caracterizaÇÃo molecular de vÍrus da raiva … · agradeço ao meu amigo weber feitosa e seus...

103
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA (Lyssavirus Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E NOROESTE FLUMINENSE LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ FEVEREIRO – 2007

Upload: buithien

Post on 03-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA (Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E

NOROESTE FLUMINENSE

LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ

FEVEREIRO – 2007

CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA (Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E

NOROESTE FLUMINENSE

LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA

Tese apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Produção Animal.

Orientadora: Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalve s Pereira

CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ FEVEREIRO – 2007

CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA (Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E

NOROESTE FLUMINENSE

LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA

Tese apresentada ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Produção Animal.

Aprovada em 26 de fevereiro de 2007 Comissão Examinadora:

__________________________________________________________________ Drª. Juliana Galera Castilho (Doutora, Microbiologia) - Instituto Pasteur

___________________________________________________________________ Prof. Fernando Portela Câmara (Doutor, Biofísica) - UFRJ

___________________________________________________________________ Prof. Márcio Manhães Folly (Doutor, Medicina Veterinária) - UENF

__________________________________________________________________ Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira (Doutora, Microbiologia) - UENF

(Orientadora)

ii

Aos meus pais,

Emílio Augusto Vieira Filho

e

Sônia Pereira Vieira

DEDICO

iii

BIOGRAFIA

Luiz Fernando Pereira Vieira, filho de Emílio Augusto Vieira Filho e Sônia

Pereira Vieira, nasceu no dia 4 de janeiro de 1980, na cidade de Cachoeiro de

Itapemirim – ES, onde cursou o ensino fundamental no Colégio Jesus Cristo Rei.

Em 1995, quando completou quinze anos, foi estudar em regime de internato

na Escola Agrotécnica Federal de Alegre, concluindo o Curso Técnico em 1997.

Em março de 1999, ingressou na Universidade Estadual do Norte

Fluminense (UENF), em Campos dos Goytacazes – RJ, onde cursou Medicina

Veterinária. Ainda nesse ano, foi selecionado para a Iniciação Científica, pelo

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), no Laboratório de

Sanidade Animal (LSA) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA)

da UENF. No LSA, como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq), trabalhou com Bacteriologia e Virologia.

Em fevereiro de 2004, defendeu a Monografia intitulada “Avaliação da

sensibilidade da impressão de tecido encefálico em lâmina, corado pela rotina da

hematoxilina e eosina, como método para o diagnóstico da raiva”, e concluiu o Curso

de Graduação em Medicina Veterinária.

Ainda em 2004, ingressou no Mestrado do Curso de Pós-Graduação em

Produção Animal, Sanidade Animal, do CCTA – UENF. Submeteu-se à defesa de

Tese para conclusão do referido Curso em fevereiro de 2007 e foi selecionado para

o nível de Doutorado no mesmo Curso de Pós-Graduação da UENF.

iv

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à Universidade Estadual do Norte Fluminense

Darcy Ribeiro (UENF) por me permitir realizar este trabalho e poder concluir meu

Curso de Mestrado em Produção Animal.

À minha, não somente Orientadora, mas muito mais do que isso, uma

grande amiga e conselheira, Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira, que há

muitos anos vem me conduzindo nesse árduo e, ao mesmo tempo, maravilhoso

caminho da Pesquisa Científica.

Ao Instituto Pasteur de São Paulo, onde realizei as técnicas de diagnóstico

do vírus. Agradeço a Drª. Ivanete Kotait, Drª. Neide Yumie Takaoka, Drª. Maria Luiza

Carrieri, Samira Maria Achar, Drª. Juliana Galera Castilho, Drª. Zélia., Pedro Carnieli

Junior, Rafael de Novaes Oliveira, Echaterine e Wilian.

Ao Prof. Paulo Eduardo Brandão, que tive a grande satisfação de tê-lo como

meu Co-Orientador, um pesquisador extremamente inteligente, mas dotado de

simplicidade, o que permitiu o trabalho ser prazeroso.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

pela bolsa de Mestrado concedida.

Ao Centro de Controle de Zoonoses e Vigilância Ambiental Dr. Arnaldo Rosa

Vianna - Campos dos Goytacazes/RJ (CCZ - Campos / RJ), em especial à equipe

responsável pelo controle da raiva no município de Campos dos Goytacazes

e ao diretor dessa entidade, Luiz José de Souza.

v

À Fundação Estadual do Norte Fluminense (FENORTE), ao Parque de Alta

Tecnologia do Norte Fluminense (TECNORTE) e à Fundação Carlos Chagas Filho

de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo apoio financeiro

ao trabalho.

Aos amigos que saíram a campo em busca de morcegos: Mônica do

Nascimento Brito, Andrea Cecília Sicotti Maas, Sérgio Fernandes Bonadiman e Carla

Nascimento Chicarino.

Aos Médicos Veterinários: Antônio Márcio e Phyllis Romijn, do Núcleo de

Defesa Sanitária de Miracema, e Antônio Carlos, do Núcleo de Defesa Sanitária de

Bom Jesus do Itabapoana.

Ao Marlon Vicente da Silva, do Instituto Municipal de Medicina Veterinária

Jorge Vaitsman – Rio de Janeiro/RJ (IJV/RJ).

Ao colega Rafael dos Santos Costa que nos abriu as portas do Matadouro

Frigorífico Guarus Ltda., para que pudéssemos alimentar os morcegos com

o sangue bovino ali colhido.

Aos colegas e amigos que, direta ou indiretamente, acompanharam as

dificuldades e conquistas do meu trabalho: Roberto Machado Carneiro, Bethânia

Vieira Lopes, Letícia Cazes, Ive Santos Luzitano, Rachel Siqueira Simões de

Queirós Marins e Prof. Márcio Manhães Folly.

Agradeço ao meu amigo Weber Feitosa e seus colegas de república que me

acolheram em sua casa na cidade de São Paulo durante mais de dois meses.

Aos meus pais e irmãos, que sempre foram a minha sustentação emocional.

Ao meu pai, pela construção de uma gaiola onde foram alojados os morcegos.

Ao meu irmão Emílio e minha cunhada Sabina, pelas conversas de alto nível

científico e filosófico sempre acompanhadas de um bom café.

Agradeço especialmente aos dois bolsistas de Iniciação Científica, alunos de

Graduação em Medicina Veterinária, que me ajudaram muito neste trabalho, sem

os quais seria impraticável a manutenção dos morcegos no Morcegário, Aline

Carvalho Galante e Leonardo de Barros Peres Souza.

vi

CONTEÚDO

LISTA DE TABELAS ................................................................................................. IX

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. XI

RESUMO ................................................................................................................ XIII

ABSTRACT .............................................................................................................. XV

1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................1

2. REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................4

2.1. Histórico........................................................................................................4

2.2. Taxonomia viral ............................................................................................6

2.3. Estrutura e propriedades do vírus da raiva...................................................7

2.4. Genoma viral ................................................................................................9

2.5. Ciclo de replicação viral..............................................................................11

2.5.1. Adsorção ...........................................................................................11

2.5.2. Penetração e desnudamento ............................................................11

2.5.3. Transcrição e tradução......................................................................12

2.5.4. Replicação do genoma viral ..............................................................12

2.5.5. Montagem e brotamento ...................................................................13

2.6. Patogenia ...................................................................................................13

2.7. Patologia.....................................................................................................14

2.8. Resposta imune e vacinas..........................................................................16

2.9. Sinais clínicos.............................................................................................18

2.10. Colheita e envio de material clínico ao laboratório .....................................20

vii

2.11. Métodos diagnósticos .................................................................................20

2.12. Epidemiologia .............................................................................................22

2.13. Tratamento e profilaxia ...............................................................................24

2.13.1. Atuação em focos de raiva................................................................25

2.13.2. Ações permanentes em áreas epidêmicas .......................................26

2.13.3. Ações permanentes em áreas endêmicas ........................................27

2.13.4. Atendimento a focos em áreas esporádicas .....................................27

2.14. Biologia do Desmodus rotundus (Morcego Vampiro Comum)....................27

3. MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................30

3.1. Animais.......................................................................................................30

3.1.1. Morcegos hematófagos.....................................................................30

3.1.2. Camundongos...................................................................................30

3.2. Célula .........................................................................................................31

3.3. Captura de morcegos e sua manutenção em cativeiro...............................31

3.4. Colheita e processamento das amostras....................................................35

3.5. Imunofluorescência direta...........................................................................35

3.6. Isolamento viral ..........................................................................................37

3.6.1. Inoculação em célula de neuroblastoma murino ...............................37

3.6.2. Inoculação em camundongo .............................................................38

3.7. Amplificação das regiões específicas do genoma viral ..............................38

3.7.1. Extração de RNA total.......................................................................40

3.7.2. Transcrição reversa...........................................................................41

3.7.3. Reação em cadeia pela polimerase ..................................................42

3.7.4. Hemi-nested ......................................................................................42

3.7.5. Avaliação do resultado da amplificação ............................................43

3.8. Seqüenciamento do DNA ...........................................................................43

3.8.1. Purificação do c-DNA........................................................................43

3.8.2. Reação de seqüenciamento..............................................................44

3.9. Análise filogenética.....................................................................................45

4. RESULTADOS ...................................................................................................49

4.1. Resultados da imunofluorescência direta e isolamento viral ......................51

4.2. Resultado da amplificação..........................................................................53

4.3. Seqüenciamento e análise filogenética ......................................................56

5. DISCUSSÃO ......................................................................................................60

viii

5.1. Morcegos....................................................................................................60

5.2. Resultado das técnicas diagnósticas e a presença do vírus nos diferentes

órgãos do D. rotundus .........................................................................................63

5.3. Análise filogenética.....................................................................................65

6. CONCLUSÕES ..................................................................................................74

7. RECOMENDAÇÕES ..........................................................................................75

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................76

ix

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Descrição dos abrigos do Norte e Noroeste Fluminense e Sul do Espírito

Santo onde foram realizadas as capturas de Desmodus rotundus ..........33

Tabela 2. Descrição das colônias de Desmodus rotundus capturadas nas Regiões

Norte e Noroeste do Rio de Janeiro e Sul do Espírito Santo....................33

Tabela 3. Oligonucleotídeos iniciadores (primers) utilizados nas reações de

transcrição reversa (RT), reação em cadeia da polimerase (PCR), hemi-

nested e seqüenciamento de parte do genoma do vírus da raiva ............39

Tabela 4. Primers utilizados em cada etapa de amplificação de regiões específicas

do genoma viral, para cada tipo de amostra, e os respectivos tamanhos

de fragmento de DNA amplificado............................................................39

Tabela 5. Amostras obtidas no GenBank utilizadas na análise filogenética, por

identificação no mapa número de acesso, local e ano de isolamento das

amostras...................................................................................................46

Tabela 6. Número de acesso no GenBank das amostras de vírus da raiva isoladas

de Desmodus rotundus capturados nas regiões Norte e Noroeste

Fluminense ...............................................................................................48

Tabela 7. Número de morcegos mantidos em cativeiro, proporção entre machos

e fêmeas cativos, médias de consumo de sangue e mortalidade dos

mesmos 7, 15 e 30 dias após a captura ...................................................50

x

Tabela 8. Amostras de cérebro de morcegos capturados nas Regiões Norte

e Noroeste Fluminense analisadas por técnicas de imunofluorescência

direta (IFD) e isolamento viral por inoculação em células de

neuroblastoma murino (N2A)....................................................................53

Tabela 9. Resultado da RT-PCR dos órgãos e hemi-nested RT-PCR de saliva dos

morcegos que apresentaram cérebros positivos para a raiva na IFD e

isolamento viral.........................................................................................55

Tabela 10. Resultado da RT-PCR de glândula salivar e hemi-nested RT-PCR de

saliva dos morcegos que apresentaram cérebros negativos para a raiva

na IFD e isolamento viral ........................................................................55

Tabela 11. Matriz de identidade das amostras dos grupos 1, 2, 3, 4 e 5 presentes na

árvore filogenética. As células da tabela em cinza representam a

identidade das amostras dentro do grupo e o cruzamento entre linhas e

colunas representa o grau de identidade entre os grupos......................58

Tabela 12. Matriz de identidade das amostras dos subgrupos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5,

e 1.6 presentes na árvore filogenética. As células da tabela em cinza

representam a identidade das amostras dentro do subgrupo e o

cruzamento entre linhas e colunas representa o grau de identidade entre

os subgrupos ..........................................................................................59

xi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Casos de raiva humana no Brasil, transmitida pelos principais

reservatórios do vírus (cão e morcego). No eixo do X, estão representados

os anos desde 1986 até 2006: e eixo do Y representa o número de casos

de raiva humana (COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS. *Dados parciais do ano

de 2006). ...................................................................................................23

Figura 2. Captura e manutenção de morcegos hematófagos em cativeiro

(Morcegário do Setor de Virologia – LSA/CCTA/UENF. A) Abrigo artificial

de Desmodus rotundus. B) Morcego hematófago D. rotundus preso à rede

de neblina. C) Gaiola onde foram mantidos os morcegos no cativeiro. D) D.

rotundus dentro da caixinha removível pertencente à gaiola. E) D.

rotundus, vista ventral e de cabeça para baixo, posicionado para se

alimentar com o sangue oferecido em pote preso à gaiola. F) Fêmea de D.

rotundus com um filhote que nasceu no cativeiro (VIEIRA, 2006).............34

Figura 3. Esquema representativo do genoma mostrando as regiões amplificadas do

vírus da raiva. Colchete 1: região amplificada utilizando-se os primers 21g

e 304. Colchete 2: região amplificada utilizando-se os primers 504 e 304.

A região do genoma que codifica as proteínas N, P, M. G e L estão

representadas por suas respectivas letras e o número de nucleotídeos de

cada uma delas está logo acima da barra (DE MATTOS et al., 2001)......40

Figura 4. Abrigos diurnos dos Desmodus rotundus (morcego-vampiro-comum) onde

foram realizadas as capturas. RJ (FUNDAÇÂO CIDE, 2006). Os abrigos

foram plotados no mapa do Rio de Janeiro com o software MapSource do

GPS Garmin modelo E-Trex Vista C. ........................................................52

Figura 5. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (1478bp) pela

técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus

xii

rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 21g e 304. 1) 100bp

Ladder. 2) 16/06; 3) 24/06. 4) 25/06. 5) 26/06. 6) 27/06. 7) 31/06. 8) 0399.

9) controle positivo CVS............................................................................54

Figura 6. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (248bp) pela

técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus

rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 504 e 304. 1) 100bp

Ladder. 2) CVS. 3) H2O. 4) Língua-24/06. 5) Glândula Salivar-24/06.

6) Língua-25/06. 7) CVS. 8) Coração-25/06. 9) Fígado-25/06. 10) Língua-

26/06. ........................................................................................................54

Figura 7. Árvore filogenética de distância para uma região de 1360 nucleotídeos do

gene N do vírus da raiva. As amostras isoladas nesse trabalho estão

identificadas com o número em negrito, as amostras obtidas no GenBank

estão identificadas pelo número de acesso, seguido da espécie de

isolamento, estado e ano. Os valores de bootstrap acima de 50% são

mostrados acima dos nós e a escala representa o número de substituição

de nucleotídeos pelo número total no alinhamento. ..................................57

Figura 8. Casos de raiva no Brasil. Os números representam as cidades, onde

foram isoladas as amostras do GenBank. Os números com fundo em azul

representam as amostras do grupo 1 da árvore filogenética; em laranja,

representam o grupo 2; em vermelho, o grupo 3; em amarelo, o grupo 4; e

em cinza, o grupo 5. O símbolo representa o abrigo onde foi

encontrado Desmodus rotundus positivos para a raiva no presente

trabalho. ....................................................................................................71

xiii

RESUMO

VIEIRA, Luiz Fernando Pereira, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; fevereiro de 2007; Caracterização molecular de vírus da raiva (Lyssavirus – Rhabdoviridae) isolados de espécimes clínicos de morcegos hematófagos Desmodus rotundus no Norte e Noroeste Fluminense; Professora Orientadora: Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira. Professores Conselheiros: Carlos Eduardo Lustosa Esbérad, Fernando Portela Câmara, Paulo Eduardo Brandão.

No presente trabalho, objetivou-se avaliar a ocorrência do vírus da raiva em

Desmodus rotundus, verificar a dispersão do vírus nos diversos órgãos dos

morcegos positivos para a raiva e realizar um estudo filogenético dos isolados de

D. rotundus no Norte e Noroeste Fluminense. Foram testadas, pela

imunofluorescência direta e isolamento viral em células N2A, 199 amostras de

D. rotundus. Sete morcegos (3,52%), de um mesmo abrigo, foram positivos para

a raiva. As amostras de cérebro, língua, coração, pulmão, fígado, rim e glândula

salivar dos morcegos positivos foram submetidas à técnica de RT-PCR. Os produtos

da PCR dos isolados de cérebro foram seqüenciados e a análise filogenética das

amostras isoladas foi realizada por comparação com seqüências obtidas no

GenBank. Foi encontrado vírus da raiva em todos os órgãos dos morcegos, mas

com diferentes freqüências: 100% no coração, 100% na língua, 80% no rim, 40% na

glândula salivar, 40% no pulmão e 20% no fígado. A árvore filogenética formou cinco

grupos principais: o grupo 1, relacionado à raiva do D. rotundus; os grupos 2, 3 e 4,

relacionados à raiva de morcegos insetívoros; e o grupo 5, relacionado à raiva

canina. O grupo 1 ainda pôde ser dividido em seis subgrupos e um destes foi

formado, exclusivamente, pelas amostras isoladas de morcego hematófago, no

presente trabalho, no município de Quissamã. Seqüências de vírus isoladas de

bovinos em Porciúncula e Miracema apresentaram alta identidade de nucleotídeos

quando comparadas com as de Quissamã. Os resultados indicam que o vírus

xiv

circulante em D. rotundus no Norte e Noroeste Fluminense apresenta uma

característica regional de agrupamento filogenético e que os D. rotundus são os

transmissores da raiva aos bovinos.

Palavras-chave: raiva, morcego hematófago, Desmodus rotundus, filogenética de

Lyssavirus, Rio de Janeiro.

xv

ABSTRACT

VIEIRA, Luiz Fernando Pereira, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; February of 2007; Molecular characterization of rabies virus (Lyssavirus – Rhabdoviridae) isolated of clinical specimens of vampire bats Desmodus rotundus from North and Northwest of Rio de Janeiro State. Advisor: Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira. Counselors: Carlos Eduardo Lustosa Esbérad, Fernando Portela Câmara, Paulo Eduardo Brandão.

In the present study, objectified evaluate the occurrence of rabies virus in

vampire bats; assess the dispersion of virus in several positive bats organs; and

perform a phylogenetic study of rabies virus isolated of Desmodus rotundus from

North and Northwest regions of Rio de Janeiro State. It was tried, by direct

immunofluorescence and virus isolation in cell N2A, 199 samples of D. rotundus.

Seven bats (3,52%) from the same shelters were positive to rabies virus.

The samples of brain, tongue, hearth, lung, liver, kidney and salivary gland from

positive bats were submitted to RT-PCR. The PCR product isolated of brain was

sequenced and the phylogenetic analyze was performed contrasting the samples

isolated with sequences obtained in GeneBank. It was encountered rabies virus in all

organs of bats, but the frequency it was different among the organs: 100% in hearth,

100% in tongue, 80% in kidney, 40% in salivary gland, 40% in lung, and 20% in liver.

The phylogenetic tree formed five main clusters, the cluster 1 was related to

D. rotundus rabies, the clusters 2, 3 and 4 were related to insectivorous bat rabies

and the cluster 5 was related to dog rabies. The cluster 1 was divided in six

subclusters, one of these was exclusively formed by isolated samples of vampire bat

xvi

rabies samples, isolated in present work, from Quissamã county. Virus sequences

isolated in Porciúncula and Miracema showed high nucleotide identity when they

were compared with Quissamã samples. The results showed that the rabies virus of

D. rotundus from North and Northwest of Rio de Janeiro State presented

geographical clustering characteristics, and the vampire bats are the transmitter of

rabies to cattle.

Key words: rabies, vampire bat, Desmodus rotundus, Lyssavirus phylogenetic, Rio

de Janeiro.

1

1. INTRODUÇÃO

A raiva é uma doença conhecida há milhares de anos, havendo relatos de

doença com mesma sintomatologia há 2.300 a.C. no Antigo Egito e é citada em

código de lei da Mesopotâmia. Contudo, ainda hoje, esta é uma enfermidade que

mata animais e humanos em todo o mundo.

É uma doença infecciosa de caráter antropozoonótico e cosmopolita.

Seu agente etiológico é um vírus RNA (ácido ribonucléico) de fita simples e sentido

negativo. Possui nucleocapsídeo helicoidal envolto por envelope lipoprotéico.

O vírus é classificado na ordem Mononegavirales, família Rhabdoviridae e gênero

Lyssavirus.

O gênero Lyssavirus é dividido em sete espécies, de acordo com suas

características imunovirológicas: Rabies virus (RABV), Lagos bat virus (LBV),

Mokola virus (MOKV), Duvenhage virus (DUVV), European bat lyssavirus tipo 1

(EBLV-1), European bat lyssavirus tipo 2 (EBLV-2) e Australian bat lyssavirus

(ABLV). O primeiro vírus citado (RABV) é o vírus clássico da raiva, enquanto

os demais são denominados vírus relacionados à raiva (“rabies-related viruses”

ou “rabies-like viruses”).

O vírus clássico da raiva pode ser distinguido em variantes virais, as quais

estão relacionadas com a espécie animal transmissora e a região de isolamento da

mesma. No Brasil, as principais variantes são a variante 3, da qual o Desmodus

rotundus é o principal transmissor; e a variante 2, da qual o cão é o principal

reservatório.

2

Clinicamente, a raiva apresenta-se com distúrbios neuromusculares,

expressos por mudança no comportamento e dificuldade locomotora. Há duas

formas básicas de apresentação da virose: a forma excitativa ou “raiva furiosa”,

transmitida principalmente pelo cão, quando o animal acometido passa por um

período de intensa agitação e agressividade, seguido por um estágio de paralisia;

e a forma paralítica ou “raiva muda”, transmitida principalmente pelo morcego

hematófago aos bovinos e eqüinos, cuja fase de agitação pode ser breve ou mesmo

ausente e logo advém o estágio de paralisia e apatia.

O vírus da raiva é transmitido, principalmente, por meio da saliva de um

animal infectado, quando este agride outro, sadio. Tipicamente, dois ciclos

epidemiológicos mantêm o agente infeccioso na natureza: o ciclo da raiva urbana

e o ciclo da raiva silvestre. No ciclo da raiva urbana, o cão é o principal transmissor;

enquanto no ciclo da raiva silvestre, diversos animais como a raposa, o macaco

e o morcego podem estar envolvidos na manutenção do vírus.

O principal transmissor da raiva aos herbívoros é o morcego hematófago

Desmodus rotundus, também conhecido como “morcego-vampiro-comum”. Esta

espécie de morcego habita a América Latina desde o México até a região central da

Argentina. Sabe-se que mudanças no ambiente dos morcegos e a introdução de

animais domésticos, principalmente bovinos e eqüinos, após a colonização européia,

proporcionaram o aumento populacional desses quirópteros.

A pecuária da América Latina é fortemente afetada pela raiva, os prejuízos

estimados são de 30 milhões de dólares anualmente. Só no Brasil, os prejuízos

diretos são estimados na ordem de 15 milhões de dólares, com a morte de cerca de

40 mil cabeças bovinas, e os prejuízos indiretos giram em torno de 22,5 milhões de

dólares por ano.

Nas regiões Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, bovinos

e eqüinos são constantemente agredidos por D. rotundus e conseqüentemente, todo

o ano ocorrem casos de raiva em herbívoros domésticos nessas regiões.

No Brasil, a variante viral que circula em morcegos pode ser diferenciada do

vírus que circula no ciclo epidemiológico de cães. Inicialmente foram utilizados

anticorpos monoclonais para determinar as diferenças antigênicas; depois, vieram

as técnicas moleculares que trouxeram maior precisão às análises filogenéticas.

Nessas análises, a principal região seqüenciada do genoma corresponde ao gene

da nucleoproteína do vírus. Estudos das variantes virais, sob uma perspectiva

3

epidemiológica, concluíram que as amostras de vírus da raiva estão relacionadas

à espécie reservatório e à região geográfica de isolamento da cepa.

