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CAPÍTULO 8: Virada de Jogo – Parte II
O homem com os fones ao redor de sua cabeça apontou
o indicador na direção de toda a equipe, pedindo silêncio. A
repórter Monica Novaes, que há cinco minutos tinha
narrado o incêndio no Colégio Fulgor em rede nacional,
estava sentada na calçada comendo biscoitos.
Um helicóptero cruzou o céu e planou sobre eles.
Monica foi a primeira a olhar para cima.
—Aquele... — Ela fez uma pausa, terminou de engolir o
biscoito e esboçou um sorriso ambicioso. — É o nosso
helicóptero?
O homem pendurou os fones ao redor de seu pescoço e
deu um passo até ela.
— Pode apostar que sim — Seu tom de voz combinava
com o olhar ousado dela. — Somos a única emissora com a
cobertura completa desse incêndio. Essa aqui é a nossa
grande chance, Monica!
Ela balançou a cabeça, evasiva.
— Quero ir ao vivo de novo.
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— O que? Você acabou de dar o boletim completo! Não
temos nada de novo para noticiar, precisamos que os
bombeiros...
— Você quer ser levado à sério? Essa é a primeira
matéria interessante em nossas carreiras. Eu não quero
voltar a entrevistar idosos que reclamam dos hospitais. Ou,
Deus me livre, crianças cantoras. Essa é minha chance. Não
vou deixar que uns bombeiros idiotas decidam quando vou
ao ar. — Monica encarou o sujeito ao lado dela, que tentava
desembaraçar os fios da câmera. — Ei, você. Avise o estúdio
que temos notícias.
— Mas não temos! — O homem com os fones berrou.
Monica abriu sorriso.
— Estou sempre um passo à frente de todos vocês —
Monica encarou todos da equipe, fazia questão de mostrar
que incluía todo mundo em sua comparação. — Além do
incêndio nesse colégio, também houve uma explosão de um
carro e ninguém sabe o motivo. Vocês estão comigo ou
querem mesmo ficar aqui esperando os bombeiros?
***
2 horas antes...
***
“Olá. Acho que não fomos apresentados antes. Eu sou
Dante.”
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Aquelas palavras permaneceram na mente do senador
Dante enquanto ele atravessava a rua. Não somente as
palavras, mas também a expressão duvidosa de Arthur
Scott ao ouvir aquilo.
Dante foi seguido pelos seguranças desde a saída do
Colégio Fulgor, após a reunião com o diretor, até o sedan
preto do outro lado da rua. Um segurança estendeu sua mão
enorme e tentou abrir a porta, mas o senador foi mais
rápido e a abriu ele mesmo — aliás, Dante tinha uma
preferência enorme por fazer as coisas sozinho, mesmo as
menores e mais simples atividades.
Ele se acomodou de um lado do banco de trás do carro
e deu um longo suspiro. Do outro lado, Magnus coçava sua
barba grisalha tranquilamente, como se não tivesse uma
única preocupação em sua mente. E não tinha mesmo.
— O que foi? — perguntou ele, pacificamente. — O
encontro não foi bom?
Dante deu um longo suspiro.
— Foi, sim. O diretor é bastante desconfiado. O colégio
é muito velho. Mas talvez a obra seja viável. De qualquer
forma, serviu para sossegar os repórteres. Não irão mais
dizer que o metrô está abandonado.
— Fantástico — murmurou ele. Seus grandes olhos
verdes fitaram o rosto de Dante. Ele provavelmente
percebeu que o filho estava evitando o assunto, mas não
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conseguiu resistir. — Só que eu não estava falando disso,
não. — Sua voz soou diferente em seguida, quase
sonhadora. — Como está ele, Dante? Como está meu neto?
O senador pareceu desconcertado. Pigarreou antes de
responder.
— Ele está bem, pai. Parece ser um bom garoto.
— Bom, muito bom. — A expressão sonhadora de
Magnus desapareceu. — Então, me explique essa sua cara.
