas também distribuída de

maneira assimétrica entre as partes. O resultado central é que, quando essa assimetria

for aguda, o funcionamento do mecanismo de mercado pode levar à sua própria

18 Mesmo Arrow não concorda com essa forma como Becker lida com as interações sociais (SWEDBERG, 1990, p. 136).

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extinção, pois tende a expulsar os bens de qualidade acima da média19. O que

inicialmente parece ser apenas um princípio microeconômico tem, na argumentação de

Akerlof, uma aplicação bem mais geral. Ele sustenta que o mesmo princípio faz com

que os mercados de crédito dos países subdesenvolvidos sejam imperfeitos, uma vez

que apenas aqueles que apresentam contato próximo com os emprestadores têm acesso

aos recursos. Além disso, assevera que, em países onde a desonestidade prevalece há

um significativo desvio de capacidades empreendedoras para o comércio, uma vez que

os retornos para um agente sagaz nessa atividade serão bem maiores do que na

produção.

O fato de que muitos mercados existem a despeito da assimetria

informacional é explicado pela presença de instituições - fora do mercado strictu

sensu- que sanam ou aliviam esse problema (AKERLOF, 1970, p. 499). Garantias,

marcas, controles externos são formas de controle da qualidade dos bens. Akerlof

identifica que o conhecimento da reputação de um agente é, também, uma forma de se

evitar o funcionamento dessa "Lei de Gresham", em que a baixa qualidade toma o

lugar da alta qualidade no mercado. E sintetiza: "We have been discussing economic

models in which 'trust' is important. Informal unwritten guarantees are preconditions

for trade and production." (AKERLOF, 1970, p. 496)

Não muito depois de Akerlof, Kenneth Arrow, em uma obra que antecipa

diversas idéias que seriam recuperadas pela NIE (WILLIAMSON, 1985, em especial),

pronunciou-se de forma semelhante em relação à importância da confiança nas

19 Tomando o mercado de carros usados com exemplo, a lógica do modelo apresentado por Akerlof é a seguinte: supõe-se que os vendedores conhecem as qualidades ou os defeitos de seus automóveis e usam essa informação de forma estratégica. Já os potenciais compradores são incapazes de conhecer com exatidão a qualidade dos automóveis e a estimam com base no modelo e ano de fabricação. É de se esperar que os donos de carros bem conservados hesitem em pô-los à venda pelo preço de mercado, visto que este reflete a qualidade média dos automóveis. Os possuidores de carros com defeitos, por outro lado, tentarão vendê-los pelo preço vigente. Ora, o resultado desse processo é que cada vez mais carros ruins entrarão no mercado, expulsando os carros de qualidade superior. No limite, tal mecanismo de seleção adversa faria com que a qualidade e, por conseguinte, os preços dos automóveis usados caíssem até que o mercado não mais funcionasse.

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relações econômicas: "It has been observed (...) that among the properties of many

societies whose economic development is backward is a lack of mutual trust"

(ARROW, 1974, p.26).

Além dessa referência ao tema do desenvolvimento econômico, Arrow

aponta, implicitamente, o papel da confiança na redução dos custos de transação e suas

peculiares características.20

Os bem-sucedidos livros de Oliver WILLIAMSON (1975 e 1985) e de

Douglass NORTH (1981 e 1990) deram força e consolidaram a pesquisa em NIE. A

partir de metade da década de 80, percebe-se a aceitação definitiva dessa abordagem,

com seus autores ganhando prêmios Nobel (North e Coase em 1991 e 1993,

respectivamente) e a publicação dos primeiros livros-texto (EGGERTSSON, 1990 e,

mais recentemente, FURUBOTN e RICHTER, 1997)21. Mesmo compartilhando

algumas características, existem diferenças entre as linhas de pesquisa em NIE.

Enquanto, para alguns autores, o capital social é dispensável, para outros ele se

confunde com a própria NIE. Note-se a definição de CLAGUE (1997, p.16):

The New Institutional Economics (...) represents a kind of 'expanded economics'. Like standard economics, it focuses on the choices people make in their lives. But it enriches the simple rational choice model by allowing for the pervasiveness of information problems and human limitations on processing information, the evolution of norms, and the willingness of people to form bonds of trust.

Em suma, sem abandonar a visão de que os agentes buscam maximizar a

utilidade, a NIE, mais preocupada com o realismo das hipóteses, não prioriza os

20 Ver a citação de Arrow na seção 3.1.2. Em uma entrevista (SWEDBERG, 1990, p.136), Arrow relaciona a confiança com o seu trabalho anterior acerca da Teoria do Equilíbrio Geral: "The General Equilibrium story that I tell really can't exist without some substratum which is outside the system itself. There can, for example, be unconscious agreements not to exploit particular opportunistic consideration and the like. I firmly believe that this is an important fact but I never been able to make a theory out of it". Em seguida, ele reforça que preferiu restringir seus pronunciamentos sobre esses temas devido às dificuldades de tratar formalmente a confiança e motivações extramercado.

21 Esse último já cita o conceito de capital social com alguma freqüência.

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assépticos axiomas neoclássicos. Isso permite que se possa tratar dos temas

importantes para a abordagem do capital social (confiança, espírito cívico, cooperação)

sem que se perca a capacidade de dialogar com os economistas neoclássicos. Tome-se

o caso de North. Inicialmente mais próximo da ortodoxia, ele incorporou aspectos

informais como valores, convenções, códigos de conduta, normas e até a ideologia na

análise do desenvolvimento econômico, mas não perdeu completamente o jargão

neoclássico (NORTH, 1990). Quando um ganhador recente do prêmio Nobel adota

uma postura como essa, a legitimação do programa de pesquisa em capital social para

a ortodoxia é facilitada.22

2.1.2. Fatores "Externos" à Economia

2.1.2.1. Evidências Empíricas acerca do Desenvolvimento Econômico

A disponibilidade de dados internacionais indicou que os mecanismos de

crescimento econômico são mais complexos do que sugeriam os modelos neoclássicos

iniciais. As vastas e persistentes distâncias entre os países pobres e ricos não eram

resultados previstos por tais modelos. A busca de respostas a essa questão ensejou todo

o debate sobre a convergência das rendas per capita e as celebradas teorias de

crescimento endógeno.23 A introdução do capital humano aumentou o poder

explicativo de tais modelos, mas vale lembrar que nem tudo está resolvido. Apesar de

essas teorias explicarem a formação de clusters de países pobres e ricos, os problemas

22 Note que há uma diferença entre Arrow ter feito referência à importância da confiança e North ter relacionado elementos culturais com desenvolvimento econômico. O primeiro estava escrevendo em uma área que não é a de interesse principal (ou ao menos na qual ele não é tão conhecido); já North teve sua consagração exatamente no campo da história e do desenvolvimento econômico.

23 Consulte BARRO e SALA-I-MARTIN (1995) e FUENTE (1996) para um debate acerca de tais modelos e da evidência econométrica. Ver POSSAS (1999) e KENNY e WILLIAMS (2000) para críticas heterodoxa e metodológicas, respectivamente.

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surgem quando se tenta compreender os mecanismos que permitem a migração de um

"clube" para outro. Existem, ainda, as economias que, a despeito do investimento em

capitais físicos e humanos, apresentaram crescimento pífio. E, conforme apontam

CLAGUE (1997, p.13) e OLSON (1982), restam ser compreendidas as estruturas de

incentivos que propiciam a acumulação de capitais e o progresso técnico.

As diferenças no estoque de capital social emergem como a resposta a esses

enigmas do desenvolvimento econômico. Nesse sentido, o próprio trabalho de Putnam

faz parte desse movimento e, empiricamente, existe toda uma bibliografia que utiliza

proxies do capital social em regressões à moda das feitas por Barro (KNACK;

KEEFER, 1997, CLAGUE et al. 1997, LA PORTA et al., 1997). Via de regra, os

resultados têm sido favoráveis a hipótese da importância do capital social para o

desempenho econômico.

2.1.2.2. Desempenho dos Projetos de Desenvolvimento e Banco Mundial.

Dados do Banco Mundial apontam que, dos seus projetos de

desenvolvimento, 23% foram avaliados como "desapontadores" e 10%, como "perda

total"; do restante, parte recebeu a classificação de "satisfatórios" e outra, de

"bem-sucedidos" (MEIER, 1995, p. 225). Retrospectivamente, aponta-se como

principal suspeito para essa alta taxa de fracasso a desconsideração, por parte dos

técnicos do Banco, de aspectos relacionados com o capital social. Ilustrando esse

ponto, OSTROM (2000) relata, por exemplo, um projeto de irrigação no qual os

economistas solaparam toda a organização social preexistente que regulava a

distribuição da água em Chiregad, Nepal. O resultado foi que a área atendida diminuiu,

a irrigação tornou-se mais incerta e as organizações de agricultores enfraqueceram. O

capital físico foi desperdiçado e o próprio capital social depreciou-se. EASTERLY

(2000), ele mesmo um funcionário do Banco Mundial, fornece diversos relatos

tragicômicos dos fracassos de outros projetos do seu empregador.

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Na tentativa de melhorar os resultados de seus projetos de desenvolvimento,

os economistas acorreram à abordagem do capital social. O marco da mudança na

orientação do Banco Mundial foi a gestão de James Wolfensohn-Joseph Stiglitz nos

cargos de presidente e economista-chefe, respectivamente, a partir de 1995

(EDWARDS, 1999). O primeiro tem uma visão mais ampla em relação aos objetivos

do Banco do que os outros presidentes, e o segundo - um dos teóricos principais da

Economia da Informação - ofereceu as bases intelectuais para a mudança.

Atualmente, o Banco Mundial é o principal think-tank dedicado à questão do

capital social24. Michael Edwards, ex-especialista em Sociedade Civil do Banco

Mundial, identifica três grupos no órgão: os entusiastas, economistas ligados à divisão

de pesquisa do Banco, que vêem o capital social como o "missing ingredient that can

make their equations work" (EDWARDS, 1999, p.2); os táticos, cientistas sociais

dispersos pelo órgão que identificam no capital social uma forma de dialogar

produtivamente com os economistas; e os céticos, alguns iconoclastas dentro da

instituição que consideram que a Economia nada tem a acrescentar ao entendimento do

papel econômico das relações sociais. Os dois primeiros grupos são hegemônicos e

passaram a orientar a implementação de projetos de desenvolvimento do Banco

Mundial.

2.1.2.3. Fatores Ideológicos

BOWLES e GINTIS (2000, p.2) identificaram uma das razões relevantes

para o �triunfo� do capital social: os ideólogos de esquerda simpatizaram com o

conceito porque ele reforça a idéia de que não bastam direitos de propriedade bem

definidos e mercados competitivos para que �vícios privados se transformem em

virtudes públicas�. Confiança, altruísmo, civismo são contrapostos à miopia utilitarista

24 O sítio http://www.worldbank.org/poverty/scapital/index.htm constitui o principal repositório de papers sobre o capital social.

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do homo economicus. Já para os adeptos do laissez-faire o capital social é uma forma

de resolver as falhas de mercado sem a intervenção estatal.

Um exemplo da ampla aceitação do conceito de capital social pelas mais

diversas correntes teóricas e ideológicas é o debate sobre o papel da intervenção

governamental. A pesquisa apresenta argumentos favoráveis e contrários à

intervenção. FUKUYAMA (1995) atribui ao Estado um papel de demolidor dos

estoques de capital social. Haveria um crowding-out quando o Estado intervém na

organização espontânea da sociedade e ele atribui ao crescimento do poder do

Legislativo e do Judiciário parte da responsabilidade pela redução da importância das

associações civis nos Estados Unidos da América - EUA no pós-guerra

(FUKUYAMA, 1995, p.307-321). Outros autores, como EVANS (1996), celebram a

possibilidade de que relações sinérgicas entre o Estado e a sociedade possam ampliar

os estoques de capital social. PUTNAM (2000, p. 281), por sua vez, em caráter

preliminar, isenta o crescimento do Welfare State de culpa pela redução dos estoques

de capital social nos EUA. Como se vê, a pesquisa a respeito do capital social pode

estar a serviço das mais diversas posturas políticas.

2.2. ABORDAGENS DO CAPITAL SOCIAL

2.2.1. Putnam e as Associações Horizontais

Apesar da definição de Putnam do capital social apresentada na Introdução

da tese ser bastante ampla, operacionalmente, em seu trabalho de 1993, ele utiliza uma

versão bem mais restrita que inclui apenas as associações e as normas de cooperação

entre os agentes. Para o autor, as associações engendram hábitos cívicos e um espírito

de cooperação que contribuem para o seu desenvolvimento. Os valores cívicos

favoreceriam o associativismo e esse, por sua vez, criaria um feedback positivo em

favor da propagação de tais valores. Mesmo associações com pouca relação direta com

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a atividade econômica, como instituições esportivas ou culturais, comporiam o capital

social, pois reforçariam as relações de cooperação entre os membros da sociedade.

Vale ressaltar que as instituições que Putnam tem em mente são associações

de caráter horizontal, não-hierárquicas e sem fortes barreiras à entrada. Assim, as

associações favoráveis para o desempenho econômico seriam aquelas que congregam

"agents with equivalent status and power� (PUTNAM, 1993, p. 173). Para que

contribua para o capital social de uma sociedade, uma associação deve ser aberta aos

potenciais participantes e também reforçar valores democráticos. Ele afirma: �Good

government in Italy is a by-product of singing groups and soccer clubs, not prayer.�

(PUTNAM, 1993, p. 176)

Uma das bases do caráter produtivo do capital social advém da redução dos

custos de transação derivada da disseminação da confiança e da restrição ao

comportamento oportunista. Além disso, Putnam, seguidor de uma tradição que

remonta a Tocqueville, vê na organização da sociedade civil uma forma de garantir a

qualidade das políticas públicas. PUTNAM e HELLIWELL (1995) ponderam, com

base em evidências empíricas italianas, que uma maior densidade de associações

horizontais resulta em uma melhor qualidade dos governos locais e maiores taxas de

crescimento econômico.

2.2.2. Granovetter, Coleman e Redes Sociais

A Nova Sociologia Econômica foi uma das responsáveis pela disseminação

do conceito do capital social para outras áreas de pesquisa25. Em 1985, Mark

Granovetter publica o que se tornou o "manifesto" desse movimento:"Economic Action

and the Social Structure: the problem of embeddedness", em que ele critica as duas

visões sobre o comportamento econômico: a sub-socializada, neoclássica, que admite

apenas indivíduos atomizados, eliminando todas as relações sociais; e a sobre-

25 Ver SMELSER e SWEDBERG (1994) para uma síntese da Nova Sociologia Econômica.

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socializada, típica de boa parte do pensamento sociológico, que trata os agentes como

marionetes que seguem estritamente o roteiro esperado para a sua classe social (ou

qualquer outra estrutura determinística). Granovetter propõe superar essa dicotomia

através da adoção de uma abordagem dita "embedded", que entenda as ações

econômicas dos agentes como inseridas numa rede de relações sociais. Ou seja, os

indivíduos fazem as suas escolhas, mas não no vácuo e sim dentro de uma determinada

malha de conexões com outros agentes.

Ainda sem utilizar a expressão "capital social", Granovetter compreende o

potencial que essas redes sociais têm para resolver o dilema do prisioneiro e promover

a confiança. Os nexos específicos entre os agentes dessas redes permitem que

relacionamentos cooperativos sejam semeados e que as reputações fluam. Ele ressalta

que, no embeddedness approach, a questão da confiança e mesmo da organização da

atividade econômica devem ser examinadas através da análise concreta das redes

sociais (GRANOVETTER, 1985, p. 490-493).26

James Coleman é o principal responsável pela introdução do capital social

nas agendas de pesquisa. Em suas obras (1988, 1990) ele segue de perto Granovetter,

ao considerar o princípio da escolha racional uma boa hipótese de trabalho, contanto

que não se despreze o papel da estrutura social. Para ele, o capital social seria um

instrumento para essa prática (COLEMAN, 1988). Devido à influência da sua

definição, é importante reproduzi-la:

Social capital (...) is not a single entity, but a variety of different entities having two characteristics in common: they all consist of some aspect of a social structure, and they facilitate certain actions of individuals who are within the structure. Like other forms of capital, social capital is productive, making possible the achievement of certain ends that would no be attainable in its absence. Unlike other forms of capital, social capital inheres in the structure of relations between persons and among persons. It is lodged neither in the individual nor in physical implements of production. (COLEMAN, 1990, p. 302)

26 Na verdade, essa postura de Granovetter já estava presente em trabalhos anteriores (1973 e 1974).

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A definição de Coleman é bem mais ampla que a de Putnam e inclui todas as

maneiras através das quais as relações sociais podem contribuir para a produção.

Aparecem desde reciprocidade e confiança entre agentes, laços horizontais, até mesmo

organizações verticais que, intencionalmente ou não, resolvam os problemas de ação

coletiva.

Hoje a expressão capital social foi incorporada pelos pesquisadores de social

networks, uma área que utiliza um sofisticado tratamento empírico e matematizado

para a análise das conexões entre agentes. Ronald BURT (2000) é um dos principais

expoentes desse tipo de abordagem.

2.2.3. Capital Social como Ambiente Institucional

A abordagem ainda mais genérica considera o ambiente político e social que

contribua para a eficiência produtiva estática e dinâmica como componentes do capital

social. Inclui, portanto, a qualidade do governo e do sistema jurídico e o Estado de

Direito27. Nesse sentido, o capital social é quase um sinônimo de "boas" instituições.

Pela própria natureza do conceito, os estudiosos que utilizam essa acepção

têm como objeto o desempenho econômico comparado dos países e não temas

regionais como os que tomaram a atenção de Putnam. O trabalho elaborado por

CLAGUE et al. (1997), pesquisadores ligados ao IRIS (Center on Institutional Reform

and Informal Sector), é característico desse tipo de abordagem. Nesse estudo

econométrico cross-section, indicadores de qualidade da burocracia, confiança nas

instituições e risco político são considerados variáveis independentes na determinação

das taxas de crescimento dos países.

27 Essa acepção remete ao conceito de capital social governamental (COLLIER, 1998).

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30

2.3. MODOS DE CAPITAL SOCIAL

Diversas taxionomias das formas do capital social podem ser efetuadas.

Optou-se por uma classificação utilizada com freqüência crescente e central para os

objetivos do presente trabalho (GITTEL e VIDAL, 1998; NARAYAN, 1999;

WOOLCOCK, 1999; PUTNAM, 2000; WORLD BANK, 2000). O critério de

distinção baseia-se na posição social dos agentes envolvidos. Desse modo, há as

seguintes modalidades do capital social:

a) "Bonding social capital": envolve os vínculos entre agentes de mesma

posição. São os grupos homogêneos, voltados "para dentro", nos quais as

identidades dos membros são reforçadas. Essa "supercola sociológica",

nas palavras de PUTNAM (2000, p.23), cria um ambiente de lealdade e

reciprocidade entre os membros, sendo útil, especialmente, para a

resolução de problemas de ação coletiva e para o apoio mútuo intragrupo.

Este conceito está relacionado com conceito de �laços fortes� de

GRANOVETTER (1973 e 1974). A força de uma conexão social é

definida como uma combinação do tempo, intensidade emocional,

intimidade e serviços recíprocos que a caracterizam (GRANOVETTER,

1973, p.1361). Círculos familiares, de amizade ou de comunidades

fechadas e voltadas para si são característicos desses strong ties.

b) "Bridging social capital": reporta-se aos laços fracos entre agentes de

grupos sociais distintos. São as relações sociais mais distantes que

trespassam as fronteiras sociais, e as virtudes cívicas se mostram mesmo

entre pessoas com distintas situações demográficas, étnicas ou

ocupacionais. Trata-se de um "óleo lubrificante social" - "a sociological

WD-40" (PUTNAM, 2000, p. 23). As informações sobre o

comportamento de outros agentes e oportunidades disponíveis fluem

através do capital social do tipo bridging. Quando essa modalidade de

capital social é abundante, tem-se uma sociedade fluida e integrada, na

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31

qual, por exemplo, a despeito das diferenças sociais, pobres e ricos

confiam uns nos outros e compartilham informações.

c) "Linking social capital": refere-se às ligações verticais entre os pobres e

pessoas em postos de decisão em organizações formais. Nas palavras de

WOOLCOCK (2001): �The capacity to leverage resources, ideas and

information from formal institutions beyond the community is a key

function of linking social capital�. Comunidades em que há fartura desse

tipo de capital têm governos permeáveis às demandas oriundas dos

estratos inferiores da pirâmide social (WOOLCOCK, 1999 e WORLD

BANK, 2000).

A literatura que relaciona capital social e redução de pobreza afirma que,

especialmente nos países atrasados, os mais desfavorecidos têm acesso a fartos

estoques de bonding social capital, pouco bridging e quase nenhum linking

(WOOLCOCK, 1999). Ou seja, a coesão entre os pobres fornece-lhes apoio mútuo,

mas dificulta a fluidez social em sentido vertical; o governo costuma ser mouco às

suas demandas.

Se analiticamente a distinção entre os diferentes capitais sociais é clara, em

termos empíricos, a fronteira não é tão nítida. Por exemplo, as reuniões semanais de

oração em uma igreja congregam pessoas que compartilham a mesma fé, mas podem

incluir pessoas de origens sociais distintas. Assim, em um sentido, tem-se capital

social bonding (pessoas com crenças semelhantes), enquanto, noutro entendimento,

pode-se apontar que as reuniões religiosas compõem o capital social bridging, uma vez

que transcendem as diferenças de status (PUTNAM, 2000, p.23).

2.4. CRÍTICAS AO CAPITAL SOCIAL

Existem dois tipos básicos de críticos ao capital social: aqueles que

questionam apenas a escolha do termo, mas concordam com as hipóteses básicas e os

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32

procedimentos dos pesquisadores sobre o tema; outros, mais radicais, que questionam

todo o ramo de pesquisa.28

As análises de ARROW (2000), SOLOW (2000) e BOWLES e GINTIS

(2000) são características do primeiro tipo de crítica. ARROW (2000, p.4) percebe que

falta ao social capital uma característica essencial do �capital�: ser decorrente do

sacrifício presente consciente visando às satisfações futuras. Já SOLOW (2000, p.5)

define �capital� como um �stock of produced or natural factors of production that can

be expected to yield productive services for some time�. Sua crítica é empírica: diz que

não se pode mensurar um estoque de capital social, sendo, portanto, impossível

calcular sua taxa de retorno. BOWLES e GINTIS (2000) sugerem o termo �community

governance� em substituição ao social capital, por perceberem que esse último, por

descrever relações entre agentes, não pode ser associado a direitos de propriedade.

Falta-lhe, conseqüentemente, uma das características essenciais do �capital�.

Antes de tudo, deve-se que admitir que o problema da definição do conceito

de capital, mesmo físico, segue presente na Ciência Econômica. Basta lembrar que a

Controvérsia do Capital terminou mais por exaustão dos combatentes dos dois lados

do Atlântico do que pela chegada a um consenso. Mesmo as críticas de Arrow, Solow,

além de Bowles e Gintis mostram essa divergência: cada um dos economistas criticou

o capital social por lhe faltar um atributo �essencial� distinto. Isso por si só mostra os

problemas da posturas essencialistas. O capital humano e até mesmo o físico teriam

que ser descartados se lhes fosse exigido o mesmo rigor que se pede ao capital social.

O capital social é definido pela sua função (COLEMAN, 1988). É o caráter

produtivo de características sociais que faz com que sejam associadas ao conceito de

capital.29 Essa aparente tautologia está presente também em outras formas de capital.

28 WOOLCOCK (2000) apresenta outras críticas ao programa de pesquisa em capital social e as refuta.

29 Reforça-se o alerta feito na Introdução de que esse tipo de postura só é adequado nos limites desse trabalho.

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33

Um martelo feito de papel, mesmo que resultante de sacrifício de satisfação presente e

apropriado individualmente, só é capital físico se gerar (ou ao menos houver uma

expectativa de gerar) um retorno futuro. No mesmo sentido, investir na aquisição de

uma habilidade de, por exemplo, piscar freneticamente os olhos não poderia ser

chamada de acumulação de capital humano. PUTNAM (2000, p. 22) lembra que,

apesar de os capitais humanos e físicos estarem associados às atividades produtivas

para a sociedade, isso nem sempre é verdade. Um terrorista usa capital físico, humano

e, por vezes, social para alcançar seus objetivos. Esses casos, contudo, são marginais e

o conceito de capital está indelevelmente associado a atributos produtivos.

Para um exemplo de crítica mais radical ao programa de pesquisa sobre

capital social, tome-se o texto de Ben FINE (2000)30. Ele considera que há um novo

imperialismo econômico sobre as ciências sociais e lista cinco preocupações básicas

com relação ao capital social:

i) �its ready acceptance as both analytical and policy panacea.

ii) �even those who are not using the term for the first time accept that it is

difficult to define.

iii) �social capital has a gargantuan appetite. On the one hand, it can

explain everything from individuals to societies (�) On the other hand,

social capital has been deployed across theories and methodologies as

diverse as postmodernist Marxism and mainstream neoclassical

economics. Everything can be interpreted through or as social capital. It

is truly the academics� Third Way!

iv) � As much of the critical literature has observed, contributions to social

capital have tended to focus on civil society and its associational forms

and ethos in isolation from, and exclusive of, serious consideration of the

economy, formal politics, the role of the nation-state, the exercise of

30 Posteriormente, o autor dedicou todo um livro à crítica da abordagem do capital social (FINE, 2001).

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power, and the divisions and conflicts that are endemic to capitalist

society, at both national and international levels.

v) �very terminology of social capital signifies its weaknesses. That the

notion "social" needs to be attached to capital to mark a distinct category

of the latter is indicative of the failure to understand capital as social in

its more mundane economic, putatively non-social, form.

As críticas i e iii são apenas reações ao sucesso do conceito de capital social.

O fato de uma nova abordagem cruzar barreiras entre diversas linhas teóricas e ter

ampla aceitação não é razão suficiente para desqualificá-la. Curvas de oferta e

demanda foram aplicadas por uma vasta gama de economistas na análise das mais

diversas situações, mas nem por isso devem ser desprezadas. A crítica ii tem alguma

pertinência à primeira vista. O número de definições operacionais de capital social é

tão grande quanto o número de objetivos dos pesquisadores. Não deveria ser assim?

Justamente pelo seu almejado alcance explicativo, adaptações no conceito devem ser

feitas para que se capturem as diferenças entre as diversas sociedades, níveis analíticos

e momentos históricos sob escopo. A quarta consideração esquece que a teorização é

sempre uma tarefa de abstração; ao mesmo tempo em que se recorta da realidade

alguns elementos de interesse, outros são deixados de fora. Qualquer outra abordagem

incorre na mesma limitação. Por fim, a crítica v é externa, isto é, o conceito é

criticado, a partir de uma outra abordagem, exatamente por não seguir os cânones

dessa última.

O conceito de capital social é uma metáfora31. E não há nada de errado nisso,

uma vez que, a partir de uma abordagem retórica, todos os conceitos em Economia

também o são. No mundo concreto, não existem mãos invisíveis, utilidade, nem capital

humano. Contudo esses conceitos são metáforas poderosas para a reflexão acerca do

mundo econômico. Como McCLOSKEY (1983) argumentou, uma boa metáfora cria

31 BURT (2000) e ADLER e KWON (2000) também percebem o capital social como uma metáfora.

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associações entre esferas até então distintas, ampliando a capacidade analítica e nos

surpreendendo com novas implicações32. Quando se percebe que as habilidades

produtivas adquiridas pelos indivíduos guardam tantas semelhanças com o capital

físico que podemos chamá-las de capital humano, abrem-se novas possibilidades de

análise. Da mesma forma, ao se aceitar que certas características da estrutura social

têm impactos produtivos e podem ser nomeadas capital social, muda-se a forma de ver

os problemas econômicos.

A história do pensamento econômico mostra que a aceitação de um conceito

pouca relação tem com uma suposta pureza metodológica. Conforme aponta

CALDWELL (1985), é a qualidade do trabalho que faz um programa de pesquisa se

consolidar ou naufragar e não possíveis falhas apontadas pelo metodologista de

plantão. Assim, se o conceito de capital social será incorporado, ou não, à Ciência

Econômica, dependerá mais da sua capacidade de gerar pesquisas empíricas relevantes

do que de exaustivos debates metodológicos.

32 As metáforas exigem do leitor uma certa �suspensão da descrença�, haja vista que sempre existem limites. MCCLOSKEY (1983, p. 503) exemplifica que a metáfora de crianças como bens duráveis, feita por Gary Becker, ilumina fatos interessantes (crianças tem custos altos iniciais, geram utilidade ao longo do tempo, depreciam lentamente,...), mas não pode ser expandida além de certo ponto. Se não forem respeitados esses limites, chegar-se-á a absurdos como: �crianças, tal como bens duráveis, não são objetos de afeição e preocupação� ou �crianças, como bens duráveis, não têm opinião própria�. Muitas das críticas ao capital social supracitadas decorrem da ultrapassagem dos limites da metáfora.

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3. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO

3.1. CANAIS DE CONEXÃO ENTRE CAPITAL SOCIAL E DESEMPENHO

ECONÔMICO

3.1.1. Capital Social como Fator de Produção

Uma das primeiras intuições sobre o capital social consiste em vê-lo como

um argumento adicional na função de produção, juntamente com os outros fatores.

Enquanto capital, ele é produtivo por gerar um fluxo de rendimentos aos indivíduos e

sociedades que o possuem.

Do mesmo modo que as máquinas e as habilidades humanas não são

totalmente maleáveis, algumas formas de capital social estão associadas a atividades

produtivas específicas. Por exemplo, uma regra para a gestão de recursos comuns

talvez só possa ser utilizada para um problema único. Um ambiente pleno de

confiança, por outro lado, abre um leque de possibilidades mais amplo, pois se tem um

recurso aplicável na solução de uma vasta gama de problemas.

Alguns autores apontam que a acumulação de capital social, ao contrário do

capital físico, não se baseia em sacrifícios presentes visando a ganhos futuros.

Segundo ARROW (2000), isso é suficiente para que se questione o uso do termo

"capital" na representação das características institucionais em questão. Essa visão não

é consensual na bibliografia. GLAESER et al. (1999) e STIGLITZ (2000) consideram

que os indivíduos dedicam tempo e esforço para a constituição de suas redes sociais.

Mesmo que não intencionalmente, haveria um investimento em capital social e,

portanto, uma taxa de retorno. Um traço com o qual os pesquisadores concordam

refere-se ao fato de que o capital social não se deprecia com o uso; pelo contrário, a

recorrência na utilização das interações o mantém (OSTROM, 1997, 2000).

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Apesar das diferenças quando comparado aos outros "capitais", PALDAM e

SVENDSEN (1998) cogitam a inclusão do capital social diretamente como um fator

na função de produção. Em termos gerais, ter-se-ia a função abaixo com os fatores de

produção capital físico (K), trabalho (L), capital humano (H) e o capital social (Q):

Y=F (K, L, H, Q) onde ∂Y/∂Q>0 e ∂2Y/∂Q2<0 (1)

WHITELEY (2000) também segue esse procedimento e adapta o modelo de

MANKIW, ROMER e WEIL (1992), acrescentando o capital social em uma função de

produção Cobb-Douglas. Parece adequada a sugestão de que capital social esteja

também sujeito a rendimentos decrescentes, contudo seria imprudente impor, a priori,

uma forma funcional específica. Conforme se verá a seguir, são diversas as maneiras

pelas quais o capital social pode se relacionar com as outras variáveis envolvidas na

função de produção.

3.1.2. Capital Social e Produtividade Total dos Fatores

Outra visão freqüente da relação entre o capital social e o crescimento

econômico dá-se através da produtividade total dos fatores. O capital social não seria,

portanto, um fator produtivo strictu sensu; assemelhar-se-ia mais à tecnologia do que a

outros tipos de capital. Robert SOLOW (2000, p.7), ao criticar a utilização da

expressão "capital social", afirma:

Such things as trust, the willingness and capacity to cooperate, the habit of contributing to a common effort even if no one is watching- all these patterns of behavior, and others have a payoff in terms of aggregate productivity.

Em termos formais e omitindo a tecnologia, ter-se-ia o seguinte

(DASGUPTA 2000, PALDAM e SVENDSEN, 1998):

Y= Q. F (K, L, H) , onde Q>0 (2)

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Nessa especificação, um acréscimo no estoque de capital social elevaria a

função de produção da forma equivalente ao progresso técnico. Ou seja, com o mesmo

estoque de capital humano e físico, trabalho e tecnologia, seria possível produzir uma

quantidade maior de bens e serviços.

Tal efeito estaria relacionado a uma utilização mais eficiente dos recursos

produtivos promovida pelo capital social, na forma da confiança entre os agentes. Há

de se ressaltar que essa idéia não é nova; AKERLOF (1970) e ARROW (1974)

anteciparam essa visão adotada pelos teóricos do capital social. Esse último ressalta,

implicitamente, o papel da confiança na redução dos custos de transação e suas

peculiares características:

Trust is an important lubricant of social system. It is extremely efficient; it saves a lot of trouble to have a fair degree of reliance on other people's word. (...) Trust and similar values, loyalty and truthtelling, are examples of what the economist would call "externalities". (...) they increase the efficiency of the system, enable you to produce more goods or more of whatever values you hold in high esteem. But they are not commodities for which trade on open market is technically possible or even meaningful. (ARROW, 1974, p. 17)

No mesmo sentido, afirma o próprio PUTNAM (2000, p.21): "Trustworthiness

lubricates social life."

Como se sabe, a presença de assimetrias e imperfeições informacionais abre

espaço para comportamentos oportunistas (no sentido de WILLIAMSON, 1985).

Quando os agentes são guiados pela maximização míope surgem os fenômenos de

desvio moral e seleção adversa, os quais podem ser evitados através da alocação de

recursos para a elaboração e monitoramento dos contratos. Se esses custos de

transação forem por demais vultosos, tais mercados podem desaparecer ou nunca se

formar.

Vale notar que a especificação da função de produção acima proposta supõe

que o produto e o capital social guardam uma relação linear e que este último é

exógeno (PALDAM; SVENDSEN, 1998). Provavelmente, esse tipo de visão é

adequado para pequenas variações da renda e curtos períodos de tempo. STIGLITZ

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(2000) imaginou um padrão mais complexo de interação entre o capital social e o

desenvolvimento econômico no longo prazo. Quando os mercados estão se formando,

o capital social intervém para resolver questões alocativas e distributivas. Nessas

situações, reputação e controle do grupo restringem comportamentos socialmente

indesejáveis. Em economias mais avançadas, esse tipo de capital social pode ser

substituído por um sistema judiciário eficaz, que desobrigue o recurso às redes sociais.

Assim, a relação entre o componente das regras de conduta informais impostas pelo

grupo e o desenvolvimento teria um formato de "U" invertido. Ainda segundo Stiglitz,

nas sociedades capitalistas avançadas, o capital social toma outra forma,

reestruturando-se na forma de conhecimento tácito (tacit knowledge), o que

incrementa a eficiência dos mercados e das organizações.

3.1.3. Capital Social e Capital Humano

COLEMAN (1988), em um dos papers seminais do programa de pesquisa de

capital social, identificou a relevância de tal variável para a obtenção de capacidades e

qualificações que elevam a produtividade do trabalho humano. A partir de dados

estatísticos norte-americanos, ele apontou que, quanto mais integrada uma sociedade e

mais densos os laços entre pais e filhos, maiores serão os indicadores do capital

humano. No Brasil, o estudo de LEIPZINGER et al. (1997) identificou uma relação

direta entre as proxies do capital social nos municípios mineiros e o desempenho de

seus alunos em testes padronizados no ano de 1994.

KNACK e KEEFER (1997) apontam outras conexões entre o capital social e

o humano. Com base em GALOR e ZEIRA (1993), eles argumentam que, numa

sociedade em que reina a confiança, os pobres participam nos níveis não-básicos da

educação- em que os custos de oportunidade do estudo são mais elevados- uma vez

que podem ter acesso ao mercado de crédito. Outra razão seria que os retornos

esperados da escolaridade seriam mais altos nessas sociedades devido à menor

discriminação no mercado de trabalho contra os que não estão conectados pelos

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"laços" fortes. Finalmente, o capital social, por melhorar a qualidade do governo como

um todo, tende a incrementar também a qualidade das escolas públicas.

Em outros estudos, o capital social é visto como um atributo individual e, em

certo sentido, compõe o capital humano de cada agente. A idéia é que a rede de

conexões sociais é um ativo que gera benefícios principalmente individuais. BECKER

(1996) e GLAESER et al. (1999) seguem essa orientação e aplicam a racionalidade

econômica a relações sociais: o agente investe em relacionamentos visando aos ganhos

privados futuros.33

DASGUPTA (2000) concilia as visões díspares a respeito dos caráteres

público e privado do capital social. Ele considera que as redes sociais geram

externalidades positivas, mas também contribuem para o capital humano na medida

em que os benefícios privados são incorporados no valor econômico de cada agente. O

capital social entraria duas vezes na função de produção: implicitamente, como

componente do capital humano; e como um "Q" da equação 2 antes apresentada.

Resumindo-se o debate: o capital social contribui para a acumulação de capital

humano por tornar mais eficiente o processo educacional, elevar os retornos privados

da escolaridade e também por, diretamente, valorizar o capital humano dos agentes

participantes de uma rede de conexões.

3.1.4. Capital Social e Investimento em Capital Físico

Testes empíricos cross-section sugerem que os países com maior intensidade

de capital social teriam uma maior taxa de acumulação de capital físico (KNACK e

KEEFER, 1997). Foi estimado que um aumento de sete pontos percentuais na

confiança (medidas através de pesquisas de opinião em trinta países) resultaria em um

incremento de um ponto percentual no quociente investimento/PIB.

33 No experimento de GLAESER et al. (1999), os indivíduos com maiores estoques de capital social obtiveram retornos monetários privados mais elevados. NARAYAN e PRITCHETT (1999), a partir de uma amostra obtida na zona rural da Tanzânia, alcançaram resultados semelhantes.

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ZAK e KNACK (1998) apresentam os microfundamentos formais que

mostram a relação direta entre a confiança e a taxa de acumulação. Os agentes

maximizam sua utilidade ao longo da vida, mas têm que escolher o esforço ótimo em

investigar a honestidade de seus brokers. Com o auxílio das hipóteses usuais, chega-se

ao resultado de que sociedades desiguais e com poucas instituições formais ou

informais para combater o oportunismo apresentam níveis altos de diligência ótima e

baixas taxas de acumulação de capital físico. As diversas especificações econométricas

testadas pelos autores para uma amostra de países desenvolvidos e subdesenvolvidos

corroboram as conclusões do modelo formal.

Outro canal de conexão entre o capital social e o investimento se daria, de

acordo com KNACK e KEEFER (1997), através das políticas econômicas. Em

sociedades em que a confiança é generalizada, inclusive quanto ao governo, suas

promessas no tocante à gestão macroeconômica são mais críveis e, portanto, mais

eficazes. Em um ambiente mais previsível, as decisões de investimento se baseiam em

um horizonte temporal mais alongado do que em sociedades com políticas públicas

erráticas.

3.1.5. Capital Social e Inovação Tecnológica

Intuitivamente, é clara a relação entre o capital social, no sentido da

confiança, e a inovação tecnológica: se o empresário inovador não necessita ocupar-se

do combate ao oportunismo de seus parceiros, empregados e fornecedores, ampliam-se

os recursos disponíveis para as atividades inovadoras (CLAGUE, 1993).

FUKUYAMA (1999) elabora esse ponto ao comentar que, na Nova Economia, a

confiança tem papel fundamental para a inovação, pois, na sua ausência, as empresas

reduziriam os gastos em pesquisa e desenvolvimento (ou aumentariam os gastos em

monitoramento), temerosas de que seus empregados se apropriassem privadamente dos

resultados obtidos.

