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39 ________________________________________________________ CAPÍTULO 5 NEOTECTÔNICA Por Allaoua Saadi 5.1 Neotectônica do Litoral Baiano na Literatura Manifestações de notável sismicidade foram registradas no estado da Bahia, no início do século, por Sampaio (1916, 1919, 1920), tendo sido inter- pretadas por Branner (1920) como resultado de mo- vimentação de falhas. Por outro lado, o reconheci- mento do papel da tectônica na evolução geológica cenozóica do litoral nordestino encontrou, desde a década de 50, forte argumento nos espraiamentos, em direção ao litoral, dos sedimentos do grupo Bar- reiras. Estes foram, desde então, interpretados como depósitos correlativos de pulsos de soerguimentos continentais (Dresch, 1957; Demangeot, 1960; Ma- besoone et al., 1972; Castro, 1979), cuja posterior emersão, acompanhando o levantamento do litoral, permitiu a formação das falésias que caracterizam a morfologia de vários trechos da linha de costa (Freitas, 1951; Ghignone, 1979). Ao enfocar mais especificamente o litoral baia- no, deve-se relembrar os trabalhos que forneceram argumentos sobre feições ou efeitos localizados e/ou específicos da atividade neotectônica. Dentre outros, sobressaem os de King (1956), Tricart (1957), Howard (1962) e Tricart & Silva (1968) sobre a cau- sa tectônica do afogamento plio-pleistocênico da baía de Todos os Santos; Hartt (1870) e Ghignone (1979) sobre o levantamento pleistocênico-holocê nico do litoral; Grabert (1960) sobre deslocamentos de terraços fluviais, durante a passagem do Plioceno para o Pleistoceno, e, finalmente, Suguio & Martin (1976) e Martin et al. (1986) sobre a deformação de níveis marinhos holocênicos, no litoral próximo a Salvador. No tocante à região enfocada neste trabalho, ou seja, a parte setentrional do litoral sul do estado da Bahia, englobando as áreas dos municípios de Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, situadas entre a foz do rio Jequitinhonha, ao norte, e a Ponta de Corum- baú, ao sul, a única referência notável anterior é a dos trabalhos do Projeto Radambrasil (Mendes et al., 1987). Neste trabalho, os autores inseriram a região na unidade geomorfológica dos Tabuleiros Costei- ros, cujos contornos correspondem, espacialmente, aos limites dos sedimentos continentais pliocêni- cos da formação Barreiras (os sedimentos aqui referidos como formação Barreiras pertencem, na realidade, a uma unidade litoestratigráfica em ní- vel de grupo, quando analisados no litoral do Nordeste setentrional. O nível de formação é aqui utilizado apenas para não gerar confusões e por- que não há espaço para discutir o assunto a con- tento). Ao descreverem a morfologia onde predo- minam topos aplanados, isolados por uma densa rede de drenagem, que dissecou fortemente a su- perfície de aplainamento por agradação pliocêni- ca, ressaltaram três tipos de feições hidrogeomor- fológicas, cuja associação evidencia a atividade neotectônica como um dos fatores que controlam o processo de dissecação fluvial. O primeiro tipo é representado pelo secciona- mento da unidade pelos rios de maior porte (Doce, Mucuri, São Mateus), com padrão de drenagem pa- ralelo a subparalelo. Em segundo lugar, citam a ocorrência de basculamentos de blocos, como “nas proximidades da cidade de Porto Seguro, onde rios, cujas nascentes se localizam próximo ao vale do rio Buranhém, não pertencem a sua bacia, vindo a ser afluentes do rio João de Tiba, localizado a norte” (p. 183). A ilustração utilizada é a reprodução de um extrato da imagem de radar em escala 1:250.000 (Folha SE.24-V-B), onde interpretam o vale do rio Buranhém como “vale alargado e alinhado indi- cando adaptação a falha, com basculamento de blo- co para NE, demonstrado pelo escarpamento de sua margem esquerda onde a drenagem é dirigida na- quela direção integrando outra bacia” (Foto 5.1). O terceiro tipo de feição é a própria geometria dos va- les dos rios que, a exemplo do Buranhém e Jucuru- çu, cortam os tabuleiros dentro de “vales largos e profundos, com talvegues chatos preenchidos por aluviões, onde os cursos divagam formando mean- dros” (Fotos 5.1, 5.2 e 5.3). Acrescentam a isso o caráter de assimetria apresentado pelo vale do rio Buranhém, como confirmação do controle neotectô- nico. Desse modo, Mendes et al. (1987) estavam con- firmando as hipóteses feitas por Silva & Tricart (1980), os quais já tinham se referido à atuação de

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Page 1: CAPÍTULO 5 · ocidental, àquelas impressas sobre rochas do emba-samento pré-cambriano. Estava, portanto, permitida, por um lado, a extensão da análise neotectônica ao período

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________________________________________________________ CAPÍTULO 5

NEOTECTÔNICA

Por

Allaoua Saadi

5.1 Neotectônica do Litoral Baiano na Literatura

Manifestações de notável sismicidade foramregistradas no estado da Bahia, no início do século,por Sampaio (1916, 1919, 1920), tendo sido inter-pretadas por Branner (1920) como resultado de mo-vimentação de falhas. Por outro lado, o reconheci-mento do papel da tectônica na evolução geológicacenozóica do litoral nordestino encontrou, desde adécada de 50, forte argumento nos espraiamentos,em direção ao litoral, dos sedimentos do grupo Bar-reiras. Estes foram, desde então, interpretados comodepósitos correlativos de pulsos de soerguimentoscontinentais (Dresch, 1957; Demangeot, 1960; Ma-besoone et al., 1972; Castro, 1979), cuja posterioremersão, acompanhando o levantamento do litoral,permitiu a formação das falésias que caracterizam amorfologia de vários trechos da linha de costa(Freitas, 1951; Ghignone, 1979).