Está mais horrorosa do que o normal. Você parece ter
chupado um limão.
— Pai...
— O que é? Gastamos anos tentando descobrir o
paradeiro da despirocada da sua ex-mulher. Que sumiu
com o meu neto! Fiona tem sorte por eu não ter ido lá me
apresentar. Arthur ficaria sabendo de tudo de uma vez por
todas.
— Isso não ajudaria em nada — cortou Dante. — Arthur
pensa que eu morri. Sei lá o que mais Fiona contou para ele.
Descobrir que grande parte de sua vida foi uma mentira...
pode destruí-lo.
Magnus assentiu, relutantemente. E seu filho
prosseguiu:
— Além disso, acho que já piorei as coisas indo lá me
apresentar. Você deveria ter visto. Foi patético. — O
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senador imitou a voz de uma criança mimada e irritante. —
Oi, eu sou Dante. Você quer ser meu amigo?
Magnus mordeu o canto da boca.
— Por favor, me diga que essas não foram exatamente
suas palavras. Porque, se foram, ficou difícil te defender,
filho.
Dante sorriu. Eles se entreolharam em seguida.
— Eu senti, pai — disse ele, sua voz mais séria e quase
cautelosa, para que Magnus percebesse o quanto aquilo era
importante. — Eu apertei a mão dele e senti. Correndo em
suas veias. Tanto poder, tanto potencial. O único bruxo que
já me fez sentir isso foi... você.
E o pai do senador sorriu, satisfeito.
— Obrigado, meu filho.
— Claro, agora você está velho e esclerosado. Mal
consegue criar feitiços ou andar sem cair.
O sorriso de Magnus sumiu de seu rosto.
— Disse isso só porque falei que sua cara estava
horrorosa, acertei?
— Um pouco, sim — Dante respondeu, bem-humorado.
Ele estava definitivamente tendo um bom dia. — Mas falei
sério. Se Arthur tiver o treinamento necessário, se começar
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a estudar sobre magia, praticar feitiços, ele pode se tornar
um bruxo incrível.
O idoso balançou a cabeça. Uma atmosfera
esperançosa parecia envolvê-los.
— Então, é verdade? Meu neto é a chave? Ele pode
acordar Olivia?
— Muito mais do que isso — Dante disparou em um
tom orgulhoso. — Arthur pode quebrar a maldição de Olivia
Grace, claro. Mas esse será apenas o começo. Meu filho
pode se tornar um Mago Supremo.
***
Murillo e Dakota se desentenderam pelo menos três
vezes desde que decidiram voltar para a biblioteca. E o
trabalho de história não tinha chegado nem na metade
ainda. Arthur e Brenda estavam sentados na outra ponta da
mesa, tentando se concentrar na leitura de um artigo sobre
a Santa Inquisição. Nunca antes Arthur tinha se interessado
tanto por tudo que envolvesse bruxaria. Era bom ter uma
amiga inteligente como Brenda, que podia com facilidade
ensiná-lo e tirar suas dúvidas. Ele gostaria de poder dividir
aquilo com seus outros amigos, mas Murillo e Dakota já
estavam distraídos novamente.
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— Então, você não come carne? Nada?
— Nada de carne — Dakota respondeu. — É um pouco
por isso que somos chamados de vegetarianos, sabe?
Murillo coçou sua cabeça.
— Nadinha? Bacon? Atum?
— Nadinha, Murillo — disse ela, meio impaciente.
— Mas por quê? — Ele fez a pergunta como se fosse algo
impossível de se responder.
— É simples. E eu já te expliquei isso antes. Se um dia
foi um animal, eu não como. Não é justo, é cruel. Em outras
palavras, bichos são amigos, não comida.
Ele assentiu, compreensivo.
— É muito difícil?
Dakota ponderou por um instante, antes de responder.
— É uma grande mudança, mas totalmente possível. E
chocolate não é feito de carne. Se fosse, aí teríamos um
problema.