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Formas mais elaboradas da relação entre capital social e inovação

tecnológica têm sido identificadas pelos pesquisadores ligados à área de Economia

Regional. A farta literatura sobre os distritos industriais marshallianos, geradores de

economias externas de escala, evoluiu para o debate na questão da inovação.34 Nessa

linha de pesquisa, destaca-se a importância da confiança para o bom funcionamento

dos distritos. Em um ambiente no qual cada empresa supõe que os outros agirão de

forma oportunista, as vantagens potenciais da cooperação são limitadas, restando

apenas algum transbordamento do conhecimento.

Os estudos sobre os Sistemas Regionais de Inovação (SRI), que, grosso

modo, seriam distritos industriais nos quais a pesquisa e desenvolvimento ocupam

posição central, reforçaram a importância das redes sociais e da confiança mútua para

o seu funcionamento. Vale notar que o próprio MARSHALL (1982, p.234) já afirmava

que, nos distritos, além da rápida difusão dos "mistérios do comércio", as "novas idéias

são assimiladas por outros e combinadas com sugestões próprias; assim elas se tornam

fonte de muitas novas idéias".

Economias com sólidas dotações de capital social apresentariam fluxos de

informação acerca das mudanças nos mercados, oportunidades e tecnologias de melhor

qualidade do que economias pouco integradas ou mesmo baseadas em uma forma

hierárquica (COOKE; MORGAN, 1998). A cooperação entre empresas também

soluciona os problemas de coordenação da pesquisa e desenvolvimento de produtos e

projetos, ou mesmo a solução de problemas de ação coletiva relacionados com o

financiamento das inovações. Os SRI apresentariam o melhor dos mundos: a

competição entre as firmas traria os benefícios conhecidos, enquanto a cooperação

ampliaria as capacidades inovadoras da região.

O Vale do Silício tem sido apontado como arquetípico de um SRI baseado

no capital social. Conforme argumentou SAXENIAN (1994), seu notável desempenho

34 Ver BENKO e LIPIETZ (1994) para uma síntese do debate sobre os distritos industriais.

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econômico se baseia em uma densa rede que inclui firmas, universidades, institutos de

pesquisa e setor público. É interessante notar que mesmo no setor de alta tecnologia, a

dimensão espacial tem se mostrado fundamental para a formação dessas redes. A

explicação talvez esteja no fato de que as novas tecnologias de comunicação não

podem (ao menos por enquanto) reproduzir o tipo de interação informal, face a face,

que promove a formação de relações de confiança e cooperação entre os agentes

(FOUNTAIN, 1997).35

3.1.6. Capital Social e Estado

A relação entre qualidade das políticas públicas e instituições

governamentais com o crescimento econômico está bem assentada em fundamentos

teóricos e empíricos. Um passo de pesquisa mais profundo consiste em averiguar quais

são os determinantes da qualidade dessas instituições. Para tornar endógena essa

variável, a pesquisa empírica voltou-se para características mais persistentes dos

países, como colonização, religião, tradição legal, entre outras (LA PORTA et al.,

1998)

Putnam atribui uma relação unívoca dos valores cívicos de uma sociedade e

a qualidade de seu governo. Mesmo reconhecendo que existem causalidades circulares

que geram dependências da trajetória (path-dependencies), ele afirma, com base em

sua observação dos processos de descentralização governamental em meados da

década de 1970 na Itália, que foram as regiões intensas em capital social que

apresentaram melhores indicadores de desempenho governamental. PUTNAM e

HELLIWELL (1995) apresentam evidências econométricas que corroboram essa

35 Outro exemplo envolve uma comunidade diametricalmente oposta, em todos os sentidos, ao Vale do Silício. SMALE e RUTTAN (1997) identificaram o capital social das comunidades Naam, em Burkina Faso, como responsável pela inovação tecnológica na construção de diques.

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hipótese. O mecanismo subjacente que garante tal relação entre participação cívica e

bom governo é o seguinte:

On the demand side, citizens in civic communities expect better government and (in part through their own efforts), they get it. They demand more effective public service, and they are prepared to act collectively to achieve their shared goals. (...) On the supply side, the performance of representative government is facilitated by the social infrastructure of civic communities and by the democratic value of both officials and citizens. (PUTNAM, 1993, p. 182)

Putnam explicitamente contradiz a hipótese de que as organizações sociais

reduziriam a eficácia da ação estatal, ou seja, que uma sociedade "forte" redundaria em

um Estado "fraco". Em termos simplificados, a conexão causal que o autor esboça

parte do capital social para o bom governo e, então, para o crescimento econômico.

Peter EVANS (1996), por sua vez, apresenta uma visão mais otimista das

relações entre o capital social e as ações públicas. Atento aos problemas de

desenvolvimento do Terceiro Mundo, Evans se fixa em algumas experiências bem

sucedidas de intervenção pública para ilustrar as possibilidades sinérgicas entre o

Estado e a Sociedade. De acordo com o autor, existem duas formas gerais mutuamente

não-excludentes pelas quais a organização da sociedade pode contribuir para a ação do

governo e vice-versa: a complementaridade e o "enredamento" ("embeddedness"). No

primeiro caso, o Estado fornece bens que não podem ser oferecidos pelos agentes de

forma eficiente. Estariam incluídos nessa categoria desde os bens tangíveis (como bens

de capital para a irrigação em Kerala, Nepal) até o ambiente institucional que garanta a

liberdade de associação e o cumprimento das leis.

O "enredamento" das relações entre a sociedade e o Estado refere-se aos

laços que ligam os cidadãos e os agentes da intervenção pública. Uma ilustração

adequada dessa relação foi feita por MOORE (1989 apud EVANS, 1996, p. 1121) ao

tratar da eficiente gestão de recursos hídricos em Taiwan, onde os servidores púbicos

responsáveis estavam tão ligados à sociedade local que se preocupavam com o juízo

desta sobre seus desempenhos na função. Também nos casos relatados por Evans, a

participação de tais funcionários contribuiu para o envolvimento da sociedade nos

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45

projetos. A fronteira entre o servidor público e o membro da comunidade se dissolve,

mas não há as perdas causadas pelas atividades de rent-seeking.

O otimismo de Evans provém do fato de que diversas experiências bem

sucedidas no Terceiro Mundo ocorreram em localidades onde a dotação de capital

social era baixa. Nesses lugares, antes da introdução dos projetos de desenvolvimento,

nada havia de semelhante com as comunidades cívicas do Norte da Itália celebradas

por Putnam. Um fenômeno também surpreendente consiste em que, muitas vezes, as

iniciativas partiram de governos que têm seu apoio político nas tradicionais elites

locais. A evidência sugere que, mesmo nessas situações, grupos reformistas dentro da

oligarquia estatal podem implementar projetos de pequena escala que promovem a

acumulação de capital social.

Em suma, para Putnam, o estoque de capital social acumulado a longuíssimo

prazo condiciona a qualidade do setor público. Já Evans aponta os caminhos pelos

quais intervenções governamentais contribuem para a ampliação do capital social

através de relações sinérgicas, mesmo em sociedades anteriormente pouco

participativas.

3.1.7. Capital Social e Saúde

ARORA (2001), em um trabalho econométrico cuidadoso, buscou identificar

o efeito da melhoria da saúde na taxa de crescimento da renda per capita. Tomando o

caso de dez países industrializados na última centena de anos, ele estimou que os

avanços na saúde são responsáveis por um aumento de 30 a 40% do ritmo de

crescimento dessas economias. A idéia subjacente é que melhorias no bem-estar físico

geram ganhos de produtividade.36

36 Ver STRAUSS e DUNCAN (1998), para um survey da literatura sobre o tema.

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A bibliografia já oferece evidências empíricas de que o capital social, por si

só, gera melhorias na saúde das sociedades.37 Saúde mental de crianças (ALBERS,

2001), expectativa de vida (KAWACHI et al., 1997) e até mesmo a gripe comum

(COHEN et al., 1997) já foram relacionados com o capital social. Os níveis analíticos

variam de indivíduos até regiões como um todo (ROSE, 2000, e KAWACHI;

KENNEDY, 1999, respectivamente). KAWACHI, KENNEDY e GLASS (1999, p.

1190) examinam os caminhos através dos quais o capital social influi na saúde dos

indivíduos. O capital social promoveria: a) a melhor difusão da informação e das

inovações relativas à saúde; b) um controle maior sobre práticas desviantes; c) um

melhor acesso às instalações médicas públicas; d) o reforço à auto-estima dos

indivíduos. Mecanismos psicossociais reforçariam a resistência a doenças.38

Estabelecida a relação causal entre capital social e saúde e entre saúde e

crescimento econômico, logo se tem uma conexão indireta, é claro, entre o primeiro e

o último desses elementos. Contudo ainda não existem trabalhos acadêmicos que

examinem essas relações de forma integrada.

3.2. TIPOS DE CAPITAL SOCIAL E MECANISMOS DE CRESCIMENTO

A maior parte da literatura sobre capital social foi elaborada antes que os

conceitos de bridging, bonding e linking social capital fossem assimilados pela

literatura. Assim, a bibliografia acerca dos mecanismos que levam do capital social ao

crescimento econômico não os relacionou com tal tipologia. Tendo em vista os

presentes objetivos, vale a pena explicitar, ao menos teoricamente, quais são as formas

de capital social envolvidas em cada nexo causal com o crescimento.

37 HAWE e SHIELL (2001) apresentam um survey sobre o tema; já FORBES e WAINWRIGHT (2001) o criticam.

38 PUTNAM dedica um capítulo a essa relação entre capital social e saúde (2000, p.326-335).

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O capital social do tipo bonding, apesar de ter um alcance mais restrito,

cumpre funções relevantes para o bem-estar de uma sociedade. Nas palavras de

PUTNAM (2000, p.22):

Bonding social capital is good for undergirding specific reciprocity and mobilizing solidarity. Dense networks in ethnic enclaves, for example, provide crucial social and psychological support for less fortunate members of the community, while furnishing start-up financing, markets, and reliable labor for local entrepreneurs.

As associações de crédito rotativo se apóiam nesses laços fortes (BESLEY;

COATE; LOURY, 1993). É a extrema confiança que os membros de uma comunidade

coesa depositam uns nos outros que garante o seu funcionamento, evitando o

comportamento oportunista. O grau de proximidade entre os sócios faz com que eles

contribuam porque esperam retribuição em um momento posterior. Grupos fechados

podem resolver outros problemas de ação coletiva, como, por exemplo, compartilhar

máquina e equipamentos ou gerenciar recursos comuns.

Contudo, apesar desses efeitos benéficos, os resultados do capital bonding

sobre o desempenho econômico têm alcance limitado. A confiança, quando se está em

um grupo mais fechado, não é generalizada, dá-se apenas pelos membros do grupo.

Muitas vezes, os recursos necessários podem estar em agentes que não fazem parte dos

strong ties. Ainda pior, a intensidade desses vínculos pode levar ao isolamento de seus

membros do restante da sociedade. Um gueto de agentes cooperativos é melhor do que

um de agentes isolados, mas não deixa de ser um gueto. WOOLCOCK (1999),

baseado em estudos empíricos, argumenta que, para comunidades de imigrantes, o

capital social bonding tem uma forte importância inicial para o recém-chegado, mas, a

partir um certo momento, incrementos de bem-estar tendem a ocorrer para aqueles

membros que se distanciam de sua comunidade étnica e formam contatos com grupos

diferentes.

Quanto à formação de capital humano, os efeitos do capital social bonding

também são limitados. Havendo discriminação entre os membros do grupo no restante

da sociedade, perdem-se os incentivos para o investimento em educação, uma vez que

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os retornos futuros serão limitados. É fácil perceber, no mesmo sentido, que o

isolamento de um grupo social intensamente conectado em seu interior cerceia uma

alocação eficiente de recursos e a difusão de novas tecnologias.

Muitas das críticas sofridas pela pesquisa sobre capital social decorreram de

estudos que mostravam as conseqüências perversas que certas redes sociais poderiam

gerar para os seus membros, ou mesmo para os que estão fora da rede (RUBIO, 1997;

PORTES e LANDOLT, 1996). A maior parte desses bem fundamentados ataques

estava direcionada para certas modalidades e intensidades do que hoje se considera

capital social bonding. Afinal, até mesmo o �familismo amoral� identificado por

BANFIELD (1958) poderia ser entendido como um tipo patológico do capital social

tipo bonding39. Enfim, parodiando Granovetter, evidencia-se, assim, a fraqueza dos

laços fortes40.

O capital social bridging não sofre as ambigüidades do capital social do tipo

bonding. Seus reflexos são sociedades em que reina a reciprocidade generalizada e a

confiança é mais geral. Além disso, emergem todas as vantagens econômicas

decorrentes de um fluxo mais fluido de informações. A distinção entre os efeitos do

capital social bridging (laços fracos) e do bonding (laços fortes) em uma esfera micro

é sintetizada por Putnam:

Strong ties with intimate friends may ensure chicken soup when you�re sick, but weak ties with distant acquaintances are more likely to produce leads for a new job. (PUTNAM, 2000, p. 363)

Em termos mais macro, também é fácil perceber que os mecanismos que

tornam o capital social produtivo são mais efetivos na presença do tipo bridging do

39 Banfield define o familismo amoral como a seguinte regra de conduta: �Maximize the material, short-run advantage of the nuclear family, assume that all other will do likewise� (BANFIELD, 1958, p. 85)

40 PUTNAM (2000, p. 362) questiona se o bonding social capital seria um second-best do bridging e reflete sobre os riscos de uma ênfase excessiva no primeiro tipo levar a uma sociedade mais dividida.

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que na do tipo bonding. No tocante ao capital social linking, por sua própria natureza,

seus efeitos benéficos se dão através das melhorias da qualidade das políticas públicas.

Interpretando-se as contribuições de PUTNAM (1993) à luz da tipologia em questão,

pode-se afirmar que ele supõe que os capitais sociais bridging e bonding promoveriam

o linking. As virtudes cívicas desenvolvidas pela sociedade fariam com que os

cidadãos demandassem uma melhor atuação estatal.

3.3. EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E CAPITAL SOCIAL

Robert SOLOW (1995) argumentou que se, o capital social tivesse

importância para o desenvolvimento, isso deveria se mostrar de alguma forma nos

estudos de contabilidade de crescimento (growth account). Seria a tradicional teoria da

produção suficiente para explicar o desempenho econômico dos países? Onde estaria o

capital social?

A primeira pista é dada por Mancur OLSON (1982). Preocupado com o

problema da esclerose institucional, ele lembra que, na estimação da contribuição dos

fatores produtivos para o crescimento econômico, chega-se às suas causas próximas,

deixando ocultas as razões subjacentes que levam à acumulação de capital e à

inovação. Referindo-se aos estudos de growth account, OLSON (1982, p. 4) afirma:

"They do not trace the sources the growth to their fundamental causes; they trace the

water in the river to the streams and lakes from which it comes, but they do not explain

the rain."

Na verdade, o próprio SOLOW (2000) cogitou a possibilidade de que o

capital social seja a variável subjacente que alavanca o processo de crescimento, mas

não elaborou essa hipótese. DASGUPTA (2000, 2002) apontou soluções para o

mistério do capital social desaparecido. O experimento mental é o seguinte: imaginem-

se duas economias (1 e 2) com os mesmos estoques de trabalho (L) e capital (K) e

capacidade tecnológica. No momento inicial, supõe-se que a região 1 possui mais

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capital social do que a 2 e que isso faz com que a primeira tenha também uma maior

produtividade total dos fatores. Em termos formais:

Yi=Qi F(Ki, Li), onde K1=K2, L1=L2, e Q1>Q2>0; i=1,2. (3)

Obviamente, Y1>Y2 já no momento inicial. Supondo-se as mesmas

características demográficas e uma taxa constante de poupança, é fácil ver que, em um

momento posterior, a economia 1 terá níveis de consumo e produção mais altos do que

a 2. Isso ocorrerá mesmo que o estoque de capital social (Qi) siga constante ao longo

do tempo. Ora, apesar da importância dessa variável institucional, um estudo dos

fatores de crescimento das duas sociedades mostraria que não há resíduo a ser

explicado. DASGUPTA (2002, p.33) explicita que, dessa forma, a crítica de SOLOW

(1995) não procede, haja vista que bastam diferenças nos níveis do capital social para

que se observem trajetórias divergentes de crescimento.41

A imobilidade física do capital social o diferencia das outras formas de

capital e isso é relevante para o entendimento da dinâmica do crescimento regional. Ao

contrário de outros fatores de produção que, ao menos em princípio, têm alguma

mobilidade, o capital social não pode migrar em busca de maiores taxas de retorno. A

não ser que todos os indivíduos de uma sociedade migrem de forma coordenada, cada

migração individual, caso acontecesse, geraria um rompimento de relações sociais com

depreciação do capital social do individuo e da sociedade que ele abandonou.

Na estimação dos efeitos do capital social para o crescimento das regiões

italianas, PUTNAM e HELLIWELL (1995) contornaram os problemas de

41 DASGUPTA (2000, p.394) lembra que, como PMgK1> PMgK2, a diferença entre as taxas de crescimento das duas economias seria ainda maior se fosse suposto que isso resultaria em uma taxa de poupança mais alta em 1 do que em 2. O autor ainda modela o capital social de duas formas distintas: como parte de um composto que inclui o capital humano e gera externalidades; e como um fator multiplicativo de um índice composto do capital humano e horas de trabalho. Em ambos casos mantêm-se as conclusões acerca da inobservância de um resíduo atribuível ao capital social.

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especificação de uma forma funcional através da seguinte estratégia: assumem que as

diferenças entre o acesso aos fatores de produção e tecnologia são pequenas, ou ao

menos não são relacionadas com o capital social. Dessa forma, seus resultados devem

ser interpretados como indicando o efeito total do capital social sobre o produto per

capita por todos os canais anteriormente citados, sem identificação do papel de cada

contribuição direta, indireta ou decorrente da interação com os outros fatores. Os

resultados foram favoráveis à hipótese da relevância das dotações de capital social

para explicar as diferenças de desempenho econômico entre as regiões italianas no

período 1950-1990.42

Além de todas essas considerações empíricas, existem os problemas de

medida dos estoques de capital social. Isso não surpreende, haja vista que se busca

mensurar uma variável intangível e que qualquer proxy deve refletir a realidade

específica de cada sociedade. Uma mesma organização pode ter papéis completamente

distintos em cada caso. Putnam, por exemplo, exclui a participação na Igreja Católica

do seu indicador de capital social para a Itália, por considerá-la hierárquica, enquanto

NASCIMENTO (2000) mostrou que as Comunidades Eclesiais de Base, tiveram papel

central na formação das associações de trabalhadores rurais em Valente na Bahia.

Em diversos sentidos, o capital social está mais próximo do capital humano

do que do físico. Ele também é intangível, mas sua mensuração é mais difícil do que a

do capital humano, uma vez se mostra nas relações entre os indivíduos (COLEMAN,

1988; REQUIER-DESJARDINS, 2000). Apenas proxies podem indicar a sua

presença, contudo essas são ainda mais questionáveis do que usar a escolaridade média

para aferir o estoque de capital humano entre países.

42 SCHNEIDER, PLÜMPER e BAUMANN (2000) testaram a hipótese do impacto do capital social no crescimento econômico das regiões européias entre 1980 e 1996, com diversas variáveis de controle. Suas proxies foram pesquisas de opinião. A variável relacionada com o civismo teve o sinal esperado, porém a proxy de confiança teve efeitos estimados negativos, em oposição ao que sugere a teoria e outros estudos, como o de ZAK e KNACK (1998).

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Os autores têm sido criativos na elaboração das proxies do capital social.

Algumas são bastante questionáveis, como o número de cervejas bebidas por semana

(GLAESER et al., 1999), outras são mais intuitivas, como o número de filiados a

associações43. A consciência de que não há, nem haverá, uma medida única do capital

social é um passo necessário para que os pesquisadores criem indicadores adaptados

ao seu objeto e à disponibilidade de dados. De qualquer forma, a recompensa do

esforço empírico é um melhor entendimento dos processos envolvidos, ao mesmo

tempo em que se revêem os pressupostos teóricos que fundamentam a linha de

pesquisa sob escopo.

3.4. DESIGUALDADE, CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO

O problema do pobre não é ser pobre. É ter amigo pobre.

(Atribuída a Adib Jatene. Elio Gaspari, Jornal do Commercio Recife - 18.04.99)

3.4.1. Desigualdade e Crescimento Econômico: Mecanismos Institucionais

A relação entre desigualdade e crescimento econômico é um dos temas mais

recorrentes e conflituosos da Ciência Econômica44. Antes de tudo, existe a questão da

direção da causalidade: o crescimento muda o perfil da distribuição de renda ou será

que esta influencia o ritmo do crescimento? Em seguida, argumentos teóricos e

evidências empíricas chocam-se entre os que identificam uma relação positiva entre a

43 Ben FINE (1999) aponta diversos problemas da medida do capital social e da estimação empírica de sua relação com o crescimento econômico. DURLAUF (2000) faz outras críticas na mesma direção. FOLEY e EDWARDS (1999) argumentam contra a utilização de pesquisas de opinião que tentam avaliar a confiança como proxy do capital social.

44 BAGCHI (1995, p. xix) cita que, sem surpresa, Adam Smith já argumentava que a propriedade mais igualitária da terra estava associada ao progresso econômico.

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igualdade na distribuição da renda e o desempenho econômico, os que enxergam

exatamente o oposto ou os que pregam a existência do "U" invertido de Kuznets.

Como costuma acontecer em discussões desse tipo, o debate recai sobre a

qualidade dos dados e os métodos econométricos utilizados. FERREIRA (1999, p. 13),

contudo, em um amplo survey sobre a questão, conclui em favor de que não há trade-

off entre igualdade e desempenho econômico:

The inverted-U relationship between growth and inequality suggested by Kuznets has not survived recent empirical scrutiny terribly well. Instead, it is gradually being replaced by a perception that the main flow of causation may be in the other direction, with inequality hampering the rate and quality of economic growth.

FIELDS (2002, p. 69-70) adota uma posição distinta e sustenta que a

heterogeneidade das experiências de desenvolvimento é tamanha que não faz sentido

buscar uma relação geral entre desigualdade e crescimento. Considera, pois, que

estudos de caso e busca de alguns padrões são mais recomendáveis. Quer se aceite a

proposição de Ferreira, quer a de Fields, pode-se perguntar: quais são os mecanismos

institucionais, em sentido amplo, que fazem com que a desigualdade, mesmo em

experiências específicas, iniba o crescimento econômico a longo prazo?

Ferreira aponta três canais básicos de atuação:

i) Mecanismos distributivos: em sociedades desiguais, o fato de o eleitor

mediano ser relativamente pobre tende a gerar políticas fiscais

redistributivas que inibem o desenvolvimento. Seria, portanto, não a

desigualdade em si, mas sim a tentativa de reduzi-la que inibiria o

crescimento. Mesmo que esse modelo tivesse aderência para o caso

brasileiro, de qualquer forma ele não é adequado para análises regionais,

uma vez que a margem de manobra das políticas fiscais nesse âmbito é

bem menor do que na esfera federal.

ii) Imperfeições no mercado de crédito: quer por existir um montante

mínimo nos projetos, quer por problemas informacionais, os pobres não

tem o mesmo acesso aos créditos do que os ricos. Com isso, suas

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capacidades produtivas são subutilizadas, e o país iníquo tende a crescer

mais lentamente.

iii) Conflito social: sociedades desiguais tendem a ser mais instáveis

politicamente e não se recuperam tão rapidamente de choques externos.

Mesmo sem referência explícita à expressão �capital social�, esses três

canais podem ser lidos como reflexos da sua carência. No primeiro caso, uma

sociedade mais integrada poderia tomar medidas de política distributiva que gerassem

pareto-incrementos; pactos negociados permitiriam melhorias na distribuição sem que

os localizados no topo tivessem perdas. Já na questão do mercado de crédito, a

confiança e os vínculos entre os agentes poderiam amenizar as distorções

informacionais que o caracterizam sociedades desiguais.

O terceiro canal apontado por Ferreira, o do conflito social, é ainda mais

próximo da abordagem do capital social. Aliás, autores dessa linha que anteriormente

não utilizavam tal conceito, como Easterly e Durlauf, passaram a aplicar essa

terminologia em seus trabalhos mais recentes45. Para que se examine esse canal com

maior atenção, tome-se o trabalho de EASTERLY (2000), "Middle Class Consensus",

como representativo dessa linha de pensamento.

Segundo o autor, o conflito social pode se basear em diferenças de renda

e/ou relacionadas com a heterogeneidade da população por características não-

econômicas, como etnia ou idioma. ALESINA e RODRIK (1994) e ALESINA e

PERROTI (1996), analisaram o primeiro tipo de desigualdade e destacam que, em

sociedades com pouca coesão social, os conflitos gerados por choques externos não

são absorvidos adequadamente. Sociedades estratificadas têm diversos grupos de

interesses com objetivos conflitantes. Especialmente em situações de crise, a

capacidade de que se chegue a um consenso para a execução das mudanças necessárias

45 Ver também EASTERLY (2000) RITZEN, EASTERLY, WOOLCOCK (2000), ISHAM et al. (2002).

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é restrita. Os conflitos entre os grupos, além dos danos causados diretamente,

procrastinam as reformas que acelerariam o processo de desenvolvimento. Políticas

ruins são preservadas, porque grupos polarizados não conseguem chegar a um acordo,

devido à diferença de interesses, ou, mesmo havendo concordância sobre os objetivos,

cada grupo tenta fazer com que o(s) outro(s) segmento(s) incorra(m) nos custos46.

Na questão do conflito social não-econômico, a lógica é a seguinte:

sociedades étnica ou culturalmente divididas tendem a disputar o controle na provisão

de bens públicos. Ampla evidência empírica ao redor do globo mostra que grupos

étnicos no poder, muitas vezes deliberadamente, tentam restringir o acesso de outros

grupos a serviços sociais básicos. Políticas educacionais, por exemplo, voltadas apenas

para os moradores de áreas com características étnicas marcantes mantêm ou ampliam

as diferenças entre os grupos. EASTERLY (2000) identificou uma relação

econométrica inversa entre a fragmentação etno-linguística e a qualidade das políticas

e também das instituições (medidas pelos indicadores tradicionais).

Em suma, esses autores afirmam que sociedades mais homogêneas em

termos de renda ou etnia conseguem construir o tal �consenso da classe média�.

Tendem, portanto, a ter taxas de crescimento de longo prazo mais elevadas do que as

segmentadas. 47

3.4.2. Desigualdade e Formação do Capital Social

A questão aqui é examinar as razões que fazem com que sociedades

desiguais tendam a apresentar mais capital social bonding do que bridging. A forma

gráfica adotada para a exposição foi escolhida por ser a mais simples possível. Um

46 Ver também EASTERLY (2001, cap. 13).

47 Mecanismos mais próximos da esfera econômica não são tratados aqui. Por exemplo, a concepção de Celso Furtado de que a concentração de renda influencia a trajetória de crescimento devido ao perfil da demanda fica de fora da análise.

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tratamento mais preciso também incluiria a questão da formação dos grupos de forma

semelhante a que foi feita por SCHELLING (1978), levando em conta a dinâmica de

entrada e saída dos agentes.

Suponha que os indivíduos tenham uma preferência por conviver com

pessoas de status social próximo ao seu, ou, em outros termos, elas têm desutilidade de

participar de grupos nos quais os integrantes estão distantes de seu próprio status.

Hipótese análoga foi feita por ALESINA e FERRARA (2000), mas seu modelo

considerava dois tipos de indivíduos e a distância dos indivíduos em relação ao centro

físico da associação. No presente caso, existe, contudo, um limite máximo de distância

entre um indivíduo qualquer e o indivíduo mediano da associação. Outras suposições

simplificadoras: todos os indivíduos são iguais nesse seu grau de tolerância; o status

social é função linear da renda; cada individuo só participa de um grupo.

Nesses termos, um indivíduo participa de um grupo j, se:

D < Si � Sm

D= diferença máxima de status suportável,

Si = status do indivíduo,

Sm = status do indivíduo mediano do grupo.

Uma suposição adicional é que quando podem participar de dois grupos,

escolhem pertencer àquele cujo membro mediano tenha um status mais alto. Ou seja,

eles preferem se identificar com uma associação de status maior, mesmo sendo um

membro de status relativamente inferior, a ser o membro de status superior em um

grupo inferior.

No eixo das abscissas estão os indivíduos indicados os percentis de status e,

nas ordenadas, os níveis absolutos de status.

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FIGURA 3.1 - SOCIEDADE I - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS

Nesse caso, o segmento ab indica todos os indivíduos membros da

associação. Ficam de fora apenas os indivíduos extremamente pobres e os ricos. Os

nos níveis inferiores não estão na associação ou porque se consideram inferiores

demais em relação ao indivíduo mediano, ou porque nela não seriam bem-vindos. Os

mais ricos ficam igualmente de fora, porque julgam a associação popular demais em

relação ao seu próprio status. Nada impede que esses dois extremos também formem

suas próprias associações. Elas, entretanto, terão um caráter bem mais homogêneo do

que a abrangente associação de que estão de fora.

Suponha-se agora outra sociedade, com renda mais concentrada em que

existam duas classes bem mais claras. Ter-se-ia o seguinte:

100%a

S

b

Sm

0

D

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FIGURA 3.2 - SOCIEDADE II - FORMAÇÃO DE GRUPOS E NÍVEIS DE STATUS

Agora, haveria dois grandes grupos: um abarcando os indivíduos em posição

mais inferior até os segmentos médios (0c); outro, de menor tamanho, incluindo os

indivíduos situados à direita de d até os estratos mais superiores da população. Aqueles

situados entre c e d poderiam formar um grupo intermediário, se o número dos

membros superasse uma escala mínima.

O interessante nessa ilustração da relação entre associações e a distribuição

de renda é que todas as diferenças derivam do perfil desta e não de mudanças nos

graus de tolerância (D). Uma hipótese razoável é que sociedades estratificadas são

mais intolerantes com a diferença, o que, nesse caso, levaria à formação de grupos

ainda mais homogêneos.

Colocando essa questão nos termos da teoria do capital social, o perfil da

distribuição de renda juntamente com os níveis de tolerância condicionariam a

formação de capital social bridging ou bonding. Ceteris paribus, quanto mais

igualitária a sociedade, maior o caráter bridging das relações; uma estratificação maior

tenderia a gerar grupos, sem surpresa, também estratificados - Pontes longas não se

sustentam com longos vãos entre os pilares.

Essas diferenças podem ou não aparecer nas medidas de capital social de

acordo com o critério utilizado. Se for medido pelo número de associações ou mesmo

pelo percentual de associados, é possível que a sociedade II, mais desigual, apresente

100%c

Sm�

d

Sm

0

D

D

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um nível de capital social mais alto do que a I48. Contudo é provável que os resultados

sejam distintos em uma pesquisa de opinião que meça capital social através de uma

pergunta como a feita pela World Values Survey: �Generally speaking, would you say

that most people can be trusted or that you can�t be too careful in dealing with

people? (NORRIS, 2000). Os integrantes da sociedade I, mais aberta, convivem com

uma parcela maior da população e podem desenvolver relações de reputação e

confiança com um amplo segmento da sociedade. Já os membros de qualquer uma das

duas associações na sociedade desigual não têm a mesma experiência. Seus horizontes

de confiança são mais estreitos e mesmo que eles tenham os mesmos níveis de

tolerância, sua experiência com a diferença será, em média, menor.

Em termos empíricos, a relação entre desigualdade de renda e carência de

capital social já estava colocada, no caso italiano, por PUTNAM (1993, p.224) e foi

reforçada para o caso estadunidense em seu livro subseqüente (2000, p. 360). Seus

indicadores de capital social, porém, não buscaram distinguir as diversas facetas do

capital social. Essa conexão foi examinada com maior profundidade em termos

teóricos e empíricos por ALESINA e FERRARA (2000). Testes de regressão múltipla,

com as devidas variáveis de controle, apontam que a participação em associações é

maior em sociedades relativamente homogêneas. Um achado empírico interessante dos

autores é que, nos EUA, os indicadores de heterogeneidade de raça e de renda não têm

relação com a participação em grupos que se assemelham às coalizões distributivas

olsonianas, como sindicatos e associações profissionais. A relação direta entre

homogeneidade e participação é bastante robusta apenas no caso de organizações mais

típicas da análise de Putnam.

48 Os resultados de RITZEN, EASTERLY e WOOLCOCK (2000) apresentam alguma evidência de que sociedades fracionadas podem ter altos indicadores de participação em associações. Nesse estudo econométrico, esse indicador se mostrou não-relacionado com o indicador de coesão social (participação da classe média no produto).

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60

No mesmo sentido, em uma amostra de 29 países com economias de

mercado, KNACK e KEEFER (1997) também encontraram relações inversas entre a

heterogeneidade de renda e de etnia e os indicadores de virtude cívica e confiança

generalizada. ZAK e KNACK (1998), através de um modelo de agente-principal e

testes econométricos, corroboram esses resultados e argumentam que a desigualdade

reduz o crescimento econômico devido à erosão da confiança generalizada. Os estudos

de KAWACHI et al. (1997, 1999a, 1999b) abordam a questão do capital social

visando a associa-lo a indicadores sociais como crime, saúde e mortalidade. Em

quaisquer desses trabalhos, a evidência empírica recorrente é a de que igualdade na

distribuição de renda é um incentivo à formação do capital social. Note-se que, mesmo

que os testes envolvam apenas a sociedade norte-americana, as bases de dados

utilizadas nos três estudos citados são distintas.

3.4.3. Capital Social e Manutenção da Desigualdade

A idéia de que a desigualdade pode ser mantida por mecanismos que

envolvem o capital social é encontrada em um dos trabalhos pioneiros que utilizou

essa expressão com sentido semelhante ao hodierno. LOURY (1977) fez com que o

conhecimento e as habilidades em uma comunidade, denominados �social capital�,

fizessem parte da função de produção de capital humano da geração seguinte. Essas

externalidades positivas resultantes da interação com agentes com maior estoque de

capital humano, à primeira vista, podem parecer inequivocamente benéficas. Contudo

esses mesmos mecanismos podem agir nos sentido de manutenção da desigualdade.

Modelos mais recentes, com os de BÉNABOU (1993) e DURLAUF (1996),

retomam a idéia de Loury de que as interações entre os indivíduos geram desigualdade

duradoura. Além disso, eles implicam estratificação endógena; pequenas diferenças

iniciais levam a formação de grupos homogêneos entre si, o que leva à segregação.

Para tentar capturar as externalidades, os agentes se mudam para vizinhanças com

indivíduos com maiores estoques de capital humano. Mecanismos de exclusão, como

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61

preço dos aluguéis ou financiamento da educação, fazem com uma pequena

desigualdade inicial seja ampliada. A imersão em ambientes com altos níveis relativos

de capital humano e renda faz com que as pressões do grupo e a existência de

exemplos de sucesso (role models) estimulem o investimento em escolaridade. Por

outro lado, em um gueto, esses mecanismos funcionam inversamente: o ambiente

passa a ser um empecilho para a ascensão social dos indivíduos.

LUNDBERG e STARTZ (2000) incluem os modelos de BÉNABOU (1993)

e DURLAUF (1996), entre outros, no âmbito dos new economic models of race and

income distributions. De fato, tais trabalhos incluem a dimensão espacial, na verdade a

questão de vizinhança, como o lócus no qual as relações sociais ocorrem. No modelo

de Bénabou, por exemplo, ele primeiro examina uma cidade integrada

geograficamente para depois analisar os resultados do progressivo fracionamento em

vizinhanças distintas entre si. Sua conclusão é que esse processo quando levado ao

limite conduz ao colapso da cidade.

Sem dificuldades, o modelo de Bénabou pode ser traduzido na ótica do

capital social, substituindo-se a dimensão espacial pela análise das relações sociais. A

cidade totalmente integrada, onde as externalidades positivas do capital humano

atingem a todos, equivale a uma sociedade com alta densidade de relações sociais

bridging. Sob certas condições, os agentes com maior escolaridade trocam suas

relações sociais do tipo bridging por bonding, ao tentar conviver com indivíduos

semelhantes. Tem-se assim o processo de estratificação que pode induzir à formação

de grupos cada vez menos abrangentes.

3.4.4. Capital Social Bonding e Grupos de Interesse

O capital social bonding corre riscos de se assemelhar às coalizões

distributivas de Mancur Olson. Em suas principais obras (1965 e 1982), esse autor

mostrou que grupos com poucos membros tendem a incorrer em ações redistributivas a

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seu favor, em detrimento de práticas que aumentariam a eficiência em geral (OLSON,

1982, p.41-47). Isso ocorre porque um ganho geral de bem-estar seria dissolvido entre

todos os agentes econômicos, enquanto uma redistribuição beneficiaria os

componentes do grupo de forma concentrada. Tais grupos teriam seus interesses super-

representados na esfera política frente aos interesses da coletividade como um todo.

Assim, grupos bonding, poderosos, com acesso aos tomadores de decisão

(capital social linking), poderão transformar-se em coalizões distributivas. Por terem

interesses comuns, concentrados, e por se verem como distintos do restante da

sociedade, é de se esperar que defendam mais políticas redistributivas do que as

beneficiadoras da sociedade como um todo. 49 A figura 3.3 representa uma forma de se

analisar as sociedades. Suponha a existência de dois grupos com o mesmo caráter

bonding, por exemplo, uma associação patronal e uma associação de moradores da

mais pobre das favelas. Ambas incentivam a cooperação, a confiança e todos os

benefícios que o capital social bonding traz para os seus membros. Contudo, enquanto

o gueto abaixo representado não é ouvido pelo Estado, o grupo dos empresários tem

maior acesso ao aparelho estatal e, com seus próprios incentivos e recursos

necessários, podem organizar um lobby a seu favor.

49 O conceito de linking social capital foi formulado tendo em mente as conexões entre os mais pobres das sociedades e os tomadores de decisão. Aqui, o conceito está sendo utilizado de maneira mais livre, incluindo as ligações entre os grupos coesos localizados no topo da escala social com o Estado.

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63

FIGURA 3.3 - COALIZÕES DISTRIBUTIVAS E CAPITAL SOCIAL LINKING

Em termos dinâmicos, a atuação desses grupos bonding redistributivos

trazem resultados perversos. Ao menos desde Schumpeter, sabe-se que o processo de

desenvolvimento é intrinsecamente conflitivo, gerando ganhadores e perdedores50. Ao

mesmo tempo em que firmas e indústrias inteiras crescem a elevadas taxas, outras

minguam até a falência ou quebram retumbantemente. Conforme lembra ALSTON

(1998, p. 7):

The losers have an incentive to lobby government for institutional change to protect them from the ravages of the market, while winners have an incentive to lobby for the status quo or an even better outcome.

Ora, em termos regionais, usualmente os grupos melhor representados são os

associados aos setores tradicionais. Eles tiveram os recursos, o tempo e o interesse de

formarem vínculos entre si (bonding) e com as organizações formais (linking). O

congestionamento dos grupos de interesse restrito, lutando por seus privilégios, reduz

a flexibilidade que a sociedade precisa para se manter no processo de

desenvolvimento, levando à �esclerose institucional� (OLSON, 1982). Quando as

coalizões distributivas são dominantes, os inevitáveis conflitos serão resolvidos em

50 COOKE e MORGAN (1998), a partir de uma análise schumpeteriana, apontam as vantagens de uma sociedade integrada e cooperativa, mas percebem o risco de que sejam inibidas as discordâncias e, portanto, a inovação.

Coalizões Distributivas

Guetos Excluídos

Linking

Renda

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favor dos grupos mais fortes, que não são a parte mais representativa da coletividade.

No limite, segundo Olson, isso conduz a um estancamento do crescimento econômico.