São poucos os trabalhos dedicados à filogenia do vírus da raiva em bovinos

nas regiões do Norte e Noroeste do Estado Rio de Janeiro, menores ainda são

os estudos da raiva em D. rotundus na região.

Portanto, o objetivo desse estudo foi: 1) verificar a freqüência de ocorrência

do vírus da raiva em populações de morcegos hematófagos nas regiões Norte

e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, mediante técnicas de imunofluorescência

direta e isolamento viral; 2) realizar a caracterização molecular das amostras de

vírus da raiva detectadas com base no seqüenciamento parcial do gene da

nucleoproteína viral; e 3) verificar a dispersão do vírus da raiva entre os diversos

órgãos dos morcegos Desmodus rotundus através da RT-PCR (transcrição reversa -

reação em cadeia da polimerase).

4

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. Histórico

A raiva é a mais antiga doença reconhecidamente infecciosa. Embora graves

doenças tenham aparecido como a varíola, a influenza e, mais recentemente, a

síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), a preocupação com a raiva ainda

persiste, por causa de sua progressão quase sempre fatal e pelos grandes prejuízos

que traz à pecuária (DE MATTOS et al., 2001).

Na Mesopotâmia, há cerca de 2.300 a.C, determinava-se o seguinte: “Se um

cão é louco e as autoridades tomam conhecimento do fato e de seu dono; se ele não

o prende e o cão morde um homem e causa a sua morte, seu dono deve pagar 2/3

de uma mina (40 shekels) de prata. Se o cão morde um escravo e causa a sua

morte, o dono do cão deve pagar 15 shekels de prata” (DE MATTOS et al., 2001).

Muitas civilizações antigas foram bastante familiares da raiva. Na Ilíada

(700 a.C.), Hector foi comparado a um cão raivoso. Escolas chinesas advertiam

sobre o perigo de cães raivosos em 500 a.C. Aristóteles (400 a.C.) associou a

doença aos animais, mas erroneamente excetuou os humanos de contraírem a raiva

de cães. Celsus inventou o termo hidrofobia e descreveu um caso clínico de raiva

humana (KOPROWSKI, 1996a). Em Roma, Cordamus supôs que o veneno (i.e. o

vírus) estava presente na saliva (DE MATTOS et al., 2001).

Muita superstição havia acerca da raiva e sua possível cura, até se iniciarem

os estudos e experimentações sobre a doença no final da idade média e início da

renascença (DE MATTOS et al., 2001). Girolamo Fracastoro, em 1546, escreveu um

5

tratado “A Ferida Incurável”, onde detalhou a doença, inclusive com relato de caso

clínico humano desde a mordida até o óbito do paciente. Fracastoro acompanhou

diversos casos de raiva e pôde concluir que a doença não tem cura após terem

aparecidos os sinais clínicos (KOPROWSKI, 1996a).

No Velho Mundo, a raiva é conhecida há milhares de anos, mas, nas

Américas, é difícil precisar se havia o vírus antes da chegada dos europeus.

É possível que já houvesse a enfermidade antes da chegada de Colombo, pois, logo

após a colonização, o bispo Petrus Martyr-Anglerius escreveu sobre morcegos que,

com suas mordidas venenosas, levavam à morte os homens atacados por esses.

Contudo, somente 200 anos após a invasão espanhola, casos de raiva foram

relatados nas Américas. No México, em 1709, houve relatos de casos e, na América

do Norte, em 1753, a raiva foi descrita em cães e mais tarde em raposas (DE

MATTOS et al., 2001).

Por muitos anos, a mordida de um animal raivoso foi considerada a possível

fonte de infecção da raiva, mas somente em 1804 Zinke usou a saliva de um cão

raivoso para a transmissão da doença (DE MATTOS et al., 2001).

O estudo mais metódico da raiva iniciou-se com Louis Pasteur que em

colaboração com Thuillier, Roux e Chamberland concluíram, em 1881, que a sede

do vírus da raiva era o sistema nervoso central e que a inoculação intracerebral era

a melhor forma para a transmissão da doença. Em 1885, Pasteur descobriu como

atenuar o vírus, o que permitiu a tentativa de vacinação. A atenuação foi realizada

através de passagens, seriadas em cérebros de coelhos. Após várias passagens o

vírus perde o tropismo pelo sistema nervoso central (FERREIRA, 1976).

O dia 6 de julho de 1885 é um marco para a história da raiva: Um menino de

nove anos de idade, agredido por um cão raivoso em várias regiões do corpo,

recebeu a primeira profilaxia pós-exposição com a vacina de Pasteur, constituída de

material dissecado da medula espinhal de coelhos, previamente, inoculados com

vírus “fixo” (DE MATTOS et al., 2001).

Contudo, a técnica de vacinação não foi aceita por toda a comunidade

médica e Louis Pasteur encontrou um problema quando um menino vacinado contra

a raiva morreu da doença. O médico da família, George Clemenceau, aconselhou os

pais a processar Pasteur, afirmando que a morte da criança fora causada pelo vírus

utilizado na vacina. Hoje se sabe que a vacina de Pasteur realmente não é

totalmente segura e pode levar o paciente a óbito (KOPROWSKI, 1996).

6

Negri, em 1903, detectou inclusões intracitoplasmática em neurônios de

animais raivosos. Em 1913, estas inclusões tiveram reconhecido valor diagnóstico

(FERREIRA, 1976; LIEBERMANN, 1988; DE MATTOS et al., 2001). A composição

química dos corpúsculos de Negri só foi desvendada após a invenção do

microscópio eletrônico (DE MATTOS et al., 2001).

A transmissibilidade da raiva por meio de morcegos hematófagos foi

sugerida, em 1935, por Sílvio Torres, e confirmada em 1936 por Pawan, com a

relevância de também ser transmitida aos humanos (MAIR e GUERREIRO, 1972).

Segundo Malaga Alba em 1965, citado por MAIR e GUERREIRO (1972), já se

conhecia mais de 60 espécies de morcegos não hematófagos com importância na

disseminação da virose.

No Brasil, em 1973, instituía-se o Programa Nacional de Profilaxia da Raiva

(PNPR), com o objetivo de promover atividades sistemáticas de combate à raiva

humana, mediante o controle da antropozoonose nos animais domésticos e o

tratamento específico das pessoas agredidas. Em uma análise realizada entre 1980

e 2003, pôde-se observar que o número de casos diminuiu desde a implantação do

PNPR, porém percebeu-se que, a partir de 1996, houve uma queda brusca no

número de casos nos países americanos, enquanto no Brasil o número de casos

manteve-se no mesmo patamar (WADA et al., 2004).

Em dezembro 2004, realizou-se o Encontro Nacional do Programa de

Controle da Raiva dos Herbívoros, cujo principal objetivo foi harmonizar e padronizar

as ações dos diversos atores do processo de combate à raiva dos herbívoros.

Assim, caracterizaram-se as competências nas ações sanitárias frente ao Programa

Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH). Este programa funcionava,

até então, orientado pela Portaria Ministerial Nº. 126, de 18 de março de 1976,

revogada por estar defasada e ainda abranger aspectos ligados ao combate da raiva

canina / felina, hoje, a cargo do Ministério da Saúde (CRMV-RJ, 2005).

2.2. Taxonomia viral

A família Rhabdoviridae é composta pelos vírus RNA de sentido negativo, da

grande ordem Mononegavirales. A organização genética dos vírus da família

Rhabdoviridae é similar a dos vírus das famílias Paramyxoviridae, Filoviridae e

Bornaviridae classificadas na mesma ordem. São vírus envelopados que se replicam

7

no citoplasma das células, com exceção de alguns rhabdovírus de plantas que se

replicam no núcleo (ICTV, 2006; ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

Os rhabdovírus são amplamente distribuídos na natureza, onde infectam

vertebrados, invertebrados e muitas espécies de plantas. Os rhabdovírus que

causam a raiva e outros que causam doenças em peixes parecem ter seu ciclo

confinado exclusivamente aos vertebrados. Os demais rhabdovírus são transmitidos

aos vertebrados e plantas por um vetor artrópode (ROSE e WHITT, 2001).

Mais de 70 rhabdovírus de vertebrados foram identificados e classificados.

Os vírus que infectam mamíferos são separados em três gêneros: Vesiculovirus,

Ephemerovirus e Lyssavirus (ICTV, 2006).

O gênero Lyssavirus, cujo nome deriva do Grego lyssa: “agir com violência,

fúria, loucura canina”, contém o vírus clássico da raiva: Rabies virus (RABV) e os

vírus relacionados à raiva (rabies-like virus ou rabies-related virus): Lagos bat virus

(LBV), Mokola virus (MOKV) e Duvenhage virus (DUVV), originários da África;

European bat lyssavirus tipo 1 (EBLV-1) e European bat lyssavirus tipo 2 (EBLV-2),

originários da Europa; e Australian bat lyssavirus (ABLV), originário da Austrália

(ICTV, 2006; ROSE e WHITT, 2001; MURPHY et al., 1999).

2.3. Estrutura e propriedades do vírus da raiva

O vírus da raiva possui capsídeo com simetria helicoidal (LIEBERMANN,

1988), tem a forma de “bala de revólver” e apresenta variação no tamanho das

partículas, com 60 a 80nm de diâmetro por 120 a 300nm de comprimento

(FERREIRA, 1976).

Os rhabdovírus são compostos por uma membrana externa (envelope viral)

derivada da célula infectada, e por um cerne de ribonucleoproteína (RNP). A partir

do envelope para o exterior, projetam-se espículas de glicoproteína (G), arranjadas

em trímeros, e moléculas de proteína da matriz (M), dentro do envelope viral, entre a

membrana externa e o nucleocapsídeo (ROSE e WHITT, 2001).

O nucleocapsídeo é composto pelo genoma viral e pelas proteínas N

(nucleoproteína), L (large) e P (fosfoproteína). O RNA possui entre 11 e 12Kb de

tamanho e é altamente compactado, com o auxílio da proteína N, formando uma

estrutura helicoidal com aproximadamente 35 voltas. Associadas à nucleoproteína

estão as proteínas L e P, que juntas formam a RNA-polimerase RNA-dependente do

8

vírus. As proteínas L e P estão em número aproximado de 50 e 500 por vírion,

respectivamente (ROSE e WHITT, 2001).

O empacotamento do genoma, feito pela proteína N, produz um cerne

resistente a RNase. Cada proteína N participa do empacotamento de

aproximadamente nove nucleotídeos, totalizando cerca de 1.200 proteínas N no

vírion. O complexo N–RNA interage com o complexo polimerase P–L durante a

transcrição e a replicação; e com a proteína M na condensação do nucleocapsídeo,

na união do cerne com a membrana, e no brotamento (ROSE e WHITT, 2001).

A proteína P possui diferentes locais com domínios para a fosforilação, os

quais têm a função de regular a transcrição e a replicação. A proteína P forma

trímeros após a fosforilação e dessa forma, torna-se apta a unir-se à proteína L e ao

complexo N–RNA. Portanto, o complexo polimerase completo é o seguinte:

N-L-P3-RNA. A fosforilação em pontos diferentes da proteína P pode estar

relacionada à formação de dois complexos polimerase distintos: um que funciona

como transcriptase e outro que funciona como replicase. A proteína P não possui

nenhuma atividade enzimática conhecida, mas funciona como co-fator que pode

modificar o funcionamento da proteína L (ROSE e WHITT, 2001).

A proteína L, além de formar junto com a proteína P o complexo polimerase

que faz a transcrição do genoma viral em mRNA e a replicação do genoma no

sentido positivo (antigenoma) e negativo (genoma), promove a adição da estrutura

quepe (cap) no mRNA, a metilação das estruturas cap e poliadenilação. O grande

tamanho da proteína L (a maior proteína dos rhabdovírus) é justificado pela

complexidade das reações que catalisa e a multifuncionalidade que ela apresenta

(ROSE e WHITT, 2001).

A menor e mais abundante proteína do vírion é a proteína da matriz (M), que

participa de numerosas funções, tais como a condensação do nucleocapsídeo

durante a montagem, a união do envelope ao nucleocapsídeo, a degradação do

citoesqueleto, e a inibição de funções na célula hospedeira. A proteína M expressa

sozinha em células é capaz de causar brotamento de vesículas, o que permite supor

que esta proteína seja importante no processo de brotamento viral

(ROSE e WHITT, 2001).

No envelope viral estão as proteínas G, que possuem glicosilações na sua

estrutura de 505 aminoácidos. Possuem três domínios: o C-terminal citoplasmático,

com 44 resíduos de aminoácidos; o domínio transmembrana hidrofóbico com

9

22 aminoácidos; e o domínio externo antigênico que se estende do domínio

transmembrana ao resíduo N-terminal. A proteína G é responsável pela adsorção do

vírus à célula hospedeira, auxilia o desnudamento viral, catalisa a fusão da

membrana endocítica e é o principal antígeno dos rhabdovírus. Portanto, quase

todas as vacinas, humanas e veterinárias, são produzidas com base nas reações

imunológicas contra essa proteína (DE MATTOS et al., 2001).

O vírus da raiva é sensível aos ácidos, aos solventes orgânicos,

à temperatura de 80ºC por dois min, aos raios ultravioletas e ao formaldeído

(LIEBERMANN, 1988). Pode manter-se ativo por semanas à temperatura de 4°C,

por meses quando acondicionados abaixo de 0°C ou em tecidos infectados quando

colocados em glicerina neutra a 4°C, e podem perman ecer ativos por anos quando

liofilizados (MAIR e GUERREIRO, 1972).

2.4. Genoma viral

Os rhabdovírus possuem como genoma uma única fita (não segmentada) de

RNA com sentido negativo (sentido complementar ao do mRNA) e que contém no

mínimo cinco genes na ordem 3’ N–P–M–G–L 5’ (as letras fazem correspondência

às proteínas codificadas pelo RNA genômico) (ROSE e WHITT, 2001).

Para alguns autores, os Lyssavirus possuem um pseudogene entre os genes

G e L. (WAGNER e ROSE, 1996). Tordo et al. (1986) descreveram uma longa região

intergênica entre os genes G e L. Dentro dessa região foram observadas duas

seqüências interessantes. A primeira, parecida com a seqüência consenso de início

de transcrição, localizada 10 nucleotídeos à jusante (downstream) do sinal de

parada do mRNA da proteína G. A outra seqüência, parecida com o sinal de

poliadenilação (sinal de parada da transcrição), encontrada no final de cada gene, foi

localizada 25 nucleotídeos a montante (upstream) do gene L. Nenhum mRNA que

correspondesse à região do genoma viral entre os sinais de início e parada de

transcrição foi encontrado, portando a região intergênica pode ser um pseudogene.

Nos Vesiculovirus, a região entre os genes G e L, é de apenas dois

nucleotídeos, já, em alguns Rhabdovirus de peixe, é encontrado um gene adicional

entre as regiões que codificam as proteínas G e L. Portanto, os sinais de início e

parada de transcrição encontrados nessa região dos Lyssavirus podem ser

resquícios de um gene perdido no processo evolutivo do vírus (TORDO et al., 1986).

10

É possível que a região intergênica G–L se apresente de três formas

diferentes em cepas virais distintas: presença de pseudogene na região intergênica,

proposto por TORDO et al. (1986); ou incorporação da região intergênica à

proteína G, proposto por RAVAKOV, SMITH e NICHOL (1995); ou ausência de

pseudogêne e não incorporação da região intergênica G–L à proteína G, proposto

por MORIMOTO, OHKUBO e KAWAI (1989).

A região intergênica G–L não é essencial para a replicação viral, como se

pôde perceber em um trabalho onde se substituiu o intergene G–L do Lyssavirus

pelos genes das cadeias leve e pesada da imunoglobulina G (IgG)

(MORIMOTO et al., 2001).

Os rhabdovírus possuem um genoma bastante simples e compacto, com

pouco desperdício de espaço. Há somente dois nucleotídeos separando as regiões

intergênicas de todos os genes dos Vesiculovirus (ROSE e WHITT, 2001), enquanto,

entre os Lyssavirus, as regiões intergênicas não são iguais para todos os genes.

Entre o gene N–P, há dois nucleotídeos; entre os genes P–M e M–G, há cinco

nucleotídeos; e entre os genes G–L, há 423 nucleotídeos, quando se considera a

região intergênica G–L como não-codificante (TORDO et al., 1986).

Tordo et al. (1986) analisaram o DNA complementar ao genoma do vírus da

raiva e observaram que a seqüência de nucleotídeos consenso do iniciador da

transcrição é composta por nove nucleotídeos localizados entre 12 e 30

nucleotídeos à montante do códon de início de transcrição. Os quatro primeiros

(AACA) e dois últimos (CT) nucleotídeos da seqüência consenso são invariáveis.

Nas posições cinco e seis, há dois resíduos de pirimidina, mas a citosina é mais

freqüente que a timina; e finalmente, a sétima posição que é variável. Esta

organização é relatada para o vírus Sendai (Sendai virus – SeV, família

Paramyxoviridae, gênero Respirovirus) e no vírus da estomatite vesicular (Vesicular

stomatitis virus – VSV), onde há um ou dois nucleotídeos variáveis, respectivamente,

separados por duas regiões conservadas. A seqüência de iniciação do vírus da raiva

e do VSV compartilham cinco posições de nucleotídeos invariáveis, o que demonstra

a proximidade genética entre os dois.

Analisando o DNA complementar do genoma do vírus da raiva, pôde-se

observar uma seqüência consenso após o códon de parada de transcrição de todos

os genes. A seqüência consenso é uma região contendo sete adeninas (com

11

exceção do gene G que possui oito adeninas), cuja região no genoma promove a

poliadenilação da molécula de mRNA (TORDO et al., 1986).

2.5. Ciclo de replicação viral

A replicação do vírus da raiva ocorre no citoplasma da célula infectada.

Apesar de várias etapas do processo de replicação ocorrerem ao mesmo tempo, é

interessante estudá-las sob uma perspectiva linear. Desta forma, pode-se dividir o

ciclo em oito etapas: adsorção, penetração, desnudamento, transcrição, tradução,

replicação completa do genoma, montagem e brotamento (ROSE e WHITT, 2001;

WAGNER e ROSE, 1996).

2.5.1. Adsorção

A adsorção é o processo pelo qual o vírus se liga à membrana da célula

hospedeira. A glicoproteína G promove a união entre o vírus e o receptor da

membrana celular. Os receptores nicotínicos de acetilcolina permitem a adsorção do

vírus da raiva. Há também outros receptores que podem estar envolvidos na

adsorção (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

2.5.2. Penetração e desnudamento

A penetração ocorre por endocitose mediada por receptores, através de

vesículas revestidas com clatrina (ROSE e WHITT, 2001). Uma subseqüente

redução do pH no compartimento endocítico conduz a fusão do envelope viral com a

membrana do endossoma. Essa fusão é catalisada pela proteína G, e resulta na

liberação do cerne de ribonucleoproteína (RNP) no citoplasma da célula

(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996). Concomitante ou logo após a

fusão, a proteína M se dissocia da RNP. Os processos de liberação do

nucleocapsídeo e a dissociação da proteína M constituem o desnudamento ou

descapsidação viral (ROSE e WHITT, 2001).

12

2.5.3. Transcrição e tradução

Logo após a entrada do vírus no citoplasma celular, o genoma viral não é

capaz de codificar proteínas, para isso deve ser transcrito em sentido positivo na

forma de mRNA. Este processo de transcrição primária pode ocorrer na ausência da

síntese de proteínas, pois o vírion carrega consigo, para dentro da célula, sua

própria RNA-polimerase. A transcrição se inicia, obrigatoriamente, na terminação 3’

do genoma produzindo um RNA líder com 48 nucleotídeos, seguida, em ordem, pela

transcrição dos mRNAs individuais que codificam as proteínas N, P, M, G e L

(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

A cada junção gênica, a transcriptase faz uma pausa e a transcrição é

atenuada cerca de 20 a 30%, o que resulta num gradiente de mRNA e,

conseqüentemente, num gradiente de proteína decrescente em relação à ordem

gênica: N>P>M>G>L (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

Nos mRNAs individuais, são adicionadas uma estrutura “quepe” (cap) na

extremidade 5’, e uma cauda poli A na extremidade 3’. Essa ultima adição,

aparentemente, ocorre pela cópia repetitiva da seqüência U7, presente no final de

cada gene (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

A tradução dos mRNAs ocorre nos ribossomas. Todas as proteínas são

codificadas pelos ribossomas livres no citoplasma, exceto a proteína G que é

codificada pelos ribossomas do retículo endoplasmático rugoso (RER)

(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

2.5.4. Replicação do genoma viral

Diferente da transcrição, a replicação depende da síntese ativa de proteínas

vírus-codificadas, principalmente N e P. A replicação do genoma viral ocorre em

duas etapas. A primeira utiliza o genoma infeccioso como molde para produzir fitas

de RNA de sentido positivo. Na segunda etapa, a polimerase produz uma fita de

RNA de sentido negativo, que serão as fitas da progênie viral. Para tal procedimento,

a polimerase utiliza como molde a fita de RNA de sentido positivo, produzida na

primeira etapa do processo (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

Ainda não está bem explicado como funciona a chave que determina ao

complexo polimerase quando realizar a transcrição ou a replicação do genoma.

Um modelo aceito é que o RNA líder funcione como sinal para que se realize a

13

transcrição em mRNA, porém esse sinal não é mais reconhecido quando o RNA

líder se une ao complexo das proteínas N–P e então a polimerase realiza a

replicação completa do genoma viral. Esse modelo é aceito porque, logo após a

entrada do vírus na célula, não ocorre síntese de proteínas virais, o que permite a

transcrição. Mas à medida que a concentração das proteínas N–P aumenta o sinal

do RNA líder, este é subjugado, o que permite a replicação completa do genoma

(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).

2.5.5. Montagem e brotamento

A montagem dos rhabdovírus inicia-se quando o RNA da progênie se une às

proteínas N, P e L, para formar o cerne de RNP ou nucleocapsídeo. Em seguida, o

nucleocapsídeo se liga à membrana plasmática e, posteriormente, é compactado

pela proteína M. No processo de brotamento, ocorre a união entre o nucleocapsídeo

e a membrana da célula, o que culmina com a liberação da partícula viral que leva

consigo parte da membrana onde se ancora a proteína G (ROSE e WHITT, 2001;

WAGNER e ROSE, 1996).

2.6. Patogenia

A forma mais comum de infecção pelo vírus da raiva é por meio da mordida

de um animal infectado. O vírus replica-se no tecido muscular no local da mordida e

depois infecta os nervos periféricos, ou pode infectar diretamente os nervos

periféricos (MURPHY et al., 1999; DE MATTOS et al., 2001).

A infecção se direciona ao sistema nervoso central (SNC), em uma

movimentação chamada centrípeta, que ocorre através de infecção neuronal ativa e

por movimentação passiva do genoma viral dentro dos axônios, principalmente os da

medula espinhal e através do líquido cefalorraquidiano (MURPHY et al., 1999;

DE MATTOS et al., 2001). Em seguida, ocorre uma seqüência ascendente de

infecção e disfunção neuronal. O vírus chega ao sistema límbico do cérebro, onde

há intensa replicação, o que explica os acessos de fúria vistos clinicamente.

A replicação em outras partes do cérebro continua e, quando o vírus atinge o

neocórtex, ocorre a fase paralítica ou “muda” da doença. Segue-se um quadro de

depressão, coma e morte por parada respiratória (MURPHY et al., 1999).

14

A partir do SNC, a infecção atinge outros órgãos, através dos nervos

periféricos, em uma movimentação chamada centrífuga. Os órgãos afetados podem

ser o córtex adrenal, pâncreas, terminações nervosas sensoriais das cavidades

nasal e oral, papila gustativa, rim, músculo cardíaco, gordura, folículo piloso, retina,

córnea e glândula salivar (DE MATTOS et al., 2001). É interessante observar que,

na replicação do vírus da raiva em células nervosas, o brotamento ocorre nas

membranas intracitoplasmáticas, enquanto, na glândula salivar, o vírus é formado na

membrana plasmática da superfície apical (lumenal) das células da mucosa, e,

portanto, liberados em grande quantidade na saliva de animais infectados

(MURPHY et al., 1999).