Ao enfocar mais especificamente o litoral baia-no, deve-se relembrar os trabalhos que forneceramargumentos sobre feições ou efeitos localizados e/ouespecíficos da atividade neotectônica. Dentre outros,sobressaem os de King (1956), Tricart (1957),Howard (1962) e Tricart & Silva (1968) sobre a cau-sa tectônica do afogamento plio-pleistocênico dabaía de Todos os Santos; Hartt (1870) e Ghignone(1979) sobre o levantamento pleistocênico-holocênico do litoral; Grabert (1960) sobre deslocamentosde terraços fluviais, durante a passagem do Pliocenopara o Pleistoceno, e, finalmente, Suguio & Martin(1976) e Martin et al. (1986) sobre a deformação deníveis marinhos holocênicos, no litoral próximo aSalvador.

No tocante à região enfocada neste trabalho, ouseja, a parte setentrional do litoral sul do estado daBahia, englobando as áreas dos municípios de PortoSeguro e Santa Cruz Cabrália, situadas entre a fozdo rio Jequitinhonha, ao norte, e a Ponta de Corum-baú, ao sul, a única referência notável anterior é ados trabalhos do Projeto Radambrasil (Mendes et al.,1987).

Neste trabalho, os autores inseriram a regiãona unidade geomorfológica dos Tabuleiros Costei-ros, cujos contornos correspondem, espacialmente,aos limites dos sedimentos continentais pliocêni-

cos da formação Barreiras (os sedimentos aquireferidos como formação Barreiras pertencem, narealidade, a uma unidade litoestratigráfica em ní-vel de grupo, quando analisados no litoral doNordeste setentrional. O nível de formação é aquiutilizado apenas para não gerar confusões e por-que não há espaço para discutir o assunto a con-tento). Ao descreverem a morfologia onde predo-minam topos aplanados, isolados por uma densarede de drenagem, que dissecou fortemente a su-perfície de aplainamento por agradação pliocêni-ca, ressaltaram três tipos de feições hidrogeomor-fológicas, cuja associação evidencia a atividadeneotectônica como um dos fatores que controlamo processo de dissecação fluvial.

O primeiro tipo é representado pelo secciona-mento da unidade pelos rios de maior porte (Doce,Mucuri, São Mateus), com padrão de drenagem pa-ralelo a subparalelo. Em segundo lugar, citam aocorrência de basculamentos de blocos, como “nasproximidades da cidade de Porto Seguro, onde rios,cujas nascentes se localizam próximo ao vale do rioBuranhém, não pertencem a sua bacia, vindo a serafluentes do rio João de Tiba, localizado a norte”(p. 183). A ilustração utilizada é a reprodução de umextrato da imagem de radar em escala 1:250.000(Folha SE.24-V-B), onde interpretam o vale do rioBuranhém como “vale alargado e alinhado indi-cando adaptação a falha, com basculamento de blo-co para NE, demonstrado pelo escarpamento de suamargem esquerda onde a drenagem é dirigida na-quela direção integrando outra bacia” (Foto 5.1). Oterceiro tipo de feição é a própria geometria dos va-les dos rios que, a exemplo do Buranhém e Jucuru-çu, cortam os tabuleiros dentro de “vales largos eprofundos, com talvegues chatos preenchidos poraluviões, onde os cursos divagam formando mean-dros” (Fotos 5.1, 5.2 e 5.3). Acrescentam a isso ocaráter de assimetria apresentado pelo vale do rioBuranhém, como confirmação do controle neotectô-nico.

Desse modo, Mendes et al. (1987) estavam con-firmando as hipóteses feitas por Silva & Tricart(1980), os quais já tinham se referido à atuação de

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tectônica plioquaternária, usando como argumentosas anomalias de drenagem que ocorrem sobre a co-bertura sedimentar pliocênica, bem como as caracte-rísticas geométricas dos vales, em especial as dosbaixos cursos (retilinearidade e assimetria marcadapor diferenças morfológicas entre margens). Quantoaos basculamentos, também citados, Tricart (1957)já tinha relatado sua existência nos arredores de Sal-vador, onde afirmava que “pequenas falhas em de-graus, variando de 2 a 5m”, afetando a “série Bar-reiras” deviam ser “posteriores aos movimentos tectônicos mais importantes”, sugerindo a ocorrênciade vários eventos sucessivos, associados ao desen-volvimento da “flexura continental” desde o Cretá-ceo até os dias atuais.

Essa breve retrospectiva bibliográfica demonstrao quanto a atuação da neotectônica na faixa litorâneado estado da Bahia constitui um consenso no meioacadêmico. Fica claro também que as pesquisas fo-ram concentradas na região da Baía de Todos osSantos, ou seja, nos arredores da cidade de Salvador.

No que diz respeito à área em apreço, não exis-tem estudos com enfoque específico e em escala dedetalhe adequada. Houve, no entanto, um conjuntode observações sobre feições hidrogeomorfológicas,que resultaram em interpretações prudentes, mas àprimeira vista acertadas. Estas constituíram a baseinicial de reflexão que se utilizou para desenvolvereste estudo sobre a neotectônica da região, usandoum método próprio, que será descrito a seguir.

5.2 O Método Utilizado

Para o desenvolvimento deste trabalho, adotou-se o método composto pela seqüência das seguintesatividades:

1 – Revisão, através da consulta da literaturageológica e geomorfológica, dos conhecimentos jáadquiridos sobre a natureza e idade das unidadeslitoestratigráficas, o arcabouço estrutural herdadodos eventos tectônicos pré-cenozóicos, bem comosobre a configuração geomorfológica e estrutural daárea da Plataforma Continental. Procurou-se, poressa via, fazer uma síntese das hipóteses já emitidaspor outros pesquisadores sobre a neotectônica daregião e avaliar a sua pertinência, separando, emmeio aos argumentos utilizados, os indícios daquiloque representa verdadeiras evidências.

2 – Uma vez adquirida a certeza de que pratica-mente toda a região é coberta por sedimentos daformação Barreiras, tidos consensualmente como deidade pliocênica, pode-se considerar que qualquercontrole estrutural bem caracterizado sobre feiçõesmorfológicas e/ou hidrográficas deve expressar asconseqüências de atividade tectônica posterior àinstalação da referida cobertura sedimentar, sendoportanto legitimamente neotectônica. Com base nis-so, realizou-se uma interpretação de caráter morfo-tectônico, em duas etapas.

