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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Eduardo Gonzales Barreto.
A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOC RÁTICO DE
DIREITO
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2012
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Carlos Eduardo Gonzales Barreto.
A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOC RÁTICO DE
DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Processual Penal, sob a
orientação do Prof. Dr. Claudio José
Langroiva Pereira.
SÃO PAULO
2012
3
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
4
Ao Professor Marco Antonio Marques da
Silva, fonte ímpar de inspiração na luta
diária pela aplicação das garantias
constitucionais no Estado Democrático de
Direito.
Ao Professor Claudio Jose Langroiva
Pereira, pela paciência, atenção e, acima
de tudo, pelos ensinamentos ministrados
no decorrer deste trabalho.
5
À minha esposa Camila, sinônimo de amor
e companheirismo que me acompanha
desde os primeiros dias da minha jornada
no Direito.
6
RESUMO
BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
A presente dissertação de mestrado tem por objetivo, diante da atual
importância da arrecadação tributária no cenário nacional, analisar como este
instituto é tutelado no Brasil pelo direito penal e processual penal. Assim, visando
alcançar este objetivo, primeiramente realizou-se um estudo da história e das
características do Estado Democrático de Direito, adotado na Constituição Federal
de 1988, de seus pilares de sustentação, quais sejam, a soberania, cidadania e a
dignidade da pessoa humana e também dos princípios constitucionais orientadores
do poder punitivo do Estado. Em seguida, numa análise sobre o avanço da
criminalidade global, que tem como figura principal, o Direito Penal Econômico,
constatou-se que, sob o pretexto de combatê-la, a sociedade passou a clamar por
um Estado mais punitivo, que, consequentemente, levou em determinados
momentos a uma diminuição dos direitos e garantias individuais. No Brasil, este
reflexo pôde ser visto nos crimes tributários, quando foram permitidas pelo Poder
Judiciário, como forma de combater a criminalidade tributária, a utilização de
denúncias genéricas. Ainda com base no objeto deste trabalho, destaca-se a
proteção que a Constituição Federal destina a ordem tributária sobre Brasil, que, em
tese justificaria a aplicação da tutela penal e processual penal sobre este instituto.
Para tanto, é realizado um estudo completo a respeito das figuras típicas e ao
processo penal dos delitos tributários previstos na Lei nº 8.137/90, e como estes
crimes são tratados em países como Portugal e Espanha, que mantém uma ligação
histórica e cultural com o Brasil. Por fim, em que pese o legislador brasileiro utilizar a
tutela penal na proteção da ordem tributária, verifica-se também que o grande
objetivo do Estado na seara penal tributária é garantir a arrecadação tributária. Esta
premissa pode ser comprovada diante do histórico de leis que permitiram e, ainda
permitem, a suspensão ou extinção da pretensão punitiva mediante o parcelamento
ou pagamento do débito tributário, respectivamente, o que suscita a discussão
acerca da real necessidade de criminalização dos ilícitos tributários.
Palavras-chaves: Ordem tributária – Estado Democrático de Direito – Arrecadação tributária – Denúncia genérica – Extinção da punibilidade.
7
ABSTRACT
BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
This master thesis has as purpose, given the current importance of tax
collection in the national scenario, to analyze how this institute is tutored in Brazil by
the criminal law and procedural criminal law. Thus, aiming at reaching this object, it
was primarily performed a study of the history and characteristics of the Democratic
Rule-Of-Law State, adopted in the Federal Constitution of 1988, of its supporting
pillars, namely, the sovereignty, citizenship and the dignity of the human person and
also the constitutional principles that guide the punitive power of the State.
Thereafter, in an analysis on the advance of global criminality, which has as main
figure the Economic Criminal Law, it was found that under the pretext of combating it,
the society started to clamor for a more punitive State, which, consequently, leaded in
certain moments to a reduction of the individual rights and guarantees. In Brazil, this
reflex could be seen in the tax crimes, when the Judiciary allowed, as a manner of
combating the tax criminality, the use of generic denounces. Still based on the
purpose of this work, it is important to emphasize that the protection given by the
Federal Constitution to the tax order about Brazil, which, in thesis would justify the
application of the criminal and procedural criminal tutelage over this institute. To that
end, a complete approach on the typical figures and the criminal procedure of the tax
crimes provided in Law No. 8.137/90 is performed, and how these crimes are treated
in countries like Portugal and Spain, which have a historic and cultural connection
with Brazil. Finally, in spite of the Brazilian legislator using the criminal tutelage in the
protection of the tax order, it is also verified that the great objective of the State in the
criminal tax area is to ensure the tax collection. That premise may be proven before
the history of laws that allowed, and still allow, the suspension or extinction of the
punitive claim before the tax payment in installments or payment of the tax debt,
respectively, which raises the discussion on the real necessity of criminalization of tax
torts.
Keywords: Tax order – Democratic Rule-Of-Law State – Tax collection – Generic denounce – Annulment of liability to prosecution.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDA DE DA
PESSOA HUMANA e PROTEÇÃO PENAL 14
1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático
de Direito. 14
1.1 O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana. 18
2. Princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito
Brasileiro. 19
2.1 Dignidade da pessoa humana. 19
2.2 Soberania. 21
2.3 Cidadania. 22
3. Os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado 23
3.1 Princípio da legalidade. 24
3.2 Princípio da igualdade. 25
3.3 Princípio da ultima ratio. 27
3.4 Princípio da fragmentariedade. 28
3.5 Princípio da subsidiariedade. 28
3.6 Princípio da adequação. 30
3.7 Princípio da necessidade. 31
3.8 Princípio da proporcionalidade. 31
3.9 Princípio da culpabilidade. 32
3.10 Princípio da individualização da pena. 33
3.11 Princípio do devido processo legal. 33
3.12 Princípios do contraditório e da ampla defesa. 35
9
3.13 Princípio do acusatório e juiz natural. 37
3.14 Princípio da presunção de inocência. 38
3.15 Princípio do In dúbio pro reo. 40
3.16 Princípio da verdade no processo penal. 41
CAPÍTULO II - DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PEN AL E
CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA. 43
1. A Criminalidade Econômica, a globalização e seus reflexos na ordem
jurídica. 43
2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal. 46
3. O Direito Penal Econômico. 48
3.1 Origem histórica e conceito. 48
3.2 O Bem jurídico tutelado no Direito Penal Econômico. 51
4. A criminalidade tributária como parcela da criminalidade econômica. 55
5. Experiências da proteção penal tributária no direito estrangeiro. 56
5.1 Direito português. 56
5.2 Direito espanhol. 61
CAPÍTULO III - PREVISÃO LEGAL E SISTEMA PENAL DE PR OTEÇÃO
A ORDEM JURÍDICA TRIBUTÁRIA. 64
1. A tutela penal das obrigações tributárias na Constituição Federal. 64
2. Conceito de direito tributário. 65
2.1 Princípios constitucionais orientadores da ordem tributária. 67
2.1.1 Princípio da legalidade. 68
2.1.2 Princípio da irretroatividade. 69
2.1.3 Principio da anterioridade. 70
2.1.4 Princípio da Isonomia. 70
10
3. Ordem tributária e proteção penal. 71
3.1 Tipos penais tributários. 74
3.1.1 A figura típica do artigo 1º. 74
3.1.2 Modalidades específicas de condutas. 76
3.1.2.1 Inciso I – Omissão ou prestação de informação falsa. 76
3.1.2.2 Inciso II – Fraude pela inserção de elementos inexatos ou pela
omissão de operações. 79
3.1.2.3 Inciso III – Falsificação ou alteração de qualquer documento
destinado à operação fiscal. 83
3.1.2.4 Inciso IV – Engenho de meios falsos e seu uso. 84
3.1.2.5 Inciso V - Recusa ou omissão de fornecimento de documento. 87
3.1.2.6 Parágrafo único – Obstrução à ação fiscal. 90
3.2. A figura típica do artigo 2º. 92
3.2.1 Modalidades de Condutas. 94
3.2.1.1 Omissão e prestação de informações falsas. 94
3.2.1.2 Não recolhimento do tributo. 95
3.2.1.3 Incentivos fiscais. 97
3.2.1.4 Incentivo fiscal. 98
3.2.1.5 Programa de processamento de dados. 98
3.3 O Tipo subjetivo – Dolo. 99
3.4 Erro de tipo e de proibição. 100
3.5 Concurso de pessoas. 102
CAPÍTULO IV - O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. 106
1. Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade 106
1.1 O término do processo administrativo como condição para o oferecimento
da denúncia criminal. 107
11
1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. 113
1.3 Requisitos da denúncia criminal nos crimes contra a ordem tributária. 118
1.4 O procedimento. 119
1.5 A prescrição nos crimes contra a ordem tributária. 121
1.5.1 A prescrição relativa aos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. 121
1.6 A extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. 123
1.6.1 Histórico da legislação. 123
1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do parcelamento do débito
tributário. 126
1.8 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo. 132
1.9 O momento do pagamento do tributo. 132
1.10 A Lei nº 12.382/2011 e a sua aplicação nos crimes contra a ordem
tributária. 135
CAPÍTULO V - QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A PROTEÇÃO PE NAL
TRIBUTÁRIA. 139
1. A criminalização dos ilícitos tributários como questão de ultima no direito
penal brasileiro. 139
2. A denúncia genérica nos crimes contra a ordem tributária e sua
flexibilização como ofensa aos princípios constitucionais do contraditório,
ampla defesa e dignidade da pessoa humana. 141
CONCLUSÃO. 156
BIBLIOGRAFIA 160
12
INTRODUÇÃO.
A Constituição Federal de 1988 consolidou no Brasil o Estado Democrático de
Direito, cujos fundamentos básicos são a soberania, a cidadania e a dignidade da
pessoa humana que, juntamente com os direitos e garantias individuais, visam
propiciar uma vida igualitária e harmônica em sociedade.
Assim, para este fim possa ser alcançado e também para garantir o
desenvolvimento de sua economia e justiça social, únicas formas de garantir a
igualdade entre todos os indivíduos e o respeito à dignidade humana, o Estado
necessita de recursos para a criação e desenvolvimento de seus programas sociais,
e estes, necessariamente, são oriundos da arrecadação de impostos.
Desta forma, considerando a importância da arrecadação tributária para o
desenvolvimento econômico e social de uma nação, uma vez que os valores
arrecadados com o pagamento dos tributos e contribuições sociais são destinados à
sociedade, para investimentos na saúde, educação, transporte, segurança,
tecnologia, etc, e também diante da falência de outros ramos do direito em proteger
este instituto, o direito penal assume a tarefa de exercer a tutela sobre este bem
jurídico, passando e punir aqueles que causam prejuízo ao erário público.
Esta proteção surge por intermédio da criminalização das condutas tendentes
a fraudar a ordem tributária e, consequentemente, diminuir a arrecadação de
impostos pelo Estado, impossibilitando a efetivação dos valores acima apresentados
e que são inerentes ao Estado Democrático de Direito.
Logo, para entender esta proteção estatal, é necessário realizar, num primeiro
momento, uma análise no plano constitucional, enfocando para tanto os princípios
constitucionais relativos ao poder punitivo do Estado e aqueles que protegem o bem
jurídico tributário.
13
Posteriormente, deve-se realizar um estudo sobre a legislação penal e
processual penal atinente a matéria, bem como a atuação do Poder Judiciário na
interpretação destas normas, haja vista que, com enorme freqüência, tanto estas,
como os entendimentos dos tribunais brasileiros, especialmente o Superior Tribunal
de Justiça e o Supremo Tribunal Federal realizam reformam os seus
posicionamentos sobre a matéria.
Outro ponto que merece destaque é a influência do avanço da criminalidade
moderna, que engloba o Direito Penal Econômico, nos crimes contra a ordem
tributária, (espécie do gênero “criminalidade econômica”), mais precisamente na
tendência de diminuição dos direitos e garantias individuais.
Este efeito pode ser visualizado, especificamente, dentro do processo penal,
onde, em alguns casos, prerrogativas constitucionais atinentes aos cidadãos são
afastadas, sob o pretexto de garantir a punição daqueles que praticam os delitos
tributários.
Por fim, diante do estudo da proteção penal destinada à ordem tributária
dentro do Estado Democrático de Direito, surge a indagação se o direito penal e
processual penal são os melhores caminhos para a proteção da atividade de
arrecadação de tributos em um país como o Brasil.
Esta premissa ocorre diante da busca do Estado, até certo ponto obsessiva,
em garantir o pagamento de tributos, que pode ser comprovada através da edição de
várias leis visam exclusivamente o recebimento do tributo, em detrimento da punição
na esfera penal.
14
CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDA DE DA
PESSOA HUMANA e a PROTEÇÃO PENAL.
1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático
de Direito.
É de conhecimento notório que para a existência de uma sociedade
harmoniosa, é necessário que esta seja regida por leis e que esteja minimamente
organizada. Esta organização é o que chamamos atualmente de Estado, ou seja,
“uma associação humana (povo), radicada em base especial (território), que vive sob
o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).1
Assim, uma das conseqüências para que esta organização em sociedade
prosperasse, foi a necessidade da presença de um líder, cujos principais atributos
seriam o de manter unida a coletividade, proteger os seus membros e direcioná-los
na busca de um objetivo comum, tudo com base em normas criadas para tal fim e
que eram de observância obrigatória todos os cidadãos.
Contudo, todo poder, por menor que seja, tende a abusos e autoritarismos,
vide os Estados Absolutistas, onde os poderes econômicos e políticos eram
centralizados, e onde as leis eram criadas para manipular os cidadãos e para
atender os interesses dos monarcas.
Assim, numa tentativa de neutralizar este poder absolutista, a “quota da
desprestigiada da população insurgiu-se, em busca de uma ordem social justa, com
melhores condições de vida e tratamento igualitário. Nasce, então, a idéia de vincular
e subordinar o poder político aos termos de um direito objetivo, na tentativa de
exprimir o justo, impondo aos governos mecanismos de contenção do poder, através
1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, p.39.
15
da submissão de todos, governantes e governados, às leis gerais e abstratas,
instituindo as liberdades públicas.”2
Surgiu então o Estado de Direito, “com fundamento no jusnaturalismo
iluminista, como ente que estabelece regras mitadoras das condutas a serem
seguidas pelo povo, para uma coexistência pacífica das liberdades individuais, que
devem ser garantidas pela não interferência no seu desenvolvimento.”3 Logo, a
função do Estado de Direito seria a de delimitar os poderes dos absolutistas, visando
evitar a prática de condutas ditatoriais.
A sua primeira concepção foi marcada pelo caráter liberal; “daí falar-se em
Estado Liberal de Direito, cujas características básicas, sempre visando a
intervenção mínima estatal, foram: (a) submissão ao império da lei (...); (b) divisão de
poderes (...); (c) enunciado e garantias dos direitos individuais.”4
Contudo, esta nova forma de governar, materializada por um Estado que
teoricamente teria o ideal de erradicar as diferenças sociais, políticas e econômicas,
transformando os cidadãos em pessoas livres, adquiriu outras versões que
desvirtuaram a sua real finalidade. “O individualismo, assim como o apoliticismo e
neutralidade do Estado Liberal de Direito, não podia satisfazer a exigência de
liberdade e igualdade reais dos setores sociais e economicamente menos
favorecidos.”5
Além disso, esta ausência do Estado no controle das relações sociais e
individuais acabou favorecendo o surgimento de minorias (elite burguesa) que
passaram a controlar toda a sociedade, deixando sem a proteção estatal a parte
hipossuficiente, que por sua vez, passaram a ser explorados em condições análogas
à de escravos e sem poderem usufruir dos direitos assegurados pelo Estado Liberal,
2 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 228. 3 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 33. 4 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 113. 5 MIRANDA. Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 229.
16
como por exemplo, “o acesso à Justiça, assim como os demais direitos individuais
formalmente assegurados, que somente poderiam ser obtidos por aqueles cidadãos
que tivessem condições materiais de fazê-lo”.6
Assim, “o individualismo e abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal
provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste
especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que
se tivesse consciência da necessidade da justiça social.”7
Desta forma, em contraponto ao Estado Liberal, surge o Estado Social de
Direito como forma de promover a maior intervenção do Estado nas relações sociais,
econômicas e políticas e com o intuito de diminuir as diferenças criadas pelo sistema
anterior.
No entanto, “a indicação de direitos econômicos e sociais, expressamente nas
Cartas Constitucionais destes Estados Sociais de Direito, não foi suficiente diante
das interpretações contraditórias que o caráter social proporciona, tornando suspeita
qualquer aceitação desta concepção de Estado.”8
Além disso, apesar do Estado Social de Direito transmitir uma sensação de
justiça social e de garantir o bem estar da pessoa humana, o seu conceito gerou
uma notória ambigüidade, que não permitiu, inclusive, que a palavra social fosse
confundida com o socialismo de Marx, pois todas as ideologias, com sua própria
visão do social e do Direito, podem acolher uma concepção do Estado Social de
Direito, haja vista que na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Espanha
franquista e no Brasil após a revolução de 30, por exemplo, eram Estados eram
Sociais.9
6 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 75. 7 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 115. 8 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 36. 9 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 116.
17
Portanto, na busca por um Estado que atendesse os anseios da sociedade,
surge o Estado Democrático e o Estado de Direito, impondo a todos um tratamento
igualitário, de forma a prover “justiça social, não tolerando a desigualdade entre os
seus cidadãos, em uma universalização de prestações sociais.”10 Contudo, é
importante frisar “que a igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se
funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das
leis.”11
Trata-se ainda de um Estado fundado no “princípio da soberania popular, que
impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que
não se exauri, como veremos, na simples formação das instituições representativas,
que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não seu
completo desenvolvimento.”12
O Estado Democrático de Direito é marcado ainda pela sua ausência de um
modelo único de governo, na medida em que “está sempre em evolução, nunca
alcançando uma concepção definitiva, pois constitui um modelo de Estado, como
entidade de variação constante, decorrente dos momentos históricos que a
sociedade estiver vivenciando, do povo que integra esta mesma sociedade e, ainda,
da posição global em que este Estado se encontrar.”13
No Brasil, o regime em questão encontra-se previsto no artigo 1º da
Constituição Federal de 1988, quando esta afirma que a República Federativa do
Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, “não como mera promessa de
organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando, mas
sim no fato de que, o ‘democrático’ qualifica o Estado, o que irradia os valores da
democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre
a ordem jurídica.”14
10 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 37. 11 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 118. 12 Ibid., p. 117. 13 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 38. 14 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 119.