Em infecções com “vírus de rua”, é comum encontrar o vírion na saliva antes

que os primeiros sintomas apareçam, em média três dias para os cães e um dia para

gatos. Em cães, o vírus já foi encontrado até 14 dias antes que aparecessem os

primeiros sintomas. O sangue e a urina raramente são fontes de infecção. Todos os

órgãos internos, incluindo os nódulos linfáticos, podem apresentar infecciosidade.

No cérebro, a substância cinzenta é mais infecciosa que a branca

(FERREIRA, 1976).

Além do tecido muscular e nervos periféricos, as vias aerógena, digestiva e

a pele lesionada em contato com saliva podem servir de porta de entrada para o

agente etiológico da raiva. A gravidade da infecção está relacionada a vários fatores

como a virulência, a extensão e profundidade da ferida, a riqueza da inervação e

vasos linfáticos no local da lesão, a proximidade da lesão em relação ao sistema

nervoso central (FERREIRA, 1976) e a espécie animal envolvida tanto a agressora

quanto a agredida (MURPHY et al., 1999).

2.7. Patologia

Apesar de ser uma doença grave e fatal, as lesões macroscópicas e

microscópicas, na raiva, são pouco aparentes (MURPHY et al., 1999;

DE MATTOS et al., 2001). Os achados histopatológicos são de natureza e

intensidade variáveis, distribuindo-se principalmente no tronco encefálico, cerebelo e

medula espinhal. Em bovinos, observa-se nas meninges e no parênquima nervoso

do encéfalo e da medula espinhal, manguitos perivasculares e infiltrados celular

intramural, consistindo primariamente de linfócitos e, em menor grau, de macrófagos

15

e plasmócitos. Os manguitos são mais proeminentes (até nove camadas de células)

e os pequenos vasos são mais freqüentemente afetados na substância cinzenta e

nos núcleos do tronco encefálico. No telencéfalo, é mais comum encontrar os

manguitos na substância branca subcortical.

Hemorragias restritas ao espaço perivascular são observadas na medula

espinhal, pedúnculos cerebelares, colículos e tálamo. Observa-se também necrose

das células neuronais, incluindo células de Purkinje do cerebelo, células piramidais

do hipocampo e núcleos do tronco encefálico e da substância cinzenta da medula

espinhal. (LANGOHR et al., 2003). A gravidade da lesão inflamatória pode estar

relacionada à cepa viral, e a supressão imunológica reduz as lesões inflamatórias,

mas aumenta a replicação viral (DE MATTOS et al., 2001).

São encontrados, nas células do sistema nervoso central, os corpúsculos de

Babés, as lesões de Van Gehuchten e Nélis e os corpúsculos de Negri.

Os corpúsculos de Negri são inclusões intracitoplasmática arredondadas ou

irregularmente trianguladas, medindo de 1 a 27 µm. Coram-se de vermelho vivo pelo

método de Mann, e rosado-forte pelo método de Giemsa. São constituídos de

proteína principalmente, mas há também RNA viral (LIEBERMANN, 1988). Durante

muitos anos, os corpúsculos de Negri foram a principal ferramenta de diagnóstico da

raiva, porém sua importância tem sido diminuída com o advento das técnicas de

imunofluorescência direta e imunoistoquímica (DE MATTOS et al., 2001).

As lesões de caráter macroscópico são: paralisia dos esfíncteres da vesícula

urinária e anal (principalmente na raiva paralítica, transmitida por morcegos aos

bovinos). A bexiga dos bovinos necropsiados mostra-se cheia de urina, e a ampola

retal repleta de fezes (SANTOS, 1975).

As características das infecções por vírus “fixo” e “de rua” são diferentes.

Geralmente as infecções com vírus “fixo” deixam intactos os neurônios e, nessas

infecções, quase não aparecem os corpúsculos de Negri. Já em infecções com vírus

“de rua”, os corpúsculos de Negri apresentam-se grandes e numerosos.

Diferentemente do vírus “de rua”, o vírus “fixo” não apresenta neurotropismo

(DE MATTOS et al., 2001).

Apesar da limitada mudança anatômica, as funções neurológicas são

gravemente afetadas. O vírus da raiva causa mudanças na atividade elétrica dos

neurônios que induzem alterações no sono e na expressão dos genes. A apoptose

16

pode ser um resposta eficaz do hospedeiro, mas pode piorar o quadro clínico

quando as células afetadas são os neurônios (DE MATTOS et al., 2001).

2.8. Resposta imune e vacinas

O vírus da raiva induz resposta imune humoral e celular. Os anticorpos

neutralizantes são direcionados principalmente a dois grupos de proteínas

antigênicas: a proteína N, específica para o grupo viral, e a glicoproteína G,

específica para o tipo viral (WAGNER e ROSE, 1996).

A glicoproteína é a principal responsável pela indução da produção de

anticorpos neutralizantes de vírus (VNA). A habilidade em induzir a produção de

anticorpos depende da conformação estrutural secundária e terciária da proteína.

A proteína G associada ao vírion confere maior produção de anticorpos que a

proteína solúvel. Os anticorpos neutralizantes exercem seu efeito de proteção pela

neutralização do vírus extracelular, pela lise de células infectadas mediada pelo

sistema complemento e por citotoxicidade anticorpo dependente. Os VNAs são

capazes de mediar a eliminação viral, sem nenhum outro mecanismo imunológico

(DE MATTOS et al., 2001).

A ribonucleoproteína (RNP) é o principal complexo antigênico que induz a

resposta de anticorpos vírus-específicos. Os anticorpos contra este complexo podem

auxiliar na proteção contra a infecção, embora ainda não esteja completamente

elucidado o mecanismo pelo qual os anticorpos anti-RNP atuam na inibição da

replicação viral (DE MATTOS et al., 2001). O gene que codifica a proteína N é muito

pouco variável entre as cepas virais, por este motivo essa proteína poderia ser um

ótimo adjuvante na produção de vacinas recombinantes. Contudo, as pesquisas

realizadas, nesse sentido, até agora, mostraram-se controversas quanto ao potencial

adjuvante da proteína N (DRINGS et al., 1999).

A infecção pelo vírus da raiva resulta em uma geração de células T CD4+ e

CD8+ vírus-específicas. A proteína G é um dos antígenos que induzem a resposta

de Linfócitos T citotóxicos (CTL). Alguns camundongos também desenvolvem CTL

contra a proteína P. O papel das células T CD8+ na imunidade do hospedeiro ainda

não está claro. Alguns pesquisadores reportaram a eliminação do vírus da raiva

após a transferência de células T específicas contra o vírus e a proteção contra a

raiva por clone de CTL. Ao passo que outros pesquisadores mostraram que as CTLs

17

são insuficientes para a proteção contra o desafio do vírus e a depleção in vivo das

células T CD8+ não apresenta diferença na resistência à infecção viral. Por outro

lado, as CTLs podem estar envolvidas na imunopatologia da raiva e têm sido

implicadas em paralisia neuronal. Já as células T CD4+ participam ativamente na

defesa imunológica contra o vírus da raiva. A eliminação das células T CD4+ anula a

produção de IgG na resposta à infecção. A RNP contém os principais epitopos que

induzem a resposta das células T CD4+, e a maioria dessas células T faz reação

cruzada com outros Lyssavirus (DE MATTOS et al., 2001).

Apesar de as proteínas do vírus da raiva serem altamente imunogênicas,

nenhuma resposta humoral ou celular pode ser observada durante o estágio de

movimentação viral do local de entrada até o SNC, provavelmente porque muito

pouco antígeno é liberado para o sistema imune, a maioria fica seqüestrada nas

células musculares ou nos axônios. Apesar de o organismo, naturalmente, não

produzir anticorpos neste estágio inicial da infecção, os vírus são sensíveis a

anticorpos exógenos ou aos previamente produzidos por vacinação pré-exposição,

ou até mesmo, por pós-exposição. A vacinação e a administração de soro anti-

rábico, após a exposição do indivíduo ao vírus, são eficazes porque o período de

incubação do vírus é longo, havendo uma demora entre a replicação inicial nas

células musculares e a chegada do vírus ao sistema nervoso

(MURPHY et al., 1999).

Desde a primeira vacinação feita por Pasteur, as formas de produção das

vacinas modificaram e tornaram-nas mais eficazes e seguras. As vacinas mais

comuns são obtidas de tecido cerebral infectado com vírus provenientes de

replicação em pintos jovens, embriões de galinha e culturas celulares de diversas

origens (LIEBERMANN, 1988). As vacinas obtidas de tecido cerebral apresentam

algumas reações adversas como a desmielinização, acidentes neuroparalíticos e

choque anafilático. As vacinas provenientes de cultivo celular são mais seguras, pois

são produzidas em culturas de células diplóides humanas ou de células renais de

macaco verde africano (VERO), e não de tecido nervoso de camundongo

(FUNASA, 2001).

A atenuação do vírus da raiva e a técnica de recombinância de vírus

permitiram a produção de vacinas de administração oral, utilizadas na Europa e EUA

para o controle da raiva em raposas e raccoons. Os vírus vetores utilizados nessas

vacinas recombinantes são os poxvírus: vacínia ou canarypoxvirus

18

(MURPHY et al., 1999). Pesquisas na área de vacinas de DNA obtiveram bons

resultados na imunização de cães (PERRIN, 2000) e cavalos (FISHER, 2003).

2.9. Sinais clínicos

Os sinais clínicos da raiva são variados e inespecíficos

(LANGOHR et al, 2003). O lapso entre a inoculação viral em camundongos e a sua

morte pode variar quanto à cepa viral utilizada e à idade do animal. Animais mais

jovens são mais susceptíveis ao vírus (GERMANO et al., 1988)

O período de incubação (PI) nos cães varia entre 15 e 90 dias, com

extremos de oito dias e 13 meses. Nos eqüinos, o PI varia entre 21 e 90 dias,

podendo prolongar-se até quatro meses. Nos ovinos, caprinos e suínos, o PI varia

entre 21 e 60 dias. Nos bovinos, o PI varia entre 20 e 80 dias. Nos felinos, o PI varia

entre 14 e 60 dias (FERREIRA, 1976).

Há três formas de apresentação da raiva, a excitativa ou “furiosa”, a

paralítica ou “muda” e a atípica (FERREIRA, 1976).

Na “raiva furiosa”, o curso total da doença é de aproximadamente quatro a

sete dias em cães, dois a seis dias em gatos, seis dias em eqüinos e; em ruminantes

e suínos, cinco a nove dias. Nessa apresentação clínica da raiva, são observados

três períodos básicos: o melancólico, o de excitação e o de depressão. No primeiro,

com duração de um a três dias, o animal mostra-se triste, exaltado, com

hipersensibilidade à luz e ao som, isola-se em lugares tranqüilos e semi-obscuros, e

responde ao chamado do dono com menor vivacidade que o habitual

(FERREIRA, 1976).

No período de excitação que, em geral, dura de três a quatro dias, a

inquietação inicial se transforma em acessos de fúria, que alternam com períodos de

calma. Pode haver prurido intenso. O animal raivoso tenta atacar tudo o que está à

sua volta e, às vezes, deglute parte de objetos dilacerados por ele. A voz torna-se

rouca, devido à paralisia da faringe, o que leva a uma deficiência e dor na

deglutição. Com o avançar desta fase, os acessos de fúria são cada vez mais

espaçados, dando início ao período de depressão (FERREIRA, 1976).

O período de depressão vem com o aumento das fases de abatimento entre

cada acesso de fúria. Com o progresso degenerativo da medula, a marcha torna-se

cambaleante, segue-se a paresia, a paraplegia ou paralisia, micção e defecação

19

involuntárias. A cauda torna-se pendente e posicionada entre as pernas. A paralisia

progride de forma ascendente e acentuada, o que torna a fonação e a deglutição

cada vez mais difíceis. A língua mostra-se pendente, o maxilar descaído e a saliva

escorre “em fios”. Ocorre estrabismo convergente, aprofundamento dos globos

oculares nas órbitas e as córneas turvam-se. Ao final da doença, os animais caem

em decúbito lateral, há hipotermia, entram em coma e morrem ao final de poucas

horas (FERREIRA, 1976).

Na “raiva muda”, o período melancólico e de excitação são reduzidos ou não

ocorrem, antecipando assim a fase paralítica (FERREIRA, 1976). Esta forma de

apresentação clínica da raiva é a predominante em bovinos. Nesses casos, os sinais

mais freqüentemente observados são a incoordenação dos membros pélvicos,

seguida de paresia e paralisia flácida. Outros sinais nervosos incluem a paralisia da

cauda e do esfíncter anal, hipoestesia na região pélvica, sialorréia, cegueira,

bruxismo, tremores musculares na região da cabeça e opistótono. No final do curso

clínico médio de 5 dias, que pode variar entre dois e 10 dias, o animal posiciona-se

em decúbito esternal, seguido por decúbito lateral e morte após realizar movimentos

de pedalagem. Em raros casos, pode ocorrer a “raiva furiosa” em bovinos, que então

apresentam agressividade e mugidos freqüentes (LANGOHR et al, 2003).

Desmodus rotundus inoculados experimentalmente com o vírus da raiva

morrem em média 12 dias após a inoculação, com extremos de sete e 30 dias. Os

sinais clínicos são anorexia, alteração do reflexo, tremor, paralisia, ansiedade

(AGUILAR-SÉTIEN et al., 1998), irritabilidade à luz e a sons, prostração, conjuntivite

purulenta, incontinência urinária, desidratação, perda de peso (ALMEIDA et al.,

2005) e isolamento do restante da colônia (AGUILAR-SÉTIEN, 2005). O surgimento

dos sinais clínicos se dá 24 a 72 horas antes da morte (AGUILAR-SÉTIEN et al.,

2002). Mas alguns morcegos também morrem sem apresentar qualquer sinal clínico

aparente (ALMEIDA et al., 2005).

A raiva também pode apresentar cursos atípicos, nos quais podem ocorrer

prolongamento do PI, paralisia limitada a certos músculos, manifestações de

gastrenterite hemorrágica, da qual o animal se cura, mas morre poucos dias depois

(FERREIRA, 1976).

20

2.10. Colheita e envio de material clínico ao labor atório

Para a remoção do encéfalo da caixa craniana, primeiramente desarticula-se

a cabeça, depois se faz um corte a partir do forame magno de forma que os ossos

occipital e temporal sejam cortados dos lados direito e esquerdo. Outro corte é

realizado traçando-se uma linha imaginária imediatamente após as apófises supra-

orbitárias dos ossos frontais, unindo-se o extremo caudal de um olho ao outro. Em

seguida, retira-se a calota craniana. Com auxílio de tesoura e pinça, cortam-se as

meninges longitudinalmente, rebate-se a dura-máter lateralmente e remove-se o

cérebro juntamente com o cerebelo (GUIMARÃES e LEMOS, 1999). Em bovinos,

quando não é possível abrir a caixa craniana, pode-se retirar fragmentos do cerebelo

através do forame magno, após a desarticulação do occipital com o atlas

(SANTOS, 1976).

As regiões de eleição para a colheita são o cerebelo, o bulbo, a ponte e o

corno de Ammon. Para a realização do isolamento viral e imunofluorescência, utiliza-

se a amostra fresca, refrigerada ou congelada. As amostras devem ser embaladas

em saco plástico duplo, etiquetado com o número do animal, a espécie, a data da

colheita, o sexo, a idade e a procedência. Para o exame histopatológico, utiliza-se a

amostra fixada em formol tamponado a 10% (SANTOS, 1976).

Para animais de pequeno porte, como cães e gatos, pode-se enviar a

cabeça inteira e sem conservante, desde que não ultrapasse o período de três horas

a partir da morte do animal até seu destino. Se demorar mais que três horas, deve-

se enviar a cabeça refrigerada. Morcegos podem ser enviados inteiros e refrigerados

(SANTOS, 1976; GUIMARÃES e LEMOS, 1999).

2.11. Métodos diagnósticos

O diagnóstico clínico da raiva pode ser feito se houver uma boa

documentação da exposição do indivíduo ao vírus e, subseqüentemente, os

sintomas e sinais compatíveis com a doença. Contudo, nem sempre é possível

assegurar se houve exposição ao vírus. Nesses casos, qualquer doença neurológica

aguda, que progrida para a morte, deve ser considerada como suspeita de raiva.

(DE MATTOS, et al., 2001).

O diagnóstico laboratorial deve ser realizado para confirmar uma suspeita

clínica de raiva (LIEBERMANN, 1988). Os métodos diagnósticos para a raiva são:

21

imunofluorescência direta (IFD), exame histopatológico, isolamento viral em

camundongos, neutralização viral, microscopia eletrônica (LIEBERMANN, 1988;

DE MATTOS et al., 2001), isolamento viral em cultivo celular, imunoistoquímica,

reconhecimento de epitopos específicos com anticorpos monoclonais (MAbs) e

transcrição reversa seguida da reação em cadeia da polimerase (RT-PCR)

(DE MATTOS et al., 2001).

O diagnóstico por IFD de impressão da córnea, o exame histopatológico da

pele da região occipital da cabeça (folículo piloso) e a inoculação de amostra salivar,

por via intracerebral em camundongos, podem fornecer o diagnóstico ante-morten.

O isolamento viral, a partir de amostra encefálica ou salivar, pode ser tentado por

inoculação intracerebral em camundongos ou pela inoculação em culturas de células

de neuroblastoma. As técnicas de RT-PCR e MAbs não só fornecem diagnóstico,

mas também permitem identificar a variante viral envolvida na infecção

(DE MATTOS et al., 2001).

O exame histopatológico pode ser realizado através de cortes histológicos,

impressões teciduais e distensão (esfregaço) de tecido macerado. As colorações

utilizadas podem ser a hematoxilina & eosina, Sellers e Giemsa (SMITH, 1962).

Na técnica de Faraco, é utilizada a coloração de Mann (SANTOS, 1976). Nestes

métodos, a estrutura que indica resultado positivo para a raiva são os corpúsculos

de Negri, porém os mesmos não estão presentes em 10 a 25% das amostras

positivas. Os corpúsculos de Negri são encontrados, principalmente, no corno de

Ammon (hipocampo cerebral), mas também são encontrados no córtex cerebral, no

tronco encefálico, na medula oblonga e em outras partes do SNC

(LIEBERMANN, 1988). Esses corpúsculos são encontrados com freqüência nas

células de Purkinje (no cerebelo) e nas células piramidais (corno de Ammon)

(SANTOS, 1975). Os corpúsculos de Negri podem ser encontrados, fora do SNC,

nas glândulas salivares (LIEBERMANN, 1988), nas células ganglionares da retina,

nos gânglios simpáticos satélites do nervo óptico e nos neurônios da retina

(RAVISSE, 1981).

A IFD é hoje o método mais utilizado para realizar diagnóstico de raiva, pois é

um teste rápido e tão seguro quanto o isolamento viral, e possibilita o diagnóstico

mesmo nos casos em que na histopatologia não se encontra corpúsculo de Negri

(LIEBERMANN, 1988). Permite a utilização de amostra fresca, congelada ou fixada

22

em formol, desde que seja respeitado o período de conservação

(WHITFIELD, 2001).

2.12. Epidemiologia

O vírus da raiva está presente em quase todos os continentes, com exceção

na Oceania. Países como o Uruguai, Barbados, Jamaica, Ilhas do Caribe, Japão e

alguns países europeus estão livres do ciclo urbano da doença (FUNASA, 1998).

Pode-se dividir o ciclo epidemiológico da raiva em urbano e silvestre

(FUNASA, 1998b). O ciclo epidemiológico é mantido por uma espécie hospedeira

principal, a qual pode transmitir o vírus para animais dessa mesma espécie, ou

infectar animais de outra espécie que normalmente não desempenham papel

epidemiológico importante (LIEBERMANN, 1988).

O cão é o principal reservatório da raiva urbana, já o ciclo silvestre pode ser

mantido por algumas espécies hospedeiras como macacos, morcegos e raposas

(FUNASA, 1998b). O principal transmissor da raiva silvestre no Brasil é o morcego

hematófago Desmodus rotundus, responsável pela morte de 40 mil cabeças de gado

anualmente (KOTAIT et al., 1998). A raiva transmitida pelo Desmodus rotundus

também é conhecida como “raiva desmodina”, e o ciclo epidemiológico da raiva

entre morcegos e bovinos é conhecido como raiva dos herbívoros ou “raiva rural”.

Em áreas urbanas e rurais, os morcegos frugívoros e insetívoros também

podem transmitir acidentalmente a raiva aos humanos. Há relatos de morcegos

infectados com o vírus da raiva em algumas cidades do Estado de São Paulo

(ALMEIDA, 1994; MARTORELLI, 1995 e 1996; SILVA, 1999).

Em um estudo realizado entre 1986 e 1996, observou-se que a raiva humana

é endêmica no Brasil e que há uma disparidade entre o número de casos nas

regiões brasileiras: Nordeste, 61,50%; Norte, 18,38%; Sudeste, 11,21%; Centro-

Oeste, 8,71%; e o Sul, 0,20%. A região Sul não apresenta casos de raiva humana

desde 1981, exceto um caso no Paraná, em 1987, transmitido acidentalmente por

morcego hematófago (FUNASA, 1998).

Entre 1980 e 1990, houve uma queda no número de casos de raiva em todo

o país, principalmente na primeira metade do período. A raiva humana reduziu 78%

e a canina em torno de 90%. Nesse período analisado, o cão foi o maior transmissor

da raiva aos humanos, com quase 80% dos casos, seguido pelo morcego que, em

23

1990, foi o causador de 15,1% desses casos (SCHNEIDER, 1996). Na segunda

metade desse período, houve aumento do número de casos de raiva no país, devido

aos casos transmitidos por morcegos na região Nordeste (SCHNEIDER, 1996).

O número de casos de raiva humana transmitida por morcegos ultrapassou os

transmitidos por cães em 2004. Nesse ano, 22 pessoas morreram de raiva

transmitida por quirópteros, enquanto cinco foram vítimas da raiva transmitida por

cães (Figura 1) (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2006). Só no estado do

Pará, foram reportados 21 casos de raiva transmitida pelo D. rotundus, sendo 15 no

município de Portel (WADA et al., 2004; ROSA et al., 2006) e seis em Viseu

(ROSA et al., 2006). Em 2005, o número de casos de raiva humana transmitida por

quirópteros foi ainda maior, 42 casos relatados (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM

SAÚDE, 2006).

Casos de Raiva Humana Transmitidas Pelos Principais Animais Reservatórios (Cão e Morcego) entre 1986 e 2006*

0

10

20

30

40

50

60

86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06*

Anos

Nº.

de

Cas

os d

e R

aiva

Hum

ana

Cão

Morcegos

Outros

Figura 1. Casos de raiva humana no Brasil, transmitida pelos principais reservatórios do vírus (cão e morcego). No eixo do X, estão representados os anos desde 1986 até 2006: e eixo do Y representa o número de casos de raiva humana (COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS. *Dados parciais do ano de 2006).

24

O foco de raiva em bovinos desloca-se cerca de 20km por mês e os morcegos

hematófagos infectados estão sempre à frente do foco no gado (TADEI et al., 1991).

A raiva se difunde rapidamente entre os D. rotundus, o que causa a mortalidade de

cerca de 50% da população desse quiróptero. Posteriormente, o número de

indivíduos na colônia demora a se restabelecer devido à baixa taxa de natalidade

entre os D. rotundus. Isto explica o comportamento do surto de raiva em bovinos,

que leva à morte um grande número de animais em um curto espaço de tempo

(DELPIETRO e RUSSO, 1996).

Casos de raiva transmitidos ao gado por morcegos hematófagos ocorrem ao

longo de todo o ano, sem a presença de sazonalidade em relação à estação do ano

ou ao regime de chuvas. Isto se deve ao fato de este morcego se manter ativo o ano

inteiro, visto que os D. rotundus não hibernam (DELPIETRO e RUSSO, 1996).

No Norte e Noroeste Fluminense, nos anos 1995 e 1996, foram verificados 57

casos de doença com sintomatologia neuromuscular, dos quais 46 (80,70%) foram

diagnosticados positivos para a raiva (SALES, 1997).