3 – A primeira etapa consistiu em análise darede de drenagem da região, extraída das cartas to-pográficas, na escala 1:100.000, para confecção deum esboço neotectônico preliminar. Para isso, utili-zaram-se os seguintes critérios de interpretação:◊ o alinhamento significativo de um mesmo curso

d’água ou de trechos de vários determina o traça-do de falha importante;

◊ a repetitividade de trechos fluviais retilíneos aolongo de uma faixa de terreno bem delimitada no

sentido da largura expressa a influência de umazona de falhas e/ou fraturas;

◊ a repetitividade de deflexões nos cursos fluviaisafetados, aliada a uma constância no sentidodestas, deve expressar, em primeira análise, osentido do movimento predominante nas trans-corrências;

◊ as variações bruscas na orientação dos fluxoshidrológicos de um grupo de microbacias paraoutro devem indicar os limites (em caráter preli-minar) de blocos tectônicos, bem como das dire-ções de basculamento destes;A partir desses critérios de interpretação, foi

elaborado um primeiro esboço preliminar da organi-zação neotectônica da região.

4 – A segunda etapa de interpretação morfotec-tônica foi desenvolvida com base em imagens obti-das pelo satélite Landsat 5, sob forma de composi-ções coloridas, sobre suporte de papel, na escala1:100.000.

O tratamento dado a esses documentos, aplicadoa todo o litoral baiano situado ao sul da foz do rioJequitinhonha, consistiu no desenho, sobre suportede poliéster transparente, de todos os vales, a partirdo delineamento de seus rebordos superiores. Apro-veitando a oportunidade, estendeu-se esse mapea-mento aos traçados dos paleocanais fluviais e falé-sias, bem como aos limites e orientações dos siste-mas de cordões litorâneos. Objetivou-se, com isso, analisar a influência da provável movimentação neo-tectônica sobre o desenvolvimento pós-pliocênico dorelevo, que, no caso em apreço, resumiu-se, a mon-tante da linha de costa, ao entalhe de vales sobre asuperfície plana da cobertura sedimentar.

Postulou-se, evidentemente, que traçados retilí-neos das bordas escarpadas dos vales, conformando

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alinhamentos significativos e/ou feixes bem delimi-tados, representavam os efeitos de um controle tec-tônico da morfogênese impresso na cobertura sedi-mentar pliocênica. À medida que a interpretaçãoavançava, percebeu-se que vários dos alinhamentosmaiores estendiam, pelo lado oriental, às feições hi-drogeomorfológicas instaladas sobre depósitos cos-teiros marinhos e/ou flúvio-marinhos, e pelo ladoocidental, àquelas impressas sobre rochas do emba-samento pré-cambriano. Estava, portanto, permitida,por um lado, a extensão da análise neotectônica aoperíodo holocênico e, por outro lado, o estudo dasrelações existentes entre a tectônica cenozóica e asestruturas herdadas dos eventos tectônicos mais ve-lhos, ou seja o estudo dos problemas de reativação.

5 – A partir desse momento, estavam agrupadosos dados que permitiriam uma análise de caráterglobal, usando-se o artifício da superposição dosesboços neotectônicos oriundos das duas interpreta-ções (com base na drenagem e na morfologia), oconjunto tendo sido superposto a uma base contendoa rede de drenagem principal (rios coletores) e oslimites das três unidades estratigráficas fundamen-tais para a análise (Pré-Cambriano, formação Barrei-ras e Quaternário). Deve-se atentar para o fato deque o denominado Quaternário refere-se, na realida-de, quase exclusivamente a depósitos de idade holo-cênica. Além disso, na área de afloramento de ro-chas pré-cambrianas foram representadas as princi-pais falhas constantes dos trabalhos do Projeto Ra-dambrasil, no intuito de definir as relações funcio-nais entre estruturas pré-cambrianas e estruturas ce-nozóicas, através das soluções de continuidade espa-cial e de correspondência em termos de direções.

6 – Por fim, no objetivo de tentar a construçãode um modelo regional e definir a origem dessa ati-vidade neotectônica, procedeu-se a uma tentativa deintegração da organização neotectônica assim defi-nida, nos quadros tectônicos admitidos para as áreascontinental e da margem oceânica.

7 – Com base no modelo preliminar, realizou-seuma campanha de levantamento de campo expedito,durante a qual foram encontradas e analisadas evi-dências da atividade neotectônica na região. Tratou-se de falhamentos afetando sedimentos do grupoBarreiras, situados em locais previsíveis, em funçãodo modelo. Essas evidências são citadas no textodeste relatório. No entanto, infelizmente, o programaelaborado com vistas ao desenvolvimento dos le-vantamentos de campo mais completos não foi leva-do adiante por falta de recursos.

Em conseqüência disso, resultou deste trabalhoo esboço neotectônico proposto (enquanto primeiraaproximação, carecendo de maior confirmaçãoapoiada em levantamentos exaustivos de campo)para a região dos Tabuleiros Costeiros do sul daBahia, situada entre a foz do rio Jequitinhonha e aPonta de Corumbaú (Figura 5.1). Os perfis geológi-cos que acompanham este relatório (Figuras 5.2 a5.5) representam os sedimentos da formação Bar-reiras com base numa interpretação derivando daassociação entre a topografia extraída da Carta To-pográfica do Brasil (1:100.000), a geologia extraídados mapas do Projeto Radambrasil (1981) e a tec-tônica resultando do presente trabalho. Trata-se,portanto, da representação de uma interpretaçãosem auxílio de dados de sondagem, evidentementesujeita a revisões.

5.3 Estruturas Neotectônicas

O resultado obtido dessa análise demonstra aexistência de várias evidências da atividade neotec-tônica na região, que imprimiu um controle muitoforte sobre a morfogênese que se processou desde oPlioceno, pelo menos, até os dias atuais. Esse con-trole da morfogênese gerou várias feições morfo-tectônicas que permitem proceder a uma classifica-ção preliminar das estruturas neotectônicas e descri-ção de suas características específicas.