18
Ainda no artigo 1º da Constituição Federal, mas precisamente em seus
incisos, há previsão dos fundamentos que norteiam do Estado Democrático de
Direito, ou seja, a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, que demonstram que o
referido regime “apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela
prática dos direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que
oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de
justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.”15
1.1. O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana.
Como já salientado anteriormente, a Constituição Federal da República
Federativa do Brasil de e 1988, delimitou “um modelo de Estado Democrático de
Direito através da identificação de princípios orientadores de soberania popular,
cidadania, garantia da dignidade da pessoa humana, reconhecendo valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa, acolhendo o pluralismo político e buscando justiça
social por meio da liberdade e igualdade em sua constituição.”16
Assim, em que pese “a ligação jurídico-positiva entre direitos fundamentais e
dignidade da pessoa humana só ter começado no Estado Social de Direito e, mais
rigorosamente, com as Constituições e os grandes textos internacionais
subsequentes à segunda guerra mundial,”17 percebe-se que, a dignidade da pessoa
humana, até como forma de coibir os abusos contra a humanidade, tornou-se um
dos principais pilares de sustentação do modelo de estado posterior ao Estado
Social, qual seja, o Estado Democrático de Direito, na medida em que “implica em
liberdade, igualdade e justiça; todos os seres humanos nascem livres e iguais em
15 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 120. 16 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 39. 17 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 168.
19
dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir um para
com os outros em espírito de fraternidade.”18
Portanto, sendo o Estado Democrático de Direito pautado em tais princípios,
ele deve “criar condições favoráveis para uma integral realização dos mesmos”,19
sendo que em relação à dignidade da pessoa humana, tido como “princípio absoluto,
informador de todos os demais princípios instrutores do Estado Democrático de
Direito, não podendo, mesmo a título de argumentação, ser afastado com a
justificativa de garantir outro direito constitucionalmente previsto, já que este também
decorre, em sua essência do supraprincípio da dignidade da pessoa humana.20
2. Princípios constitucionais orientadores do Estad o Democrático de
Direito Brasileiro
2.1. Dignidade da pessoa humana.
Conforme já estudado nos tópicos anteriores, ao longo dos anos e após as
inúmeras transformações que a sociedade sofreu, principalmente após as duas
grandes guerras mundiais, os Estados evoluíram no intuito de proporcionar aos seus
cidadãos uma convivência pacífica em todos os seguimentos e, principalmente, com
a devida observância à dignidade da pessoa humana.
Desta forma, considerado como um dos princípios basilares do Estado
Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana está prevista no artigo 1º,
inciso III da Constituição Federal de 199821, sendo assim, um dos fundamentos
Estado Brasileiro, tanto que, para Luiz Antonio Rizzato Nunes, a dignidade da
pessoa humana é “o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o
18 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 224. 19 Ibid., p. 224. 20 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 43. 21 “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:...III – a dignidade da pessoa humana;”
20
último arcabouço da guarida dos direitos individuais. (...) É a dignidade que dá a
direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete.”22
No entanto, apesar da sua importância para o Estado Democrático de Direito,
ainda não há um conceito ou significado definido na doutrina sobre o princípio da
dignidade humana.
Marco Antonio Marques da Silva, afirma que a dignidade da pessoa humana
“se manifesta em todas as pessoas, já que cada um, ao respeitar o outro, tem a
visão do outro. A dignidade humana existe em todos os indivíduos e impõe o respeito
mútuo entre as pessoas, no ato da comunicação, e se opõe a uma interferência
indevida na vida privada pelo Estado.”23
O próprio Luiz Antonio Rizzato Nunes, ao defini-la, atribui à mesma um caráter
de valor supremo ao afirmar que a dignidade é “absoluta, plena e que não pode
sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo. ”24
Por este conceito, a dignidade humana se torna algo absoluto, intocável, que
nem o próprio indivíduo pode agir contra ela.
Contudo, o mesmo autor, num segundo momento, atribui à dignidade uma
humana um caráter de relativismo ao afirmar que se, “de um lado, a qualidade da
dignidade cresce, se amplia, se enriquece, de outro, novos problemas em termos de
guarida surgem. Afinal, na medida em que o ser humano age socialmente, poderá
ele próprio – tão dignamente protegido – violar a dignidade de outrem.(...) Ter-se-á,
então, de incorporar no conceito de dignidade uma qualidade social como limite à
22 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 421. 23 Ibid., p. 224. 24 Ibid., p. 422.
21
possibilidade de garantia. Ou seja, a dignidade só é garantia ilimitada se não ferir
outra.”25
Já no campo do processo penal, o princípio da dignidade humana pode ser
vista como “um valor-fonte do ordenamento jurídico, representando, assim, a
inspiração de outros princípios e de regras constitucionais, sendo portanto, a origem
de muitos preceitos da legislação existente.”26
Por fim, destaca-se que a dignidade humana é o alicerce de todo um Estado
de Democrático de Direito, sendo que para sua efetiva concretização, são
necessários que todos atuem com respeito mútuo no decorrer das relações sociais.
2.2. Soberania
Além da dignidade da pessoa humana, outras características marcam o
Estado Democrático de Direito, sendo que uma delas é a soberania, tida como “traço
distintivo e específico do Estado e entendida como o poder supremo autônomo e
originário.”27
Além disso, corroborando a ideia de independência do Estado, a soberania
caracteriza-se também pela a “independência do povo e do Estado em relação a
outros Estados, mais ainda, identificando uma individualidade cultural, política e
social, representa uma das notas distintivas do Estado Democrático de Direito no
Brasil.”28
Contudo, nem sempre a soberania esteve ligada à independência de um
Estado ou nação. Já houve no passado nações que possuíam territórios, povo,
25 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana., p. 423. 26 Ibid., p. 539 27 CARRAZZA. Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 94. 28 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 40.
22
organização política, mas que eram regidas por uma autoridade externa. “Foi o que
ocorreu, por exemplo, na Idade Média, quando reinos e senhorios aceitavam a
subordinação ao Império ou ao Papado. Tais autoridades não se punham como as
mais altas (no superlativo), ou seja, como soberanas (pois soberano, do latim
soberanus, é o superlativo de super.”29
Hoje, “o Estado é soberano, porque só ele goza deste atributo, na medida em
que a eficácia e a validade de seus atos não provêm de fora, mas de si próprio.”30
No Brasil, a soberania é oriunda do povo (popular), e encontra-se prevista no
inciso I, do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, e que “impõe a participação
efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure na
simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio de
evolução do Estado Democrático, mas no seu completo desenvolvimento. Visa,
assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos
fundamentais da pessoa humana.”31
2.3. Cidadania
A cidadania nunca foi sinônimo absoluto de igualdade, sendo que o seu
conceito originário remetia ao de uma pessoa integrante de uma determinada
comunidade, o que hoje poderia ser considerado como nacionalidade. Esta
participação, por sua vez, era segregada por meio de classes sociais ou econômicas,
como ocorre na atualidade, por exemplo, na Índia, onde as pessoas são separadas
por um regime de “castas”.
Assim, ao longo dos tempos, a cidadania, considerada como um dos
elementos essenciais do Estado, vem aperfeiçoando-se no sentido de proporcionar à
29 FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves, op. cit., p. 40. 30 CARRAZZA. Roque Antonio, op. cit., p. 92. 31 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 229.
23
todos os cidadãos a oportunidade de participarem de forma efetiva nas melhorias
das condições de vida, visando o alcance da dignidade humana e o respeito às
garantias individuais, tanto que para José Afonso da Silva, não há mais diferença em
cidadania e nacionalidade ao afirmar que “aquela como vínculo ao território estatal
por nascimento ou naturalização; esta como um status ligado ao regime político.32
Na atualidade, a cidadania “implica o reconhecimento e exercício de extenso
conjunto de direitos e deveres, cuja efetivação só se torna possível no Estado
Democrático de Direito, que tem por fundamento o desenvolvimento social
econômico igualitário, de modo a promover a dignidade da pessoa humana.”33
3. Os princípios constitucionais orientadores do po der punitivo do
Estado.
Antes de iniciarmos o estudo dos princípios constitucionais que orientam o
poder punitivo do Estado, mister se faz uma pequena definição sobre o significado
dos princípios.
De uma maneira objetiva, “princípios são as proposições que se colocam no
início de uma dedução e que não são deduzidas de nenhuma outra dentro do
sistema considerado, são, em um sentido figurado, como as vigas mestras e inicia de
uma construção e de onde a estrutura será desenvolvida.” (...) Assim, “os princípios
de direito penal são os fundamentos lógicos que irão nortear a sua existência e a sua
identidade.”34
32 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 345-346. 33 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p.233. 34 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 42.
24
3.1. Princípio da legalidade.
O princípio da legalidade ou reserva legal, “presente em todas as
Constituições liberal-democráticas dos países de civil law, é uma das mais típicas
expressões, juntamente com o princípio da culpabilidade, do superior
Rechtsstaatsprinzip, nos seus três corolários da reserva legal, do princípio da
taxatividade-determinação e da irretroatividade.”35
Característica marcante do Estão Democrático de Direito, “o princípio da
legalidade (democrática) ou da constitucionalidade, em sua essência, exige a
subordinação dos integrantes do Estado ao regime regulador fundamental, expresso
na Constituição, em decorrência da soberania e realização popular, com objetivo de
estabelecer o cumprimento dos valores democráticos exigidos para este Estado de
Justiça, sem jamais se limitar a um conceito formal e estático de lei, mas, sobretudo,
como exercício da função transformadora da sociedade, garantindo uma efetivação
dos direitos e garantias estabelecidos, sob a égide de princípios informadores, mas
decorrência de um processo legal e regular de criação.”36
Já para Marco Antonio Marques da Silva, “o princípio da legalidade é, no
Estado Democrático de Direito, consequência direta do fundamento da dignidade da
pessoa humana, pois remonta à ideia de proteção e desenvolvimento da pessoa,
que o tem como referencial. A clareza e o limite da formulação normativa dos tipos
penais, no âmbito do direito penal, são exigências deste princípio, enquanto, no
processo penal, viabilizam as formas de intervenção do Estado na vida do cidadão,
requerendo a observância, não só da legalidade desta intervenção, como também de
outros princípios informadores do processo penal.”37
E continua o autor, ao afirmar que a “atual concepção do princípio da
legalidade, no denominado quadro da função de garantia da lei penal, tem
35 PALAZZO. Francesco C, Valores Constitucionais e Direito Penal, p. 43. 36 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 40. 37 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 7.
25
determinado o seu desdobramento em quatro garantias básicas. Estas garantias
seriam: a existência da Lex praveia, que significa proibição de edição de leis
retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; da lex scripta, que
determina a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo
direito consuetudinário; da lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou da
punibilidade pela analogia (analogia in malam partem), e da lex certa, que a
proibição de leis penais indeterminadas.”38
Portanto, diante dos conceitos apresentados, conclui-se que o princípio da
legalidade ou reserva legal, visa garantir a segurança dos cidadãos, ao impedir que
uma determinada pessoa seja processada ou punida na esfera penal, sem a
existência prévia de leis e regras processuais elaboradas com base nos ditames
constitucionais, visando acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.
3.2. Princípio da igualdade .
O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 prevê que “todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Desta forma, apesar do conceito de igualdade, liberdade, ser variável, em
virtude de cada Estado externá-la de uma forma no Brasil, significa dizer que “a lei
não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da
vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o
conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos
textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas
normativos vigentes.”39
38 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 8. 39 MELLO. Celso Antonio Bandeira de, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 10.
26
No entanto, do ponto de vista jurídico, o princípio da igualdade ou isonomia,
segundo Ignácio Burgoa, citado por Rogério Lauria Tucci, “se traduz em varias
pessoas indeterminadas, que se encontram numa determinada situação, tendo a
possibilidade e a capacidade de serem titulares dos mesmos diretos e das mesmas
obrigações emanadas do Estado de Direito. Em outras palavras, a igualdade, do
ponto de vista jurídico, manifesta a possibilidade e capacidade de inúmeras pessoas
indeterminadas adquirirem os direitos e contraírem as obrigações derivadas de uma
certa e determinada situação em que se encontram.”40
Logo, “não há a possibilidade, assim, de existência de leis discriminatórias,
embora possam existir as que punam fatos típicos que possam ser praticados por
determinadas pessoas, como por exemplo, no caso dos funcionários públicos, ou em
decorrência de cargos ou funções que estas pessoas exerçam.”41
Portanto, diante das premissas expostas, conclui-se que, “por via do princípio
da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de
desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor
absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita,
assegura que os preceitos genéricos, abstratos e atos concretos colham a todos sem
especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos.”42
No processo penal, “em duas direções manifesta-se o princípio da igualdade
no direito processual: dirige-se aos que encontram nas mesmas posições no
processo – autor, réu, testemunha -, garantindo-lhes idêntico tratamento; dirige-se,
também, aos que estejam nas posições contrárias de autor e de réu, assegurando-
lhes idênticas oportunidades e impedindo que a uma parte sejam atribuídos maiores
direitos, poderes, ou impostos maiores deveres ou ônus do que à outra.”43
40 TUCCI. Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 125. 41 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 6. 42 MELLO. Celso Antonio Bandeira de, op. cit., p. 18. 43 FERNANDES. Antonio Scarance, Processo Penal Constitucional, p. 50.
27
3.3 Princípio da ultima ratio.
Trata-se de um princípio corolário da dignidade da pessoa humana, onde a
“proteção do Direito Penal deve estar voltada para os bens mais essenciais à vida
humana em comunidade que não possam ser tutelados por outros meios menos
drásticos, na medida em que o direito penal é o instrumento mais violento de
intervenção do Estado na vida das pessoas, em razão da antinomia de proteger os
direitos fundamentais, violando outros direitos fundamentais.”44
Para Claudio José Langroiva Pereira, “o princípio da intervenção mínima,
reconhecendo um Direito Penal segundo a subsidiariedade, busca a validação dos
direitos fundamentais, em especial da liberdade, com a restrição de normas jurídico-
penais em uma interpretação de acordo com a Constituição.”45
Assim, percebe-se que o direito penal, no intuito de preservar o máximo de
liberdade possível, acaba sendo destinado somente à proteção dos bens jurídicos
relativamente preponderantes à sociedade, até em observância à vida e a dignidade
humana, pois conforme afirma Cleber Rogério Masson, “o Estado não tem o direito
de intervir na esfera de liberdade do cidadão sem justa causa, isto é, na ausência de
relevante interesse a legitimar a utilização do aparelhamento estatal.”46
Por fim, conclui-se que ao se limitar o poder punitivo do Estado, surgem “duas
conseqüências para a configuração de bens jurídicos supra-individuais, envolvendo
a subsidiariedade e a fragmentariedade, quase que como sub-princípios.”47
44 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. p. 9. 45 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 150. 46 SILVA. Marco Antonio Marques da, (coord.). Processo Penal e Garantias Constitucionais. p. 133. 47 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 151.
28
3.4 Princípio da fragmentariedade.
Ainda em consequência da aplicação do Direito Penal Mínimo, da qual
também se aplica o princípio da ultima ratio, surge ainda a questão da
fragmentariedade deste seguimento do Direito. “Este princípio decorre do próprio
caráter fragmentário do Direito Penal e estabelece que o uso deste instrumento de
intervenção somente deve ser aplicado nos casos de ataques intoleráveis que
impedem a manutenção da ordem social. Não é através do direito penal que se evita
os crimes, mas por meio de uma política social que se destine a remover os fatores
que favorecem a delinqüência.”48
Com base no princípio da fragmentariedade do Direito, percebe-se que o
Direito Penal deve ser utilizado para soluções de questões importantes para a
sociedade, pois “diante da sua relevância dos seus bens jurídicos, não será todo
ilícito o seu objeto. Ao contrário, apenas aqueles indispensáveis para o convívio
social serão amparados pelas normas penais, já que as ofensas de menor gravidade
podem ser sancionadas por outros ramos do Direito, principalmente Civil,
Administrativo e Tributário.”49
3.5 Princípio da subsidiariedade .
Conforme estudado no tópico anterior, o direito penal deve ser utilizado
somente para questões sociais relevantes, deixando as demais questões sob o crivo
de outros ramos do direito, ou seja, funcionaria “como um soldado de reserva,
entrando em cena somente se os demais ramos jurídicos não forem suficientes para
proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessária sua atuação, fica ele de
prontidão, aguardando, se necessário, ser chamado pelo operador do Direito para, aí
sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade.”50
48 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 9. 49 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal Garantias Constitucionais, p. 134. 50 Ibid., p. 135.
29
Além disso, para Claudio José Langroiva Pereira “a subsidiariedade surge
como um princípio orientador das atividades do Estado em uma atuação punitiva,
indicando que sua intervenção somente deve ser aceita quando reconhecidos como
ineficazes os demais meios de contenção de ilícito, em um critério decisivo para
reduzir os tipos de crimes.”51
O referido autor ainda aponta outras maneiras pelas quais o Estado poderia
intervir na sociedade, antes de utilizar o direito penal. Dentre estas medidas,
“estariam as políticas públicas de prevenção, educação e adequação sociocultural-
econômica e os meios sancionatórios.”52
Assim, percebe-se pelo princípio da subsidiariedade, que o direito penal só
deve ser usado na hipótese de falência de outros meios utilizados na prevenção e
repressão delitos utilizados pelo Estado.
Contudo, na eventualidade de ineficácia do direito penal, “uma corrente mais
radical, que constitui pelas teses abolicionistas, com base nestes princípios, tem o
delito como um conflito de interesses contrapostos que o direito penal atual não tem
condições de evitar, nem mesmo atender as necessidades das vítimas ou do agente
do crime. Não supõe abandonar o controle social formalizado, mas transferir para
outros subsistemas a resolução dos conflitos.”53
Há ainda, como forma de fundamentar o princípio da intervenção mínima,
“uma tendência do direito penal, a garantista. Esta tem três ideias fundamentais para
intervenção do Direito Penal: humanização, pois a pena é um mal, devendo ser
restabelecida a segurança jurídica com um tratamento adequado ao delinqüente e
uma aperfeiçoamento do sistema de penas; ideia de um direito penal mínimo e
51 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 152. 52 Ibid., p. 152. 53 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 9.
30
desconexão com exigências éticas, devendo seus conteúdos serem os necessários
à manutenção da ordem social.”54
Observa-se assim, que todas as teorias apresentadas referentes à
subsidiariedade, tendem a justificar a aplicação do direito penal somente em
situações excepcionais, utilizando antes disso, medidas alternativas à este instituto.
