capitulo brasil holandes

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33 | CAPÍTULO 2 A NATUREZA DO BRASIL HOLANDÊS: PISO, MARCGRAVE E UMA HISTÓRIA NATURAL DO BRASIL ILUSTRADA. Christian Fausto Moraes dos Santos Priscila Rubiana de Lima Rafael Dias da Silva Campos Introdução É sempre como conquista que a história do Brasil holandês foi citada na documentação holandesa da época, nunca como Colônia. Uma prova de que conhecer detalhadamente o nordeste brasileiro foi sinônimo de uma grande conquista para a Holanda do século XVII, cujo entendimento cultural de conquista ultrapassou o de exploração dos recursos naturais. Por isso o objetivo deste capítulo é demonstrar o valor do pioneirismo das obras de George Marcgrave e Willem Piso, que foram um dos primeiros a registrar a grandeza da biodiversidade brasileira em documentos produzidos durante a permanência dos holandeses no nordeste brasileiro. Tendo o incentivo e proteção do Conde João Mauricio de Nassau-Siegen ambos puderam, desse modo, descrever e representar não só a geografia, como também a rica flora e fauna tropical. Trata-se de documentos com valor inestimável para a História das Ciências no Brasil, valor que ultrapassa as expectativas, justamente por constituir a única referência abrangente sobre a fauna e a flora nordestina quando os ecossistemas locais apresentavam-se relativamente intactos. Vale

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A NATUREZA DO BRASIL HOLANDÊS: PISO, MARCGRAVE E UMAHISTÓRIA NATURAL DO BRASIL ILUSTRADA.

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    | CAPTULO 2

    A NATUREZA DO BRASIL HOLANDS: PISO, MARCGRAVE E UMA HISTRIA NATURAL DO BRASIL ILUSTRADA.

    Christian Fausto Moraes dos Santos Priscila Rubiana de Lima

    Rafael Dias da Silva Campos

    Introduo sempre como conquista que a histria do Brasil holands foi

    citada na documentao holandesa da poca, nunca como Colnia. Uma prova de que conhecer detalhadamente o nordeste brasileiro foi sinnimo de uma grande conquista para a Holanda do sculo XVII, cujo entendimento cultural de conquista ultrapassou o de explorao dos recursos naturais.

    Por isso o objetivo deste captulo demonstrar o valor do pioneirismo das obras de George Marcgrave e Willem Piso, que foram um dos primeiros a registrar a grandeza da biodiversidade brasileira em documentos produzidos durante a permanncia dos holandeses no nordeste brasileiro. Tendo o incentivo e proteo do Conde Joo Mauricio de Nassau-Siegen ambos puderam, desse modo, descrever e representar no s a geografia, como tambm a rica flora e fauna tropical. Trata-se de documentos com valor inestimvel para a Histria das Cincias no Brasil, valor que ultrapassa as expectativas, justamente por constituir a nica referncia abrangente sobre a fauna e a flora nordestina quando os ecossistemas locais apresentavam-se relativamente intactos. Vale

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    ressaltar tambm que no houve continuadores desses estudos por mais de um sculo.

    Em particular neste capitulo, buscaremos fazer um resgate do contexto que permitiu a configurao do Brasil Holands, destacando os interesses que o nortearam, a partir da criao da Companhia das ndias Ocidentais pela burguesia neerlandesa e da escolha do Conde Joo Maurcio de Nassau para governador.

    Apresentaremos tambm a importncia das imagens e contedos das obras de Piso e Marcgrave para a Europa do sculo XVII, bem como a repercusso dessas obras no meio cientfico, enquanto representaes da natureza, bem como material valioso para difuso de conhecimento que superava o asfixiante imaginrio seiscentista, ao fornecer um quadro despido de fantasias e monstros aterradores, que causou, entre outras sensaes, espanto e curiosidade nos europeus perplexos diante de um mundo desconhecido (TEIXEIRA, 1995: 15).

    A ocupao holandesa do nordeste brasileiro Portugal e os Pases Baixos tinham uma longa histria de relaes

    comerciais. Essas boas relaes sofreram mudanas aps Portugal se unir Espanha em conseqncia da crise dinstica desencadeada com a morte de D. Sebastio. A unio das coroas ibricas se deu em 1580 por Felipe II, fato histrico que tornou a Amrica Portuguesa uma Colnia espanhola durante sessenta anos. Neste perodo, os Pases Baixos lutavam conta a Espanha pela sua independncia, fator esse que permitiu sucessivos embargos aos navios holandeses em portos ibricos (TEIXEIRA, 1995: 15-16).

    Nesse sentido, a unio entre Portugal e Espanha comprometeu o suprimento de uma srie de produtos indispensveis aos Pases Baixos, especialmente o sal de que dependia a indstria da pesca, uma das atividades mais rentveis dos holandeses.

    No caso da Amrica Portuguesa, as relaes comerciais com a Holanda se mantiveram, e at se expandiram, devido a cumplicidade de autoridades e homens de negcios portugueses que atenuaram os efeitos das medidas restritivas decretadas pela corte de Madri. Do mesmo modo, desde o incio da colonizao do nordeste brasileiro, os holandeses

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    estiveram sempre envolvidos, seja no financiamento de engenhos ou na comercializao das safras de acar (MELLO, 1999a: 20).

    Graas regularidade e frequncia desses contatos, a Holanda dispunha de um conhecimento das condies econmicas e sociais da Amrica Portuguesa, bem como de seu litoral e portos. Este conhecimento foi importante na preparao e execuo dos ataques contra a Bahia e Pernambuco.

    A ocupao holandesa do nordeste brasileiro no sculo XVII foi, antes de tudo, uma consequncia da guerra de independncia dos Pases Baixos empreendida contra a Espanha dos Habsburgos, em que a expanso colonial foi instrumento vital para atingir as bases da riqueza e poderio ibrico (MELLO, 1999a: 20).

    Ela foi, tambm, resultado da expanso colonial europia e do consequente fortalecimento da burguesia mercantilista dos Pases Baixos, cuja ascenso ao poder marcou profundamente o universo seiscentista, determinando a runa dos gigantescos imprios de Portugal e Espanha. Em outras palavras, a revoluo da burguesia holandesa e a disputa pelo trfico colonial fizeram da Holanda a maior potncia do sculo XVII.

    vlido destacar que a Companhia das ndias Ocidentais resultou da iniciativa desta burguesia que era, em sua maioria, composta por comerciantes calvinistas originrios dos Pases Baixos espanhis (atual Blgica), que haviam emigrado para a Holanda aps a reconquista de Flandres e da Brabante para a causa do catolicismo (MELLO, 1999b).

    A Companhia das ndias Ocidentais foi fundada por carta-patente dos Estados Gerais das Provncias Unidas em 1621, pela qual foi concedido a ela o direito exclusivo do comrcio com a frica atlntica, entre o Trpico de Cncer e o Cabo da Boa Esperana (TEIXEIRA, 1995: 15-16).