No município de Campos dos Goytacazes, entre 2000 e 2003, foram

confrontados os dados de diagnósticos laboratoriais positivos para a raiva com os

dados de relatos de animais que morreram com sintomatologia semelhante à da

raiva, fornecidos por fazendeiros e tratadores. Os casos de raiva bovina confirmados

por diagnóstico laboratorial, nos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003, foram,

respectivamente, cinco, quatro, três e três. Ao passo que os casos suspeitos foram

em cinco animais em 2000; 65, em 2001: 35, em 2002 e; 40 até julho de 2003

(CHICARINO et al., 2003). Portanto, a raiva bovina nessa região é um problema

para os pecuaristas, por levar à morte muitas cabeças de gado. Para a Saúde

Pública, um grande problema está no subenvio de amostras suspeitas de raiva a fim

de se proceder à confirmação do diagnóstico pelas técnicas laboratoriais

preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

2.13. Tratamento e profilaxia

Não há tratamento para a raiva depois de estabelecido o quadro clínico, com

raríssimas exceções alguns indivíduos sobreviveram à doença (DE MATTOS et al.,

2001; LIERBERMAN, 1988). Portanto, o combate à doença deve ser realizado por

meio de medidas profiláticas.

25

2.13.1. Atuação em focos de raiva

Quando há a comunicação de um caso suspeito de raiva, procede-se da

seguinte forma: anamnese detalhada sobre o caso, exame clínico, necropsia,

colheita de material do SNC para diagnóstico e envio ao laboratório. Deve-se realizar

a coleta de dados epidemiológicos, os quais consistem em: data de início do foco;

número total de indivíduos (mamíferos) susceptíveis ao vírus; quantidade de

indivíduos expostos por espécie; quantidade de animais doentes por espécie;

quantidade de mortos por espécie; data da última vacinação, tipo de vacina

(atenuada ou inativada), laboratório produtor da vacina, data de validade e número

da partida; data de ingresso e egresso dos animais, por espécie, na fazenda;

condições clínicas dos animais; e caracterização da espécie transmissora (KOTAIT,

1998).

Se o resultado para a raiva for negativo nos exames laboratoriais, deve-se

realizar o diagnóstico diferencial para outras doenças. Quando o resultado for

positivo, e o transmissor for um cão ou um gato, deve-se rastrear seu trajeto, a fim

de identificar as fazendas por onde passou e os animais com quem teve contado,

para que sejam vacinados. O animal agressor deve ser sacrificado e os agredidos

devem ficar isolados e sob observação por 60 dias (KOTAIT, 1998).

Quando o agressor for um animal selvagem, deve-se comunicar o fato à

Vigilância Epidemiológica, à Direção Regional de Saúde (DIR) e/ou à Prefeitura, e ao

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)

(KOTAIT, 1998).

Os humanos que entrarem em contato com o animal agressor devem ser

encaminhados ao posto de Saúde mais próximo, levando consigo uma carta do

Médico Veterinário que atendeu o caso, e o fato deve ser comunicado à Vigilância

Epidemiológica, à DIR e/ ou à Prefeitura, e ao Centro de Controle de Zoonoses

(CCZ) da região (KOTAIT, 1998).

26

2.13.2. Ações permanentes em áreas epidêmicas

Em regiões epizoóticas/epidêmicas, a vacinação dos herbívoros domésticos

deve ser realizada de seis em seis meses. Os primovacinados devem receber um

reforço 30 dias após a primeira dose, os recém-nascidos devem ser vacinados aos

três meses e revacinados aos quatro meses. Recomenda-se a utilização de vacina

inativada e de boa procedência (KOTAIT, 1998).

Área epizoótica/epidêmica é normalmente de topografia acidentada, com

muitos abrigos naturais para os morcegos hematófagos, o que ajuda na manutenção

do número elevado de quirópteros na região. Nestas áreas, o controle da população

de D. rotundus deve ser constante, a fim de reduzir a circulação do vírus da raiva

nessa espécie. Para se conduzir com eficácia o controle dos morcegos, deve-se

proceder a um levantamento dos abrigos naturais e artificiais destes quirópteros, a

situação dos ataques por morcegos hematófagos, a quantidade de animais

agredidos, e o número de lesões por animal. Nas fazendas onde mais que 5% do

gado apresentam mordedura pelo morcego hematófago, é recomendável realizar a

captura do D. rotundus e se fazer o uso da “pasta vampiricida” (Warfarina) nestes

morcegos. Quando menos que 5% do rebanho for acometido, o controle dos

hematófagos deve ser feito apenas com o uso tópico da “pasta vampiricida” nas

mordeduras. O trabalho educacional deve ser realizado de forma a conscientizar os

proprietários e tratadores de animais sobre a importância de se inviabilizar os

abrigos artificiais, identificar e comunicar a existência de novos abrigos, a

importância da vacinação, e a revacinação dos primovacinados 30 dias após a

primeira dose (KOTAIT, 1998).

Complementarmente ao controle dos morcegos hematófagos, deve-se

proceder às ações de vigilância epidemiológica que são: o levantamento do índice

de mordedura por D. rotundus de dois em dois meses, a verificação do

repovoamento oito dias após a captura, a inspeção de abrigos, o atendimento de

casos suspeitos, a realização de exames laboratoriais, o levantamento

epidemiológico da doença, além de ações permanentes de educação que

mantenham a população, a prefeitura e os CCZs (Centros de Controle de Zoonoses)

alertas para as questões relativas à raiva. (KOTAIT, 1998).

27

2.13.3. Ações permanentes em áreas endêmicas

A vacinação em áreas endêmicas deve ser realizada uma vez por ano, com

vacina inativada. Os primovacinados devem receber duas doses da vacina, com

intervalo de 30 dias entre as aplicações e, os animais recém-nascidos devem ser

vacinados aos três meses e receber a segunda dose 30 dias após a primeira.

Os métodos utilizados para o controle da população de morcegos hematófagos são

os mesmos das áreas epizoóticas/epidêmicas (KOTAIT, 1998).

Além do controle dos morcegos, deve-se proceder às ações de vigilância

epidemiológica, que serão conduzidas da mesma forma que em regiões epidêmicas,

exceto pelo levantamento do índice de mordedura por Desmodus rotundus, que será

realizado de quatro em quatro meses ao invés de dois em dois meses

(KOTAIT, 1998).

2.13.4. Atendimento a focos em áreas esporádicas

Nestas regiões, a maior ênfase deve ser ao atendimento do caso suspeito e

todos os esforços deverão ser despendidos para o controle de cada episódio, de

forma a impedir a disseminação dos mesmos para outras propriedades da área de

influência do foco. A área de influência do foco compreende toda a área até 5 km de

raio de distância do mesmo. As medidas de controle do foco são as mesmas

adotadas nas regiões endêmicas e epidêmicas (KOTAIT, 1998).

Em áreas esporádicas, depois de controlado o foco (“silêncio

sintomatológico”), as ações de vigilância devem perdurar por 12 meses. Deve-se

fazer o levantamento do índice de mordedura de morcego nos rebanhos, por

amostragem, com intervalos de quatro meses. É importante verificar as condições de

re-povoamento das colônias dos hematófagos, e inspecionar os novos abrigos

naturais e artificiais encontrados, a fim de verificar a presença do Desmodus

rotundus (KOTAIT, 1998).

2.14. Biologia do Desmodus rotundus (Morcego Vampiro Comum)

Morcegos pertencem à ordem Chiroptera, o termo origina-se dos radicais

chiro que significa mão e ptera que significa asa. Ou seja, animais com as mãos

transformadas em asas. É a segunda ordem em número de espécies, com cerca de

28

987 formas descritas, cujo número só é superado pela ordem Rodentia

(ESBÉRARD, 2004). São os únicos mamíferos com capacidade de vôo verdadeiro,

a maioria das espécies é de tamanho pequeno (STORER et al., 2002), não

ultrapassando 100g de peso (ESBÉRARD, 2004). Os membros anteriores e os 2º a

5º dedos são longos e sustentam uma fina membrana do tegumento que forma a

asa, que em algumas espécies inclui os membros posteriores e a cauda.

Nos membros anteriores apenas o 1º dedo (e o 2º em algumas espécies de

frugívoros) possui garra. Os pés são pequenos e todos os dedos possuem garras

afiadas e curvas (STORER et al., 2002).

Exceto as regiões polares, os quirópteros são encontrados em todos os

continentes (ESBÉRARD, 2004). São divididos em 16 famílias distribuídas em duas

subordens, a Megachiroptera e a Microchiroptera. A primeira compreende morcegos

frugívoros de grande porte que habitam a Ásia e a África, a maior espécie chega a

30cm de cabeça e corpo, e 1,5m de envergadura. A subordem Microchiroptera

contém 15 famílias com cerca de 135 gêneros e diversas espécies de morcegos de

pequeno porte. Dentre as espécies, vários são os hábitos alimentares dos

quirópteros, insetívoros, frugívoros, hematófagos, etc. (STORER et al., 2002).

São animais de hábito crepuscular e noturno, grande parte das espécies

orienta-se por ecolocalização, emitindo sons, inaudíveis aos humanos e, quando se

chocam com objetos, retornam para o animal sob forma de eco (ESBÉRARD, 2004).

Há três espécies de morcegos hematófagos, Desmodus rotundus, Diphylla

ecaudata e Diaemus youngi. As três espécies fazem parte da família Phyllostomidae

e subfamília Desmodontinae. A espécie D. rotundus é mais comum e mais

amplamente distribuída, as duas outras são menos distribuídas e não constituem um

grande problema na epidemiologia da raiva. Essas espécies alimentam-se

exclusivamente de sangue, sendo que a preferência do D. rotundus é pelo sangue

de mamíferos, mas também pode alimentar-se de sangue de aves. Os Diaemus

youngi e D. ecaudata alimentam-se basicamente de sangue de aves, mas podem

alimentar-se também de sangue de mamíferos (TADEI et al., 1991).

O D. rotundus é um animal basicamente cavernícola, mas pode colonizar

outros abrigos como oco de árvores e abrigos naturais. Em áreas de cavernas, onde

o alimento não é fator de restrição para o D. rotundus, pode ocorrer desequilíbrio na

população de morcegos, quando o número de indivíduos de D. rotundus cresce

exageradamente e essas populações desalojam outras espécies de morcegos do

29

abrigo. Até a década de 80, quando se iniciou o combate ao D. rotundus, os abrigos

em região cárstica eram dominados por essa espécie. Após esse período, a

população de D. rotundus não voltou ao seu tamanho original e, em algumas

cavernas, são observadas espécies de quirópteros que antes não ocorriam naquele

abrigo (TRAJANO, 1995).

Os D. rotundus adultos pesam entre 39,5 e 56,7g, os antebraços variam de

61,7 e 71mm de comprimento, com as fêmeas ligeiramente maiores e mais pesadas

que os machos. A maior parte dos nascimentos entre os D. rotundus ocorre na

primavera e no verão, com o nascimento de apenas um filhote, e o tempo de

gestação é de aproximadamente 165 a 180 dias (DELPIETRO e RUSSO, 2002).

A estrutura social dos D. rotundus é organizada em dois tipos de colônias, a

colônia principal ou harém, composta de várias fêmeas com seus filhotes e poucos

machos adultos; e outra colônia composta apenas de machos, esses últimos podem

ser aceitos na colônia principal quando a temperatura ambiente é reduzida

(DELPIETRO e RUSSO, 2002). Quirópteros dessa espécie são considerados

agressivos e constantemente são encontrados morcegos com cicatrizes provocadas

por briga entre eles (ROCHA, 2005).

Em regiões de criação de gado, os D. rotundus vivem como um animal

sinantrópico, suas populações são grandes, a alimentação depende quase que

exclusivamente do gado e os ataques aos humanos são esporádicos.

No ecossistema com escassa produção de gado, as populações de D. rotundus são

muito menores, a alimentação depende de diferentes espécies animais e os ataques

a humanos são mais freqüentes (DELPIETRO e RUSSO, 1996).

30

3. MATERIAL E MÉTODOS

3.1. Animais

3.1.1. Morcegos hematófagos

Desmodus rotundus de ambos os sexos e idades variadas, capturados nas

regiões Norte e Noroeste Fluminense, foram utilizados na colheita das amostras

clínicas. Os morcegos capturados foram mantidos no Morcegário do Setor de

Virologia – Laboratório de Sanidade Animal (LSA) – Centro de Ciências e

Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense

Darcy Ribeiro (UENF).

3.1.2. Camundongos

Foram utilizados camundongos albinos suíços com 21 dias de idade, para a

inoculação do material encefálico dos morcegos por via intracerebral, a fim de isolar

o vírus. Os camundongos foram obtidos no Biotério do Instituto Pasteur de São

Paulo e mantidos depois de inoculados no Infectório do mesmo.

31

3.2. Célula

As células de neuroblastoma murino (N2A) foram utilizadas para o isolamento

viral. Sua manutenção era feita em garrafas de 25cm2, cultivadas em meio de cultivo

celular MEM (Minimum Essential Medium Eagle, 9,5g/L - Sigma), com a adição de

10% de soro fetal bovino (proveniente do Instituto Adolfo Lutz) e 10µL de

aminoácidos (a.a.) não-essenciais ([ ] 100x - Cultilab) para cada 10 mL de meio,

como descrito por WEBSTER E CASEY (1996).

As células eram repicadas a cada três dias. Para tal procedimento,

desprezava-se o meio da garrafa, adicionava-se 2,5mL de tripsina ao tapete célular,

e desprezava-se a mesma para retirar o resquício de meio (o soro fetal bovino

inativa a tripsina). Adicionava-se mais 2,5mL de tripsina que agia por 30s,

desprezava-se a tripsina e ressuspendia-se as células em 5mL de meio. Em

seguida, acrescentava-se 1mL da suspensão celular em 9mL do meio de cultivo

celular e as garrafas eram incubadas a 37°C em estu fa de CO2. Após três dias, o

tapete celular apresentava-se confluente e um novo repique era realizado para o

isolamento viral ou manutenção celular.

3.3. Captura de morcegos e sua manutenção em cative iro

Os D. rotundus estudados foram provenientes de nove capturas realizadas

durante o experimento, nos municípios de Italva, Miracema, Bom Jesus do Norte,

Campos dos Goytacazes e Quissamã (Tabela 2). A localização dos abrigos, onde

foram feitas as capturas, foi marcada com aparelho de GPS (sistema de

posicionamento global – Gramin, eTrex VistaC). A localização dos abrigos e sua

descrição estão na Tabela 1.

As capturas eram realizadas, como descrito por BREDT (1998), com redes

de neblina (mist nets), com dimensões de 7 x 2,5m, malhas de 2cm em fios de nylon,

com quatro cordões longitudinais que, em suas extremidades, formam punhos para

a fixação da rede em estacas. A amarração da rede era feita esticando-se os

cordões longitudinais e soltando-se a malha, para que se formassem saculações

(“barrigas”), onde ficavam presos os morcegos que se chocavam com a rede.

Os morcegos presos à rede eram retirados com auxílio de duas pessoas,

uma, calçando luva de raspa de couro, segurava o animal, enquanto a outra prendia

a cabeça do morcego com uma pinça de Colin (18cm). Com a cabeça do morcego

32

imobilizada, desemaranhava-se o animal da rede e então os morcegos eram

alocados em gaiolas, para serem transportados.

As capturas foram realizadas com o acompanhamento de agentes do Núcleo

de DSA ou do CCZ de cada município. Em contrapartida ao auxílio desses agentes,

era realizado o controle da população do D. rotundus com a utilização da “pasta

vampiricida” (Warfarina sódica a 2% - Valleé®) aplicada no dorso de algumas

fêmeas de hematófagos capturadas, que em seguida eram soltas para voltarem ao

abrigo.

No Morcegário, os animais permaneciam nas gaiolas de transporte e,

somente no dia seguinte, eram manipulados. Cada morcego foi pesado, medido seu

antebraço e marcado com uma coleira numerada e alojados nas gaiolas definitivas.

As gaiolas são confeccionadas em madeira e revestidas por fórmica, nas

dimensões de 70 x 70 x 90cm (largura x comprimento x altura). Dentro da gaiola há

uma caixinha removível, acoplada pela parte superior da mesma. No teto da

caixinha, uma tela de arame, onde os morcegos se fixavam praticamente o dia todo.

Com uma porta em forma de guilhotina, era possível fechar os morcegos dentro da

caixinha para se realizar os procedimentos de limpeza das gaiolas. A caixinha possui

as seguintes dimensões 33 x 33 x 31,5cm (largura x comprimento x altura).

As gaiolas com os morcegos alojados ficaram em um recinto dentro do

Morcegário. Um cômodo com 6 x 3 x 3m (comprimento x altura x largura), construído

em alvenaria e pintado de preto. A temperatura do recinto foi mantida com ar

condicionado a 21°C e a umidade do recinto era mant ida molhando-se o chão todos

os dias pela manhã, no momento da limpeza.

Os morcegos eram alimentados com 20mL de sangue bovino por dia,

colhido em matadouro e armazenado congelado ou refrigerado. Foi oferecido

sangue desfibrinado ou sangue com adição de citrato de sódio a 3,8% (na proporção

de uma parte do anticoagulante para nove de sangue). O sangue era aquecido em

banho-maria à temperatura de 37°C e oferecido aos morcegos em cochos plásticos

para passarinho, presos às grades das portas das gaiolas.

33

Tabela 1. Descrição dos abrigos do Norte e Noroeste Fluminense e Sul do Espírito Santo onde foram realizadas as capturas de Desmodus rotundus

Local da Captura Identificação do

Abrigo Cidade / Localidade

Posicionamento Geográfico

Tipo de Abrigo

1 Italva /

Ponte de Táboa

S 21° 27' 06,4''

W 041° 43' 34,2'' Natural

2 Miracema /

Paraíso do Tobias

S 21° 23' 39,3''

W 042° 04' 32,4'' Natural

3 Bom Jesus do Norte /

Volta Fria S 21° 06' 45,8''

W 041° 40' 55,6'' Artificial

4 Campos do

Goytacazes/ Serrinha S 22° 00' 26,4''

W 041° 40' 00,3'' Artificial

5 Quissamã / BR 101 km 118

S 22° 05' 15,7''

W 041° 41' 20,2'' Artificial

Tabela 2. Descrição das colônias de Desmodus rotundus capturadas nas Regiões Norte e Noroeste do Rio de Janeiro e Sul do Espírito Santo

Nº de D. rotundus Captura Data

da Captura Identificação

do Abrigo Período

da Captura M1 F2

Total

1 25/08/05 1 Diurno 1 13 14 2 20/10/05 2 Diurno 13 22 35

3 29/10/05 3 Noturno 26 46 72 4 14/03/06 2 Diurno 15 0 15 5 16/03/06 4 Diurno 4 0 4 6 21/03/06 5 Diurno 10 21 31 7 26/07/06 5 Diurno 46 37 83 8 30/08/06 5 Diurno 3 0 3 9 29/09/06 2 Diurno 5 1 6

Total 123 140 263 1- Machos 2- Fêmeas

34

Figura 2. Captura e manutenção de morcegos hematófagos em cativeiro (Morcegário do Setor de Virologia – LSA/CCTA/UENF. A) Abrigo artificial de Desmodus rotundus. B) Morcego hematófago D. rotundus preso à rede de neblina. C) Gaiola onde foram mantidos os morcegos no cativeiro. D) D. rotundus dentro da caixinha removível pertencente à gaiola. E) D. rotundus, vista ventral e de cabeça para baixo, posicionado para se alimentar com o sangue oferecido em pote preso à gaiola. F) Fêmea de D. rotundus com um filhote que nasceu no cativeiro (VIEIRA, 2006).

35

3.4. Colheita e processamento das amostras

No dia seguinte às capturas, foram colhidas de alguns morcegos duas

amostras de saliva introduzindo um swab de algodão seco na orofaringe. Após

a colheita, cada swab era colocado em um tubo contendo 750µL de Trizol reagent

(Invitrogen™) e estocado a –20°C até o momento do u so.

Os morcegos que morreram durante o experimento foram necropsiados

assim que sua morte foi detectada. Os encéfalos destes animais foram

acondicionados em potes de filme fotográfico e congelados a –20°C. A verificação

do estado clínico dos morcegos e as mortes eram avaliadas duas vezes ao dia, pela

manhã e à tarde. Os morcegos que permaneceram vivos até o final do experimento

foram eutanasiados e necropsiados assim como os anteriormente relatados.

Foram colhidas amostras de coração, pulmão, fígado, rim, glândula salivar

parótida e língua. Cada amostra era colhida com tesoura e pinça estéreis individual

para não haver contaminação (inclusive, de um órgão para outro). De dois morcegos

positivos para a raiva no cérebro, não foi possível colher os órgãos por problemas

ocorridos no armazenamento dos corpos.

As amostras obtidas foram testadas no Instituto Pasteur de São Paulo,

considerado de Referência Nacional e laboratório consorciado da Organização

Panamericana de Saúde (OPAS) – Organização Mundial de Saúde (OMS).

3.5. Imunofluorescência direta

As amostras encefálicas colhidas dos animais necropsiados foram

submetidas ao teste de imunofluorescência direta (IFD), de acordo com as normas

e protocolos utilizados pelo Instituto Pasteur de São Paulo, descritas por DEAN,

ABELSETH E ATANASIU (1996).

Para cada amostra, eram preparadas quatro lâminas, com fragmentos

encefálicos diferentes para cada repetição. Eram realizadas duas impressões

teciduais em cada lâmina, uma próxima e outra distante da etiqueta de identificação.

As impressões eram realizadas em lâmina de vidro e, com papel de filtro, retirava-se

o excesso de tecido.

Duas lâminas eram utilizadas na realização da IFD e duas eram guardadas

em freezer a –20°C, para serem usadas, caso fosse necessário repetir alguma

leitura.

36

A cada conjunto de 15 amostras processadas, eram inseridas uma lâmina

controle positivo (cérebro de camundongo infectado com o vírus CVS “Challenge

virus standard”) e outra lâmina controle negativo (cérebro de camundongo normal).

As lâminas eram secas à temperatura ambiente (TA) por 20min, em seguida

eram imersas em acetona a –20°C e deixadas no freez er por 45min para fixar

o tecido. Retirava-se então a acetona do coplin, frasco onde estavam as lâminas que

foram colocadas em estufa a 37°C para secarem por c erca de 5 a 10min.

Sobre cada uma das duas impressões realizadas em lâminas, eram

adicionados 25µL de solução de conjugado e, em seguida, eram levadas para estufa

a 37°C, em câmara úmida, por 30min. Na impressão pr óxima à etiqueta, a solução

de conjugado era preparada com a adição de cérebro de camundongo normal,

enquanto, na impressão distante da etiqueta, o conjugado era preparado com

a adição de cérebro de camundongo infectado.

As lâminas eram retiradas da estufa e com auxílio de uma pisseta,

dispensava-se o excesso de conjugado rinsando-se com tampão salina-fosfato

(PBS) pH 7,4. As lâminas eram imersas em PBS e, após 10min, o mesmo era

dispensado e então se repetia a imersão por mais 10min. Em seguida, as lâminas

eram lavadas duas vezes com água destilada, deixando-as imersas por 5min em

cada lavagem.

Após dispensar a água destilada, as lâminas voltavam à estufa a 37°C para

secarem. Em seguida, uma gota de glicerina tamponada (pH 8,5) era colocada sobre

cada uma das impressões e uma lamínula era colocada sobre a glicerina.

As lâminas eram lidas em microscópio epifluorescente (Zeiss) em aumento de 400x.

O conjugado utilizado na IFD é produzido pelo Instituto Pasteur de São Paulo

(“conjugado IP”) e apenas nas repetições utilizou-se o conjugado produzido pela

Bio-Rad. O título do “conjugado IP” utilizado estava a 1:100. Para se chegar a esta

concentração, foram feitas duas diluições; na primeira, dilui-se o conjugado 1:10 em

PBS pH 7,4 (50µL de “conjugado IP” em 450µL de PBS); e na segunda, preparou-se

duas soluções de conjugado diferentes, uma com cérebro de camundongo normal

(não infectado) e outra com cérebro de camundongo infectado com o vírus CVS.

Essa diluição foi realizada com suspensão de cérebro a 20% (100µL da 1ª diluição

em 900µL de solução cerebral). O conjugado da Bio-Rad foi diluído a 1:20

diretamente em solução cerebral a 20% (25µL do conjugado Bio-Rad em 475µL de

solução de cérebro normal ou infectado).