Para facilitar a comunicação dessas informações,elaborou-se um croqui, na escala 1:1.000.000, quesintetiza os resultados obtidos na escala 1:100.000(Figura 5.1). Aproveitou-se a oportunidade para es-

tender o mapa em direção ao sul, até à região de Ca-ravelas – Nova Viçosa, para mostrar as variaçõesespaciais de estruturação neotectônica, apesar de umcomportamento regional aparentemente uniforme.

As feições neotectônicas/morfotectônicas foramclassificadas em cinco famílias e/ou tipos bem dis-tintos, quais sejam:

• falhas de direção NW-SE• falhas de direção NE-SW• grabens dos baixos cursos fluviais• zonas de falhas de direção E-W• blocos basculados

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Mogiquiçaba

Porto Seguro

Trancoso

Caraíva

Cumuruxatiba

Prado

Alcobaça Teixeira de Freitas

Itamaraju

Itabela

ItagimirimSalto daDivisa

Guaratinga

Caravelas

Ponta de Corumbaú

Barra do Caí

Ponta da Baleia

Quaternário IndivisoPlioceno (Formação Barreiras)

Pré-Cambriano

100 20 km

ESCALA: 1:1.000.000

Sta.CruzCabrália

Eunápolis

Nova Viçosa

MontePascoal

SAADI/1997

Figura 5.1 Esboço neotectônico da região sul da Bahia.

ESTRUTURAS NEOTECTÔNICAS FALHAS MAPEADAS SOBRE O PRÉ-CAMBRIANO

Sentido provável de basculamento de bloco

Lineamentos fortemente impressos

Falha com ou sem sentido de movimento

Falha normal

Falha

RodoviaMonte Rios

Falha inferida

Seções geológicas

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5.3.1 Falhas de direção NW–SE

Essas falhas apresentam-se como as mais evi-dentes do ponto de vista de seus efeitos morfotectô-nicos. São caracterizadas por lineamentos muitofortes, representados por vales perfeitamente retilí-neos e profundos, assemelhando-se a canyons. Sãotambém notáveis a continuidade e a persistência dostraços morfológicos que denunciam sua existência.

Parecem representar as estruturas provavelmenteas mais importantes, pois:

a – seus efeitos sobre os rios principais são dosmais expressivos (controle de trechos retilíneos, im-posição de mudanças bruscas e drásticas de rumos,entre outras anomalias);

b – seus traços persistem com a mesma expres-são tanto sobre a cobertura sedimentar, quanto sobreas rochas do embasamento;

c – elas interrompem claramente a extensão oci-dental dos grabens que abrigam os baixos cursos dosrios principais;

d – elas apresentam, individualmente, os traça-dos “seguros” mais compridos.

Essas falhas possuem uma direção que varia nointervalo estreito de N35W a N40W, o que constitui

uma outra prova de constância. É necessário ressal-tar que essa direção geral é a das falhas impressas noembasamento pré-cambriano que aflora a oeste, oque sugere que os seus trechos situados no domíniodos sedimentos pliocênicos constituem a expressãoda reativação das estruturas antigas, com uma certarigidez na preservação das direções originais. Issorepresenta um indício de movimentação forte, queconseguiu impor à cobertura sedimentar as caracte-rísticas genuínas das estruturas subjacentes.

Notar-se-á que, na área situada a sul da Ponta deCorumbaú, essa família de falhas apresenta uma di-reção variável no intervalo N20W a N30W, em con-formidade com as direções impressas no embasa-mento pré-cambriano. Trata-se, portanto, realmentede um resultado de reativação de estruturas antigas.

Por fim, a análise das anomalias impostas aocomportamento da rede de drenagem, especialmentecom relação à geometria das deflexões, sugere umsentido de movimentação geral dextrógiro, apesar deque o caráter de falha normal está bem afirmado namaior falha dessa família, conforme segue na descri-ção específica.

Falha Salto da Divisa – Barra do Caí

Essa falha deve estender-se por uma distânciade pelo menos 140km, pois inicia-se, a sudeste, nolocal denominado Barra do Caí, situado entre Cu-muruxatiba e a Ponta de Corumbaú, e pode serestendida, no mínimo, até os arredores da cidadede Salto da Divisa, a noroeste (Foto 5.4). Sua di-reção varia entre N35W e N40W, apresentandoligeira sinuosidade, que parece inclusive exercernotável influência sobre os deslocamentos, aolongo de seu traçado. Apresenta indícios de mo-vimentação dextrógira, associada a deslocamentosde falha normal.

A falha apresenta três segmentos com caracte-rísticas diferentes:◊ Segmento SE, com extensão compreendida entre

a Barra do Caí e o rio Caraíva e direção N35Wimpressa sobre sedimentos pliocênicos e quater-nários. As fortes deflexões nos rios do Queima-do e Corumbau parecem indicar uma movimen-tação dextrógira, enquanto a localização das áre-as de mangue do rio do Queimado, no bloco NE,indica um rebaixamento deste por deslocamentonormal.

◊ Segmento Central, com extensão compreendidaentre o rio Caraíva, a SE, e o rio do Peixe ou Bu-ranhém, a NW, e direção N40W. É nesse trechoque o traçado da falha é o mais evidente, poisimprimiu vales profundos e com perfeita retili-

nearidade dentro da cobertura sedimentar plio-cênica (15km só no médio rio Caraíva), além decontinuidade também perfeita a NW, nas rochasdo embasamento. No trecho em que esta feiçãose relaciona com o médio rio Caraíva, o vale ge-rado assemelha-se a um verdadeiro canyon, oqual é segmentado por um deslocamento sinis-tral devido à passagem de uma zona de falhas dedireção E-W. Nesse trecho, também, as defle-xões fluviais continuam indicando movimenta-ção dextrógira. Porém, o deslocamento verticalparece ter mudado de sentido, sendo o bloco NElevantado. O principal argumento para essa in-terpretação é o bloqueio da sedimentação aluvialholocênica ligada aos afluentes de margem di-reita do rio Caraíva. Esse bloqueio é denunciadopela concentração de manchas de aluviões nobloco SW. Destaca-se nesse bloco SW uma zonade deformação densa, apresentando formas rom-boédricas compostas por estruturas N40W e E–W. Interpreta-se essa zona como uma área abati-da sob forma de meio-graben extremamentefragmentado. O modelo deve ser o de uma falhaem flor negativa com a falha principal situada dolado NE e falhas antitéticas mergulhando paraNE, sendo as principais com direções N10W eN60W (Figura 5.1). Na extremidade setentrionaldessa zona, observa-se que a falha interrompe

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brutalmente a extensão para oeste do graben quealoja o baixo curso do rio dos Frades.