— E batata frita, também — lembrou Murillo.
— E sorvete — completou Dakota, meio feliz só de
pensar em comida.
— Paçoca.
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— Pão de queijo.
— Vocês dois podem parar de falar em comida?! —
Arthur grunhiu, irritado. — Ainda temos muito trabalho
pela frente. E estou com fome!
— Minhas sinceras desculpas, vossa alteza — disse
Murillo, ao fazer uma careta. — Mas nós já terminamos
nossa parte. Se você e Brenda não tivessem ficado lendo por
todo esse tempo, já poderíamos ter dado o fora.
— É! — Dakota apoiou.
— Tudo bem — assentiu Arthur. — Ainda precisamos
resumir alguns artigos, ficarei feliz em pegar mais livros
para vocês.
Em seguida, ele se levantou e saiu em direção às
prateleiras de livros do outro lado da biblioteca. Ainda
conseguiu ouvir Dakota resmungar, sarcástica:
— Que ótimo! Murillo conseguiu mais trabalho pra
mim. Mandou bem, Murillo.
Enquanto procurava o que queria entre velhos livros
empoeirados, Arthur se perguntou onde estariam
escondidos os livros sobre magia que Brenda sempre
encontrava ali.
Ele se preocupava em aprender o quanto podia por
causa de Olivia Grace. Algum tempo havia passado desde
seu último sonho com ela. Tempo demais.
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Segundo Olivia, Arthur era a chave para quebrar a
maldição. Porém, ela também o alertara sobre um novo
ataque. A Sombra, dessa vez, o atacaria utilizando o
elemento Fogo. Arthur não sabia como se prevenir contra
isso, mas sentia-se seguro quando aprendia mais sobre os
poderes que já possuía.
De repente, ele sentiu um calafrio gélido. Sentiu-se
vigiado. Sentiu uma presença perto dele. E pior do que isso,
teve a sensação de ouvir um sussurro assustadoramente
sombrio e familiar chamar seu nome. Tomado por súbita
coragem, ele olhou ao redor.
E as sensações ficaram mil vezes mais intensas ao
encontrar A Sombra em pé, no fim da prateleira.
O longo manto negro cobria todo seu corpo, como
sempre. O capuz também continuava impedindo que
Arthur desvendasse sua verdadeira identidade. O garoto
deu um passo à frente. Queria aproximar-se mais.
Descobrir o desconhecido era sua salvação.
Como se tivesse percebido suas intenções, A Sombra
imediatamente se afastou e deu uma volta ao redor da
prateleira.
E então, Arthur correu.
— Ei!
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Ele chegou ofegante do outro lado, apenas para
encontrar um corredor vazio, cheio de livros velhos ao
redor. Sentiu o calafrio outra vez e, instintivamente, olhou
para trás. A Sombra caminhava para os fundos da
biblioteca. Antes que sequer pensasse em segui-la, Arthur
viu o manto e o capuz simplesmente desaparecerem em
uma parede, como se fossem feitos de ar.
O jovem bruxo lutou contra o espanto e correu para os
fundos da biblioteca. Eles eram cobertos por um papel de
parede encardido e grandes janelas estavam distribuídas
entre cada prateleira de livros.
Arthur se debruçou sobre a janela ao lado da parede
onde A Sombra tinha desaparecido. Ele estava diante do
playground do Colégio Fulgor, que em um comum dia de
aula estaria lotado de crianças. No entanto, aquele não era
dia de aula. E, por sinal, definitivamente não era um dia
comum. Não havia uma única criança ali, apenas um ser
coberto por um manto negro, dotado de poderes mágicos e
com tendências assassinas que desfilava entre o
escorregador e o trepa-trepa.
Mesmo estando abismado, deixou-se distrair pela
peculiar textura do papel de parede que seus dedos
tocavam. Quando olhou para baixo, quase caiu para trás.
Havia uma mensagem para ele ali. Não tinha sido deixada
com a ajuda de uma caneta ou até mesmo um spray de tinta.