    A Companhia estava divida em cmaras, com um total de 19 membros, que detinham participao nas despesas e nos lucros de acordo com a sua representatividade. Cada uma das cmaras tinha sua direo prpria, administrava sua parte no capital comum e podia conduzir nas terras da concesso seu comrcio privativo (MELLO, 1999b: 42).

    Das vrias propostas de empreendimento contra o inimigo espanhol, o Conselho dos 19 e os Estados Gerais escolheram pela invaso da Amrica Portuguesa, em particular a regio da Capitania de

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    Pernambuco e seus arredores, pela possibilidade de se conseguir lucros fabulosos proporcionados pelo comrcio do acar e do pau-brasil. Esta regio da Colnia portuguesa representava a rea de produo aucareira mais importante do mundo, o que seria suficiente para cobrir os custos de uma invaso e ocupao. Os diretores da Companhia estimavam tambm que, sendo Pernambuco capital donatorial e no pertencente a Coroa Portuguesa, Madri no teria maior empenho em sua restaurao (MELLO, 1999a: 22).

    Por esses motivos, Pernambuco era o grande projeto dos holandeses da Companhia das ndias Ocidentais. Eles haviam fundado na Amrica do Norte, a Nova Amsterd, que mais tarde veio a se tornar Nova York, e, na Amrica do sul, tinham um projeto bem mais ambicioso: a criao da Nova Holanda.

    Por isso, em 1637, os holandeses consolidaram seu estabelecimento em terras tropicais e decidiram fundar em Recife a sede de seu governo na Amrica, provavelmente deixaram Olinda por causa de seus ngremes morros, uma geografia tpica de cidades portuguesas. Por outro lado, a cidade de Recife assemelhava-se a Amsterd, com seus canais recortando a cidade, favorecendo assim a adaptao holandesa.

    A presena colonial holandesa na Amrica Portuguesa aconteceu entre os anos de 1624 e 1654. Apesar de temporalmente curto, quando comparado com os aproximados 400 anos da colonizao portuguesa, o perodo holands na Amrica Portuguesa deixou para a posteridade um legado cientfico significativo.

    Entre as lutas de ocupao e restaurao, o perodo de 1637 a 1654 foi caracterizado pela presena do governador que a Companhia das ndias enviou, o Conde Joo Maurcio de Nassau-Siegen, nobre alemo a servio dos Pases Baixos, sobrinho-neto de Guilherme, o Taciturno, fundador da dinastia de Orange.

    Sob Nassau, as possesses holandesas entenderam-se at o Sergipe ao sul, e o Cear ao norte. O Maranho foi tomado e perdido, mas fracassaram expedies contra a Bahia. Apesar disso, a relativa paz reinante permitiu que se criasse, em Pernambuco, um clima propcio ao florescimento cientfico, artstico e urbanstico, estimulado materialmente, pela maior concentrao mundial de produo de acar (TEIXEIRA, 1995: 15-16).

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    Joo Maurcio de Nassau-Siegen e a criao de um espao privilegiado para o desenvolvimento da cincia e da arte no Brasil holands

    A famlia de Nassau era procedente da Alemanha central, residia nos Pases Baixos desde 1400, onde obteve uma posio semi-monrquica. Ele recebeu uma boa formao, com a ateno voltada no s para as habilidades militares da corte como tambm para a cincia e a arte. Como um dos vinte e cinco filhos, o esperava um futuro pouco prspero como soberano de uma parte do pequeno reino Siegen. Felizmente, uma carreira no exrcito holands sob o comando dos importantes governadores de Nassau, puderam oferecer-lhe perspectivas melhores.

    Joo Maurcio de Nassau-Siegen tinha, em si, a imagem ideal do prncipe renascentista. Ele era um homem que se distinguia tanto na habilidade dos ofcios militares como na demonstrao de um apreo especial pelas artes. Sua educao foi norteada pelo vis humanista em Basel, na Sua, centro da cultura neolatina no mundo germnico, local de forte influncia calvinista, que proporcionou a ele uma admirao

    pela cultura universalista. Seu gosto e sua preferncia artstica e literria eram marcados pela grande

    ressurreio cultural dos sculos anteriores, o Renascimento e o Humanismo.

    Vale ressaltar que todo prncipe seiscentista, e no somente Nassau, buscava ser considerado um filsofo e patrono das artes, letras e cincia. Pretenso que tanto podia refletir um mero capricho da corte quanto um profundo interesse individual, isso sem contar que a coleta de informaes bsicas sobre a terra conquistada dificilmente seria

    Figura 02: Maurcio de Nassau na cidade de Kleve (Alemanha), aps retornar do Brasil holands (1660).

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    desprezada por uma mquina administrativa gil e eficiente como a da Companhia das ndias (GRIEBE, 1998).

    O Conde Joo Maurcio de Nassau-Siegen foi nomeado, pela Companhia das ndias Ocidentais, como governador em agosto de 1636, recebendo autoridade sobre os lugares conquistados na Amrica Portuguesa, alm de todas as foras de terra e mar que a Companhia tinha naquele momento, ou viesse a ter. Em 23 de janeiro de 1637, desembarcou em Recife, disposto a explorar as terras de Santa Cruz e, para tanto, no poupou energia no que se refere ao crescimento e desenvolvimento desta conquista holandesa.

    No entanto, a nomeao de Nassau tinha como objetivo organizar bem a Colnia, expandi-la e torn-la lucrativa. Depois de sua chegada, muitas coisas efetivamente mudaram. Um forte poder central melhorou a administrao. A corrupo dos funcionrios e outros tipos de abusos moral foram combatidos. Nassau buscava, tambm, consolidar a segurana da Colnia e reconstruir a economia aucareira, seriamente afetada ao longo da guerra de resistncia. Entretanto, o que o distinguiu dos demais dirigentes da Companhia, foi a sabedoria e viso poltica de que eles careciam, limitados que estavam por propsitos mercantis de curto prazo.

    Nassau compreendeu que, a longo prazo, a estabilidade da nova conquista dependia da aceitao do domnio estrangeiro pela comunidade luso-brasileira, com seu antagonismo religioso e o conflito de interesses econmicos entre a Companhia das ndias Ocidentais e os senhores de engenho que eram, majoritariamente, de origem portuguesa. Uma poltica de conciliao foi o mtodo adotado por Nassau, dentro de um clima de relativa tolerncia religiosa. Nassau tambm restringiu os direitos monopolsticos da Companhia, limitando-a ao comrcio de escravos, pau-brasil e de munies (MELLO, 1999a: 28).

    Ele revolucionou tambm o cenrio legislativo da Colnia, reduzindo impostos e concedendo maior liberdade de crdito aos agricultores para que pudessem comprar mais escravos e outros insumos. Ainda criou os Conselhos Municipais e Rurais com o objetivo de aproximar raas (amerndios e europeus) e crenas (protestante e catlicos), para que trabalhassem de forma cooperativa.