3.6 Princípio da adequação.
A “tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da
ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente
protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material.”55
Assim, pelo princípio da adequação, “o direito penal deve estar apto a
proteger os bens jurídicos, adotando medidas adequadas aos objetivos visados, no
sentido de estabelecer penas que possibilitem a prevenção geral e especial, nas
formas estabelecidas pela lei.”56
A verdade é que este princípio ainda não possui uma posição pacificada junto
à doutrina nacional e internacional, tendo em vista que o sentimento de reprovação
antisocial de uma conduta, que justificaria a sua tipicidade material, é extremamente
subjetivas, de modo que sempre haverá divergências que impediriam definir se tal
comportamento deve ou não ser tutelado penalmente pelo Estado.
54 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 12. 55 BITENCOURT. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, p. 50. 56 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p.13.
31
3.7 Princípio da necessidade .
Importante na fundamentação da substituição das penas, o princípio da
necessidade prega que “o legislador não deve cominar penas desnecessárias, quer
na qualidade, quer na quantidade, para fatos que a política criminal não recomenda
o excesso”(...) Além disso, “no âmbito judiciário, este princípio tem, também, sua
importância, pois, quando para um determinado fato é prevista pena substitutiva, não
se recomenda a privação de liberdade ou pena mais grave, por ser totalmente
desnecessária e por violar o referido princípio.”57
3.8 Princípio da proporcionalidade.
Trata-se de um princípio que apresenta uma determinada complexidade em
seu estudo. Pode ser pode encontrado tanto no direito penal, no que tange à
aplicação das penas, como no processo penal, quando se fala no tratamento
dispensado às partes dentro do processo.
No Estado Democrático de Direito, “o princípio da proporcionalidade surge
como um instrumento capaz de captar a sensibilidade popular às violações de
normas, bem como a valorização social racional do próprio sentido das penas.”58
Para Marco Antonio Marques da Silva, “com este princípio é necessário que
se verifique se a intervenção do direito penal é a própria para a defesa do bem
jurídico e se compensa a utilização do pode punitivo do Estão para o fato ocorrido.”59
Observa-se pelos conceitos expostos, que o princípio da proporcionalidade,
além de se aproximar dos princípios da ultima ratio, fragmentariedade e
subsidiariedade, no que se refere à aplicação do direito penal para fatos
57SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 14. 58 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 163. 59 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 14.
32
juridicamente relevantes para a sociedade, também norteia o legislador na resposta
penal para ações que causem maior ou menor reprovação social.
Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, mas precisamente no processo
penal, “a afirmação do princípio foi no sentido de garantir o indivíduo contra os
excessos na atuação dos órgãos detentores do poder, buscando encontrar a medida
adequada, necessária e justa.(...)Assim, não se cuida de invocar o princípio em favor
do acusado ou da acusação, mas de verificar se, no caso concreto, a restrição ao
acusado é adequada, necessária e se justifica em face de valor maior a ser
protegido.”60
3.9 Princípio da culpabilidade .
O artigo 5º, XLV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que “nenhuma pena
passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a
decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores
e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
O dispositivo constitucional em questão demonstra o pressuposto da
personalidade da pena, ou seja, de que nenhuma sanção aplicada na esfera penal
ultrapassará a pessoa do agente. Trata-se de uma “decorrência do princípio da
culpabilidade, que é reflexo da dignidade humana, fundamento do Estado
Democrático de Direito.(...)Pelo princípio da culpabilidade, somente podem ser
responsabilizados por atos criminosos pessoas que possuem consciência da
ilicitude, impedindo-se a punição do menor e do doente mental.”61
Esta premissa, ao adotar que o princípio da culpabilidade age como um limite
na intervenção punitiva do Estado ou como limite da pena, assegura que “a sanção
encontra sua justificação na finalidade de prevenção do crime, respondendo a
60 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 60. 61 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 15.
33
culpabilidade à exigência de evitar que o Estado, na persecução da finalidade
preventiva, abuse de seu poder punitivo, chegando, até, a ‘ferir’ o respeito ao qual
não se põe nenhuma exigência de irrogar a pena;”62
3.10 Princípio da individualização da pena .
Previsto no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, da Constituição Federal de 1988,63
o princípio da individualização da pena funciona como um limitador do ius puniendi
do Estado.
Este princípio materializa, “em sentido estrito, a regulamentação da adaptação
da pena ao condenado, sendo que para tanto são consideradas as características da
infração praticada e da sua própria personalidade, e, largamente, da fixação dos
lindes de sua imposição.”64
Em suma, o princípio da individualização da pena, juntamente com o princípio
da dignidade humana, visa propiciar punição do agente que infringir a norma penal,
de maneira proporcional, efetiva e sem violar os direitos e garantias
constitucionalmente garantidos.
3.11 Princípio do devido processo legal.
O primeiro documento a fazer menção ao princípio do due process of law foi
na Magna Carta, de 1215 outorgada por João Sem-Terra e seus barões na
Inglaterra. Esta expressão “importava na época, antes de tudo, na vinculação dos
62 PALAZZO. Francesco C., op. cit., p. 53. 63 “Art. 5º - ...XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;...XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.” 64 TUCCI. Rogério Lauria, op. cit., p. 260.
34
direitos às regras comuns, aceitas por todos e decorrentes de precedentes fáticos e
judiciais.”65
No Brasil, o princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV66, da
Constituição Federal, caracteriza-se pela sua “amplitude, abrange outras garantias,
sempre no sentido de proteger o cidadão contra a ação abusiva e arbitrária do
Estado,”67 ou seja, este princípio atua como um limitador dos poderes do Estado, no
que tange à produção de leis, tanto que o referido princípio, “não se destina tão
somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a
correta e regular elaboração da lei processual penal. Em outras palavras, o juiz está
submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que
caracteriza a garantia constitucional.”68
Estas garantias constitucionais, por sua vez, também se estendem ao devido
processo penal, “que examina as mesmas garantias do devido processo legal em
face do processo penal.”69
Segundo Rogério Lauria Tucci, além de garantir que um “membro da
coletividade, antes de sofrer a imposição de qualquer sanção penal, tem direito a um
processo prévio, em regra antecedido de procedimento investigatório”, possibilitam
ainda ao cidadão: “a) o acesso à justiça penal; b) do juiz natural em matéria penal; c)
de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de
defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela
inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos
decisórios penais. G) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e,
h) da legalidade da execução penal.”70
65 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 17. 66 “Art. 5º - ...LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” 67 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 50. 68 Idem, Acesso à Justiça e o Estado Democrático de Direito, p. 17. 69 FERNANDES. Antonio Fernandes, op. cit., p. 48. 70 TUCCI. Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 66.
35
3.12 Princípios do contraditório e da ampla defesa.
Previsto no artigo 5º, inciso LV71, da Constituição Federal de 1988, os
princípios do contraditório e da ampla defesa são decorrentes do princípio devido
processo legal, e visam, dentro do processo penal, garantir a aplicação de um
julgamento justo, com a observância dos direitos e garantias individuais.
Para Marco Antonio Marques da Silva, “o contraditório e ampla defesa formam
um binômio inarredável e uma conseqüência lógica do devido processo legal em um
Estado Democrático de Direito.(...) Afirma ainda, que “o princípio do contraditório é
absoluto, ou seja, qualquer violação leva a existência de nulidade processual.(...)É
do contraditório, manifestado num primeiro momento no direito à informação que
nasce a possibilidade do exercício da ampla de defesa.(...)Já o direito à informação é
indispensável para que se dote o processo do conteúdo dialético característico do
princípio do contraditório.”72
Antonio Scarance Fernandes aduz que “no processo penal é necessário que a
informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo.
Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o desenrolar da
causa, até o seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a
possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo
imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de
contrariá-los.”73
Este direito à informação citado pelos doutrinadores, nada mais é, que o
direito do acusado de ter acesso integral e irrestrito à acusação que lhe é feita pelo
Estado, para que possa realizar a sua defesa de forma plena. Assim, ferem o
71 “Art. 5º - ...LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 72 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 18. 73 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 64.
36
princípio em comento, atos que visam impedir, por exemplo, acesso aos autos, seja
de um inquérito policial ou de uma ação penal, pelo advogado constituído do réu.
Ada Pellegrini Grinover acentua que “a garantia do contraditório não tem
apenas como objetivo a defesa entendida em seu sentido negativo – como oposição
ou resistência -, mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva,
como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento
e o resultado do processo. É essa visão que coloca ação, defesa e contraditório
como direitos a que sejam desenvolvidas todas as atividades necessárias à tutela
dos próprios interesses ao logo de todo o processo, manifestando-se em uma série
de posições de vantagem que se titularizam quer no autor, quer no réu.”74
Ainda no sentido do contraditório como influenciador do desfecho processual,
Vicente Greco Filho, ao discorrer do tema no âmbito do processo civil, afirma que “a
sentença do juiz deve resultar de um processo que se desenvolveu com igualdade
de oportunidades para as partes se manifestarem, produzirem suas provas, etc. É
evidente que as posições das partes (como autor ou como réu) impõem uma
diferente atividade, mas, na essência, as oportunidades devem ser iguais.”75
Esta igualdade de oportunidades no processo entre acusação e defesa,
também é defendida por Marco Antonio Marques da Silva como garantia
constitucional, ao afirmar que “a ampla defesa é um corolário do processo como
modo de garantia individual.
A defesa, tal como a ação, é também um direito constitucional e
processualmente garantido. Desse modo, como no processo a acusação é exercida
por um órgão que possui conhecimentos técnicos-jurídicos, também ao acusado
deve ser proporcionada idêntica oportunidade de se ver representado em juízo por
74 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, As Nulidades no Processo Penal, p. 145. 75 GRECO FILHO. Vicente, Direito Processual Civil Brasileiro, p. 82.
37
quem tenha igual formação a do órgão de acusação, sob pena de violar-se o
tratamento paritário que é uma imposição do princípio do devido processo legal.”76
Ainda no sentido da abrangência da ampla defesa, Antonio Scaranse
Fernandes afirma que “a defesa técnica, para ser ampla como exige o texto
constitucional, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável,
plena e efetiva. Por outro lado, além de ser garantia, a defesa técnica é também um
direito e, assim, pode o acusado escolher defensor de sua confiança.”77
3.13 Princípio do acusatório e juiz natural.
Dentre os princípios corolários do devido processo legal, encontra-se o
princípio do juiz natural, nos incisos XXVII e LIIII, ambos do artigo 5º, da Constituição
Federal de 1988.78
Trata-se de um princípio que “remonta à Carta Magna de 1215, onde aparece
(art. 20) como garantia de julgamento por órgãos e pessoas do local em que delito foi
cometido (competência territorial),”79 O princípio do juiz natural esteve presente
ainda nas Constituições francesa de 1814, holandesa de 1830 e italiana de 1967.
Nos direitos alemão, espanhol e brasileiro é chamado de princípio do juiz legal ou
operante.”80
Com base no princípio do juiz natural, estão proibidos os tribunais de exceção,
criados para “julgar, de maneira excepcional, determinadas pessoas ou matérias.”81
Além disso, ele garante ao “indivíduo envolvido numa persecutio criminis só poder
76 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 20. 77 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 295. 78 “Art. 5º -... XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;” “Art. 5º -... LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;” 79 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 133. 80 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 21. 81 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 135.
38
ser validamente processado e julgado por agente do Poder Judiciário – juiz ou
tribunal – dito ‘autêntico’”.82
Além disso, “sem ele, a própria relação processual não pode nascer, é
aparente, é um não-processo. Estamos aqui, inquestionavelmente, perante um
verdadeiro pressuposto de existência do processo, em cuja ausência não se pode
falar em mera nulidade da relação processual.”83
3.14 Princípio da presunção de inocência.
Previsto implicitamente na Constituição Federal de 198884, a expressão
presunção de inocência é um dos princípios basilares do processo penal pátrio.
Contudo, antes de adentrarmos no conceito deste princípio, é necessária uma
pequena exposição sobre o seu conteúdo histórico.
O princípio da presunção de inocência tem como marco fundamental do
movimento de reforma da legislação penal no século XVIII, o livro Dei delitti e delle
pene, de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nesta obra todo o sistema
punitivo da época é questionado, sendo também questionado o modo como o
imputado, dentro de um processo penal inquisitivo, é tratado como culpado, cabendo
a ele o ônus de demonstrar a inocência.”85
Esta obra repercutiu em toda a Europa, em especial na França, que detinha
um sistema criminal extremamente rígido para o imputado durante o processo
82 TUCCI. Rogério Lauria, op. cit., p. 101. 83 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, op. cit., p. 50. 84 “Art. 5º...LVIII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” 85 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 25.
39
inquisitivo. Era um procedimento pautado na tortura e na prisão provisória, e que
tratava o individuo, durante o processo, como se já tivesse sido declarado culpado.
Contudo, após a obra do Marquês de Beccaria, a monarquia francesa cedeu
às pressões reformistas, e em 1780, Luis XVI, em uma declaração suprimiu o
emprego da tortura como meio hábil para se obter a confissão. Posteriormente, por
meio de um Edito do rei de 1788, foi abordada a necessidade de reforma do
Ordenamento Criminal e do Código Penal.
Essa Revolução Liberal dos séculos XVIII e XIX – “processo reformador”, em
reação ao sistema inquisitório – adquire relevo, mas somente a partir do século XIX,
por influência da Escola Clássica, é que a presunção de inocência passou a dogma
fundamental do direito repressivo.86
Assim, após todo este movimento iniciado por Beccaria, em 1789, surge com
a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, onde em seu artigo IX87 há a
expressa menção ao princípio da presunção de inocência.
O referido artigo prevê que todo acusado será considerado inocente até a
decisão final de um processo. Além disso, há ainda a menção expressa sobre as
consequências dos abusos cometidos em caso de necessidade de prisão cautelar.
Sobre este dispositivo, Marco Antonio Marques da Silva afirma que “a
presunção de inocência pode, ainda, ser um postulado dirigido diretamente ao
tratamento do imputado no decorrer do processo penal, ou seja, que se deve partir
da ideia de que ele é inocente e, como via de conseqüência, reduzir ao mínimo
possível as chamadas medidas restritivas de direitos a ele aplicadas, durante o
86 BENTO. Patricia Stucchi, Pronúncia. Enfoque Constitucional, p. 86. 87 “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”
40
processo. É esse o significado que tem a presunção de inocência no artigo IX da
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.”88
Posteriormente à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, a
presunção de inocência também surgiu na Declaração Universal de Direitos do
Homem, de 1948; no Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, de 1966 e na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.
3.15 Princípio do in dubio pro reo.
Derivado da presunção de inocência, o princípio do In Dúbio Pro Reo “foi
desenvolvido para os casos em que a prova produzida não era segura, para a pena
em virtude de suspeita e para o absolutio ab instantia.”(...)Assim, “a incerteza da
prova e motivação inadequada das sentenças criminais devem determinar a
absolvição pura e simples do acusado, uma vez que não há certeza da culpa.”89
Para Patrícia Stucchi Bento, “o in dúbio pro reo e a presunção de inocência se
relacionam de forma direta, pois este é uma garantia constitucional e aquele uma
regra processual, tendo ambos a função de preservar status libertatis e a dignidade
da pessoa humana em sede de persecução penal.90
Contudo, Cesare Bonesana, afirma que “as provas de um delito podem
distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas são
aquelas que demonstram positivamente que é impossível ser o acusado inocente. As
provas são imperfeitas quando a possibilidade de inocência do acusado não é
excluída.
88 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 31. 89 Ibid., p. 33. 90 BENTO. Patricia Stucchi, op. cit., p. 90.
41
Além disso, o autor afirma ainda que “basta uma prova perfeita para autorizar
a condenação; se desejar, contudo, condenar baseado em provas imperfeitas, visto
que cada prova dessas não estabelece a impossibilidade da inocência do réu, é
necessário que se apresentem em número muito grande para valerem como uma
prova perfeita, isto é, para provarem, todas juntas, que é impossível não ser o
acusado culpado.”91
Este pensamento de Beccaria na referida obra, é reconhecido por Marco
Antonio Marques da Silva, ao afirmar que o mesmo “se insurgiu energicamente
contra a quase prova ou semi prova, afirmando que não havia perigo maior do que
condenar um inocente quando a probabilidade da inocência superasse a do delito.”92
Portanto, observa-se que a prova, para ensejar a condenação no processo
penal, deve ser certa, robusta e incontroversa, pois caso contrário, ou seja, a se
mesma produzir qualquer dúvida sobre a culpabilidade do acusado, deve o
magistrado, com base no princípio do in dubio pro reo e afim de se evitar injustiças,
absolvê-lo.
3.16 Princípio da verdade no processo penal.
Dentro do processo penal, após o oferecimento da denúncia, que delimita a
acusação, tanto o órgão acusador, como a defesa, realizam uma busca incessante
pelas provas que, consequentemente terão o condão de corroborar as suas
respectivas teses.
Para alguns doutrinadores, “no processo penal brasileiro, vigora o Princípio da
Verdade Real, com referência à produção de provas. Isto quer dizer que o
91 BONESANA. Cesare, Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarãe, p. 28. 92 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 33.
42
Magistrado não fica adstrito a critérios valorativos da prova, mas é livre, na sua
escolha e aceitação, atribuindo-lhe o valor que merecer.”93
Um exemplo desta teoria encontra-se no artigo 209 do Código de Processo
Penal.94
Por outro lado, esta posição é vista com reservas, na medida em que esta
busca pela verdade real pode acarretar em violações às regras processuais, o que
não coaduna com o processo penal acusatório vigente atualmente no Brasil, onde
vigora, conforme denomina Antonio Magalhães Gomes Filho, “a verdade processual,
que não é extorquida inquisitoriamente, mas uma verdade obtida através de provas e
desmentidos.”95
Assim, é importante que “a busca da verdade no processo penal deva ser feita
com cautela, pois não se admite qualquer meio de prova, mas somente aqueles
processualmente admitidos, ainda que desta limitação resulte um sacrifício à
verdade material.”96
93 INELLAS. Gabriel Cesar Zaccaria de, Da Prova em Matéria Criminal, p. 39. 94 “Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.” 95 GOMES FILHO. Antonio Magalhães, Direito à Prova no Processo Penal, p. 55. 96 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito, p. 35.
43
CAPÍTULO II – DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PEN AL E
CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA .
1. A Criminalidade Econômica, a Globalização e seus reflexos na
ordem jurídica.