Olson também tratou dos grupos encompassing, ou abrangentes. Esses

englobariam uma parcela significativa da sociedade e, portanto, almejariam políticas

que beneficiem a todos. Os sindicatos de trabalhadores dos países escandinavos seriam

um exemplo de grupo encompassing. Nos termos da pesquisa, tais grupos equivalem a

um caso extremo de capital social bridging. São uma �ponte� que abrange a

diversidade de interesses da sociedade e que, portanto, a prepara para resolver os

conflitos que porventura surjam ao longo do seu processo de desenvolvimento.

NARAYAN (1999) desenvolve a relação entre capital social bridging e

bonding, relacionando-a dinamicamente com a questão do Estado. Ele apresenta um

arcabouço analítico para compreender as múltiplas possibilidades entre os tipos de

relações sociais predominantes e a qualidade da intervenção pública. A seguir

reproduz-se o seu quadro com algumas adaptações:

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FIGURA 3.4 - RELAÇÃO ENTRE TIPOS DE CAPITAL SOCIAL HEGEMÔNICOS E AÇÃO ESTATAL

FONTE: Adaptado de NARAYAN (1999).

Ao longo do eixo das abscissas, tem-se um continuum com o tipo de relações

sociais predominantes da sociedade. De um lado, apresenta-se a hegemonia de capital

social bonding, com grupos coesos e, no limite, isolados do resto da sociedade. As

relações sociais são baseadas nos ditos grupos primários e os strong ties são

predominantes. No extremo oposto, estão as sociedades em que as associações,

formais ou informais, integram indivíduos diferentes entre si. No eixo da ordenadas,

tem-se um indicador de qualidade da intervenção do Estado. Por qualidade, em sentido

amplo, entende-se a garantia de direitos civis, provisão de serviços, cobrança de

impostos e outras atividades básicas. No limite negativo dessa escala, estão os Estados

colapsados, aqueles incapazes de cumprir quaisquer dessas funções.

Os quadrantes são assim determinados:

I) Sociedades com muitas relações bridging e com ótimos Estados: esse é o

ideal da sociedade cívica de Putnam. A sociedade integrada

complementa, apóia e exige políticas públicas eficientes; nela, o conflito

Capital Social Bridging

Capital Social Bonding

Estado Eficiente

Estado Disfuncional

III

III IV

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social é baixo. Ainda de acordo com NARAYAN (1999, p. 16), os países

escandinavos estão nessa categoria;

II) Sociedades nas quais os grupos bonding tomam o controle ou têm

influência demasiada, em Estados que funcionam relativamente bem.

Assim, existem grupos que ficam fora das decisões. Narayan inclui nessa

categoria a África do Sul durante o regime do Apartheid ou os governos

latino-americanos que excluem as populações descendentes dos nativos;

III) Sociedades nas quais a falta de coesão faz com que ocorram conflitos

que levam ao colapso geral do Estado. O poder então cai nas mãos de

algum dos grupos que o mantém, sem legitimidade e com o recurso

permanente da força;

IV) Sociedades nas quais a ampla rede de relações bridging substitui um

Estado falido. Narayan (1999, p. 17) sustenta que em certas localidades

do Quênia e da Rússia, esse padrão se mostra: associações amplas,

completamente desconectadas da ação Estado, assumem funções que lhe

seriam básicas.

Em termos dinâmicos, Narayan aponta a possibilidade de migrações entre

quadrantes: uma sociedade do grupo II pode tornar-se mais aberta e com mais capital

social bridging e migrar para o quadrante I. Ou o isolamento e a exclusão dos grupos

pode gerar conflitos que a conduzem à degeneração do Estado, o que move em direção

ao sul do esquema, até o quadrante III. Mesmo essas mudanças de posição sendo

possíveis e ocasionalmente observadas, existem mecanismos que cerceiam

deslocamentos entre os quadrantes, ao menos no médio prazo. Uma sociedade do

grupo I tem formas de controle que impedem a degeneração do Estado e/ou a

regressão às associações basicamente bonding. Já as sociedades do grupo III carecem

das características institucionais que lhes permitiriam um salto para o quadrante I que

possui bem-estar, indubitavelmente, mais elevado.

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Ceteris paribus, pode-se perceber que os maiores índices de bem-estar e

prosperidade econômica estarão localizados no quadrante I e os menores no III. As

sociedades no primeiro quadrante têm o middle class consensus de Easterly, a

sociedade cívica de Putnam, os encompassing groups de Olson que as habilitam a

adotar as políticas apropriadas para o processo de desenvolvimento e a distribuir seus

ganhos de forma a manter a coesão social e a qualidade da administração pública. Já os

casos de tragédias de desenvolvimento, como os da África Subsahariana, entram na

malfadada categoria III, o reino das coalizões distributivas, acívicas, em que Estados

espoliadores dominam a cena.

O esquema de Narayan foi pensado de forma a incluir sociedades tão

díspares quanto a da Noruega ou a do Zimbábue de hoje. Nos estudos regionais, as

diferenças são bem menos amplas do que a existente entre esses dois países, mas, não

obstante, sua abordagem segue sendo relevante. Além de fornecer uma tipologia que

vai além da mera classificação unidimensional da qualidade do Estado, ela realça quais

são os efeitos das características das relações sociais e como elas se relacionam com a

administração pública. Na esfera local ou regional, a mesma lógica entre qualidade do

Estado e tipos de capital social podem ser feitas.

Seguindo-se a análise de que sociedades desiguais tendem a ter mais capital

social do tipo bonding do que bridging, percebe-se que elas podem se distinguir entre

a qualidade do estado. Na melhor das hipóteses, elas terão um Estado que, de certa

forma, funciona, mas está tomado por coalizões distributivas (em termos olsonianos)

que privilegiam o grupo dominante. O esquema de Narayan mostra igualmente o risco

de que o conflito latente das sociedades no quadrante II leve à degeneração do Estado

que a conduzirá ao quadrante III, na medida em que ele vai perdendo sua capacidade.

Por outro lado, realça a possibilidade de que o desenvolvimento de relações bridging

conduza a maiores níveis de bem-estar.

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3.4.5. Origens da Desigualdade

A busca das causas do desenvolvimento de uma região pode ir até o nível

mais profundo. A geografia física, variável exógena por excelência, já foi apontada

como a causa última das diferenças no desenvolvimento. O determinismo geográfico

pode tomar diversas formas: desde o mais simplório, que simplesmente conecta o calor

dos trópicos à indolência, até o mais sofisticado que leva em conta a questão

institucional. Para o presente trabalho, é relevante considerar um tipo de explicação

mais recente, nos quais os mecanismos institucionais são o elo intermediário no nexo

causal entre características geográficas e desenvolvimento.

Em um convincente livro �neodeterminista�, Jared DIAMOND (1998)

apontou que características como geografia, flora e fauna nos diversos continentes são

a raiz das diferenças na distribuição do desenvolvimento a longuíssimo prazo. Dessa

maneira, a hegemonia da Europa seria decorrência de diferenças fortuitas que, ao

longo do processo de desenvolvimento levaram, à constituição de Estados nacionais e

à expansão colonial.

Suas afirmações se chocam com o trabalho de ENGERMAN e SOKOLOFF

(1997) e de ACEMOGLU, JOHNSON, e ROBINSON (2001). Os dois artigos têm em

comum a idéia de que, nos lugares bem dotados de recursos naturais, os europeus

impuseram (ou mantiveram) instituições extrativas que privilegiavam uma pequena

casta, basicamente européia. Cria-se uma sociedade desigual, que tem seu

desenvolvimento prejudicado a longo prazo. A "reversão da fortuna", na expressão de

ACEMOGLU, JOHNSON e ROBISON (2001), corresponde à tendência de que

sociedades ricas em recursos naturais em tempos pré-colombianos fossem deixadas

para trás ao longo do processo de desenvolvimento51.

51 Outro tipo de análise que trata da relação entre recursos naturais e crescimento econômico está mais voltada para a avaliação de períodos mais recentes. Ver BRAVO-ORTEGA e GREGÓRIO (2002) para uma síntese das evidências.

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No trabalho de ACEMOGLU, JOHNSON e ROBISON (2001), a elevada

densidade demográfica das sociedades bem dotadas em recursos naturais, ao mesmo

tempo em que é um sinal de sua riqueza relativa leva a instituições extrativas: "... a

large population and relative prosperity made extractive institutions more profitable for the

colonizers, for example to force the native population to work in mines or plantations,

or tax them by taking over existing tax and tribute systems". (ACEMOGLU;

JOHNSON; ROBISON, 2001, p. 2)

Em ENGERMAN e SOKOLOFF (1997) o mecanismo é mais complexo e,

em contrapartida, menos determinista. Existem duas possibilidades para os lugares

ricos de recursos naturais terem instituições �erradas� (no sentido de desiguais): a) os

que são vazios demográficos, mas com características físicas adequadas para o

plantation. Nesses, a escravidão foi a maneira de reduzir a escassez relativa de mão de

obra e o cultivo de cana-de-açúcar no Nordeste Brasileiro é um exemplo; b) os que, no

século XVI, tinham maiores densidades demográficas e contingentes populacionais e

que resistiram ao contato com os europeus. O primeiro caso seria próximo da hipótese

de Domar, em que existe carência de mão-de-obra, enquanto o segundo caso seria

equivalente ao modelo de Lewis, em que há oferta perfeitamente elástica de trabalho52.

3.4.6. Antecipação de uma explicação integrada para o Sul do RS

A história do desenvolvimento econômico do Sul do RS pode ser revista com

o auxílio das teorias apresentadas nessa seção. Conforme se verá na próxima seção, a

ocupação inicial de tal região se encaixa melhor no modelo de Engerman e Sokoloff

do que no de Acemoglu, Johnson e Robinson. Tratava-se de uma parte do estado

relativamente pouco ocupada que contou com o tráfico negreiro para suprir a carência

de mão de obra.

52 ACEMOGLU, JOHNSON e ROBINSON (2001), obviamente, se centram nas sociedades com maiores contingentes populacionais.

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Precisa-se analisar separadamente o caso das charqueadas e do Pampa

propriamente dito. Apesar das diferenças entre a charqueada e a típica plantation agro-

exportadora, a abordagem de Engerman e Sokoloff permite insights relevantes. A

escravidão, induzida pela carência de mão-de-obra como se disse anteriormente, criou

uma sociedade desigual, cujas diferenças foram reforçadas pela questão étnica. Já no

tocante ao Pampa gaúcho, os comentários dos autores em relação à Argentina podem

ser extrapolados para tal região. Eles afirmam: "Rooted in large grants to military

leaders and favored families, this inequality (distribution of land) may have persisted

because of limited scale economies in raising cattle on the pampas." (ENGERMAN;

SOKOLOFF, 1997, p.16).53

Ainda na visão dos autores, essa histórica concentração fundiária também

criaria instituições extrativas, que excluíram a maior parte da população das

oportunidades de desenvolvimento. Mesmo fora de uma plantation escravista, a

concentração do patrimônio também é prejudicial para o crescimento.

Mais uma vez, as contribuições de Engerman e Sokoloff podem ser lidas

pela ótica do capital social. As �instituições perversas� são resultado de sociedades

desiguais, estratificadas e incoesas, nas quais as elites têm plena liberdade de

estabelecer um conjunto de instituições, uma vez que os mais pobres não são ouvidos.

A partir do momento em que as sementes dessas sociedades são estabelecidas, a

formação de capital social segue a trajetória de ênfase nos seus modos bonding e não

bridging.

Em uma sociedade inicialmente iníqua, os mecanismos de manutenção

dessa, como os apontados pelos modelos da new economics of race and income

distributions, passam a funcionar. Nesse tocante, vale lembrar que as sociedades com

raízes escravocratas carregam o legado de dois tipos de discriminação: a econômica e

53 Conforme se verá no capítulo seguinte, a concentração da posse da terra na Campanha têm raízes históricas e é anterior ao boom exportador da região. FRANK (2001) identificou o mesmo fato no Mato Grosso de fins do século XIX.

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a étnica. Quando há a sobreposição desses dois fatores, a etnia pode ser um critério

suficiente de exclusão das redes sociais; não é necessária a segregação espacial. A falta

de capital social bridging restringiu a mobilidade social e, ao mesmo tempo,

prejudicou a dinâmica econômica da região. Os grupos bonding das elites degeneraram

em coalizões distributivas, cujo acúmulo contribuiu para a perda do vigor econômico

da região.

3.5. CONCLUSÃO

Uma das críticas freqüentes aos trabalhos empíricos refere-se ao problema

subdeterminação dos testes. Isto é, os dados podem estar a serviço de teorias diversas.

No caso em questão, poder-se-ia dizer que se está avaliando, na verdade, a relação

inversa entre desigualdade e crescimento econômico por canais outros que o capital

social. Isso é um risco. Argumentos teóricos e evidências empíricas, porém, permitem

que se construa a seguinte cadeia de causalidade:

FIGURA 3.5 - RELAÇÃO ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO ECONÔMICO

Em termos dinâmicos, existem efeitos de retroalimentação entre as variáveis

que foram omitidos do esquema acima. Sociedades que crescem lentamente, por

exemplo, enfrentam problemas políticos para efetuar políticas redistributivas, ou

economias muito pobres terão poucos recursos para investirem na formação de capital

social bridging.

Desigualdade Inicial

Pouco Capital Social Bridging;

Coalizões DistributivasCrescimento Lento

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Nessa seção, buscou-se discutir quais são os efeitos da desigualdade sobre o

capital social e o crescimento econômico54. Diversas teorias, que não são diretamente

associadas à bibliografia sobre capital social foram reinterpretadas para um melhor

entendimento dos processos que ocorreram no RS. O fato de diversos teóricos terem

analisado a formação e os efeitos da desigualdade e da estratificação sobre o

desenvolvimento sugere a relevância do fenômeno. Talvez a abordagem do capital

social forneça uma aparelhagem conceitual que se mostre adequada para unificar essas

linhas de pesquisa ou mesmo apenas fornecer uma linguagem comum para o diálogo.

54 Nessa seção, foi tomado como dado que sociedades desiguais sejam necessariamente mais rígidas. Isso pode ser uma regularidade empírica, mas desigualdade e mobilidade são temas, logicamente, distintos.

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4. FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DA REGIÃO SUL DO RS

O início da integração da economia gaúcha ao pacto colonial se deu através

do fornecimento de gado e mulas para a região das Minas Gerais durante o século

XVIII (FURTADO, 1987, p.73-77)55. No século seguinte, a triticultura visando à

exportação para o centro do país e para a metrópole teve relativa importância. É

apenas ao longo do século XIX que o papel da Província de São Pedro fica mais claro.

Ela passa a ser, nas palavras de PESAVENTO (1990, p. 38), a �estalagem do

Império�, fornecendo insumos para o boom do café. Suas principais exportações são

derivadas do gado: o charque e o couro, e sua função é subsidiária no âmbito nacional.

Não era a típica plantation, fornecedora de produtos tropicais para os mercados

internacionais; era uma região �voltada para dentro� e periférica (CASTRO, 1980).

A produção de um bem inferior que tinha como consumidor típico o escravo

dos cafezais não parece, ao menos à primeira vista, o melhor tipo de atividade para

impulsionar uma economia local. Contudo é difícil subestimar o efeito do charque na

formação da região. A despeito das fortes oscilações, a lógica de expansão da

economia do RS no século XIX deu-se ao redor da atividade charqueadora. Em 1861,

três quartos das exportações gaúchas eram compostas pelo charque e pelo couro

(PESAVENTO, 1990, p.44).

Assim, a díade estância-charqueada é a chave para o entendimento da

formação da Região Sul do RS. Esse capítulo apresenta as peculiaridades da

organização dessas atividades econômicas que tiveram � esse é o ponto �

conseqüências profundas e indeléveis para a estrutura social da região. Obviamente, a

conexão entre as estâncias e as charqueadas vai muito mais além do mero fato de

aquela ser fornecedora do insumo desta. A despeito de, por vezes, ocorrerem

55 A inexistência de metais preciosos, o clima temperado, que impediu a típica atividade de plantation, e a ausência de portos naturais, foram apontadas por FONSECA (1983) como razões do desinteresse da Coroa pelo extremo sul.

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divergências entre tais atividades, pode-se afirmar, em linhas gerais, que havia

interesses comuns em torno do desenvolvimento da economia do charque. Apenas para

fins expositivos, o setor de criação de gado e o saladeiril serão tratados separadamente.

Como é freqüente, a ampla produção acadêmica sobre tais temas já passou

por vários momentos: glorificação do passado, desencantamento e, hoje, tentativa de

uma visão mais ponderada dos fenômenos e processos ocorridos na região ao longo

dos séculos XVIII e XIX. Nesta seção, sintetiza-se essa historiografia, primeiro

analisando as razões econômicas que levaram ao padrão produtivo no Sul. Em seguida,

examina-se a estrutura social da Campanha a partir da abordagem do capital social. A

seção 4.4.3 contém a regionalização do RS, passo básico para as análises empíricas

dos capítulos seguintes. Uma nota discute as razões que levaram ao trabalho cativo no

Sul e aponta caminhos para o debate acerca da sua racionalidade, ou não.

4.1. A ESTÂNCIA

Para a uma melhor compreensão da sociedade pastoril gaúcha no século

XIX, faz-se necessário examinar a construção histórica das estâncias. O foco está nos

estancieiros, na sua origem e nas relações sociais na Campanha gaúcha da época.

O povoamento inicial do RS deu-se através de bandos organizados que

recolhiam o gado xucro, quer visando ao seu couro, quer almejando a sua exportação

�em pé� para as áreas mineradoras do centro do país. Os pontos de apoio dessas

atividades basicamente privadas são as primeiras sementes das estâncias gaúchas.

Portanto os primeiros estancieiros nada mais eram do que líderes de bando de

pilhadores de gado que se afazendavam. Além disso, ainda no século XVIII, tal

distinção não era clara, tampouco definitiva: peões se tornavam �acaudilhados� dos

pilhadores que, por vezes, se afazendavam (CARDOSO, 1977, p. 90).

Décio Freitas, em O Capitalismo Pastoril (1980), contribuiu para

enfraquecer o mito da �produção sem trabalho� na estância, onde supostamente a

natureza se incumbiria de tudo e a �vida pastoril é um contínuo e alegre desporto�

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(GOULART, 1985 p. 84). É fato que o gado crescia e se reproduzia livremente no

Pampa56, mas havia todo um conjunto de tarefas que iam desde a sua marcação,

castração, até a sua condução, ainda vivo, para as charqueadas. Índios, mestiços,

brancos pobres e, conforme se verá mais à frente, escravos afro-descendentes

trabalhavam nas lidas campeiras.

As relações de Portugal com as estâncias eram bastante complexas. No início

da ocupação do Pampa, inexistiu apoio da Coroa. Motivada pela manutenção e

expansão, de seus territórios e pelos tributos potenciais, a Metrópole estabeleceu vilas

fortificadas e distribuiu títulos de propriedade que legalizavam as estâncias57. Foram

estes dois loci as bases responsáveis de povoamento das terras gaúchas. Vale notar que

as fortificações e as estâncias de pilhagem muitas vezes se confundiam, consistindo

em �núcleos guerreiros pilhadores de gado, ou melhor, de saqueadores de gado

militarizados� (CARDOSO, 1977, p. 48).

Dentro das estâncias criadoras de gado, a distinção civil-militar se dissipava.

O ambiente crônico de guerra fez com que a defesa das fronteiras contasse com os

estancieiros que também eram líderes militares locais e peões que acumulavam a

atividade de soldados. Isso levou FREITAS58 (apud TARGA, 1991b, p. 319) a afirmar

que o RS �... foi a única porção do território brasileiro conquistada pelos seus próprios

moradores�. Esses habitantes porém estavam longe de ser pacatos cidadãos motivados

56 Os cercamentos dos campos só vieram a ocorrer nas últimas décadas do século XIX (PESAVENTO, 1980, p. 29).

57 Segundo (CARDOSO, 1977, p. 83-84), as cidades de Rio Grande, São José do Norte, Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha, Santa Maria, Bagé, Alegrete, Jaguarão e Uruguaiana se desenvolveram a partir de instalações militares.

58 FREITAS, D. Farrapos: uma rebelião federalista. In: Dacanal, J. (org.). A Revolução Federalista: história e interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

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por impulsos nacionalistas, formavam, isto sim, um amplo contingente militar capaz

de ser mobilizado frente a um conflito. 59

Chamam a atenção também outras formas de relação entre a Coroa e os

estancieiros e pilhadores. CARDOSO (1977, p. 91), com base em Oliveira Vianna,

afirma que muitos membros desses dois últimos grupos eram desertores das tropas

portuguesas. Em outros momentos, as sesmarias foram distribuídas àqueles oficiais ou

subalternos que se destacavam por �... atos de bravura ou banditismo contra o

inimigo...� (CARDOSO, 1977, p. 94). Ainda de acordo com o autor, os troncos

familiares dos principais estancieiros gaúchos tiveram origem nos membros dos

regimentos dos Dragões do Rio Pardo (CARDOSO, 1977, p. 91-95). O levantamento

realizado em 1780 para tentar resolver disputas sobre os limites das terras na região

mostrou que a maior parte dos proprietários era composta por militares ou civis com

postos militares (LOBB, 1976)

Esse ambiente militarizado foi percebido pelos viajantes estrangeiros.

Escreve Saint-Hilaire em 1820 (SAINT-HILAIRE60, apud CARDOSO, 1977, p. 110):

A Fronteira meridional deste País há muito não goza senão curtos intervalos de paz, mas salvo algumas tropas vindas de São Paulo e Santa Catarina, todos os soldados que combateram a Espanha são naturais da Capitania (...). Disto resulta que enquanto os habitantes desta Capitania se tornaram completamente militarizados, os povos das outras províncias caem pouco a pouco na inércia.

No mesmo sentido, aponta Luccock, referindo-se a cidade de Rio Grande e

região em 1808: "Todo homem livre da região se acha alistado numa ou noutra dessas

59 No Brasil Império as estâncias civis, porém militarizadas, seguiram importantes cumprindo seu papel: �De 1821, data da incorporação militar do Uruguai ao Reino de Portugal, até o final da Guerra do Paraguai (1870), foram as populações civis do RS que forneceram grande parte dos contingentes humanos e materiais necessários às guerras.� (TARGA, 1991b, p. 320)

60 SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Rio de Janeiro: Ariel, 1935.

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unidades, sendo que se conseguiria levantar uma força considerável em pouco tempo,

numa emergência" (LUCCOCK61, apud CARDOSO, 1977, p. 110).

É difícil exagerar a crescente importância da ordem militar no RS ao longo

do século XIX. URICOECHEA (1978, p. 99; p. 104) mostra que, entre 1831 e 1852, a

despesa militar do Império na Província cresceu cerca de 1400% e chegou a

representar perto de 95% da despesa total realizada no local.62 Mesmo após o fim da

Revolução Farroupilha, o gasto militar seguiu crescente e um terço do exército

brasileiro encontrava-se em terras gaúchas no ano da Abolição (TARGA, 1991b, p.330

e LOVE, 1971, p. 16). Além disso, o número de oficiais nascidos na Província com

posto igual ou superior a General de Brigada era o maior do Brasil (LOVE, 1971).

Não cabe relembrar todos os conflitos pelos quais tal região passou, mas vale

apontar as mudanças relevantes. No período colonial, tais forças armadas estiveram

alinhadas aos interesses da Coroa. Já no período do Império, a consolidação do poder

dos estancieiros levou à defesa organizada de seus próprios interesses, com freqüência

divergentes dos do centro do país. O auge desses conflitos foi a Revolução Farroupilha

(1835-1845).63

Se a única bibliografia disponível sobre a estância gaúcha tivesse como

autores responsáveis pelo mito da democracia rio-grandense, a Campanha pareceria

uma sociedade cívica à moda de Putnam em formação. A imagem seria de

camaradagem entre os patrões e empregados, escravidão ínfima e �benéfica� e ampla

cooperação entre os estancieiros. Vejam-se os trechos abaixo escolhidos de A

61 LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1951.

62 A razão para esse gasto, pode-se argumentar, deu-se em oposição aos interesses da Província. Contudo como o objetivo aqui é estimar a importância da ordem militar para a formação dessas sociedade, não faz diferença quem é o beneficiário.

63 Outra peculiaridade da história gaúcha é a inexistência de revoltas populares ao longo do século XIX. O potencial bélico da população esteve a serviço da camada senhorial e não se voltou contra ela. Isso fez FREITAS (1985, p.49) afirmar que a �história gaúcha é, em rigor- caso único no Brasil- uma história sem povo.�

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Formação do Rio Grande do Sul, influente obra de Jorge Salis GOULART, publicada

inicialmente em 1927.

O gaúcho é mais amigo do que um subordinado do seu patrão. (GOULART, 1985, p.29)

A democracia rio-grandense (...) adoça e humaniza entre nós a nefanda instituição [a escravidão] que os outros povos ambiciosos criaram e exploraram. (GOULART, 1985, p.48)64

Para Goulart, o ambiente democrático da estância foi tão poderoso

transformou até a disciplina militar: "Em vez de ter sido a disciplina militar que atuou

sobre a sociedade (impondo a submissão, a escravidão, a cooperação forçada) foi esta

que agiu sobre aquela, determinando a cooperação voluntária, já reinante nas forças

irregulares" (GOULART, 1985, p.42). E, mais adiante: �O espírito militar, pois, foi na

alma rio-grandense a maior fonte de sociabilidade que é possível imaginar.�

(GOULART, 1985, p.77)

O auge da mitificação ocorre quando Goulart afirma que o gaúcho é superior

ao super-homem nitzscheano, porque combina o individualismo, independência e

altivez deste com uma sociabilidade sem paralelo no Brasil (GOULART, 1985, p. 97-

100). Esse espírito associativo se estenderia na relação entre as estâncias de tal sorte

que: "... as estâncias, com força social, sempre operam ligadas umas às outras, nunca

se combatem e todas as vezes que se unem é visando a um bem comum, um ideal

superior, colocando, acima de tudo, a grandeza geral" (GOULART, 1985, p.28; sem

grifo no original).

Oliveira Vianna segue (1952, p. 176) o mesmo tom de Goulart, percebendo

no trabalho campeiro e na união promovida pelo espírito militar, as raízes dos �hábitos

democráticos, esses costumes de familiaridade, camaradagem e igualdade� dos

gaúchos. Não haveria no sul a distância entre patrões e empregados vigentes em outras

64 Segundo o autor, essa benevolência no trato dos escravos deriva do fato de que no Sul, �não tinham [aqui] os dominantes a necessidade de tiranizar os dominados, pois que a sua superioridade era natural, harmoniosa" (GOULART, 1985, p.48).

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regiões do Brasil. Curiosamente, um dos capítulos se intitula �O Culto da Autoridade

no Pampa�, no qual ele exalta a obediência dos gaúchos aos �seus maiorais, aos seus

chefes, aos representantes das suas autoridades, não levados pelo medo, mas por um

íntimo sentimento de dever � com honra, com admiração, com orgulho� (VIANNA,

1952, p. 165).

Vianna, ao enaltecer a qualidade da obediência dos gaúchos, termina por

revelar um elemento que se opõe ao arquétipo de sociedade cívica. Ele celebra o

respeito à hierarquia vigente na sociedade pastoril, isto é, a aceitação por parte dos

peões de uma estrutura social verticalizada com papéis de subordinação bem

determinados. Parece impossível compatibilizar essa visão com a democracia rural

gaúcha.

Ainda nessa questão, CARDOSO (1977, p. 96) aponta que era possível que

realmente houvesse algum sentido de camaradagem entre estancieiros, capatazes e

peões, mas lembra que:

... camaradagem não significa ausência de distância social. Tanto mais quanto esta camaradagem além de inserir-se num grupo social tão fortemente hierarquizado, como é o grupo militar, ainda se exprimia numa situação social onde os traços autocráticos de personalidade eram decisivos para permitir a liderança e onde o próprio sistema socialmente sancionado de poder baseava-se na utilização da violência e na falta de respeito à sociedade humana.

E mesmo essa suposta camaradagem no Pampa não parece ter sobrevivido às

mudanças no mercado de trabalho. De acordo com CHASTEEN (1991), ao se

aproximar o fim do século XIX, esse paternalismo se dissolvia conforme crescia a

oferta de trabalho. Em sua pesquisa, o autor identificou um acúmulo de processos

criminais que tratavam de crimes violentos envolvendo patrões, capatazes e agregados

durante o período.

A cooperação entre estâncias apontada por Salis Goulart e Oliveira Vianna

também tem que ser analisada mais de perto. Conforme aponta VERSHOORE FILHO

(2000, p. 55), as associações entre estancieiros foram muito mais voltadas para a

defesa dos seus interesses restritos, mais imediatos, do que a busca de algum nobre

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ideal ou projetos de maior fôlego. Outros fatores que dificultaram a formação de uma

sociedade cívica na Campanha foram a baixa densidade demográfica e a concentração

fundiária. GOULART (1985, p. 79) indica que as primeiras concessões de sesmarias

possuíam em média três léguas de sesmaria, isto é, 129 quilômetros quadrados, e havia

estâncias com 30 léguas. LOVE (1971, p. 11) afirma que, em 1803, a Campanha já

estava totalmente repartida entre não mais que 500 grandes proprietários. Chaves

protestava, em 1817, contra o tamanho de propriedades e a freqüente violação do

limite de três léguas por sesmaria devido a �graças especiais do soberano� (1978, p.

93).65 A distribuição das Sesmarias nunca foi democrática, contudo os critérios

tornaram-se ainda mais concentradores. Se em momento inicial, os atos de bravura

contaram na distribuição de sesmarias, com o passar do tempo, as qualidades

relevantes foram a astúcia, o parentesco e a proteção de um capitão-geral (CARDOSO,

1977, p. 97). Em suma, na região da Campanha, havia o predomínio do latifúndio e

fortes barreiras para o acesso à terra.66

Tendo-se em vista a distância entre as sedes das estâncias e os meios de

transporte da época, percebe-se a dificuldade de manter contatos regulares entre tais

unidades de povoamento. MEDEIROS (1975 apud VERSCHOORE FILHO, 2000,

p.54) aponta que a viagem entre estâncias poderia durar até um dia inteiro. Já SALIS

GOULART (1985, p.75) considerou a baixa densidade demográfica um problema para

a sociabilidade, mas que teria sido superado pela "força centrípeta do espírito

associativo militar" dos gaúchos.

A baixa densidade populacional e a concentrada estrutura latifundiária da

região da Campanha persistiram ao tempo. Mem de SÁ afirmava, em 1945 (p. 50), ao

denunciar a ausência de novos municípios na região:

65 Chaves defendia, ainda, a repartição das terras incultas dos grandes proprietários, mediante ressarcimento (1978, p.93-99).

66 LOBB (1976) analisa a distribuição de sesmarias no RS.

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Essa estagnação revela a pouca vibração econômica da região, a ausência de estímulos na vida social e na administração, a diluição da população humana pelas grandes propriedades pastoris impossibilitando a constituição de novos núcleos que determinem a criação de várias vilas, cidades, municípios. Por essa razão não há clima para a constituição de estabelecimentos industriais transformativos e manufatureiros.

É curioso notar que o autor percebeu não só a concentração fundiária (corroborada por

dados que constam de tabela anexa ao seu texto), mas também o pouco vigor da

sociedade.

Como último retoque na caracterização da sociedade �não-cívica� pastoril

gaúcha do século XIX, vale reproduzir a visão que SAINT-HILAIRE teve, em 1820,

acerca dos abusos representantes do Estado e da Igreja na região:

... os abusos atingiram o cúmulo, ou melhor, tudo era abuso. Os diversos poderes confundiam-se e tudo era decidido pelo dinheiro e pelos favores. O clero era a vergonha da Igreja Católica. A magistratura, sem probidade e honra (...) os empregos multiplicavam-se ao infinito, as rendas do Estado eram dissipadas pelos empregados e afilhados, as tropas não recebiam seus soldos; os impostos eram ridiculamente repartidos; todos os empregados desperdiçavam os bens públicos; o despotismo dos subalternos chegou ao cúmulo, em tudo o arbítrio e a franqueza andando ao par da violência. (SAINT-HILAIRE67, apud CARDOSO, 1977, p.104)

Os funcionários locais do Clero e do Império, ao invés de cumprirem os

objetivos de suas instituições, buscavam o proveito próprio. Talvez esse problema de

agente-principal fosse favorecido pela distância dos centros de poder, mas, de qualquer

forma, parece que havia, na Província de São Pedro, no século XIX, um ambiente de

corrupção generalizada (CARDOSO, 1977, p. 97-109).

Existem aqueles cronistas da época que vêem, na alma do gaúcho,

exatamente o oposto do que percebeu Oliveira Viana. O Desembargador José

Feliciano Fernandes Ribeiro afirma, em relação aos habitantes do sul do RS

(CHAVES, 1978, p. 216):

Em geral são inertes e vários, e de natural ferino; (...) os roubos, mortes e atentados que freqüentemente perpetram são segura medida para calcular os poucos progressos que ainda

67 SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Rio de Janeiro: Ariel, 1935.

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aqui tem feito a moral, as leis e o espírito de sociedade. (...) o hábito de laçar a cada passo uma rês e despedaça-la tem familiarizado o estancieiro e o charqueador com o espetáculo de dor e da morte, perde-se gradualmente o horror e a alma participa da insensibilidade dos órgãos.

Esse juízo, rebatido com vigor por Gonçalves Chaves, mostra que havia

divergência sobre a �alma do gaúcho� até mesmo na época68. Obviamente, os juízos

desses cronistas da época podem estar contaminados por todo o tipo de idiossincrasia

ou interesse pessoal. É, portanto, imprudente aceitá-los sem reflexão.

Uma forma complementar e mais confiável de análise da sociogênese do

extremo sul consiste em observar a organização das atividades econômicas e daí inferir

os juízos devidos. Mais de um século depois, sabe-se que a sociedade do Pampa foi

formada em um ambiente de guerra crônico, com propriedade concentrada da terra,

rigidez social, um vazio demográfico, em que, conforme se verá adiante, a escravidão

negra não era estranha. Era esse um terreno adequado para o florescimento de uma

sociedade civil?69

4.2. ESCRAVOS NA PECUÁRIA

Está assentado na historiografia que a escravidão é compatível com a

atividade pecuária. GORENDER (1988) mostrou que, no Nordeste do Brasil, houve

escravos lidando com o gado, o mesmo ocorrendo em Cuba, Venezuela e no EUA-

Texas (LEITMAN, 1975, p. 166). No RS deu-se fenômeno análogo.

Ao menos em termos quantitativos é inequívoca a presença de escravos nas

estâncias. Os dados apresentados a seguir na tabela mostram esse fenômeno. Em três

68 Alvarino MARQUES (1992, p. 135-136) registra que charqueadores e fazendeiros sempre receberam críticas, considerados ignorantes, individualistas, passivos, indisciplinados, emotivos e afirma que �falta ainda aprimoramento da mentalidade cooperativista, em nosso meio rural pastoril�.

69 Contraste-se essa caracterização com a de BAZAN e SCHMITZ (1997) acerca da colônia de imigrantes de Dois Irmãos.

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dos quatro municípios listados, o número de escravos superou o de trabalhadores

livres:

TABELA 4.1 - TRABALHADORES EM MUNICÍPIOS SELECIONADOS DO RS- 1860

MUNICÍPIOS ESTÂNCIAS CAPATAZES PEÕES LIVRES ESCRAVOS Rio Pardo 40 32 34 173 Alegrete 391 124 159 527 São Borja 568 171 339 153 Jaguarão 239 107 - 243

FONTE: BELL (1998, p. 45). NOTA: O fato do número de capatazes ser menor do que o de estâncias, mostra que, por vezes, estes eram

responsáveis por mais de uma fazenda. Em Jaguarão, o número de trabalhadores livres foi incluído no de escravos.

O papel do escravo no �capitalismo pastoril�, na expressão de Décio Freitas,

rendeu um proveitoso debate até o começo da década de 1980. Ambos os lados

combatiam a postura da tradicional historiografia gaúcha- a de que o trabalho cativo

praticamente inexistiu nas estâncias. Contudo o ponto de discórdia encontra-se na

questão do alcance das tarefas nas quais se ocupava o escravo. Referindo-se ao século

XVIII, CARDOSO (1977, p.48) afirma que o escravo �foi utilizado apenas de forma

restrita na economia das vilas fortificadas e nos currais que retinham o gado preado�.

Já nas estâncias organizadas durante o Império ele assevera a utilização regular do

cativo em todo o tipo de tarefa. Em oposição a essa idéia estavam historiadores como

Décio FREITAS (1980):

Não é dizer que não houvesse em absoluto emprego de escravos negros nas atividades pastoris. Em crônicas e inventários, aparecem reiteradas alusões a negros ou escravos �campeiros�. (...) os negros, que desempenhavam atividades propriamente pastoris, eram como regra negros forros. Apenas havia emprego de escravos em trabalhos auxiliares do pastoreio nos quais se pudesse exercer vigilância sobre o escravo, como nas arreadas e os rodeiros. (...) houve largo emprego do escravo nos serviços domésticos e na produção de subsistência da estância. (FREITAS70, apud MAESTRI FILHO, 2001)

70 FREITAS, Décio. O gaúcho: o mito da 'produção sem trabalho. In: GONZAGA, S e DACANAL, J. H. (org.) RS: Cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p.7-24.

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Reavaliando essa polêmica em trabalho recente, MAESTRI FILHO (2001) -

ele próprio um ativo debatedor do tema - assegura que �a ocorrência de cativos na

criação era tendencialmente sistêmica pois não imprescindível a toda e qualquer

produção pastoril.�71 Ou seja, diferentemente da charqueada na qual a escravidão era

intrínseca, as fazendas de menor dimensão utilizavam basicamente mão-de-obra livre.

De qualquer forma, o autor concorda que o cativo esteve ocupado em �atividades

agrícolas e domésticas e, secundariamente, pastoris�. Segundo CARDOSO (1977, p.

67), a estância era uma unidade autárquica: paralelamente à criação de gado, havia

toda uma produção de gêneros alimentícios e utensílios necessários para seu próprio

sustento. Nessas últimas atividades, há um consenso sobre a importância do trabalho

escravo (FREITAS, 1983; MAESTRI FILHO, 2001; CARDOSO, 1977).

Veja-se a questão específica da presença de escravos no manejo do gado. Os

custos de supervisão, vigilância e treinamento não recomendam �o emprego de

escravos no trabalho pastoril� (FREITAS, 1983, p. 28). Como explicar, contudo, não

só a documentada existência de escravos nessas tarefas, como o fato de Giuseppe

Garibaldi e a Coroa Portuguesa terem em alta estima a habilidade dos cativos no

manejo do gado (LEITMAN,1975, p. 167)?

É necessário examinar a questão do escravo campeiro com mais acuidade.

Antes de tudo, deve-se lembrar que as razões básicas para a utilização da mão-de-obra

escrava no Pampa são análogas às que levaram ao mesmo fenômeno nas charqueadas.

Mesmo que as necessidades de mão-de-obra sejam pequenas na pecuária extensiva72, e

que a �falta de braços� tenha sido suprida, em parte, por indígenas ou mestiços,

71 Contraste-se essa posição com a adotada pelo mesmo autor em trabalho anterior. �... podemos afirmar que, para a pecuária, o escravo era um fator de produção fortuito� (MAESTRI FILHO, 1984, p. 53). A questão específica da essencialidade do trabalho cativo para a produção do gado sulista, mesmo sendo um tema relevante, não será aqui desenvolvida uma vez que não é fundamental para os objetivos do trabalho. MAESTRI FILHO (2001) contém um profundo estudo dessa questão.