37

3.6. Isolamento viral

Para a realização do isolamento viral, foram utilizadas duas técnicas:

inoculação em células e inoculação intracerebral em camundongos. As amostras

foram primeiramente submetidas à inoculação em cultivo de células, seguindo

os protocolos descritos por WEBSTER E CASEY (1996). As amostras positivas

foram inoculadas em camundongo, como descrito por KOPROWSKI (1996b).

O material encefálico analisado era preparado da mesma forma para os dois

testes. O encéfalo era pesado, macerado com auxílio de grau e pistilo e adicionava-

se o diluente para obtenção de uma suspensão de cérebro a 20%. Deixava-se

a solução a 5°C por 30min. para os antibióticos atuarem. Centrifugava-se o material

durante 30min a 1.400g, a fim de eliminar as partículas mais grosseiras

e o sobrenadante era separado para ser utilizado como inóculo.

O diluente era preparado com 20mL de soro fetal bovino, 1mL de garamicina

(gentamicina 20mg), 8,5g de cloreto de sódio e q.s.p. 1.000mL de água destilada.

3.6.1. Inoculação em célula de neuroblastoma murino

No procedimento de inoculação em células, foi utilizada a linhagem contínua

de neuroblastoma murino (N2A). Preparou-se uma suspensão celular realizada da

mesma forma que para um repique normal (descrito no item 3.2), exceto pelo meio

de cultivo. Para cada 10 mL de meio MEM, eram adicionados 30µL de a.a.

não-essenciais, 30µL de sulfato de gentamicina (50mg/mL – Cultilab) e 10% de soro

fetal bovino (Instituto Adolfo Lutz).

As amostras eram testadas em triplicata, em placa de microtitulação com

96 poços. As suspensões cerebrais a 20% eram homogeneizadas em vórtex e, em

seguida, para cada um dos três poços, eram adicionados 40µL da suspensão

cerebral, 160µL de meio de cultivo e 100µL da suspensão celular.

As placas eram incubadas a 37°C, em câmara úmida, com 5% de CO2 por 72

a 96 h. Após esse tempo retirava-se o meio dos poços utilizando-se uma bomba de

sucção.

As células eram fixadas com 200µL/poço de acetona a 80%, gelada a -20°C

e incubadas por 15min em banho de gelo. Em seguida, desprezava-se a acetona

e secava-se a placa.

38

Para promover um melhor contraste e facilitar a leitura, era utilizado o Azul de

Evans, primeiramente diluído a 5% em água destilada e, em seguida, adicionava-se

100µL da primeira diluição em 200mL de PBS, o que resultava em uma diluição de

1:40.000. Esta solução final era utilizada para diluir o conjugado. O conjugado

é produzido pelo Instituto Pasteur de São Paulo e seu título estava em 1:160. Eram

adicionados 40µL de “conjugado IP” por poço e as placas eram incubadas, em

câmara úmida, a 37°C por 1h.

Após retirar a placa da estufa, o “conjugado IP” era desprezado e, em

seguida, eram realizadas três lavagens com PBS e três com água destilada.

Secava-se a placa e adicionava-se 50µL de glicerina tamponada pH 8,5 em cada

poço. As placas eram examinadas ao microscópio óptico de luz ultravioleta invertido

(Zeiss), com aumento de 400x.

3.6.2. Inoculação em camundongo

Os camundongos foram inoculados por via intracerebral com 0,03mL da

suspensão cerebral a 20%, utilizando-se seringas de insulina de 1mL.

Os camundongos inoculados foram mantidos em gaiolas com água e ração

e supervisionados três vezes ao dia, para a observação do aparecimento dos sinais

clínicos da raiva e morte, por no mínimo 21 dias. As mortes com menos de 48 h

pós-inoculação (p.i.) foram consideradas acidentes de inoculação; as mortes após

três dias p.i. foram consideradas suspeitas de raiva e os cérebros desses animais

foram colhidos para a IFD. Os animais que não apresentaram sintomas em 21 dias

p.i. foram eutanasiados e considerados negativos.

3.7. Amplificação das regiões específicas do genoma viral

As amostras de cérebro e dos demais órgãos foram submetidas à transcrição

reversa seguida da reação em cadeia pela polimerase (RT-PCR, reverse

transcription – polymerase chain reaction). E as amostras de saliva foram

submetidas a hemi-nested RT-PCR, segundo descrito por ORCIARI et al. (2001).

A descrição dos primers está na Tabela 3. Os pares de primers utilizados em cada

reação pelo tipo de amostra está na Tabela 4, e a representação da região

amplificada por cada par de primers está na Figura 3.

39

Tabela 3. Oligonucleotídeos iniciadores (primers) utilizados nas reações de transcrição reversa (RT), reação em cadeia da polimerase (PCR), hemi-nested e seqüenciamento de parte do genoma do vírus da raiva

Primer Polaridade Posição no Genoma

Seqüência (Sentido 5’ →→→→ 3’)

21g Senso 55 -73 ATGTAACACCTCTACAATG

304 Anti-senso 1514-1533 TTGACGAAGATCTTGCTCAT

504 Senso 1286 -1317 TATACTCGAATCATGATGAATGGAGGTCGACT

Tabela 4. Primers utilizados em cada etapa de amplificação de regiões específicas do genoma viral, para cada tipo de amostra, e os respectivos tamanhos de fragmento de DNA amplificado

Pares de Primers utilizados Tipo de Amostra RT PCR Hemi-nested

Fragmento Amplificado

Cérebro 21g - 304 21g - 304 - 1479bp

Órgãos

(exceto o

cérebro)

504 - 304 504 - 304 - 248bp

Saliva 21g - 304 21g - 304 504 - 304 248bp

40

Figura 3. Esquema representativo do genoma mostrando as regiões amplificadas do vírus da raiva. Colchete 1: região amplificada utilizando-se os primers 21g e 304. Colchete 2: região amplificada utilizando-se os primers 504 e 304. A região do genoma que codifica as proteínas N, P, M. G e L estão representadas por suas respectivas letras e o número de nucleotídeos de cada uma delas está logo acima da barra (DE MATTOS et al., 2001).

3.7.1. Extração de RNA total

Com o Trizol Reagent (Invitrogen™), foram extraídos RNA de amostras de

cérebro, glândula salivar, língua, coração, pulmão, fígado, rim e saliva, seguindo

as recomendações do fabricante, com pequenas modificações.

Todos os reagentes utilizados, exceto a água, foram mantidos em gelo.

Depois da adição de cada reagente nos tubos, era feita uma homogeneização de

15s em vórtex. Todas as centrifugações foram realizadas a 12.000g, a 4°C, variando

apenas no tempo de centrifugação.

Para a extração do RNA dos órgãos, eram utilizados, no isolamento viral,

aproximadamente 100mg de tecido ou 300 µL da suspensão cerebral a 20%.

O tecido era picotado com bisturi estéril antes de ser colocado em microtubo livre de

RNAse e DNAse. Adicionava-se às amostras 1mL de Trizol Reagent (Invitrogen™),

homogeneizado em vórtex. Os swabs com as amostras de saliva eram

descongelados e homogeneizados em vórtex por 15s.

As amostras eram incubadas à temperatura ambiente (TA) por 5min.

Em seguida, adicionava-se 200µL de clorofórmio, era feita a homogeneização,

incubando-a por 3min à TA. Em seguida, realizava-se a centrifugação por 15min.

Retirava-se então a fase aquosa (sobrenadante) e a transferia para outro microtubo.

Eram adicionados a esse tubo 500µL de álcool isopropílico e novamente

41

homogeneizava-se a amostra. Após uma incubação por 10min à TA, a amostra era

centrifugada por 10min.

Ao final da centrifugação, formava-se um pellet no fundo do tubo.

O sobrenadante era desprezado, permanecendo apenas o pellet. Feito isso,

adicionava-se 1mL de etanol a 75%, homogeneizava-se em vórtex e centrifugava-se

por 5 min. Novamente, vertia-se o tubo para desprezar o etanol e secava-se o tubo.

Adicionavam-se 25µL de água livre de RNAse e DNAse ao tubo, pipetava-se

50 vezes para ressuspender o pellet, levava-se ao vórtex por 15s, fazia-se uma

centrifugação rápida e colocava-se o tubo em banho a 56°C por 10min. Em seguida,

as amostras eram estocadas a –20°C até o momento do uso.

3.7.2. Transcrição reversa

Na transcrição reversa (RT) preparou-se para cada amostra uma solução

(MIX) contendo 12µL de água ultra-pura, 8µL de tampão (5x First-Strand Buffer,

Invitrogen™; 250mM de Tris-HCl, pH 8,3; 375mM de KCl; 15mM de MgCl2), 6µL

de dNTPs (desoxinucleotídoes trifosfato - dATP, dTTP, dCTP e dGTP – 10mM), 4µL

de DTT (Dithiothreitol 0,1M, Invitrogen™), 5µL do primer senso (10mM) e 5µL

do primer anti-senso (10mM).

Após a adição destes componentes, homogeneizava-se em vórtex

rapidamente e submetia-se a uma rápida centrifugação (spin). Em seguida,

adicionavam-se 1µL (40 unidades/µL) de RNaseOUT™ (Invitrogen™) e 1µL

(200 unidades/µL) de SuperScript™ II RT (Invitogen™). Homogeneizava-se

levemente, submetia-se novamente a uma centrifugação rápida e então

colocavam-se 42µL do MIX para cada microtubo, a esse tubo eram adicionados 5µL

de RNA total obtido na etapa de extração.

Para evitar contaminação, o MIX era preparado em fluxo destinado apenas

ao trabalho com material não contaminado. Depois de preparado, levava-se ao outro

fluxo para a adição do RNA total. Todas as etapas de preparação do MIX e adição

do RNA eram feitas com os tubos mantidos em gelo.

Os tubos eram levados ao termociclador (Mastercycler Gradient – Eppendorf)

à temperatura de 42°C por 1h.

42

3.7.3. Reação em cadeia pela polimerase

Para a realização da reação em cadeia da polimerase (PCR), era preparado

outro MIX. Para cada amostra, eram utilizados 50,5µL de água ultra-pura, 10µL

de tampão (10x PCR Buffer – Invitrogen™ ; 200mM de Tris-HCl, pH 8,4; 500mM kCl,

16µL de dNTPs (1,25mM), 5µL de primer senso (10mM), 5µL de primer anti-senso

(10mM) e 5µL de MgCl2 (50mM).

Os reagentes eram homogeneizados em vórtex e centrifugados

rapidamente. Em seguida, eram adicionados 0,5µL (5 unidades/µL) de Taq DNA

polimerase (Invitrogen™) e homogeneizava-se levemente. Dessa solução,

resultavam 92µL de MIX para cada amostra, a ele adicionavam-se 10µL do c-DNA

obtidos na reação de RT.

O mesmo cuidado foi observado em relação à contaminação das amostras

e quanto ao resfriamento do MIX em gelo.

Os tubos eram levados ao termociclador (Mastercycler Gradient – Eppendorf).

A amplificação do DNA era realizada com os seguintes ciclos: 1º ciclo,

de desnaturação, 95°C por 5min; 2º ciclo, de desnat uração, 94°C por 30s; 3º ciclo,

de anelamento, 55°C por 45s; 4° ciclo, de extensão, 72°C por 2min. Repetia-se do 2º

ao 4º ciclo 35 vezes e, em seguida, terminava-se com o ciclo de extensão final

a 72°C por 10min. Ao final dos ciclos, as amostras estavam prontas para serem

visualizadas em gel ou armazenadas a –20°C até o mo mento do uso.

3.7.4. Hemi-nested

Nos casos em que foi necessário aumentar a sensibilidade da técnica,

realizou-se o hemi-nested RT-PCR. Para isso, foi feita uma RT-PCR normal com

os primers 21g e 304 que resultaram em um fragmento de DNA de 1479bp.

Preparava-se então um MIX com os mesmos reagentes utilizados na PCR,

exceto pela mudança do primer 21g pelo primer 504, e então, adicionavam-se 10µL

do produto da PCR.

As amostras eram submetidas aos seguintes ciclos: 1º ciclo, de desnaturação,

95°C por 1min; 2º ciclo, de desnaturação, 94°C por 30s; 3º ciclo, de anelamento,

37°C por 30s; 4° ciclo, de extensão, 72°C por 1min, Repetia-se do 2º ao 4º ciclo 40

vezes, em seguida terminava-se com uma extensão final a 72°C por 7min.

43

3.7.5. Avaliação do resultado da amplificação

Os produtos das amostras, tanto as submetidas à RT-PCR ou a hemi-nested

RT-PCR, eram aplicados em gel de agarose a 1% e submetidos à eletroforese.

O gel de agarose a 1% era preparado com 50mL de água ultra-pura e 0,5g

de agarose, fundida aquecendo-se a água por 2min em microondas. A agarose

líquida era colocada em uma forma com um pente. Após a solidificação, o gel era

colocado dentro da cuba com tampão de corrida TBE 1x (Invitrogen™), o pente

retirado; e as amostras aplicadas nos poços formados.

Adicionava-se 1µL de corante (10x BlueJuice – Invitrogen™) a 10µL

da amostra que, depois de homogeneizada, era aplicada no gel de agarose. O DNA

presente nas amostras era corado por brometo de etídeo adicionado ao tampão de

corrida na concentração de 1µg/mL. No primeiro e no último poço, aplicavam-se 5µL

do marcador de peso molecular (100bp DNA Ladder – Invitrogen™). As amostras

eram visualizadas em transluminador de luz ultravioleta (UV). As amostras positivas

apresentavam no gel as bandas do tamanho esperado e os resultados eram

documentados digitalmente.

3.8. Seqüenciamento do DNA

3.8.1. Purificação do c-DNA

A purificação do c-DNA das amostras foi feita de duas maneiras: as amostras

dos morcegos 24/06, 25/06, 26/06, 27/06 e 31/06 que não apresentaram bandas

inespecíficas no gel foram purificadas direto do produto da PCR. As amostras 16/06

e 0399 que apresentaram uma banda inespecífica de aproximadamente 400bp

foram purificadas a partir do gel. As duas técnicas foram realizadas com o Kit GFX

(Amersham Biosciences), seguindo as recomendações do fabricante.

Para a purificação, direto do produto da PCR, foram adicionados 90µL

do produto da PCR em um microtubo de 1,5mL, no qual adicionaram-se 500µL de

Capture Buffer (“tampão de captura”), pipetando-se para homogeneizar.

O homogeneizado foi adicionado a uma coluna dentro do tubo coletor e, então,

levado à centrífuga por 30s a 14.000g.

Para as amostras purificadas a partir do gel, foi realizada uma eletroforese

com 90µL do produto da PCR em dois poços do gel de agarose a 1% para separar

44

as bandas. Com transluminador UV, foi possível visualizar e, então, cortar, com

estilete estéril, o gel com a banda específica, da qual foi purificado o DNA. O gel

cortado foi pesado, colocado em um microtubo de 1,5mL e, em seguida,

adicionou-se 100µL de “tampão de captura” para cada 100mg de gel.

Homogeneizou-se em vórtex e os tubos foram levados ao bloco aquecido a 60°C por

5 a 10min para liquefazer o gel.

Depois, transferiu-se o material do tubo para a coluna dentro do tubo coletor

e centrifugou-se a 14.000g por 30s Desta etapa em diante, o procedimento foi

o mesmo para os dois tipos de purificação.

Descartou-se o material no fundo do tubo coletor, devolveu a coluna para

o tubo e acrescentaram-se a ela 500µL de Wash Buffer (“tampão de lavagem”).

Centrifugou-se por 30s a 14.000g e, em seguida, descartou-se o tubo coletor

e a coluna foi transferida para um novo microtubo de 1,5mL.

Para eluir o DNA da coluna, adicionaram-se 30µL de tampão EB (Eluitor

Buffer), incubou-se por 1min à TA e centrifugou-se por 1min a 14.000g. Em seguida,

a coluna foi descartada e a amostra permaneceu no tubo.

Para quantificar o DNA, 4µL da amostra foram adicionado a 1µL de corante

(10x BlueJuice – Invitrogen™) e, em seguida, foi aplicado em gel de agarose a 2%

e submetido à eletroforese.

A quantificação do DNA das amostras em ng/µL foi dada pela comparação

com o padrão de quantificação de massa (Mass Ladder – Invitrogen™), corrido na

mesma eletroforese.

3.8.2. Reação de seqüenciamento

A reação de seqüenciamento foi realizada com ddNTPs

(didesoxinucleotídeos) marcados com fluorocromos específicos e o resultado lido em

seqüenciador automático. Seguiu-se o protocolo do Kit BigDye®Terminator v3.1

Cycle Sequencing (Applyed Biosystems). O Kit apresentava um Mix pronto para uso,

ao qual foi adicionado apenas a amostra e o primer. Como controle, utilizou-se uma

amostra de DNA de fita dupla, pGEM®-3Zf(+), com seu respectivo primer senso,

-21 M13.

Para cada amostra, eram realizadas duas reações, uma com o primer senso

21g e outra com o anti-senso 304. Foi preparada uma solução com o produto

da purificação do DNA (de 12,5 a 60ng de DNA, dependendo da quantificação

45

na amostra), 4µL de Mix, 1µL de primer (senso ou anti-senso a 3,2mM) e água

ultra-pura q.s.p. 10µL.

Os reagentes eram levados ao termociclador e submetidos aos seguintes

ciclos de temperatura: 1º ciclo, de desnaturação, 96°C por 1min; 2º ciclo,

de desnaturação, 96°C por 10s; 3º ciclo, de anelame nto, 50°C por 5s; 4º ciclo,

de extensão, 60°C por 4min. Repetia-se do 2º ao 4º ciclo 35 vezes. E por fim,

o 5° ciclo de manutenção, 4°C até a retirada dos tu bos do termociclador. Em todas

as mudanças de ciclos, era necessária uma rampa rápida de temperatura, de 1°C/s.

Em seguida, o produto do seqüenciamento foi purificado utilizando-se

Sephadex com o Kit da Amersham Biosciences, seguindo as recomendações

do fabricante. Adicionava-se Sephadex™ G-50 à placa Multiscreen HV, com auxílio

de medidor próprio. Adicionavam-se 300µL de água ultra-pura por orifício,

incubando-se por 3h.

Uma placa coletora era colocada debaixo da placa Multiscreen HV

e centrifugava-se a 710g por 10min Descartava-se a água da placa coletora

e colocavam-se mais 140µL de água ultra-pura em cada orifício e, em seguida,

centrifugava-se por 10min a 710g. Descartava-se a água da placa coletora e fazia-se

uma nova centrifugação por 10min a 710g. Trocava-se a placa coletora por uma

outra placa de PCR, coloca-se o produto do seqüenciamento em cima do Sephadex

e centrifugava-se por 10min a 710g. Transferia-se o produto resultante

da centrifugação em tubos de 0,2mL e levava-se os tubos para o termociclador

a 95°C por 15min para evaporar todo o líquido.

As amostras eram ressuspensas em 10µL de formamida Hi-Di

(Apllied Biosystens), homogeneizadas em vórtex, transferidas para a placa

de seqüenciamento e centrifugadas rapidamente (spin). A placa era levada ao

termociclador a 95°C por 5min e, em seguida, coloca da em gelo por mais 5min

Depois, era feita uma nova centrifugação rápida. Então, a placa era colocada no

seqüenciador automático ABI-3100 da Applied Biosystems.

3.9. Análise filogenética

O seqüenciador automático exibiu o resultado no formato de um

cromatograma. Para cada isolado viral, foram produzidas duas seqüências, uma

senso e outra anti-senso. No programa Cromas 2.24, foram excluídas as regiões

46

onde o cromatograma não apresentou boa definição do seqüenciamento.

Em seguida, a seqüência completa era obtida a partir das seqüências senso

e anti-senso, com a função CAP (contig assembly program) do programa BioEdit

versão 7.0.0 (©1997-2004 Tom Hall).

As seqüências produzidas eram alinhadas com amostras obtidas no GenBank

(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) pelo método ClustalW, utilizando o software BioEdit.

As extremidades das seqüências eram eliminadas de forma que todas as amostras

ficassem do mesmo tamanho, o que resultou em seqüências homólogas de 1360

nucleotídeos. A árvore filogenética foi construída a partir dessas seqüências

alinhadas por meio do software Mega2 (KUMAR et al. 2001), utilizando o método de

distância com o algoritmo neighbor-joining e modelo evolutivo kimura-2-parâmetros,

com 1.000 repetições de bootstrap. A descrição das amostras obtidas no GenBank

estão na Tabela 5.

As amostras de vírus da raiva isoladas a partir dos D. rotundus capturados

neste estudo foram publicadas no GenBank (Tabela 6).

Tabela 5. Amostras obtidas no GenBank utilizadas na análise filogenética, por identificação no mapa número de acesso, local e ano de isolamento das amostras

Nº. no Mapa

Amostra (Nº GenBank)

Cidade Estado Espécie Ano de

Isolamento - M13215 - - - - - D42112 - - - - 1 AB083810 Araguanã TO Bovino 1999 2 AB083809 Nova Olinda TO Bovino 1998 3 AB083811 Colinas do Tocantins TO Bovino 1999

DQ640250* Bovina 2003 4

DQ640251* Palmas TO

Bovina 2003 5 AB083814 Cáceres MT Bovino 1999 6 AB083804 Iporá GO Eqüino 1998 7 AB083798 Anápolis GO Cão 1999

47

Tabela 5. Continuação

AB083801 Humano 1999 AB083795 Humano 1999 AB083794 Gato 1999 AB083793 Gato 1999

8

DQ640244*

Goiânia GO

Humano 1992 9 AB083813 Alto taquari MT Bovino 1999

10 AB083818 Corumbaíba GO Bovino 1999 11 AB201816 Ilha Solteira SP Molossus molossus 2002 12 AB201815 Jales SP Molossus molossus 1999 13 AB201809 Américo de Campos SP Eumops auripendulus 1998

14 AB201808 Nova Granada SP Nyctinomops laticaudatus 2001

AB117972 Artibeus planirostris 1998 AB117970 Artibeus lituratus 1998 AB201811 Eptesicus furinalis -

AB201807 Nyctinomops laticaudatus 1999

15

AB201806

São José do Rio Preto SP

Nyctinomops laticaudatus 1999

16 AB201814 Catanduva SP Eptesicus furinalis 2002 17 AB117971 Novo Horizonte SP Artibeus lituratus 1998 18 AB201802 Dracena SP Artibeus. lituratus 2002 19 AB083817 Pijurá SP Bovino 1989 20 AB083808 Apiaí SP Ovino 1992 21 AB083805 São Roque SP Bovino 1994

AB117969 Artibeus lituratus 1998 22

AB201818 Itapira SP

Molossus abrasus 2000 AB201804 Desmodus rotundus 2000

23 AB201803

Lindóia SP Desmodus rotundus 2000

AB083796 Cão 1987 24

AB083797 Poços de Caldas MG

Cão 1989 25 AB083806 Taubaté SP Desmodus rotundus - 26 AB083807 Pindamonhangaba SP Desmodus rotundus 1998 27 AB201805 São José do Barreiro SP Desmodus rotundus 2001 28 DQ640242* Miracema RJ Bovina 2002

DQ640246* Bovina 2003 DQ640247* Bovina 2003 DQ640248* Bovina 2003 DQ640249* Bovina 2003 DQ640252* Bovina 2003

29

DQ640254*

Porciúncula RJ

Bovina 2003 30 DQ640245* Arapotí PR Bovina 2003 31 DQ640243* Jaguariaíva PR Desmodus rotundus 2003

* Amostras de KIMURA (2006) não inseridas na árvore f ilogenética (Figura 7) em função do pequeno tamanho das seqüências referentes às mesmas .

48

Tabela 6. Número de acesso no GenBank das amostras de vírus da raiva isoladas de Desmodus rotundus capturados nas regiões Norte e Noroeste Fluminense

Captura Amostra Nº de Acesso no GenBank

0399 EF428576

16/06 EF428577

24/06 EF428578

25/06 EF428579

26/06 EF428580

7

27/06 EF428581

8 31/06 EF428582

49

4. RESULTADOS

Foram apanhados 263 Desmodus rotundus em nove capturas realizadas no

período de 25/08/05 a 29/09/06, em cidades do Norte e Noroeste Fluminense: Italva,

Miracema, Campos dos Goytacazes e Quissamã, e no município de Bom Jesus do

Norte, no sul do Espírito Santo. Os abrigos estão representados na Figura 4. Todas

as capturas foram realizadas com o acompanhamento de agente do Núcleo de

Defesa Sanitária Animal do município ou do Centro de Controle de Zoonoses.