Existe atualmente uma dificuldade muito grande entre os doutrinadores em
interpretar e conceituar a criminalidade global ou moderna, bem como os seus
efeitos. José de Faria Costa, ao discorrer sobre o tema, questiona se “há um
alfabeto, uma semântica, uma gramática que nos ajude a interpretar a criminalidade
em um mundo globalizado.” 97
Uma das possíveis respostas para esta indagação seria primeiramente tentar
entender uma das origens desta criminalidade, que coincide com a globalização, que
por sua vez, “não é um processo simples, é uma rede complexa de processos. E
estes operam de forma contraditória ou em oposição aberta.98
A globalização seria ainda uma evolução mundial, onde todos os seus
seguimentos, dentre elas as ramificações sociais, econômicas e tecnológicas, são
renovadas com extrema velocidade, levando o mundo a uma evolução sem
precedentes “Tais fatores contribuíram para facilitar ações criminosas e subversivas
transnacionais, sem que houvesse uma reação interna e externa efetiva e
orquestrada por parte dos Estados Modernos.”99
Logo, como uma decorrência lógica da globalização, a criminalidade hoje está
mais voltada a “uma criminalidade moderna e especializada, a qual atua em diversos
países, praticando ilícitos graves e em áreas diversas como, por exemplo, o tráfico
ilícito de entorpecentes, as fraudes bancárias e o terrorismo aproveitando-se da falta 97 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 89. 98 Ibid., p. 277. 99 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 38
44
de cooperação.”100 Assim, “todas as justificativas para os problemas da atual
sociedade, com suas complexidades, são atribuídos ao fenômeno da
globalização.”101
“No tempo do Direito penal tradicional falava-se em ofensa aos direitos
subjetivos do indivíduo: evoluiu-se depois para a admissibilidade também dos
direitos coletivos e dos bens supraindividuais. Agora já se propugna pelo
reconhecimento de bens jurídicos universais ou planetários.”102
Hoje os delitos contra a ordem econômica, os praticados por meio da internet,
fraudes bancárias, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, constituem uma
criminalidade que dispensa uma atenção especial do legislador penal. “Essa
criminalidade de última geração, se pode dizer assim, caracteriza-se pelo poderio,
pela organizacionalidade e transnacionalidade. Tem força bastante para produzir
resultados profundamente lesivos à comunidade internacional, nas suas várias faces:
política, economia e social.” 103
Desta forma, criminalidade decorrente da globalização, extremamente nociva
e avassaladora, “exige que os países passem a se concentrar em atitudes mais
práticas, a fim de que suas abordagens sejam mais sejam mais eficazes no combate
à criminalidade.”104
Nesse contexto, até como uma forma de resposta rápida e efetiva por parte da
sociedade e também visando conter uma eventual crise da justiça penal, é que
muitos passaram a clamar, até como uma única solução, pela presença de um
Estado mais punitivo, pois a ideia de Estado opressor traz ao indivíduo uma
100 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 38 101 Ibid.,p. 39. 102 GOMES. Luiz Flávio; BIANCHINI. Alice, O Direito Penal na Era da Globalização, Série Ciências Criminais no Século XXI, p. 23. 103 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 42. 104 Idem, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 137.
45
sensação, ou pseudo-sensação, de que o mesmo está repelindo de forma eficaz a
criminalidade.
No entanto, este Estado punitivo, tão almejado pela sociedade, pode causar
um efeito inverso, já que “a história tem mostrado que todos os autoritarismos
começam com este canto de sereia.” 105 Assim, sem que percebam, a sociedade, ao
clamar por um Estado sancionador, como única forma de combater a criminalidade
moderna, pode abrir o caminho para a violação da liberdade e das garantias
individuais.
José de Faria Costa, elenca alguma das conseqüências de um Estado
punitivo nas garantias individuais . Seriam elas:
“a) Adopção de uma cultura de controlo;
b) Proliferação de leis de emergência;
c) Aumento de leis de tonalidade securitária;
d) Assunção aberta e clara de estratégias globais diferenciadas,
tendencialmente incompatíveis, para diferentes patamares da vida colectiva;
e) Exaltação do oxímero “tolerância zero”, enquanto forma ideológica para
satisfação e tutela de medos primários e injustificados;
f) Diminuição das garantias processuais;
g) Tentativa de neutralização axiológica perante o fantástico aumento de
carcerização;
h) Defesa doutrinal de um ilegítimo, mas já difuso entre vozes
autorizadíssimas, “direito penal do inimigo”;
i) Afirmação de soberba ética;
j) Contração insustentável de espaços livres de direito”;106 (grifo nosso)
105 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 91 106 Ibid., p. 91.
46
Diante deste rol apresentado, bem como o objeto do estudo ora realizado,
percebe-se que um dos efeitos, senão o principal, da criminalidade moderna
decorrente da globalização na ordem jurídica, é a diminuição das garantias
individuais, que “é um dos aspectos que mais rapidamente se manifestam enquanto
característica do Estado Punitivo. Não por acaso é o direito processual penal visto
como mais sensível das sensitivas às variações mínimas das estruturas do poder.”107
Nunca é demais lembrar que as garantias individuais, dentro do Estado
Democrático de Direito, nada mais são, que “o conjunto institucionalizado de direitos
e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade,
por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”108
2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal .
Após o término do mundo bipolarizado, composto pelos blocos capitalista e
socialista, a sociedade passou a conviver em todos os seus sentidos com um
fenômeno denominado globalização. Este, consequentemente, por estar presente
em diversos seguimentos sociais, dentre eles a economia, gerou uma modernização
da criminalidade, o que levou a transformações no direito penal.
Conforme já mencionado no corpo deste trabalho, assim como a sociedade, a
criminalidade também evoluiu, passando a abranger delitos decorrentes de um
mundo globalizado, mas precisamente voltada para o âmbito econômico.
Esta criminalidade é decorrente de uma “causalidade que independe da
vontade humana, mas vem aliada ao avanço tecnológico, de consequências
107 COSTA. José de Faria, Direito Penal e Globalização, p. 62. 108 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 225.
47
desconhecidas.”109 “É uma criminalidade organizada, ou seja, nela intervém
estruturas coletivas de pessoas que, a semelhança das organizações empresariais,
tem uma estrutura hierárquica.”110
Assim, “no âmbito do direito penal o problema da dogmática está em
encontrar uma fórmula adequada para administrar os riscos decorrentes desta
globalização, não vislumbrando um instrumento eficaz para, pelo menos, prevenir-se
os efeitos danosos do desenvolvimento tecnológico, científico e dos demais meios de
comunicação, nestes se incluindo os negócios econômicos.”111
Além disso, para alguns doutrinadores, esta criminalidade decorrente da
globalização, moderna, organizada institucionalmente e que atinge a economia de
países, criou a necessidade um Direito Penal que “seja eficiente e alcance seus
resultados programados, mesmo que com alto custo em termos de corte de direitos e
garantias fundamentais.“112
Marco Antonio Marques da Silva preconiza que “partindo-se da anterior
constatação de que o paradigma do direito penal globalizado é o delito econômico
organizado, em um sentido de política criminal, a tendência será acenar aos
imputados com menos garantias pelo enorme potencial perigoso que contém.”113
Portanto, percebe-se que pensamento doutrinário acerca da solução para a
criminalidade moderna, que tem como foco principal o Direito Penal Econômico, está
na aplicação de um direito penal com o cerceamento dos direitos e garantias
individuais.
109 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit.,, p. 403. 110 SILVA. Marco Antonio Marques da,Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 137. 111COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.),Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 402. 112 Ibid., p. 56. 113 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 139.
48
3. O Direito Penal Econômico.
3.1. Origem histórica e conceito .
Em virtude até da sua origem histórica, há também, assim como ocorre na
criminalidade moderna, uma grande dificuldade na doutrina para definir o conceito de
direito penal econômico, em que pese ele figurar “como um dos modernos ramos do
direito penal.”114 Além disso, nem sempre a sua aplicação como ramo do direito
penal foi possível.
O século XIX, por exemplo, que sucedeu as monarquias absolutistas e que
marcou a consolidação da burguesia no poder, bem como do capitalismo, foi
marcado por uma valorização, da vida, da liberdade e do patrimônio. O poder estatal,
nesta época, era voltado a preservá-los.
Consequentemente, “o direito penal do século XIX, denominado “liberal-
burguês”, não teria como fugir às mesmas características. De fato, a doutrina do
século XIX propõe um direito penal protetor dos interesses subjetivos violados
mediante rompimentos do contrato social.”115 Assim, não havia nesta época espaço
para aplicação de um direito penal econômico, que visava a proteção acima da
esfera individual.
Contudo, ainda no século XIX, surgiu como contraponto ao estado liberal-
burguês, o direito penal econômico, voltado à tutela da intervenção estatal na
economia, pois “enquanto no ideário liberal iluminista, o estado estava a serviço do
indivíduo, a experiência totalitária da primeira metade do século XX enalteceu o
reverso: um indivíduo a serviço do estado, como força de trabalho e soldado, no
quadro de esforços de guerra que foi peculiar ao período.”116
114 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), Crimes Contra a Ordem Tributária e Tutela de Direitos Fundamentais, p. 139. 115 Ibid., p. 147. 116 Ibid,, p. 151.
49
A consolidação deste ideal veio com o fim da primeira guerra mundial, quando
surgiram os estados contrários ao estado liberal-burguês do século XIX. Eram
estados fortes que passaram a impor a sua ordem econômica ao mundo, sendo que
para isso, necessitavam proteger as economias, os seus interesses políticos, bem
como o seu imperialismo.
“Para a proteção destas ‘ordens econômicas’, os mencionados estados fortes,
de regimes de governos totalitários, recorreram ao ordenamento jurídico penal,
constituindo todo um novo campo de criminalidade voltado:
a) à garantia do sucesso das atividades interventoras realizadas na
economia;
b) à preservação dos modelos econômicos desenhados para os ciclos
produtivos e distributivos de bens e serviços, atados fortemente aos destinos
políticos postos avante pelos respectivos governos.”117
Assim, juntamente com o fato das relações econômicas terem se tornado o
centro do mundo globalizado, surgia o direito penal econômico, voltado à proteção
das economias das nações. No Brasil, duas leis foram editadas no início da década
de noventa, visando disciplinar e proteger a economia e o sistema financeiro
nacional.118
Desta forma, diante deste breve relato da origem do direito penal econômico,
bem como da sua aplicação nas relações sociais e econômicas, poderíamos defini-lo
“como o conjunto de normas que regulam a vida e as atividades econômicas e dos
preceitos que de alguma forma se relacionam com a produção e a distribuição dos
bens econômicos.”119
117 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), op. cit., p. 150. 118 Lei nºs 7.492/86, 8.078/90, 8.137/90 e 8.884/90. 119 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), op. cit., p. 405.
50
Como podemos notar, trata-se de um conceito amplo, que não especifica o
seu objeto principal, e que desta forma, sofre diversas críticas doutrinárias. No
entanto, talvez este seja a maior dificuldade na conceituação do direito econômico,
qual seja, especificar a sua área de atuação.
Esta dificuldade em delimitar a área de atuação do direito penal econômico,
pode ser justificada até em razão do conceito de crime econômico, que “dadas as
características, abrangem a denominada ordem econômica, distribuição e consumo
de bens. A área de atuação deste crime, como se verifica, é ampla, incluindo a
tipificação de diversas situações das relações sociais que surgem no
desenvolvimento social.” 120
Ainda sobre as barreiras que existem para conceituar o direito penal
econômico, José de Faria Costa, ao mencionar que este ramo do direito “deve ser
encarado como uma nova disciplina e estabelecer o que denomina de ‘vertigem de
especialização’, conclui que o direito penal econômico não é apenas um nome, mas,
diante da produção teórica sobre a matéria é ‘um bom indício de autonomia e
especialidade’”.121
Em sentido contrário, a Escola de Frankfurt de Direito Penal, que tem em
Winfried Hassemer seu expoente principal, prega que o Direito Penal não deve ter as
suas fronteiras expandidas, pois tal atitude, mesmo que fosse para garantir a tutela
de novos setores da sociedade, acabaria por afetar o Estado de Direito, bem como
as suas garantias.122
Contudo, na definição do conceito de direito penal econômico, “há de se levar
em conta vários aspectos, em especial, que pretende proteger, preventivamente, a
120 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 264. 121 Ibid.., p. 405. 122 HASSEMER. Winifried; CONDE. Francisco Munõz. La responsabilidad por El producto em Derecho penal, p. 31 e segs.
51
economia, num sentido amplo. Esta proteção, mesmo que o defina como um ramo
específico do direito penal, não pode deixar de excluir os institutos do direito penal
nuclear, já consolidados, inclusive quanto às novas formulações funcionalistas, tais
como, a imputação objetiva, a proteção do ordenamento jurídico ou comportamento
ético-social, e assim chegar ao denominado sistema integral de direito penal.123.
Já Eduardo Reale Ferrari, defende que “a amplitude do tema Direito Penal
Econômico não configura-se (sic) como um fenômeno nacional, a corroborar o quão
perigosa representa a intervenção penal de forma totalitária, vez que ao sabor dos
fatos e momentos eleitoreiros estar-se-ão ampliando searas que poderiam ser
resolvidas por meio de alternativas de controle social não penal, aumentando cada
vez mais o descrédito de nosso sistema.”124
Observa-se que por este entendimento, o Direito Penal Econômico deve ser
visto de uma maneira global, pois ele toda uma ordem econômica, tributária e social,
sendo que outros ramos do direito, como o administrativo sancionador, devem ser
utilizados em substituição à seara penal tributária.
Portanto, percebe-se que não há um conceito preciso de Direito Penal
Econômico, mas sim a certeza que esta ramificação do direito, até em virtude da sua
abrangência, não deve ser tratada de maneira singular ou através do direito penal
comum.
3.2 O Bem jurídico tutelado no Direito Penal Econôm ico.
“Os bens jurídicos têm como fundamento valores culturais que se baseiam em
necessidades individuais. Estas se convertem em valores culturais quando são
123 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da. (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 496 124 Ibid., p. 590.
52
socialmente dominantes. E os valores culturais transformam-se em bens jurídicos
quando a confiança em sua existência surge necessitada de proteção jurídica.”125
No mesmo sentido Claudio José Langroiva Pereira, afirma que “o bem jurídico
pode ser entendido como um valor ideal, proveniente da ordem social em vigor,
juridicamente estabelecido e protegido, em relação ao qual a sociedade tem
interesse na segurança e manutenção, tendo como titular tanto o particular quanto a
própria coletividade.”126
Assim, segundo este conceito, entende-se ainda que “o bem jurídico deve se
posicionar segundo a realidade social, formada dos conflitos estabelecidos entre as
pessoas, decorrente de necessidades particulares de satisfação de interesses
diversos, indicando que os bens jurídicos têm um caráter eminentemente pessoal,
ligado às próprias condições de existência individuada de cada ser humano em uma
sociedade”127
No âmbito penal, o bem jurídico “não só assenta a pedra angular do Direito
Penal, mas coroa o norte de seu telos punitivo, uma vez que constitui o elo entre as
instituições penais do Estado e o ordenamento social no qual está inserido.”128
Percebe-se pelos conceitos apresentados, a importância que o bem jurídico
econômico tem para uma sociedade, o que justifica a utilização do direito penal em
sua proteção. De outro modo, resta saber, até com base no que fora exposto sobre
a atual função da ordem econômica no mundo globalizado, se a tutela penal pode
ser aplicada a ele, já que “o bem jurídico tutelado pelos tipos penais econômicos
deve ser analisado à luz de uma sociedade complexa, de risco, que o direito penal
nuclear ou comum não dispõe de instituto para enfrentá-los.”129
125 PRADO. Luiz Régis, Bem Jurídico-Penal e Constituição, p. 44. 126 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 71. 127 Ibid., p. 78. 128 CANTON FILHO. Fábio Romeu, Bem Jurídico Penal, p. 03. 129 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 406.
53
Eduardo Reale Ferrari entende que as manifestações de proteção penal à
ordem econômica, podem se manifestar de forma restrita e ampla.130
Na visão ampla, “não há uma individualização da tutela econômica nem de
forma direta, nem sentido técnico, porquanto o que se visa na tutela econômica é a
ordem jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços, podendo em
face de uma acepção aberta, integrar-se a quaisquer desses valores no âmbito da
tutela econômica.
Já em uma visão restrita, a ordem econômica deve tutelar a regulação jurídica
do intervencionismo estatal da economia de uma nação, incluindo como objeto de
proteção o próprio interesse do Estado, suscetível de concreção particularizada, dos
quais exemplos são as infrações monetárias; as transações com o exterior; o delito
fiscal, a liberdade da empresa no marco da economia do mercado, a livre
concorrência empresarial, incluindo-se dentro desse conceito os interesses coletivos,
dos quais exemplos são o consumo, o meio ambiente, dentre outros.”131
A visão restrita de proteção penal à ordem econômica. visa assegurar a
proteção dos bens supra-individuais ou coletivos, ou seja, tudo aquilo que existe
para proteger o Estado, a sua economia, política e soberania.
Este é o posicionamento de Marco Antonio Marques da Silva, ao afirmar que
as normas do direito penal econômico, responsáveis por tutelarem penalmente a
ordem econômica, “tem por objetivo proteger bens jurídicos supra-individuais, e para
tanto se socorre dos denominados crimes de perigo abstrato.132
130 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 586. 131Ibid., p. 406. 132 Ibid., p. 407.
54
E o doutrinador vai além ao afirmar que “no aspecto econômico, nos bens
jurídicos supra-individuais não há, especificamente, um dano material apreensível ou
concreto capaz de possibilitar a mensuração do mesmo. Daí, duas conseqüências
imediatas ocorrem com o direito penal econômico: a primeira, referente aos tipos
penais que são de perigo concreto ou abstrato; a segunda, a necessidade do recurso
à imputação objetiva, como única forma de relacionar-se uma ação a uma
responsabilidade penal.”133
Para Fábio André Guaragni, o direito penal econômico surgiu como “ campo
jurídico-penal destinado à tutela do bem jurídico meta-individual ‘ordem econômica’.
A ‘ordem econômica’, neste contexto, era definida como intervenção do estado na
economia. Tal concepção do bem jurídico ‘ordem econômica’, conquanto meta-
individual, deixou patente a pretensão do direito penal econômico de proteger, a
partir da constituição de um novo campo de criminalização primária, não os
interesses do pessoas integrantes da sociedade, mas sim – e sobretudo – os
interesses do próprio Estado, enquanto gestor da economia.”134
Este interesse no Estado, por sua vez, é materializado, por exemplo, na
Constituição Federal de 1988, onde o artigo 173 prevê as hipóteses em que ele
poderá intervir na ordem econômica:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definido em lei.
Independentemente do bem jurídico tutelado no direito penal econômico, há
ainda o entendimento de que a ordem econômica pode ser protegida pelo direito
administrativo e pelo direito penal, na medida em que “ambos protegem a ordem
econômica e o regular desenvolvimento do mercado, restando claro que dois (sic) 133 COSTA. José de Faria; Marco Antonio Marques da SILVA (coord.), op. cit., p. 408. 134 CÂMARA. Luiz Antonio. (coord.), op. cit., p. 151.