◊ Segmento NW, com extensão compreendida en-tre o rio Buranhém, a SE, e de forma menos ní-tida, nas proximidades da cidade de Salto da Di-visa, em Minas Gerais, com direção N35W. Otraçado é indicado por uma série de trechos reti-líneos de vales encaixados, tanto na coberturasedimentar pliocênica quanto nas rochas do em-basamento. Nessas rochas, a falha segue perfei-tamente o rumo das falhas do embasamento. Poroutro lado, ela controlou a erosão da formação

Barreiras, na região de Eunápolis, gerando con-tornos retilíneos e contornos angulares. Apesarda maior indefinição de seu traçado em direção aSalto da Divisa, ele foi estendido em razão doconhecimento que se tem dessa região. De fato,no local onde a falha deve atravessar o rio Je-quitinhonha, este apresenta uma série de ca-choeiras, corredeiras e retomada de dissecaçãonovíssima, que expressam claramente a respostageomorfológica a um falhamento acompanhadodo abatimento do bloco NE e basculamento,para SW, do bloco levantado (bloco SW).

Falha Serra do Peixoto – Vale Verde

Essa falha estende-se numa distância mais mo-desta de, aproximadamente, 40km na direção N35W,entre a localidade de Vale Verde a SE, no vale do rioBuranhém, e os arredores da serra de Peixoto, a lesteda cidade de Itagimirim. Seu traçado é marcado poruma sucessão de trechos retilíneos de vales encaixa-dos, com notáveis deflexões fluviais dextrógiras. Asmais expressivas são as que afetam o rio das Pedri-nhas, afluente do rio João de Tiba, numa distância de7km, e o rio Santa Cruz ou João de Tiba.

Dois fatos são ainda dignos de nota para essaestrutura. Em primeiro lugar, o fato de a falha inter-romper de forma nítida a extensão para oeste dograben que aloja o baixo curso do rio Buranhém,

fato já observado no caso da falha Salto da Divisa –Barra do Caí, com o rio dos Frades. Em segundolugar, o fato de, em torno da área de cruzamentocom a zona de falha E-W do rio João de Tiba, desenvolver-se, ao longo da falha Serra do Peixoto –Vale Verde, uma zona de deformação mais larga,composta por romboedros formados por estruturasde direções N35W e E–W. Esse fato parece compa-rável ao observado no segmento central da falhaSalto da Divisa – Barra do Caí.

O perfeito paralelismo de seu traçado com asfalhas do embasamento, em sua parte setentrional,sugere que se trata da reativação de uma estruturaantiga.

Falha Itapebi – Rio João de Tiba

Com uma extensão, na área mapeada, de apro-ximadamente 40km, essa falha é composta por doissegmentos.

O primeiro, situado a SE, possui direção N35We controla uma importante deflexão do rio João deTiba, com o respectivo vale encaixado na formaçãoBarreiras. O fato notável dessa falha é que, confor-me as duas precedentes, ela interrompe nitidamentea extensão para oeste do graben que aloja o baixocurso do rio João de Tiba.

O segundo segmento situa-se a NW, entre os riosSanto Antônio e Jequitinhonha, com direção N40W.Seu traçado é marcado por uma série de trechos devales retilíneos encaixados seja na formação Barrei-ras, seja nas rochas do embasamento. Por outro lado,é também notável o controle exercido sobre os con-tornos erosivos da formação Barreiras e do própriovale do rio Jequitinhonha, na sua passagem. Esse úl-timo controle demonstra que se trata de uma estruturaantiga, reativada durante o Plio-Pleistoceno.

Observações de campo

Falhamentos com direção NW-SE foram obser-vados no campo, em vários locais e situações.

No primeiro local, na BR-367, a meio caminhoentre Porto Seguro e Eunápolis, os afloramentos dossedimentos da formação Barreiras, nos cortes da ro-dovia, exibem falhas que deslocam linhas de casca-lho e lentes de areias. A feição mais notável é a deuma falha em flor positiva, com deslocamento verti-cal de 1m por falhas de direção N55W e N75W emergulhos de 80°. Uma série de falhas e fraturas

associadas apresentaram direções variando entreN10W e N30W, com mergulhos de 85°.

O segundo local é representado por feixes de fratu-ras, ou falhas (ausência de indicador para determinaçãode deslocamentos) afetando argilitos arenosos coesos,na Praia de Curuípe. As direções variam entre N50W eN70W, com mergulhos verticais. Apesar da dificulda-de em determinar deslocamentos ou sentidos de mo-vimento, algumas feições sigmoidais associadas a es-sas estruturas sugerem movimentação transcorrente.

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5.3.2 Falhas de direção NE–SW

Essa família de falhas é, também, muito repre-sentativa da organização estrutural da região, apesarde possuir traços morfológicos com expressão me-nos acentuada. Na realidade, trata-se, a maior partedas vezes, de feixes de falhas e/ou fraturas com dire-ções variando no intervalo N40E a N60E e larguramuito variável. Freqüentemente, o feixe é caracteri-zado por uma ou duas falhas principais, relativa-mente bem marcadas na morfologia, associadas auma série de lineamentos curtos mas extremamenterepetitivos.