72 CARDOSO (1977, p. 52-53) estima que se precisava de seis homens para 5000 reses.

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contou-se com o trabalhador escravo73. Além disso, é óbvio que as armas, os cavalos e

um horizonte livre disponíveis aos escravos impõem limites aos castigos físicos que

podem lhes ser impingidos. Em caso de fuga, havia sempre a possibilidade de refúgio

no Uruguai ou na Argentina e as chances de recaptura eram restritas74. Assim, o tipo de

trabalho envolvido fazia com que o tratamento dispensado ao escravo fosse menos

violento e mais baseado em incentivos positivos do que nas charqueadas e em outras

atividades escravistas nas quais maiores produtividades advêm da imposição de

penalidades físicas e ameaças.

Esses elementos levaram MAESTRI FILHO (1993, p.35) a atestar que a

diferença entre trabalhadores livres e escravos no trabalho campeiro fosse muito mais

jurídica do que efetiva. Isto é, em relação às outras ocupações possíveis na ordem

escravocrata quer na estância, quer na charqueada, os escravos campeiros estavam em

melhores condições. Comparando os escravos cativos em relação ao �peões�,

MAESTRI FILHO (2001) afirma em relação aos últimos:

Então � até certo ponto � a própria fuga do escravo perdia sentido(...) Do outro lado da fronteira, dedicaria-se às mesmas tarefas e viveria, no geral, as mesmas condições de existência(...)No Sul, em algumas situações, devido ao caráter do trabalho pastoril, a escravidão perdeu sua essência coercitiva e mercantil e assumiu conteúdo patriarcal.

MAESTRI FILHO (2001) aponta ainda que uma evidência do relativo

melhor tratamento aplicado aos escravos campeiros está no fato de que mesmo após a

Abolição, na região sob escopo, os afro-descendentes seguiram ocupados nas suas

73 Segundo LEITMAN (1975, p.174), há um motivo adicional que levou à utilização do escravo: os escravos eram os últimos a serem convocados em caso de conflito armado. Naquela região e época, sendo a guerra sempre uma possibilidade concreta, a posse dos escravos era uma garantia de que ao menos algumas das lidas no campo seguiriam sendo cumpridas.

74 LEITMAN (1975, p.175) acrescenta que, ao contrário de outras províncias, não havia, no RS, capitães-do-mato públicos. A responsabilidade dessas tarefas seria dos próprios estancieiros. Já na cidade de Pelotas, registram-se diversos pedidos, entre 1835 e 1848, de liberação de recursos financeiros à Câmara e à província para o combate aos quilombos na serra de Tapes, área próxima a Pelotas (MAESTRI FILHO, 1979). MOREIRA (1989) registra que a preocupação das elites locais com o risco de sublevação negra fez com que se impusesse a obrigatoriedade de identificação do escravos (com pena de 50 açoites para quem a violasse), bem como restrições à venda de pólvora.

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atividades. Obviamente, suas escolhas ocupacionais não eram tão amplas, mas, de

qualquer forma, não se viram as inúmeras deserções registradas em outras ocupações.

Esse relativo e pontual tratamento não-opressivo dos escravos campeiros foi

a base para que se formasse o mito da democracia rural gaúcha no qual �senhores,

escravos, peões, e agregados, nivelavam-se tratando-se quase como de iguais para

iguais� (SPALDING75, apud CARDOSO, 1977, p. 114). Os incentivos positivos dados

aos escravos não vêm de um espírito democrático, e sim dos altos custos que

inviabilizavam o uso da coerção violenta no trabalho campeiro.

Também na produção de subsistência nas estâncias, pode-se supor que o

nível da coerção era bastante inferior ao que se supõe na plantation escravista76. Em

certa medida, reproduz-se aqui o debate acerca da coerção da escravidão no Nordeste

brasileiro. Gilberto Freyre viu uma certa benignidade da escravidão doméstica nessa

região e foi criticado por fazer uma idealização conservadora do passado, ou por

possuir um ranço antiabolicionista. VERSIANI (1999) revisitou essas críticas. Com

base nos trabalhos clássicos da área de Economia da Escravidão (BARZEL, 1977;

FENOALTEA, 1984), ele mostra que a opressão física aos escravos tende a ocorrer

quando predominam tarefas intensivas em esforço. Já naquelas em que se necessita

habilidade (como nos trabalhos domésticos tratados por Freyre), predominarão os

incentivos positivos, na forma de recompensas materiais, afetivas, promessas de

alforria, entre outras.

Quer na produção voltada ao autoconsumo, quer na condução do gado, as

tarefas dos escravos nas estâncias não podem ser caracterizadas como intensivas em

esforço. Por isso, e por outras razões já citadas, o grau de coerção física ali deve ter

75 SPALDING, Walter. Tradições e Superstições do Brasil Sul (ensaios de folclore). Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1953.

76 Há um descompasso entre a imagem mental que a escravidão traz e as evidências históricas. A escravidão tomou formas bem mais diversas do que normalmente é considerado. E mesmo no caso da plantation, autores como FOGEL (1989) têm questionado a visão de que a violência contra os escravos era a única forma de controle.

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sido bem menos intenso do que, por exemplo, na charqueada. Olhando-se a questão

ainda mais de perto, CARDOSO (1977, p. 128-29) observou que uma categoria

�escravo-de-estância� englobaria relações entre senhores e cativos heterogêneas. A

partir dos relatos dos viajantes, pode-se afirmar que as convivências sociais entre

proprietários e escravos eram distintas nos grupos de proprietários mais pobres e nos

de mais ricos. Aqueles com padrão de vida mais alto se aproximavam de uma

aristocracia rural, uma classe ociosa no dizer vebleniano, enquanto os proprietários

mais pobres tinham uma maior proximidade com os seus escravos em estilo de vida e

com eles trabalhavam.

O fato da sociedade pastoril gaúcha, em diversos momentos, ter tratado os

escravos com estímulos positivos não indica que fosse uma estrutura social flexível.

CARDOSO (1977, p. 96) a classifica como uma sociedade estamental, tamanhas eram

as barreiras para que houvesse mobilidade social (ver também LEITMAN, 1975, p.

174).

4.3. A CHARQUEADA

De acordo com MAESTRI FILHO (1984, p. 55-56), o charque já era

conhecido na Colônia Sacramento nos primeiros anos do século XVIII e, logo em

seguida, surgem referências em documentos ao ato de charquear ou a lugares

intitulados �charqueada� na província. Nesse primeiro período, o charque era

produzido em apenas alguns pontos do território gaúcho, no �litoral, em Palmares do

Sul, nas margens do Guaíba e na margem direita do baixo Jacuí� (MARQUES, 1990,

p. 27). Via de regra, o gado era exportado para outras regiões "em pé" ou tinha apenas

o seu couro e graxa enviados para outras regiões.

A introdução da charqueada de José Pinto Martins, por volta de 1780,

costuma ser considerada o momento inicial para o desenvolvimento de tal atividade do

extremo sul do Brasil. Aproveitando-se da oportunidade surgida devido aos problemas

políticos uruguaios do final do século XVIII, dezenas de charqueadas surgiram nas

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proximidades da região de Pelotas. Contam-se 22 estabelecimentos nas cercanias em

1822 (CARDOSO, 1977, p. 70), e 38, em 1853 (FEE, 1981, p. 63). Nessa segunda fase

do charque, há um melhor aproveitamento dos produtos do gado, e o processo

produtivo se aproxima de uma manufatura. As exportações de charque passam de

cerca de 13 mil arrobas, em 1793, para cerca de 916 mil, em 1816 (FONSECA, 1983,

p. 14).

O processamento da carne visando ao mercado do centro do país financiou o

surgimento de uma classe opulenta na região e foi o setor dinâmico regional durante

todo o século XIX, apesar dos diversos contratempos e distorções. Entre 1814 e 1860,

enquanto a população total do RS cresceu 286%, a de Pelotas aumentou 754% e a de

Rio Grande, 884%.

Mesmo quando comparado com o restante do Brasil, o peso da economia

pelotense não era desprezível. Em 1880, Pelotas tinha a mesma população de Porto

Alegre ou São Paulo. Dados municipais para 1920, apontam o município como o

oitavo de maior renda, à frente de Campinas e Santos (LONER, 2001, p.48). Formou-

se uma aristocracia em torno do charque cujos costumes, orgulhosamente

europeizados, foram descritos por MAGALHÃES (1993). BELL (1998, p. 73)

sustenta, com base em inventários, que, em meados do século XIX, o patrimônio dos

charqueadores era suficiente para que adquirissem as maiores plantation de café

disponíveis do Sudeste.

Por que houve concentração de charqueadas nas cercanias de Pelotas?

Seguiu havendo produção de charque em outras áreas do RS no começo do século

XIX. MAESTRI FILHO (1984, p. 64) registra que tal atividade ocorreu no eixo Jacuí-

Taquari e em Jaguarão, mas lá não prosperou. As vantagens locacionais de Pelotas

foram determinantes; a cidade de Rio Grande podia ser alcançada em poucas horas,

mas demorava mais de um mês para que o charque de Jacuí chegasse a tal porto. A

relativa proximidade das estâncias e a inexistência de maiores barreiras físicas para o

transporte do gado vivo (ao contrário do que acontecia com Rio Grande) levaram ao

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sucesso inicial das charqueadas pelotenses. Economias externas, especialmente no

acesso aos insumos produtivos, devem ter catalisado o processo de concentração

espacial da indústria saladeiril.

Havia uma peculiaridade da manufatura do charque que condicionou a

trajetória de desenvolvimento da região: a utilização da mão-de-obra escrava. Ao

contrário das estâncias, aqui não há espaço para polêmica: a escravidão era o

sustentáculo da charqueada pelotense. Couty aponta que as charqueadas pelotenses

�têm de 60 a 90 trabalhadores escravos; todas possuem, além disso, alguns

trabalhadores livres� (COUTY77, apud CARDOSO, 1977, p. 71). Do trabalho dos

cativos, vinham desde a força motriz para o içamento do gado até tarefas menos

brutas, como a de salgadores da carne. Aos homens livres estavam destinadas as

tarefas de supervisão, controle e manuseio de instrumental mais complexo (MAESTRI

FILHO, 1984, p. 75).78 Em 1814, havia 1226 trabalhadores escravos contra apenas 712

residentes brancos em Pelotas. Logo em 1833, reporta-se que já havia, em Pelotas,

5119 escravos contra 3555 homens livres. De fato, essa exploração do afro-

descendente levou o RS ao terceiro lugar no Brasil em participação do trabalhador

cativo na mão-de-obra, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo

(CONRAD, 1978).

As tabelas e mapas a seguir retratam a distribuição do trabalho escravo pelo

RS. O primeiro fato que chama atenção é que existiu escravidão por todo o estado.

Mesmo na colônia de São Leopoldo, a com menor participação de trabalhadores

cativos, esse valor era pouco maior do que 10%. Ao mesmo tempo, os dados dos

77 COUTY, L. Le Maté et les Conserves de Viande, rapport à son excellence monsier lê Ministre de l'Agriculture et du Commerce sur sa mission dans les provinces du Paraná, Rio Grande et les Etat du Sud. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1880.

78 Ver MAESTRI FILHO (1984, p. 66-73) para uma descrição mais pormenorizada do processo produtivo na charqueada com base em Couty e Dreyes.

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municípios de Pelotas e municípios adjacentes, mostram que não houve exagero de

Guilhermino CÉSAR (1970) ao chamar a região de �Eufrates Negro�

TABELA 4.2 - POPULAÇÃO DO RS, POR ZONA, SEGUNDO A CONDIÇÃO DA POPULAÇÃO PRESENTE - 1814

ZONA POPULAÇÃO

TOTAL POPULAÇÃO

LIVRE POPULAÇÃO

LIVRE (%) Pelotas 2419 1193 49,32Piratini 3673 2138 58,21Santo Amaro (General Câmara) 1884 1111 58,97Porto Alegre 6111 3799 62,17São Bom Jesus de Triunfo 3450 2242 64,99Conceição do Arroio 1648 1110 67,35Freguesia de Viamão 2812 1904 67,71Cachoeira 8225 5603 68,12Rio Grande 3590 2471 68,83Santo Antônio da Patrulha 3103 2142 69,03Nossa Senhora dos Anjos (Gravataí) 2658 1942 73,06São José do Taquari 1714 1281 74,74S. Luiz de Mostardas (São José do Norte) 1151 870 75,59Rio Pardo 10445 8016 76,74Missões 7951 7699 96,83

FONTE: Adaptado a partir de Cardoso (1977, p. 51).

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TABELA 4.3 - POPULAÇÃO NOS DISTRITOS ELEITORAIS DO RS- 1860

DISTRITOS POPULAÇÃO TOTAL POPULAÇÃO LIVRE POPULAÇÃO LIVRE (%)

Municípios da Metade Norte Triunfo 9531 6521 68,41Porto Alegre 29723 20341 68,43Conceição do Arroio 8636 6457 74,76Santo Antônio 14930 11733 78,58São Leopoldo 18690 16772 89,73Cruz Alta 26484 22073 83,34Passo Fundo 8208 6389 77,83 Municípios da Região Sul Jaguarão 12999 7668 58,98Pelotas 12893 7763 60,21Piratini 8684 5270 60,68Encruzilhada 6130 3832 62,51S. José do Norte 5369 3401 63,34Canguçu 7429 4801 64,62Bagé 12342 7982 64,67Rio Pardo 7203 4644 66,12Cachoeira 5169 3456 66,86Caçapava 10076 6820 67,68São Gabriel 7979 5609 70,29Alegrete 10999 7965 72,41Uruguaiana 8645 6593 76,26Rio Grande 19882 15432 77,61Santa Maria 5110 4124 80,70Itaqui 6631 5554 83,75São Borja 9263 8059 87,00

FONTE: Adaptado a partir de TRINDADE e NOLL (1991).

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MAPA 4.1 - PARTICIPAÇÃO % DOS ESCRAVOS NA POPULAÇÃO DO RS - 1860

MAPA 4.2 � DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS ESCRAVOS NO RS - 1860

FONTE: FEE (1981 ) e TRINDADE e NOLL (1991). NOTA: Cada ponto equivale a 100 escravos. Dentro de cada município, a distribuição dos pontos é aleatória.

0 � 17 %;

19 � 28 %;

30 � 35 %;

36 � 41 %.

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4.4. CAPITAL SOCIAL NA REGIÃO SUL

O trabalho clássico de Cardoso teve como marco teórico um tanto de

marxismo renovado por um tanto de análise weberiana. Não obstante, seu

entendimento da sociedade gaúcha pode ser interpretado através da abordagem do

capital social. Escreve o autor:

Na verdade, a sociedade rio-grandense não só se organizou nos moldes de uma estrutura patrimonialista, como às posições assimétricas da estrutura social correspondiam formas de comportamento reguladas por rígidas expectativas de dominação e subordinação. (CARDOSO, 1977, p. 82)

Nesse sentido, a região em questão seria a antítese da sociedade cívica de

Putnam. Há que se analisar melhor e discutir, com base nas evidências históricas se

todos os tipos de capital social foram prejudicados por tal formação social.

4.4.1. Capital Social em Pelotas e Rio Grande

A integração social era mínima entre escravos e senhores. Os que percebiam

bons tratos na gestão da mão-de-obra dos escravos charqueadores deveriam ter, como

parâmetro, relações de brutalidade sem igual. Veja-se a afirmação de LAYTANO79

(apud CARDOSO, 1977, p. 118): "Os negros das xarqueadas do Rio Grande do Sul

são bem tratados pelos seus senhores, que só lhe aplicavam castigos merecidos."

Mesmo que ocorram diferenças entre as duas cidades, parece que o racismo

foi uma tônica nesses centros urbanos. A discriminação racial começava na escola,

onde os negros e mulatos normalmente não eram aceitos no século XIX (LONER,

2001, p. 74). As barreiras aos negros se mostravam em outras esferas. Loner relata

79 LAYTANO, D. de. O negro no Rio Grande do Sul. Primeiro Seminário de Estudos Gaúchos, Porto Alegre: Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1957.

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que, no começo da República, a segregação não se limitava a espaços fechados, mas

também a algumas praças, e mesmo nas calçadas, a preferência era dos brancos (2001,

p. 262). Até meados da década de 30, essas práticas prevaleciam em Pelotas.

CARDOSO (1977) conta também como o preconceito se manteve através dos ditos e

expressões populares.

Em uma sociedade com tamanho grau de segregação, com um legado

deixado pela escravidão, não há espaço para a formação de vínculos do tipo bridging,

nem linking entre a elite e os afro-descendentes. Mas e no tocante ao capital social

bonding?

A escravidão é um sistema "designed to destroy social capital among slaves

and between slaves and freemen" (PUTNAM, 2000, p. 294). A correlação espacial

entre a utilização da mão-de-obra escrava no século XIX e baixos estoques de capital

social no presente século foi identificada por tal autor para o caso dos estados norte-

americanos.

Certamente, em um primeiro momento, as barreiras lingüísticas limitavam a

constituição de relações sociais entre escravos ditos "novos", vindos de diferentes

regiões da África80. Não só havia as barreiras culturais originais, quanto houve o

esforço deliberado, de acordo com CARDOSO (1977, p. 257) de destruir as heranças

simbólicas dos africanos, para que fossem melhor explorados. Além disso, a promessa

de liberdade aos escravos que delatassem os companheiros insurrectos contribuía para

minar as possibilidades de cooperação. A baixa divisão do trabalho desestimularia, à

primeira vista, a formação de laços entre a mão-de-obra escrava. Haveria algum

sentido de companheirismo entre os escravos gaúchos no período anterior à Abolição?

Vigoraria a condição de anomia apontada por CARDOSO (1977, p.257)? Referindo-se

80 ASSUMPÇÃO (1990) identifica mais de vinte nacionalidades distintas de origem dos escravos a partir dos inventários de charqueadores pelotenses entre 1780 e 1831. Contudo, conforme alerta MAESTRI FILHO (1979, p. 70), muitas vezes tais referências levam em conta o porto de embarque na África e não sua nação de origem.

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ao escravismo brasileiro em geral, Robert Walsh, em seu Notices of Brazil, de 1830

sustenta:

Não obstante os antagonismos que as diferentes tribos trazem consigo de seu próprio país, e as pequenas hostilidades que praticaram no Brasil, alimentadas e promovidas pelos brancos, existe sempre um vínculo que os liga tão firmemente como se tivessem pertencido à mesma raça, que é a comunidade de miséria nos navios em que foram trazidos. (apud CONRAD, 1985, p.66)

Será que esses vínculos se mostraram no Sul do Brasil? Dadas as restrições,

a melhor forma de buscar essa resposta, é recorrer ao trabalho de historiadores que

buscaram nas evidências documentais registros do associativismo. As pesquisas

recentes de LONER (1999 e 2001) e SILVA JÚNIOR (1999a e 1999b) têm levantado

as entidades associativas no RS no século XIX e XX. A primeira pesquisadora,

buscando as raízes da formação do movimento operário em Pelotas e Rio Grande,

encontrou uma rica vida associativa nessas cidades no final do século do XIX. Mais

ainda, ela percebeu uma tendência semelhante de depreciação do capital social à

identificada por Putnam nos, EUA (PUTNAM, 2000):

Analisando-se o quadro associativo atual dessas cidades, percebe-se que, relativamente, houve muito mais associações no passado do que no presente, evidenciando-se nesse retrocesso, não um processo de fusão e consolidação de entidades, mas o desencanto com seus resultados e a busca de soluções individuais. (LONER, 2001, p. 157)

Mas que tipos de associações? Em termos gerais, a autora identifica nas

sociedades de apoio mútuo, um predomínio de critérios étnicos e de nacionalidade

para a seleção de membros. Essas abarcavam imigrantes que ocupavam posições

distintas na escala social. No tocante as sociedades recreativas, também étnicas ou por

nacionalidades, os indivíduos possuíam profissões ou locais de moradia semelhantes

(LONER, 2001).

No que se referee às associações marcadamente negras, Loner registra que,

em fins do século XIX, 16 entidades se encaixavam nessa categoria. Dessas, cinco

eram beneficentes, oito recreativas em geral (musicais, carnavalescas, teatrais ou

bailantes), duas ligadas à Igreja Católica e uma com características políticas em

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sentido mais estrito. Outras 23 associações negras foram fundadas desde 1900 até

1924 (LONER, 2001, p. 459). Os serviços prestados por tais sociedades beneficentes

iam desde suporte em caso de doença, apoio judicial, até auxílio funerário. A autora

destaca o caso da �Feliz Esperança�, fundada em 1880, em Pelotas. Essa associação

aceitava escravos, colaborava para a Abolição e fornecia aulas noturnas e biblioteca

para os membros.

Mesmo quando comparada a de outros estados brasileiros, a estrutura

associativa dos negros do extremo sul do Brasil é considerada marcante. Florestan

Fernandes visitando cidades gaúchas, em 1955, se surpreendeu com esse fato. Na

época, atribuiu-se a explicação desse fato ao grau de discriminação sofrido pelos

negros, talvez maior do que em outros estados (LONER, 2001, p. 260).

Nas sociedades bailantes da época, a segregação racial era clara. Brancos não

eram bem-vindos em bailes de negros e vice-versa. E dentro das associações bailantes

negras, indivíduos mulatos eram também impedidos de entrar (LONER, 2001,

p.267)81. A autora apontou também que havia clubes carnavalescos distintos para a

elite e para o setores mais pobres da população negra de Pelotas (LONER, 2001, p.

208).

A conclusão da pesquisadora ratifica a idéia de que eram elevados os

estoques de capital social dos negros e a carência de capital social bridging:

Servindo para o congraçamento, e como forma de sobrevivência numa sociedade hostil, que os discriminava, as entidades negras formaram uma rede associativa completa e separada das demais, nas duas cidades, incluindo entidades recreativas, beneficentes e de socorro mútuo, esportiva e religiosas. (LONER, 2001, p. 406; sem grifo no original)82

81 Relatos orais sugerem também que os mulatos discriminavam os negros (LONER, 2001, p. 116n)

82 LONER reforça esse ponto em outro trecho (2001, p. 266): �Devido à intensidade do preconceito e talvez à menor mobilidade social do grupo negro nessa região, ou seu maior número, relativamente à população, os negros cedo tiveram que reconhecer a necessidade da organização como forma de sobrevivência. A rede associativa criada visava tecer apoios ao indivíduo associado e congregá-lo entre iguais, demarcando, ao mesmo tempo, suas diferenças em relação aos outros grupos

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SILVA JÚNIOR (1999a, 1999b) tem feito um levantamento das associações

de socorro mútuo no RS. Seus dados sobre a distribuição do mutualismo não mostram

diferenças de destaque no número de entidades por habitantes entre as regiões do

estado. A média dessa relação esteve por volta de 0,15 associações por mil habitantes.

A variação intra-regional é alta; tem-se Uruguaiana com 0,35 e os São Gabriel com

0,05 entidades por milhares de habitantes83. Esses dados quantitativos podem camuflar

diferenças substanciais sobre a natureza dessas associações e das sociedades nos quais

se encontram. O autor aponta que, enquanto na capital da província há o registro de

associações de socorro mútuo de �brasileiros� em que conviviam brancos e negros

(inclusive em postos de direção), em Pelotas, não se registra o mesmo fato. Segundo o

autor (1999a, p. 84), isso �talvez indique diferentes relações entre negros e brancos nas

duas cidades: enquanto em Porto Alegre as sociedades de socorros mútuos se podiam

constituir com ambos grupos; em Pelotas, haveria maior dificuldade na criação de

entidades mútuas.�

4.4.2. Capital Social na Elite

VARELA (1897, p. 395) celebra o espírito de associação gaúcho: "O rio

grandense é extremamente sociável, d´ahi o grande número de associações que

existem no paiz."

Essas associações seriam as cívicas celebradas por Putnam? VARELA

(1897, p. 394), ao enaltecer o associativismo gaúcho, cita aquelas entidades voltadas

para a elite que se construiu em torno do charque em Pelotas e Rio Grande. De

qualquer forma, CAMARGO (1868, p. 172) registra a existência de cinco sociedades

beneficentes em Porto Alegre contra apenas duas no eixo Pelotas-Rio Grande.

83 Segundo o autor (1999b, p. 154), as associações mutuais étnicas de italianos ligados ao comércio lícito e ilícito na fronteira sul possam estar se manifestando nesses indicadores. Outra possibilidade é que isso refletisse apenas o fato de se tratarem de �minorias étnicas� (SILVA JÚNIOR, 1999a, p.78).

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Já em 1805, os charqueadores pelotenses pediam ao Senado que proibisse a

fabricação de carnes de janeiro a julho (MAESTRI FILHO, 1984, p.72-73).84

Evidências de organização também estão nas precoces datas de formações de

associações comerciais, intituladas Praças de Comércio, em Rio Grande e Pelotas em

1844 e 1873, respectivamente. Para fins comparativos, a correspondente paulistana

dessas associações só veio a ser fundada 21 anos. A atuação daquelas organizações ia

muito além da mera presença cerimonial; PESAVENTO (1986, p. 28) registra que

tarefas de desobstrução do canal do Rio São Gonçalo, fundamental para a exportação a

partir de Pelotas, foi feita graças à mobilização da Praça de Comércio dessa cidade. A

cooperação entre os empresários parece ter se dado também informalmente. Em Rio

Grande, Arsène Isabelle, geralmente crítico da sociedade da época, identificava, em

1834 (ISABELLE85, apud PESAVENTO, 1986, p. 26; sem grifo no original):

O que mais contribui para a prosperidade de São Pedro é o espírito de associação de seus negociantes, os quais empregam grande parte das fortunas em empresas de utilidade pública, tentando atrair o comércio estrangeiro, assim como modificar, por obras importantes, os graves inconvenientes de uma situação tão desagradável quanto pouco cômoda que apresenta sua cidade.

Ainda sobre Rio Grande, Isabelle prossegue: "... constitui-se uma alfândega

espaçosa; foi feito o cais; um teatro acaba de ser levantado; o Paço do Conselho está

em construção e tudo isso à custa dos negociantes da cidade" [sem grifo no original]

A elite de Rio Grande estava mais associada ao capital bancário e comercial,

enquanto a de Pelotas, à atividade charqueadora strictu sensu. Em termos mais gerais,

a literatura menciona diferenças entre as estruturas sociais de Rio Grande e Pelotas.

LONER (2001, p. 282) sustenta que Pelotas tinha um caráter mais aristocrático e a

retrata sua elite em termos veblenianos: ócio e consumos conspícuos seriam uma

constante. Já Rio Grande seria menos aristocrática, devido à sua especialização

84 Defendiam eles a qualidade do produto, ou era uma tentativa de cartelização?

85 ISABELLE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834). Porto Alegre: Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, 1946.

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produtiva. Mesmo estando ambas as cidades unidas ao redor do charque, percebe-se a

ocorrência de conflitos entre suas respectivas elites86.

Em termos de associativismo formal, LONER (2001) registra 19 associações

patronais fundadas em Pelotas e dez em Rio Grande, no período entre 1889 e 1930.

Vão desde associações bastante restritas, como a de donos de alfaiatarias até

associações comerciais mais amplas. Essas, mais importantes na vida da região e com

presença política mais ativa, foram discutidas por RIDINGS (1994). Em seu estudo

sobre associações mercantis no Brasil do século XIX, ele aponta que conflitos entre

associações comerciais gaúchas dissiparam, em parte, seus esforços de

desenvolvimento: �The mercantile communities of Porto Alegre, Pelotas and Rio

Grande in the flourishing province of Rio Grande do Sul faced a common challenge:

each other� (RIDINGS, 1994, p. 21).

Por vezes, os choques de interesse ocorriam entre Porto Alegre e os dois

centros urbanos principais da Região Sul da Província. Em 1870, por exemplo, a

Associação Comercial de Porto Alegre não cooperou com a expansão da rede de

telégrafo até Pelotas e Rio Grande. Na visão de RIDINGS (1994, p. 255), isso era uma

forma de a primeira cidade buscar se manter à frente em infra-estrutura em relação às

demais. Outras vezes, os conflitos eram mais generalizados, como a disputa que durou

mais de 30 anos, acerca de quais cidades deveriam ter o direito de possuir alfândegas.

No âmbito desse conflito, os comerciantes pelotenses chegaram a assinar um acordo,

em 1880, de não comprar produtos estrangeiros que tivessem entrado pelo porto de

Rio Grande.

O Centro Agricolo Industrial de Pelotas é um caso interessante. Fundada em

1887, a instituição buscava englobar todos os setores patronais, agricultores,

86 Apesar desses choques, a dissonância de interesses não deve ser exagerada. Existiam membros das elites cujos interesses estavam asssociados às atividades principais das duas cidades. Joaquim José de Assunção, primeiro presidente da Praça de Comércio de Pelotas, charqueador, comerciante e banqueiro, é representativo desse fenômeno (PESAVENTO, 1986, p. 28). Ver também BELL (1998, p. 62).

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pecuaristas e charqueadores. Como era de se esperar, suas posturas eram �a strange

mixture of conservative and radical attitudes" (RIDINGS, 1994, p. 219). Era

protecionista e escravocrata, mas defendia a taxação dos latifúndios. Apesar de a

associação defender o �associativismo como o instrumento ideal para vencerem os

percalços colocados ao desenvolvimento econômico�, ela não conseguiu criar um

consenso em torno das políticas a serem defendidas. Chegou ao fim, logo em 1888,

vítima das divergências internas (LONER, 2001, p. 146). O surgimento e o fracasso

dessa associação mostram as dificuldades de manutenção de um grupo mais amplo na

região.

Essa dificuldade de se ter uma ação coordenada das elites locais se manifesta

no caráter das políticas públicas na região durante o século XIX. VERSCHOORE

FILHO (2000, p. 133) apontou que essas foram pouco organizadas, descontínuas e

fragmentadas. Essa incapacidade das elites locais de construírem um consenso em

torno de políticas e suas brigas internas reflete a fragmentação local. Cada grupo,

buscando seus interesses de curto-prazo, acabava por contrabalançar os esforços dos

outros grupos e frear a capacidade da sociedade de fazer as mudanças necessárias.

4.4.3. Regionalização do RS

Encontrar uma definição de �região� é uma das mais ingratas tarefas com as

quais a Economia Regional se debate. Esse passo metodológico, inicial para os

trabalhos que lidam com a questão espacial, também aqui terá que ser enfrentado.

Afinal, só há sentido em se referir a um certo espaço como �Campanha�, se, ex-ante,

houver um critério que permita essa regionalização. A questão do conceito de região,

contudo, será tratada à luz dos métodos e objetivos dessa tese e sem ambição de

generalidade.

A Região Sul do RS foi definida administrativamente pelo decreto estadual

nº 38.473, em 1998. Obviamente, o legislador teve suas razões para fazê-la. Porém

seus critérios não são apropriados para o presente estudo. Necessita-se de uma

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regionalização que tenha uma visão histórica da formação do RS e que perceba que

estruturas econômicas dispersas e distintas podem estar envolvidas na mesma lógica.

A regionalização feita por FONSECA (1983) cumpre esses requisitos. Nessa

obra, o autor busca as raízes dos conflitos políticos durante a República Velha, no RS

nas divergências de interesses econômicos de setores localizados nas regiões do

Estado em uma economia que se transformava. A estagnação da tradicional economia

pecuário-charqueadora e a lenta perda do poder frente aos novos atores político-

econômicos seriam as razões profundas do conflito �chimangos� versus �maragatos�.

O autor afirma seguir a abordagem weberiana dos tipos ideais ao elaborar a

sua regionalização. Mesmo sem ter explicitado o seu conceito, percebe-se que define

as regiões como sendo territórios que tiveram sua construção histórica em torno de

mesmas atividade(s) produtiva(s) e/ou formações sociais. Dessa maneira, mesmo

reconhecendo a possibilidade de conflitos de interesses internos (charqueadores versus

estancieiros), a intensidade de relações sócio-econômicas no território permite que se

possa denominá-lo sob a mesma rubrica regional.

Assim sendo, Pedro C. D. Fonseca define a região da Campanha da seguinte

forma:

A Campanha é de antiga colonização ibérica; é onde, no Império, apareceu o trabalho escravo, principalmente nas charqueadas; durante o século XIX foi a mais importante região gaúcha, onde se desenvolveu predominantemente a criação de gado. É a zona das estâncias, de economia predominantemente pecuária onde aparecem o peão, o agregado e outras formas de parceria, todos vinculados ao latifúndio (�) Os portos de Pelotas e Rio Grande vinculam-se à Campanha, sendo os grandes escoadouros da produção. (1983, p. 27)

Ainda de acordo com seus critérios, não se pode considerar que exista uma

região �Metade Norte�. Pode-se identificar duas partes desse território: a Serra e o

Planalto. A primeira equivale às áreas ocupadas intensamente apenas a partir do último

quartel do século XIX onde preponderavam os trabalhadores europeus livres e a

pequena propriedade voltada para o mercado interno. A região do Planalto tem

características não tão fáceis de serem estereotipadas quanto as duas anteriores. Nela,

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os terrenos não são tão propícios à criação de gado (os ditos campos de terceira classe,

ver FONSECA, 1983, p. 41) registra-se a ocorrência de minifúndios ao lado de

latifúndios, e sua ocupação também é mais recente. Existem, ainda, outras áreas que

seria imprudente enquadrar em qualquer uma dessas três regiões. São as zonas de

transição entre regiões, de pouca importância econômica na época, ou mesmo áreas

atípicas. Essa será chamada aqui de área Mista. A regionalização é reproduzida no

Mapa 4.3. 87

87 SÁ (1945, p. 50) identifica três regiões no RS: Noroeste, Fronteira e Colônias. Grosso modo, elas são equivalentes às regiões do Planalto, Campanha e Serra aqui referidas. Tal como FONSECA (1983), Sá deixou de fora da regionalização os territórios que não fossem devidamente enquadrados em qualquer uma das categorias. LOVE (1971), por sua vez, optou por dividir o estado, durante a República Velha, em Campanha, Serra e Litoral. A primeira região equivale à que recebeu o mesmo nome neste trabalho, contudo os limites das outras regiões são bem distintos dos utilizados. MESQUITA (1984) resumiu as diversas divisões regionais do RS.

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103

MAPA 4.3 - REGIÕES DO RIO GRANDE DO SUL DURANTE A REPÚBLICA VELHA

FONTE: reproduzido a partir de FONSECA (1983, p. 28).

Essa regionalização se encaixa nos métodos dessa tese por diversas razões. O

autor trata de características regionais da República Velha, mas derivadas das

formações econômicas do período da Colônia e do Império. Há, portanto, uma

coincidência de períodos. Ainda mais importante é o fato da definição das regiões ter

se dado com base na estruturas sócio-econômicas afins ou integradas (como no caso da

charqueada-estância).88 Haja vista que a hipótese a ser apreciada envolve o exame da

características das atividades produtivas no séc. XIX para explicar as trajetórias de

desenvolvimento regionais, é importante que a regionalização parta exatamente dessas

características. Por fim, por se utilizar uma divisão regional feita para um trabalho com

88 O conceito de região de NORTH (1955), que leva em conta a união em torno de uma base exportadora comum, também resultaria nos mesmos limites territoriais aqui definidos.

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outros objetivos, elimina-se o risco de adotar ex-post uma classificação que proteja as

hipóteses aqui em jogo89.

4.5. A UTILIZAÇÃO DE ESCRAVOS NA CHARQUEADA

Nesse momento, faz-se necessária uma discussão sobres as razões da

utilização de mão-de-obra cativa nas charqueadas. Dois mitos resistiram (e talvez

ainda persistam) no imaginário gaúcho: a) a idéia de que a escravidão foi pouco

importante para a formação do RS; b) a brandura com que os afro-brasileiros cativos

eram tratados no estado. Uma ampla bibliografia revisionista derrubou essas crenças

para o público acadêmico e, portanto, torna-se desnecessário retomar esses dois pontos

apenas por iconoclastia90.

Hoje se reconhece, a partir de relatos da época, anúncios de jornais e dados

censitários, que o trabalho cativo esteve presente em virtualmente todos os momentos

e espaços da formação do espaço rio-grandense91. Segundo MAESTRI FILHO (1984,

p. 35), quando o foco da análise histórica for uma atividade profissional ou uma etnia

89 ALONSO e BANDEIRA (1994) discutem o conceito de região, sem perder de vista os problemas de construção de séries longas de dados para o RS. Os autores terminam optando por um critério de homogeneidade histórica, semelhante ao utilizado por FONSECA (1983). A regionalização dos autores se distingue por ser exaustiva (não havendo espaço pra as áreas atípicas) e por algumas divergências quanto aos limites entre as regiões. VERSCHOORE FILHO (2000, p. 14-20) apóia a existência da região Metade Sul� à luz de diversos critérios de região e ele opta por limitá-la de acordo com as linhas seguidas pela administração pública gaúcha. Essa escolha é adequada frente ao objeto de pesquisa do autor, qual seja: as políticas públicas de desenvolvimento da Metade Sul.

90 Uma bibliografia que relê o revisionismo, como TARGA (1991a), considera que Fernando Henrique Cardoso exagerou na sua caracterização da escravidão no sul do Brasil. Possíveis exageros pontuais podem ter ocorrido, mas os documentos apóiam muito mais o retrato da sociedade gaúcha feito por Cardoso do que a historiografia conservadora que ele buscou contrapor.

91 Além dos problemas habituais envolvidos na pesquisa de fontes primárias, os estudiosos da escravidão gaúcha enfrentam as conseqüências da Portaria de 29 de Junho de 1891 do Estado do Rio Grande do Sul. Essa, derivada de uma ordem de caráter nacional, ordenou a queima de documentos relativos à escravidão. Felizmente, ela não foi cumprida com zelo pela burocracia da época (BAKOS, 1982, p. 17).

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específica, por vezes se percebe apenas o trabalhador livre. Contudo uma análise mais

geral, que examine o entorno das evidências históricas, indica a virtual onipresença do

trabalho escravo. A partir do primeiro livro de registros de batizados do RS cobrindo o

período de 1738 até 1753, pode-se estimar que um quinto da população tinha

ascendência africana (WEIMER, 1991, p.9). O levantamento populacional de 1780

também mostra que cerca de 28% da população gaúcha era formada por negros92.

Percebe-se que o trabalho cativo esteve presente nas atividades de subsistência da

província e também na exportação de trigo com ênfase crescente, na medida que se

aproximava o século XIX (CARDOSO, 1977).

A abordagem de DOMAR (1970) evidencia as razões para a utilização de

mão-de-obra escrava no Brasil meridional93. Através de um modelo simplificado, o

autor argumenta que, quando a terra é um fator de produção relativamente abundante,

uma classe de donos de terra só se mantém através do trabalho escravo. A razão é

simples: um trabalhador livre sempre teria a oportunidade de dirigir-se para as terras

devolutas e voltar-se para a produção de subsistência. De tal forma que, supondo-se

que as produtividades médias e marginais do trabalho aplicado à terra são idênticas e

constantes, nenhuma renda poderia ser extraída das homogêneas e fartas terras

pressupostas pelo modelo. Na versão mais simplificada da abordagem de DOMAR

(1970, p. 18-21) chega-se a seguinte conclusão: "... this hypothesis asserts that of three

92 WEIMER (1991, p. 10) mostra que a menor participação populacional do negro era de 11% em Aldeia do Anjos (cuja população continha 80% de índios) e o maior contingente afro-brasileira se localizava em termos absolutos e relativos na freguesia de Viamão (749 negros, isto é, 40% da população total).

93 Existem outras explicações para a existência da escravidão, e.g. FENOALTEA (1984) e HANES (1996). Mas seus pressupostos não parecem refletir a situação do extremo sul. Para um resumo sobre Economia da Escravidão, ver: EGGERTSSON (1990, p.203-213). VERSIANI (1994) e VERSIANI e VERGOLINO (2000) aplicam tal abordagem à experiência brasileira. Para uma crítica empírica e teórica à hipótese de Domar, ver PATTERSON (1977).