Do total de D. rotundus capturados, 123 (46,77%) eram machos e 140

(53,23%), fêmeas. Na captura 1, houve a predominância de fêmeas sobre o número

de machos; já nas capturas 4, 5, 8 e 9, houve a predominância de machos sobre

o número de fêmeas.

Com a finalidade de se realizar o controle populacional de Desmodus

rotundus, foram soltas 64 fêmeas com pasta Vampiricida Vallé (Warfarina Sódica

2%) em seu dorso; quatro morcegos na segunda captura; 25 morcegos na terceira;

cinco morcegos na sexta; e 30 morcegos na sétima captura. Em dois abrigos, um em

Quissamã e outro em Bom Jesus do Norte, foi realizada mais de uma captura

e pôde-se perceber uma redução do número de Desmodus rotundus nos abrigos,

após o uso da pasta vampiricida.

Foram levados para o morcegário 199 D. rotundus, dos quais 90 foram

mantidos no cativeiro e os demais foram eutanasiados assim que chegaram

ao morcegário.

50

A média de consumo de sangue dos morcegos no cativeiro foi de 17,4mL

diariamente (Tabela 7). A média de peso corporal foi de 32,4g ± 6,5dp

(desvio padrão) e a medida de antebraço foi em média de 62 mm ± 2,9dp.

Foi observado que, até 15 dias após a captura, morreram em média 40% dos

morcegos mantidos cativos. Depois desse período, o número de morcegos se

estabilizou nas colônias (Tabela 7). Alguns morcegos foram mantidos, de acordo

com a rotina de diagnóstico, por até cinco meses sem que apresentassem qualquer

sinal clínico de doença.

Tabela 7. Número de morcegos mantidos em cativeiro, proporção entre machos e fêmeas cativos, médias de consumo de sangue e mortalidade dos mesmos 7, 15 e 30 dias após a captura

Captura

Nº. de Morcegos Mantidos

em Cativeiro

Machos/ Fêmeas

Média de Consumo de Sangue

mL (±±±± desvio padrão)

Morcegos Vivos 7

dias após a Captura

(%)

Morcegos Vivos 15

dias após a Captura

(%)

Morcegos Vivos 30

dias após a Captura

(%)

1 13 1 / 12 16,7 (± 2,3) 100 100 100 2 14 5 / 9 16,8 (± 4,04) 50 42 42 3 21 3 / 18 16,5 (± 2,38) 76 57 57 4 15 15 / 0 18,5 (± 4,77) 53 47 47 5 - - - - - - 6 15 2 / 13 18,7 (± 2,29) 73 73 73 7 12 12 / 0 17,6 (± 2,36) 50 50 42 8 - - - - - - 9 - - - - - -

Total 90 38 / 52 17,4 (± 3,34) 67 61 60

Foram encontrados sete morcegos positivos do total de 199 analisados, o que

resultou numa freqüência de ocorrência do vírus da raiva de 3,52% (7/199). Havia

morcegos infectados pelo vírus da raiva nas capturas 7 e 8, foram realizadas no

mesmo abrigo, com aproximadamente um mês de intervalo. Os morcegos infectados

da captura 7 foram 0399, 16/06, 24/06, 25/06, 26/06 e 27/06, e o da captura 8, foi

o 31/06. Da captura 7, foram levados para o laboratório 53 morcegos e, desse total,

51

foram positivos seis animais (11,32%). Já na captura 8, foi positivo para a raiva um

morcego do total de três capturados, o que representa 33,3%.

Os morcegos 0399 e 16/06 foram eutanasiados no dia seguinte à captura,

e o morcego 24/06 morreu sete dias após a captura. O morcego 25/06 morreu sem

apresentar sintomas 23 dias após a captura. O 26/06 morreu 34 dias após a captura,

mas alguns dias antes houve uma intensa vocalização na gaiola onde ele estava

alojado. Quatro dias depois desse último, morreu o morcego 27/06. Nos dois dias

que antecederam a morte desse morcego, foi observado que ele permanecia na

grade da porta da gaiola no período diurno. Também foi observada intensa

vocalização dias antes desse morcego morrer. As vocalizações cessaram logo após

a morte desses dois últimos morcegos. Três morcegos dessa mesma captura

(28/06; 29/06 e 30/06) não foram infectados pelo vírus da raiva e permaneceram

vivos por mais 30 dias, após a morte do último morcego infectado, quando foram

eutanasiados.

4.1. Resultados da imunofluorescência direta e isol amento viral

Foram analisadas, pela imunofluorescência direta e isolamento viral por

inoculação em células de neuroblastoma murino (N2A), 199 amostras de cérebro de

D. rotundus provenientes das regiões Norte e Noroeste Fluminense, as quais sete

foram positivas e 192 foram negativas (Tabela 8).

Os resultados de ambas as técnicas foram concordantes em 100% das

amostras analisadas. Todas as sete amostras positivas para a raiva, nas duas

primeiras técnicas, também o foram no isolamento viral por inoculação intracerebral

em camundongos.

52

Figura 4. Abrigos diurnos dos Desmodus rotundus (morcego-vampiro-comum) onde foram realizadas as capturas. RJ (FUNDAÇÂO CIDE, 2006). Os abrigos foram plotados no mapa do Rio de Janeiro com o software MapSource do GPS Garmin modelo E-Trex Vista C.

53

Tabela 8. Amostras de cérebro de morcegos capturados nas Regiões Norte e Noroeste Fluminense analisadas por técnicas de imunofluorescência direta (IFD) e isolamento viral por inoculação em células de neuroblastoma murino (N2A)

Captura Nº. de Morcegos Analisados

Nº. de Positivos/Negativos

1 14 0/14 2 35 0/35 3 47 0/47 4 11 0/11 5 4 0/4 6 26 0/26 7 53 6/47 8 3 1/2 9 6 0/6

Total 199 7/192

4.2. Resultado da amplificação

Todas as amostras de cérebros, positivas na IFD e no isolamento viral,

também foram positivas na RT-PCR. Outros órgãos foram analisados por RT-PCR,

coração, pulmão, fígado, rim e glândula salivar dos morcegos positivos 24/06, 25/06,

26/06, 27/06 e 31/06. As amostras dos órgãos dos morcegos 16/06 e 0399 foram

perdidas.

Dos órgãos pesquisados, além do cérebro, o coração e a língua foram os que

apresentaram maior número de positivos, seguidos do rim, glândula salivar, pulmão,

e fígado, respectivamente. As amostras de saliva dos morcegos 26/06 e 27/06,

testadas por hemi-nested RT-PCR, resultaram negativas para a raiva (Tabela 9).

Amostras de saliva e glândula salivar dos morcegos, 116, 119, 21/06, 22/06,

23/06, 28/06, 29/06, 32/06 e 33/06, que apresentaram resultados negativos na IFD

do cérebro, foram analisadas por hemi-nested RT-PCR, e as demais amostras

também foram negativas (Tabela 10).

54

1 2 3 54 6 7

300 pb200 pb

1 2 31 2 3

300 pb200 pb

8 91 2 3 54 6 7

300 pb200 pb

1 2 31 2 3

300 pb200 pb

8 9

300bp200bp

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 54 6 7

300 pb200 pb

1 2 31 2 3

300 pb200 pb

8 91 2 3 54 6 7

300 pb200 pb

1 2 31 2 3

300 pb200 pb

8 9

300bp200bp

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1 2 3 4 5 6 7 8 9

1500pb

1 2 3 4 5 6 7 8 91 2 3 4 5 6 7 8 91 2 3 4 5 6 7 8 9

1500pb

300 200 300 200 300 200 300 200

1500bp

1 2 3 4 5 6 7 8 91 2 3 4 5 6 7 8 9

1500pb

1 2 3 4 5 6 7 8 91 2 3 4 5 6 7 8 91 2 3 4 5 6 7 8 9

1500pb

300 200 300 200 300 200 300 200

1500bp

1 2 3 4 5 6 7 8 9

Figura 5. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (1478bp) pela técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 21g e 304. 1) 100bp Ladder. 2) 16/06; 3) 24/06. 4) 25/06. 5) 26/06. 6) 27/06. 7) 31/06. 8) 0399. 9) controle positivo CVS.

Figura 6. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (248bp) pela técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 504 e 304. 1) 100bp Ladder. 2) CVS. 3) H2O. 4) Língua-24/06. 5) Glândula Salivar-24/06. 6) Língua-25/06. 7) CVS. 8) Coração-25/06. 9) Fígado-25/06. 10) Língua-26/06.

A

B

55

Tabela 9. Resultado da RT-PCR dos órgãos e hemi-nested RT-PCR de saliva dos morcegos que apresentaram cérebros positivos para a raiva na IFD e isolamento viral

Captura Morcego Cérebro Glândula Salivar Língua Coração Pulmão Rim Fígado Saliva

16/06 + NA NA NA NA NA NA NA 24/06 + + + + - + - NA 25/06 + - + + + + + NA 26/06 + - + + + - - - 27/06 + + + + - + - -

7

0399 + NA NA NA NA NA NA NA 8 31/06 + - + + - + - NA

(+) Positivo (-) Negativo (NA) Não analisado

Tabela 10. Resultado da RT-PCR de glândula salivar e hemi-nested RT-PCR de saliva dos morcegos que apresentaram cérebros negativos para a raiva na IFD e isolamento viral

Captura Morcego Glândula Salivar Saliva

116 - - 4 119 - -

21/06 - - 22/06 - - 23/06 - - 28/06 - -

7

29/06 - - 32/06 - - 8 33/06 - -

(-) Negativo

56

4.3. Seqüenciamento e análise filogenética

As sete amostras positivas para a raiva foram seqüenciadas, o tamanho das

seqüências variou de 1360 a 1364 nucleotídeos. O menor fragmento compreende do

nucleotídeo 101 ao 1460, quando alinhado com a seqüência completa do vírus fixo

PV – Pasteur Vírus – (M13215). Esse fragmento alinha-se com o 11º aminoácido do

PV, inclui o códon de parada do gene N, mas não alcança a região do poliA. Cada

seqüência obtida foi submetida a BALST/n (www.ncbi.nlm.nih.gov/BLAST), tendo

sido confirmada a homologia com o gene N de vírus da raiva.

A árvore filogenética (Figura 7) formou quatro grupos principais. O grupo 1

reuniu amostras de bovino, eqüino, ovino, Artibeus lituratus, Artibeus planirostris

e D. rotundus. As amostras (0399, 16/06, 24/06, 25/06, 26/06, 27/06 e 31/06)

isoladas de D. rotundus, no município de Quissamã/RJ, no presente trabalho,

também estão agrupadas no grupo 1.

Os grupos 2, 3 e 4 agruparam amostras de morcegos insetívoros: no grupo 2

as amostras foram isoladas de Eumops auripendulus, Nyctinomops laticaudatus

e Eptesicus furinalis; no grupo 3, as amostras foram isoladas de Nyctinomops

laticaudatus; e no grupo 4, foram de Molossus molossus e M. abrasus.

O grupo 5 reuniu amostras isoladas de cão, gato e humano. Todas

as amostras desse grupo foram relacionadas com a raiva canina brasileira.

A identidade de nucleotídeos inter e intra-grupo está resumida na Tabela 11.

57

16/06 24/06 26/06 25/06 27/06 31/06 0399

1.1

AB083807 D.rotundus SP 1998

AB083806 D.rotundus SP1.2

AB083808 Ovino SP 1992

AB083811 Bovino TO 1999

AB083810 Bovino TO 1999

AB083809 Bovino TO 1998

1.3

AB117972 A.planirostris SP 1998

AB117970 A.lituratus SP 1998

AB117969 A.lituratus SP 1998

AB083818 Bovino GO 1999

AB117971 A.lituratus SP 1998

AB083805 Bovino SP 1994

AB201805 D.rotundus SP 2001

AB083817 Bovino SP 1989

1.4

AB083814 Bovino MT 1999

AB083813 Bovino MT 19991.5

AB201802 A.lituratus SP 2002

AB083804 Eqüino GO 1998

AB201804 D.rotundus SP 2000

AB201803 D.rotundus SP 20001.6

Grupo 1

AB201811 E.furinalis SP

AB201807 N.laticaudatus SP 1999

AB201814 E.furinalis SP 2002

AB201809 E.auripendulus SP 1998

Grupo 2

AB201808 N.laticaudatus SP 2001

AB201806 N.laticaudatus SP 1999Grupo 3

AB201816 M.molossus SP 2002

AB201818 M.abrasus SP 2000

AB201815 M.molossus SP 1999

Grupo 4

M13215 PV

D42112 CVS

AB083797 Cão MG 1989

AB083796 Cão MG 1987

AB083793 Gato GO 1999

AB083801 Humano GO 1999

AB083798 Cão GO 1999

AB083795 Humano GO 1999

AB083794 Gato GO 1999

Grupo 5

100

75

67

63

100

64

100

7490

100

100

99100

70

81

100

95

100

100

75

99

88

100

88

65

55

100

75

86

99

0.02

Figura 7. Árvore filogenética de distância para uma região de 1360 nucleotídeos do gene N do vírus da raiva. As amostras isoladas nesse trabalho estão identificadas com o número em negrito, as amostras obtidas no GenBank estão identificadas pelo número de acesso, seguido da espécie de isolamento, estado e ano. Os valores de bootstrap acima de 50% são mostrados acima dos nós e a escala representa o número de substituição de nucleotídeos pelo número total no alinhamento.

58

Tabela 11. Matriz de identidade das amostras dos grupos 1, 2, 3, 4 e 5 presentes na árvore filogenética. As células da tabela em cinza representam a identidade das amostras dentro do grupo e o cruzamento entre linhas e colunas representa o grau de identidade entre os grupos

Grupo 1 2 3 4 5 1 0,9776 0,8723 0,8814 0,8808 0,8346 2 0,8723 0,9918 0,8864 0,8812 0,8254 3 0,8814 0,8864 0,996 0,9028 0,8261 4 0,8808 0,8812 0,9028 0,9833 0,8397 5 0,8346 0,8254 0,8261 0,8397 0,9930

Em uma análise mais detalhada do grupo 1, foi possível observar a formação

de seis subgrupos. As amostras isoladas em Quissamã durante o experimento

agruparam-se no único subgrupo 1.1, que apresentou um valor de bootstrap de

99%. A identidade entre essas amostras foi de 99,97%. Todos os 1360 nucleotídeos

foram idênticos entre as amostras, exceto para a amostra 24/06 que apresentou uma

única substituição não sinônima (G→A) no nucleotídeo 1123.

O subgrupo 1.2 agregou duas amostras de D. rotundus isoladas em São

Paulo. O subgrupo 1.3 agregou três isolados de bovino do Tocantins. O subgrupo

1.4 possui sete amostras isoladas em São Paulo e uma em Goiás, esta isolada de

bovino, e aquelas isoladas de três A. lituratus, uma de A. planirostris, uma de

D. rotundus e duas de bovino. O subgrupo 1.5 possui duas amostras isoladas de

bovino no Mato Grosso. O subgrupo 1.6 agrupou duas amostras de D. rotundus

isoladas em São Paulo. A matriz de identidade entre os subgrupos está na Tabela

12.

59

Tabela 12. Matriz de identidade das amostras dos subgrupos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, e 1.6 presentes na árvore filogenética. As células da tabela em cinza representam a identidade das amostras dentro do subgrupo e o cruzamento entre linhas e colunas representa o grau de identidade entre os subgrupos

Subgrupo 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.1 0,9997 0,9939 0,9736 0,9750 0,9674 0,9690 1.2 0,9939 0,9980 0,9757 0,9769 0,9698 0,9715 1.3 0,9736 0,9757 0,9980 0,9736 0,9712 0,9657 1.4 0,9750 0,9769 0,9736 0,9892 0,9722 0,9712 1.5 0,9674 0,9698 0,9712 0,9722 0,9920 0,9695 1.6 0,9690 0,9715 0,9657 0,9712 0,9695 1,0000

60

5. DISCUSSÃO

5.1. Morcegos

A ocorrência de morcegos infectados foi de 3,52% (7/199). Em um trabalho de

âmbito nacional, foi encontrado oito Desmodus rotundus positivos de um total de

1062 capturados, esses valores resultam em uma freqüência de ocorrência da raiva

no morcego vampiro-comum de 0,75% (SILVA et al., 1967).

É difícil determinar a freqüência de ocorrência da raiva em D. rotundus por

diversos fatores, entre eles: não se sabe o tamanho da população dessa espécie na

região, poucos abrigos são mapeados, o foco da raiva desloca-se no espaço em

relação ao tempo, a morbidade e mortalidade da raiva são iguais a 100%. Então

para se avaliar a presença do vírus da raiva em uma colônia, é preciso que a captura

seja realizada no momento em que o caso de raiva esteja acontecendo numa

população de morcegos.

Há morcegos hematófagos dispersos por toda a região do Norte e Noroeste

do Estado do Rio de Janeiro. Em Italva, Miracema e Bom Jesus do Norte há muitas

grutas que podem servir de abrigo aos quirópteros, já na região de Campos dos

Goytacazes e Quissamã são mais raros esses tipos de abrigo. No entanto,

os abrigos artificiais formados pelos túneis debaixo da BR101, por onde cruzam

alguns córregos, são utilizados pelos morcegos hematófagos e outras espécies de

morcegos não-hematófagos.

O uso da pasta Vampiricida Vallé (Warfarina sódica 2%) aplicada no dorso

do morcego hematófago reduziu sua população dentro do abrigo. O método

61

é seletivo quanto à espécie, pois, em abrigos onde uma espécie de morcego

frugívoro coabitava com os D. rotundus, não foi observada redução no número de

indivíduos daquela espécie pelo uso da pasta vampiricida nos D. rotundus. Além da

especificidade da técnica de controle populacional do D. rotundus, também foi

descrita, por ALMEIDA et al. (2002), a redução na incidência de mordedura de

bovinos e eqüinos em uma região após a utilização da Warfarina.

Os primeiros métodos desenvolvidos para o controle da população de

morcegos hematófagos não eram seletivos quanto a espécie. A utilização de gases

tóxicos (FORNES et al., 1974), ou a explosão de abrigos com dinamite

(THORNTON et al., 1980) exterminavam além do morcego hematófago, animais de

outras espécies. As técnicas seletivas vieram com os anticoagulantes, um método

sistêmico, não mais utilizado hoje em dia, que administrava o anticoagulante

difenadiona por via intraruminal que, em doses certas, mantinha o efeito tóxico para

os morcegos, mas não para os bovinos (THORNTON et al., 1980). Atualmente,

a Warfarina, fármaco utilizado no controle da população do morcego hematófago, é

aplicada sob a forma de pasta em morcegos capturados ou no local da ferida do

bovino.

Os morcegos 26/06 e 27/06 que morreram infectados pelo vírus da raiva

apresentaram sintomas de incoordenação motora e impossibilidade de vôo.

Aparentemente não houve aumento da agressividade desses morcegos, assim como

foi observado por AGUILAR-SÉTIEN et al. (1998), entretanto, foi observada uma

intensa vocalização precedida de sons comuns do manejo, como o simples ato de

abrir o cadeado do morcegário, que sugere um caráter excitável da doença no

D. rotundus.

Os morcegos da captura 7 (Quissamã-26/07/06) foram mantidos em gaiolas

de transporte de um dia para o outro, após a captura. No dia seguinte, foram

eutanasiados e apenas 13 morcegos foram mantidos no morcegário. Entre

os morcegos eutanasiados, estavam os 16/06 e 0399, que foram positivos para

a raiva. Esses dois morcegos com certeza já estavam infectados quando chegaram

ao morcegário e muito provavelmente também estava o 24/06 que morreu apenas

sete dias após a captura. Não é possível fazer a mesma afirmação quanto aos três

últimos morcegos dessa captura que morreram de raiva (25/06, 26/06 e 27/06),

porque eles poderiam ter se infectado dentro do morcegário pelos morcegos 0399,

62

16/06 e 24/06, portanto, não é possível avaliar o período de incubação do vírus

nesses morcegos.

A captura 8 (Quissamã-30/08/06) foi realizada no mesmo abrigo,

aproximadamente um mês depois da anterior. Nessa captura, a população do

hematófago diminuiu vertiginosamente, devido ao uso da pasta vampiricida, por isso

somente três espécimes foram capturados, mas ainda foi encontrado o vírus da raiva

em um dos três morcegos (31/06). Esse morcego já estaria infectado na ocasião da

captura 7? Não é possível responder a essa pergunta, mas, de qualquer forma,

tem-se com esse dado a informação de que o vírus permanece em uma colônia por

pelo menos um mês. Provavelmente, o vírus circula em uma colônia por mais tempo,

pois os indivíduos não se infectam todos simultaneamente, inclusive entre os 13

morcegos da captura 7 mantidos em cativeiro, três não foram infectados pelo vírus

da raiva, mesmo tendo passado todo o período junto com os morcegos

contaminados.

O manejo de manutenção dos quirópteros em cativeiro apresentou uma alta

mortalidade dos morcegos entre a primeira e segunda semana depois da captura.

As mortes foram atribuídas ao estresse da captura e pós-captura, já que esses

morcegos foram negativos para a raiva. A mortalidade dos quirópteros foi a mesma

tanto para machos quanto para fêmeas, no entanto, as fêmeas lactantes quando

capturadas abandonavam seus filhotes após a entrada no cativeiro.

Depois de passado o período de adaptação, a manutenção dos morcegos em

gaiolas mostrou-se eficiente, visto que os D. rotundus permaneceram por até cinco

meses sem apresentar qualquer sintoma de doença e somente foram eutanasiados

para que pudesse ser feita a pesquisa de vírus da raiva no cérebro. Outro ponto que

indica a boa adaptação dos quirópteros foi o nascimento de três morcegos durante

o experimento, esses permaneceram vivos por até dois meses dependendo da rotina

de diagnóstico.

A caixa onde foram mantidos os quirópteros permitiu um fácil manejo de

limpeza e manipulação dos animais, além de isolar os D. rotundus provenientes de

abrigos diferentes, de forma que os morcegos infectados de uma colônia não

transmitiram o vírus aos indivíduos de outra. O reduzido espaço da gaiola não

permitiu a visualização do comportamento de vôo dos quirópteros.

63

5.2. Resultado das técnicas diagnósticas e a presen ça do vírus nos

diferentes órgãos do D. rotundus

Foi feito o diagnóstico pelas técnicas de IFD e inoculação em células de todas

as 199 amostras de cérebro dos morcegos, entre as quais 192 foram negativas

e sete foram positivas para a raiva. O resultado do isolamento viral em cultivo celular

foi obtido em três ou quatro dias após a inoculação, intervalo de tempo

sensivelmente menor quando comparado com o isolamento viral por inoculação em

camundongos, que pode demorar até 21 dias. A concordância do diagnóstico do

isolamento viral em células N2A com a imunofluorescência em diferentes trabalhos

variou desde 83% (SCHEFFER, 2005), 90% (NOGUEIRA, 2004) até 99,26%

(BOUHRY et al., 1989).

As sete amostras positivas pela IFD e cultivo celular foram inoculadas em

camundongo e os resultados foram concordantes. As amostras de cérebros originais

e a primeira passagem em camundongo foram submetidas à RT-PCR, obtendo-se

resultado positivo para todos os cérebros testados. As bandas visualizadas na

eletroforese em gel de agarose foram mais intensas nas amostras da primeira

passagem em camundongo do que nas amostras originais, provavelmente pelo

aumento da carga viral depois da passagem em camundongo.

A imunofluorescência direta é considerada a técnica padrão ouro para

o diagnóstico da raiva, já a RT-PCR não é normalmente recomendada como método

diagnóstico, embora essa técnica possa ser aplicada em estudo epidemiológico

(WHO, 2004). Apesar de não ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde,

diversos autores relatam a alta sensibilidade e especificidade da RT-PCR

(SACRAMENTO; BOURHY; TORDO, 1991; HEATON,1997; BORDIGNON, 2003),

inclusive é possível detectar RNA viral em amostras autolisadas, onde normalmente

não se consegue bons resultados na IFD (KIMURA, 2006).