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    Na ilha de Antonio Vaz, lanou os fundamentos de uma nova cidade (Mauritsstad), construindo nela duas espaosas casas de campo, uma das quais provida de um sortido avirio, um jardim zoolgico e outro botnico, onde cultivava plantas frutferas exticas. Fundou tambm o primeiro observatrio astronmico e metereolgico do Novo Mundo, nele sendo guardados registros relativos aos ventos e as chuvas. Teve em mente, inclusive, a fundao de uma universidade, que seria frequentada tanto pelos holandeses protestantes, quanto pelos portugueses catlicos, projeto que, todavia nunca foi alm do papel (GESTEIRA, 2004: 8).

    Maurcio de Nassau desenvolveu um extraordinrio ambiente para o florescimento do estudo das cincias naturais em Recife. Ele se fazia acompanhar de um grupo seleto de quarenta e seis homens formados, entre eles, filsofos naturais, mdicos, artistas e artesos trazidos dos pases baixos e que exerciam funo determinada para a qual recebiam. Essa sua grande corte, bem como seus ambiciosos projetos, os quais o prprio Nassau pagava parte, representavam despesas altas a Companhia das ndias Ocidentais, que lidava com uma falta crnica de dinheiro e insistia em economizar. Como medida, a Companhia optou em no retirar o dinheiro investido com as artes e as cincias, mais diminuir drasticamente a concentrao de tropas (FREEDBERG, 1999).

    Dentro do grupo de pintores, destacam-se Frans Post (1612-1680), de Leiden, especialista em paisagens e Albert Eckhout, responsvel pela caracterizao do povo brasileiro e suas etnias. Presente na comitiva tambm estava Pieter Post, irmo de Frans Post, responsvel pelo planejamento arquitetnico e urbanstico das novas cidades da Colnia holandesa. Destaca-se, ainda, a presena de Willem Pies, conhecido pelo nome latinizado Piso (1611-1678), tambm de Leiden, que ficou encarregado de estudar as doenas e remdios tropicais, as abordagens teraputicas dos amerndios e seus costumes, e Georg Marcgrave (1610-1644) de Leibstad, que ficou incumbido de recolher exemplares sobre a fauna e flora brasileira, bem como realizar observaes astronmicas e metereologicas.

    Foi exatamente, o mecenato de Nassau nas artes e na cincia que contribuiu, mais que tudo, para a fama de seu governo. Graas a sua proteo, George Marcgrave e Willem Piso procederam s investigaes que culminaram na publicao da Historia Naturalis Brasiliae (1648). O

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    contedo e as imagens desta obra serviram de ascenso e prestgio para Nassau, que as usou como recurso para conquistar respeito social de seus pares e viver no estilo da nobreza da qual ele efetivamente fazia parte. No sem significado que o conde presenteou homens ilustres com iconografias (tapearia, pranchas, quadros etc.) e estudos inditos relacionados ao domnio holands na Amrica Portuguesa (MELLO, 1999a:28).

    Nassau enviou colees brasileiras a Rotterdam, Leiden, Haalem, Delft; presenteando tambm, os reis Frederico III, da Dinamarca e Lus XVI, da Frana, contribuindo poderosamente para a formao da imagem

    Figura 03: O Brasil era representado por meio da diversidade e opulncia dos trpicos.

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    do Brasil na Europa. Nesse sentido, o conjunto de registros sobre a Amrica, que circulava na Europa, estava estreitamente relacionado aos investimentos feitos no Atlntico sob o comando da Companhia das ndias Ocidentais (TEIXEIRA, 1995: 15-16).

    Dois mapas importantes do Brasil holands foram elaborados neste perodo (1637-1644) e enviados ao Conselho dos 19 da Companhia das ndias. O mais importante deles de autoria de George Marcgrave, feito em 1643, permanecendo como o mapa mais exato da regio at o sculo XIX, ele possui detalhes notveis. Mostra, por exemplo, tipos diferentes de engenhos de acar e tambm aldeias nativas, pacficas ou aguerridas.

    At, pelo menos, 1700, diferentes verses do mapa foram publicadas, pois era interesse da Companhia das ndias Ocidentais manter seus acionistas bem informados sobre seus sucessos no alm-mar a fim de que estes financiassem novas expedies. Portanto, o Conselho dos 19 mandava publicar os to falados mapas jornais.

    Vale destacar que, neste perodo, os mapas eram meios importantes para tornar conhecido artigos que podiam ser consumidos em mercados de luxo como, por exemplo, os animais exticos vindos do ultramar.

    Nassau compreendia que o conhecimento acerca da Histria Natural poderia ser ampliado significativamente com a explorao do Novo Mundo, principalmente no que se concerne s informaes sobre a flora e a fauna. Uma vez que a descrio minuciosa dos produtos da natureza eram, em si, um meio de produo de conhecimento. Os textos e imagens eram resultados de observaes cuidadosas e tambm fortes instrumentos de transmisso do saber, ainda mais se os exemplares in natura fossem oriundos de terras distantes. Visto que, neste contexto, nem todos podiam ser levados para a Europa sob risco de no se adaptarem e morrer, tanto plantas quanto animais (GESTEIRA, 2008: 165-178).

    Maurcio de Nassau estimulou os filsofos naturais e artistas a irem alm dos registros geogrficos do territrio, com o entusiasmo que os direcionavam s riquezas que representavam a flora, fauna e etnias do Brasil holands. Desta forma, destacaram-se Piso e Marcgrave. Do relato de ambos, resultaram as obras De Medicina Brasiliensi e Historia Naturalis Brasiliae, editadas pela primeira vez em 1648. Nelas, as descries fogem de qualquer imaginrio ou fbula, despindo-se de toda fantasia. Uma

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    abundncia de materiais, informaes sobre os variados aspectos da Histria Natural do Novo Mundo, colhidos nas diversas expedies pelo interior do serto nordestino. Tais coletas foram suficientes para abastecer museus de universidades de boa parte da Europa. Uma importante coleta, pela riqueza do registro de plantas medicinais, patologias, flora, fauna de um perodo que, distava, apenas um sculo do descobrimento.

    Mesmo com todos esses avanos e descobertas Companhia, Nassau parecia um funcionrio dispendioso; para o Conde a Companhia era uma empresa sem viso poltica e militar. Em 1641, com a assinatura da trgua luso-neerlandesa, a Companhia reduziu suas tropas na Amrica Portuguesa, mesmo sob as advertncias de Nassau. Dentro desse cenrio so aceitos os pedidos de demisso apresentados por Nassau, que retornou Holanda em 1644, aps sete anos de permanncia no Brasil holands. Entre os tesouros levados para Europa, nessa ocasio, destacavam-se um grande nmero de quadros, pinturas avulsas, estudos e desenhos relativos a Histria Natural, elaborados pelos artistas e cientistas que haviam acompanhado o Prncipe ao Novo Mundo (MELLO, 1999a: 28).