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elements of an agricultural structure relevant here- free land, free peasants, and non-

working landowners- any two elements but never three can exist simultaneously." 94

Entre buscar no Pampa a sobrevivência ou envolver-se no trabalho nas

charqueadas pelotenses, a escolha pela primeira opção é óbvia para o trabalhador livre,

o que impediria o surgimento de uma aristocracia rural. Contudo, uma vez que havia a

possibilidade institucional da utilização de escravos, as necessidades de mão-de-obra

foram supridas pelo tráfico negreiro, quer oriundo do Sudeste, quer vindo diretamente

da África (especialmente até 1850). Buscando a superação dos problemas

informacionais decorrentes da aplicação de trabalhadores não livres, criou-se um forte

esquema de monitoramento. A vigilância dos feitores era constante: "Uma charqueada

bem administrada é um estabelecimento penitenciário" (DREYS95, apud MAESTRI

FILHO, 1993, p.42).

Um sinal de que o modelo de Domar tem uma boa aderência ao caso da

escravidão campeira se mostra nas restrições efetivas ao acesso à terra e o declínio na

utilização dos escravos nos municípios da Campanha. O cercamento dos campos gerou

um aumento da oferta de trabalho (derivado da redução das terras disponíveis) e, ao

mesmo tempo, uma diminuição da demanda por trabalho (decorrente da maior

eficiência no uso da mão-de-obra), o que reduziu os salários dos trabalhadores

campeiros, tornando a escravidão redundante. Foi BELL (1998, p. 127), sem fazer

referência ao modelo de Domar, quem concluiu: "There is a close correspondence

between the adoption of wire fencing on a scale and the abolition of slavery in the

campanha counties."

94 O próprio DOMAR (1970) admite que tal idéia já havia sido formulada independentemente por outros cientistas sociais. CARDOSO (1977, p. 60) encontra essa hipótese em Marx.

95 DREYS, N. Noticia Descriptiva da Província do Rio Grade de São Pedro do Sul. Rio de Janeiro: J. Villeneuve e Comp., 1839.

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Robert FOGEL (1989, p. 34) acrescenta outra razão para a escravidão negra

nas Américas: os senhores almejavam impor um novo e elevado grau de disciplina

fabril. Apenas através da coerção física tal rigor poderia ser exercido. Por razões

culturais, os descendentes de europeus não eram submetidos às práticas violentas que

eram aceitáveis socialmente quando aplicadas aos trabalhadores negros. A ameaça

constante do feitor e as condições de trabalho nas charqueadas (chocantes aos olhos

dos observadores da época) literalmente expulsavam o trabalhador livre96. Os relatos

dos viajantes estrangeiros e as notícias da época mostram o quão insalubre era o

trabalho saladeiril. Escreve Herbert SMITH97, em 1882 (apud CARDOSO, 1977,

p.136):

Há um não sei o que de revoltante e ao mesmo tempo cativador nestes grandes matadouros; os trabalhadores negros, semi-nus, escorrendo sangue; os animais que lutam, os soalhos e sarjetas correndo rubros, os feitores estólidos, vigiando imóveis sessenta mortos por hora, os montes de carne fresca descorando, o vapor assobiado das caldeiras, a confusão, que entretanto é ordem: tudo isto combina-se para formar uma pintura tão peregrina e horrida quando pode caber a imaginação.

O ponto que chama a atenção é que, durante todo o século XIX, as

charqueadas escravistas gaúchas tiveram como adversários os saladeros que

utilizavam trabalhadores assalariados em terras uruguaias. O resultado dessa

competição foi influenciado pela conturbada conjuntura política da primeira metade do

século XIX. Os conflitos que levaram à independência do Uruguai (1828), à

Revolução Farroupilha (1835-1845) e ao tratado que pôs fim à Guerra Grande (1848-

1851) fizeram com que a liderança do setor oscilasse entre saladeros e charqueadores.

96 BAKOS (1982, p. 29) destaca a aversão que o trabalhador branco livre teria em labutar ao lado do negro cativo. Gonçalves Chaves apontava em 1833 que de acordo com a opinião da época trabalhar com um cativo tornava o indivíduo o �mais desgraçado de todos os homens� e que perde �a dignidade e o brio� (CHAVES, 1978, p.60). Esse fato deve ter contribuído para que não convivessem negros e brancos na mesma tarefa nas charqueadas.

97 SMITH, H. H. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1922.

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A bibliografia brasileira costuma referir que o setor saladeiril uruguaio

usufruía do fato de ter uma presença política no governo central que não tinha

correspondência no caso dos charqueadores98. Por terem um papel subsidiário na

economia do Segundo Império, a hegemonia desses se limitava apenas à província do

Rio Grande. Conflitos entre a elite local e a do centro do país em questões tributárias e

tarifárias foram freqüentes. Mesmo assim, não se pode dizer que tais segmentos foram

esquecidos pelo centro, uma vez que a proteção tarifária foi uma constante durante o

período.

Tais fatos tiveram importância nos destinos das charqueadas e saladeros,

porém o ponto aqui é identificar as diferenças estruturais entre os dois setores. Aponta-

se que o tasajo, sendo um produto final de melhor qualidade e custos menores,

desafiou a posição de Pelotas no mercado a partir de meados do século XIX. O fim do

tráfico negreiro transatlântico, em 1850, com a conseqüente elevação dos preços dos

escravos é visto como um fator que contribuiu para a crise das charqueadas pelotenses

a partir de 186099. Os 25% de taxa de importação sobre o charque importado e a

isenção de tarifas na importação de gado uruguaio eram considerados insuficientes

para proteger o setor.

De acordo com CARDOSO (1977), a ineficiência da produção gaúcha de

charque vis-à-vis a uruguaia decorria da própria escravidão. Em Pelotas, como o

controle do trabalho era feito através do número de animais e couros preparados por

cada escravo, havia limitações à divisão das tarefas. No Uruguai, por sua vez, ocorria

plena subdivisão das tarefas (CARDOSO, 1977, p. 186-205). Essa restrição resultaria

também em obstáculos à inovação tecnológica no processo de produtivo. Existiriam,

também, os problemas de incentivos ao trabalhador escravo: "O Escravo, diz hum

98 Ver PESAVENTO (1990, cap. II) e CARDOSO (1977, p. 155-170).

99 Na verdade, no Apêndice 1 argumenta-se que esse aumento dos preços dos escravos deve ser entendido no quadro mais amplo do boom exportador de café. A crise no charque seria, um sintoma de que a Dutch Disease atingiu o RS.

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Economista, consome o mais que póde, e trabalha o menos que pode- He esta huma

verdade que não precisa ser demonstrada: o Escravo que por modo algum pode esperar

prêmio do seu trabalho, interessa-se em consumir e em não trabalhar." (CHAVES,

1978, p. 60)100

Esses elementos, somados à necessidade de ocupar o escravo durante todo o

tempo em atividades supérfluas, mesmo que a charqueada fosse uma atividade

sazonal, levaram a que se formasse um �regime de desperdício� (CARDOSO, 1977, p.

175). Com base nos observadores da época (Gonçalves Chaves e Couty, entre outros),

que também percebiam a superioridade econômica do trabalho livre, Cardoso afirma

que a escravidão era incompatível com o desenvolvimento das charqueadas e que foi,

em última instância, a responsável pela sua prolongada decadência.

Uma questão se destaca: por que os charqueadores seguiram sendo

escravistas? Se havia os que na época percebiam a maior eficiência do trabalho livre,

por que, mesmo antes da Abolição, não adotá-lo? Mais intrigante ainda é notar que

Gonçalves Chaves, um influente charqueador que via trabalho cativo como um

obstáculo ao desenvolvimento, seguiu utilizando escravos até a sua morte em 1871

(MAESTRI FILHO, 1984, p. 90 e BELL, 1998, p.74)101. Às vésperas da Abolição, a

charqueada de Junius Brutus de Almeida, �um dos charqueadores mais capitalizados e

empreendedores entre seus pares�, tanto seguia utilizando trabalho cativo que teve que

enfrentar uma rebelião escrava (LONER, 2001, p. 71).

100 O economista citado por Chaves é Adam Smith: �The experience of all ages and nations, I

believe, demonstrates that the work done by slaves, though appears to cost only their maintenance, is in the end

the dearest of any. A person who can acquire no property can have no other interest but to eat as much, and to

labour as little as possible� (SMITH, 1776, p.389).

101 Os seus 48 escravos tiveram o valor estimado como levemente superior ao de sua charqueada. (BELL, 1998, p.74)

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Cardoso responde a esse enigma sustentando que os charqueadores estavam

imersos em uma Weltanschauung senhorial. Isso os fazia ver a escravidão, não como

um meio para obtenção dos lucros, mas como um fim em si:

... no sistema escravista, o interesse imediato está na organização e na controle da mão de obra como um verdadeiro faux frais da produção, isto é, não no sentido de aumentar a produtividade, mas no intuito e com o resultado de manter a autoridade no trabalho. (CARDOSO, 1977, p. 174)

Isso fez com que eles fossem incapazes de fazer a mudança das relações de

trabalho necessárias para a sobrevivência do setor frente à concorrência dos saladeros.

Na visão de Cardoso, portanto, haveria um componente irracional no comportamento

dos charqueadores, no sentido de que eles não estariam imbuídos da mentalidade

capitalista maximizadora (CARDOSO, 1977, p.170-186) - uma vez escravocratas,

sempre escravocratas.

Uma bibliografia mais recente revê criticamente a afirmação de que a

escravidão era intrinsecamente menos eficiente do que o trabalho livre. Segundo

CORSETTI (1983) e ASSUMPÇÃO (1995), as diferenças entre o custo do charque

uruguaio e gaúcho poderiam advir dos vastos diferenciais de produtividade da criação

do gado. Obtinha-se metade do peso de charque do gado criado em terras gaúchas em

relação às terras do Prata (MARQUES, 1992, p. 15). Tais autores também questionam

a idéia de que a escravidão é incompatível com o progresso técnico. CORSETTI102

(apud ASSUMPÇÃO, 1995, p. 124) menciona que, ao menos desde meados do século

XIX, houve a introdução de máquinas a vapor para a extração de gordura animal e

outros avanços tecnológicos foram usados com freqüência nas charqueadas pelotenses.

PESAVENTO (1980, p. 42) mostra as vantagens da atividade saladeiril uruguaia em

relação à pelotense no período da República Velha. A qualidade do gado, das

pastagens forrageiras, o menor preço do sal e a localização litorânea das charqueadas

102 CORSETTI, B. Estudo da charqueada escravista gaúcha no século XIX. Niterói- RJ, 1983. Dissertação (Mestrado em História) - Departamento de História, UFF.

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faziam o Uruguai um país �saladeiril por excelência� (PESAVENTO, 1980, p. 42). Ou

seja, as vantagens uruguaias persistiram mesmo quando já havia ocorrido a transição

para o trabalho livre nas terras gaúchas. Assim, a escravidão não pode ser totalmente

responsabilizada pela ineficiência das charqueadas em Pelotas e região.

Há que se contestar também a visão de não havia quaisquer incentivos

positivos ao aumento da produtividade dos escravos. O próprio COUTY103 (apud

CARDOSO, 1977, p.206) atesta que os charqueadores ofereciam recompensa

monetária para os escravos que superassem suas cotas produtivas diárias.104 Também é

interessante notar que fracassaram as tentativas de implantação de charqueadas

baseadas no trabalho assalariado. O francês J. B. Roux fracassou, em meados do

século XIX, ao instalar, em Pelotas, uma charqueada com o chamado �sistema

platino�, empregando trabalhadores livres bascos, uruguaios e argentinos (BELL,

1998, p. 233n)105.

No tocante à divisão do trabalho escravo, talvez ela tenha sido maior do que

apontavam alguns autores. GUTIERREZ (1999, p.180) apresenta um levantamento

feito a partir dos inventários de charqueadores pelotenses entre 1810 e 1887. Mostra-se

a ocorrência de escravos em dez diferentes tarefas diretamente ligadas ao processo de

produção do charque. Havia escravos em outras duas dezenas de atividades diferentes,

como de apoio ou em tarefas domésticas. Segundo a autora (1999, p. 182), na amostra

examinada, 53% dos escravos possuíam ofício específico.

103 COUTY, L. Le Maté et les Conserves de Viande, rapport à son excellence monsier lê Ministre de l'Agriculture et du Commerce sur sa mission dans les provinces du Paraná, Rio Grande et les Etat du Sud. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1880.

104 CARDOSO (1977, p. 206) faz referência a essa prática, contudo a trata como uma excrescência, uma anomalia do sistema escravista em crise. Não percebe ele que a concessão de incentivos aos escravos é freqüente ao longo da história.

105 Para CARDOSO (1977, p. 207), o fracasso do trabalho livre das charqueadas pelotenses, vem do fato de que os senhores de escravos seguiriam tratando seus funcionários como tratavam os escravos.

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O principal desconforto que se tem com visões como a de Cardoso é a sua

inconsistência. Os charqueadores estiveram sempre prontos a agir em favor de seus

lucros: pleitearam a defesa do charque nacional; solicitaram a redução dos impostos de

importação ao sal; e inovaram na organização (com referidos incentivos monetários

aos escravos) e nas técnicas de produção. Além disso, em um momento anterior, ao

aproveitarem a janela de oportunidade decorrente da desorganização da produção no

Prata, os charqueadores não estariam eles tendo um comportamento de

empreendedores capitalistas? Como conciliar a imagem de uma classe senhorial

irracionalmente apegada, por décadas, à escravidão com tais atuações? A hipótese de

Cardoso implica uma esquizofrenia dos charqueadores: de um lado, senhores que,

mesmo percebendo a superioridade do trabalho livre, seguem escravocratas; e de

outro, senhores que têm comportamentos análogos aos esperados de empresários106.

A questão da eficiência econômica da escravidão na charqueada é relevante

para os objetivos desse trabalho. Se a hipótese de Cardoso for correta, torna-se

possível aceitar explicações que atribuíam a decadência da Região Sul à aversão ao

risco da elite local, que seria dotada de racionalidade restrita (à moda de Simon), sendo

satisficers e não optimizers (BANDEIRA, 1994, p. 20). Assim, a escassez de espírito

empresarial na região teria restringido a renovação produtiva e levado à perda de

dinamismo no século XX. A semelhança dessa explicação com a de Cardoso a faz

suscetível à mesma crítica de inconsistência.

A questão da eficiência da escravidão gaúcha tem que ser apreciada

empiricamente de forma semelhante à feita por FOGEL e ENGERMAN (1974). Se for

constatado que o cerne da ineficiência estava localizado não no trabalho cativo, mas

nas diferenças nos preços de outros fatores, taxa de câmbio ou estrutura tributária entre

os países, não há qualquer enigma a ser resolvido. Quer dotados de racionalidade

instrumental, quer não, os charqueadores estavam tomando decisões eficientes de

106 Inclusive no comportamento rent-seeking.

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produção ao utilizarem escravos. Contudo, se for estimado que o trabalho livre

uruguaio era efetivamente mais rentável do que o escravo gaúcho, os esforços de

pesquisa deverão dirigir-se para desvendar as razões que levaram os senhores a não

venderem ou libertarem esses últimos. O alcance desse importante projeto de pesquisa

foge aos objetivos dessa tese. Não obstante é interessante reproduzir o que o

escravocrata Taunay escreveu, há 164 anos, em seu Manual do Agricultor Brasileiro

(TAUNAY, 2001): �Os pretos não se compram para se ter o gosto de os sustentar e de

os ver folgar, mas sim para tirar do seu trabalho os meios de subsistir e lucrar"

4.6. CONCLUSÃO

Em fins do século XIX, o problema não era propriamente de escassez de

capital social em geral na Região Sul do RS. A questão está nos tipos de capital social

abundantes e escassos. Mesmo após a Abolição, os negros ex-escravos e os seus

descendentes não tiveram acesso ao capital social bridging e muito menos ao linking.

Em uma sociedade de castas, no dizer de CARDOSO (1977, p. 300), e sem acesso aos

tomadores de decisão, eles tiveram que contar com o seu capital social bonding e nele

investir para que tivessem acesso ao mínimo de proteção social. Este tipo de capital,

em consonância com o que afirma a literatura, foi insuficiente para gerar as

conseqüências benéficas sobre o crescimento econômico a longo prazo.

O capital social bonding dos estratos superiores, portanto, teve um efeito

positivo para os seus membros, ao menos a curto prazo, porém suas conseqüências

sobre a região e o país são mais questionáveis. Na verdade, a ação das coalizões

distributivas não é independente da carência de capital social bridging e linking. Em

uma sociedade pouco cívica, na qual a população não participa da vida pública, a

eficiência do setor público é menor, sendo ele mais permeável às pressões dos grupos

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de interesse. 107 No próximo capítulo, mostra-se que essas tendências também se

evidenciaram durante a transição da charqueada para o frigorífico, na República

Velha.

107 Em trabalho anterior, buscou-se compatibilizar as visões de Putnam e de Olson no âmbito da análise regional (MONASTERIO, 1999).

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5. A CAMPANHA DURANTE A REPÚBLICA VELHA

5.1. INTRODUÇÃO

Por que a Campanha não foi capaz de fazer as transformações produtivas

necessárias para que mantivesse a sua dinâmica econômica no período republicano?

Não cabe aqui repassar toda a história da região ou mesmo do RS ao longo desse

período108. Igualmente, as determinantes externas, juntamente com as mudanças dentro

do estado, foram relevantes para a trajetória de desenvolvimento da região, contudo a

ênfase aqui recai sobre os fatores institucionais internos que a condicionaram.

A carência de informações quantitativas sobre esse período impossibilita a

aplicação dos mesmos métodos econométricos utilizados para se analisar o período

subseqüente que constam da próxima seção. Portanto outros procedimentos são

necessários. Considerando-se que o complexo charque-estância é a chave para se

entender os caminhos de desenvolvimento da região, suas mudanças e continuidades

serão aqui examinadas. BELL (1998) e PESAVENTO (1980) atentaram exatamente a

essa questão e constituem referências básicas dessa seção, apesar das diferenças

metodológicas e discordâncias com os seus enfoques109. Mais precisamente, para

melhor responder à pergunta inicial, examina-se a questão da modernização da região

como um estudo de caso à luz da teoria do capital social.

Durante a maior parte do período analisado, a política do RS foi dominada

pelo Partido Republicano Riograndense - PRR. Ao contrário de outros estados

brasileiros, contudo, tal partido enfrentou uma forte oposição. Duas vezes, em 1893 e

108 Referências mais gerais incluem: LOVE (1971), FONSECA (1983) e PESAVENTO (1986).

109 O primeiro autor considera que a região da Campanha seria periférica em relação ao Prata. A pesquisadora, por sua vez, atribui os problemas do setor charqueador na República Velha ao fato de este estar submetido aos interesses da oligarquia cafeicultora do Sudeste do país.

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116

1923, as desavenças degeneram em violência. Existe toda a polêmica acerca de que

grupos esse ou aquele partido representavam ou conseguiram cooptar. Igualmente, não

se pretende aqui voltar à discussão sobre as determinações políticas ou econômicas de

tais conflitos. KOONINGS (1994) resume o debate e considera que, como um todo, os

interesses de criadores de gado e de charqueadores da Campanha não foram

contemplados nem pelo governo estadual, nem pelo federal. De fato, tais setores não

foram tão contemplados pelo PRR quanto desejavam, e outras regiões receberam

benefícios desproporcionais. Por outro lado, não se pode dizer que eles foram

esquecidos. Satisfazer às suas demandas fazia parte do jogo político nos âmbitos

regional e federal e, conforme se argumenta a seguir, os incentivos para os setores

hegemônicos da Campanha condicionaram a trajetória de desenvolvimento da região

durante o período.

5.2. PANORAMA DA CAMPANHA

�Hegemônica, mas decadente� - assim FONSECA (1983, p. 26) definiu a

situação da Campanha no período da República Velha. Apesar de alguma

diversificação produtiva, a pecuária continuou sendo a atividade dinâmica da região. O

primeiro ponto consiste em identificar a permanência do papel destacado da pecuária

para a região e a relevância do charque, apesar de tudo.

Observando-se os dados da Tabela 5.1 percebe-se que, de fato, apesar de os

setores ligados à atividade pecuária ainda dominarem a pauta de exportações do

estado, sua participação tende a cair.

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117

TABELA 5.1 - PARTICIPAÇÃO (%) DOS PRINCIPAIS PRODUTOS NO VALOR TOTAL DAS EXPORTAÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL, SEGUNDO AS SOMAS DOS VALORES EM PERÍODOS SELECIONADOS 1889-1900/1919-1929

PRODUTOS 1889-1900 1919-1929

Produtos típicos da Campanha 46,5 37,2 Charque 25,9 19,1 Couros 18,7 10,1 Lã 1,9 4,2 Carnes Frigorificadas --- 3,8

Produtos típicos da Serra 31,0 31,6 Banha 11,3 15,6 Farinha de Mandioca 7,3 2,2 Feijão 7,6 3,8 Fumo 2,9 4,3 Outros 1,8 3,4 Vinho 0,1 2,5

Arroz --- 10,1 Total 77,6 78,9 TOTAL GERAL 100,0 100,0 FONTE: HERRLEIN JÚNIOR (2000, p. 6) com base em FONSECA (1983).

Contudo, observando-se o gráfico a seguir, nota-se que, a despeito dos

diversos focos de instabilidade (Revolução Federalista e fim da I Guerra Mundial), a

tendência é de aumento da produção, ao menos até o fim da República Velha.

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118

GRÁFICO 5.1 - EXPORTAÇÕES GAÚCHAS DE CHARQUE - 1793-1929

FONTES: HERLLEIN JÚNIOR (2000, p. 24); KOONINGS (1994, p. 194); CARDOSO (1977, p.73) e

PESAVENTO (1980, p. 37). NOTA: Médias móveis dos últimos quatro períodos.

Portanto há que se concordar quando HERRLEIN JÚNIOR (2000, p.7)

afirma: "A �estagnação� das charqueadas deve ser considerada em termos muito

relativos, no que concerne às exportações regionais, visto que, ao final do período, o

charque continuava sendo o principal produto exportado."

Ainda, conforme lembra FONSECA (1983, p. 59), houve um aumento da

produção voltada para o consumo dentro do estado. Entre 1907 e 1927, tal consumo

aumentou 67% em termos físicos, demonstrando a importância crescente da demanda

interna, à medida que a economia gaúcha se diversificava. Mesmo no âmbito nacional,

a importância do charque se mostra pelo Censo Industrial do Brasil realizado naquele

ano. Nele, as charqueadas gaúchas ocupavam as posições 8, 16, 20 entre os vinte

maiores estabelecimentos - por valor da produção (BELL, 1998, p. 147). E, conforme

aponta PESAVENTO (1980, p. 50), em 1907, dentre os maiores estabelecimentos

manufatureiros recenseados, cerca de 61,5 % do valor da produção gaúcha era gerada

nas charqueadas. Em suma, a queda na importância do charque na economia gaúcha

010000200003000040000500006000070000

80000

1806

1812

1818

1840

1846

1852

1858

1864

1890

1896

1902

1908

1914

1920

1926

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119

deve ser mais entendida como resultado da ascensão de outras atividades (e regiões)

do que como um retrocesso em termos absolutos da produção do setor.

Vale mencionar que as charqueadas citadas pelo Censo não se localizavam

nas tradicionais áreas charqueadoras mais próximas do litoral, e sim nas cidades de

Quaraí, Livramento e Bagé. Essa maior dispersão espacial deveu-se à implantação de

uma malha ferroviária no RS, que, apesar de pouco densa e problemática, fez com que

o charque não dependesse mais da via marítima para o seu transporte (BANDEIRA,

1994, e BELL, 1998). Os trilhos viabilizaram que o gado fosse trazido do norte do

Uruguai para terras gaúchas, carneado, e exportado pelo porto de Montevidéu.

De acordo com BELL (1998, p. 147), essas charqueadas instaladas durante a

República Velha já eram diferentes das pelotenses. Apresentavam uma organização

industrial e algumas possuíam unidades para o enlatamento de carnes e processamento

de outras partes do gado.

5.3. INCENTIVOS PARA AS CHARQUEADAS

E quais eram as razões desse investimento nas charqueadas? Afinal, com o

fim da escravidão (e, portanto, do principal mercado consumidor) e a permanente

competição do Prata, dever-se-ia esperar que o charque não-gaúcho não estivesse na

sua melhor fase. Contudo a produção de charque, mesmo sem muito vigor, crescia.

A resposta parece estar no grau de proteção das charqueadas gaúchas (BELL,

1998, p. 145). Conforme lembra FONSECA (1983, p. 19), desde o Império, o setor

charqueador já era protegido da competição do Prata. Especialmente após a Revolução

Federalista, as barreiras tarifárias contra o charque platino foram ampliadas no

seguinte ritmo:

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GRÁFICO 5.2 - TAXA DE IMPORTAÇÃO SOBRE O CHARQUE (EM RÉIS POR QUILO) - 1895-1906

FONTE: BARRÁN e NAHUM (1973, p. 53) de 1895 a 1904 e PESAVENTO (1980) para 1905 e 1906.

BARRÁN e NAHUM (1973, p.53-54) estimam que, considerando os preços

do charque, durante o período 1895 a 1899, as barreiras tarifárias equivaliam a uma

proteção de cerca de 13,6%; em 1904 esse valor elevou-se para 52%110. Esse aumento

da proteção alfandegária entre 1896-1906 se for considerado que no período houve

uma deflação de 22% (dados de custo de vida para o Rio de Janeiro)111. Barreiras não

tarifárias também ocorreram. Já em 1887, uma epidemia de cólera em Buenos Aires

foi o argumento para a suspensão de todas as importações de charque do Prata. Não

havia provas científicas de que a carne salgada seria um vetor de transmissão de tal

doença, porém o Uruguai foi atingido pela proibição, pois se dizia que era impossível

diferenciar a sua produção da vinda da Argentina. Em 1902, tentou-se novamente

impor bloqueios sanitários, mas os protestos uruguaios impediram a sua efetivação.

Outra forma de incentivo implícito foi a concessão de tarifas preferenciais, no mesmo

110 De acordo com esses autores (1977, p. 150), os aumentos de preço do tasajo, no começo do século XX, fizeram um deputado brasileiro bradar que tal produto se tornaria um bem de luxo como o presunto.

111 Valor calculado a partir dos índices de preços apresentados em LEFF (1997, p.245).

507090

110130150170190210

1895

1896

1897

1898

1899

1900

1901

1902

1903

1904

1905

1906

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121

ano, para o transporte de charque gaúcho nos barcos do Lloyd Brasileiro (BARRÁN;

NAHUM, 1971, p. 38).

Para os saladeiros uruguaios, tornava-se lucrativo instalar seus

estabelecimentos em terras rio-grandenses a fim de usufruir dessa proteção. Segundo

BELL (1998, p. 147), dez das onze charqueadas em operação na fronteira sul do

estado, em 1913, eram de propriedade de uruguaios. Em 1916, a redução da proteção

para 170 réis por quilo foi compensada pela isenção de taxação do sal importado pelas

charqueadas, isenção tributária sobre o charque. Alem disso, o Ministério da

Agricultura aceitou subsidiar o transporte de cabotagem e ferroviário do produto. Em

1922, um ano especialmente ruim para o setor, uma lei federal suspendeu

temporariamente a importação de charque (LOVE, 1971, p.178 e 197). Em meados do

mesmo ano, foi imposta uma restrição quantitativa da importação de charque

equivalente à média do triênio anterior.

Os anos 20 foram turbulentos para o charque, devido à redução da atividade

econômica no período posterior ao fim da I Guerra. Os charqueadores não ficaram

passivos a esses movimentos de mercado. �Organized better than they ever had ever

been before�, nas palavras de LOVE (1971, p. 222), aglutinados em torno da União

Saladeiril Rio Grandense, fundada em 1912, eles pressionaram o governo estadual

para que combatesse o contrabando de charque112. Nesse momento, já havia uma

produção de charque no Mato Grosso e uma pequena parte desse era enviada por

Montevidéu, buscando suas taxas portuárias mais baixas. O problema é que, através de

comprovantes falsificados, o charque uruguaio era exportado de Montevidéu como se

fosse produzido no Centro-oeste brasileiro. Para impedir essa prática, a exportação de

charque brasileiro através de portos estrangeiros foi banida em 1928. Obviamente, essa

112 PESAVENTO (1980) e KOONINGS (1994) destacam que as associações de charqueadores tiveram uma atuação mais defensiva, em busca de proteção governamental, do que os estancieiros que estariam também preocupados com a modernização do processamento de carne.

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122

medida só beneficiava os produtores gaúchos e indica a importância política desses

(LOVE, 1971, p. 223).

De acordo com KOONINGS (1994, p. 147), o Acordo de Pedras Altas, que

marcou a pacificação após a Revolta de 1923, deu inicio a um período no qual os

interesses dos setores charqueadores-estancieiros tiveram maior influência no governo

estadual. De fato, a criação do Banco do Rio Grande do Sul, em 1928, pode ser vista

como parte dos esforços do governo estadual em favorecer os charqueadores. Dois

terços de seu aporte inicial de capital adveio dos cofres estaduais e mais da metade dos

seus empréstimos foi destinada a charqueadores naquele mesmo ano (LOVE, 1971, p.

223; PESAVENTO, 1980, p. 268).

Apesar de todos esses incentivos e proteções, ao longo desse período era

claro que o charque já tinha exaurido seu fôlego para dinamizar a região e o estado.

Ademais, a mesma proteção tarifária que os protegia do charque do Prata tornava

rentável que novos empreendimentos em Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso também

disputassem esse mercado. Portanto, mesmo existindo elevadas tarifas de importação e

supondo que se pudesse combater todo o contrabando (uma impossibilidade quase

física), havia sempre o risco de a competição surgir de outros estados, mais próximos

dos mercados consumidores do centro do país. Em 1909, Álvaro Batista, secretário de

Fazenda, já alertava sobre o futuro do charque: "A nossa indústria mais rendosa, a que

produz mais para o Estado e para os particulares é a do charque: mas é certo que é

uma indústria transitória." (BATISTA113, apud FONSECA, 1983, p. 57; sem grifo

no original)

113 Relatório apresentado ao Sr. Dr. Presidente do Rio Grande do Sul pelo Secretário de Estado dos Negócios de Fazenda Álvaro Baptista. Porto Alegre, A Federação, 1909, v.1. p.66.

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123

5.4. DA CHARQUEADA PARA O FRIGORÍFICO

Desde 1860, blocos de gelo eram utilizados para transportar carne nos

Estados Unidos. Em 1876, o problema técnico do transporte de carnes frigorificadas

foi resolvido (PESAVENTO, 1980, p. 46); em 1883, o primeiro frigorífico é instalado

na Argentina e, vinte anos depois, as exportações de carne congelada desse país

superaram as de charque. No Uruguai, a mudança foi mais abrupta. O primeiro

frigorífico foi instalado em 1905; entre 1911 e 1914, a parcela do gado destinado ao

congelamento saltou de 4% para 62% (BARRÁN; NAHUM, 1977, p. 440).

A transformação necessária era clara: migrar da charqueada para o

frigorífico. Mas as dificuldades para fazer essa conversão pareciam intransponíveis.

Houve exportações experimentais de carne congelada de Pelotas para o Rio de Janeiro

em 1888; e, no ano seguinte, a imprensa pelotense registrou debates acerca do tema

entre os charqueadores (BELL, 1998, p. 149-150). Os argumentos dos mais céticos

apontavam para o problema do porto de Rio Grande, a baixa qualidade do gado

gaúcho, ou mesmo a falta de espírito empreendedor dos brasileiros.

Os autores concordam que diferenças técnicas, como infra-estrutura ou

mesmo qualidade do gado gaúcho, realmente eram problemas para o desenvolvimento

de frigoríficos na Campanha (BELL, 1998, p. 151; LOVE, 1971; PESAVENTO,

1980). Tentando evitar os riscos de submissão oligopsônio das grandes firmas

internacionais, os estancieiros buscaram a instalação de um frigorífico de capital

nacional. Desde 1915, houve debates sobre a melhor localização, e mais cinco anos se

passaram até que saísse o primeiro carregamento de carne congelada da Companhia

Frigorífica Rio Grande (PESAVENTO, 1980, p. 194; LOVE, 1971, p. 178). Sua

sobrevida foi curta: apenas um ano depois, foi vendido para capitais britânicos.

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O governo de Borges de Medeiros se mostrou propenso a incentivar a

modernização da indústria de carne114. Em 1912, o estado ofereceu 30 anos de isenção

fiscal para os frigoríficos nacionais que viessem a ser instalados. No ano seguinte esse

incentivo foi estendido aos capitais estrangeiros (KOONINGS, 1994, p. 177).

Finalmente, e orientadas pela favorável conjuntura do período de guerra, as grandes

empresas estrangeiras chegaram. Três das quatro grandes empresas mundiais do setor

(Armour, Wilson e Swift) responderam a esses incentivos e, em fins da década de

1910, estavam produzindo; as duas primeiras localizadas em Livramento e a última,

em Rio Grande.

Com o fim da I Guerra, contudo, a conjuntura internacional não era mais

favorável às exportações de carne congelada brasileira. Findo o conflito, terminam,

também, os preços elevados e a tolerância internacional com carnes de pior qualidade

(BELL, 1998, p. 152 e 153). Assim, os frigoríficos da Campanha rapidamente já

operavam com capacidade ociosa. Houve até mesmo �retrocesso� para a produção de

charque, conforme relata HERRLEIN JÚNIOR (2000, p.8):

Como a produção platina e de outros países apresentasse melhor rentabilidade, as empresas internacionais que controlavam o mercado mundial reduziram a produção gaúcha e converteram parte de sua capacidade instalada para a produção de charque.

A princípio, não chega a surpreender que os frigoríficos tenham chegado

primeiro ao Uruguai e à Argentina. Entretanto, causa admiração que os gaúchos

tenham sido ultrapassados por outras regiões do próprio Brasil, com condições naturais

não tão favoráveis para a criação de gado. Em 1915, foi feita a primeira exportação de

carne congelada brasileira: de Santos para a Europa (BELL, 1998, p. 152). Só em

1921, as exportações de carne congelada gaúcha superaram as paulistas, mas, ainda

nesse momento, eram inferiores às de charque. Em 1924, finalmente, as exportações

114 PESAVENTO (1980) e FONSECA (1983) destacam a importância do Positivismo para as decisões de política econômica do período. Eles próprios, todavia, notam as contradições entre os princípios dessa doutrina e as práticas dos governos do PRR.

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oriundas dos frigoríficos foram maiores do que as das charqueadas gaúchas. Essa

situação voltou a se reverter com a crise dos frigoríficos de 1926 que fez com que

todos, com exceção do Armour, paralisassem as suas atividades. No período 1925-

1926, as exportações gaúchas de carne congelada passaram de cerca de 19 para apenas

1,4 mil toneladas (PESAVENTO, 1980, p.239).

Em retrospecto, pode-se considerar que os esforço deliberado de Borges de

Medeiros para a modernização da Campanha através dos frigoríficos chegou tarde

demais. Quando a carne congelada gaúcha alcançou os mercados, eles já estavam

dominados pelos competidores e a situação após a I Guerra já não era mais tão

favorável.

5.5. CAPITAL SOCIAL E PROBLEMAS DA TRANSFORMAÇÃO

À luz do exposto nas duas seções anteriores, emerge uma conclusão: as

barreiras tarifárias ao charque e todas as benesses que o setor recebeu distorceram os

incentivos no sentido de manter ou mesmo atrair fatores produtivos para uma atividade

cuja superação tecnológica era patente. O fato de recém-instalados frigoríficos

estrangeiros terem se convertido à produção do charque durante a década de 20 indica

que não foram barreiras culturais, nem qualquer aversão à inovação que frearam a

modernização da pecuária. A instalação de charqueadas uruguaias ao longo da

fronteira sul também mostra o quanto os incentivos foram atraentes. Portanto, as

políticas estaduais e federais tomadas nesse período sinalizaram a viabilidade da

permanência da produção do charque.

Essas medidas de proteção ao charque tiveram suas razões de

implementação. E nisso o papel da elite política da Campanha não deve ser omitido.

Sendo um grupo ao redor da atividade charqueadora, ela agiu como elemento de

pressão em busca daquelas benesses. Seu capital social bonding utilizando suas

conexões com o Estado (linking), resultaram em políticas públicas a seu favor.

Obviamente, havia limites para as suas ações. No intricado jogo político da República

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Velha, os charqueadores gaúchos não eram o grupo hegemônico na esfera nacional e

tinham que enfrentar, no âmbito estadual, novos agentes políticos com interesses

distintos aos seus (ver FONSECA, 1983). Mesmo assim, conforme se mostrou acima,

não se pode dizer que eles foram negligenciados durante a República Velha. 115

O papel da União dos Criadores vale ser examinado com maior atenção.

Fundado em 1912, foi a primeira associação exclusivamente de estancieiros formada

na região.116 BELL (1988, p. 88 e 89) mesmo aceitando que se trata de um grupo de

lobby, percebe a importância da União como difusora de conhecimento técnico e

defensora da instalação dos frigoríficos através do periódico �A Estância� (1913-

1927). PESAVENTO (1980) enfatiza o papel modernizador dos criadores de gado,

mas, em outra ocasião, ela é mais crítica quanto ao papel dessa associação: "no

momento de crise, exigiram do estado um posicionamento de classe, ou seja, que o

governo fosse um governo dos pecuaristas e que os problemas da pecuária (...) fossem

atendidos com prioridade - e, por que não dizer, com exclusividade pelo governo"

(PESAVENTO, 1993, p.219). O exato papel dessa associação de estancieiros na

modernização da região tem que ser mais bem estudado. Junto a posturas

115 BARRÁN e NAHUM (1973, p.52) consideram que a proteção ao setor saladeiril nacional derivava da pressão externa. Para fazer frente aos pagamentos ao exterior, o governo central levava a utilizar as tarifas de importação como fonte de receita tributária. Como explicar, porém, a imposição de barreiras não-tarifárias ou outros incentivos federais? Em outro momento (BARRÁN; NAHUM, 1977, p. 148), os autores consideram que a elevação dos impostos era a solução para lidar com a questão fiscal da compra de excedentes do café (feita a partir de 1906).

116 BELL (1988, p. 88-89) analisou a distribuição geográfica da filiação dos membros da União dos Criadores. Ele identificou uma concentração de filiados em Porto Alegre e Pelotas, o que apenas mostra que diversos estancieiros moravam distantes de suas propriedades. Além disso, os níveis de filiação também eram altos nos municípios adjacentes a Quaraí e Dom Pedrito, municípios da Campanha. Contudo baixas taxas de filiação foram observadas em outros municípios onde a pecuária predominava. Segundo o autor, essas diferenças podem ser atribuídas ao esforço de indivíduos. Pesquisas posteriores talvez permitam compreender melhor essa, talvez aparente, ausência de padrão na distribuição espacial dos filiados de tal associação. Outro fato que chama atenção de BELL (1998, p. 85) é o caráter tardio da sua fundação; a associação surgiu décadas depois das suas equivalentes na Argentina e no Uruguai. Até o Paraguai teve sua associação rural formada nove anos antes da gaúcha.

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conservadoras e práticas de lobby, havia também impulsos modernizantes motivados

pela percepção da urgência das mudanças no campo. Em termos gerais, a autora

percebe que as organizações de criadores de gado pleitearam políticas defensivas, não

tão preocupadas com a modernização do setor, com ênfase crescente ao longo da

década de 20 (PESAVENTO, 1980).

BELL (1998, p. 150 e 151) e PESAVENTO (1980, p.110-115) relatam os

longos, e, muitas vezes, infrutíferos, debates da elite charqueadora sobre a viabilidade

dos frigoríficos. A discussão sobre a localização do sonhado frigorífico com capital

nacional, por exemplo, durou mais que a sua própria existência enquanto tal. Esse tipo

de defasagem remete àquelas sociedades semelhantes às retratadas no capítulo 3, nas

quais uma elite entrincheirada responde a choques adversos sem a agilidade

necessária.