55
são os melhores meios preventivos de maior realizabilidade no desenvolvimento da
economia: a informação e a organização administrativa.”135
4. A criminalidade tributária como parcela da criminal idade econômica .
Dentro desta criminalidade transnacional presente atualmente no cenário
mundial, surge a indagação acerca da inserção dos delitos tributários na
criminalidade econômica, em que pese a dificuldade em apontar um critério capaz de
sustentar tal posicionamento.
A criminalidade econômica é geralmente composta de “crimes especiais ou
específicos, ou seja, é exigida a verificação de uma determinada qualidade no
agente do crime".136 Neste passo, seria perfeitamente possível enquadrar os delitos
tributários, que na maioria das vezes são praticados por intermédio de pessoas
jurídicas no rol de crimes econômicos.
É importante salientar, que a sonegação fiscal, assim como a lavagem de
dinheiro e a evasão de divisas, podem perfeitamente afetar a economia de um
determinado país, ou até mesmo, de um determinado bloco econômico, pois
“mediante a lesão patrimonial que o delito fiscal origina para a Fazenda Pública se
prejudica o bom funcionamento da intervenção pública na economia, impedindo a
consecução de uma série de fins de caráter económico (sic) e social que o Estado
persegue com a percepção dos tributos.”137
Portanto, se considerarmos o caráter genérico dos delitos econômicos, bem
como o potencial lesivo que os crimes contra a ordem tributária pode causar a um
determinado cenário econômico, é perfeitamente possível enquadrá-los como um
dos elementos formadores da criminalidade global.
135 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p. 587. 136 COSTA. José de Faria (coord.), Temas de Direito Penal Econômico, p. 210. 137 SOUSA. Susana Aires, Os crimes Fiscais, p. 273.
56
5. Experiências da Proteção Penal Tributária no dir eito estrangeiro.
A preocupação com a arrecadação tributária não existe somente no Brasil.
Numa clara demonstração de que como os recursos oriundos do pagamento dos
tributos são importantes para a ordem econômica de uma nação, outros países
também possuem a sua legislação penal sobre o tema.
Assim, ainda que de maneira sucinta, passaremos a analisar neste tópico
como a proteção penal tributária é tratada em países como Portugal e Espanha.
5.1 Direito português.
A proteção à ordem tributária em Portugal existe desde os meados do século
XIX, sendo que a Lei nº 12, de 13 de dezembro de 1844, foi a primeira norma a tratar
das sanções fiscais, ao prever em seus artigos 18º a 20º punições de caráter
administrativos, como pena de multa (art. 19) para aqueles que tinham a finalidade
de prejudicar os interesses patrimoniais da Fazenda Nacional.
Já no âmbito proteção penal tributária, apesar do Código Penal Português de
1886 fazer referência aos crimes de contrabando (art. 279) e descaminho (art. 280),
a punição para estes delitos era meramente administrativa, como por exemplo,
perdimento de mercadorias e multa.
Como assinala Susana Aires de Sousa, “a disciplina jurídica das infracções
aduaneiras sofreria importantes alterações, passadas algumas décadas, com a
publicação do Decreto-Lei nº 31.664, de 22 de Novembro de 1941, que aprovou um
novo “Contencioso Aduaneiro”. Este diploma assumiu grande importância e logo no
57
nº 2 do Relatório preambular estabelece como objectivo a nítida separação entre
responsabilidade fiscais de natureza criminal e civil.”138
Atualmente, após inúmeras legislações acerca do tema, a questão dos crimes
fiscais no direito português, encontra-se disciplinada pela Lei nº 15/2001, de 5 de
Junho que aprovou o RGIT (Regime Geral de Infrações Tributárias).
Este regulamento é composto pela parte geral (Parte I), uma parte que integra
o processo penal tributário (Parte II) e por fim a terceira parte, que versa sobre os
delitos tributários. Estes, por sua vez, dividem-se em crimes tributários comuns (arts.
87 a 91 do RGIT), crimes aduaneiros (arts. 92 a 102 do RGIT), crimes fiscais (arts.
103 a 105 do RGIT) e crimes contra a segurança social (arts. 106 e 107).
No entanto, os delitos cujas condutas ilícitas são voltadas para supressão ou
redução de tributos, ou seja, que efetivamente causam prejuízo ao erário público, e
que se assemelham aos crimes contra a ordem tributária contidos na legislação
brasileira, estão os previstos nos artigos 103 a 105 do RGIT, que seriam
respectivamente, os crimes de fraude fiscal, fraude fiscal qualificada e abuso de
confiança fiscal.
As figuras típicas do artigo 103 do RGIT, que podem ocorrer por ação ou
omissão, prevêem que constituem crime de fraude fiscal a prática de condutas que
visem “a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a
obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens
patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.”
Segundo o legislador português, esta diminuição das receitas tributárias seria
causada pelas condutas previstas nas alíneas a, b e c do artigo 103 do RGIT.139
138 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 54. 139 Art. 103... a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
58
Trata-se de um rol exemplificativo, pois “ao referir o tipo legal, que a fraude fiscal
pode ter lugar através da realização das condutas previstas nas alíneas que se
seguem, poderíamos ser induzidos pela ideia de que o legislador teria optado por um
elenco exemplificativo. Contudo, esta conclusão parece ser infirmada pelo próprio
legislador ao estabelecer no primeiro número daquela norma que constituem fraude
fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo.”140
A pena pela prática do crime no artigo 103 é três anos de prisão ou multa de
360 dias. Se a fraude por praticada por meio de pessoa jurídica, ainda que
constituída irregularmente, a pena de multa é majorada para de 20 a 720 dias, nos
termos do §3º do artigo 12, do RGIT. É oportuno salientar que a pena de multa de
120 dias de prisão corresponde a um ano de prisão.
Sobre a consumação referente ao crime de fraude fiscal, a mesma ocorre
“quando a ocultação ou alteração de factos ou valores tributários saem do domínio
do agente,”141ou seja, quando o contribuinte realiza a entrega dos documentos
fiscais com omissão ou informações falsas ao agente tributário. Já a punição, a
exemplo do que ocorre nos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, só ocorre a título de
dolo.
Outro aspecto importante sobre este delito encontra-se previsto no §2º do
artigo 103, que prevê que “os factos previstos nos números anteriores não são
puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000 euros.”
Continuando a análise dos crimes de fraude fiscal, no artigo 104 do RGIT há a
previsão da forma qualificada deste delito ao dispor que “os factos previstos no artigo
anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 140 SOUSA. Susana Aires, Os Crimes Fiscais, p. 79. 141 Ibid., P. 84.
59
multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a
acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:”
Já nas alíneas ‘a’ a ‘g’, encontram-se as circunstâncias qualificadores da
fraude fiscal,142 sendo que a pena, nestas hipóteses, será de prisão de cincos anos
para pessoas físicas e multa de 240 a 1200 dias para pessoas jurídicas, quando
forem praticadas mais de uma das condutas previstas nas alíneas citadas.
Para que ocorra a fraude fiscal qualificada, não basta a incidência de apenas
uma das hipóteses previstas no artigo 104. É necessário que duas ou mais
qualificadoras se unam à figura típica do artigo 103 do RGIT.
Ainda sobre a fraude qualificada, pela leitura do artigo 104, percebe-se que o
rol apresentado pelo legislador é taxativo, na medida em que este determina quais
são as circunstâncias que agravam o delito e, consequentemente, aumentam a pena
do agente.
Por fim, o RGIT traz em seu artigo 105 o crime de abuso de confiança que
ocorre quando o agente não entrega “à administração tributária, total ou
parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos
termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.”
142 Art. 104. 1-.... a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções; c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
60
Trata-se de um típico delito de apropriação indébita ou de substituição
tributária, onde o legislador português procurou “impedir e prevenir o desvio de
créditos tributários punindo-se o agente que violar a específica relação de confiança
pelo facto de não entregar à Administração Fiscal as quantias que recebeu e
deduziu.”143
Outrossim, para a configuração do artigo 105, o legislador português elencou
no nº 4º144 duas condições de punibilidade, ou seja, requisitos para que a conduta do
agente torne-se punível na esfera penal.
A primeira delas é que só haverá crime após o decurso do prazo de 90 dias
para o recolhimento do tributo aos cofres públicos, ou seja, o crime de abuso de
confiança fiscal somente restará consumado após o transcurso deste prazo. Caso o
recolhimento ocorra dentro deste lapso temporal, o agente deve responder apenas
pela contra-ordenação prevista no artigo 114, nº 1, do RGIT, que prevê que dispõe
que “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período
superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da
prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o
valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite
máximo abstractamente estabelecido.”
A outra hipótese de condição de punibilidade elencada no nº 4, alínea b, do
artigo 105, é a que determina que o agente, que declarou corretamente ao fisco o
valor dos tributos, mas sem contudo proceder o seu recolhimento, somente será
punido penalmente após o lapso temporal de 30 dias contados da respectiva
notificação da autoridade fazendária.
143 MARQUES. Paulo, Crime de Abuso de Confiança Fiscal, p. 38. 144 Art. 105... 4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
61
Segundo Paulo Marques, este dispositivo legal demonstra “que o sistema
penal fiscal privilegia e incentiva o cumprimento das obrigações fiscais (principiais
e/ou acessórias), recorrendo-se aos instrumentos coactivos penais apenas quando a
colaboração dos contribuintes não é conseguida num patamar aceitável (Princípio da
subsidiariedade do Direito Penal), sendo então uma espécie de crime de
desobediência em face da notificação emitida pela Administração Tributária.”145
Sobre a pena pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, o artigo 105
do RGIT prevê uma sanção de prisão de até três anos ou multa de até 360 dias.
Caso valor do tributo não entregue aos cofres públicos seja superior a 50000 euros,
a pena, nos termos do nº 5 do mesmo artigo 105, será de prisão de um a cinco anos
e de multa de 240 a 1200 dias, caso o agente seja pessoa jurídica.
5.2 Direito espanhol.
Os delitos contra a Fazenda Pública e a Seguridade Social na legislação
espanhola, encontram-se previstos no Título XIV do Livro II do Código Penal
espanhol, mas precisamente entre os artigos 305 (fraude tributária); artigo 306
(fraude aos pressupostos da Comunidade Européia); 307 (fraude contra a
seguridade social) e artigo 308 (fraude contra os fundos da Comunidade Européia).
Para o objeto de estudo deste trabalho, faremos a partir de agora uma análise
do artigo 305 do Código Penal espanhol, que dispõe sobre a fraude fiscal
(defraudacion tributaria).
Este dispositivo legal visa punir “aquele que, por ação ou omissão, frauda a
Fazenda Pública autônoma e local, iludindo o pagamento de tributos, bem como que
viola a obrigação de reter, ou de reter e entregar, total ou parcialmente,
determinadas quantias a título de imposto ou ainda obtendo indevidamente
devoluções, bem como desfrutando de benefícios fiscais da mesma natureza, desde 145 MARQUES. Paulo, op.cit., p. 126.
62
que o valor da fraude ou do respectivo benefício indevido seja superior a cento e
vinte mil euros.”
As condutas típicas previstas no artigo em comento são primeiramente a obter
a vantagem ilícita no pagamento de tributos, através de ação ou da omissão do
agente, que segundo Susana Aires de Souza, ao discorrer sobre o tema, podem ser
“através omissão de factos com relevância tributária ou mediante a utilização de
dados falsos.”146
Ainda nos termos do artigo 305 do Código Penal espanhol, a fraude tributária
ocorre quando o agente retém, ou retém e não repassa aos cofres públicos impostos
por ele recolhidos na qualidade de substituto tributário.
Por fim, a fraude tributária, nos termos do citado artigo, pode ocorrer ainda em
casos de obtenção de benefícios fiscais e reembolsos ilegais que causem prejuízo
ao erário público.
Pela a breve análise da legislação espanhola que trata dos crimes tributários,
é possível perceber a preocupação do legislador em proteger à ordem tributária
daquele país, sem contudo deixar de estabelecer uma nítida fronteira entre o direito
penal e o direito administrativo sancionador, na medida em que as condutas acima
descritas somente receberão a tutela penal, caso o valor do tributo sonegado ou do
benefício obtido ilegalmente seja superior a cento e vinte mil euros.
Assim, caso o valor da fraude seja inferior a este quantia, o agente
responderá apenas pelas sanções cabíveis na esfera administrativa.
Sobre as penas aplicadas pela prática dos crimes elencados no artigo 305 do
Código Penal, as mesmas são cumulativas, ou seja, prisão de um a cinco anos e
146 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 159.
63
multa de até ao sêxtuplo da quantia sonegada. No entanto, estas penas poderão ser
agravadas pela metade, se ocorrem as hipóteses previstas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do
artigo 305, quais sejam: a utilização de terceiros com o intuito de ocultar a identidade
do verdadeiro agente e a grávida da fraude fiscal praticada em virtude do valor
sonegado, bem como a existência de uma estrutura organizada que a arrecadação
do Estado.
Além disso, a Lei nº 15/2003, acrescentou ao citado artigo, que, além das
penas ora citadas, o agente condenado pela prática de fraude fiscal, ficará pelo
período de três a seis anos, impossibilitado de obter subsídios estatais, bem como
gozar de benefícios e incentivos fiscais concedidos pela Seguridade Social.
Por fim, a lei penal espanhola prevê ainda no nº 4 do artigo 305 do Código
Penal, a possibilidade da extinção da punibilidade do agente mediante o pagamento
do débito tributário, desde que antes da notificação pela administração tributária do
início do processo administrativa, ou, na ausência deste, do início do processo penal.
64
CAPÍTULO III - PREVISÃO LEGAL E SISTEMA PENAL DE PR OTEÇÃO À
ORDEM JURÍDICA TRIBUTÁRIA.
1. A tutela penal das obrigações tributárias na Con stituição Federal.
Para que um determinado bem jurídico recebe a tutela penal do Estado, é
necessário primeiramente verificar a sua importância perante as relações sociais,
pois “em um Estado democrático e social de Direito, a tutela penal não pode vir
dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica
constitucional, quando socialmente necessária.”147
Já é sabido que “as Constituições contemporâneas tem uma série de
preceitos destinados a alargar a incidência do direito criminal no sentido de fazê-lo
um instrumento de proteção de direitos coletivos, cuja tutela se impõe para que haja
uma justiça mais autêntica, ou seja, para que se atendam as exigências de Justiça
material.”148
No que tange às Obrigações Tributárias, a sua proteção está embasada
dentro do ordenamento do Estado como “um sistema destinado, essencialmente, a
servir de instrumento ao alcance das metas de justiça e igualdade sociais.149Tanto
que dentro da atividade financeira do Estado, a arrecadação tributária mostra-se
atualmente essencial para o custeio dos programas sociais destinados,
principalmente, à concretização da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, a Constituição Federal de 1988, em artigo 170, tutela a ordem
econômica, ao prever que esta tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.
147 PRADO. Luiz Regis, Bem Jurídico-Penal e Constituição, p. 72. 148 LUISI. LUIZ, Os Princípios Constitucionais Penais, p. 57. 149 SALOMÃO. Heloisa Estellita, A Tutela penal e as Obrigações Tributárias na Consituição Federal, p. 180.
65
Já em relação a ordem tributária, o fundamento constitucional primário de sua
imposição encontra-se previsto no art. 3º, I a IV da Constituição, que estabelece os
objetivos fundamentais do Estado, dentre eles a construção de uma sociedade livre,
solidária, isenta de pobreza e desigualdades sociais, além da construção do bem de
todos.
O alcance destes objetivos elencados na Carta Constitucional demonstra a
importância da arrecadação tributária dentro do atual cenário nacional, pois são os
tributos recolhidos aos cofres que irão subsidiar a máquina estatal neste sentido.
Assim, arrecadação tributária “representa um valor superindividual, com
relevância constitucional e indiretamente reconduzível à pessoa humana, apto,
portanto, a ser tutelado com o emprego da sanção penal, ou seja, sob o ãngulo do
merecimento de pena.”150
No entanto, é oportuno salientar que a tutela penal referente á ordem tributária
somente deve recair sobre as condutas graves, praticadas dolosamente no sentido
de fraudar o erário público. Esta assertiva é importante para se evitar o emprego da
tutela penal contra o mero inadimplemento da obrigação principal de pagar o tributo.
2. Conceito de direito tributário.
Conforme explanado, é inegável a importância do direito tributário dentro do
cenário econômico de um país, tanto que, no Brasil, a sua proteção é assegurada
pelo direito penal.
150 SALOMÃO. Heloisa Estellita. op. cit., p. 188.
66
Paro Luciano Amaro, “direito tributário é a disciplina jurídica dos tributos. Com
isso se abrange todo o conjunto de princípios e normas reguladores da criação,
fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária.”151
Já para Rubens Gomes de Sousa, direito tributário é o “ramo do direito público
que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da
atividade financeira do Estado no que se refere à obtenção de receitas que
correspondam ao conceito de tributos.”152
No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado, ao defender que a relação
tributária é uma relação jurídica, razão pela qual o tributo é pago em cumprimento a
um dever jurídico e não social153, conceitua o Direito Tributário “como o ramo do
Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições
tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão
contra os abusos desse poder.154
Paulo de Barros de Carvalho vai além ao definir que “direito tributário positivo
é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto de proposições
jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição,
arrecadação e fiscalização de tributos.”155
Percebe-se assim, que todos os doutrinadores visualizam o direito tributário
como um ramo do direito destinado a disciplinar a relação jurídica entre Estado e
particular, e vice-versa, voltada à arrecadação tributária. Seria uma bifurcação do
Direito Financeiro, sendo este mais abrangente.
151 AMARO. Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 2. 152 SOUZA. Rubens Gomes de, Compêndio de legislação tributária, p. 40. 153 Cf. MACHADO. Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, p. 58. 154 Ibid., p. 59 155 CARVALHO. Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, p. 15.
67
Além desta relação entre Estado e contribuinte, o direito tributário manteria
relações com outros ramos do direito, como o civil, administrativo, trabalho e,
principalmente, o direito penal, como cita Luciano Amaro:
O direito penal, além de sancionar criminalmente os ilícitos tributários
considerados mais graves, fornece ao direito dos tributos um conjunto de
princípios extremamente útil no campo das infrações e penalidade fiscais de
caráter não delituoso.156
Contudo os conceitos apresentados são mais amplos, sendo que o direito
tributário não se restringe apenas a disciplinar a relação entre o fisco e contribuinte,
tendo em vista que a sua finalidade é “promover o equilíbrio nas relações entre os
que têm e os que não têm poder.157
2.1 Princípios constitucionais orientadores da orde m tributária.
“Etimologicamente, o termo ‘princípio’ (do latim principium, principii) encerra a
idéia de começo, origem, base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o
fundamento (causa) de um processo qualquer. (...) Por igual modo, em qualquer
Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre a figura
de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração
de algo. Nessa medida, é, ainda, pedra angular de qualquer sistema.”158
Os princípios constitucionais orientadores da ordem tributária devem ser
entendidos como mecanismos voltados a limitar a atividade do legislador na criação
dos tributos, ou seja, seria uma limitação à competência tributária, expressamente
prevista na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 150 a 152, (Limitações ao
Poder de Tributar).