A expressão morfológica é representada por tre-chos de vales retilíneos e encaixados, associados adeflexões fluviais. No entanto, diferentemente dafamília de falhas de direção NW-SE, os traços mor-fológicos são individualmente muito mais curtos, daordem de quilômetro. A segunda diferença signifi-cativa reside na largura do traço morfológico, que é,também, muito mais fino. Por último, deve-se res-saltar que a geometria das deflexões fluviais e dostraços morfológicos indica, de maneira constante,uma movimentação sinistrógira.

De um ponto de vista global, pode se resumirque as falhas com direção NE-SW são importantesno contexto estrutural regional, com comprimentosindividuais de, aproximadamente, 20 a 50km. Apa-rentam caráter transcorrente sinistral e idade da úl-tima movimentação mais antiga que a das falhasNW-SE, pois são recortadas por estas.

Por outro lado, a espessura reduzida do traço,associada à ausência de feições morfotectônicas in-dicadoras de movimentação vertical, sugere que setrate de falhas de contexto transpressivo, ou seja“transcorrentes-inversas”.

As falhas determinadas pela análise morfotectô-nica, impressas na cobertura sedimentar pliocênica,possuem um leque de direções variando entre N40Ee N60E, sendo que várias mostram um prolonga-mento sobre o substrato pré-cambriano, o que per-mite associá-las às falhas classicamente reconheci-das para esse substrato cujas direções variam entreN30E e N60E. Poder-se-á, conseqüentemente, con-cluir que essa família de falhas corresponde à reati-vação de estruturas antigas, possivelmente até deidade pré-cambriana.

Apesar da dificuldade, nas condições do conhe-cimento atual, em isolar sistemas de falhas específi-cos nessa família, propõe-se, temporariamente, aseguinte classificação para a região em apreço:

1 – A Zona de Falha N40E de Caraíva

Estende-se numa distância aproximada de 50km,da linha de costa de Caraíva, a NE, em direção a

SW, até ser interrompida pelo graben do baixo rioJucuruçu. Ao longo desse percurso, e de NE a SW,ela controla o limite ocidental da planície flúvio-marinha do conjunto “rio Caraíva/córrego da ÁguaBranca/córrego Grapiúna”; gera um pequena defle-xão no rio Corumbaú e reorienta o médio curso dorio do Queimado, numa distância de 10km. Deve-seressaltar que todo esse traçado está impresso nossedimentos pliocênicos e que ela é recortada pelafalha Salto da Divisa – Barra do Caí.

2 – A Zona de Falhas N60E de Trancoso

Trata-se de uma zona de falhas e fraturas comcomprimento máximo de 10km, situada nos arredo-res da vila de Trancoso, entre o rio do Trancoso e orio dos Frades. Os traços hidromorfológicos sugeremuma largura de até 5km e movimentação sinistrógi-ra. Seu limite ocidental é melhor definido por umlineamento que se inicia na área da desembocadurado rio do Trancoso. Essa zona é brutalmente inter-rompida ao sul, pelo graben do baixo rio dos Frades.

3 – A Zona de Falhas N50–60E de Santa CruzCabrália

Trata-se de uma zona de falhas e fraturas comcomprimento total de aproximadamente 75km, queinterliga a linha de costa de Santa Cruz Cabrália, aNE, ao médio vale do rio dos Frades, onde ela é in-terrompida pela falha Salto da Divisa – Barra doCaí, a leste da cidade de Itabela. Ela é composta, emprimeira análise, de três segmentos bastante dife-rentes.! Segmento NE: comporta-se como uma zona

muito larga (entre 4 e 10km), formando um le-que aberto em direção a NE e delimitado porfalhas-mestres de direção N50E (a oeste) eN65E (a leste). Essas duas falhas parecem con-trolar trechos retilíneos da linha de costa a nortee sul de Santa Cruz Cabrália. A zona é marcadapor uma infinidade de trechos retilíneos de va-les, geralmente curtos mas constantes em dire-ção aos quais se associam deflexões com sentidosinistrógiro. Esse segmento é limitado, ao sul,pelo graben do baixo rio Buranhém.

! Segmento Central: zona de falhas e fraturascomparável ao segmento precedente, no entantocom limites menos nítidos. Possui direção N60Ee extensão limitada a NE, pelo graben do baixorio Buranhém, e a SW, pelo graben do baixo riodos Frades. A falha central dessa zona apresentaos clássicos traços morfológicos bem nítidos, osquais indicam uma movimentação sinistrógira.

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! Segmento SW: supõe-se que o ramo de direçãoN60E, que compõe o desdobramento do grabendo baixo rio dos Frades, próximo à cidade deItabela, seja uma conseqüência dessa família defalhas. Isso é argumentado pelo fato de que aZona de Falhas de Santa Cruz Cabrália, quandoconsiderada no seu conjunto, apresenta influên-cia sobre todos os grabens dos baixos cursosfluviais; além do fato referido, limita o grabendo rio João de Tiba a leste e gera uma pequenadigitação no rio Buranhém.

4 – As outras falhas

Várias outras falhas com direções contidas nareferida faixa ocorrem, isoladamente, na área interi-orana e são assinaladas pelas já referidas feições hi-drogeomorfológicas, impressas tanto na coberturasedimentar pliocênica, quanto nas rochas do emba-samento. Duas delas, as mais evidentes, foram ma-peadas; uma delas cortando obliquamente o vale domédio rio das Pedrinhas, a outra controlando o tre-cho N60E do médio-baixo rio Buranhém.

Nesse último caso, a dissecação atravessou acobertura sedimentar e escavou profundamente as

rochas do embasamento, da mesma forma comoocorreu no trecho paralelo do rio dos Frades. Oprolongamento do traçado dessa falha corta a BR-101 na área onde foi observada a falha inversa, comdireção N60E. Investigações mais detalhadas seriamnecessárias para verificar se se trata da mesma falha.

5 – Observações de campo

Provável confirmação da movimentação inversapode ser observada in situ, num corte da margemoeste da BR-101, a norte da cidade de Itabela, sobrea linha divisora das bacias hidrográficas dos riosBuranhém e dos Frades (Foto 5.5). O corte, expostopara leste, exibe uma falha afetando os sedimentosda formação Barreiras, com direção N60E, mergulhode 65° para SE. O provável deslocamento inversovisível no corte de estrada foi deduzido a partir dageometria de feições sigmoidais e drags que indicamuma vergência para NW. No corte oposto, expostopara oeste, afloram gnaisses kinzigíticos alterados,sobrepostos por sedimentos da formação Barreiras,onde a presença de brusca descontinuidade lateral nocontato entre os dois tipos de materiais sugere aexistência de falhamentos sin-sedimentares.