Ainda, a permanência de incentivos ao charque, quando já se antevia sua

inviabilidade a longo prazo, postergou a realocação de fatores para os frigoríficos. O

capital social bonding e o linking que lhes renderam benefícios foram alguns dos

responsáveis pela lentidão da modernização. Ou, colocando em termos olsonianos, as

coalizões distributivas tiveram o seu efeito esperado: transferiram renda para o setor,

as custas da redução da flexibilidade da economia e da taxa de crescimento com um

todo.

Coalizões distributivas não necessitam da intervenção do Estado para adotar

políticas anticompetitivas, conforme já atestava OLSON (1982). PESAVENTO (1993,

p. 216) fornece pistas de que isso ocorreu quando afirma: "... os charqueadores, de um

modo geral, articularam-se sob a forma de convênios saladeiris, procurando obter o

maior preço pelo charque e o menor pelo gado."

A desigualdade da sociedade da Campanha, com um setor claramente

hegemônico e a pouca expressão dos segmentos intermediários restringiu, o

surgimento de outras alternativas produtivas para a região. Como BANDEIRA (1994,

p. 23) no Censo de 1907, Pelotas e Rio Grande juntas tinham aproximadamente o

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128

mesmo número de trabalhadores industriais (cerca de 5000) do que Porto Alegre.

Contudo o número médio de funcionários daquele eixo sul era 50% maior do que o da

capital do Estado. Mais ainda, o mesmo autor mostra que, enquanto 38 dos 47 dos

setores industriais classificados pelo Censo poderiam ser encontrados em Porto

Alegre, apenas 27 desses ramos existiam naquelas duas cidades da Campanha. Os

42,3% dos trabalhadores recenseados em Pelotas ocupados na charqueadas são um

indicador, não só da força do setor, como do pouco tônus dos outros 19 setores

localizados na cidade. Sendo um grupo relativamente influente e sem outros na região

que fizessem contraponto, era esperado que as políticas econômicas fossem viesadas

ao seu favor.

Outro fator relacionado com a forma como capital social se mostrava na

região se evidencia na pouca abertura da elite da época. Enquanto, em Montevidéu ou

Buenos Aires, estrangeiros do norte da Europa estavam presentes em todos os setores

da sociedade, o mesmo não ocorria na Campanha. O registro consular levantado por

BELL (1998, p. 253) indica que em 1891 havia 42 britânicos em Rio Grande e 2 em

Pelotas (ambos se identificaram como comerciantes). Após ocorreu uma maior entrada

de estrangeiros, mas que estavam ligados às obras de infra-estrutura em tais cidades e

não tanto de agentes envolvidos mais diretamente com o sistema produtivo regional. 117

Bem, mas qual é a importância desse fato? No Império, quando o mercado

consumidor típico do charque era o escravo do centro do Brasil, essas conexões não

eram tão importantes, uma vez que os gostos do consumidor final não tinham

importância e os mercados já estavam bem consolidados. No período da República

Velha, outras conexões eram necessárias se o objetivo fosse colocar os produtos

relacionados à pecuária nos mercados internacionais. Informações sobre os gostos e as

117 Com base nesses dados, Bell refuta a afirmação de RIDINGS (1994) de que os diretores do Centro Agricolo Industrial de Pelotas fossem estrangeiros. Sobre a presença inglesa no RS, ver MACEDO (1975).

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129

oportunidades eram bem mais disponíveis para os outros consumidores melhor

conectados com esses agentes do que para a Campanha.

Também no tocante à inovação técnica, parece que o extremo sul do Brasil

esteve a um passo atrás por não ter os laços que se apresentavam nos países vizinhos.

PESAVENTO (1980, p. 41) comenta a importância dos progressos técnicos trazidos

pela �penetração britânica no Rio da Prata�. De fato, a Inglaterra era não só o principal

mercado almejado, como era também uma fonte de inovações118. BELL (2000), na

verdade, mostra que, já em 1862, os relatórios do Clube Nacional, do Uruguai,

buscavam, nas figuras-chave da Inglaterra, o meio de viabilizar o objetivo, não

alcançado, de levar o tasajo para as mesas da classe operária inglesa:

Podemos hacer conspirar a nuestro objeto, ganándonos su cooperación, a hombres eminentes y a oradores escuchados por toda la Inglaterra, com son Cobden, Bright y otros que por um sentimiento humanitário y su patriotismo a la vez, (...) se encontrarán muy felices de que pngamos em sus manos los médios de salvar de la miséria a las clases pobres, procurándoles um alimento bueno y barato. (BARRÁN; NAHUM, 1971, p. 37)

Diversos membros do Clube Nacional eram anglo-uruguaios e,

provavelmente, esses vínculos comerciais/sociais foram fundamentais para o período

posterior (BELL, 2000). Enquanto que, na Campanha gaúcha, essas mesmas ligações

não se desenvolveram. BELL (1998, p. 181) acrescenta que o impulso modernizante

local teve que esperar pela formação da própria elite: �The stimulus of outsiders was

largely missing in the Campanha. There the modernizers emerged later and from local

ranks, linked with education�.

De fato, Joaquim de Francisco de Assis Brasil (1857-1938), filho de

estancieiros e diplomata, foi um dos mais ativos membros envolvidos na

transformação da Campanha119. Ele chegou a ser ministro da Agricultura do Governo

118 BELL (2000) destaca o incremento das concessões de patentes na Inglaterra relacionadas coma refrigeração de carne ainda no século XIX: de 11 registros (nos anos 1850), para 30 (anos 1860) e 56 entre (1870-74).

119 FONSECA (1983) apresenta e discute o pensamento de Assis Brasil no tocante à diversas questões do desenvolvimento da Campanha.

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130

Provisório Vargas, mas os resultados práticos das suas idéias sobre a transformação do

Pampa são questionáveis (BELL, 1998, p. 91). Mesmo os membros mais modernos da

coesa elite local, com ligações com o exterior, não as tinham com os setores

empreendedores que potencialmente poderiam catalisar a transformação da região. A

distância entre esses membros e as questões concretas se mostra no fato de que a

Sociedade Brasileira para a Animação da Agricultura, a qual teve Assis Brasil com um

dos fundadores, ter sido estabelecida em Paris (BELL, 1998, p. 91).

Também na zona rural, as barreiras à entrada de �forasteiros� se

apresentavam. BELL (1998, p. 163) sustenta que havia uma diferença entre os insiders

e os outsiders no tocante aos direitos de propriedade na Campanha. Aqueles já

inseridos no meio poderiam estar mais certos de que os seus direitos seriam garantidos,

já os agentes vindos de fora, na ausência de uma estrutura institucional que protegesse

seus direitos, estariam mais propensos a serem expropriados do seu gado ou mesmo de

sua terra. Colocando essa idéia em termos de capital social, a distinção relevante é

entre os que estão dentro ou fora dos grupos de estancieiros. Assim, nessa situação, as

conexões sociais de cada agente são importantes para assegurar seus direitos de

propriedade. Isso apenas corroborou a tendência de isolamento da região. De acordo

com BELL (1998, p. 162): "�the perceived deficiencies of legal guarantees regarding

property can only have heightened the wariness of outside groups and helped to

deflect the interest of important potential modernizers, including northwest European

minorities, away from the Campanha".

MACEDO (1975, p. 45) sustenta que os planos de colonização do Rio

Grande com 60.000 ingleses, em 1871, nunca saíram do papel. Como as terras já

haviam sido praticamente loteadas no início do século XIX, a grande parte dos

proprietários era formada pelos descendentes daqueles primeiros donos120. Essa

120 As exceções incluíam as propriedades de uruguaios ligados ao charque ao longo da fronteira sul gaúcha, que chegaram atraídos pelas proteções tarifárias (BELL, 1998, p. 187). Em 1920, chegava a 1300 o número de uruguaios proprietários de terras gaúchas.

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131

pequena abertura do Pampa também deve ter contribuído para que a inovação

tecnológica fosse lenta, mesmo nas fases mais iniciais do processo produtivo da

pecuária.

Ainda na questão fundiária, a concentração de propriedades mantinha-se

elevada. Conforme se verá na próxima seção, especialmente quando comparada com a

região da Serra, a estrutura de posse da terra no Pampa continuou sendo basicamente

latifundiária. Entretanto a divisão das terras decorrente das heranças fez com que o

tamanho das propriedades caísse, quando comparado com o observado em 1822, no

fim do sistema de sesmarias.

Para CHASTEEN (1991), essa redução do tamanho das propriedades não

resultou de uma democratização da região. Muito pelo contrário, levou a um aumento

das tensões no campo, o qual, pode-se acrescentar, teve seus efeitos sobre o capital

social na região. Uma estratégia para reduzir a pulverização das propriedades foi o

incentivo a matrimônios entre familiares. Tomando-se o caso da família de Antônio

Costa Pereira, dos 103 casamentos examinados, 30 se deram entre primos, primas, tios

e tias (CHASTEEN, 1991, p. 753). Essa endogamia deve ter contribuído para a

manutenção dos links bonding e para o fechamento da sociedade. Mesmo assim,

conflitos violentos intrafamiliares pela posse da terra não eram incomuns.

O incremento da oferta de trabalho fez com que crescessem os conflitos entre

trabalhadores e os proprietários de terra. Além disso, também surgiam, entre estes,

choques conforme os tamanhos das propriedades caíam e a delimitação mais precisa

de cada lote de terra se tornava mais relevante. Nas palavras de CHASTEEN (1991, p.

756): �As the scale of landholding declined, violent conflicts between estancieiros-

often related to each other by blood and marriage � made intraclass violence more

common as well.�

Chasteen afirma que o acúmulo de tensões entre os proprietários e o fim das

relações paternalísticas entre classes preparou um ambiente responsável por fazer da

Revolução de 1893 �the single bloodiest episode in Brazilian political history�

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132

(BARETTA121, apud CHASTEEN, 1991, p. 758). A marca que os latifúndios deixaram

na vida social da Campanha foi mais duradoura do que o mero tamanho das terras.

5.6. CONCLUSÃO

The various components of culture are in different degrees complementary to other factors of production. So it is possible for a particular component to lie dormant for decades, only to become a potent force when external circumstances are �right�. By the same token, this

same component could become ineffective, even dysfunctional, when circumstances change again. DASGUPTA (2002, p.20)

Estudos mais detalhados ainda são necessários para compreender todos os

empecilhos à modernização da Campanha. A avaliação mais precisa das ações e das

conseqüências das atividades dos grupos de interesse dos charqueadores durante a

República Velha carece de uma atenção maior. De qualquer forma, vale ousar algumas

conclusões e caminhos a seguir.

Obviamente, seria um erro atribuir toda a decadência da região da Campanha

apenas ao atraso com que se deu a transformação das charqueadas em frigoríficos. Mas

é do aproveitamento ou não desses momentos-chave, dessas janelas de oportunidade,

que a história regional se faz. Com algum pessimismo, pode-se supor que, se os

incentivos governamentais fossem na direção e nos momentos certos, mesmo assim os

frigoríficos da região nunca teriam a mesma força que tiveram os do Prata.

Tal perda de oportunidade não foi um fenômeno fortuito. As formas com que

o capital social local se mostrou na região àquela época condicionaram as

possibilidades de resposta e a forma com que se lidou com a(s) crise(s). A elite unida e

influente politicamente e sem segmentos médios de peso agindo como contraponto ou

intermediários, tomou iniciativas que a favoreceram imediatamente, mas frearam a

mudança. Além disso, pelo fato de ser uma elite relativamente fechada em si mesma,

121 BARETTA, S. R. D. Political violence and regime change: a study of the 1893 Civil War in Southern Brazil. Pittsburgh - EUA, 1985. Tese de Doutorado, University of Pittsburgh.

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133

quer no campo, quer na cidade, a inovação tecnológica foi inibida e faltaram os laços

mercantis que poderiam ter facilitado a introdução dos produtos da Campanha em

novos mercados. Em fases anteriores, esses links não foram entrave, porém fizeram

falta em um momento de mudança tecnológica.

A pesquisa mostrou, em algumas situações, a necessidade de se considerar os

padrões das relações entre os agentes e não tratar do capital social em geral. Na

questão do progresso tecnológico, por exemplo, para que as conexões sociais entre um

charqueador e um estrangeiro fossem uma via relevante para a transferência

tecnológica fazia diferença se aquele estava conectado com um aristocrata francês ou

um mercador inglês.

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134

6. TRAJETÓRIAS DE CRESCIMENTO REGIONAL DO RS NO SÉCULO

XX

Especialmente a partir da publicação dos trabalhos de BARRO e SALA-I-

MARTIN (1991, 1995), houve uma notável produção acadêmica sobre a questão do

crescimento econômico, a qual já está sendo incorporada aos livros didáticos de pós-

graduação e até graduação122. Seria redundante retomar tal debate teórico nesse espaço.

Em termos empíricos, a literatura acumulada sobre o tema também não é

menor, nem menos problemática. Como apontou DURLAUF (2000), ele próprio um

dos principais autores dessa linha de pesquisa, existem tantos problemas nos testes

econométricos que estes pouco contribuíram para a apreciação apropriada das questões

fundamentais das teorias do crescimento econômico. Todo o tipo de variável

explicativa já foi incluída nas chamadas Barro-regressions e, a despeito dos avanços

em métodos e na qualidade dos dados, não surgiu um consenso sobre qual teoria é a

mais adequada123.

Dessa maneira, a aplicação da literatura sobre convergência visa muito mais

a fornecer uma melhor compreensão do desenvolvimento regional do RS no século

XX do que propriamente avaliar as minúcias das diversas teorias de crescimento. No

mesmo sentido, tem-se consciência de que, apesar dos testes econométricos aqui feitos

terem amplo apoio na literatura, a adequação desses tem sido questionada.

A próxima seção volta-se para a convergência absoluta, isto é, quer se

averiguar, grosso modo, se as rendas per capita no RS tendem à equalização. Sendo

122 Ver PORTO JÚNIOR (1999) para uma aprofundada revisão da literatura e aplicações para a região Sul do Brasil.

123 Por outro lado, trabalhos menos sujeitos a criticas econométricas, como o de QUAH (1997), acabam por não responder a questões acerca das causas do crescimento (ou não) das economias.

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135

isso verdadeiro e a velocidade de convergência alta, a preocupação básica da

Economia Regional seria irrelevante, uma vez que as amplas discrepâncias regionais

desapareciam. Em seguida, os testes de convergência condicional indicam que não só a

desigualdade entre municípios do RS é espacialmente determinada, mas também que

suas caracterizações socioeconômicas, no século XIX, influenciaram os respectivos

desempenhos.

A falta de dados restringiu o alcance temporal dos testes; partindo de 1939,

alguns englobam o período que vai até 1980, outros vão até 1998. De qualquer forma,

supõe-se que as evidências obtidas para o período 1939-1980 são representativas da

dinâmica do século XX e que podem ser extrapoladas para o restante do período.

6.1. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA

6.1.1. β-convergência

O teste de β-convergência (absoluta) avalia se as regiões com menor renda

per capita inicial obtêm taxas de crescimento mais altas do que aquelas ricas no

começo do período. Seguindo a notação e os procedimentos de FUENTE (1996, p.

14), tem-se a seguinte forma funcional a ser testada:

∆yi,t= xi - βyi,t + εi,t ;

Onde:

yi,t= ln Qit/Qt , isto é, logaritmo da renda per capita da região i no período t

normalizada pela renda média estadual em t;

∆yi, t= yi, t+1 - yi, t;

εi,t= componente de erro;

xi= intercepto.

Preservadas as hipóteses subjacentes aos modelos de regressão, um valor

significativo e negativo de -β estimado indica um mecanismo de catching-up das

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136

economias mais pobres em relação às mais ricas. É necessário notar que tal fenômeno

só ocorreria plenamente se as economias envolvidas no teste fossem idênticas em

diversos aspectos econômicos (preferências, tecnologia, entre outras) e não-

econômicas (instituições políticas, por exemplo).

Nessas e nas outras regressões a seguir, utilizaram-se os procedimentos

padrão de mínimos quadrados do software E-Views 3.0 e correção de

heterocedasticidade pelo procedimento de White. Os dados são obtidos em ALONSO

et al. (1986) e a unidades de análise são as chamadas Áreas Estatisticamente

Comparáveis - AEC. Conforme mostra a Tabela 6.1, a hipótese de convergência

absoluta é não-falseada pelo teste, entre 1939 e 1980. A velocidade estimada de

convergência seria extremamente baixa, cerca de 1% ao ano. Isso significa que a meia-

vida, isto é, o tempo necessário para que a diferença entre as áreas pobres e ricas fosse

reduzida pela metade, seria de 69 anos124.

TABELA 6.1 - CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 1939/1980

ESPECIFICAÇÃO I II Método Cross-section Dados de Painel Constante -0,01542

(-1,911) -0,004

(-4,689) Coeficientes: Yt-1 -0,010

(-5,540) -0,023

(-8,778) R2 0,211 0,114 R2 ajustado 0,197 0,111

NOTA: Valores t entre parênteses. As tabelas seguintes seguem a mesma orientação.

Para os testes de convergência absoluta com dados de painel, impuseram-se

os mesmos coeficientes angulares e interceptos para todas as regiões. Nesse tipo de

regressão, utiliza-se toda a informação passível de ser obtida nos seis cortes temporais

124 Ver BARRO e SALA-I-MARTIN (1995, p. 37) para a maneira do cálculo da meia-vida a partir da estimativa de β.

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137

disponíveis (1939, 1949, 1959, 1970, 1975, 1980). Assim, as taxas de crescimento

anualizadas entre cada período foram regredidas sobre o nível inicial yt.125

Conforme indica a Tabela 6.1, a velocidade de convergência é próxima de

2% ao ano, o valor amiúde observado em testes análogos126. Mais uma vez, a meia-

vida continuaria longa: cerca de 35 anos para que as AEC vencessem metade da

distância em relação ao seu estado estacionário.

6.1.2. δ-convergência

Tem-se a chamada δ-convergência quando a dispersão das rendas per capita

tende a cair ao longo do tempo. No longo prazo, todas as unidades sob análise teriam a

mesma renda, salvo choques aleatórios. Veja-se como esse intuitivo conceito de

convergência se aplica à economia rio-grandense:

125 O baixo número de cortes temporais em relação ao de observações impõe que seja utilizado o procedimento de mínimos quadrados generalizado. A aplicação de mínimos quadrados ordinários resultaria em estimadores ineficientes. Maiores informações sobre dados de painel podem ser obtidos em HSIAO (1986). Para uma introdução ao uso de panel data nas análises regionais, ver ISARD (1997).

126 Ver FUENTE (1996, p. 42 e passim) para uma discussão sobre o significado e a validade das estimativas de β=0,02.

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138

GRÁFICO 6.1 - δ - CONVERGÊNCIA - VARIÂNCIA DA RENDA PER CAPITA - 1939-1998

FONTE: Autor com base em Alonso et al. (1986) e FEE (1998)

A reta do Gráfico 6.1 sugere que não há tendência de redução para dispersão

entre as rendas per capita no RS. Ao contrário, os dados mais recentes indicam uma

variância crescente nas rendas, ou seja, parece haver δ-divergência. Como

compatibilizar esse fato com a ocorrência de β-convergência?

Em termos intuitivos, parece que, se as AEC pobres crescem mais

rapidamente que as ricas, a dispersão deveria cair. Isso não é verdade. BARRO e

SALA-I-MARTIN (1995, p. 31-31) mostraram, em termos formais, que a

β-convergência não é condição necessária, nem suficiente para a ocorrência de

δ-convergência. A visão dos dados de forma mais desagregada permite ver melhor as

transformações ocorridas. A matriz a seguir mostra as migrações entre quartis das

AEC gaúchas entre 1939 e 1980:

0

0.06

0.12

0.18

1939 1949 1959 1969 1979 1989

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TABELA 6.2- MUDANÇAS ENTRE QUARTIS NO PERÍODO 1939/1980

I QUARTIL-80 II QUARTIL-80 III QUARTIL-80 IV QUARTIL-80 I QUARTIL- 39 7 4 2 1 II QUARTIL-39 5 5 3 2 III QUARTIL-39 2 5 3 5 IV QUARTIL-39 0 1 7 6

FONTE: Autor com base em Alonso et al. (1986).

De acordo com a tabela acima, das 15 AEC que ocupavam o II Quartil em

1939: apenas cinco nele se mantiveram; outras cinco caíram para o I Quartil, três

foram para o III Quartil e duas para o estrato de renda mais alto. As outras linhas

também sugerem que houve um intenso processo de mudança entre estratos: algumas

áreas pobres cresceram tão mais rápido que ultrapassaram as outrora ricas e passaram

a ocupar posições superiores. O grau de correlação de Spearman estatisticamente nulo

corrobora que não há correspondência entre os ranks de 1939 e 1980.

A hipótese de convergência absoluta, entendida rigorosamente, exige que as

economias tendam para um mesmo estado estacionário. No caso em questão, isso não

se verifica, haja vista a diversidade de trajetórias que as AEC seguiram. Apesar de os

sinais e valores esperados do estimadores indicarem convergência, a hipótese de

β-convergência absoluta é falseada. Ou seja, cada AEC ou, talvez, grupos de AEC,

estejam migrando para seus próprios estados estacionários.

6.2. TRAJETÓRIAS REGIONAIS

Com base em FONSECA (1983), classificou-se as AEC e municípios do RS

em quatro regiões: Campanha, Serra, Planalto e Áreas Mistas. O Anexo 1 contém o

mapa e a classificação das unidades analisadas. Como o objetivo é avaliar como a

formação socioeconômica das regiões gaúchas no século XIX influenciou o

crescimento no século seguinte, usou-se uma classificação voltada para o início da

República Velha. Se a regionalização fosse feita com base em critérios atuais de

desenvolvimento, as estimativas seriam redundantes, uma vez que as regiões presentes

costumam ser construídas com base em dimensões socioeconômicas correntes.

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140

6.2.1. Desvios das Médias Regionais

O gráfico 6.2 mostra a evolução dos desvios da renda per capita de cada

região em relação à média estadual127. Apesar de as observações mais recentes

indicarem alguma tendência à aproximação das rendas regionais da média, as

diferenças são marcantes. Em 1998, a região da Serra possuía uma renda 21% acima

da média, enquanto a Campanha estava 20% abaixo. A tendência que mais salta aos

olhos é a queda progressiva da renda relativa da Campanha: de segunda área mais rica

do estado, ela passa para a última posição, mesmo levando-se em conta a área Mista.

127 Por clareza, omitiram-se as observações referentes à área Mista. De qualquer forma, tais AEC permaneceram com a uma renda per capita por volta de 20% inferior à média estadual.

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141

GRÁFICO 6.2 - DESVIOS DA RENDA PER CAPITA REGIONAL EM RELAÇÃO À MÉDIA ESTADUAL - 1939-1999

FONTE: Elaborado pelo autor com base em Alonso et al. (1986), PNUD (1998) e FEE (1998).

6.2.2. Convergência Condicional para as AEC Gaúchas (1939-1980)

Na β-convergência condicional, os parâmetros distintos de cada economia

determinariam suas rendas próprias de steady-state. O teste dessa hipótese para o RS é

executado através da utilização de variáveis dummy por região e também com efeitos

fixos para cada AEC em dados de painel.

Mais uma vez, fez-se por bem utilizar, na regressão pooled, o procedimento

de GLS, devido ao pequeno número de cortes temporais, e a correção de

heterocedasticidade. Os resultados obtidos com as dummies regionais foram os

seguintes:

1939 1944 1949 1954 1959 1964 1969 1974 1979 1984 1989 1994 1999-40

-30

-20

-10

0

10

20

30

40

50

CampanhaPlanaltoSerra

Ano

Des

vios

%

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142

TABELA 6.3 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL - 1939/1980 ESPECIFICAÇÃO

i Ii Método Dados de Painel Dados de Painel Constante -0,017

(-6,449) -0,018

(-7,614) Coeficientes: Yt-1 -0,047

(-5,672) -0,048

(-6,780) CAMPANHA 0,011

(3,521) 0,012

(4,098) SERRA 0,023

(7,589) 0,023

(8,643) PLANALTO -0,006

(-1,086)

CAMPANHA* Yt-1 0,011 (1,111)

0,012 (1,451)

SERRA*Yt-1 0,022 (2,412)

0,027 (2,995)

PLANALTO*Yt-1 -0,015 (-1,047)

R2 0,218 0,217 R2 ajustado 0,199 0,203

Como se vê, as dummies referentes à região do Planalto foram não-

significativas. Omiti-las da regressão, isto é, equiparar tal região à Mista, faz com que

se tenha os resultados referentes à especificação II da Tabela 6.3. A mínima queda no

valor do R2 e o incremento no R2 ajustado indicam que é apropriada a retirada das

dummies referentes ao Planalto. Os demais estimadores se tornam significativos a

10%. Percebe-se um aumento no módulo de β estimado em relação ao obtido no testes

de convergência absoluta para todas as regiões, indicando que é apropriado não-

rejeitar a hipótese de convergência condicional. Seguindo o procedimento sugerido por

FUENTE (1996, p.15), é possível calcular o valor dos estados estacionários regionais:

Estado estacionário da região i = yi*= xi/βi

TABELA 6.4 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS REGIONAIS - 1939/1980

REGIÃO ESTADO ESTACIONÁRIO Planalto/Mista -0,372 Serra 0, 218 Campanha -0,178

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143

Como os yi* estão normalizados pela renda média, os valores negativos

significam níveis de renda abaixo da média. A disparidade dos valores yi* calculados

também leva à rejeição da hipótese de convergência absoluta, porque, caso houvesse

tal fenômeno, o valor de y* seria homogêneo e igual a 0. Os cálculos indicam que os

níveis de steady-state das rendas regionais em ordem crescente são: Planalto/Mista,

Campanha e Serra. Evidencia-se a decadência relativa da região da Campanha, pois, se

parte de uma renda 22% superior à média para uma renda de estado estacionário 18%

inferior.

Uma maneira mais informal de se perceber a dinâmica regional do período

consiste em examinar as taxas de crescimento entre 1939 e 1980 sem perder de vista a

região de cada AEC. Das 12 áreas com maior crescimento, nove pertencem da região

da Serra. O mesmo padrão ocorre, em sentido inverso em relação à Campanha: dentre

as 12 AEC de menor crescimento, nove fazem parte dessa região.

6.2.3. Efeitos Fixos por AEC (1939-1980)

As regressões pooled com efeitos fixos introduzem variáveis dummy para

capturar características das unidades observadas que estejam omitidas das regressões

(ver HSIAO, 1986, p.29-43). No caso presente, supõe-se que tais diferenças entre as

AEC gaúchas se mantêm ao longo do período analisado. Cria-se assim, uma dummy

para cada unidade examinada e estima-se o modelo, mais uma vez, utilizando GLS. Os

resultados constam da tabela seguinte.

Dois resultados chamam a atenção: a) a notável elevação da velocidade de

convergência para cerca de 12% ao ano; b) 40 estimadores de efeitos fixos são

estatisticamente significativos a 5%. Esse mesmo padrão de resultados foi obtido em

outros testes de convergência (FUENTE, 1996, p. 73 e 74).

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144

TABELA 6.5 - CONVERGÊNCIA β -CONDICIONAL � DADOS DE PAINEL COM EFEITOS FIXOS - 1939/1980 VARIÁVEL COEFICIENTE ESTATÍSTICA T PROB. VARIÁVEL COEFICIENTE ESTATÍSTICA T PROB.

Yt-1 -0,116426 -25,92105 0,0000 AEC 1 -0,020859 -4,045275 0,0001 AEC 30 -0,065989 -23,65195 0,0000AEC 2 -0,014299 -2,240452 0,0260 AEC 31 -0,079684 -5,915752 0,0000AEC 3 -0,028706 -7,386781 0,0000 AEC 32 -0,053912 -4,812932 0,0000AEC 4 -0,015760 -1,805702 0,0723 AEC 33 -0,040737 -5,097460 0,0000AEC 5 0,037381 5,756311 0,0000 AEC 34 0,007770 1,558671 0,1204AEC 6 -0,054144 -5,067087 0,0000 AEC 35 -0,005416 -1,196586 0,2327AEC 7 -0,039396 -6,491666 0,0000 AEC 36 -0,023468 -8,724922 0,0000AEC 8 -0,001606 -0,644890 0,5196 AEC 37 -0,034145 -21,69207 0,0000AEC 9 -0,021584 -0,693555 0,4887 AEC 38 -0,064191 -6,273685 0,0000AEC 10 0,045397 0,921059 0,3580 AEC 39 -0,009327 -8,510424 0,0000AEC 11 0,000288 0,012171 0,9903 AEC 40 0,017691 18,24850 0,0000AEC 12 -0,033738 -0,335715 0,7374 AEC 41 0,015347 0,952776 0,3417AEC 13 -0,002515 -0,182630 0,8552 AEC 42 -0,040606 -1,175166 0,2411AEC 14 0,007823 1,360404 0,1750 AEC 43 -0,078648 -5,743136 0,0000AEC 15 -0,053719 -13,58325 0,0000 AEC 44 -0,044854 -2,315892 0,0214AEC 16 -0,017534 -1,642248 0,1019 AEC 45 -0,057309 -4,714434 0,0000AEC 17 0,018031 3,566921 0,0004 AEC 46 -0,039935 -5,124220 0,0000AEC 18 0,013855 0,811742 0,4178 AEC 47 -0,033672 -1,204681 0,2296AEC 19 -0,023532 -1,215008 0,2256 AEC 48 -0,052643 -17,66932 0,0000AEC 20 -0,087913 -4,225389 0,0000 AEC 49 -0,028690 -3,921550 0,0001AEC 21 0,065175 10,23946 0,0000 AEC 50 -0,021448 -13,28183 0,0000AEC 22 -0,012662 -0,820117 0,4130 AEC 51 -0,039535 -12,87382 0,0000AEC 23 0,053596 6,253305 0,0000 AEC 52 -0,044595 -22,67762 0,0000AEC 24 -0,031638 -11,83909 0,0000 AEC 53 0,022618 13,44034 0,0000AEC 25 -0,026112 -5,752580 0,0000 AEC 54 -0,052117 -23,31897 0,0000AEC 26 0,030257 3,951115 0,0001 AEC 55 -0,029717 -23,82436 0,0000AEC 27 -0,050892 -15,84519 0,0000 AEC 56 0,005068 0,524402 0,6005AEC 28 -0,059785 -14,24916 0,0000 AEC 57 0,043155 14,44477 0,0000AEC 29 -0,024085 -3,605540 0,0004 AEC 58 -0,031503 -3,750684 0,0002Estatísticas Ponderadas R2 0,564 R2 Ajustado 0,455 Estatísticas não- ponderadas

R2 0,451 R2 Ajustado 0,313

O cálculo dos estados estacionários com base em tais efeitos fixos por AEC

permite perceber as diferenças regionais, uma vez que existem marcantes diferenças

entre as médias dos steady state regionais. De maneira semelhante, nos testes com

dummies regionais, tem-se o mesmo ordenamento crescente dos estados estacionários:

y*planalto< y*

campanha< y*serra.

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145

TABELA 6.6 - MÉDIA DOS ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES - 1939/1980

REGIÃO MÉDIA DOS Y*Campanha -0,21Planalto -0,35Serra -0,04

NOTA: Consideraram-se apenas as AEC com efeitos fixos significativos a 5%.

6.2.4. Convergência Condicional para Municípios Gaúchos (1970-1998)

Estão disponíveis dados municipais de renda e produto para o RS nos anos

de 1970, 1980, 1985, 1990, 1991, 1996 e 1998. Contudo o aumento do número de

municipalidades nesse período, passando de 231 para 467, dificulta a elaboração de

uma série longa na qual os limites geográficos sejam preservados. Note-se que não

basta reagregar os municípios emancipados, uma vez que vários tiveram mais de um

município �pai�. Assim, considerou-se toda a informação disponível, apesar da

possibilidade de estimativas viesadas que os novos municípios podem criar.128

Os procedimentos econométricos foram os mesmos utilizados no estudo do

crescimento das AEC gaúchas com dados de painel. A seguir, são apresentados os

resultados de convergência absoluta no período:

128 Tal viés surgirá se os municípios novos forem consistentemente mais ricos (ou mais pobres) do que os municípios que lhe deram origem.

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146

TABELA 6.7 - CONVERGÊNCIA β ABSOLUTA E CONDICIONAL COM DADOS DE PAINEL MUNICIPAIS - 1970/1998

ESPECIFICAÇÃO I II III IV Método Dados de Painel Dados de Painel Dados de Painel Dados de Painel Constante -0,041

(-24,898) -0,069

(-6,752) -0,069

(-58,951) -0,071

(-74,810) Coeficientes: Yt-1 -0,074

(-14,797) -0,154

(-5,127) -0,161

(-15,620) -0,120

(-29,489) CAMPANHA 0,046

(3,991) 0,046

(8,631) 0,048

(9,104) PLANALTO 0,004

(0,407)

SERRA 0,065 (6,007)

0,066 (16,913)

0,068 (17,754)

CAMPANHA* Yt-1 0,131 (3,650)

0,138 (6,130)

0,097 (4,874)

PLANALTO* Yt-1 0,053 (1,761)

0,054 (5,335)

SERRA*Yt-1 0,067 (1,949)

0,074 (3,647)

0,034 (1,927)

R2 0,081 0,242 0,249 0,295 R2 ajustado 0,080 0,239 0,246 0,293

Conforme mostra a tabela, apesar de significativo, o valor de β indica que a

velocidade de convergência ainda é baixa. Há o risco de que a omissão de variáveis

esteja viesando os testes. Para testar essa hipótese, incluiram-se dummies regionais,

construídas a partir da regionalização aplicada às AEC.

No modelo II da Tabela 6.7, a hipótese de convergência seguiu sendo válida

para todas as regiões. Porém a dummy associada ao intercepto dos municípios do

Planalto não se mostrou significativa. Ela foi excluída na especificação III. Houve um

incremento da velocidade de convergência e todos os estimadores se tornaram

significativos. Seguindo o procedimento executado com relação às AEC, retirou-se a

dummy de inclinação relacionada ao Planalto e os estimadores seguiram significativos

a 5%. Esse fatos sugerem que, também nesse período, processos de convergência

condicional são os que melhor descrevem o que ocorreu no RS. Com base nos

resultados do modelo IV, calcularam-se os estados estacionários estimados para cada

região. Novamente, o estado estacionário da região da Serra é o mais alto, mas nesse

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147

período a região da Campanha passa a ter o menor nível de steady-state das três

regiões.

TABELA 6.8 - ESTADOS ESTACIONÁRIOS DAS REGIÕES 1970/1998

REGIÃO Y* Planalto/Mista: -0,594 Serra -0,043 Campanha -1,008

Os testes aqui executados sugerem uma tendência de convergência

condicional no RS nos dois períodos analisados 1939-1980 e 1970-1998. A hipótese

de que as características regionais já presentes no século XIX foram relevantes para a

determinação dos steady-state das AEC e municípios foi não-falseada.

Em adição aos cuidados gerais com a validade dos resultados econométricos,

é necessário enfatizar que a emancipação dos municípios pode ter restringido o alcance

das presentes conclusões. Mesmo no tocante às AEC, algum viés pode existir em

decorrência das formas de agregação.

Uma vez que os testes indicam que o fato de uma AEC pertencer a uma das

regiões aqui delineadas é relevante para sua trajetória econômica, uma pergunta se

impõe: por que isso ocorre? Em outras palavras, quais são, afinal, as características

responsáveis pela decadência relativa da Campanha? A seguir, analisa-se a hipótese de

convergência condicional, substituindo as dummies regionais por variáveis

relacionadas com o capital social de cada região, de forma a identificar as forças que

sustentam a diversidade regional.

6.3. CONVERGÊNCIA CONDICIONAL E CAPITAL SOCIAL

Em 1939, além dos Censos e das informações sobre as AEC, têm-se também

os dados acerca de organização da sociedade que constam do Anuário Estatístico do

Rio Grande do Sul. É lícito notar, também, que, nesse momento, os perfis

socioeconômicos das regiões do RS já estavam bem delineados.

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148

Nessa seção, descrevem-se as regiões do RS com variáveis selecionadas

referentes às AEC em 1939. O intuito é ressaltar o grau das distâncias entre as AEC

com base na classificação regional elaborada no capítulo 4. Em seguida, as correlações

entre as principais variáveis são esboçadas para que se tenha melhor entendimento dos

dados em questão.

O problema de mensuração do capital social é um tema com o qual os

pesquisadores da área se debatem. Além das questões teóricas envolvidas, existem

persistentes dificuldades na disponibilidade de informações. Em trabalhos

cliométricos, obviamente, esses problemas são ainda mais sentidos. Dadas as

dificuldades de mensuração direta do capital social, buscou-se também variáveis que

representassem a estrutura socioeconômica das regiões. Isso se justifica porque,

conforme já foi exposto, tais aspectos condicionaram a acumulação dos diversos tipos

de capital social no RS.

6.3.1. Caracterização regional

Em 1939, a economia do RS era a terceira do país e, em termos per capita,

sua renda, quase o triplo da observada no Rio de Janeiro (AZZONI, 1997, p.380 e

384). Esses dados, contudo, encobrem contrastes regionais marcantes. A Tabela 6.9

mostra as diferenças entre as médias dos valores das AEC de acordo com as suas

regiões em 1939. Alguns pontos mais marcantes são:

i) A média das rendas per capita das AEC era maior para aquelas

pertencentes à região da Campanha.

ii) Existem diferenças de composição setorial da renda, mas essas não são

tão marcantes. Note-se a pequena participação do setor secundário na

região da Campanha (cerca de 6,9%) e a participação da indústria na

região da Serra (14,5%).

iii) As diferenças entre a estrutura fundiária e a forma de ocupação da terra

são bem mais amplas. Enquanto existem cerca de 2,7 cabeças de gado por

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149

habitante na Serra, na Campanha esse valor chega a 18,9. Do mesmo

modo, a média dos tamanhos dos estabelecimentos agropecuários da

Campanha, 283 hectares, contrasta com os 42,2 hectares médios da Serra.

Fica, assim, caracterizada a Campanha como uma região de criação

extensiva de gado.

Essas diferenças na forma de ocupação da terra refletem-se nas variações da

densidade demográfica pelas AEC gaúchas. Ela é oito vezes mais elevada na Serra do

que na Campanha. Apesar disso, a taxa de urbanização desta é, em média, mais

elevada do que naquela. Isso se explica porque, a despeito da elevada densidade

demográfica da Serra, sua população se encontrava basicamente na zona rural.

Os indicadores mostram que a Serra já estava à frente das outras regiões em

termos sociais. Entretanto, o que salta aos olhos é a mortalidade infantil na região da

Campanha: seus 17% de mortes de crianças com menos de um ano representavam o

dobro do observado na Serra e no Planalto.

TABELA 6.9 - CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS POR REGIÕES � 1939

CAMPANHA SERRA PLANALTO Renda per capita (Planalto= 100) 141,7 115,0 100Agricultura (%) 45,9 39,8 51,9Indústria (%) 7,0 14,5 12,1Comércio (%) 9,7 10,4 7,3Outros Serviços (%) 37,4 35,9 28,7Gado per capita 18,9 2,7 7,5Tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários 283,5 42,2 141,0Densidade demográfica (hab./km2) 7,8 61,9 8,5Taxa de urbanização (%) 34,0 18,8 14,1Alfabetização (%) 44,2 50,5 41,0Taxa de mortalidade infantil (%) 17,3 8,6 8,7FONTES: Ver Anexo 2 e 3. NOTAS: Dados trabalhados pelo autor.

Os valores referem-se a média das observações das AEC.