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A mensagem tinha se formado através de rasgos no
papel de parede, feitos provavelmente por unhas
assustadoramente afiadas.
Arthur murmurou o recado para si mesmo.
— Tente ser o heroi agora.
Em seguida, ele ergueu os olhos novamente e procurou
pelA Sombra no playground. A criatura estava com os
braços erguidos na direção da janela da biblioteca. E no
mesmo segundo, uma pequena faísca surgiu acima de seus
braços, logo sendo milagrosamente multiplicada até se
tornar uma poderosa rajada de fogo.
Com as mãos trêmulas, Arthur Scott imediatamente se
abaixou para não ser atingido. A rajada acertou a janela e o
vidro explodiu em chamas acima dele.
Desatou-se uma gritaria em toda a biblioteca,
enquanto Arthur ainda se afastava dali, arrastando-se sobre
o vidro estilhaçado. Outra janela explodiu com um segundo
jato de chamas, incendiando as prateleiras ao redor.
— Arthur! — Brenda gritou de sua mesa.
A porta de entrada da biblioteca bateu violentamente e
o chão pareceu tremer. Uma das prateleiras em chamas
balançou para o lado e desabou. Alguns alunos correram
para a entrada e tentaram abrir a porta.
— Está emperrada! — Um aluno gritou.
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Eles esmurravam a porta e gritavam por socorro.
Arthur mal tinha se colocado em pé quando outra
explosão destruiu uma terceira janela, criando outro foco de
incêndio na biblioteca. E, então, ficou tudo absurdamente
claro. A Sombra, que queria matá-lo, tinha conseguido
encurralá-lo na biblioteca e criado um incêndio. Se outros
morressem no processo, não era problema dela.
Ainda ao lado de uma parede inteira em chamas,
Arthur notou Brenda correndo em sua direção. Fez um sinal
com a mão para que ela parasse. Ela o obedeceu,
desconfiada. Em seguida, ele apontou o indicador na
direção da parede ao lado da porta. E então, fechou seus
olhos.
Acreditar. Era tudo o que precisava fazer. Tinha dado
certo no mercado, poderia funcionar na biblioteca.
De repente, o chão abaixo de seus pés balançou. Uma
estranha vibração cortou o ar partindo do dedo de Arthur
até a parede. Ele abriu seus olhos a tempo de ver uma
explosão de poeira ao lado da porta. Os alunos mais
próximos fizeram o possível para se protegerem da chuva
de tijolos e concreto que caia ao lado deles.
A poeira começou a baixar, revelando um enorme
buraco na parede. Brenda encarou Arthur, que continuava
perto demais das chamas, com o dedo estendido, sem
acreditar no que tinha acabado de fazer.
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Murillo foi o primeiro a atravessar o buraco, que dava
para o corredor. Ele permaneceu ali, ajudando outros a
passaram também. Era difícil não lembrar de quando ele fez
o mesmo no dia do tremor na avenida, tirando os alunos da
van de Giovanni.
Enquanto os outros corriam na direção de Murillo,
Brenda foi na direção contrária, puxando o braço de Arthur
assim que chegou até ele.
— Arthur! Temos que...
O garoto a interrompeu quando subitamente pulou em
cima dela, protegendo-a de outra rajada de chamas na
janela atrás deles. Os dois caíram no chão enquanto o
impacto da rajada derrubava outra prateleira. Até mesmo o
grito que Brenda deu em seguida foi abafado pelo barulho
da queda.
— Você está bem? — Arthur perguntou, rolando para o
lado.
Brenda tossiu. A fumaça estava deixando-a zonza.
— Estou — balbuciou ela. — Eu... Meu Deus, o seu
braço!
Arthur abaixou os olhos e se deparou com parte do seu
blusão pegando fogo.
— AH! — Ele gritou, em pânico, dando alguns tapas
desajeitados em cima do blusão.