ITO et al. (2001a) observaram que, dependendo do par de primer utilizado na

RT-PCR, pode ocorrer falso positivo no diagnóstico da raiva de determinadas

variantes, contudo, com a utilização dos primers adequados, a técnica

apresentou-se concordante em 100% com as técnicas clássicas de IFD e isolamento

viral.

Maiores informações acerca da amostra analisada podem ser obtidas

combinando-se a RT-PCR com a RFLP (polimorfismo do tamanho do fragmento de

restrição). O material da amplificação foi submetido a cortes com enzimas de

64

restrição, a fim de se discriminar amostras oriundas de cães ou morcegos

(ITO et al., 2003; SCHAEFER et al., 2005).

Cepas virais distintas disseminam-se de forma diferentes entre os órgãos de

camundongos. No cérebro e medula, o vírus é encontrado em 100% das análises

independentemente da cepa envolvida na infecção. Nos outros órgãos dos

camundongos inoculados com a cepa de morcego DR19, a maior freqüência de

positivos para a raiva foi na língua (81,5%), seguida do pulmão (51,8%), coração

(48,1%), fígado (37%) e rim (22,2%). Nos camundongos inoculados com a cepa de

cão Nigéria, o vírus foi mais freqüentemente encontrado na língua e no coração

(100%), depois foi o rim (90,6%), pulmão (78,1%) e fígado (43,8%). A glândula

salivar não foi avaliada em nenhum dos casos (GERMANO et al., 1988).

Os resultados encontrados com a cepa de cão Nigéria foram mais parecidos

com os encontrados no presente trabalho, quando analisado o vírus nos diferentes

órgãos dos morcegos. A RT-PCR foi positiva em 100% (5/5) das amostras de

coração e língua; 80% (4/5) no rim; 40% (2/5) na glândula salivar e no pulmão;

e 20% (1/5) no fígado.

Amostras de glândula salivar de nove morcegos com resultados negativos

para a raiva no cérebro (sete do abrigo de Quissamã, onde foi isolado o vírus da

raiva e duas de abrigos onde não foi encontrado morcego positivo) foram testadas

pela RT-PCR, e nenhuma foi positiva. Também foram negativas as amostras de

saliva desses morcegos pela técnica de hemi-nested RT-PCR.

Duas amostras de saliva dos morcegos 26/06 e 27/06, com cérebros positivos

para a raiva, foram testadas, mas os resultados também foram negativos. A glândula

salivar do morcego 26/06 foi negativa, contudo, a do 27/06 foi positiva para a raiva

na RT-PCR, o que já era esperado.

É de fundamental importância uma melhor padronização da pesquisa de vírus

da raiva na saliva dos quirópteros, especialmente nos casos dos morcegos

não-hematófagos. Com o estabelecimento dessa técnica, é possível fazer análises

epidemiológicas da raiva nos morcegos sem que seja necessário o sacrifício do

animal.

Além do sistema nervoso central, já foram encontrados vírus nas glândulas

parotídeas, língua, bexiga, coração, pulmão, rim, trato genital, estômago e músculo

peitoral de morcegos (SCHEFFER, 2005), glândulas sublingual, submandibular,

zigomática e mucosa nasal de skunks (CHARLTON, CASEY E WEBSTER, 1984).

65

Dentro de uma lógica de infecção, o vírus deveria entrar com a saliva através

de uma ferida, ir em direção ao cérebro para causar alterações de comportamento,

seguir para as glândulas salivares para ser eliminado na saliva e infectar outro

indivíduo recomeçando o ciclo. Nesse esquema, não seria necessário a infecção de

outros órgãos na patogênese da raiva. Então por que ocorre replicação viral, em

maior ou menor grau, em todos os órgãos de animais infectados?

A replicação do vírus na glândula salivar ocorre nas células acinares

mucogênicas, então, o vírus é liberado na saliva pelo fluxo secretor normal

(DE MATTOS et al., 2003). Por outro lado a replicação do vírus nos pulmões ocorre

provavelmente nos neurônios presentes nesse órgão e não no tecido pulmonar

(BOURHY et al,. 1992).

5.3. Análise filogenética

A árvore filogenética formada, pelas amostras isoladas neste trabalho

e as seqüências obtidas no GenBank, dividiu-se em cinco grandes grupos.

A formação de grupos geneticamente mais próximos tem sido descrita por diversos

autores. Primeiramente, a utilização de anticorpos monoclonais pôde determinar

padrões antigênicos para os isolados virais de diversos continentes e dos diferentes

animais reservatório (SMITH et al., 1980; WIKTOR e KOPROWSKI, 1980;

BOURHI el al., 1992; YUNG, FAVI e FERNANDEZ, 2002; FAVORETO et al., 2002).

O desenvolvimento das técnicas de genética molecular, posteriormente, veio para

ratificar a formação de muitos grupos antigenicamente semelhantes e ainda

incrementar maiores informações entre as diferenças genéticas das variantes virais

(KISSI et al., 1995; ARAI et al., 1997; ITO et al 2001b).

Os grupos 1, 2, 3 e 4 da árvore filogenética foram isolados de amostras

relacionadas a morcegos, enquanto o grupo 5 compreendeu amostras relacionadas

a cães.

No Canadá, foi encontrado um padrão semelhante de agrupamento das

amostras, no qual houve a formação de diferentes grupos de isolados de morcegos

e apenas um agrupamento das amostras do ciclo terrestre da raiva

(NADIN-DAVIS et al., 2001). Contudo, a análise de amostras de vírus isoladas de

diferentes espécies de canídeos silvestre e doméstico no Brasil mostrou que

as amostras do ciclo terrestre também apresentam grande variação

66

(SATO et al., 2006). Outra semelhança no comportamento de formação dos grupos,

entre as amostras do Canadá e as amostras analisadas nesse estudo, foi que

os grupos relacionados aos morcegos são mais próximos entre si do que entre

quirópteros e o ciclo terrestre (NADIN-DAVIS et al., 2001).

Um dos primeiros a sugerir a diferença genética entre amostras isoladas de

cães e morcegos hematófagos no Brasil foi KISSI et al. (1995), contudo, analisaram

poucas amostras. Posteriormente, ITO et al. (2001b) analisaram 50 amostras de

vírus isoladas de diferentes espécies animais e perceberam uma divisão entre dois

grandes grupos de animais reservatórios do vírus da raiva no Brasil, os cães

e os D. rotundus. Os autores observaram que os hospedeiros principais são capazes

de infectar animais de espécies que normalmente estão envolvidas em outro ciclo

epidemiológico. Contudo, a raiva urbana tem o cão como o principal reservatório

enquanto a raiva silvestre (ou “raiva rural”, pelo grande acometimento de bovinos)

tem como reservatório o D. rotundus. Diversos outros autores descrevem a diferença

entre as duas variantes de morcegos hematófagos e cão em várias regiões do Brasil

(ITO et al., 2003; ROMIJN et al., 2003; GOMES et al., 2004;

SCHAEFER et al., 2005; SATO et al., 2004, 2005 e 2006).

O grupo 1 da árvore filogenética corresponde aos genótipos de vírus da raiva

normalmente encontrados nos animais envolvidos com o ciclo epidemiológico da

raiva rural. Nesse grupo, estão as amostras de D. rotundus e animais de produção

(bovino, eqüino e ovino), ainda nesse grupo estão as amostras de morcegos

frugívoros do gênero Artibeus spp. (Artibeus lituratus e Artibeus planirostris).

A participação do gênero Artibeus spp. no ciclo epidemiológico da raiva rural já havia

sido descrita por SHOJI et al. (2004), quando demonstraram um alto grau de

identidade genética entre os isolados de D. rotundus e Artibeus spp., que variou de

97,6 a 99,4%.

Dentre os cinco abrigos onde ocorreram as capturas, foi encontrado

morcegos frugívoros em quatro deles. Nos abrigos de Campos dos Goytacazes

e Quissamã, o número de quirópteros frugívoros foi bastante grande. A espécie

frugívora encontrada nesses dois abrigos foi o Carollia perspicillata, no entanto não

foi visto nenhum quiróptero do gênero Artibeus spp. Em cada um dos abrigos de

Italva e Miracema, foi encontrado um exemplar do morcego hematófago Diphylla

ecaudata. Nenhuma dessas espécies foi analisada quanto à presença do vírus da

67

raiva, visto que a licença do Ibama concedida foi para a captura e manutenção

apenas do D. rotundus.

Amostras de morcegos hematófagos do Brasil e de outros países da América

Latina são muito semelhantes, isso indica a formação de um ciclo epidemiológico

espécie-específica do Desmodus rotundus. Contudo, amostras isoladas de regiões

geográficas próximas, tendem a formar subgrupos na árvore filogenética. Outro fator

que corrobora com a idéia de que os ciclos sejam independentes é que foram

isoladas amostras de vírus relacionadas à raiva dos cães e dos morcegos numa

mesma região e em períodos próximos, o que indica que os dois ciclos

epidemiológicos não exercem influência um sobre o outro (ITO et al., 2001b).

Uma análise antigênica de amostras brasileiras com painel de anticorpos

monoclonais detectou as variantes antigências 2 (que têm como reservatório o cão),

variante 3 (D. rotundus), variante 4 (Tadarida brasiliensis), variante 5

(morcego hematófago da Venezuela) e variante 6 (Lasiurus cinereus). Ainda foram

encontrados seis perfis não compatíveis com o painel de anticorpos, quatro deles

entre morcegos não-hematófagos. O primeiro foi isolado de Nictinomops

laticaudatus; o segundo de Lasiurus borealis e Myotis albecens; o terceiro de

Eptesicus furinalis, Eptesicus diminutus e Eumops auripendulus; e o quarto de

Histiotus velatus (FAVORETO et al., 2002).

Alguns trabalhos de análise do seqüenciamento do vírus da raiva no Brasil

também demonstraram a formação de grupos distintos entre amostras isoladas de

morcegos hematófagos e insetívoros (ROMIJN et al., 2003; GOMES et al., 2004).

Quatro variantes de morcegos sugerem ser espécies-específicas, relacionadas

aos ciclos epidemiológicos da raiva do morcego hematófago Desmodus rotundus,

e dos morcegos insetívoros Eptesicus furinalis, Molossus spp e Nyctinomops

laticaudatus (KOBAYASHI et al., 2005). As amostras de morcegos insetívoros

descrita por esses autores foram obtidas no GenBank para compor a árvore

filogenética, e elas agregaram-se aos grupos 2, 3 e 4.

A média de identidade dos nucleotídeos entre todos os grupos relacionados

aos quirópteros (1x2, 1x3, 1x4, 2x3 e 2x4) girou em torno de 88%, exceto entre

os grupos 3 e 4 (3x4) que apresentaram uma identidade de 90,28%, o que

demonstra maior aproximação entre esses dois grupos. Os grupo 3 e 4 agregam

amostras isoladas de N. laticaudatus e Molossus spp. Respectivamente. Esses dois

gêneros pertencem à mesma família Molossídea.

68

A plotagem das cidades de onde foram isoladas as amostras dos cinco

grupos, no mapa do Brasil (Figura 8), nos dá indícios de que cada ciclo

epidemiológico ocorre de forma independente, visto que amostras de ciclos

epidemiológicos diferentes são isoladas no mesmo espaço e no mesmo período.

As cidades representadas no mapa com os números de 11 a 18 no estado de São

Paulo estão em um raio de aproximadamente 150 km, nas quais foi observada uma

grande diversidade de variantes, com representantes de todos os grupos de

amostras do ciclo aéreo da raiva (grupos 1, 2, 3 e 4). Só no município de São José

do Rio Preto (nº. 15 no mapa), foram isoladas amostras dos grupos 1, 2 e 3.

O grupo 1 da árvore filogenética dividiu-se em seis subgrupos com

características regionais. O subgrupo 1.1 compreendeu as amostras isoladas em

Quissamã no presente trabalho, a formação desse grupo foi sustentada por um valor

de bootstrap de 99%. As amostras que formaram o subgrupo 1.2 (bootstrap 88%)

foram as que apresentaram maior identidade com os isolados de Quissamã, 99,39%.

As duas amostras foram isoladas de D. rotundus em Taubaté (AB083806)

e Pindamonhangaba (AB083807) a aproximadamente 400 km das amostras do

subgrupo 1.1.

O subgrupo 1.3 agregou as amostras do estado do Tocantins isoladas de

bovinos. Essas amostras em relação às de Quissamã foram as mais distantes

geograficamente, contudo não foram as mais distantes geneticamente.

O subgrupo 1.4 (bootstrap 99%) compreendem sete amostras do estado de

São Paulo e uma de Goiás, este foi o agrupamento mais heterogêneo com relação

às espécies envolvidas, onde nele os isolados foram provenientes de D. rotundus,

A. lituratus, A. planirostris e bovino. Esse subgrupo ainda possui duas ramificações,

uma que agrega três amostras do estado de São Paulo, isoladas de Artibeus spp.

(AB117972, AB117970, AB117969), e uma amostra de bovino de Goiás

(AB083818). No outro ramo, estão juntas quatro amostras do estado de São Paulo,

duas de bovino (AB083805, AB083817), uma de Artibeus spp. (AB117971) e uma de

D. rotundus (AB201805). Esses dois ramos não foram separados em subgrupos

distintos devido ao baixo valor de bootstrap, 46 e 41% para o primeiro e o segundo,

respectivamente.

O subgrupo 1.5 (bootstrap 100%) agregou duas amostras de bovino isoladas

no estado do Mato Grosso (AB083813, AB083814). Essas amostras estão distantes

uma da outra por aproximadamente 500 km. O subgrupo 1.6 (bootstrap 100%)

69

agrupou duas amostras de D. rotundus isoladas no estado de São Paulo em uma

mesma cidade.

No Estado de São Paulo, foram encontradas amostras de todos os grupos

relacionados à raiva dos morcegos. A formação de diferentes grupos principais de

vírus, um relacionado aos morcegos hematófagos e os outros relacionados

aos insetívoros, provavelmente ocorrem apenas por um isolamento determinado

pelo comportamento das espécies, mas não um isolamento geográfico.

Os D. rotundus repousam em contato ventral com o substrato, já os morcegos

frugívoros Carollia perscipilata repousam dependurados. Esse comportamento pôde

ser facilmente visualizado em abrigos artificiais, onde o teto e a parede formam

ângulo de 90 graus. Nesses casos, os hematófagos ficam encostados na parede

e os frugívoros ficam dependurados no teto do abrigo. Esses comportamentos

aproximam essas duas espécies que podem conviver em um mesmo abrigo, o que

facilitaria a transmissão do vírus da raiva entre elas.

Morcegos insetívoros da família Molossidae também repousam em contanto

com o substrato (BREDT et al., 2002), talvez esse comportamento seja um dos

motivos do isolamento entre os D. rotundus e molossídeos, que precisariam disputar

por um mesmo substrato dentro do abrigo. De fato, não são encontrados

molossídeos em cavernas (TRAJANO, 1995). No entanto, o morcego Artibeus

lituratus também é raramente encontrado em cavernas, que são os abrigos de

predileção dos D. rotundus (TRAJANO, 1995), mas, apesar disso os vírus da raiva

isolados dessas duas espécies são muito proximamente relacionados.

Amostras isoladas no estado de São Paulo também estiveram presente em

diversos subgrupos do grupo 1 (subgrupos 1.2, 1.4 e 1.6). Nesse caso, a formação

dos subgrupos relacionados à raiva rural deve ter ocorrido por outros fatores.

O estado de São Paulo possui grande extensão territorial, mas só isso não justifica

a grande variedade de amostras encontradas. Dois fatores podem estar envolvidos

nesse achado; primeiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia

e Estaística - IBGE (2007), no território desse estado, são encontrados dois tipos de

biomas, o bioma do cerrado e o da mata atlântica, contudo, outros estados também

são perpassados por mais de um tipo de bioma, inclusive o estado de Minas Gerais,

divisa com São Paulo, que possui os mesmos tipos de bioma e ainda tem maior

extensão territorial. Outro fator que pode dar a impressão de que o estado possui

maior variedade de cepas é que os dois maiores centros de pesquisa do vírus da

70

raiva estão localizados na cidade de São Paulo, são eles o Instituto Pasteur de São

Paulo e a Universidade de São Paulo (USP), portanto, a epidemiologia da raiva

nesse estado é melhor estudada que em outras regiões do Brasil.

As amostras de Quissamã, isoladas de D. rotundus, e as amostras isoladas

de bovinos em Porciúncula e Miracema no Rio de Janeiro por KIMURA (2006) foram

alinhadas, resultando em fragmentos homólogos de 143 nucleotídeos. Devido

ao reduzido tamanho, essas amostras não entraram na árvore filogenética (Figura

7), no entanto, a matriz de identidade entre elas foi gerada. Entre as amostras de

Quissamã e Porciúncula, a identidade foi de 100%, e a amostra de Miracema diferiu

em apenas um nucleotídeo das demais, o que resultou em uma identidade de

99,3%.

Amostras de vírus relacionadas à raiva do D. rotundus, isoladas em diversas

regiões do estado do Rio de Janeiro, apresentaram um padrão de agrupamento em

relação às diferentes bacias hidrográficas (ROMIJN et al., 2003). Todavia, Quissamã

está em uma bacia hidrográfica diferente das bacias de Porciúncula e Miracema.

Infelizmente no trabalho de ROMIJN et al. (2003) não há nenhuma menção

à publicação das seqüências das amostras no GenBank, ou em qualquer outro

banco de dados.

Talvez o surto de raiva bovina que aconteceu em Miracema e Porciúncula em

2003 tenha se deslocado até alcançar Quissamã. Em São Paulo, a expansão média

da epizootia da raiva bovina foi de 16 a 21 km por mês, que resultam em média 200

km por ano, embora tudo indique que o surto tem caráter autolimitante determinado

pela redução dos morcegos mortos pela doença, disponibilidade de abrigos

e alimentos para os morcegos hematófagos, número e tamanho das colônias

(TADEI et al., 1991). A distância entre Quissamã e os municípios de Miracema

e Porciúncula é de 90 e 130 km respectivamente. Se for utilizado como parâmetro

o deslocamento médio proposto de 200 km anualmente, em menos de um ano

a raiva em herbívoros chegaria a Quissamã, entretanto, o lapso de tempo entre

as epizootias foi de três anos.

71

Figura 8. Casos de raiva no Brasil. Os números representam as cidades, onde foram isoladas as amostras do GenBank. Os números com fundo em azul representam as amostras do grupo 1 da árvore filogenética; em laranja, representam o grupo 2; em vermelho, o grupo 3; em amarelo, o grupo 4; e em cinza, o grupo 5. O símbolo representa o abrigo onde foi encontrado Desmodus rotundus positivos para a raiva no presente trabalho.

Uma análise epidemiológica utilizando parâmetros diferentes conseguiu

identificar outro padrão de agrupamento genético entre as amostras de vírus

relacionados à raiva rural. Os isolados mais próximos geneticamente são mantidos

em regiões geográficas circundadas por grandes montanhas

(KOBAYASHI et al., 2006). Esse modelo epidemiológico é condizente com

o resultado encontrado entre as amostras isoladas no trabalho atual e as amostras

de Porciúncula e Miracema, já que as cidades estão na faixa de altitude entre 0

e 200m.

72

KOBAYASHI et al. (2006) ainda perceberam uma acentuada diferença entre

as amostras das regiões de planícies em relação às amostras de regiões das altas

altitudes. Os subgrupos formados por amostras das regiões montanhosas

correlacionaram com as altitudes de onde foram isoladas. O trabalho indica que

a raiva bovina tem origem a partir de grupos virais distintos, geograficamente bem

definidos, visto que os D. rotundus vivem em colônias com pequeno alcance de

migração. No Canadá, foi observado que os quirópteros com hábito não migratório

também conservam grupamento de variantes geograficamente bem definidas,

enquanto os isolados de morcegos com hábito migratório dispersam esses grupos

de variantes em diversas áreas (NADIN-DAVIS et al, 2001).

Para avaliar a confiança da análise de apenas 143 nucleotídeos,

as seqüências das amostras utilizadas na árvore foram cortadas na sua extremidade

3’ a fim de formar seqüências com os respectivos tamanhos de 1350, 850, 650, 450,

250 e 140 nucleotídeos, a partir das quais foram geradas as árvores filogenéticas.

A formação dos grupos principais foi observada em todas as árvores, já

os subgrupos foram exatamente os mesmos, utilizando-se os fragmentos de 1350

até 450 nucleotídeos. Na árvore de 250 nucleotídeos, o subgrupo 1.4 foi

desorganizado, e maiores alterações foram observadas na árvore de 140

nucleotídeos, sobretudo, quanto aos valores de bootstrap, que foram reduzidos.

Contudo, mesmo nessa árvore, o subgrupo com as amostras colhidas no presente

trabalho foi mantido isolado dos demais, com valor de bootstrap de 64%.

A discriminação entre os vírus relacionados a cães e D. rotundus no Brasil foi

a mesma utilizando-se 203 ou 1332 nucleotídeos, embora uma quantidade maior de

nucleotídeos possa prover maiores informações (ITO et al., 2003). Uma análise de

400 nucleotídeos da região codificante do gene N ou 93 nucleotídeos da região

não-codificante do final do gene N e início do P concluiu que os principais grupos

formaram-se de forma semelhante, apesar de os valores de bootstrap terem sido

mais baixos para as amostras do fragmento menor (KISSI et al., 1995).

A matriz de identidade de nucleotídeos, gerada com os fragmentos de 1350

e 140 nucleotídeos, apontou 11 amostras com identidade de 100% na primeira

árvore, enquanto a última apresentou 34 amostras idênticas, o que demonstra

a perda de informação quando se reduz o tamanho da seqüência analisada.

Observou-se que, apesar de se perder informação quando são utilizadas

seqüências pequenas para a análise filogenética, é possível diferenciar os principais

73

grupos filogenéticos do vírus da raiva. Outro problema encontrado no uso desse tipo

seqüência é que alguns laboratórios amplificam a região inicial do gene da proteína

N, enquanto outros amplificam a porção final do gene, então, não é possível realizar

o alinhamento das seqüências para que se possam comparar as amostras.

Isso ocorreu quando se tentou alinhar as seqüências provenientes de isoladas de

D. rotundus do Pará (ROSA et al., 2006) com os isolados de bovino do Rio de

Janeiro (KIMURA, 2006), portanto, sempre que possível, deve-se seqüenciar o maior

número de nucleotídeos do gene N.

74

6. CONCLUSÕES

Das 199 amostras de morcegos analisados quanto à presença do vírus da

raiva, sete foram positivas, resultando em uma ocorrência de 3,52% de Desmodus

rotundus infectados pelo vírus da raiva nesse estudo.

O vírus da raiva disseminou-se por todos os órgãos analisados.

Utilizando-se o cérebro como parâmetro, a freqüência de infecção dos demais

órgãos foi de 100% (5/5) no coração; 100% (5/5) na língua; 80% (4/5) no rim; 40%

(2/5) na glândula salivar; 40% (2/5) no pulmão; e 20% (1/5) no fígado.

A análise filogenética diferenciou cinco grupos principais de vírus circulantes

no Brasil, são eles: o grupo 1 relacionado à raiva do D. rotundus; os grupos 2, 3 e 4

relacionados à raiva em morcegos insetívoros; e o grupo 5 relacionado à raiva em

canídeos. O vírus da raiva que circula em D. rotundus no Norte e Noroeste do

estado do Rio de Janeiro relaciona-se filogeneticamente com amostras oriundas do

ciclo epidemiológico da raiva em D. rotundus de diferentes regiões do país.

O D. rotundus é o transmissor da raiva aos bovinos nas regiões Norte

e Noroeste Fluminense. O vírus encontrado em D. rotundus no município de

Quissamã, Norte do estado do Rio de Janeiro, foi o mesmo isolada por KIMURA

(2006) em bovinos dos municípios de Miracema e Porciúncula no Noroeste do

Estado.

75

7. RECOMENDAÇÕES

Para se traçar o perfil epidemiológico da raiva em Desmodus rotundus

e bovinos nas regiões Norte e Noroeste Fluminense fazem-se necessárias maiores

pesquisas a este respeito. Para tanto, é preciso que os órgãos de Defesa Sanitária

atuem em conjunto com os Centros de Pesquisas.

O controle populacional de morcegos hematófagos, o controle da raiva por

meio de campanhas de vacinação e a vigilância epidemiológica da virose devem

ficar a cargo dos Núcleos de Defesa Sanitária ou Centros de Controle de Zoonoses.