6.3.1.1. Organização Social e Participação Política

As primeiras linhas da tabela abaixo mostram a principais variáveis que

representam a organização social e a participação política por região do RS. No

tocante ao percentual da população que pertence a associações de classe, as AEC da

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150

Serra têm esse indicador como o mais elevado, sendo que, em seguida, vem as da

região da Campanha. Por outro lado, as AEC dessa última região têm, em média, um

maior número de trabalhadores sindicalizados per capita do que as demais.

A diferença regional mais marcante nesses indicadores de organização social

está associada às cooperativas. Tomando-se o número de cooperativas ou de

cooperativados por habitantes, os valores obtidos na Serra são significativamente

maiores que os do Planalto e, em especial, da Serra. Tais indicadores são mais de dez

vezes maiores na Serra do que na Campanha.

Os dados sobre comparecimento eleitoral mais próximos de 1940 que se têm

são os referentes à eleição de 1954. Como exercício exploratório, utilizaram-se esses

dados para tentar mensurar o grau de participação da população nos canais formais de

representação política. Nesse ponto, houve um padrão raro dentre as variáveis

examinadas: a liderança do comparecimento eleitoral foi obtida pelas AEC do

Planalto. A Campanha foi a região menos participativa.

TABELA 6.10 - ORGANIZAÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA - VALORES MÉDIOS DAS AEC POR

REGIÃO � 1939

CAMPANHA SERRA PLANALTO Membros de associações de classe (% da pop.) 0,016 0,020 0,011Trabalhadores sindicalizados (% da pop.) 0,771 0,635 0,253Cooperativas por mil habitantes 0,0096 0,1031 0,0487Número de cooperativados (% da pop.) 0,1124 1,6677 0,9534Comparecimento eleitoral (%) 62,3 67,8 71,2

FONTE: Ver Anexo 2. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

Os valores referem-se a média das observações das AEC.

6.3.1.2. Escravidão

Tal como está exposto no Anexo 2, as variáveis �Legado da Escravidão�

buscam estimar o efeito que o regime de trabalho cativo deixou na população.

Criaram-se dois indicadores: um inclui toda a escravidão e outro só considera a

escravidão não-doméstica. Em ambas proxies, a região do Planalto obteve valores

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151

inferiores aos da Serra. O fato mais relevante é que o �Legado da Escravidão� na

Campanha (22,9%) é o dobro do observado no Planalto (10,8%).

Além disso, calculou-se um índice de fracionamento de cor com base nos

dados de 1939129. Esse indicador é utilizado, com freqüência, em trabalhos que buscam

avaliar as conseqüências da fragmentação dos grupos sociais sobre as instituições e/ou

crescimento. Sua forma de cálculo também consta do Anexo 2. Nesse caso, tem-se que

a maior homogeneidade era a da população da Serra, e a menor, a da Campanha.

TABELA 6.11 - LEGADO DA ESCRAVIDÃO � 1939

CAMPANHA SERRA PLANALTO Legado da Escravidão (%) 22,9 14,0 10,8Legado da Escravidão � Não-Doméstica (%) 15,4 9,8 7,7Índice de Fracionamento Racial 0,311 0,126 0,214

FONTE: Ver Anexo 2. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

6.3.2. Correlações entre Variáveis Selecionadas

A Tabela 6.12 apresenta a matriz de correlação (Pearson) entre variáveis

selecionadas para o ano de 1939. Através dela, pode-se perceber algumas

características da estrutura de dados das AEC do RS. A saber:

i) As AEC nas quais a pecuária extensiva predomina registram baixo número

de cooperativas e comparecimento eleitoral, assim como altos legados da

escravidão, fracionamento racial e mortalidade infantil.

ii) As áreas com renda per capita mais alta tendem a possuir níveis mais

elevados de mortalidade infantil. Essa surpreendente correlação é

examinada com maior atenção no Apêndice 3. Essas mesmas áreas são as

que possuem maiores taxas de alfabetização e de membros de associações

de classe, mas não há relação com as variáveis referentes à organização

129 O conceito de cor está sendo utilizado aqui apenas porque foi significante para a sociedade brasileira da época. Sua inclusão no Censo de 1939 é um sinal desse fato.

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152

de cooperativas, comparecimento eleitoral, nem legado da escravidão.

iii) O legado da escravidão está positivamente correlacionado com a taxa de

mortalidade infantil, gado per capita e inversamente com a alfabetização

e comparecimento eleitoral. O índice de fracionamento racial guarda

relação semelhante com tais variáveis.

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154

6.4. INDICADORES DO CAPITAL SOCIAL

O propósito dessa seção é discutir como os indicadores sociais calculados

para as AEC do RS representam os tipos de capital social. Não se quer argumentar que

tais proxies sejam válidas em qualquer lugar ou momento histórico. A escolha dos

indicadores dependeu dos processos específicos da experiência de formação do RS e

não deve ser extrapoladas sem uma reflexão anterior.

No capítulo quatro, argumentou-se que a ocupação do Pampa gaúcho através

de latifúndios militarizados restringiu a formação de capital social. Dessa maneira, os

dois indicadores de ocupação da terra através da pecuária extensiva, gado per capita e

tamanho médio das propriedades, seriam inversamente correlacionados com o capital

social. Como se disse, os grandes vazios populacionais dificultam a formação de laços

pessoais necessários para a acumulação de capital social. Na falta de melhor indicador,

o tamanho médio das propriedades rurais sugere algo sobre a distribuição de renda

pela sociedade130. Os latifúndios da Campanha contrastam com a estrutura mais

horizontal e igualitária da formação da Serra. Note-se também que a correlação

negativa entre a variável �gado per capita� e o comparecimento eleitoral sugere que,

nas regiões criadoras de gado, não há estímulos à participação política e talvez tenha

erodido o capital social linking. Essa hipótese, contudo, necessita um exame mais

pormenorizado.

O número de cooperativados e de cooperativas per capita é o indicador mais

próximo do capital social pelos critérios de Putnam. Ao contrário das associações de

classe e dos sindicatos, que podem se assemelhar às coalizões distributivas de Olson,

130 O tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários, a rigor, não é um indicador de concentração da propriedade. Poder-se-ia utilizar o índice de Gini, mas mesmo esse indicador é capaz de gerar distorções. Se, por exemplo, houver apenas um proprietário rural em uma AEC o índice sugerirá que a propriedade é bem distribuída. Por outro lado, se todos os proprietários potenciais de terra em uma área forem considerados no cálculo, isto é, todos os seus moradores, o índice de Gini será próximo da unidade. FRANK (2001) chamou atenção para esse problema.

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as cooperativas, ao menos a priori, não têm esse tipo de atuação. No caso em questão,

à primeira vista, o maior problema com essa variável é que ela está capturando

também as diferenças regionais nas estruturas produtivas.131 Nas grandes propriedades

da Campanha, não existem razões para a formação de cooperativas, em contraste com

a região da Serra. De fato, conforme mostrou a Tabela 6.12, há uma correlação inversa

entre tais variáveis. Contudo uma regressão simples do número de cooperativas e de

cooperativados (ambas em termos per capita) sobre o tamanho médio das

propriedades mostra que apenas cerca de 20% e 10%, respectivamente, de suas

variações são explicadas pelas dimensões médias das terras. Logo, as diferenças entre

as densidades das cooperativas não podem ser totalmente atribuídas à estrutura

fundiária.

De acordo com o que se argumentou anteriormente, a variável referente ao

legado da escravidão funciona como um indicador inverso da disponibilidade de

capital social do tipo bridging. Áreas nas quais a escravidão teve relevância na sua

formação guardaram essa mácula e têm estruturas sociais mais rígidas. Obviamente, a

hipótese implícita é que essas características são preservadas ao longo do tempo.

6.5. CAPITAL SOCIAL E CRESCIMENTO ECONÔMICO: EVIDÊNCIAS

EMPÍRICAS

Na tradição das Barro-regressions, o teste do efeito de uma variável sobre o

crescimento se dá mediante a sua inclusão em um modelo no qual estão as variáveis de

controle para capital físico, trabalho e, por vezes, capital humano. Os testes empíricos

131 SILVA JÚNIOR (2001) criticou a utilização das cooperativas como proxy de capital social. Ele sustentou que as cooperativas do RS serviram aos propósitos de propaganda étnica e que, no final dos anos 30, nazistas e fascistas tentaram tomar o controle político de tais associações. Mesmo que, em certo momento, as associações tenham se orientado por ideologias antidemocráticas, nada impede que isso tenha mudado ao longo do tempo e que os benefícios do capital social surjam de qualquer forma. O levantamento de BRUSTEIN (1990) sobre a filiação ao partido fascista italiano, em 1922, mostra que as regiões com maiores taxas de filiação são aquelas que Putnam, 70 anos depois, celebrou como as mais cívicas do país.

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aqui conduzidos para a mensuração dos efeitos do capital social seguem outra

formulação na qual as variáveis explicativas são apenas a renda inicial e as proxies das

variáveis institucionais. Essa decisão se baseou em duas razões: i) não existem

estimativas, nem quaisquer proxies adequadas, sobre o estoque de capital físico no

período para as AEC; ii) a estimativa permite identificar os caminhos diretos e

indiretos através do quais o capital social influencia o crescimento da renda per capita.

Tal como já se mostrou, existem argumentos teóricos que associam o capital social à

acumulação dos outros fatores de produção e à produtividade total dos fatores. Os

estimadores associados ao capital social capturam, portanto, todos esses possíveis

mecanismos e a renda inicial controlam os efeitos de catching-up que, porventura,

ocorram.

Em termos teóricos mais precisos, utiliza-se o simples modelo de

convergência condicional abaixo, análogo ao de PUTNAM e HELLIWELL (1995)132:

ln(xi/xi,t-1) = σ (ln( γitx*/xi,t-1))+ δit .

Onde:

xit= renda per capita da região i no período t;

x*= renda per capita na região líder;

δit= taxa de crescimento da produtividade específica da região i no período t;

γit<1 indica que a convergência pode ser parcial, ou seja, a região não

alcança a renda per capita da região líder;

σ = velocidade de convergência

A estimativa econométrica desse modelo envolve a seguinte especificação:

ln(xi/xi,t-1) = a0 + a1 VarInst + a2 ln xi,t-1 + εi.

Onde:

a0, a1 e a2 - parâmetros a serem estimados;

a0= σ (ln (x*));

132 O modelo de WHITELEY (2000) não pode ser testado no presente caso, já que sua especificação exige informações sobre o investimento em capital físico.

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a1=σ (ln (γi)) + δI;

a2= -σ;

εi= erro assumido como normal e não correlacionado com a variável

institucional.

VariInst: variáveis institucionais.

Foram utilizadas as seguintes proxies para o capital social:

a) COOPCAP: número de cooperativas per capita em 1939;

b) LEGADO: legado da escravidão não-doméstica;

c) TAMAGRO: tamanho médio das propriedades agropecuárias em 1939.

Os detalhamentos destas variáveis constam do Anexos 2. A teoria sugere que

o crescimento econômico estará diretamente relacionado com a proxy COOPCAP e

inversamente com as variáveis LEGADO e TAMAGRO. Os resultados dos testes

econométricos constam da Tabela 6.13. Todos os indicadores têm os sinais esperados.

A menor significância é a do estimador relacionado com a variável LEGADO (Prob.=

0,1096). A forte correlação linear entre as três variáveis não recomenda que sejam

incluídas na mesma especificação, pois surgiria o problema de multicolinearidade.

Dessa forma, optou-se por aplicar a análise de componentes principais (ACP) para

criar um escore fatorial de tais proxies133. A taxa de crescimento da renda per capita

foi regredida sobre esse índice composto, com a renda per capita no início do período

como variável de controle.134

133 Para uma explicação sobre ACP, ver DUNTEMAN (1989). Informações teóricas sobre o procedimento e detalhes do caso presente constam do Apêndice 2.

134 Em termos regionais, apresentam-se os seguintes valores médios para esse escore fatorial: Campanha = 0, 813; Serra = -1, 030; Planalto = -0,361. Pela forma com que está construído o índice, valores negativos representam maiores valores de capital social.

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TABELA 6.13 - CONVERGÊNCIA CONDICIONAL COM VARIÁVEIS DE CAPITAL SOCIAL � 1939/1980

ESPECIFICAÇÃO I II III IV Constante 6,057

(7,917) -5,644

(-7,705) 5,665

(7,674) 5,390

(7,298) Coeficientes: Yt-1 -0,401

(-5,164) -0,372

(-5,008) -0,417

(-5,619) -0,379

(-5,080) Legado da escravidão- não-doméstica

-0,184 (-1,626)

Tamanho médio das propriedades rurais

-0,070 (-2,183)

Cooperativas per capita 2,142 (3,403)

Escore Fatorial -0,120 (-3,067)

R2 0,291 0,271 0,409 0,382 R2 Ajustado 0,265 0,244 0,388 0,359 Akaike Info Criterion 0,103 0,130 -0,08 -0,03

Os resultados corroboram a teoria do capital social, se for aceito que as

variáveis escolhidas efetivamente representam o capital social das AEC gaúchas. Vale

notar que foram feitos os mesmos testes excluindo da amostra as áreas Mistas e os

resultados foram semelhantes.

6.6. CONCLUSÃO

No período 1939-80, mostrou-se que variáveis que podem ser entendidas

como representativas dos estoques de capital social, ou de sua ausência, influenciaram

o desempenho econômico regional. A região da Campanha, com sua ocupação baseada

no trabalho escravo e uma estrutura latifundiária de posse da terra, não foi propícia

para acumulação do tipo de capital social mais favorável ao crescimento.

Uma hipótese auxiliar oculta na análise é de que o capital social não sofre

grandes variações ao longo do tempo. Essa suposição permite afirmar que as raízes do

atual atraso econômico da Região Sul estão no período pré-republicano. Na seção

seguinte, criam-se indicadores regionais de capital social contemporâneos para melhor

apreciar tal possibilidade.

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Um caminho de pesquisa promissor é seguir o levantamento histórico das

associações gaúchas. Pesquisas recentes, como as de SILVA JÚNIOR (1999a e

1999b), examinam os estatutos das entidades mutuais de acordo com os objetivos e

caráter (étnico, classista, ou etno-classista). A desagregação desses dados talvez

permita testes econométricos que distingam entre o capital bridging e bonding.

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160

7. CAPITAL SOCIAL NO RS EM FINS DO SÉCULO XX

7.1. INTRODUÇÃO

Uma hipótese subjacente aos trabalhos que examinam os efeitos do capital

social para o desenvolvimento regional é que essas características são duradouras.

Nessa seção, examina-se se essa hipótese se aplica no caso da Campanha. Além disso,

tenta-se estimar a relação entre capital social e a qualidade das gestões municipais.

Infelizmente, não existem os indicadores de participação social que poderiam

levar à construção de medidas ideais dos diversos tipos de capital social. Duas

pesquisas do IBGE poderiam, a princípio, ser o ponto de partida. Em 1988, houve um

suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) acerca de

�Participação Política-Social� e a uma Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (1996)

possuiu um bloco acerca de �Associativismo, representação de interesses e

intermediação política�. As respostas contidas nessas pesquisas poderiam levar à

construção de proxies regionais do capital social, salvo pelo fato de que só há a

distinção entre áreas metropolitanas e não-metropolitanas. Portanto essas pesquisas do

IBGE não têm utilidade para o trabalho presente.

Recentemente, a pesquisa de BANDEIRA et al. (2001) buscou averiguar a

distribuição do capital social através da aplicação de 1500 questionários em 50 cidades

do RS. A delimitação regional utilizada pelo estudo é semelhante, mas não idêntica, às

aqui apresentadas: as regiões Norte e Sul são análogas às intituladas Planalto e

Campanha, respectivamente. Já a região que aqui é chamada de Serra, no estudo de

Bandeira et al. foi dividida em Nordeste 1 (equivalente à zona metropolitana de Porto

Alegre) e Nordeste 2 (equivalente à zona colonial).

Em termos gerais, esses autores corroboram as hipóteses dessa tese. Não

cabe reproduzir todos os resultados desse relevante estudo. Suas conclusões são as

seguintes: a) as diferenças dentro da região Nordeste tornam inadequado considerar

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161

apenas três regiões no RS; b) as regiões com menos capital social são o Nordeste 1

(zona Metropolitana) e a Sul. As causas do menor estoque de capital social do Sul

apontadas pelos autores são as mesmas que foram aqui defendidas: escravidão e

concentração fundiária. Já a menor dotação de capital social de Porto Alegre e

arredores é atribuída à própria dinâmica atribulada da vida na metrópole.

Os autores não fazem a distinção explícita entre vínculos bonding, bridging e

linking. Uma de suas tabelas, porém, apresenta evidências que suportam as hipóteses

dessa tese. Percebe-se que a Região Sul alcança os valores mais altos de participação

do Estado em atividades nas quais os vínculos mais próximos são exercidos, como a

visita ou recepção de parentes e amigos em casa. Já os eventos que, por natureza,

envolvem laços mais amplos do que estreitos e fortes, o Sul se torna uma região menos

participativa.

TABELA 7.1 - PERCENTUAL DE ENTREVISTADOS QUE PRATICAM ATIVIDADES SOCIAIS PELO MENOS

UMA VEZ POR SEMANA, POR REGIÕES - 2001

ATIVIDADE NORDESTE 1 NORDESTE 2 NORTE SUL Reúnem Amigos em Casa 59,5 67,1 66,5 68,7 Visitam Parentes e Amigos 77,5 76,7 77,6 81,7 Saem com Colegas de Trabalho 38,4 57,5 47,8 36,3 Reúne-se com Membros de Mesma Igreja ou Religião

32,4 49,6 57,0 33,9

Passam Tempo com Amigos ou Outras Atividades Esportivas

38,0 44,6 43,6 32,3

Participam de Reuniões de Associação Voluntária

13,0 28,3 21,8 17,5

Vão a Festas em Clubes Sociais 31,3 53,3 43,5 35,6 FONTE: Bandeira et al. (2001, p. 48) NOTA: Sem grifo no original.

A regionalização dos autores tem sentido para estudos contemporâneos ou

preocupados com as políticas públicas. Porém, devido ao caráter do presente estudo,

mantém-se, nessa seção, o mesmo critério de delimitação regional, histórico, dos

capítulos anteriores. Essa coerência parece metodologicamente mais recomendável e,

de mais a mais, a Campanha, região-problema, manteve relativa homogeneidade.

Para examinar os aspectos sócio-institucionais dos municípios gaúchos em

períodos recentes, várias fontes de dados serão utilizadas. Buscaram-se diversas fontes

de dados para que o mosaico criado reflita, da forma mais fidedigna possível, tais

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dimensões. A análise será feita aqui em quatro partes. Em um primeiro momento, as

diferenças regionais entre os indicadores socioeconômicos são realçadas; em seguida

tem-se um indicador da qualidade das gestões municipais que destaca a questão da

participação; uma proxy de capital social municipal ocupa a terceira parte; e, por fim, a

correlação entre as variáveis é apresentada e discutida.

7.2. ASPECTOS SOCIAIS DAS REGIÕES DO RS

Entre 1939 e 1995, a Campanha teve uma queda no tamanho médio de suas

propriedades de cerca de 50%. Em termos absolutos, contudo, os 138 hectares médios

ainda destoam fortemente da região do Planalto, com 33,8, e, em especial, da Serra,

com 19,0 hectares médios.

A maior disponibilidade de dados possibilita revelar mais precisamente a

concentração de terras na região da Campanha. Rodolfo HOFFMANN (2001) calculou

diversos indicadores de concentração fundiária para São Paulo e para os estados da

Região Sul do Brasil.135 Tomando-se apenas a Campanha, percebe-se que o Índice de

Gini médio de suas microrregiões era de 0,78 e, na intitulada Litoral Lagunar (que

inclui Chuí, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, São Jose do Norte), esse valor chega

a 0,87, o maior do estado. Grosso modo, os 5% maiores proprietários têm 50% das

terras e os 50% menores possuem apenas 5% das áreas. Uma rápida inspeção da

Tabela 7.2 mostra como esses dados destoam das outras regiões.

135 O autor identifica também a correlação negativa entre concentração da propriedade fundiária e diversos indicadores de condições sociais. A razão subjacente, segundo HOFFMANN (2001, p. 9), decorre do fato das microrregiões mais desiguais terem induzido à formação de estruturas socioeconômicas que não privilegiaram a melhorias das condições de vida das suas populações.

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TABELA 7.2 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA POR MICROREGIÕES DO RS - 1995/96

REGIÃO/ MICRORREGIÃO

NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS

ÁREA TOTAL

(HA)

MÉDIA(HA)

ÍNDICE DE GINI

ÁREA OCUPADA 50% DAS

MENORES PROPRIEDADES

(%)

% ÁREA OCUPADA 5% DAS MAIORES

PROPRIEDADES

Campanha 62895 8739921 137 0,76 4,86 48,6Campanha Central 6286 1586680 252,4 0,76 3,5 43,7Campanha

Meridional 5017 1191476 237,5 0,77 3,2 44,2

Campanha Ocidental

10006 2748444 274,7 0,75 3,5 42,1

Jaguarão 2898 585951 202,2 0,76 4,6 46,5Litoral Lagunar 4897 563355 115 0,87 1,6 67,4Pelotas 20076 823096 41 0,68 11 52,7Serras de Sudeste 13715 1240919 90,5 0,72 6,6 43,8

Planalto 207255 7009137 33,82 0,59 13,7 37,2Carazinho 11896 422697 35,5 0,73 8,8 57,1Cerro Largo 11790 196034 16,6 0,52 16,5 29,7Cruz Alta 10093 730640 72,4 0,74 6,6 50,7Erechim 20599 478998 23,3 0,48 19,3 27,7

Frederico Westphalen

25438 420225 16,5 0,52 18,0 32,4

Guaporé 12687 291450 23 0,51 17,6 29,2Ijuí 13196 454623 34,5 0,66 10,4 46,5Não-Me-Toque 3688 122905 33,3 0,53 15,6 28,6Passo Fundo 17355 584174 33,7 0,62 12,5 41,6Sananduva 10494 263938 25,2 0,58 14,1 35,3Santa Rosa 18522 302834 16,3 0,46 20,4 23,5

Santo Ângelo 17065 955685 56 0,75 6,3 51,2Três Passos 22078 313581 14,2 0,48 19,3 25,4

Vacaria 12354 1471353 119,1 0,71 6,7 42,1Serra 88229 1618395 18,34 0,55 15,4 32,1

Caxias do Sul 16317 342891 21 0,5 17,7 27,5Gramado-Canela 7661 128640 16,8 0,52 16,6 28,4Lajeado-Estrela 22626 312010 13,8 0,49 17,8 25,1Montenegro 10185 136729 13,4 0,52 16,4 28,9 Porto Alegre 6112 272215 44,5 0,74 6,8 54,2Santa Cruz do Sul 25328 425910 16,8 0,51 17,3 28,4

Mistas 71004 4433434 62,44 0,74 6,8 53,0Cachoeira do Sul 10066 648088 64,4 0,81 3,7 58,8Camaquã 8302 459774 55,4 0,77 7,1 61,3Osório 11137 457917 41,1 0,79 5,2 61,5Restinga Seca 7205 239634 33,3 0,62 12 39,2Santa Maria 12346 1015630 82,3 0,75 6,2 51,4Santiago 7991 980511 122,7 0,75 5,5 46,4São Jerônimo 5108 332349 65,1 0,78 5,6 59,4

Soledade 8849 299531 33,8 0,69 9 45,9FONTE: Adaptado a partir de Hoffmann (2001) com base em dados do Censo de Agropecuário de 1995/96.

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Em termos de distribuição pessoal da renda, não se têm dados para o começo

do período para que se possa fazer uma comparação sobre sua evolução. De qualquer

forma, a índice médio de Theil (ponderado pelas populações de cada município) a

colocam com a mais desigual do Estado (0,62). Aliás, o ordenamento regional dos

indicadores de concentração de renda pessoal é o mesmo da concentração da

propriedade fundiária.

Outros indicadores listados na Tabela 7.3 permitem uma visão panorâmica

das diferenças regionais no RS da década de 1990. Os dados do PNUD (1998)

apontam que, em 1991, a renda per capita média da Campanha de 1,2 salário mínimo

era ainda superior à do Planalto. Os dados de PIB per capita fornecidos pela FEE

(1998) já mostram que a Campanha como região relativamente mais pobre do estado.

Obviamente a diferença de metodologia não permite comparações diretas. Em dois

indicadores de situação social, o Índice Social Municipal Ampliado de 1996 e a

parcela de população abaixo da linha de pobreza, a Campanha fica em posição

levemente superior ao Planalto. Há, contudo, um notável contraste entre ambas as

regiões e a Serra gaúcha.

Quanto à ocupação do solo, os dados da Campanha sugerem que não houve

mudança substancial. A urbanização da região continua sendo maior do que a média

do estado, mas a densidade demográfica continua bastante baixa com apenas 15

habitantes por km2. Isso sugere que a população está concentrada em núcleos urbanos

separados por vazios demográficos.

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TABELA 7.3 - INDICADORES ECONÔMICOS E DEMOGRÁFICOS POR REGIÕES DO RS - ANOS DIVERSOS REGIÃO DESIGUALDADE

(THEIL-L) 1991 RENDA

PER CAPITA 1991(1)

PIB PER

CAPITA 1998(1)

ISMA 1996

POBREZA 1991 (%)

DENSIDADE DEMOGRÁFICA

1998 (HAB./KM2)

TAXA DE URBANIZAÇÃO

1996 (%)

Campanha 0,623 80,9 78,9 0,482 44,2 15,0 82,9 Planalto 0,616 68,9 87,8 0,477 49,8 26,0 62,2 Serra 0,476 127,0 115,3 0,532 21,8 197,4 88,2 Mista 0,605 80,7 88,5 0,471 43,3 21,9 71,3 Total 0,549 100 100 0,504 34,7 36,4 79,4 FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor. (1) Média estadual = 100.

7.3. UM INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

Diversos indicadores que podem sugerir qualidade da administração pública

são examinados nesta seção. Primeiramente, as diferenças regionais são destacadas e,

uma vez examinadas as correlações entre as variáveis, tenta-se chegar em um

indicador composto através de análise fatorial.

O primeiro passo consiste em estudar as características das prefeituras.

Vários aspectos foram analisados. Em termos gerais, optou-se por trabalhar com

valores per capita. A razão é simples: prefeituras com pequenos contingentes

populacionais não necessitam de tantos serviços de maior complexidade. Portanto, se

fossem considerados os valores absolutos, estar-se-ia afirmando, implicitamente, que

prefeituras pequenas tem baixa qualidade. Na Tabela 7.4 estão os dados, já com as

diferenças regionais, acerca do grau de informatização dos serviços das prefeituras e a

parcela de funcionários públicos municipais com nível superior.

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TABELA 7.4 - INDICADORES DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL

VARIÁVEL CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL Informatização per capita 0,686 1,727 1,403 1,282 1,477Funcionários com Nível Superior/Total

0,146 0,116 0,112 0,127 0,120

FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

A Campanha têm o menor grau de informatização, mas um maior número de

funcionários com nível superior em suas prefeituras do que a média estadual. As

razões para essa aparente contradição serão discutidas mais a frente.

Outra dimensão que vale a pena abordar é a habilidade da administração

pública em criar leis, planos e códigos no âmbito municipal. A lista de leis

consideradas, bem como outros detalhes, constam do Anexo 4. Igualmente, é

interessante considerar o quão permeável à sociedade civil são os órgãos das

prefeituras. Para medir esse aspecto, optou-se por avaliar o número total de conselhos

e levar em conta a sua situação: se são paritários, se estão apenas regulamentados ou se

já foram instalados e se seu poder é deliberativos ou consultivos.

TABELA 7.5 - PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E OUTROS

INDICADORES. (EM TERMOS PER CAPITA) CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL

Leis e Planos 0,623 1,363 1,085 1,052 1,174Conselhos 0,497 1,122 0,808 0,817 0,936Conselhos Paritários 0,319 0,822 0,560 0,556 0,666Conselhos Instalados 0,392 0,826 0,585 0,587 0,686Poder dos Conselhos 0,567 1,032 0,756 0,758 0,875FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

Como mostra a tabela, a região da Campanha teve menos leis, menos

conselhos em todos os seus aspectos e também menos consórcios intermunicipais. O

Planalto consistentemente ocupou a primeira posição na região.

No tocante à eficiência fiscal, os dados indicam que os municípios da

Campanha, mais uma vez, estiveram em última posição136. Em termos de despesa com

136 Ver PONTUAL (1999) para a definição de eficiência fiscal e a sua estimação para os municípios do RS.

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167

Saúde e Educação per capita, o mesmo padrão se repetiu, sendo que a Serra despendeu

mais recursos em ensino por habitante do que as outras regiões. Ainda no que se refere

à Educação, a relação professor/aluno matriculado foi mais baixa na Campanha e a

evasão escolar foi levemente maior nessa região. Certamente, outros fatores, fora da

alçada da administração municipal, influenciam essas variáreis, mas, mesmo assim,

elas oferecem alguma idéia sobre a importância que é dada à Educação.

TABELA 7.6 - INDICADORES DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO

CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL Eficiência Tributária 40,4 65,8 53,2 56,1 58,9Gasto Educacional por Habitante 0,092 0,108 0,112 0,108 0,108Gasto em Saúde por Habitante 0,031 0,053 0,045 0,045 0,048Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental

0,072 0,088 0,075 0,080 0,082

Taxa de Permanência na Escolas Municipais

94,8 97,3 97,6 96,6 97,0

FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

O principal resultado é que as gestões dos municípios da Campanha são

pouco informatizadas, ineficientes na arrecadação de impostos, com gastos sociais por

habitante abaixo da média, e a sociedade é pouco representada através de conselhos.

A tabela de correlação abaixo permite observar que todas as variáveis

anteriormente citadas (com exceção da taxa de funcionários graduados) têm correlação

positiva e significativa a, pelo menos, 5%. Ou seja, os municípios mais abertos tendem

a ter gestões modernas e a gastar mais nas suas funções sociais.

Incluiu-se o PIB per capita na tabela de correlações para evidenciar que não

são os municípios mais ricos os melhor dotados das características tratadas acima.

Apenas o gasto em Educação está significativamente correlacionado com tal variável.

Também causa surpresa inicial o fato de a taxa de funcionários com nível superior ser

inversamente correlacionada com as outras variáveis. Ou seja, as prefeituras com

funcionários, a princípio, mais qualificados seriam também mais fechadas e menos

informatizadas. Uma possibilidade é que se tratem de administrações municipais nas

quais a elite local se encastelou e não de um indicador de profissionalização da carreira

Page 183: CAPITAL SOCIAL E A REGIˆO SUL DO RIO GRANDE DO SUL · Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em especial

168

de servidor. Serão necessários, contudo, outros estudos para verificar a

verossimilhança dessa última afirmação.

A partir desse conjunto de variáveis, aplicou-se a técnica de análise de

componentes principais. Os resultados estão abaixo:

TABELA 7.7 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADORES DE QUALIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL VARIÁVEIS COMPONENTE 1 COMPONENTE 2

Conselhos por mil habitante 0,933 0,238Conselhos Instalados por Habitante 0,888 0,203Eficiência Tributária 0,877 0,288Informatização per capita 0,844 0,298Conselhos Paritários por Habitante 0,833 0,152Poder dos Conselhos per capita 0,776 0,147Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental 0,629 -0,079Gasto em Saúde por Habitante 0,278 0,692Funcionários com Nível Superior/Total -0,366 0,656Gasto Educacional por Habitante 0,478 0,504Taxa de Permanência nas Escolas Municipais 0,213 0,485FONTE: Ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

Utilizando os mesmos procedimentos de análise de componentes principais

do capítulo anterior, chegou-se a dois fatores. A carga fatorial do primeiro componente

absorve mais de 50% da variação e contém as variáveis relacionadas ao grau de

participação da sociedade na administração, à utilização da informática, eficiência

tributária e à relação professor-aluno nas escolas municipais. Já o segundo fator

representa as variáveis relacionadas com o gasto em atividades sociais por habitantes,

a titulação dos funcionários e a taxa de permanência dos alunos no Ensino

Fundamental.

Seguindo a idéia de avaliar as diferenças inter-regionais, criaram-se escores

fatoriais a partir dos dois componentes principais extraídos e suas médias foram

calculadas. Como se pode ver na Tabela 7.8, o Planalto e a Serra demonstram médias

mais altas para os escores fatoriais 1 e 2, respectivamente. Já a Campanha aparece com

valores mais baixos nos dois indicadores de qualidade da administração pública

estimados.

Page 184: CAPITAL SOCIAL E A REGIˆO SUL DO RIO GRANDE DO SUL · Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em especial

169

TABELA 7.8 - ESCORES FATORIAS- INDICADOR DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL POR REGIÃO

REGIÃO ESCORE FATORIAL 1 ESCORE FATORIAL 2

Campanha -0,680 -0,605Planalto 0,336 0,053Serra -0,332 0,120Mista -0,250 0,010

7.4. UM INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL

Não há dados sobre filiação a associações ou sobre o uso do tempo dos

cidadãos. Isso faz com que os números de estabelecimentos ou de empregados de

associações sejam adotados como uma forma de estimativa do capital social local. A

idéia subjacente é que há correlação positiva entre esses indicadores e as práticas

associativas efetivas dos gaúchos. A existência de um número ótimo de membros faria

com que novas entidades surgissem em ambientes mais associativos. Obviamente, os

riscos de se adotar essa suposição são vários. Por se tratar de apenas alguns tipos de

organizações e de empregos formais, outras espécies de associações informais estão

excluídas. Outro problema é que talvez um grande número de associações signifique

uma sociedade mais fracionada. Tal como foi argumentado anteriormente, a

segregação pode resultar em número maior de grupos, porém menos abrangentes. Por

exemplo, pode ser que a existência de múltiplos Centros de Tradições Gaúchas - CTG-

ou associações em um município signifique que cada um desses atenda a apenas

segmento restrito da sociedade.

Evidência subjetiva sugere que os CTG têm papel importante de socialização

no RS137. Autores mais críticos, como Tau GOLIN (1987) identificam os CTG e todo o

movimento tradicionalista gaúcho como reflexo da estrutura concentrada da terra.

137 Relatos informais sugerem que dentro do estado os CTG são bastante abertos a qualquer indivíduo, basta que ele se identifique com a cultura tradicionalista. Já fora do RS parece que o papel dos CTG é o de aproximar os emigrantes oriundos do estado. Em termos de capital social, parece que os CTG dentro do estado comporiam capital social bridging enquanto, em outras localidades teriam papel bonding.

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170

Seria, portanto, uma ideologia de dominação, uma glorificação do latifúndio. Se isso

for verdade, haverá uma correlação espacial entre o número de CTG e as regiões com

grandes proprietários.

TABELA 7.9 - INDICADORES DE ATIVIDADES ASSOCIATIVAS E CÍVICAS

VARIÁVEL CAMPANHA PLANALTO SERRA MISTA TOTAL CTG 0,233 ,266 0,125 0,302 0,235Jornais 0,384 1,068 0,900 0,776 0,915Votos na Legenda 1998 8,714 5,719 7,727 6,998 6,702Votos na Legenda 2000 8,985 7,200 7,129 7,614 7,411Trabalhadores De cooperativas Crédito 0,045 0,304 0,138 0,101 0,204Cooperativas Crédito 0,003 0,012 0,003 0,008 0,008Trabalhadores De associações Patronais 0,087 0,038 0,032 0,050 0,043Associações Patronais 0,026 0,026 0,011 0,015 0,021Trabalhadores Associações Profissionais 0,043 0,039 0,018 0,015 0,030Associações Profissionais 0,014 0,010 0,008 0,008 0,009Trabalhadores de Sindicatos 0,484 0,360 0,507 0,212 0,380Sindicatos 0,091 0,153 0,140 0,100 0,135Trabalhadores Associações Religiosas 0,106 0,273 0,414 0,203 0,281Associações Religiosas 0,060 0,125 0,168 0,102 0,126Trabalhadores Associações Políticas 0,011 0,002 0,003 0,032 0,008Associações Políticas 0,014 0,006 0,003 0,015 0,008Trabalhadores Outras Associações 1,192 0,991 1,194 0,911 1,044Outras Associações 0,245 0,251 0,267 0,195 0,244RICE -0,024 0,006 0,008 -0,016 0,000Idade 96,6 31,1 40,0 43,3 41,2FONTE: ver Anexo 4. NOTA: Dados trabalhados pelo autor.

As diferenças no associativismo não são tão claras quanto se esperaria

inicialmente. A Campanha possui indicadores mais baixos do que a média estadual nos

seguintes tipos de associações: Cooperativas de Crédito e Associações Religiosas. Já

em relação a Associações Profissionais e Patronais, os valores observados na

Campanha são os mais elevados do Estado. Quanto aos Sindicatos, a região apresenta

os valores reduzidos no tocante ao número de entidades, mas em termos de

trabalhadores empregados nessa atividade seus valores são superiores aos observados

no Planalto.

Quanto ao número de CTG per capita há uma grande diferença entre os

valores observados na Serra (0,125 centros por mil habitantes) para o Planalto e a

Campanha (0,266 e 0,233 por mil habitantes, respectivamente). Talvez o número

dessas organizações seja influenciado pela cultura local associada aos símbolos

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171

característicos do tradicionalismo gaúcho. O fato de Ivoti ser o maior município em

população do estado sem CTG derivaria da sua origem em uma colônia de imigrantes

e de estar localizado em uma das micro-regiões (Gramado-Canela) com menor

concentração de terras.

No que se refere ao número de jornais publicados, existe uma diferença

nítida entre a Campanha, com cerca de 0,4 títulos por mil habitantes, e o Planalto e a

Serra, 1,1 e 0,9 títulos, respectivamente. Os dados de Barra Funda (80 jornais), Araricá

(292) e Butiá (480), pequenos municípios do estado, parecem descabidos e sugerem

erros. Por essa razão, foram excluídos da amostra.

Em PUTNAM e HELLIWELL (1995), a fração de votos em legendas

partidárias é considerada com uma proxy de virtudes cívicas, pois indicaria que

questões políticas amplas, e não meramente pessoais, orientariam as eleições. Os

dados mostram que a Campanha é a região com a maior parcela de votos em legendas

partidárias. Mas não será que tal indicador representa exatamente o oposto? Os votos

em indivíduos, se por um lado podem indicar relações personalistas, podem sinalizar

uma maior consciência regional. Lembrando que não existem partidos com identidade

regional no RS, o voto em candidatos representaria que os eleitores buscam ver

interesses próprios de suas vizinhanças representados. Evidências na tabela de

correlação apresentada a seguir corroboram essa intuição.

O índice de eficiência relativa de conversão da renda (Relative Income

Conversion Efficiency - RICE) sugere o quão capaz uma sociedade é em transformar a

renda de seus cidadãos em bem-estar. Os detalhes para o cálculo do RICE constam do

Apêndice 3. Nessa variável, a inferioridade da Campanha diante das outras regiões é

evidente.

Vale a pena realçar alguns resultados contidos na tabela de correlação:

i) Os votos em legenda acham-se inversamente correlacionados com o

número de jornais por município. Isso pode corroborar a idéia de que os

municípios com leitores melhor informados tendem a votar em candidatos

Page 187: CAPITAL SOCIAL E A REGIˆO SUL DO RIO GRANDE DO SUL · Ao Prof. Pedro Bandeira. Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em Os seus estudos sobre o Rio Grande do Sul, em especial

172

identificados com os interesses locais. Chama também a atenção que

municípios mais antigos tenham uma fração maior de votos em legenda

do que os mais novos. Isso pode estar relacionado com as lideranças

locais envolvidas em processos de emancipação.

ii) Existem diversas correlações positivas entre os números de trabalhadores

e de associações e sindicatos listados na Relação Anual de Informações

Sociais - RAIS. Mesmo assim, apesar de não haver qualquer correlação

negativa significativa, não se pode afirmar que todos os indicadores

estejam apontando na mesma direção.

iii) Curiosamente, o número de jornais está inversamente associado a

diversos tipos de associações, com exceção do número de sindicatos e de

associações religiosas.

iv) A RICE está positivamente correlacionada com o número de jornais,

associações patronais e religiosas, sindicatos e outras.