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O fogo imediatamente se apagou. Para sua surpresa,
ele não sentiu suas mãos queimarem. E poderia dizer o
mesmo de suas roupas.
— Seu blusão está intacto — notou Brenda, enquanto se
colocavam em pé. — Deveria estar, pelo menos, um pouco
chamuscado. E não está.
— Sorte a minha — murmurou ele, sem dar atenção
àquilo. A maioria dos alunos já tinha atravessado o buraco.
Sua preocupação era tirar Brenda dali.
— Não é sorte — continuou ela, meio misteriosa. — É
magia. Acho que você acabou de dominar o elemento Fogo.
Arthur hesitou, meio sem jeito. Um outro jato de
chamas invadiu uma janela e lhe devolveu o senso de
urgência. Ele puxou Brenda pelo braço, enquanto desviava
dos livros que queimavam pelo caminho.
— Prometo que falaremos sobre magia quando tudo
isso acabar. Agora, preciso tirar você daqui.
— Me tirar, não — ela corrigiu, nervosa. — Nós dois
sairemos, juntos.
Os dois chegaram ao buraco. Arthur olhou para trás e
se assustou com o fogo rapidamente dominando toda a
biblioteca.
Murillo estava puxando um último aluno, quando fez
uma expressão irônica ao encontrar os dois amigos.
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— Ora, ora... Olha só quem apareceu pra ajudar.
Principalmente agora que já salvei todo mundo!
— Sair desse incêndio agora, fazer cena dramática
depois — replicou Brenda, revirando os olhos.
Arthur a ajudou a passar pelo buraco e o atravessou em
seguida. Os três correram pelo corredor até as escadas.
Estavam descendo quando escutaram outra explosão.
— O que foi isso? — Murillo perguntou.
Arthur balançou a cabeça.
— Não é só a biblioteca agora — avisou ele, olhando
para Brenda. — A Sombra está incendiando o colégio
inteiro.
Murillo nem teve tempo para perguntar do que raios
Arthur falava. Uma multidão de alunos, os mesmos que ele
tinha acabado de tirar da biblioteca, vinha correndo na
direção dele. Estavam aparentemente sendo liderados por
Dakota.
— A entrada principal — começou ela, ofegante. — A
recepção. Os portões. Está tudo pegando fogo. Não tem
como sair.
Os alunos pareciam emitir juntos ondas de desespero.
Brenda tossiu outra vez. Se o fogo não os matasse, toda a
fumaça certamente se encarregaria disso.
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— O refeitório! — Arthur gritou. — O refeitório tem
uma saída para a estacionamento dos professores. É o único
jeito.
— Ele tem razão — Murillo concordou. — Vamos.
Eles correram juntos pelo corredor. O desespero de
Arthur aumentou quando chegaram lá para descobrir que A
Sombra já tinha incendiado parte do refeitório. As chamas
consumiam as mesas e alastravam-se pelas paredes em uma
velocidade assustadora. Os alunos ficaram paralisados. Foi
Murillo quem deu o primeiro passo.
— Ainda dá pra passar.
Todos seguiram Murillo pelo mortal caminho até a
saída.
Arthur, no entanto, permaneceu onde estava.
— Arthur? — Dakota chamou, deixando os alunos
passarem em sua frente, enquanto dava passos para trás. —
O que está fazendo? Vamos!
— Você está ouvindo isso?
— A voz da morte nos chamando? Sim. E vamos com
ela se ficar aí parado.
— Falo sério, Dakota. Está vindo da cozinha.
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O garoto caminhou para o lado. Dakota girou seu
corpo. Murillo, Brenda e os outros já estavam do outro lado,
deixando para trás o colégio em chamas.
— Ai, que droga — disse ela, antes de seguir Arthur na
direção contrária à saída.
***
Brenda, pela primeira vez desde o início do incêndio,
sentiu que podia respirar normalmente.
Ela e Murillo corriam entre os carros do
estacionamento. Os outros alunos seguiam pelo mesmo
caminho. De repente, ela parou.