156 AMARO. Luciano, op. cit., p. 13. 157 MACHADO. Hugo de Brito., Curso de Direito Tributário, p. 59. 158 CARRAZZA. Roque Antonio, op. cit., p. 30.
68
Conforme observa Luciano Amaro, “o exercício do poder de tributar supõe o
respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição
Federal e a obediência às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que
complementam a demarcação desse campo e balizam o exercício daquele poder.159
Ainda sobre os princípios orientadores da ordem tributária, deve ficar
consignado que “são preposições que atingem um grau praticamente exaustivo de
normatividade.”160, ou seja, que não dependem de outras explicações para se definir
a sua extensão de aplicação.
Dentre os princípios constitucionais que orientam a ordem tributária,
destacam-se os seguintes:
2.1.1 Princípio da legalidade
Trata-se do enunciado fundamental para elaboração de qualquer norma
tendente a disciplinar as relações sociais, e em especial, a ordem tributária, e tem a
sua origem histórica na Inglaterra, mais precisamente na Carta Magna de 1215, do
Rei João Sem Terra. Na oportunidade os barões impuseram ao rei a necessidade de
obtenção prévia de autorização dos súditos para a cobrança de tributos
Nos dias atuais, a sua previsão constitucional no inciso I, do artigo 150, da
Constituição Federal, cuja redação menciona, em linhas gerais, que é vedado exigir
ou aumentar tributo senão em virtude de lei.
Em que pese legalidade tributária, através da limitação ao poder de tributar,
visar evitar que a segurança jurídica seja ofendida, o mais importante neste contexto,
159 AMARO. Luciano, Direito Tributário Brasileiro, p. 106. 160 Ibid., p. 110.
69
é verificar a semelhança do princípio constitucional da legalidade em matéria
tributária, com a legalidade voltada para o Direito Penal, prevista no artigo 5º, XXXIX,
da CF.
.
Heloísa Estellita Salomão afirma que há “semelhança política, ideológica e,
até, jurídica entre a estrita legalidade penal e a estrita legalidade tributária. Naquele
garante-se energicamente a liberdade; neste a propriedade, ambos direitos
fundamentais do homem (art. 5º , caput, da CF).”161
A legalidade tributária, como já visto acima, visa proteger o patrimônio dos
contribuintes, ao determinar que a tributação só deve incidir em hipóteses previstas
em lei, ou seja, somente esta é que pode determinar o fato gerador, a hipótese de
incidência, alíquota, o órgão competente para arrecadar e fiscalizar a arrecadação,
bem como cominar as sanções cabíveis em caso de descumprimento da regra
tributária.
2.1.2 Princípio da irretroatividade .
O princípio da irretroatividade tributária encontra-se previsto no artigo 150, III,
“a”, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual é vedado cobrar um tributo
sobre fatos geradores ocorridos antes da entrada em vigor da lei que os instituiu ou
que determinou o seu aumento.
Visa-se este princípio, por exemplo, que um determinado fato sofra a
incidência de um tributo criado por uma lei posterior ao seu acontecimento, ou seja, o
princípio da irretroatividade veda a aplicação da lei tributária a fatos passados.
161 SALOMÃO. Heloisa Estellita, op. cit., p. 138.
70
2.1.3 Principio da anterioridade.
A anterioridade da lei tributária, segundo Heloísa Estellita Salomão,
“estabelece a exigência de que a cobrança do tributo ou seu aumento somente
possam ser feitos no exercício financeiro posterior à entrada em vigor da lei que os
houver instituído ou aumentado”.162
Trata-se de uma forma de limitação ao poder de tributar, mas que, contudo,
admite exceções, como as previstas nos artigos 148, I, 150, § 1º da CF.
2.1.4 Princípio da isonomia.
Nos termos do artigo 150, II, da CF, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios “instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.”
Este comando constitucional materializa o princípio da isonomia tributária, que
nada mais é que uma reafirmação da norma contida no caput do artigo 5º da CF e
que impõe tratamento igual aos iguais.
3. Ordem tributária e proteção penal.
Dentre as funções e deveres do Estado, encontra-se a proteção aos bens
jurídicos “próprios e os de todos que se submetem a sua soberania.”163 Esta
proteção, por sua vez, é manifestada por meio das normas elaboradas pelo próprio
Estado e que visam, além de proteger o ordenamento jurídico, delimitar direitos e
162 SALOMÃO. Heloisa Estellita, op. cit., p. 139. 163 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 18.
71
obrigações de cada individuo, impondo para tanto, a aplicação de uma reprimenda,
penal ou administrativa.
Já esta reprimenda, materializada por intermédio da sanção, que em
nenhuma hipótese pode ofender os direitos e garantias individuais previstos no artigo
5º da CF, nada mais seria que o resultado da execução da norma criada manter o
ordenamento jurídico de forma harmônica.
Estas normas, que cuidam da manutenção do ordenamento jurídico, bem
como das reprimendas, formam o Direito Penal. Este, consequentemente, subdivide-
se em diversos ramos, especialmente o Direito Tributário. Assim, ao juntarmos o
Direito Penal e o Direito Tributário, teremos um ramo do direito voltado à proteção
penal da ordem tributária.
Contudo, antes de entrarmos na questão da proteção penal à ordem tributária,
é oportuno colacionar o conceito deste instituto.
A palavra ordem, contida na expressão “ordem tributária” tem o mesmo
significado que tem na expressão “ordem jurídica”. Segundo Hugo de Brito Machado,
“enquanto a expressão ordem jurídica designa o conjunto sistematizado de normas
que compõem o direito positivo de um Estado, a expressão ordem tributária designa
o conjunto das normas que disciplinam o exercício do seu poder de tributar.”164
Desta forma, assim como a ordem jurídica visa disciplinar como um todo, as
relações existentes entre os três entes públicos que formam um Estado, quais sejam,
união, estados e municípios, a ordem tributária atua nestes níveis de organização
política, como responsável por todo ordenamento de leis vinculadas à atividade de
tributação.
164 MACHADO. Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, p. 135.
72
Já a competência para exercer a atividade de tributação no Brasil é totalmente
do Estado, sendo que se torna assim, uma atividade indivisível e ligada à soberania
nacional, ou seja, o Estado não pode delegar a um terceiro a tarefa de criar leis que
instituam e aumentam tributos, bem como isenções.
Logo, quando uma determinada conduta ofende ordem tributária, a mesma
está ofendendo a soberania de um Estado, pois a mesma compõe toda a esfera de
tributação, seja da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, nada mais
salutar que, para protegê-la, bem como a atividade de tributação, o Estado lance
mão do direito penal.
Não obstante a isso, dentro desta proteção dispensada à ordem tributária,
surge o bem jurídico a ser tutelado por esta através da seara penal, que num
primeiro momento pode parecer que este bem seria o interesse do Estado na
arrecadação tributária, devido à importância que os tributos possuem na atividade
estatal em busca de um bem como em favor da sociedade.
Este é o pensamento de Luiz Regis Prado ao afirmar que “a tutela penal da
ordem tributária se encontra justificada pela natureza supraindividual, de cariz
institucional, do bem jurídico, em razão de que são os recursos auferidos das
receitas tributárias que darão o respaldo econômico necessário para a realização
das atividades destinadas a atender às necessidades sociais. Tal assertativa é
corroborada pela proteção constitucional conferida à ordem tributária (art. 170 da
CF).”165
Em termos de estudo comparado, Susana Aires de Sousa, ao discorrer sobre
o tema no direito português afirma que “o bem jurídico-penal protegido pelos crimes
fiscais coincide, assim, a nosso ver, com a obtenção das receitas fiscais.”166
165 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 265. 166 SOUSA. Susana Aires de, op. cit., p. 299.
73
Contudo, diante do conceito de ordem tributária exposto a pouco, não seria
correto dizer que ao proteger bem jurídico tributário, o direito penal estaria
protegendo exclusivamente o interesse da Administração Pública na arrecadação de
tributos. Se assim fosse, não haveria como justificar a previsão de crime contra a
ordem tributária, das condutas praticadas pelos funcionários públicos praticadas
contra a administração, como as previstas no artigo 3º da Lei nº 8.137/90, ou
mesmo, no caso do crime de excesso de exação, previsto no parágrafo único do
artigo 316 do Código Penal.
Hugo de Brito Machado afirma que “realmente, nos crimes contra a ordem
tributária, como esta expressão bem diz, o bem jurídico protegido é a ordem
tributária e não o interesse na arrecadação do tributo. A ordem tributária, como bem
jurídico protegido pela norma que criminaliza o ilícito tributário, não se confunde com
o interesse da Fazenda Pública. A ordem tributária é o conjunto das normas jurídicas
concernentes à tributação. É uma ordem jurídica, portanto, e não um contexto de
arbítrio. É um conjunto de normas que constituem limites ao poder de tributar e,
assim, não pode ser considerado instrumento do interesse exclusivo da Fazenda
Pública como parte nas relações de tributação.”167
Portanto, observa-se que a proteção à ordem tributária, além de tutelar o
interesse da administração pública na arrecadação de tributos, abrange também todo
um ramo do serviço público voltado às normas que regem a tributação, o que
demonstra que o interesse do Estado está muito acima do dever de cobrar tributos
do particular. Isso pode ser comprovado pela proteção que o direito penal dispensa
tanto ao interesse da fazenda pública na arrecadação, quanto na proteção do
particular ou contribuinte que, na maioria das vezes, é a parte hipossuficiente desta
relação.
167 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 23.
74
3.1 Tipos penais tributários.
Os tipos penais responsáveis pela proteção à ordem tributária encontram-se
elencados nos artigos 1º a 3º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.
Dentre estes, os artigos 1º e 2º versam sobre os crimes praticados por
particulares contra a fazenda pública, sendo que os tipos penais tributários estão
previstos no caput do artigo 1º.
3.1.1 A figura típica do artigo 1º.
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo,
ou contribuição social e qualquer acessório, median te as seguintes
condutas : (grifo nosso)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou
omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela
lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba
ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou
documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de
serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no
prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da
75
maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao
atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
As primeiras condutas típicas previstas no caput artigo 1º são as de suprimir e
reduzir tributos, ou contribuição social e qualquer acessório. Já nos incisos,
encontram-se elencadas as diversas hipóteses pelas quais isso pode acontecer.
Pela leitura do referido dispositivo legal, “verifica-se que as condutas neles
previstas podem ser omissivas, comissivas ou ambas, implicando a prática de várias
delas em um único crime, desde que se refiram a um mesmo objeto ou fato
imponível.”168
Ainda sobre os tipos penais previstos no artigo 1º, Suprimir, segundo Luiz
Regis Prado, “significa omitir, não cumprir a obrigação tributária devida, não recolher
o que deveria ter sido pago. É evasão total.” Já a redução, segundo o mesmo autor,
“equivale a diminuir, restringir o quantum de tributo a ser recolhido, É a inadimplência
parcial ou incompleta da obrigação por parte do devedor.”169
É importante frisar que “se a conduta não tem o condão de reduzir ou de
suprimir o tributo, ou seja, se não produz resultado algum em relação aos tributos
e/ou acessórios, inexiste a figura típica.”170
Observa-se ainda que a fraude é um elemento essencial para a ocorrência
dos crimes contra a ordem tributária, sendo que a supressão ou redução de tributos,
contribuição social ou qualquer acessório, devem decorrer essencialmente de
comportamento anterior fraudulento e doloso, sob pena da conduta do agente ser
atípica.
168 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 243. 169 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 273. 170 LOVATTO. Alécio Adão, Crimes Tributários. Aspectos Criminais e Processuais, p. 96.
76
Passaremos agora, a análise das condutas previstas nos incisos I a V, do
artigo 1º da Lei nº 8.137/90.
3.1.2 Modalidades específicas de condutas
3.1.2.1 Inciso I – Omissão ou prestação de informaç ão falsa.
No inciso I, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, encontram-se previstas duas
modalidades de condutas pelas quais poder ocorrer a supressão ou redução de um
tributo.
A primeira delas é a omissão de informações às autoridades fazendárias,
sendo esta portanto, uma conduta omissiva. Já a segunda, é a prestação de
informações falsas, que é uma conduta comissiva. Ambas, para serem
caracterizadas como crime tributário, devem que ser praticadas com finalidade a
reduzir ou suprimir tributo.
As situações em questão podem ocorrer no lançamento por declaração ou
misto, previsto no artigo 147 do CTN, e que “é efetuado com base na declaração do
sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária,
presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis
à sua efetivação.”171
Esta modalidade de lançamento é materializada na declaração de imposto de
renda, onde “o contribuinte, por meio de uma declaração, presta informações sobre
as matérias de fato e o fisco ou a autoridade administrativa, com base na declaração,
efetua o lançamento, razão por que é denominado de lançamento por declaração.”172
171 ICHIHARA. Yoshiaki, Direito Tributário, p. 138. 172 Ibid., p. 138.
77
Um exemplo clássico desta conduta ocorre quando o contribuinte, visando
aumentar a sua restituição de imposto de renda, lança mão em sua declaração de
renda, de recibos médicos falsificados. Outro exemplo é a do profissional liberal que
omite a receita oriunda de uma prestação de serviços.
Há ainda os casos envolvendo o Imposto sobre a circulação de mercadorias –
ICMS e o Imposto sobre Importação – IPI, onde o contribuinte informa as operações
realizadas, realiza o pagamento dos tributos com base nas mesmas, cabendo ao
fisco realizar a homologação em momento posterior. Logo, se nesta declaração
houver a omissão ou a prestação de informações falsas, certamente o valor a ser
recolhido aos cofres públicos será suprimido ou reduzido, dependendo da
circunstância.
Conforme assevera Aliomar Baleeiro, “até prova em contrário (e também são
provas os indícios e as presunções veementes), o Fisco aceita a palavra do sujeito
passivo, em sua declaração, ressalvado o controle posterior, inclusive nos casos do
art. 149 do CTN.”173
De outra sorte, não há que se falar em sonegação fiscal, se o sócio de uma
determinada empresa, v.g. deixa de recolher os impostos ao fisco sem que haja para
tanto a prestação de informações falsas ou omissão destas. É o que acontece, por
exemplo, na modalidade de imposto de renda de pessoa jurídica que foram
declarado e não pago, onde o sujeito passivo da obrigação tributária não pratica
nenhuma omissão ou prestação de informação falsa na sua declaração de imposto
de renda.
Contudo, por não possuir recursos financeiros para arcar com o pagamento
dos tributos oriundos da obtenção das receitas, o contribuinte simplesmente não
realiza os respectivos recolhidos, sendo que neste, somente caberá a cobrança da
dívida da esfera tributária.
173 BALEEIRO. Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, p. 513.
78
Estes são alguns exemplos de omissão ou de prestação de informações
falsas às autoridades fazendárias, sendo que o mais importante neste momento é
estabelecer a premissa de que estas condutas, para caracterizarem a ocorrência do
delito previsto no inciso I, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, devem causar o efetivo
prejuízo ao Erário Público, por meio da supressão ou redução de um tributo, na
medida em que se trata de um crime material.
Roberto Delmanto expõe bem este raciocino:
Pune-se a conduta daquele que, através da prática de quaisquer das
condutas descritas nos incisos I a V, causar a supressão ou a redução do
tributo ou contribuição social, sendo que este resultado imprescindível à
caracterização do crime.174
Os nossos tribunais também têm se manifestado neste sentido:
...
O tipo penal exige a ocultação fraudulenta de dado patrimonial relevante no
bojo da própria declaração, com a finalidade de obstar a fiscalização do
Estado. Precedente da 1ª Seção desta Corte.175
...
Tendo o réu apresentado sucessivas declarações de imposto de renda como
(sic) omissões de grande parte de seus bens, o mesmo acarretou efetivo
prejuízo ao erário, ao não realizar o recolhimento do tributo devido, realizando
a conduta do art. 1º, I, da lei .º 8.137/90.”176
174 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 242. 175 ACR – 15369 – 2ª Turma do TRF da 3ª Região – Des. Federal Cotrim Guimarães. 176 ACR – 16382 – 2ª Turma do TRF da 3ª Região – Des. Federal Cotrim Guimarães.
79
No entanto, na hipótese de ocorrer apenas a inserção de elementos inexatos
ou a omissão de informações, sem que haja o resultado sonegação, nós estaremos
diante do crime definido no artigo 2º, I, da referida lei, e que será objeto de estudo
nos próximo item deste capítulo.
Por fim, a título de ilustração, é importante ressaltar que se, a omissão ou a
prestação de informações falsas versarem sobre contribuições previdenciárias, nós
estaremos diante da ocorrência do delito previsto no artigo 337-A do Código Penal.
3.1.2.2 Inciso II – Fraude pela inserção de element os inexatos ou pela
omissão de operação.
No inciso II, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 prevê mais uma modalidade de
supressão ou redução de tributos, qual seja, “fraudar a fiscalização tributária,
inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em
documento ou livro exigido pela lei fiscal.”
Pela simples leitura do referido dispositivo, percebe-se uma semelhança com
o inciso I do mesmo artigo 1º. Contudo, enquanto naquele a supressão ou redução
do tributo são realizadas pela simples omissão ou prestação/declaração de
informações falsas às autoridades fazendárias, aqui, o delito resta configurado
quando a omissão ou a inserção de elementos ocorre em documentos ou livros
fiscais exigidos pela lei fiscal, sendo que desta forma, percebe-se que o inciso II é
mais abrangente que o inciso I.