    Os naturalistas Piso e Marcgrave e a importncia das imagens e do contedo de suas obras para Europa

    Dentre os estudos no Brasil holands, realizados a servio de Maurcio de Nassau, merece destaque especial, pela importncia de sua contribuio, a obra Historia Naturalis Brasiliae de Willem Pies (Piso) e

    Figura 04: Piso e Marcgrave registraram os animais no como alegorias de um mundo ideal. O famoso idlio do Novo Mundo era visto com olhares atentos; pensando-se, tambm, na explorao dos potenciais econmicos do ecossistema brasileiro.

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    Figura 05: O caju mostrava grande potencial econmico, podendo-se produzir leo, comer a castanha, alm de que o suco da polpa poderia inclusive fazer vinagre quando guardado por alguns meses.

    George Marcgrave. Esta obra foi considerada, por inmeros pesquisadores, como a mais importante contribuio feita Histria Natural mundial desde Aristteles e Plnio (TEIXEIRA, 1995: 93).

    At aquele momento, ou seja, meados do sculo XV, boa parte do escasso conhecimento que a Europa possua do resto do mundo vinha dos clssicos de origem rabe ou procediam do relato de uns poucos viajantes como Marco Polo, Montecovino e Piam de Carpine. Estas iniciativas ousavam ultrapassar as limitadas fronteiras entre as terras conhecidas e o inverossmil, penetrando no horror de um mundo desconhecido povoado de monstros e de maravilhas das ndias, onde o paraso terrestre permanecia guardado por obstculos intransponveis.

    No esforo para documentar a realidade das terras conquistadas, naturalistas e pintores da corte de Nassau reuniram um fabuloso acervo de informaes. Os textos de Marcgrave e Piso, pela primeira vez, levaram ao Velho Mundo notcias sobre diversos aspectos da natureza sul-americana, muitas vezes fornecendo detalhes concretos sobre plantas e animais desconhecidos (GRIEBE, 1998).

    Piso, natural de Leiden, era mdico de reputao j firmada quando partiu para o Brasil. Quanto a Marcgrave, alemo de Leibstadt, iniciou uma peregrinao em 1627 que o levou, nos anos seguintes, a alguns dos maiores centros universitrios europeus de Strasbourg a Basel e de Leipzig a Leiden, onde estudou medicina, matemtica, astrologia, botnica e zoologia (LEITE, 1967: 82).

    Em Leiden, em 1635, Marcgrave foi

    notado por Piso e por De Laet, que j faziam parte da Companhia das ndias Ocidentais e chamaram a ateno de Nassau para o jovem alemo de saber enciclopdico. Como resultado, em primeiro de janeiro de 1638, embarcou para o Brasil holands, na qualidade de auxiliar de Piso (Op. Cit.).

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    Figura 06: As representaes dos ndios brasileiros eram mais que meras ilustraes. As imagens faziam parte da descrio das tribos. Aqui, os Tapuia so apresentados como povos caadores.

    Logo aps sua chegada, Marcgrave deu incio a uma espantosa atividade, que incluiu a classificao de quase 700 espcies de plantas e animais, memrias sobre o clima, os habitantes e seus idiomas, uma descrio das estrelas do hemisfrio sul, uma teoria sobre os planetas inferiores, sem falar na grande quantidade de trabalhos cartogrficos e, ainda, desenhos ilustrativos e seus textos cientficos. Ele contribui tambm com precisas observaes astronmicas, assim como uma breve discusso sobre diversas tribos nativas do Brasil e do Chile, e um pequeno glossrio de duas de suas lnguas (FREEDBERG, 1999: 202).

    No entanto, em 1644, Marcgrave retorna do Brasil holands, embarcando logo em seguida para a frica, onde morreu em agosto daquele mesmo ano em Luanda, antes de ter oportunidade de organizar suas notas sobre o Brasil holands, que foram, por sua vez, publicadas posteriormente por Laet, uma das mais importantes personalidades do desenvolvimento da Histria Natural holandesa.

    Os trabalhos de Piso e Marcgrave so importantes, pois so iniciativas que ousavam ultrapassar as limitadas fronteiras das terras conhecidas, eles permitiram, aos europeus, penetrar em um mundo desconhecido. Graas a essas informaes, consolidou-se um avano sobre a Histria Natural, fazendo com que, antigos mitos, pouco a pouco se transformassem em riquezas a serem exploradas, mo-de-obra a escravizar e terras a conquistar (GRIEBE, 1998).

    Mais do que descries curiosas sobre animais e plantas exticas ou povos brbaros, esses relatos representavam a melhor, seno a nica fonte de informaes razoavelmente fiel disponvel. Elas revelavam um instrumento fundamental para a avaliao ttica e estratgica do processo de conquista e colonizao, bem como um componente para o prprio universo do colonizador, que experimentava uma impressionante ambio

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    pelas novidades de uma realidade alm de qualquer imaginao. Constituindo, assim, um veculo ideal para o encanto de uma Europa vida por novidades e tesouros ultramarinos (Op. Cit.).

    O contnuo contato com as notcias do Novo Mundo desenvolveu, no europeu, uma difuso da prtica colecionadora. Os animais, plantas e substncias exticas trazidos no s da Amrica, como da sia e da frica, careciam de lugares para serem cultivados e guardados. No era uma tarefa fcil. Quanto conservao das espcies vivas, tanto da flora quanto da fauna, encontravam-se dificuldades de adaptao climtica ao mudarem de uma regio tropical para uma temperada.

    Dada as dificuldades da preservao de amostras das espcies, os relatos dos naturalistas, bem como as iconografias, se tornaram os principais responsveis por resgatar e registrar, com elevada qualidade artstica e agudo senso de observao, os cenrios, seres e coisas do Novo Mundo.

    Dado as foras do contexto, desde o sculo XVI, as gravuras conquistaram um potencial de circulao que fez com que as mesmas, alm de ilustrarem os livros, pudessem ser adquiridas. Some-se a isso o fato de que o mercado editorial de Amsterd era um dos mais movimentados da poca, sendo alimentado pelas notcias oriundas do ultramar (GESTEIRA, 2008: 165-178).

    O conhecimento sobre os animais e plantas era adquirido atravs de uma descrio minuciosa. Iniciava-se pelo nome, em seguida eram fornecidos detalhes sobre forma, tamanho e cor. Quando possvel, eram evocadas semelhanas entre os exemplares da fauna e da flora j conhecidos pelos europeus. As gravuras no tinham apenas funo ilustrativa, mas eram vias primordiais para auxiliar a reproduo, mais fiel possvel, do exemplar in natura. A observao atenta da natureza e os meios de representao dos objetos naturais eram etapas complementares na produo de conhecimento sobre o mundo natural. Sendo que, posteriormente, a nomenclatura de Marcgrave foi adotada, em sua maior parte por Lineu em sua classificao da fauna do, ento, Brasil holands (Op. Cit.).