— Murillo! Onde está o Arthur?
Ele ergueu as sobrancelhas, enquanto corria os olhos
atentamente entre os alunos do grupo atrás dele.
— Dakota também não está aqui.
Brenda passou as duas mãos pelos cabelos ruivos. Sua
expressão era de total desespero.
— Tenho que voltar!
Murillo agarrou-lhe o braço.
— Ficou maluca? Você não pode...
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Os alunos arquejaram em uníssono, interrompendo
Murillo. Brenda lançou-lhe um olhar amedrontado e
apontou para a saída do estacionamento, atrás dele.
O garoto ficou pálido ao olhar na direção apontada.
A Sombra estava diante dele. Diante de todos eles. Ela
não parecia dar passos, era como se seu corpo flutuasse
sobre o chão de pedras.
— Brenda — começou Murillo, meio gaguejando. — O
que... é... isso?
Mesmo a pouquíssimos metros de distância deles,
ainda era impossível ver seu rosto escondido sob o manto.
A Sombra permaneceu parada por um instante, imponente
e assustadora.
— Murillo... essa é A Sombra.
Em seguida, seu braço foi esticado na direção dos
alunos. Alguns recuaram, receosos. Mas não podiam fugir.
A Sombra estava no caminho da única saída.
Faíscas se formaram acima do braço estendido até se
transformarem em uma imensa bola de fogo.
Murillo não precisou perguntar quem A Sombra era. Já
tinha desvendado o principal.
A Sombra era o fim.
***
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A cozinha do Colégio Fulgor era um mistério para os
alunos, que não tinham permissão para entrar lá. Arthur
ficou surpreso com o local, muito menor do que imaginava.
E mais intimidador também, já que estava em chamas.
Arthur estava ali porque podia jurar ter escutado um
pedido de socorro. E estava certo.
Uma das tutoras do colégio estava caída no chão. Havia
um corte em sua testa, seus olhos estavam fechados e ela
murmurava algumas coisas com a voz fraca.
— Fogo... ajuda...
— O que aconteceu com ela? — Dakota perguntou. A
garota passou por Arthur e agarrou a tutora por um dos
braços.
— Ela deve ter caído quando o incêndio começou —
Arthur deduziu, agarrando o outro braço. Os dois
conseguiram arrastá-la para fora da cozinha
O fogo ardia por toda parte. Era desesperador. Se não
saíssem de lá naquele mesmo instante, talvez nunca mais
sairiam.
— Cozinha — murmurou a mulher. — Maria... ficou na
cozinha...
— Mas quem é Maria?
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— Deve ter ficado mais alguém na cozinha, Arthur. —
Dakota olhou para trás. Tomada por um súbito impulso, ela
largou o braço da tutora. — Você consegue levá-la sozinho,
não consegue? Vou checar a cozinha.
— Dakota, não tinha mais ninguém na cozinha!
— Você não sabe disso! — Ela gritou, já correndo de
volta à cozinha.
O calor e a fumaça estavam insuportáveis. Dakota
protegeu a boca e o nariz com a gola de sua blusa e entrou,
desviando das chamas. Procurou abaixo da mesa, atrás da
porta, até mesmo ao lado da geladeira.
A tutora só podia estar delirando. Não havia mais
ninguém ali dentro.
— Dakota! — Arthur gritou do lado de fora. — Não tem
ninguém aí! Vamos logo!
A garota recuou ao ouvir aquilo. Sentiu-se irritada por
ter arriscado sua vida por causa de um delírio da
funcionária do colégio. Quando deu o próximo passo, no
entanto, ela imediatamente parou, como uma estátua.
Foi capaz apenas de arregalar os olhos.
Diante dela, estavam dois botijões de gás. As
mangueiras, próximas demais do fogo.
— Dakota!
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E o grito desesperado de Arthur foi a última coisa que
Dakota Moretto ouviu, antes de toda a cozinha explodir sem
deixá-la sair.
FIM DO CAPÍTULO 8