O tipo penal em questão caracteriza-se ainda pela fraude de lesar o Erário
Público. Por fraude podemos entender como o “artifício, que é a utilização de um
80
aparato que modifica, aparentemente, o aspecto material da coisa ou da situação
etc.”177
Ainda sobre a fraude, mas especificamente sobre a prevista no inciso II, do
artigo 1º, Alécio Adão Lovatto, afirma que ela “ocorre pela falsidade de ação (inserir
elementos inexatos) ou de omissão (omitir operações) nos documentos onde deveria
constar a verdade ou onde deveria estar registrada a operação.”178
Na inserção de elementos inexatos em documentos ou livros fiscais exigidos
pela lei fiscal, nós temos uma conduta de natureza comissiva. Já na omissão, que se
caracteriza pela ação de não mencionar ou não incluir os fatos em livros e
documentos fiscais, a conduta é de índole omissiva. Para Roberto Delmanto, “nesta
modalidade, o crime seria comissivo por omissão (também chamado de omissivo
impróprio), ou seja, o agente comete uma fraude (com resultado naturalístico)
mediante uma omissão.”179
Como exemplos típicos destas duas condutas, nós temos os seguintes casos:
a) Ausência de registro de entrada e saída de mercadorias nos respectivos
livros fiscais.
Nessa hipótese, o autor do delito adquire mercadorias sem notas fiscais,
inserindo-as em seu estoque e posteriormente, as revende em seu comércio, sem
contudo realizar os registros nos livros de entrada e saída. Esta pratica, por não ser
escriturada contabilmente, acarreta na supressão de tributos, na medida em que há
uma omissão de informações que impossibilita o fisco de realizar a cobrança do
tributo oriundo destas informações.
177 MIRABETTE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p.1549. 178 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 104. 179 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentados, p. 257.
81
b) Nota “espelhada” ou “calçada”.
Exemplo clássico de redução de tributos, mediante a inserção de elementos
inexatos em documento exigido pela lei fiscal. Nesta prática, o agente insere na via
da nota fiscal destinada ao consumidor, o valor correto da operação. Já na via cativa,
ou seja, aquela que fica retida no bloco, que posteriormente será objeto de análise
pelo fisco, o valor da operação é registrado a menor, o que acarreta no recolhimento
a menor do respectivo tributo.
Ainda sobre o tema, a jurisprudência se manifesta no seguinte sentido:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº
8.137/90. VIOLAÇÃO AO ART. 619, DO CPP. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA
DEVIDAMENTE PREQUESTIONADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA EM
RAZÃO DA AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
DOSIMETRIA DA PENA-BASE. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO
DA PENA. ATENUANTE DO ART. 65, III, "D", DO CP. NÃO INCIDÊNCIA.
AUSÊNCIA DE CONFISSÃO. FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA. CRITÉRIO
BIFÁSICO. QUANTUM DO DIA-MULTA. PROPORCIONALIDADE COM A
PENA-BASE. INOCORRÊNCIA. PENA PECUNIÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO.
I...
II - Se o v. acórdão recorrido demonstrou de forma funda mentada o
animus do recorrente consistente na inserção de inf ormações falsas nas
Declarações de Contribuições de Tributos Federais ( DCTF), resta
devidamente caracterizado o delito tipificado no ar t. 1º, I, da Lei nº
8.137/90.
III...
IV...
V...
82
VI...180
Sobre a fiscalização tributária, que seria o órgão atingido pelas condutas ora
expostas, tem que se que ela “deve ser entendida como o corpo administrativo
responsável pela verificação da regularidade das operações do sujeito passivo,
abrangendo tanto o órgão arrecadador, abstrata e institucionalmente considerado,
quando seus agentes imbuídos das atribuições de fiscalização, auditoria, revisão e
julgamento dos fatos objeto de tributação.”181
Já no que tange às operações de qualquer natureza, é oportuno ressaltar que,
em que pese o dispositivo legal em comento não mencionar, é óbvio que o mesmo
se refere às operações que configurem o fato gerador de uma obrigação tributária.
E, além disso, “não é operação de qualquer natureza que pode tipificar o
crime de sonegação fiscal, mas somente aquela operação sobre a qual houver a
incidência de tributo. Em idêntico sentido, somente o registro de fatos tributáveis em
livros e documentos obrigatórios é que pode repercutir na caracterização do crime do
Artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.”182
Por fim, sobre os documentos e livros exigidos pela lei fiscal, observa-se que
estamos diante de uma norma penal em branco, cabendo assim à legislação
tributária federal, estadual e municipal definir quais seriam os livros e documentos
exigidos na operação de cada tributo.
180 HC nº 91.219/PE – 5ª Turma do STJ – Ministro Relator Felix Fischer. 181 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 275. 182 COSTA. Claudio, Crimes de Sonegação Fiscal, p. 83.
83
3.1.2.3 Inciso III – Falsificação ou alteração de q ualquer documento
destinado à operação fiscal.
O tipo penal previsto no inciso III, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, prevê a
redução ou supressão de tributos por meio da falsidade material. A conduta em
questão é “falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou
qualquer outro documento relativo à operação tributável”.
Pela leitura do dispositivo legal acima citado, nós podemos observar que o
delito de sonegação fiscal “consubstancia-se nos núcleos verbais falsificar ou alterar.
A falsificação pode-se dar mediante contrafação (fabricação de uma cópia falsa
similar a um modelo verdadeiro) ou fabricação (formação de um documento falso ao
qual não corresponda um verdadeiro semelhante). A alteração consiste na
modificação, pelo acréscimo, adulteração ou supressão, de partes do conteúdo do
documento, v.g., rasura de valores, modificação de datas, de modo a adulterar seu
sentido original, levando-o a exprimir coisa diferente do que primitivamente
atestava.”183
Ainda sobre o tipo penal previsto no inciso III, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90,
ressalta-se que a falsidade pode ser material ou ideológica. “Na falsidade material, o
que se frauda é a própria forma do documento, que é alterada, no todo ou em parte,
ou é forjada pelo agente, que cria um documento novo.184
Um exemplo desta conduta ocorre quando uma nota fiscal é “montada”, para
justificar a venda de um produto por uma empresa que não está regularmente
constituída. Assim, tendo em vista que esta empresa não pode emitir um documento
fiscal, os respectivos dados contidos neste documento, como CNPJ, Inscrição
estadual e municipal, o número de série da nota fiscal e até a autorização da
repartição fazendária para a confecção da nota fiscal de outras empresas são
utilizados para se fabricar uma nota fiscal da empresa irregular. Neste caso, “o 183 PRADO. Luiz Régis, Direito Penal Econômico, p. 276. 184 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 261.
84
documento é falso, não gerando efeito aquilo que é inserido,”185 mesmo que o
respectivo conteúdo inserido, seja verdadeiro.
Já na falsidade ideológica, “ao contrário, a forma do documento é verdadeira,
mas o seu conteúdo é falso, isto é, a idéia ou a declaração que o documento contém
não corresponde a verdade.”186 Exemplo clássico desta conduta é a nota fiscal
“calçada” ou “espelhada”, citada em tópicos anteriores.
É oportuno frisar ainda que as falsidades previstas no inciso III, do artigo 1º da
Lei nº 8.137/90, para que surtam efeitos penais, devem primeiramente terem o
condão de iludir o fisco, ou seja, o falsum deve ser capaz de enganar a
administração tributária.
Além disso, os documentos falsos ou alterados devem ser necessariamente
utilizados para suprimir ou reduzir tributos, pois caso contrário não há que falar em
crime contra a ordem tributária. É o que acontece, v.g. com uma empresa que
“recebe uma nota fria e arquiva, mas diante de seus termos suspeitosos opta por não
incluir seus valores em eventuais compensações de tributo, ou seja, não a utiliza
para o fim de suprimir ou reduzir imposto, o crime não se consuma. É necessária,
nesta hipótese, a efetiva utilização do documento fiscal falso.”187
3.1.2.4 Inciso IV – Engenho de meios falsos e seu u so.
As condutas previstas no inciso IV, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, são as de
“elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber
falso ou inexato;”
185 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 111. 186 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 261. 187 COSTA. Claudio, op. cit., p. 90.
85
Na Lei nº 4.729/65, que antecedeu a Lei nº 8.137/90, havia uma conduta
semelhante, porém mais restrita, que previa no IV do artigo 1º, que consistia em
“fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o
objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das
sanções administrativas cabíveis.”
Já na atual legislação, são cinco verbos nucleares da conduta que visa a
supressão ou redução de tributos e que demonstram “estarem voltados para o crime
das quadrilhas especializadas em lesar o Fisco.”188
Ainda sobre as modalidades de condutas, elaborar significa “formar, preparar
o documento.”189 Esta elaboração consiste tanto na fabricação de um documento
falso, como na adulteração de um verdadeiro, inserindo-se para tanto, elementos
que alterem o seu conteúdo original.
Já distribuir “é entregar o documento a outrem. Fornecer equivale também a
entregar, suprir, mediante contraprestação ou não. Emitir é expedir, pôr em
circulação. Utilizar é tirar proveito de, empregar com vantagem, servir-se.”190
Observa-se que o tipo penal em questão visa coibir a fabricação, distribuição
e utilização de dados fiscais de empresas, notas frias e outros documentos
fraudulentos na fraude contra a administração tributária.
Assim, como nos demais incisos do artigo 1º, a prática das modalidades
previstas no inciso IV, somente configurará crime contra a ordem tributária, se
houver a efetiva supressão ou redução de tributos, ou seja, não há que se falar no
delito em questão, por exemplo, se uma empresa, ao adquirir uma determinada
188 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 112. 189 PRADO. Luiz Régis, Direito Penal Econômico, p. 278. 190 Ibid., p. 278.
86
mercadoria, receber uma nota fiscal fria e não registrá-la em seus livros fiscais para
se beneficiar do crédito decorrente desta operação.
Outro aspecto importante a ser destacado, é a questão do dolo. Em que pese
este assunto ser objeto de estudo mais a adiante, convém salientar que as condutas
previstas no inciso IV, somente são punidas a título de dolo.
Contudo, o legislador ao mencionar que “utilizar documentos que saiba ou
deva saber falso ou inexato” deixou clara a hipótese de dolo eventual no dispositivo
ora estudado. Esta prática é caracterizada, segundo Paulo José da Costa Jr, quando
“o agente assume o risco de realização do evento. Ao representar mentalmente o
evento, o autor aquiesce, tendo uma antevisão duvidosa de sua realização. Ao
prever como possível a realização do evento, não se detém. Age, mesmo à custa de
produzir o evento previsto como possível. Assume o risco, que é algo mais do que
ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este
venha a ocorrer.”191
Assim, se o agente se deparar com uma nota fiscal que, pela forma ou
conteúdo nela inserida, gere nele uma séria presunção de falsidade e, mesmo assim,
resolva utilizá-la, ele estará incidindo na prática de crime contra a ordem tributária,
na modalidade de dolo eventual.
Logo, não pode um contador ou um funcionário da área fiscal de uma
determinada empresa alegar que não tinha conhecimento ou que não desconfiou da
veracidade de documento, pois conforme assevera Claudio da Costa, o dolo
eventual nestas circunstâncias “se caracterizará somente quando, pelos mínimos
conhecimentos que o agente tenha de sua atividade, seja possível a ele perceber
algo de errado com o documento. “192
191 COSTA JR. Paulo José da, Direito Penal, p. 83. 192 COSTA. Claudio, op. cit., p. 90.
87
3.1.2.5 Inciso V – Recusa ou omissão de forneciment o de documento.
O inciso V, do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 prevê mais três modalidades de
supressão ou redução tributos e que estão dentre as mais habituais entre os
comerciantes brasileiros.
As condutas caracterizam-se em “negar ou deixar de fornecer, quando
obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou
prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a
legislação.”
Pela leitura do dispositivo supra, percebe-se que os núcleos verbais do tipo
penal, são de negar, que é uma conduta comissiva, ou deixar de fornecer, que seria
uma conduta omissiva, bem como fornecer documento em desacordo com a
legislação, que seria uma conduta comissiva.
Negar “é não admitir a existência de, não conceder, recusar. Consiste na
manifestação clara de dissentimento em relação a determinada obrigação, é uma
afirmação com sentido negativo.”193 Trata-se da conduta do comerciante, v.g., que se
recusa a fornecer o ticket ou cupom fiscal ao cliente que realiza uma compra em seu
estabelecimento comercial.
Aspecto importante desta conduta, é que, para ela se caracterizar, é
necessário que a recusa em fornecer o documento fiscal seja expressa após a sua
solicitação.
Já a conduta de deixar de fornecer, “equivale a não entregar, abster-se de dar
alguma coisa a alguém, ao contrário da modalidade anterior, evidencia uma conduta
193 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 278.
88
omissiva.”194 É caso, por exemplo, do agente que, após a realização da venda, e
aproveitando-se da inércia do comprador, não emite a nota fiscal.
Um aspecto controvertido que engloba esta duas condutas típicas, é a prisão
em flagrante do agente que se recusa expressamente a fornecer nota fiscal ou
daquele se omite a fornecê-la, na medida em que, rotineiramente nos deparamos
com tais comportamentos nos estabelecimentos comerciais.
Claudio Costa afirma que se o agente “emite a nota, mas não a entrega ao
consumidor ou se não a emite, mas lança a venda da mercadoria ou serviço em sua
escrituração contábil e recolhe os tributos respectivos, não há crime, pois
contabilmente o imposto foi lançado, o que exclui o dolo (...). Esse raciocínio também
se aplica, in totum, à conduta do contribuinte que se nega a fornecer a nota fiscal. Se
se nega a fornecer o documento, mas escritura a venda e recolhe os impostos
incidentes sobre a operação mercantil, ainda que passível de sanções de ordem
administrativa, não há crime por ausência do dolo de supressão ou redução de
tributo e por ausência da realização desse resultado.”195
O entendimento em questão está baseado no fato de que não houve lesão ao
Erário Público, tendo em vista que o seu objetivo final foi alcançado, qual seja, o
efetivo recolhimento do tributo gerado pela transação comercial.
Para Alécio Adão Lovatto, “o legislador, em razão do teor do inciso II, poderia
ter dispensado a existência do inciso V. Poderia ele ter criado um crime formal,
separado do artigo 1º, caracterizado pela conduta descrita no inciso.196”
194 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 278. 195 COSTA. Claudio, op. cit., p. 91. 196 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 116.
89
Esta ideia permitiria a prisão em flagrante do agente que se recusa a fornecer
a nota ou documento fiscal, pois os crimes formais restam consumados no momento
da sua prática.
Outro aspecto que corrobora a desnecessidade de prisão em flagrante nas
hipóteses previstas no inciso V, está no fato de que se trata de crime material, ou
seja, para que ocorra a sua consumação, é necessária “a efetiva supressão ou
redução do tributo (...) o que se dá no momento da expiração do prazo para o seu
recolhimento, sem que o mesmo tenha se efetivado”197(grifo nosso), sendo que não
haveria crime no momento em que o agente deixasse de fornecer a nota fiscal ou
documento equivalente, pois a consumação do delito somente ocorreria quando
expirasse o prazo para o recolhimento do tributo, o que logicamente, não seria no ato
da prática das condutas previstas no inciso V, do artigo 1º.
Assim, diante todo o exposto, conclui-se que a prisão em flagrante decorrente
da não emissão de nota fiscal, seja ela em virtude da recusa expressa ou da
omissão em fornecê-la, é totalmente descabida e prematura na medida em que o
crime ainda não ocorreu.
Por último, há ainda a conduta de fornecer em desacordo com a legislação,
onde “opera-se a entrega, contudo, ela está em discordância com o previsto
legalmente.”198 Isso pode ocorrer quando o documento fiscal é emitido fora dos
padrões determinados na legislação tributária,.por exemplo, quando há a entrega de
uma nota fiscal ao cliente, sem que a mercadoria adquirida por este lhe seja
efetivamente entregue.
É importante ressaltar novamente, que a obrigação de recolher o tributo surge
somente com a ocorrência do fato gerador, ou seja, com a efetiva da mercadoria, o
que concretiza a operação de venda desta. Logo, se o bem ainda não foi entregue
ao destinatário, a respectiva nota fiscal deve permanecer no estabelecimento 197 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 245. 198 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 279.
90
comercial, e posteriormente, acompanhar o produto quando for entregue ao seu
comprador.
Em sentido inverso, não há que se falar em crime, quando a operação
mercantil ou a prestação de serviço é cancelada, pois a lei fala em “venda de
mercadoria ou prestação de serviço, “efetivamente realizada.”
No mais, destaca-se novamente a necessidade de ocorrência da efetiva
supressão ou redução de tributo, para que as condutas previstas no inciso V sejam
consideradas delitos tributários.
Além disso, o presente dispositivo, assim como no inciso II, traz a hipótese de
norma penal em branco, “uma vez que a subsunção típica depende do recurso às
normas tributárias, em que estão consignadas as situações em que são obrigatórias
a emissão ou fornecimento da nota e quais documentos a ela equivalentes.”199
3.1.2.6 Parágrafo único – Obstrução à ação fiscal.
O parágrafo único, do artigo 1º, da Leinº 8.137/90, dispõe que:
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo
de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou
menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da
exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.
Busca o legislador com este dispositivo, evitar embaraços na ação
fiscalizadora, tendo em vista que o sujeito ativo do delito, devidamente intimado pela
199 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 279.
91
autoridade competente, recusa-se ou retarda a entrega dos documentos exigidos por
lei inerentes à atividade tributária.
Por autoridade competente, entendemos que o inciso V refere-se
primeiramente ao agente fiscal, a quem competente para apurar eventual supressão
ou redução de tributos, bem como os magistrados, que, no decorrer uma
investigação ou de uma instrução probatória, tem a competência legal para
determinar a quebra sigilo bancário ou fiscal da pessoa investigada/processada.
Ainda sobre o sujeito ativo do delito, pune-se o individuo para a ordem da
autoridade é dirigida, ou seja, “naquele sobre o qual recai a exigência da
autoridade.”200 Neste caso, a obrigação recairia, por exemplo, na conduta do gerente
do banco que se recusa ou que retarda a entrega de um documento solicitado,
mediante ordem judicial, para se apurar eventual crime de sonegação fiscal.
Outrossim, entendemos que se a exigência, mesmo que emitida por
autoridade competente, for dirigida ao sócio-proprietário da pessoa jurídica
fiscalizada, ou para um terceiro, alheio ao quadro societário, que é nomeado, através
de procuração, como a pessoa responsável para atender a fiscalização tributária,
sendo assim, uma mera “ponte” entre a empresa e o fisco, não há que se falar no
delito previsto no inciso V, pois o atendimento desta exigência poderia acarretar na
auto-incriminação ou na produção de provas contra si mesmo, o que é vedado pela
constituição federal, nos termos do seu artigo 5º, LXIII.
No mais, para ser considerada como crime contra a ordem tributária, a
conduta objeto deste estudo, deve ser realizada com o intuito de garantir a efetiva
supressão ou redução do tributo, na medida em que se o agente fiscal não tiver
acesso aos livros contábeis e notas fiscais, jamais tomará conhecimento da prática
da atividade delituosa.
200 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 268.