    Aps o detalhamento da forma (anatomia) dos animais e plantas, eram listadas, tambm, as utilidades da espcie para a vida do homem, com destaque para os atributos teraputicos e, como no exemplo da

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    descrio tamandu, mencionava-se o lugar na ordem da natureza. O tamandu era, conforme suas caractersticas, um exmio comedor de formigas, praga que atormentava a vida dos colonos no Brasil.

    importante acrescentar que, nas ilustraes de Marcgrave, ocorrem ilustraes etnogrficas, que revelaram mapas e mostraram atividades agrcolas e industriais dos ndios, especialmente as ligadas produo de acar e extrao de mandioca. Marcgrave alertou, diversas vezes, em seus escritos, para as bases empresariais da aventura colonial como um todo e, em particular, para as da explorao em Histria Natural (FREEDBERG, 1999: 204).

    A presena de animais e plantas nos mapas neerlandeses do sculo XVII significou mais que um simples ornamento ou preenchimento de espaos vazios. Nesse sentido, os mapas, alm instrumento de conquista territorial, foram tambm um espao precioso de veiculao de informaes sobre o territrio, fazendo ligaes especficas entre uma regio, clima, flora, fauna e os homens que nela habitavam (GESTEIRA, 2008: 165-178).

    Por fim, vale acrescentar que no mercado de artes da Holanda, havia uma distino clara do interesse do pblico pelo exotismo em detrimento dos elementos da paisagem local. Verificou-se que os temas apresentados por Piso e Marcgrave, bem como pelos pintores de Nassau, possuam um diferencial que causou admirao na sociedade europia, pois, tais obras guardavam traos, cores e descries que eram no somente frutos de um trabalho minucioso, mas, descries sem precedentes de um mundo natural completamente desconhecido. Para concluir, numa comparao de valores, enquanto a pintura de uma paisagem brasileira alcanava, no mercado da poca, a soma de cerca de 120 florins, uma paisagem holandesa, de um artista superior, atingia apenas 30 florins (GUTLICH, 2005).

    A influncia calvinista na valorizao das imagens da natureza Embora a vertente calvinista no tivesse inundado a vida ou a

    literatura holandesa, as suas consequncias polticas e sociais foram fortes. O calvinismo era um trao do carter holands que moldou o modo de ver e compreender o mundo e, principalmente, a apropriao da natureza pela sociedade holandesa. O resultado final foi uma persistente

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    presso da Igreja sobre a nova ordem das coisas. Para a burguesia e para os camponeses dos Pases Baixos ela permitiu um inconfundvel padro de idias e de conduta, reformado e puritano (GREEN, 1984).

    A religio, com a presena do calvinismo, deixou de ser uma relao pessoal com Deus para tornar-se um conjunto de crenas e prticas. Por isso, no sculo XVII, na Holanda, falava-se da religio tambm como campo da cincia (WOORTMANN, 1997).

    O calvinismo pregava a doutrina do trabalho como vocao, como chamamento divino da devoo pessoal e da ao sistemtica sobre a natureza, transformando-a para maior glria de Deus, estimulando a racionalidade econmica tanto quanto as cincias. Os valores puritanos constituram um dos mais importantes fatores do desenvolvimento das cincias (Op. Cit.).

    O puritanismo possibilitou a combinao do racionalismo e do empirismo, estes essenciais ao esprito da cincia moderna; permitindo uma nova percepo do homem e de sua relao com Deus e a natureza.

    A cincia, para os holandeses calvinistas, significava o empenho do homem para controlar e agir sobre a natureza e sobre o mundo. Na Holanda houve um crescimento dos estudos da botnica e da zoologia, no se limitando ao utilitarismo. A religio, e no o lucro econmico, era o motivo predominante de boa parte dos investigadores dos pases reformados e, as convices religiosas, estavam profundamente presentes nos grandes cientistas setecentistas. Conhecer a natureza era tambm trabalhar para o engrandecimento de Deus. A natureza era vista por eles como a realizao da obra divina (Op. Cit.).

    Dentro desta perspectiva calvinista, a cincia era cultivada para a glria de Deus e para o benefcio da humanidade, realizada, tanto de maneira emprica, quanto terica. Portanto, para a comunidade holandesa calvinista Piso e Marcgrave eram vistos como sacerdotes de Deus com relao ao livro da natureza.

    A expresso livro da natureza, tanto quanto teatro da natureza, eram duas metforas comuns no sculo XVII para se fazer referncia ao mundo natural. A metfora do livro, faz parte da tradio ocidental desde tempos remotos. No entanto, foi durante o Renascimento que, cada vez mais, passou-se a atribuir natureza a qualidade de livro, algo que poderia ser lido, interpretado, decifrado e manipulado pelo homem. Tanto a idia

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    Figura 07: O interesse por alguns animais era devido no apenas por serem fonte de alimentos. Alguns tambm causavam estragos nas frotas martimas, como o reri acima.

    do livro como a do teatro da natureza esto estreitamente vinculadas ao processo de transformao do mundo natural em objeto de conhecimento, estimulados pelo calvinismo (GESTEIRA, 2004: 19).

    Neste contexto, conhecer uma planta medicinal ou doena significava especular e recolher

    tudo que repousasse sobre ela. Por isso, o trabalho realizado pela equipe de Nassau era to valorizado pelos calvinistas por exigir tanto trabalho, desprendimento e principalmente vocao.

    Descobrir o valor teraputico de uma planta seria, para os calvinistas, o mesmo que ler no livro da natureza deixado por Deus um de seus milagres. Nesse sentido, a presena de Piso e Marcgrave emblemtica, pois o conhecimento do mundo natural, elaborado por esses naturalistas, pautava-se na descoberta das vrias propriedades e dos atributos teraputicos de diversas espcies de origem brasileira (Op. Cit.: 20).

    possvel compreender, portanto, que o entendimento calvinista acerca da Histria Natural, permitiu que as imagens e descries funcionassem, tambm, como um monumento memria que legitimou a posse e o governo exercido pelos Pases Baixos. Sendo que tais imagens e descries foram fabricadas como provas da eleio e predestinao, mesmo que alguns dos estudiosos, que acompanharam Nassau ao Brasil holands, no fossem convertidos ao calvinismo.

    Uma vez que, Mauricio de Nassau, enquanto mecenas, era tambm calvinista, este poderia conceber os textos e imagens do Brasil holands enquanto uma forma de reconhecer as obras de Deus por meio do estudo da natureza.

    Compreende-se, portanto, pela linha de pensamento calvinista que permeava a mentalidade holandesa do sculo XVII, que as imagens feitas

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    por Piso e Marcgrave da natureza brasileira, so imagens que construam, alm de uma sofisticada e complexa viso da fauna flora e geografia daquele Novo Mundo, poderiam ser vistas, tambm, como um monumento que exaltava a obra Deus.