5.3.3 Grabens dos baixos cursos fluviais

Esse tipo de estrutura é proposto como resultadode uma interpretação morfotectônica, constituindo,portanto, uma hipótese que já fez vários adeptos,entre os quais Silva & Tricart (1980) e Mendes et al.(1987). Deve-se ressaltar que essas feições morfo-tectônicas não são exclusivas dessa parte do litoralbrasileiro. No litoral oriental do Rio Grande doNorte, a mesma hipótese tinha sido posta por Salimet al. (1979). A existência dos grabens foi compro-vada por Bezerra et al. (1993), com base no uso in-tegrado de métodos geomorfológicos, geológicos egeofísicos.

No caso da região em apreço, trata-se dos tre-chos dos baixos vales dos rios João de Tiba, Bura-nhém e dos Frades, com extensões respectivas de,aproximadamente, 17, 30 e 35km e largura variandoentre 1 e 2.5km (Fotos 5.1 e 5.2).

Os critérios geomorfológicos que mais justifi-cam essa interpretação são:! vales muito largos, com fundos perfeitamente

planos e margens constituídas por escarpas ver-ticais a subverticais;

! esses vales apresentam um traçado retilíneo emdistâncias de dezenas de quilômetros;

! essa morfologia é impressa em sedimentos dotipo arenitos argilosos, sem que o perfil das es-carpas tenha sido amenizado pela erosão e o seutraçado tenha sido festonado pela dissecação;

! aliado a esse critério, há o fato de esses trechosde vales, contrariamente ao esperado, comporta-rem-se como linhas dispersoras da drenagem se-cundária;

! seus fundos são ocupados por sedimentos holo-cênicos, de origem flúvio-marinha, denunciandouma provável subsidência contínua;Do ponto de vista geológico, ressaltar-se-á a

constância na direção e a relação com as outras fa-mílias de falhas. Nos rios dos Frades e Buranhém, adireção é N60W, com deflexão sinistrógira da ex-tremidade oeste relacionada com a interrupção ope-rada pelas falhas NW–SE e, secundariamente, NE-SW. No caso do rio João de Tiba, a direção é E-W,com interrupções dos dois lados operadas pelas fa-lhas NE-SW.

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5.3.4 Zonas de falhas de direção E-W

Essas estruturas são caracterizadas por feições hi-drogeomorfológicas conspícuas, no entanto relativa-mente claras sobre a cobertura sedimentar pliocênica:pequenos trechos de drenagem orientados e extrema-mente repetitivos, contidos em faixas E-W bem deli-mitadas que estreitam regularmente, à medida que seestendem em direção a oeste, onde a influência dosubstrato pré-cambriano fica cada vez mais forte.

Uma característica permanente dessas faixas é aocorrência de formas romboédricas compostas peladireção E-W e a direção da família de falhas quevier a ser cruzada, NE–SW ou NW–SE.

1 – Caracterização das zonas de falhas

Essas estruturas aparecem, na região em apreço,em número de quatro, sendo de norte a sul:

! Zona de falhas do rio João de Tiba, constituindoo prolongamento ocidental do graben corres-pondente. Estende-se da linha de costa até, pelomenos, cruzar a BR-101, próximo à vila deMundo Novo, onde volta a controlar um trechoE-W do rio João de Tiba.

! Zona de falhas do médio rio Buranhém, consti-tuindo o prolongamento ocidental do grabencorrespondente. Estende-se, igualmente à prece-dente, pelo menos, até cruzar a BR-101, próxi-mo à cidade de Eunápolis, onde vem a controlarum trecho E-W do rio Buranhém.

! Zona de falhas do médio rio dos Frades, cons-tituindo um dos prolongamentos ocidentais dograben correspondente, rapidamente interrompi-do pela falha Salto da Divisa – Barra do Caí.

! Zona de falhas do alto rio Caraíva, contraria-mente às precedentes, é independente de qual-quer graben consolidado e possui dois trechos,bastante diferenciados. O trecho oriental inicia anorte de Caraíva, num local onde a linha decosta apresenta uma pequena enseada com for-ma retangular, cujos ângulos retos correspondem

aos limites laterais dessa zona. Em seguida, es-tende-se para oeste, sofrendo vários desloca-mentos por falhas de direção NW–SE, o queconforma uma sucessão de romboedros alonga-dos na direção E–W. Nesse trecho, que findainterrompido pela falha Salto da Divisa – Barrado Caí, ela possui uma largura média de 2km. Otrecho ocidental inicia-se nessa última e prolon-ga-se a oeste numa distância de 30km, contro-lando o alto vale do rio Caraíva. Nesse percurso,sofre efeitos de deslocamentos comparáveis aosdo trecho oriental, o que desvia ligeiramente suadireção para WSW–ENE. Nesse trecho, sob in-fluência maior do substrato pré-cambriano, sualargura diminui para uma média inferior a 1km.

2 – Observações de campo

Essa família de falhas foi evidenciada, em nívelde afloramento, em cortes de rodovia BR-101, entreas cidades de Itamaraju e Teixeira de Freitas, naprojeção oriental do braço sul do rio Jucuruçu.

O primeiro afloramento exibe uma série de cincofalhas organizadas em sistemas de horsts e grabens,moldados no contato entre gnaisses alterados e se-dimentos cenozóicos, provavelmente mais jovensque a formação Barreiras (Fotos 5.6 e 5.7). Estes sãoconstituídos por um nível basal de seixos subangulo-sos, sobreposto por areias argilosas com grânulos epequenos seixos dispersos. Apesar das dificuldadesde medição dos planos, inerentes à natureza do ma-terial rochoso envolvido e do grau de ressecamento aque foi submetido, os planos de falhas são subverti-cais e apresentam direção N100E.