Ao passo que os Centros de Pesquisas e as Universidades devem atuar dando

suporte técnico a esses órgãos, além de analisar com maiores detalhes os dados

obtidos.

Os dados epidemiológicos da “raiva rural” aliados às análises filogenéticas

do vírus permitirão uma maior compreensão da dinâmica de propagação da raiva em

morcegos e o conseqüente acometimento dos herbívoros.

76

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUILAR-SÉTIEN, A.; BROCHIERJ, B.; TORDO, N.; PAZ, O.; DESMETTREYI, P.;

PKHARPRK, D.; PASTORET, P.P. (1998) Experimental rabies infection and oral

vaccination in vampire bats (Desmodus rotundus). Vaccine, 16: 1122-1126.

AGUILAR-SÉTIEN, A.; CAMPOS, Y.L.; CRUZ, T.E.; KRETSCHMER, R.;

BROCHIER, B.; PASTORET, P.P. (2002) Vaccination of vampire bats using

recombinant vaccinia-rabies virus. Journal of Wildlife Diseases, 38(3): 539-544.

AGUILAR-SÉTIEN, A.; LOZA-RUBIO, E.; SALAS-ROJAS, M.; BRISSEAU, N.;

CLIQUET, F.; PASTORET, P.P.; ROJAS-DOTOR, S.; TESORO, E.;

KRETSCHMER, R. (2005) Salivary excretion of rabies virus by healthy vampire

bats. Epidemiol. Infect., 133: 517–522.

ALMEIDA, E.O.; MOREIRA, E.C.; NAVEDA, L.A.B.; HERRMANN, G.P. (2002)

Combate ao Desmodus rotundus rotundus (E. Geoffroy,1810) na região cárstica

de Cordisburgo e Curvelo, Minas Gerais. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., 54(2).

ALMEIDA, M. F.; AGUIAR, E. A. C; MARTORELLI, L. F. A.; SILVA, M. M. S. (1994)

Diagnóstico laboratorial de raiva em quirópteros realizado em área metropolitana

na região sudeste do Brasil. Rev. Saúde Pública, 28: 341-344.

ALMEIDA, M. F.; MARTORELLI, L. F. A.; AIRES, C. C.; SALLUM, P. C.; DURIGON,

E. L.; MASSAD, E. (2005) Experimental rabies infection in haematophagous bats

Desmodus rotundus. Epidemiol. Infect., 133: 523-527.

77

ARAI, Y. T.; YAMADA, K.; KAMEOKA, Y.; HORIMOTO, T.; YAMAMOTO, K.; YABE,

S.; NAKAYAMA, M.; TASHIRO, M. (1997) Nucleoprotein gene analysis of Æxed

and street rabies virus variants using RT-PCR. Arch. Virol., 142: 1787-1796.

BORDIGNON, J. (2003) Análise Filogenética e Genotipagem da Amostras de Vírus

Da raiva Através da Técnica de Seqüenciamento Automatizado de Produtos de

RT-PCR. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia), Florianópolis, 2003.

Universidade Federal de Santa Catarina, 94p.

BOURHY, H.; KISSI, B.; LAFON, M.; SACRAMENTO, D.; TORDO, N. (1992)

Antigenic and Molecular Characterization of Bat Rabies Virus in Europe J. Clin.

Microbiol., 30(9): 2419-2426.

BOURHY, H.; ROLLIN, P.E.; VINCENT, J. SUREAU, P. (1989) Comparative Field

Evaluation of the Fluorescent-Antibody Test, Virus Isolation from Tissue Culture,

and Enzyme Immunodiagnosis for Rapid Laboratory Diagnosis of Rabies. J. Clin.

Microbiol., 27(3): 519-523.

BREDT, A. (1998) Morcegos em Áreas Urbanas e Rurais: Manual de Manejo e

Controle, 2a. ed. Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 117p.

BREDT, A.; CAETANO-JUNIOR, J.; MAGALHÃES, E.D. (2002) Chave visual para

identificação de morcegos do Brasil. CD-ROM versão 3.0.

CHARLTON, K.M.; CASEY, G.A.; WEBSTER, W.A. (1984) Rabies Virus in the

Salivary Glands and Nasal Mucosa of Naturally Infected Skunks. Can. J. Comp.

Med., 48: 338-339.

CHICARINO, C.N.; CARDOSO DE MELO, V.; JOVIANO NETO, R.; BATISTA, E.G.;

MANSUR, P.U. (2003) Subnotificação da raiva rural no município de Campos

dos Goytacazes, RJ. Trabalho apresentado sob a forma de pôster no Congresso

Nacional de Microbiologia, Resultados, 2003.

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÍARIA DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO – CRMV-RJ (2005) Encontro nacional padronizou as ações para

combater a Raiva dos Herbívoros. Jornal do CRMV-RJ. Jan. 2005.

DE MATTOS, C. A.; DE MATTOS, C. C.; RUPPRECHT, C. E. (2001) Rhabdoviruses.

In: KNIPE, D. M.; HOWLEY, P. M.; GRIFFIN, D. E. et al. Fields Virology, 4a. ed.

Estados Unidos: Lippincott Williams & Wilkins. Cap. 39.

78

DEAN, D.J.; ABELSETH, M.K.; ATANASIU, P. (1996) The fluorescent antibody test.

In: MESLIN, F.X.; KAPLAN, M.M.; KOPROWSKI, H., Laboratory techniques in

rabies. World Health Organization, p. 88-95.

DELPIETRO, H.A.; RUSSO, R.G. (1996) Aspectos ecológicos y epidemiológicos de

la agresión del vampiro y de la rabia paralítica em la Argentina y análisis de las

propuestas efectuadas para su control. Rev. Sci.Tech. Off. Int. Epiz, 15(3): 971-

984.

DELPIETRO, V.H.A.; RUSSO, R.G. (2002) Observations of the common vampire bat

(Desmodus rotundus) and the hairy-legged vampire bat (Diphylla ecaudata) in

captivity. Mamm. Biol., 67: 65-78.

DRINGS, A.; JALLET, C.; CHAMBERT, B.; TORDO, N.; PERRIN, P. (1999) Is there

advantage to includind the nucleoprotein in a rabies glycoprotein subunit

vaccine?. Vaccine, 17:1549-1557.

ESBÉRARD, C. E. L. (2004) Morcegos – Ordem Chiroptera.

http://www.rio.rj.gov.br/riozoo/morcego/quiropteos.htm em 10/11/2004, página

mantida pelo Zoológico do Rio (RIOZOO).

FAVORETTO, S. R.; CARRIERI, M. L.; CUNHA, E. M.S.; AGUIAR, E. A. C.; SILVA,

L. H. Q.; SODRÉ, M. M.; SOUZA, M. C. A. M.; KOTAIT, I. (2002) Antigenic typing

of Brazilian rabies virus samples isolated from animals and humans, 1989-2000.

Rev. Inst. Med. Trop. S. Paulo, 44(2): 91-95, Março-Abril.

FERREIRA, A.J. (1976) Doenças infecto-contagiosas dos animais domésticos, 3ª.

ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 779p.

FISCHER, L.; MINKE, J.; DUFAY, N. (2003) Rabies DNA vaccine in the horse:

strategies to improve serological responses. Vaccine, 21: 4593-4596.

FORNES, A.; LORD, R.D.; KUNS, L.M.; LARGHI, O.P.; FUENZALIDA, E.; LAZARA,

L. (1974) Control of bovine rabies through vampire bat control. J. Wildlife Dis.,

10: 310-316.

FUNASA (1998) Guia de vigilância epidemiológica. Brasília: Ministério da saúde,

cap. 5.26.

79

FUNASA (2001) Manual dos centros de referência de imunobiológicos especiais.

Brasília: Ministério da Saúde, 142p.

GERMANO, P.M.L.; MIGUEL, O.; ISHIZUKA, M.M.; SILVA, E.V. (1988a) Avaliação

de três cepas de vírus da raiva antigenicamente distintas, em camundongos: I —

Estudo dos períodos de observação clínica. Rev. Saúde Pública, 22(5): 375-383.

GERMANO, P.M.L.; MIGUEL, O.; ISHIZUKA, M.M.; SILVA, E.V. (1988b) Avaliação

de três cepas de vírus da raiva, antigenicamente distintas, em camundongos. ii -

estudo da disseminação viral, por diferentes órgãos. Rev. Saúde Pública, 22(6):

473-478.

GOMES, A.A.B. (2004) Epidemiologia da raiva: caracterização de vírus isolados de

animais domésticos e silvestres do semi-árido paraibano da região de Patos,

Nordeste do Brasil. Tese (Doutorado em Epidemiologia experimental aplicada às

zoonoses) – São Paulo/SP – USP, 107p.

GUIMARÃES, E.B.; LEMOS, R.A.A. (1999) Necropsia de bovino a campo, colheita e

remessa de materiais para exames laboratoriais complementares. CD-ROM,

Necropsia, UFMS.

HEATON, P. R. (1997) Heminested PCR assay for detection of six genotypes of

rabies and rabies-related viruses. J. Clin. Microbiol., 35(11): 2762-2766.

IBGE -INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2007) Biomas

continentais do Brasil. www.ibge.gov.br, em 10/01/2007.

ICTV – International Committee on Taxonomy of Viruses (2006) Rhabdoviridae.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ICTVdb/Ictv/index.htm, em 20/12/2006.

ITO, M.; ARAI, Y.T.; ITOU, T.; SAKAI, T.; ITO, F.H.; TAKASAKI, T.; KURANE, I.

(2001b) Genetic Characterization and Geographic Distribution of Rabies Virus

Isolates in Brazil: Identification of Two Reservoirs, Dogs and Vampire Bats.

Virology, 284: 214-222.

ITO, M.; ITOU, T.; SAKAI, T.; SANTOS, M.F.C.; ARAI, Y.T.; TAKASAKI, T.;

KURANE, I.; ITO, F. (2001a) Detection of rabies virus rna isolated from several

species of animals in Brazil by RT-PCR. J. Vet. Med. Sci., 63(12): 1309-1313.

80

ITO, M.; ITOU, T; SHOJI, Y.; SAKAI, T.; ITO, F.H.; ARAI, Y.T.; TAKASAKI, T.;

KURANE, I. (2003) Discrimination between dog-related and vampire bat-related

rabies viruses in Brazil by strain-specific reverse transcriptase-polymerase chain

reaction and restriction fragment length polymorphism analysis. J. Clin. Virol., 26:

317–330.

KIMURA, L.M.S. (2006) Epidemiologia molecular de vírus da raiva em mamíferos

domésticos e silvestres do Brasil. Tese (Doutorado em Vigilância Sanitária) – Rio

de Janeiro – RJ, Fundação Oswaldo Cruz.

KISSI, B.; TORDO, N.; BOURHY, H. (1995) Genetic polymorphism in the rabies virus

nucleoprotein gene. Virology, 209: 526-537.

KOBAYASHI, Y.; OGAWA, A.; SATO, G.; SATO, T.; ITOU, T. (2006) Geographical

distribution of vampire bat-related cattle rabies in Brazil. J. Vet. Med. Sci., 68(10):

1097-1100.

KOBAYASHI, Y.; SATO, G.; SHOJI, Y.; SATO, T.; ITOU, T.; CUNHA, E. M.S.;

SAMARA, S.I.; CARLALHO, A.A.B.; NOCITTI, D.P.; ITO, F.H.; SAKAI, T. (2005)

Molecular epidemiological analysis of bat rabies viruses in Brazil. J. Vet. Med.

Sci., 66(7): 647-652.

KOPROWSKI, H. (1996a) Lecture on rabies on the occasion of “The year of Louis

Pasteur”. Res. Virol., 146: 381-387.

KOPROWSKI, H. (1996b) The mouse inoculation test. IN: MESLIN, F.X.; KAPLAN,

M.M.; KOPROWSKI, H., Laboratory techniques in rabies. World Health

Organization., p. 80-87.

KOTAIT, I.; GONÇALVES, C. A.; PERES, N. F. (1998) Controle da raiva dos

herbívoros (Manual Técnico do Instituto Pasteur N°1). Instituto Pasteur - São

Paulo. 15p.

KUMAR, S.; TAMURA, K.; JAKOBSEN, I.B.; NEI, M. (2001) Mega2: molecular

evolutionary analysis software. Bioinformatics, 17(12): 1244:1245.

LANGOHR, I.M.; IRIGOYEN, L.F.; LEMOS, R.A.A.; BARROS, C.S.L. (2003)

Aspectos epidemiológicos, clínicos e distribuição das lesões histológicas no

encéfalo de bovinos com raiva. Ciênc. Rural, Santa Maria, 33(1).

81

LIEBERMANN, H. (1988) Infecções por rhabdovírus. IN: BEER, J. Doenças

infecciosas em animais domésticos. São Paulo: Roca, 167-182.

MAIR, A.; GUERREIRO, M.G. (1972) Virologia Veterinária. Porto Alegre: Livraria

Sulina, 436p.

MARTORELLI, L. F. A.; AGUIAR, E. A. C.; ALMEIDA, M. F.; SILVA, M. M. S;

NUNES, V. F. P. (1996) Isolamento do vírus da raiva de morcego insetívoro,

Lasyurus borealis. Rev. Saúde Pública, 30(1): 101-102.

MARTORELLI, L. F. A.; AGUIAR, E. A. C; ALMEIDA, M. F.; SILVA, M. M. S;

NOVAES, E. C. R. (1995) Isolamento do vírus da raiva de morcego insetívoro

Myotis Nigricans. Rev. Saúde Pública, 29(2): 141-142.

MORIMOTO, K.; OHKUBO, A.; KAWAI, A. (1989) Structure and Transcription of the

Glycoprotein Gene of Attenuated HEP-Flury Strain of Rabies Virus. Virology, 173:

465-477.

MORIMOTO, K.; SCHNELL, M.J.; PULMANAUSAHAKUL, R. (2001) High level

expression of a human rabies virus-neutralizing monoclonal antibody by a

rhabdovirus vector. J. Immunol. Methods, 252:199-206.

MURPHY, F.A.; GIBBS, E.P.J.; HOZINEK, M.C.; STUDDERT, M.J. (1999) Veterinary

Virology, 3. ed. San Diego, EUA: Academic Press, p. 429-445.

NADIN-DAVIS, S.A.; HUANG, W.; ARMSTRONG, J.; CASEY, G.A.; BAHLOUL, C.;

TORDO, N.; WANDELER, A.I. (2001) Antigenic and genetic divergence of rabies

viruses from bat species indigenous to Canada. Virus Research., 74: 139–156.

NOGUEIRA, Y.L. (2004) Estimate of the validity of a new method for the isolation of

rabies virus. Rev. Saúde Pública, 38(2): 315-322.

ORCIARI, L. A.; NIEZGODA, M.; HANLON, C. A.; SHADDOCK, J. H.; SANDERLIN,

D. W.; YAGER, P. A.; RUPPRECHT, C. E. (2001) Rapid clearance of SAG-2

rabies virus from dogs after oral vaccination. Vaccine,19: 4511–4518.

PERRIN, P.; JACOB, Y.; AGUILAR-SETIEN, A.; LOZA-RUBIO, E. (2000)

Immunization of dogs with a DNA vaccine induces protection against rabies virus.

Vaccine, 18: 479-486.

82

RAVISSE, P.; BLANCOU, J. (1981) Estude histopathologique de lesions oculares

chez le renard enrage . Comp. Immunol. Microbiol. Infect. Dis., 4: 101-105.

RAVKOV, V.E.; SMITH, S.J.; NICHOL, T.S. (1995) Rabies Virus Glycoprotein

Contains a Long 3' Nonconding Region Wich Lacks Pseudogene Properties.

Virology, 206:718-723.

ROCHA, F.A. (2005) Abrigos diurnos, agrupamentos e lesões corporais no morcego

hematófago Desmodus rotundus (Chiroptera – Phyllostomidae) do estado de São

Paulo. Tese (Mestrado em Medicina Veterinária) – Botucatu – SP, Universidade

Estadual Paulista – UNESP, 71p.

ROMIJN, P.C.;HEIDE, R.V.D.; CATTANEO, C.A.M.; SILVA, R.C.F.; POEL, W.H.M.V.

(2003) Study of lyssaviruses of bat origin as a source of rabies for other animal

species in the state of Rio de Janeiro, Brazil. Am. J. Trop. Med. Hyg., 69(1): 81–

86.

ROSA, E.S.T.; KOTAIT, I.; BARBOSA, T.F.S.; CARRIER, M.L.; BRANDÃO, P.E.;

PINHEIRO, A.S. (2006) Bat-transmitted human rabies outbreaks, Brazilian

Amazon. Emerg. Infect. Dis. 12 (8), http://www.cdc.gov/ncidod/EID/vol12no12/08-

0929.htm, em 20/12/2006.

ROSE, J. K.; WHITT, M. A. (2001) Rhabdoviridae: The Viruses and Their Replication

In: Knipe, D. M.; Howley, P. M.; Griffin, D. E. (eds.) Fields Virology, 4. ed., CD-

ROM Estados Unidos: Lippincott Williams & Wilkins, Section Two: Specific Virus

Families, Cap. 38.

SACRAMENTO, D.; BOURHY, H.; TORDO, N. (1991) PCR as an alternative method

for diagnosis and molecular epidemiology of rabies virus. Molecular and Cellular

Probes, London, n. 6, p. 229-240.

SALES, L. G. (1997) Raiva em bovinos: epidemiologia e diagnóstico diferencial nas

regiões norte e noroeste fluminense. Tese (Mestrado em Produção Animal).

Campos dos Goytacazes - RJ, Universidade Estadual do Norte Fluminense -

UENF, 74p.

SANTOS, J. A. (1975) Patologia especial dos animais domésticos: mamíferos e

aves. 2. ed. Rio de Janeiro – RJ: Interamericana. 576p.

83

SATO, G.; ITOU, T.; SHOJI, Y.; MIURA, Y.; MIKAMI, T.; ITO, M.; KURANE,

I.;SAMARA, S.I.; CARVALHO, A.A.B.; NOCITI, D.P.; ITO, F.H.; SAKAI, T. (2004)

Genetic and phylogenetic analysis of glycoprotein of rabies virus isolated from

several species in Brazil. J. Vet. Med. Sci., 66(7): 747-753.

SATO, G.; KOBAYASHI, Y.; SHOJI, Y.; SATO, T.; ITOU, T.; ITO, F.H.; SANTOS,

H.P.; BRITO, C.J.C.; SAKAI, T. (2006) Molecular epidemiology of rabies from

Maranhão and surrounding states in the Northeastern region of Brazil. Arch.

Virol., 151(11): 2243-2251.

SATO, G.; TANABEA, H.; SHOJI, Y.; ITOU, T.; ITO, F.H.; SATO, T.; SAKAI, T.

(2005) Rapid discrimination of rabies viruses isolated from various host species in

Brazil by multiplex reverse transcription-polymerase chain reaction. J. Clin. Virol.,

33(4):267-73.

SCHAEFER, R.; BATISTA, H.B.R.; FRANCO, A.C.; RIJSEWIJK, F.A.M.; ROEHE,

P.M. (2005) Studies on antigenic and genomic properties of Brazilian rabies virus

isolates. Vet. Microbiol., 107: 161-170.

SCHEFFER, K.C. (2005) Pesquisa do vírus da raiva em quirópteros naturalmente

infectados no Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil. Tese (Mestrado em

Epidemiologia Experimental e Aplicada às Zoonoses) – São Paulo – SP,

Universidade de São Paulo – USP, 110p.

SCHNEIDER, M. C.; ALMEIDA, G. A., SOUZA, L. M. (1996) Controle da raiva no

Brasil de 1980 a 1990. Rev. Saúde Pública, 30(2): 196-203.

SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (2006) Casos de Raiva Humana por

Espécie Agressora, Brasil, 1986-2006. http://www.saude.rj.gov.br/

cvas/documentos/S%E9rie%20Hist%F3rica%20-%20Raivahumanaporagressora

1986a2006.pdf, em 12/12/2006.

SHOJI, Y.; KOBAYASHI, Y.; SATO, G.; ITOU, T.; MIURA, Y.; MIKAMI, T.; CUNHA,

E. M.S.; SAMARA, S.I.; CARLALHO, A.A.B.; NOCITTI, D.P.; ITO, F.H.;

KURANE, I.; SAKAI, T. (2004) Genetic characterization of rabies viruses isolated

from frugivorous bat (Artibeus spp.) in Brazil. J. Vet. Med. Sci, 66(10): 1271-1273.

84

SILVA, L. H. Q.; CUNHA, E. M. S.; PEDRO, W. A. (1999) Isolamento do vírus da

raiva em Molossus ater (Chiroptera: Molossidae) no Estado de São Paulo. Rev.

Saúde Pública, 33(6): 626-628.

SILVA, R. A.; SOUZA, A. M.; PASSOS, J. J.; et al.; (1967). A Pesquisa de Vírus

Rábico em Morcegos no Brasil. Veterinária, 105-110.

SMITH JS. (1989) Rabies virus epitopic variation: Use in ecologic studies. Adv. Virus

Res., 36: 215-253.

SMITH, H. A.; JONES, T. C. (1962) Patologia Veterinaria [Traduzido por:

CHAVARRA, M. C.] Division Del Norte, México: Union Tipográfica Esitorial

Hispano-americaca. 1061p.

SMITH, J.S.; REID-SANDEN, F.L., ROUMILLAT, L. F.; TRIMARCHI, C.; CLARK, k.;

BAER, G.M.; WINKLER, W.G. (1986) Demonstration of Antigenic Variation

among Rabies Virus Isolates by Using Monoclonal Antibodies to Nucleocapsid

Proteins. J. Clin. Microbiol., 24( 4): 573-580.

STORER, T.I.; USINGER, R.L.; STEBBINS, R.C.; NYBAKKEN, J.W. (2002) Zoologia

Geral. 6 ed. Tradução de Ekita Schlenz. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 816p.

TADEI, V.A.; GONÇALVES, C.A.; PEDRO, W.A.; TADEI, W.A.; KOTAIT, I.; ARIETA,

C. (1991) Distribuição do morcego vampiro Desmodus rotundus (Chiroptera,

Phyllostomidae) no estado de São Paulo e a raiva dos animais domésticos.

Campinas – SP: Impresso especial Cati, 107p.

THORNTON, H. (1980) An ingenious method of destroying the vampire bats which

transmit rabies to cattle. Cent. Afr. J Med., 26(9): 207-209.

TORDO, N.; POCH, O.; ERMINE, A.; KEITH, G.; ROUGEON, F. (1986) Walking

along the rabies genome: Is the large G-L intergenic region a remnant gene?

Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 83: 3974-3918.

TRAJANO, E. (1995) Protecting Caves for the Bats or Bats for the Caves?.

Chiroptera Neotropical, 1(2): 19-22.

85

WADA, M. Y.; BEGOT, A. L.; NORONHA, S. L. B. (2004) Surto de raiva humana

transmitida por morcegos no município de Portel-Pará, Março/Abril de 2004.

Boletim Eletrônico Epidemiológico, 04(6). http://www.saude.gov.br/svs, em

15/09/2004.

WAGNER, R. R.; ROSE, J. K. (1996) Rabdoviridae: The virus and their replication.

IN: FIELDS, B.N.; KNIPE, D.M.; HOWLEY, P.M. Fundamental Virology, 3.ª ed.

Philadelphia: Lippincott - Raven Publishers, p. 561-575.

WEBSTER, W.A.; CASEY, G.A. (1996) Virus isolation in neuroblastoma cell culture.

In: MESLIN, F.X.; KAPLAN, M.M.; KOPROWSKI, H., Laboratory techniques in

rabies. World Health Organization., p. 96-104.

WHITFIELD, S. G.;FEKADU, M.; SHADDOCK, J. H. (2001) A comparative study of

the fluorescent antibody test for rabies diagnosis in fresh and formalin-fixed brain

tissue specimens. J. Virol. Methods, 95: 145-151.

WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION (2004) WHO Expert Consultation on

Rabies: first report. Geneva, Switzerland.

WIKTOR, T.J.; KOPROWSKI, H. (1980) Antigenic variants of rabies virus. J. Exp.

Med., 152: 99-112.

YUNG, Y.; FAVI, M.; FERNANDEZ, J. (2002) Genetic and antigenic typing of rabies

virus in Chile. Arch. Virol., 147: 2197-2205.