    Elaborao, construo, contedo e edies das obras de Piso e Marcgrave

    Durante os sete anos de permanncia no Brasil, Marcgrave elaborou um detalhado trabalho sobre a Histria Natural no Brasil, que o levou a empreender cerca de trs expedies, de quarenta, vinte e onze dias, entre 1638 e 1640, possivelmente dirigidas a Pernambuco, Paraba e Rio Grande do Norte. Tais idas a campo permitiram, tanto a ele, quanto a Piso, registrar e obter animais e plantas de ambientes variados, que compreendiam desde as lagunas litorneas at a caatinga do interior (TEIXEIRA, 1995).

    Todo o trabalho feito por Marcgrave, foi entregue ao seu mecenas, Joo Maurcio, antes de partir para a frica em 1644, onde veio a falecer, vtima de febre endmica. Nesse mesmo ano, Joo Maurcio embarcou para a Europa e l confiou os manuscritos de Marcgrave ao mdico Piso para que este os organizasse e publicasse, juntamente com as observaes de Piso sobre o clima, as molstias e remdios usados no Brasil. Nessa poca, Piso estava sobrecarregado e transferiu o encargo para Johannes de Laet que, por sua vez, trabalhou muito para concluir a tarefa.

    Marcgrave escreveu todos os seus trabalhos em cifras, por ele mesmo inventadas, a fim de que ningum pudesse tirar-lhe a glria de divulg-las em primeiro lugar.

    As relaes entre Piso e Marcgrave, durante o tempo em que ambos residiram no Brasil, tem sido objeto de inmeras controvrsias, havendo quem acuse Piso de plagiar Marcgrave pelas magnficas realizaes e prestgio que este tinha junto ao Conde, que chegou a encomendar, na Holanda um observatrio astronmico completo para que Marcgrave acompanhasse o eclipse solar de 1640. Permitindo, desta forma, que Marcgrave fosse o autor das primeiras observaes astronmicas sistemticas com o uso de telescpio neste lado do mundo (LEITE, 1967: 83).

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    A primeira edio e publicao das observaes feitas por Piso e Marcgrave, no livro cujo nome Histria Naturalis Brasiliae, foi realizada por Johannes de Laet (1593-1648), diretor e escritor da Companhia das ndias, sendo o primeiro volume intitulado De Medicina Brasiliensi, de autoria de Piso e o segundo volume Historiae Rerum Naturaliem Brasiliae de autoria de Georg Marcgrave.

    A obra foi publicada em 1648, quatro anos aps a morte de Marcgrave, num volume mdico, sob o ttulo Histria Naturalis Brasiliae. O editor, Johannes de Laet fez uma breve introduo aos leitores, onde promete uma nova verso, ou edio, quando a guerra terminar. Em 1828, Lichtenstein, publicou uma reviso crtica dos trabalhos de Marcgrave e Piso, principalmente no que se refere as ilustraes.

    Lichtenstein chama a ateno para o valor do trabalho de Marcgrave e Piso, pois antes deles se estabelecerem no Brasil, os holandeses, desconheciam todos os seus produtos naturais que no fossem artigos de comrcio. Surgiu, com Piso e Marcgrave, um novo reino, sendo eles os primeiros a dar uma notcia mais abrangente sobre o Brasil.

    Alm do valor do pioneirismo, o que lhes d importncia ainda maior a circunstncia de que, assim que os holandeses foram expulsos, os espanhis fecharam, aos pesquisadores, esta parte do mundo, tornando-a assim inacessvel durante um sculo e meio.

    O primeiro volume, De Medicina Brasiliensi, formado por quatro livros. O primeiro livro trata do ar, da gua e dos lugares, uma clara evidncia da influencia hipocrtica e galnica. O segundo trata das doenas endmicas, e pode-se dizer que este foi o primeiro relato sobre as doenas que se disseminavam no Brasil, bem como suas sintomatologias especficas. O terceiro livro descreve os venenos e antdotos encontrados em animais, plantas e minerais. E, por fim, o quarto livro descreve as propriedades teraputicas de rvores, razes, arbustos frutas e mel; ressalta-se neste ltimo livro, um relato detalhado das tecnologias envolvidas na feitoria do acar e na manipulao da mandioca (FREEDBERG, 1999: 202).

    Piso descreveu, em detalhes, as endemias reinantes no Brasil e os meios de trat-las. Observou o ttano, vrias paralisias, disenteria, hemeralopia entre outras inmeras doenas. Mostrou ainda a ao

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    teraputica do coco da copaba, do tipi, do sassafrs da japecanga e do jaborandi.

    O segundo volume da Histria Naturalis Brasiliae, de autoria de George Marcgrave, conta com oito livros. Os trs primeiros livros so sobre ervas, arbustos e plantas frutferas. O quarto livro sobre peixes e crustceos do mar e dos rios. O quinto livro sobre as aves, o sexto trata dos quadrpedes e repteis e o oitavo sobre a regio, os ndios e atuais habitantes (Op. Cit.).

    Piso, alegando imperfeies nessa primeira edio, preparou uma nova onde, segundo ele, separou as coisas teis das inteis, as verdadeiras das duvidosas e supersticiosas, as salutares das nocivas, a fim de que as descobertas mais complexas exigissem profundas pesquisas (LEITE, 1967: 82-88).

    Em 1658 surgiu uma nova verso da Histria Naturalis Brasiliae, sob a forma de 14 volumes sobre a histria mdica e natural de ambas as ndias, foi o De Indiae utris utrirsque re naturali et mdica libri quatuordecim, que compreende seis livros do prprio Piso (Historia naturalis et medica indiae occidentalis e a Mantissa aromatica), dois livros de Marcgrave (Tractus topographicus et metereologicus brasiliae e o commentarius de brasiliensis AC chilensis ndole ac linguae) e seis livros de Jacob Bontius (FREEDBERG, 1999: 209).

    Nesta edio, apareceu, exclusivamente, o nome de Piso numa folha de rosto. Piso atribuiu a si mesmo o trabalho que anteriormente foi corretamente creditado a Marcgrave. No entanto, Piso adaptou o texto de Marcgrave e lhe fez acrscimos. Nesta segunda edio, contm de indito algumas observaes astronmicas pioneiras sobre o hemisfrio austral. Alm de observaes realizadas por Marcgrave no primeiro observatrio do Novo Mundo e do hemisfrio sul (Op. Cit.).

    Depois da publicao dos dois livros sobre Histria Natural brasileira em 1648 e 1658, a Holanda superou todas as naes europias no valor cientfico e artstico de suas ilustraes, que se tornaram superiores por serem teis cientificamente e conterem descries cuidadosas (Op. Cit.: 211-212).