O segundo afloramento, situado à margem es-querda (norte) do braço sul do rio Jucuruçu, quandoeste atravessa a rodovia, mostra a formação Barrei-ras afetada por falhamentos normais e falhas em flornegativas, com direção variando entre N60E e N90Ee rejeitos métricos.

5.3.5 Blocos Basculados

Por fim, deve-se ressaltar a importância da in-formação fornecida pelos blocos recortados nos ta-buleiros pelos sistemas de falhas descritos. Trata-sede blocos crustais com formas romboédrica ou trian-gular, sobre os quais os fluxos de drenagem mostramvariações repentinas de direção, marcadas, no mapaGeomorfológico, por sistemas de vales paralelos,cuja escavação foi controlada por níveis de base to-talmente diferentes.

Uma análise detalhada dessas direções de fluxohidrológico, que são, conseqüentemente, interpretadascomo direções de basculamentos tectônicos (Fotos5.1 a 5.3), mostra que estas respondem, coletivamen-te, a uma organização regional caracterizada por duasdireções principais de inclinação opostas. Ao norte dograben do baixo rio Buranhém, os blocos são inclina-dos, globalmente, em direção a ENE, enquanto que, asul deste, a inclinação média é para SE.

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5.4 Interpretação Estrutural

A análise morfotectônica da região permitiu de-terminar, numa primeira aproximação, várias estru-turas neotectônicas caracterizadas por falhas e zonasde falhas e fraturas, compondo uma organização es-trutural, que ainda carece de melhor controle decampo e da concepção de um modelo explicativoglobal.

Essa estrutura é composta por:! falhas de direção N35–40W herdadas de estrutu-

ras antigas do embasamento, provavelmente dextrais-normais, que parecem ter apresentado amovimentação mais antiga;

! falhas de direção N40–60E herdadas de es-truturas antigas do embasamento, provavel-mente sinistrais-inversas, cuja última movi-mentação parece ter sido posterior à das falhasNW–SE;

! falhas de direção E-W interligadas a grabens dedireção N60W a E–W, mais novas de todas, pa-recem estar em processo de formação e expan-são para oeste. Sua movimentação é ainda maldefinida, apesar de os grabens dos baixos cursosfluviais, aos quais elas se interligam, denotaremum caráter distensional, pelo menos para os tre-chos orientais.

Esses dados permitem, em caráter preliminar,propor um campo de tensões definido por um eixocompressivo de direção NW–SE e uma direção dedistensão NE–SW, o que corresponde aos resultadosencontrados em grande parte da Plataforma Brasilei-ra (Mendiguren & Richter, 1978; Assumpção et al.,1985; Torres et al., 1990, Saadi 1993; Saadi & Tor-quato, 1993, entre outros).

Quanto aos blocos basculados, o eixo compostopelo graben do baixo rio Buranhém e a falha E-W,que o prolonga a oeste, comporta-se como um altoestrutural, a partir do qual operou-se os bascula-mentos divergentes das áreas situadas a norte e sul.Isso parece indicar a ocorrência de um soerguimen-to, que, no caso específico, poderia ser relacionado aum gradiente térmico elevado residual do vulcanis-mo responsável pela formação do Banco RoyalCharlotte, estrutura ígnea paleogênica da margemcontinental (Asmus & Guazelli, 1981; Guazelli &Carvalho, 1981). Esse alto estrutural é adjacente aoutro de origem e idade semelhantes, que é o Bancode Abrolhos, sendo os dois ladeados por bacias se-dimentares do período Sul-Atlantiano, que possuemespessuras de 4 a 5km, o que constitui um fator ge-rador de desequilíbrios isostáticos.

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Foto 5.1 – Extrato de imagem Landsat (original: composição colorida naescala 1:100.000), mostrando a região do baixo vale do rio Buranhém.Observar a retilinearidade do vale largo com vertentes escarpadas, talhadasem sedimentos pliocênicos. Por outro lado, tanto ao sul, quanto ao norte, adrenagem cujas nascentes se localizam nas imediações das referidasescarpas, apresenta direções centrífugas com relação ao vale. Isso éindicativo de basculamentos das porções de tabuleiros que a suportam.

Foto 5.2 – Extrato de imagem Landsat (original: composição colorida naescala 1:100.000), mostrando o baixo vale do rio dos Frades. Essa área exibetambém o mesmo comportamento morfotectônico que predomina na regiãodo rio Buranhém.

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Foto 5.3 – Extrato de imagem Landsat (original: composição colorida na escala 1:100.000), mostrando obaixo vale do rio Jucuruçu, situado a sul da região em apreço. Observar a repetição dos comportamentosilustrados pelas Fotos 5.1 e 5.2. Além disso, a área da confluência dos braços sul e norte do rio Jucuruçu,quando analisada à luz das hipóteses e métodos utilizados neste trabalho, parece configurar uma estruturade junção tríplice.

Foto 5.4 – Extrato de imagem Landsat (original: composição colorida na escala 1:100.000), mostrandogrande parte da extensão da “falha Salto da Divisa-Barra do Caí”, com os efeitos morfogenéticosdescritos no texto. Observar as notáveis alterações morfohidrográficas resultantes de sua atividade pós-Barreiras.

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Foto 5.5 – Corte à margem da BR-101, anorte da cidade de Itabela, sobre a linhadivisora das bacias hidrográficas dos riosBuranhém e dos Frades. A descontinuidadeoblíqua corresponde à interseção do planotopográfico com o de uma falha inversa, nossedimentos da formação Barreiras. A direçãomedida é N60E e o mergulho de 65° para SE.

Foto 5.6 – Corte à margem da BR-101, a norte da cidade de Teixeira deFreitas, na margem direita do vale do braço sul do rio Jucuruçu. A fotorepresenta apenas algumas falhas de um conjunto maior, organizado emsistemas de horsts e grabens moldados nos sedimentos da formação Barreiras.

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Foto 5.7 – Detalhe da Foto 5.6, mostrando odeslocamento que pode ser medido atravésda posição da camada de seixos.