A análise de componentes principais permite ver o quão complexa é a

medição do capital social. Se todas as variáveis representassem o mesmo aspecto, um

componente principal conteria a maior parte da variação dos dados. Isso, contudo, não

acontece.

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Votos Legenda (%) - 2000

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Trabalhadores de Assoc. Prof. ProfissionaisAssociações Profissionais

Trabalhadores de Sindicatos

Sindicatos

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ReligiosasAssociações Religiosas

Trabalhadores de Assoc. Políticas

Associações Políticas

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174

Exercícios exploratórios levaram à exclusão das variáveis associadas aos

votos em legenda, porque, de outra forma, o número de componentes obtidos

dificultaria a sua interpretação. Também a consideração de ambos os aspectos de cada

variável oriunda da RAIS, o número de entidades e trabalhadores em atividades

associativas, levaria a um número excessivo de componentes (pelo critério de Kaiser).

Optou-se por incluir apenas o número entidades per capita em cada município.

Os resultados abaixo mostram a existência de quatro componentes.

TABELA 7.11 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (I)

COMPONENTE1 COMPONENTE 2 COMPONENTE 3 COMPONENTE4 Jornais 0,762 -0,243 -0,142 -0,076Sindicatos 0,714 -0,093 -0,128 -0,006Associações Religiosas 0,698 0,196 0,212 0,099Associações Profissionais -0,093 0,739 0,009 -0,165Associações Políticas 0,001 0,648 -0,035 0,204CTG 0,284 -0,271 -0,660 0,224Cooperativas Crédito -0,041 -0,265 0,571 0,085RICE 0,430 0,075 0,559 0,183Associações Patronais 0,001 0,031 0,041 0,944

O primeiro componente reúne as variáveis Jornais, Associações Religiosas e

Sindicatos, sugerindo que as três dimensões estão associadas. Dessas, as duas

primeiras podem ser interpretadas como indicadores de capital social. Uma maior

presença de jornais apontaria virtudes cívicas e as associações religiosas podem ser

entendidas como capital social. Os sindicatos talvez tenham as características de

grupos de busca da renda, isto é, coalizões distributivas olsonianas.

O segundo componente engloba as Associações Profissionais e as Políticas.

Nesse caso, parece difícil classificar esses tipos de instituições. Organizações

profissionais podem ser o típico caso de grupo orientado para a busca da renda, mas as

associações políticas não devem ser, a priori, classificadas.

O número de CTG (com sinal negativo), Cooperativas de Crédito e o RICE

formam o terceiro componente. Esse é o que mais se aproximaria, ao menos a

princípio, de uma proxy de capital social. O sinal invertido do número de CTG pode

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175

ser explicado pelos motivos supracitados, isto é, pode representar estruturas mais

concentradas de posse da terra. Finalmente o quarto componente inclui apenas as

Associações Patronais, as quais podem ser entendidas como uma coalizão distributiva

olsoniana.

Para avaliar as diferenças regionais nesses quatro componentes, foram

calculadas as médias regionais. Os resultados constam da tabela que se segue:

TABELA 7.12 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (I)

REGIÃO ESCORE CAPSOC1_1

ESCORE CAPSOC2_1

ESCORE CAPSOC3_1

ESCORE CAPSOC4_1

Campanha -0,807 0,264 -0,392 -0,034Planalto 0,242 -0,088 0,057 0,127Serra 0,049 0,083 0,314 -0,260Mista -0,343 -0,006 -0,413 0,020

Atentando-se apenas à Campanha, percebe-se que ela obteve os menores

escores nos componentes 1 e 3, exatamente aqueles que sugerem os menores estoques

de capital social. O fato de a região ter apresentado o escore mais elevado no

componente 2 é de difícil análise. Conforme se disse, por representar as Associações

Profissionais e Políticas, organizações de caráter distinto, não é evidente o seu

significado.

Haja vista essas ambigüidades no caráter das associações, repetiu-se a

análise de componentes principais, mas agora considerando apenas os dois tipos que

estão mais distantes das coalizões distributivas: as Cooperativas de Crédito e as

Entidades Religiosas. Os resultados são os seguintes:

TABELA 7.13 - MATRIZ DE COMPONENTES ROTACIONADOS - INDICADOR DE CAPITAL SOCIAL (II)

COMPONENTE 1 COMPONENTE 2 Associações Religiosas 0,760 -0,095Jornais 0,748 0,397RICE 0,590 -0,467CTG 0,184 0,808Cooperativas Crédito 0,089 -0,388

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O primeiro componente engloba as três primeiras variáveis e pode ser

considerado uma proxy adequada do capital social. Já o segundo apresenta a maior

carga positiva no número de CTG e pesos negativos nas variáveis com sinais

�desejáveis�. Mais uma vez, seguindo o procedimento de cálculo das médias regionais,

chega-se ao seguinte resultado:

TABELA 7.14 - ESCORES FATORIAIS- INDICADOR CAPITAL SOCIAL POR REGIÃO (II) REGIÃO ESCORE CAPSOC1_2 ESCORE CAPSOC2_2Campanha -0,896 0,128Planalto 0,269 0,049Serra 0,087 -0,380Mista -0,430 0,342

A Campanha tem os valores mais baixos no escore fatorial 1 e o maior,

dentre as três regiões típicas, no escore 2. Ou seja, nas duas dimensões em que se tenta

mensurar o capital social, a região esteve nos extremos que mostram a sua carência.

7.5. CAPITAL SOCIAL E QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO

Para testar a hipótese de que Capital Social e Qualidade Administrativa são

aliados, o passo final desse estudo consiste em verificar se há correlação entre os

indicadores aqui calculados. O procedimento é o mais simples possível: testar a

correlação serial entre os escores fatoriais de cada dimensão.

Conforme foi dito anteriormente, no primeiro procedimento de cálculo dos

escores fatoriais, considerou-se que as variáveis Escore CapSoc 1_1 e Escore CapSoc

3_1 eram as que melhor caracterizavam o capital social. Portanto é de se esperar que

seja positiva sua correlação com as variáveis relativas a qualidade administrativa. Os

resultados encontram-se listados a seguir:

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TABELA 7.15 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO E DO CAPITAL SOCIAL (I)

ESCORE ADM1 ESCORE ADM2Escore CapSoc 1_1 0,583 0,289Escore CapSoc 2_1 -0,213 0,040Escore CapSoc 3_1 -0,112 0,220Escore CapSoc 4_1 -0,073 0,030

NOTA: Correlações significativas a 1% em negrito e itálico.

Como se pode perceber, a correlação tem o sinal esperado e é

estatisticamente significativa em 3 dos 4 valores de interesse. Apenas a relação entre o

escore calculado a partir do terceiro componente de capital social e o primeiro relativo

à Administração apresenta o sinal oposto ao esperado, mas, de qualquer forma, não é

significativo.

Deve-se lembrar que, no segundo procedimento para o cálculo de escores

fatoriais do capital social, obteve-se que valores mais elevados da variável Escore

CapSoc 2_2 refletem sua escassez. Logo é negativo o sinal esperado de sua relação

com os escores de administração pública. A tabela abaixo mostra que isso não se

verificou em um dos casos, a saber, sua correlação com Escore ADM1. Nas demais, os

sinais e significâncias estatísticas estão de acordo com o que a teoria sugere: unidades

com mais capital social tendem a ter melhores administrações municipais.

TABELA 7.16 - CORRELAÇÕES ENTRE OS ESCORES FATORIAIS DA QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO E

DO CAPITAL SOCIAL (II) ESCORE ADM1 ESCORE ADM2Escore CapSoc1_2 0,519 0,349Escore CapSoc 2_2 0,289 -0,137NOTA: Correlações significativas a 1% em negrito e itálico. Correlações significativas a 5% apenas em negrito.

7.6. CONCLUSÃO

Nesse capítulo, ficaram claras as dificuldades de mensuração do capital

social. Não só há o problema da obtenção dos dados básicos, como também existe a

questão da sua interpretação. É arriscado afirmar, sem estudos de caso, que um certo

tipo de associação tem caráter bonding ou bridging ou se é um grupo à moda de

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Putnam ou uma coalizão distributiva. As informações quantitativas não falam por si e

outras fontes são necessárias para se compreenderem os dados disponíveis.

Os simples procedimentos estatísticos aplicados, em um balanço geral,

apóiam as hipóteses dessa tese. A Campanha continua sendo uma região desigual,

apresentando índices mais baixos de capital social e qualidade da gestão pública. A

análise das correlações entre esses tais indicadores apenas parcialmente corroborou a

teoria, uma vez que houve o registro de alguns sinais opostos aos previstos.

Em mais de um século, novas realidades se formaram dentro das regiões

gaúchas. Portanto é de se esperar que muitas das heterogeneidades intra-regionais

tenham sido descartadas. Mesmo assim, optou-se por manter a mesma classificação

para seguir o fio condutor da tese. Foge do tema da presente tese, mas é fato

surpreendente que o Planalto apresente os maiores valores do RS em alguns dos

indicadores �desejáveis�. Talvez o fato de boa parte de seus municípios terem sido

ocupados e criados em um período relativamente recente tenha gerado novas formas

de socialização e administração ainda não examinadas.

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8. CONCLUSÃO

É tempo de irmos acabando gradualmente até os últimos vestígios da escravidão sobre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes. É da maior necessidade ir acabando

tanta heterogeneidade física e civil; cuidemos pois, desde já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em amalgamar tantos metais diversos para que saia

um Todo homogêneo e compacto, que não se esfarele ao pequeno toque de qualquer nova convulsão política.

José Bonifácio (apud PRADO JÚNIOR, 1945, p. 145)

Pela forma como foi organizada esta tese, as principais conclusões de cada

seção foram distribuídas ao final dos capítulos. Apesar disso, vale retomar os pontos

principais para que haja uma visão de conjunto das informações. Ao longo desse

trabalho, sustentou-se que a carência das modalidades bridging e linking de capital

social na região da Campanha do RS, derivada de sua formação socioeconômica,

conduziu ao seu atraso relativo. Argumentou-se que as características específicas da

região- militarização, escravidão e alta concentração de terras- forjaram um sociedade

não-propícia ao surgimento de relações sociais que poderiam contribuir para o seu

desempenho econômico a longo prazo. Relacionou-se, em seguida, empecilhos à

modernização econômica da Campanha durante a República Velha com a questão do

capital social.

Para o período a partir de 1940, os resultados econométricos sugeriram que o

fato de um território pertencer a uma das três regiões típicas do Estado influiu nas suas

trajetórias econômicas a longo prazo. Essas, por sua vez, se mostraram relacionadas

com indicadores que, conforme se argumentou, refletem estruturas sociais com

diferentes estoques de capital sociais. Em termos gerais, identificou-se que as

desigualdades regionais, inclusive em termos de capital social, persistiram ao tempo.

Finalmente, em períodos recentes, notou-se correlação positiva entre os índices

municipais de qualidade da administração e de capital social (especialmente bridging e

linking).

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É difícil resistir a tentação de inferir sugestões gerais de política. Mas se as

teorias sobre as origens e as conseqüências dos diversos tipos de capital social estão

apenas começando a ser entendidas, como arriscar formas de intervenção? E, mesmo

que essas fossem totalmente compreendidas em teoria, ainda restaria a tarefa de

entender os aspectos específicos da sociedade do Sul do RS.

Isso não significa, contudo, que a abordagem do capital social seja inútil para

questões de política; ela ainda pode se tornar, tal como aconteceu em outros lugares do

mundo, um ponto de partida, um guia, para intervenções bem-sucedidas. Igualmente,

ela pode mostrar o que não deve ser feito, isto é, alertar para os riscos de que certas

políticas contribuem para a destruição do capital social e conseqüente piora das

condições de vida dos cidadãos.

Já em termos teóricos, é fácil ser otimista quanto ao futuro da pesquisa sobre

capital social. Tudo o que já foi produzido na área e seus desenvolvimentos recentes

evidenciam e ampliam seu alcance explicativo. Mais ainda, por propiciar o diálogo de

linhas teóricas diversas, pode-se esperar dessa abordagem uma constante renovação.

Como a própria teoria do capital social sugere, uma maior abertura e interação dos

grupos de pesquisa tenderá a gerar melhores resultados do que se estivessem isolados.

Oxalá o conceito de capital social não se transforme em um patrimônio exclusivo dos

economistas ou de outra área qualquer das ciências sociais. Em termos ideais, ele

continuará a ser uma forma de superar as barreiras disciplinares, um ponto de encontro

de pesquisadores, não na busca vã de uma teoria social unificada, mas como lócus de

aprendizado mútuo. O estudo de questões empíricas relevantes é uma das formas de

contribuir com esse diálogo interdisciplinar e, ao mesmo tempo, com a disseminação

da teoria do capital social. O presente trabalho pretendeu agir nesse sentido.

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APÊNDICE 1 - DUTCH DISEASE NO RS DO SÉCULO XIX:

OBSERVAÇÕES PRELIMINARES

LEFF (1997) atribuiu a decadência do Nordeste na segunda metade do

século XIX ao boom exportador de café. Ele aponta que, como os fatores não são

perfeitamente móveis entre setores e regiões, o fato de se ter uma taxa de câmbio única

para todo território brasileiro fez com que a produção de açúcar e de algodão, no

Nordeste, fossem prejudicadas. A lógica é que o aumento das exportações do produto

dinâmico leva a um sobrevalorização do câmbio, que, por sua vez, corrói a capacidade

competitiva dos outros setores. Esse processo teria sido equivalente à chamada Dutch

Disease que teria atingido a Holanda na década de 60. A descoberta de gás natural

levou a uma apreciação cambial que induziu pressões desindustrializantes. CORDEN

(1984) resume a literatura teórica sobre o tema.

Teria o mesmo acontecido no RS do século XIX? Ainda não se têm

evidências definitivas, mas alguns sinais são convincentes. Primeiro, NOGUEIRÓL

(2002) mostrou que não só os preços dos escravos em Porto Alegre e Sabará estavam

correlacionados entre si, como também apresentavam conexão com o preço de

exportação do café. Isso sinaliza que o boom do café elevou a produtividade marginal

do trabalho escravo e, portanto, a sua remuneração no Sudeste. Por arbitragem, esses

aumentos de preço chegaram ao Sul do Brasil. Note-se que essa elevação dos preços

relativos dos escravos se deu apenas em mercadorias fora do boom exportador; quando

medido em termos de café tais preços seguiram estáveis.

Além disso, o incremento das exportações de café levou a apreciação

cambial, a qual tornou o charque do Prata mais competitivo. Conforme bem lembra

LEFF (1997, p. 19), as diferenças de produtividade que devem ser examinadas são

entre as diferentes atividades no Brasil e não entre o mesmo setor nos diversos países.

As explicações que confrontam as diferenças absolutas de custo entre produtores de

tasajo e de charque, desconsideram a teoria das vantagens comparativas. Quando as

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essas se mostraram em favor do café brasileiro, os outros setores da economia

brasileira, logicamente, ficaram em desvantagem. Taxas de câmbio diferenciadas por

região, argumenta Leff, teriam corrigido essa distorção. No caso gaúcho, as tarifas de

importação sobre o tasajo talvez tenham sido um substituto para isso.

Vale ressaltar que, mesmo a explicação de Dutch Disease sendo apropriada

para explicar os problemas das charqueadas no século XIX, seria inapropriado

estendê-la até o século seguinte. A longo prazo, outros movimentos e razões, conforme

as examinadas nas outras seções desta tese, fazem mais sentido.

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APÊNDICE 2 - COMPONENTES PRINCIPAIS: TEORIA E RESULTADOS

A razão básica que conduz a utilização da Análise de Componentes

Principais- ACP- é a parcimônia. Quando se têm um número grande de variáveis

fortemente correlacionadas, a ACP permite que elas sejam representadas por um

número pequeno de variáveis não-correlacionadas, identificadas como componentes

principais.

Mais formalmente e seguindo KOUTSOYANNIS (1979, p. 414), a ACP se

baseia na obtenção de novas variáveis Zj que sejam combinações lineares das Xj de

variáveis originais (j=1,2,...,k):

Z1= a11 X1 + a12 X1+ ... + a1k Xk

Z2= a21 X1 + a22 X1+ ... + a2k Xk

. . . . .

. . . . .

. . . . .

Zk= ak1 X1 + ak2 X1+ ... + akk Xk

O método é construído de tal forma que os a, chamadas cargas fatoriais,

gerem componentes principais Zk ortogonais e que o primeiro (Z1) absorva a maior

parte das variações nos dados originais, o segundo absorva o máximo possível da

variação restante e assim por diante. Recomenda-se que só sejam retidos os primeiros

componentes principais, uma vez contêm a informação mais relevante138.

A escala composta de pontuações fatoriais é obtida através da multiplicação

das cargas fatorial do primeiro componente principal a1k pelo valor da variável original

normalizada. Formalmente, tem-se:

∑=

=k

jijji XaS

11 .

138 Para a escolha do número de componentes principais a serem considerados, ver DUNTEMAN (1989).

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Onde Si = escore fatorial da observação i;

k= número total de variáveis;

a1j = carga fatorial da variável j no primeiro componente principal.

Vale ressaltar que, se outros componentes principais, além do primeiro,

fazem sentido, indicando alguma faceta relevante dos dados, pode-se criar escores

fatoriais que também os resumam.

Pela própria natureza da ACP, essa redução do número de variáveis gera

uma perda de informação. Outra desvantagem do método consiste em que os índices

compostos normalmente não possuem sentido econômico, uma vez que se obtém um

indicador adimensional. Entretanto a contrapartida desses problemas é que, quando

corretamente aplicado, pode-se perceber, de modo mais claro, a estrutura dos dados e,

conforme já se disse, ter um indicador parcimonioso de uma característica.

FERRANDO (1999, p. 450) propõe o seguinte roteiro para que se construam

indicadores relacionados com conceitos abstratos com base em variáveis mensuráveis:

a) Seleção de uma lista apropriada de indicadores e sua medição;

b) Obtenção das cargas fatoriais;

c) Consideração das magnitudes das cargas fatoriais, entendimento da

estrutura dos dados e descarte as variáveis menos correlacionadas;

d) Cálculo dos escores fatoriais;

e) Apreciação da magnitude dos coeficientes a fim de comprovar se podem

ser abandonados alguns indicadores;

f) Seleção da solução adequada;

g) Cálculo da pontuação fatorial para cada unidade, por meio da fórmula:

Fi=c1S1i+c2S2i+... +cnSni

Onde cn é o escore fatorial para o indicador n e Sni é a pontuação fatorial

da unidade i no indicador n.

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Ao longo desse processo, são feitos retrocessos a passos anteriores, caso não

se tenha encontrado uma solução satisfatória. Percebe-se, através desse roteiro que a

construção de indicadores através de ACP não é um procedimento direto; existem

opções cujos critérios de decisão não são totalmente objetivos. Não obstante, a

bibliografia sugere algumas propriedades que o indicador obtido deve possuir

(SELLIGSON e RENNÓ, 2000):

i) Confiabilidade: um indicador confiável mede com precisão distintos

objetos;

ii) Validade interna: a inter-relação entre as variáveis deve permitir que

sejam reunidos em um só indicador;

iii) Validade externa: os índices devem estar relacionados consistentemente

com outras variáveis medidas de forma independente.

Em todos os procedimentos foi utilizado o software SPSS 9.0 e, seguindo o

critério de Kaiser, isto é, mantiveram-se apenas as raízes características maiores que 1.

A rotação foi feita com o método Varimax.

TABELA A.2.1 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - COMUNALIDADES - 1939

INICIAL EXTRAÇÃO LLEGADO 1,000 0,466LTAMAGRO 1,000 0,631LCOOPCAP 1,000 0,811 TABELA A.2.2 - RESULTADOS DE ACP PARA AS AEC - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA - 1939

COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA

INICIAL

% DA VARIÂNCIA % CUMULATIVA

1 1,908 63,590 63,5902 0,770 25,676 89,2663 0,322 10,734 100,000

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199

TABELA A.2.3 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- COMUNALIDADES

INICIAL EXTRAÍDA Func. com Nível Superior/Total 1,000 0,564 Informatização per capita 1,000 0,801 Conselhos por mil habitante 1,000 0,926 Conselhos Paritários por Habitante 1,000 0,717 Conselhos Instalados por Habitante 1,000 0,830 Poder dos Conselhos per capita 1,000 0,624 Eficiência Tributária 1,000 0,852 Gasto Educacional por Habitante 1,000 0,482 Gasto em Saúde por Habitante 1,000 0,557 Docentes por Matrículas no Ensino Fundamental 1,000 0,402 Taxa de Permanência na Escolas Municipais 1,000 0,281 TABELA A.2.4 - RESULTADOS DE ACP PARA O INDICADOR CONTEMPORÂNEO DE QUALIDADE DA

ADMINISTRAÇÃO DOS MUNICÍPIOS- VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA

COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA INICIAL

% VARIÂNCIA % CUMULATIVA

1 5,793 52,667 52,6672 1,242 11,288 63,9553 0,924 8,401 72,3564 0,802 7,291 79,6485 0,669 6,080 85,7276 0,551 5,010 90,7377 0,429 3,898 94,6358 0,274 2,487 97,1229 0,190 1,729 98,85110 0,084 0,769 99,62011 0,042 0,380 100,000 TABELA A.2.5 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL

SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES INICIAL EXTRAÍDACooperativas Crédito 1,000 0,406Associações Patronais 1,000 0,895Associações Profissionais 1,000 0,582Sindicatos 1,000 0,535Associações Religiosas 1,000 0,581Associações Políticas 1,000 0,462CTG 1,000 0,639Jornal 1,000 0,665RICE 1,000 0,536

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200

TABELA A.2.6 - RESULTADO DE ACP PARA O PRIMEIRO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA

COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA INICIAL

% DA VARIÂNCIA % CUMULATIVA

1 1,951 21,672 21,6722 1,316 14,619 36,2913 1,033 11,481 47,7724 1,002 11,131 58,9035 0,985 10,942 69,8456 0,849 9,434 79,2797 0,754 8,381 87,6608 0,633 7,036 94,6979 0,477 5,303 100,000 TABELA A.2.7- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL

SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - COMUNALIDADES INICIAL EXTRAÍDACooperativas Crédito 1,000 0,159Associações Religiosas 1,000 0,587CTG 1,000 0,687Jornal 1,000 0,718RICE 1,000 0,566

TABELA A.2.8- RESULTADO DE ACP PARA O SEGUNDO INDICADOR CONTEMPORÂNEO DO CAPITAL

SOCIAL DOS MUNICÍPIOS - VARIÂNCIA TOTAL EXPLICADA COMPONENTE RAIZ CARACTERÍSTICA

INICIAL % OF VARIÂNCIA % CUMULATIVA

1 1,539 30,783 30,7832 1,177 23,545 54,3283 0,977 19,543 73,8714 0,765 15,304 89,1745 0,541 10,826 100,000

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201

APÊNDICE 3 - RICE E CAPITAL SOCIAL EM 1939 E 1991

A correlação inversa entre a mortalidade infantil e renda per capita, em

1939, é, prima facie, surpreendente e merece maior atenção. Uma possibilidade é que

essa relação reflita apenas o viés gerado por melhor comunicação dos óbitos nas

regiões mais ricas. Outra possibilidade é que essa correlação ocorre devido às

diferenças nas estruturas sociais ao longo das regiões. As AEC mais ricas seriam,

quem sabe, também as com maior concentração de renda. Infelizmente não estão

disponíveis indicadores de distribuição de renda para 1939.

MOORE et al. (1999) propuseram uma forma simples de estimar a eficiência

de conversão da renda relativa (Relative Income Conversion Efficiency - RICE). Isto é,

medir como as sociedades são capazes de transformar recursos materiais em bem-estar

social. Em tal trabalho, os autores regridem os Índice de Desenvolvimento Humano -

IDH - de Educação e Saúde sobre o logaritmo do produto per capita dos países. Os

resíduos dessa regressão equivalem ao RICE de cada unidade.

Como não se dispõe de IDH das regiões do RS para 1939, optou-se por fazer

a mesma regressão, apenas utilizando a porcentagem de crianças que sobreviveram ao

primeiro ano de vida (sobreinf) como variável dependente. Tem-se então:

sobreinf= 216,58+ -13,175 lny39;

(9,968) (-5,578)

R2= 0,374

Os valores t estão entre parênteses.

Antes de se examinar a correlação do RICE com outras variáveis, vale

examinar a sua variação por regiões:

TABELA A.3.1 - RICE POR REGIÃO - 1939

REGIÃO RICE MÉDIO Campanha -1,743 Planalto 2,402 Serra 3,706

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202

Como se pode observar, a região da Campanha é relativamente pouco

eficiente na conversão da renda per capita em maiores níveis de sobrevivência infantil.

As correlações do RICE com variáveis selecionadas permitem entender melhor por

que isso ocorre:

TABELA A.3.2 - CORRELAÇÃO ENTRE RICE E VARIÁVEIS SELECIONADAS -1939

VARIÁVEL RICE Gado per capita -0,215 (0,105)Tamanho médio das propriedades agropecuárias -0,338 (0,009)Densidade demográfica (hab/km2) 0,134 (0,314)Alfabetização (%) 0,273 (0,038)Membros associações classe (% da pop.) 0,089 (0,507)Número de cooperativados (% da pop.) 0,229 (0,084)Comparecimento eleitoral (%) 0,282 (0,032)Legado da escravidão - não doméstica (%) -0,231 (0,082)Índice de Fracionamento Racial -0,333 (0,011)

NOTA: Significância entre parênteses.

Pela tabela, percebe-se que o RICE está inversamente correlacionado com as

variáveis que indicam a ocupação com pecuária extensiva e passado escravocrata.

Como se sabe, essas características são típicas da Campanha.139 O gráfico abaixo

permite desvendar a inesperada relação positiva entre renda e mortalidade infantil:

139 Note-se também que o RICE não está correlacionado com a participação de membros de associação de classe nem com a densidade demográfica.

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203

GRÁFICO A.3.1 - RENDA PER CAPITA E MORTALIDADE INFANTIL -1939

FONTE: Ver Anexo 3.

A omissão das observações referentes à Campanha faz com que surja um

outlier, a AEC 21, correspondente a Porto Alegre. Se essas forem omitidas, desaparece

qualquer relação estatística entre a renda per capita e a mortalidade infantil. A razão

de Porto Alegre ter uma alta taxa de mortalidade não é evidente, mas pode estar

relacionada ao fato de que os óbitos registrados na cidade sejam decorrentes do

falecimento de crianças vindas de outras áreas do estado em busca de tratamento

médico.

Existe ainda a possibilidade de que a relação identificada seja derivada dos

efeitos defasados da renda em relação à mortalidade infantil. Se as áreas pobres, mas

com forte crescimento, não têm redução imediata da mortalidade infantil e se aquelas

estagnadas já têm instalada a infra-estrutura médico-sanitária, um estudo cross-section

pode capturar uma relação direta entre renda e mortalidade infantil.

lny39

10.810.610.410.210.09.89.69.49.2

Taxa

de

mor

talid

ade

infa

ntil

40

30

20

10

0

Região

Serra

Planalto

Mista

Campanha

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204

Rice e Capital Social em 1991

A existência de dados para o IDH de cada município permitiu que o RICE

pudesse ser calculado de acordo com os procedimentos sugeridos por MOORE et al.

(1999). Nesse período, a relação entre as variáveis renda e IDH* (Média dos IDHs de

Educação e de Saúde) é, tal como esperado, positiva. Os resultados da regressão são os

seguintes:

IDH* = 0.694 + 0,05 LNY91

(403,31) (10.28)

R2= 0,242

O valor do R2 da regressão e o gráfico a seguir mostram que o ajustamento

da reta está longe de ser perfeito. Ou seja, muito da variação do IDH* não pode ser

atribuído a variações na renda per capita. Mais ainda, o gráfico que os municípios da

Campanha estão concentrados abaixo da reta ajustada, mostrando que seu RICE tende

a ser negativo. As médias regionais corroboram esse afirmação: GRÁFICO A.3.2. IDH* E RENDA PER CAPITA - 1991

LNY91

1.51.0.50.0-.5-1.0

IDH

* - m

édia

do

IDH

-l e

IDH

-e

.8

.7

.6

.5

Região

Mista

Serra

Planalto

Campanha

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205

TABELA A.3.3 - RICE -EFICIÊNCIA RELATIVA DE CONVERSÃO DA RENDA - MÉDIAS REGIONAIS 1991 REGIÃO MÉDIA

Campanha -0,024Planalto 0,006Serra 0,008Mista -0,016

A interpretação de MOORE et al. (1999) enfatiza o RICE como uma medida

governamental de gerar políticas em favor dos mais pobres. Essa visão desconsidera

que distribuições mais concentradas de renda, ceteris paribus, geram indicadores de

RICE mais baixos. Assim, não se pode, de antemão, atribuir um valor de RICE baixo

apenas à ineficiência da administração pública; ela pode ser, ao mesmo tempo,

resultado da desigualdade da distribuição da renda.

De qualquer maneira, é razoável supor que capital social e RICE estejam

inversamente correlacionados na esfera regional. Conforme se argumenta ao longo

desse trabalho, lugares desiguais tendem a ter baixos estoque de capital social bridging

e linking, são fechados às demandas dos estratos inferiores da sociedade e adotam

políticas que não os contemplam. Obterão, portanto, valores baixos de RICE. Em

síntese, apesar de não ser um indicador ideal do capital social, existem bons motivos

para considerá-lo uma proxy, no mínimo, ilustrativa.

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206

ANEXO 1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS DO RS -

CLASSIFICAÇÃO

MAPA A.1.1 - ÁREAS ESTATISTICAMENTE COMPARÁVEIS

FONTE: Alonso et al. (1986)

Classificação das AEC: Campanha: 1, 4, 8, 9, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 26, 28, 29, 34, 37, 38, 48, 50;

Planalto: 33, 54, 55;

Serra: 2, 3, 5, 10, 11, 21, 32, 35, 39, 40, 41, 42, 44, 45, 53, 57, 58;

Área Mista: 6, 7, 12, 15, 24, 25, 27, 30, 31, 36, 43, 46, 47, 49, 51, 52, 56.

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207

ANEXO 2 - DESCRIÇÃO DA PROXIES DE CAPITAL SOCIAL - 1939

COOPCAP: Número total de cooperativas per capita em 1939. Em termos

ideais, seria desejável que a distinção entre os conceitos de capital social

bridging e bonding fosse clara e equivalesse a certos tipos de associações.

Como isso não é possível, considerou-se que essa variável é um indicador

do capital social em geral presente na sociedade.

LEGADO: Legado da escravidão não-doméstica. Essa proxy tenta capturar a

influência que a escravidão deixou em cada uma das unidades

examinadas. Sua construção envolveu o seguinte procedimento: a partir

dos dados paroquiais do censo de 1872 para o RS, as informações sobre a

participação de trabalhadores cativos na população foram agrupados nos

28 municípios da época140. Isso se fez necessário, uma vez que mapas

com os contornos paroquiais não foram encontrados. A partir daí, buscou-

se a localização dos 88 municípios de 1939 dentro dos limites municipais

de 1872. Nos casos em que criação municipal deu-se por cisão de uma

mesma unidade, impôs-se a mesma relação entre trabalhadores

cativos/livres à população de 1939. Quando houve mais de um �pai� na

criação de um município, tornou-se necessário o seguinte critério:

utilizou-se a taxa de participação da escravidão do município de origem

cuja sede fosse mas próxima da do recém-criado. Finalmente, os dados de

taxa de participação da população cativa foram reagrupados com base nas

AEC.

TAMAGRO: Tamanho médio das propriedades agropecuárias em 1939. Na

140 Foram excluídos do total os escravos classificados pelo Censo de 1872 nas categorias �Criados e Jornaleiros� e �Serviço Doméstico�. A idéia é que esse tipo de escravidão, mais próxima da retratada por Gilberto Freyre, seria relativamente menos demolidora do capital social do que a dos trabalhadores cativos nas plantations ou nas charqueadas, por exemplo.

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208

ausência de índices de desigualdade da posse da terra, criou-se essa

variável como uma proxy da estrutura fundiária. Valores altos indicam a

presença de latifúndios e sociedades com propriedade concentrada da

terra. Há suporte na literatura para a idéia de que desigualdade está

inversamente relacionada com o capital social (PUTNAM, 1993); soma-

se a isso o fato de que a baixa densidade demográfica nos latifúndios, tal

como se disse, reduz as interações sociais fundamentais para a formação

de uma sociedade cívica.

FRACCOR: Calculado segundo ALESINA e FERRARA (2000, p. 866):

∑−=i

kii sFRACCOR 21

Onde:

k=número de raças;

s= participação de cada raça na população total;

i=identificador das AEC.

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ANEXO 3 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS 1939/1980

Dados baseados em ALONSO et al. (1986):

(Todos os dados se referem a 1939, exceto quando explicitado)

• AEC: Número da área estatisticamente comparável;

• LNY39: Log natural do produto per capita;

• LNY80: Log natural do produto per capita em 1980;

• AREA: Tamanho da AEC em hectares;

• POP40: População total;

• PARTAGR: Participação da agropecuária na renda interna;

• PARTIND: Participação da indústria na renda interna;

• PARTCOM: Participação do comércio na renda interna;

• PARTOSRV: Participação dos outros serviços na renda interna.

Dado baseados no Censo Demográfico 1940: Rio Grande do Sul (IBGE,

1950):

• ALFABT: Taxa de alfabetização (%).

Dados baseados no Anuário Estatístico do Estado de 1940:

• MORTINF: Mortalidade infantil. Óbitos de menores de 1 anos de

idade por nascimentos. (%);

• URB: Taxa de urbanização (%);

• DENS: Densidade demográfica (hab/km2);

• COOPCAP: Número de cooperativas por 1000 habitantes;

• NCOOCAP: Número de cooperativados (% da população);

• NASSCAP: Membros de associações de classe (% da população);

• NSWCAP: Trabalhadores sindicalizados (% da população);

• FRACCOR: Índice de fracionamento racial (ver Anexo 2);

• GADOPOP: Cabeças de todos os tipos de gado/ população total.

Dados baseados no Recenseamento do Brazil em 1872 - Rio Grande do Sul

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210

• Legado da escravidão total (Anexo 2);

• LEGADO: Legado da escravidão não doméstica (Anexo 2).

Dados baseados no Censo Agrícola 1940 - Rio Grande do Sul

• TAMAGRO: Tamanho médio das propriedades agropecuárias

(Anexo 2).

Outras fontes:

• COMPELEL: Comparecimento nas eleições de 1954. Dados

obtidos no sítio http://www.nupergs.br em outubro de 2001;

• ESCFAT: Escore Fatorial (ver Anexo 2);

• RICE: Eficiência relativa de conversão da renda (ver Apêndice 3).

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211

ANEXO 4 - DESCRIÇÃO E FONTE DAS VARIÁVEIS RECENTES

Os dados oriundos da Relação Anual de Informações Sociais- RAIS-

referem-se ao ano de 2000 e foram obtidos no sítio do Ministério do Trabalho e

Emprego http://www.mte.gov.br) com base nas classificação CNAE/95 (563

categorias). Todas as variáveis forma convertidas em termos per capita e para tal

utilizou-se - os dados do Censo de 2000 do IBGE.

Fonte RAIS Trabalhadores:

• TRABALHADORES DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO;

• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES DE PATRONAIS;

• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES DE PROFISSIONAIS;

• TRABALHADORES DE SINDICATOS;

• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS;

• TRABALHADORES DE ASSOCIAÇÕES POLÍTICAS;

• TRABALHADORES DE OUTRAS ASSOCIAÇÕES.

Fonte RAIS estabelecimentos:

• COOPERATIVAS CRÉDITO;

• ASSOCIAÇÕES PATRONAIS;

• ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS;

• SINDICATOS;

• ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS;

• ASSOCIAÇÕES POLÍTICAS;

• OUTRAS ASSOCIAÇÕES.

Fonte Perfil Básico Municipal (IBGE, 2001):

• CONSELHOS (Regulamentados, Paritários e Instalados) per capita:

Nessas por três variáveis somou-se o número total de Conselhos em

cada caso dentre os seguintes possíveis: Educação, Saúde, Direitos de

Crianças/Adolescentes, Emprego/Trabalho, Turismo, Habitação, Meio

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212

Ambiente, Transporte, Política Urbana, Outros Conselhos;

• INFORMATIZAÇÃO PER CAPITA: Total dos seguintes serviços

informatizados: Cadastro ou Banco de Dados de Saúde, Cadastro ou

Banco de Dados de Educação, Patrimônio,Tesouraria/Contabilidade/

Controle de Orçamento, Cadastro de Alvarás, Mapeamento Digital,

Folha de Pagamento, Cadastro Imobiliário, Cadastro de ISS;

• IDADE: 2000 - Ano de Instalação do Município;

• PODER DOS CONSELHOS PER CAPITA: Número total de

conselhos que administram fundos municipais;

• FUNCIONÁRIOS COM NÍVEL SUPERIOR/TOTAL: Funcionários

com nível superior/ Total de Funcionários Ativos;

• LEIS E PLANOS: Número total nas seguintes leis e planos: Plano de

Governo, Plano Plurianual de Investimentos, Lei de Diretrizes

Orçamentárias, Lei de Orçamento, Plano Estratégico, Lei Orgânica,

Plano Diretor, Lei do Perímetro Urbano, Lei de Parcelamento do

Solo, Lei de Zoneamento ou equivalente, Legislação sobre Áreas de

Interesse Especial, Legislação sobre Áreas de Interesse Especial,

Legislação sobre Áreas de Interesse Social, Código de Obras, Código

de Posturas.

• JORNAIS: Número total de jornais diários, semanais e de outras

periodicidades;

Fonte Base de Informações Municipais (IBGE, 2000)

• GASTO EDUCACIONAL POR HABITANTE;

• GASTO EM SAÚDE POR HABITANTE;

• DOCENTES POR MATRÍCULAS NO ENSINO

FUNDAMENTAL: Número de docentes/ alunos matriculados no

Ensino Público municipal.

Fonte Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul (FEE, 1998):

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213

• TAXA DE PERMANÊNCIA NA ESCOLAS MUNICIPAIS: 100

� Taxa de Evasão das Escolas Municipais;

• DENSIDADE DEMOGRÁFICA 1998:Área Territorial/

População;

• PIB PER CAPITA 1998: PIB a preços de mercado dividido pela

população;

• ISMA 1996: Índice social municipal ampliado;

• TAXA DE URBANIZAÇÃO 1996: População urbana/População

total em 1996.

Fonte PNUD (1998) � dados de 1991:

• DESIGUALDADE (THEIL-L) 1991: Grau de Desigualdade

medida pelo índice de Theil;

• RENDA PER CAPITA 1991: Renda Familiar per capita média em

1991;

• POBREZA 1991 (%): Porcentagem de pessoas com renda

insuficiente.

Outras fontes:

• RICE: Ver Apêndice 3;

• EFICIÊNCIA TRIBUTÁRIA: PONTUAL (1999);

• CTG: Número de Centros de Tradição Gaúcha - Dados

compilados pelo autor com base nos dados capturados em outubro

de 2001 em: http://www.mtg.org.br;

• VOTOS NA LEGENDA 1998/200: Número de votos em legendas

partidárias dividido pelo total de votos válidos. Fonte: base de

dados eletrônica CANELEW disponível no sítio:

http://www.tse.gov.br.