    No que tange Histria Natural brasileira, o valor dessas obras, ultrapassou todas as expectativas, inclusive por constituir a nica referncia abrangente sobre a fauna e a flora nordestina quando os

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    ecossistemas locais apresentavam-se relativamente intactos. Alm de realizarem significativas ligaes orgnicas entre o lugar, o clima, a fauna, a flora e os prprios homens de uma regio. Tornando-se, atualmente, insuperveis testemunhos de um mundo perdido, que conseguiu sobreviver por meio dos resultados dos estudos zoolgicos e botnicos de Piso e Marcgrave durante a ocupao holandesa do Brasil, no chamado perodo mauriciano.

    Em quase duzentos anos da publicao dos trabalhos de Piso e Marcgrave, encontramos inmeros relatos de valorizao de suas obras. Muitos foram os pesquisadores que, ao longo da histria, deram importncia ao trabalho de Marcgrave para a botnica e zoologia, como, por exemplo, o zologo Martius Lichtenstein, professor e diretor do Museu Zoolgico de Berlim entre 1814-1826, que mostrou a importncia da obra no que diz respeito s plantas brasileiras. E ainda, em homenagem a George Marcgrave, foi criada em botnica por Lineu, a famlia das marcgraviaceas, cujo gnero amplamente disseminado no Brasil. Sem nos esquecermos de mencionar que a Histria Natural deve a Piso e Marcgrave a primeira noo de o veneno ofdico, ou seja, das cobras, injetado durante a mordida das mesmas.

    Apesar da imensa riqueza que o livro de Piso contm, pouco se tem falado de sua obra ao longo desses quatro sculos. Publicada pela ltima vez em 1948, esta nossa primeira Histria Natural apresenta-se como um marco para a Histria das Cincias no Brasil, bem como para a Histria da Cincia Ocidental, ao mostrar para a Europa imagens e saberes acerca do Novo Mundo.

    O perodo de 1647 a 1658 foi marcado pelas publicaes resultantes da expedio de Maurcio de Nassau, em volumes e livros, sobre plantas raras do Horto de Amsterdam. Entretanto esses registros, assim como os dados do espao e a compreenso da paisagem serviram de imediato a fins militares.

    O material coletado durante o governo de Nassau prova do acentuado interesse dos holandeses pela arte e pela cincia. Onde, em particular, as obras de Piso e Marcgrave mostram, alm da ligao com a cincia na forma das descries topogrficas, faunstica e florsticas, um elo entre comrcio, cincias, exotismo e coleta. Uma vez que o comrcio em expanso e o prprio interesse das autoridades em manter colees

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    era motivo suficiente para garantir um fluxo contnuo de espcimes coletados para seguirem Europa (TEIXEIRA, 1995).

    Esse comrcio permitiu, especialmente ao europeu, o acesso aos objetos comercializados, transportados e cultuados em museus. Nesse sentido, no causa surpresa o fato de que os membros da nobreza passaram a dedicar-se a organizao dos famosos gabinetes de curiosidades e ricos manuscritos ilustrados sobre a fauna, a flora e as raridades vindas do Novo Mundo, estes, cada vez mais em voga, graas a certas caractersticas do enciclopedismo do sculo XVII.

    Os relatos de Marcgrave e, sobretudo os de Piso, deixaram claro que os holandeses consumiam uma pondervel variedade de elementos da fauna e da flora oferecidos em mercados locais, o que ampliava a possibilidade de aquisies interessantes. Essa mentalidade privilegiava os animais e plantas da maior parte do Brasil holands, ou possuidores de alguma caracterstica notvel, bem como aqueles utilizados na medicina ou na alimentao, sendo que as discusses acerca da utilidade de cada espcie estavam presentes a cada descrio (PAPAVERO, 1996: 50-55).

    Nesse sentido, podemos compreender que os holandeses no foram os pioneiros nas navegaes, nem tampouco foram os primeiros a levar registros das viagens para o continente europeu ou mesmo a transportar espcies exticas. Mas, no entanto, a experincia holandesa no Brasil do sculo XVII se diferenciou pela presena dos naturalistas Piso e Marcgrave, empenhados em recolher dados sobre a natureza americana. Isso distinguiu a coleta sob dois pontos de vista complementares: o processo de reunir os dados segundo um critrio preestabelecido, e o envio desses dados para imediata edio e incorporao s coletas cientficas europias. expresso, com clareza, o fato das obras Historia Naturalis Brasiliae (Histria Natural do Brasil) e Historia Naturalis et Medica Indiae Occidentalis (Histria Natural e Mdica da ndia Ocidental), terem permanecido, durante um longo tempo, como referncias importantes para os estudiosos das cincias da natureza (GESTEIRA, 2004: 20).

    Concluso Das reflexes sugeridas por esse captulo dedicado aos naturalistas

    Piso e Marcgrave, verificamos uma importante contribuio da moderna cincia do sculo XVII, responsvel pela investigao dos segredos do

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    mundo natural colocada ao alcance da humanidade, para inaugurar um perodo onde no se teria lugar para o misterioso.

    Neste contexto, entendia-se que tudo o que habitasse e se encontrasse na superfcie da terra fora criado por Deus e, que tais criaes, tinham como nico propsito de existncia servirem para instruo e uso do homem. No entanto, a natureza s passou a ser explorada significativamente a partir do momento em que a mesma passou a ser esquadrinhada, estudada e descrita de maneira metdica, fazendo do naturalista e dos estudos acerca da natureza, uma maneira de aumentar as possibilidades do mundo natural para o homem. Sendo que, nesse ponto, verificamos a contribuio dos registros feitos pelos naturalistas do conde alemo Joo Maurcio de Nassau, Piso e Marcgrave.

    Assim, por exemplo, as informaes dos espaos polticos, as configuraes da exata situao costeira, os estudos relativos aos ventos, mars, enfim, todo conhecimento que respondesse por uma navegao segura era de interesse no somente das cincias, mas tambm da poltica. Do que resulta uma Histria Natural, onde abundam temticas como: riqueza florestal (flora e fauna), agricultura, pesca, minrio, aspectos antropolgicos, plantas medicinais, salubridade do territrio e doenas endmicas, entre outros temas.

    As obras de Piso e Marcgrave contriburam grandemente para a formao de uma imagem do Brasil na Europa, dada, entre outros fatores, pela divulgao, feita pelo conde de Nassau, que distribuiu as colees referentes natureza catalogada no Brasil holands para reis, prncipes e pessoas influentes, a fim de obter vantagens e concesses polticas. De grande importncia para o pesquisador do sculo XVII, a coleo de desenhos da flora e da fauna brasileira, alm do cunho artstico, possua valiosas informaes da natureza, que, por sua vez, estavam diretamente ligadas aos livros de Piso e Marcgrave, que as usaram como base para as gravuras, que acompanham as descries e relatos.

    As obras de Piso e Marcgrave se tornaram nicas e raras, pois, muitas espcies zoolgicas e botnicas no alcanaram nosso sculo, bem como alguns saberes indgenas acerca da natureza, que hoje se encontram preservadas nas obras desses naturalistas, que acompanharam e serviram Maurcio de Nassau em seu domnio holands no nordeste brasileiro. Piso, por exemplo, procede metodologia, at hoje usada, na

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    catalogao de herbrios. Suas descries acerca das doenas, bem como dos simples, mezinhas e drogas apontados na De Medicina brasiliensi devem ser encaradas como insuperveis testemunhos de como se concebia no somente uma patologia, mas tambm como se apreendia sua disseminao, sintoma, formas de contgio e conseqentemente tratamento no Brasil do sculo XVII.

    O historiador Srgio Buarque de Holanda afirma que a obra de Piso foi e de tal relevncia e sem continuadores por mais de uma centria. Sendo consulta obrigatria sobre o nosso pas, at o sculo XIX, obra de referncia a todo mdico ou boticrio europeu (1960: 246).

    No entanto curioso observarmos que, em sua trajetria, a De Medicina Brasiliensi enquanto referncia bibliogrfica foi, amplamente, divulgada na rea da sade por mais de duzentos anos. Porm, como fonte documental acerca da histria da medicina e das doenas, a obra de Piso permaneceu indita. Pois, apesar de ter sido celebrada, a publicao de Piso s veio a ser traduzida do latim para o portugus em 1942, sendo publicada em 1948. justo afirmarmos que, decorridos 62 anos desde a publicao em portugus da obra de Piso, importantes investigaes historiogrficas foram feitas acerca do domnio holands no nordeste brasileiro, porm nenhum estudo se ocupou da obra De Medicina Brasiliensi.

    Para concluir, entendemos que a presena neerlandesa no Brasil durante o sculo XVII, nos legou um manancial de informaes sobre a regio, sendo que, ainda hoje, formam um conjunto rico de textos e de iconografias que ajudam a fixar a imagem do Brasil holands como um espao privilegiado para o desenvolvimento das cincias e das artes em solo americano, especialmente na cidade Maurcia.

    Portanto, os holandeses, alm de demarcarem um territrio, fizeram tambm uma descrio minuciosa do mesmo, contendo referncias aos elementos da natureza e tambm dos habitantes. Transformando tais obras, em meios de difuso de conhecimento arte.

    Pela relevncia de tais fontes documentais, sentimos uma enorme carncia, na historiografia brasileira, de estudos aprofundados acerca do trabalho realizado pelos naturalistas Piso e Marcgrave, no intuito de enriquecer os conhecimentos da Histria Natural brasileira.

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    Referncias Bibliogrficas

    FREEDBERG, David. Cincia, Comrcio e Arte. IN: HERKENHOFF, Paulo. O Brasil e os Holandeses (1630-1654). Rio de Janeiro: Editora Sextante Artes, 1999, p. 192-159.

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    GESTEIRA, Heloisa Meireles. Revista da SBHC, Rio de Janeiro, v.2, n.I, p.6-21, jan./jun. 2004.

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    TEIXEIRA, Dantes Martins (Org.).Theatrum Rerum Naturalium Brasiliae. Brasil Holands. Deutch-Brazil. Tomo I, Introduo e Miscelnea Cleyeri,

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    Tomo II Libri Principis vol I, Tomo III Libri Principis vol II, Tomo IV cones Aquatilium & cones Volatilium, Tomo V cones Animalium & cones Vegetabilium. Rio de Janeiro: Editora ndex, 1995.

    WOORTMANN, Klaas. Religio e Cincia no Renascimento. Braslia: Editora UNB, 1997.

    Referencias das Iconografias

    Figura 01: Marcgrave, George; Piso, Willem. Historia Naturalis Brasiliae. Lugdun. Batavorum. Livro IV, Cap. I, 1648, p. 142.

    Figura 02: Baen, Jan de. Retrato de Joo Mauricio (1604-1679), Conde de Nassau-Siegen. Royal Picture Gallery Mauritshuis, Den Haag, Holanda. leo s/ tela, 151.5 x 114.5 cm, 1660.

    Figura 03: Frontispcio, Historia Naturalis Brasiliae, Op. Cit., 1648.

    Figura 04: Ai ou Priguiza, Op. Cit., Livro VI, Cap. I, 1648, p. 221.

    Figura 05: Acaiaiba e Acaiuiba, Op. Cit., Livro III, Cap. II, 1648, p. 95.

    Figura 06: Dos Usos, e Costumes dos Tapuias... , Op. Cit., Livro VIII, Cap. VII, 1648, p. 280.

    Figura 07: Reri, Op. Cit., Livro IV, Cap. XXII, 1648, p. 188.

    |FONTES E REFERENCIAIS PARA ESTUDOS TEMTICOS

    1) Faa uma anlise comparativa dos fragmentos extrados da obra Historia Naturalis Brasiliae, de Piso e Marcgrave que se seguem, buscando reconhecer as prioridades e abordagens utilizadas pelos naturalistas para transmitir Europa saberes acerca dos produtos coloniais investigados para produo de bens manufaturados e manuteno da vida na Colnia da mandioca brasileira.

    Vrias regies das ndias careceram, at os tempos actuais, do trigo; mas a benigna me natureza no quis, contudo, lhes faltasse, a homens e

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    animais, o sustento da vida. Assim a raiz (...) chamada Mandihoca pelos brbaros, reduzida a farinha, faz as vezes do trigo. [...] cresce e amadurece de todas a mais rpida e por isso com ela se prepara ptima farinha. Esta planta, mais que as outras, gosta muito de solo arenoso e mais ressequido. Superior a todas para o consumo quotidiano e o lucro, nasce indistintamente em qualquer terra (...) [...] a Tipioca (...), seca, bem resguardada de toda umidade, cura-os [ndios]. Restabelece os febricantes (...) os contaminados por veneno (...) cobe quaisquer hemorragias, sobretudo provocadas por ferimentos. [...] Das mais razes no se deve usar, pois so venenos de efeito presentneo. Pois certas, por mais que cozam, no ser o suficiente para lhes extirpar o veneno e as tornar boas para comer. Por isso outrora, mesmo os ndios menos experimentados encontram a morte, ao separarem a parte alimentar, da venenosa; mais agora tornados mais sabidos, no s tiram da o sustento principal para vida, como tambm o fazem todos os portugueses e os nossos (PISO, Livro IV, Cap. II: 60-63).

    Exige-se[...] terra boa, mediocremente seca, no hmida; porisso os lugares montanhosos so preferveis. [...] O campo deve ser carpido trs ou quatro vezes at que a planta cresa, o que se realiza depois de seis ou sete meses (...). Os germes e tenras folhas desta planta so comidos pelas formigas. Os animais silvestres, como cabras e etc. tambm devastam as folhas (...). A raiz extrada descascada com uma faca (...) Depois submetida pela mo a uma roda (...) (MARCGRAVE, Livro II, Cap. VI: 65-68).