92
3.2 A figura típica do artigo 2º.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou
fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição
social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação
e que deveria recolher aos cofres públicos;
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,
qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou
de contribuição como incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo
fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de
desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita
ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa
daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
O artigo 2º da Lei nº 8.137/90, “indica que os delitos tipificados nos cinco
incisos seguintes são da mesma natureza que os contidos no artigo 1º, ou seja,
estão incluídos na espécie crimes contra a ordem tributária, praticados por
particulares, com o fim de suprimir ou reduzir tributos, contribuição social ou qualquer
acessório.” 201
Contudo, diferentemente das condutas previstas nos incisos do artigo 1º, que
por serem crimes materiais, exigem, para a sua consumação, o resultado de reduzir 201 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 285.
93
ou suprimir tributo, as figuras típicas contidas no artigo 2º da não reclamam a
ocorrência do resultado específico, na medida em que são crimes formais ou de
mera conduta.
Assim, diante da diferença existente em relação à consumação dos crimes, o
termo mesma natureza é criticado por alguns doutrinadores, tendo vista que a
diferença entre os dois tipos penais.
Para Claudio da Costa, “a separação pelo legislador das figuras penais
contidas no Artigo 1º daquelas elencadas no artigo 2º certamente se deveu à
diferença na escala penal que se entendeu aplicável às condutas previstas em um e
em outro artigo.” E continua ainda ao afirma que “que a menção a que os crimes
arrolados no Artigo 2º são “da mesma natureza” jurídica daqueles previstos no Artigo
1º nos leva obrigatoriamente à conclusão de que, em regra, tratamos de crimes que
reclamam a supressão ou redução do tributo para seu aperfeiçoamento, pois não
podem ser dogmaticamente considerados da “mesma natureza” crimes materiais e
crimes formais.”202
Roberto Delmanto, afirma que ao prever “o artigo 2º que ‘constitui crime da
mesma natureza’ a prática das condutas descritas nos incisos I a V. Quis o
legislador, com isso dizer que constitui crime ‘contra a ordem tributária praticada por
particulares’ a realização das condutas neles tipificadas.”203
No mesmo sentido, Alécio Adão Lovatto preconiza que “a mesma natureza
significa ordem tributária, sendo que, no artigo 1º, a ordem tributária é protegida de
forma clara e direta, vedando-se a falsidade, enquanto, no artigo 2º, outros aspectos
da ordem tributária são protegidos, alguns nada tendo com sonegação em seu
sentido próprio.”204
202 COSTA. Claudio, op. cit., p. 96 203 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 271. 204 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 120.
94
Divergências a parte sobre a natureza dos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, o
fato é que os incisos deste, além de serem um complemento do primeiro, prevêem
situações menos graves das previstas no artigo, razão pena pela qual, a pena, para
estas situações é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, ao passo
que, no artigo primeiro, a pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
3.2.1 Modalidades de Condutas.
3.2.1.1 Omissão e prestação de informações falsas.
O artigo 2º, I, da Lei nº 8.137/90, prevê que constitui crime contra a ordem
tributária “ fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos,
ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de
tributo;”
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 113, §2 º, impõe ao contribuinte,
além das obrigações tributárias principais (art. 113, § 1º), as chamadas obrigações
acessórias, previstas para auxiliar o Estado na sua tarefa de arrecadação. E é
“justamente sobre essas que versa o inciso em análise, uma que estipula o dever de
informar ao Fisco a ocorrência de fatos ensejadores do surgimento de uma
obrigação tributária, mediante declarações prestadas em determinados documentos,
que servirão de base para o lançamento e consequente constituição do crédito
tributário.”205
Logo, se houver divergência intencional entre o conteúdo das declarações e a
realidade dos fatos, restará configurada a fraude tendente a supressão ou redução
de tributos.
Sobre os núcleos penais contidos no dispositivo em comento, “ação é fazer
declaração falsa ou omitir declaração. Além da falsidade por ação ou omissão, a
205 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 286.
95
norma prevê o emprego de outra fraude, qualquer artifício no mesmo sentido no
inciso II, somente que não em relação à ocorrência do fato gerador, mas o
pagamento. A ação deve ter por finalidade eximir-se, total ou parcialmente, de
pagamento de tributo.”206
Ainda sobre este dispositivo legal, é importante salientar confronto entre ele, e
o artigo 1º, I. Neles, estão contidas as condutas de “omitir informação, ou prestar
declaração falsa” (art. 1º, I) e “fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre
rendas” (art. 2º, I).
É certo que o primeiro versa sobre crime material e o segundo, crime formal
ou de mera conduta. No entanto, como seria possível distingui-los em um caso
concreto, ou seja, diante da conduta de um agente que prestou declarações falsas
ao Fisco, ou as omitiu?
A resposta, ressalvado os entendimentos em contrário, é apresentada por
Roberto Delmanto, ao afirmar que “a solução para o impasse, está na verificação da
ocorrência do resultado supressão ou redução do tributo, de forma que se tal
resultado tiver ocorrido, o crime será o do artigo 1º, I; se não tiver ocorrido o
resultado, apesar de ter sido esta a intenção do agente, o crime será o do art. 2º,
I.”207
3.2.1.2 Não recolhimento do tributo.
O artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, pune o agente que, “deixa de recolher,
no prazo legal, valor de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de
sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.”
206 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 121. 207 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 273.
96
Trata-se de um delito “claramente omissivo, consubstanciado na conduta
omissiva daquele contribuinte substituto que, diante do dever legal de repassar à
repartição arrecadadora do tributo o montante descontado ou retido de operação
tributável, queda-se inerte.”208
Sobre os núcleos penais embutidos no dispositivo em comento, “deixar de
recolher equivale a não depositar, não pagar, a reter indevidamente a quantia
descontada ou cobrada do contribuinte.”209
Um exemplo deste delito ocorre no imposto de renda retido na fonte, onde o
empregador tem o dever legal de realizar a retenção deste valor dos pagamentos
realizados aos seus funcionários e repassá-los ao Fisco. Contudo, ao realizar este
desconto, não repassa as respectivas quantias ao Erário Público.
Outro exemplo ocorre no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços, no qual o valor do imposto é incluído no preço do produto pago pelo
consumidor final. Esse valor do tributo deve ser repassado pelo comerciante ao
prestador de serviço, que é o contribuinte substituto, à Fazenda Estadual.
Ainda sobre o delito em questão, Roberto Delmanto afirma que “diante do art.
168-A do CP (apropriação indébita previdenciária), instituído pela Lei nº 9.983/00,
ocorreu a revogação tácita deste inciso II, na parte que se refere ao não
recolhimento de ‘contribuição social’. Sendo que em relação a ‘tributo’ permanece
vigente o referido dispositivo.”210
208 COSTA. Claudio, op. cit., p. 99 209 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 288. 210 DELMANTO, Leis Penais Especiais, p. 275.
97
3.2.1.3 Incentivos fiscais.
Dispõe o artigo 2º, III, da Lei nº 8.137/90:
III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário,
qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou
de contribuição como incentivo fiscal;
Este dispositivo visa à proteção da “política de incentivo fiscal praticada pelo
Estado, especialmente a lisura e a regularidade do procedimento relativo à
concessão de incentivo fiscal.”211
Dentre as três condutas delituosas contidas no inciso II, do artigo em
comento, temos a de “exigir, que significa impor, reivindicar de modo imperioso;
pagar, que é satisfazer o preço, retribuir, desembolsar numerário; receber, que é
aceitar o pagamento do valor.”212
Trata-se ainda, de um crime “próprio, ou seja, que somente pode ser praticado
pela pessoa física, indicada em lei como contribuinte-beneficiário ou como
intermediário na promoção da dedução.”213
Ainda sobre sujeito ativo do delito, Alécio Adão Lovatto, explica que apesar do
mesmo ter o “verbo correspondente ao crime de concussão previsto no art. 316 do
Código Penal. A diferença está em que a exigência da concussão é feita por
funcionário público. Já no inciso III, do artigo 2º, o crime é praticado por particular,
inexistindo o denominado ‘temor de autoridade’, mas, em razão da função do
particular, a exigibilidade passa a ser relevante.”214
211 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 279. 212 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 289. 213 NUCCI. Guilherme de Souza, Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, p. 882. 214 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 129.
98
3.2.1.4 Incentivo fiscal
Pelo inciso IV, artigo 2º, é crime “deixar de aplicar e aplicar em desacordo com
o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade
de desenvolvimento.”
Trata-se desta forma de outro delito que visa à proteção de incentivos fiscais
praticadas pelo Estado e que tem como figuras típicas, as condutas de “deixar de
aplicar” e “aplicar em desacordo com o estatuído.”
“A primeira figura consiste na conduta omissiva do contribuinte que, tendo a
parcela de imposto liberada para emprego em empreendimento incentivado, não o
faz.(...) Já a segunda conduta é comissiva, sendo que aqui fica demonstrado o
caráter absolutamente vinculante do fundamento legal do incentivo, que ser a lei ou
o contrato celebrado entre particular e ente governamental.”215
Outrossim, este dispositivo legal visa impedir que o dinheiro direcionado pelo
Estado para uma determinada área social, não seja desviado, e desta forma, gerar
enriquecimento ilícito em detrimento da população.
3.2.1.5 Programa de processamento de dados.
Visa punir o agente que simplesmente utiliza ou divulga programas de
computadores, ou software que permita a existência de dois controles contábeis, ou
seja, um fornecido à Fazenda Pública e outro utilizado pelo contribuinte.
215 COSTA. Claudio, op. cit., p. 101.
99
Diante dos núcleos penais que o inciso apresenta, trata-se de um crime
formal, onde a simples prática de utilizar ou divulgar o programa, já configura o
delito, sendo assim, desnecessária a presença de dano ao Erário Público.
Contudo, conforme afirma Luiz Régis Prado, “se o agente utilizar o programa,
criando uma contabilidade paralela diversa da fornecida à Fazenda Pública e, por
meio do expediente, houver a omissão de operações, de lançamentos ou qualquer
outro meio fraudulento capaz de suprimir ou reduzir tributo, a conduta será
subsumida ao tipo previsto no artigo 1º.”216
3.3 O Tipo Subjetivo – Dolo.
Os crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, somente podem ser
praticados na modalidade dolosa específica, ou seja, quando o agente age com “a
vontade dirigida à realização do tipo penal.”217 Por ausência de previsão expressa,
não há a modalidade culposa (Art. 18, parágrafo único do Código Penal).218
Assim, com exceção do inciso IV do artigo 1º, onde há a possibilidade da
ocorrência do dolo eventual, para que se caracterizem os crimes contra a ordem
tributária, é necessário que o dolo do agente seja direto, devendo ele praticar as
modalidades previstas nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 “com a intenção de
obter a supressão ou redução de tributo ou contribuição social.”219
Conduto, “não basta a vontade, é necessário a conduta ser capaz de reduzir
ou suprimir o tributo ou acessório. Sabe o agente ser aquela conduta não-devida,
216 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 293. 217 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 194. 218 “Art. 18 - ...Parágrafo único: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.” 219 DELMANTO, Leis Penais Especiais Comentadas, p. 245.
100
ilícita, mas mesmo assim quer a ação e quer o resultado, a vontade de reduzir ou de
suprimir tributo fá-lo agir.”220
3.4 Erro de tipo e de proibição.
Diante da grande quantidade de normas que regem o sistema tributário
brasileiro, bem como a sua frequente atualização e complexidade, é comum deparar-
se no cotidiano empresarial, com fundadas dúvidas acerca da incidência ou não de
um determinado tributo sobre uma operação mercantil, ou até mesmos sobre o valor
correto a ser recolhido aos cofres públicos. Estas indagações também podem ser
relativas à ilicitude tributária ou penal da operação mercantil ou industrial realizada.
Estas perguntas, que podem muitas vezes gerar autuações e,
consequentemente, ocasionarem ações penais tendentes a apurar a suposta
ocorrência de crimes contra a ordem tributária, são de suma importância para o
objeto deste trabalho.
Para Hugo de Brito Machado, “todos os crimes contra a ordem tributária
somente se caracterizam quando se trate de conduta dolosa. Assim, e como o erro
sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, é inegável a
relevância da distinção existente entre erro de tipo e erro de proibição no estudo dos
crimes contra a ordem tributária.”221
O erro de tipo surge quando o “erro do agente recai sobre elementos
constitutivos do tipo (Talbestandsirrtum). Poderá decorrer de equivocada percepção
dos fatos como de falsa compreensão do direito.”222
220 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 83. 221 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 69. 222 COSTA JR. Paulo José, op. cit., p. 88.
101
Este erro, quando incidir sobre um dos elementos constitutivos do tipo penal,
excluirá o dolo (Art. 20 do Código Penal).223
Já no erro de proibição, previsto no artigo 21 do Código Penal, “ocorre quando
o agente, por erro plenamente justificado, não tem ou não lhe é possível o
conhecimento da ilicitude do fato, supondo que atua licitamente. Atua ele
voluntariamente e, portanto, com dolo, porque seu erro não incide sobre elementos
do tipo, mas não há culpabilidade, já que pratica o fato por erro quanto à
antijuridicidade de sua conduta.”224
A diferença entre os dois institutos, é que no erro de tipo, “o agente está
convencido de estar atuando legitimamente. Já no erro de proibição, o erro não recai
sobre os elementos integrantes do tipo, mas sobre a ilicitude da conduta, que julga
ser conforme ao direito e via de conseqüência não proibida.”225
Em se tratando de crimes contra a ordem tributária, “podemos dizer que o erro
de tipo é situado nas questões de Direito Tributário, como as de saber se
determinado tributo deve ser calculado desta ou daquela forma, como esta ou aquela
base de cálculo, ou alíquota, ou de saber se em uma venda ao consumidor é
obrigatória a emissão de nota fiscal, ou se é válida a nota fiscal simplificada, ou
mesmo o cupom de máquina registradora, ou outro equipamento. Já o erro de
proibição reside apenas nas questões de Direito Penal, como as de saber se é crime
ou não, a supressão ou a redução do tributo, ou se o crime de falsificação de um
documento fiscal é ou não elemento do crime de supressão ou redução do tributo.”226
Ainda sobre o erro na interpretação da legislação tributária, os nossos
tribunais têm-se manifestado no seguinte sentido:
223 “Art. 20 – O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.” 224 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 214. 225 COSTA JR. Paulo José, op. cit., p. 88. 226 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 71.
102
A errônea exegese da lei tributária quanto ao cálculo correto do ICMS no
lançamento de crédito em face da diferença de alíquotas praticadas no Estado
de destino e no de origem, ausente o elemento fraude, não configura a
infração tipificada no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90.227
Portanto, tendo em vista a ausência de punição dos crimes tributários na
modalidade culposa, observa-se que, se devidamente configurados, os erros de tipo
e de proibição são instrumentos aptos a comprovar a atipicidade da conduta do
agente.
3.5 Concurso de pessoas.
O sujeito ativo do delito, na teoria formal-objetiva “é o que pratica a conduta
descrita em lei e o que, de qualquer forma, com ele colabora. Por vezes, a lei exige
do sujeito ativo uma capacidade especial, ou seja, uma posição jurídica ou de fato
inscrita no tipo penal (ser funcionário, médico, gestante etc).”228
Em termos de sonegação fiscal, o sujeito ativo é o contribuinte, ou seja, o
sujeito passivo da obrigação tributária e que tem a obrigação legal de realizar o
recolhimento do tributo, “tanto que estão os crimes contra a ordem tributária divididos
em duas seções: Seção I – Dos crimes praticados por particulares; e Seção II – Dos
crimes praticados por funcionários públicos.”229 A única exceção, fica a cargo do
artigo 2º, inciso V da Lei nº 8.137/90, que prevê a punição daquele que divulga
programa de informática destinado à confecção de contabilidade paralela.
Esta linha de pensamento é perfeitamente aplicável quando o sujeito ativo é
uma pessoa física, onde a suposta autoria é clara e, na maioria das vezes,
incontroversa.
227 (STJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, RT 774/26). 228 MIRABETE. Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, p. 149. 229 COSTA. Claudio, op. cit., p. 38.
103
Contudo, quando se trata de crimes tributários cometidos por intermédio de
pessoas jurídicas, a individualização das condutas, visando à imputação da autoria
não pode ser considerada uma tarefa fácil, haja vista que decorrer do inquérito
policial ou da ação penal, as partes envolvidas, visando fugir da responsabilidade
penal, sempre transferem para terceiros (contadores, gerentes etc) a prática dos
delitos.
Além desta dificuldade, na grande maioria dos casos, é comum a acusação
oferecer a denúncia criminal em face de todos os réus com poderes de gerência que
compõe o quadro societário à época dos fatos, sem discriminar a conduta de cada
um na suposta prática delituosa.
Porém, nem sempre todos os sócios que compõe a administração de uma
empresa são responsáveis ou autores de uma conduta tendente a suprimir ou
reduzir tributos. Muitas vezes, há uma divisão de funções dentro de uma sociedade,
onde somente um ou dois sócios tem plena consciência da administração e,
consequentemente, do recolhimento dos tributos.
Logo, a responsabilidade pela prática do crime de sonegação fiscal, cometido
por meio de pessoa jurídica, deve recair sobre o sócio que efetivamente tem o poder
de decisão, ou seja, aquele que, por exemplo, tem o poder de decidir sobre o
recolhimento dos tributos ou que tem a palavra final sobre as operações tributárias
da sociedade.
Vale lembrar, que pela “teoria final-objetiva, o autor seria aquele que tem o
domínio final do fato. Autor é, portanto, segundo essa posição, quem tem o poder de
decisão sobre a realização do fato. E não só o que executa a ação principal, o que
realiza a conduta típica, como também aquele se utiliza de uma pessoa que não age
104
com dolo ou culpa (autoria mediata). O agente tem controle subjetivo do fato e atua
no exercício desse controle.”230
Assim, em se tratando de pessoa jurídica, o sujeito ativo dos crimes
tributários, sempre será o sócio que efetivamente administra a sociedade. Este,
inclusive, é o posicionamento de Claudio Costa, ao afirmar que “quando o delito for
praticado em proveito de sociedades comerciais, instituições financeiras ou
empresas de qualquer natureza, serão responsáveis aqueles que, na
conformidade da divisão de trabalho e da hierarquia , detiverem o poder
decisório – de fato e não meramente estatutário – s obre o recolhimento do
tributo .”231
Portanto, após entendermos a como deve ser disciplinada a questão da
autoria nos crimes contra a ordem tributária, passaremos a abordar outro ponto
importante sobre esta matéria, qual seja, o concurso de pessoas.
Já foi objeto de discussão no decorrer deste trabalho, a possibilidade de
divisão de tarefas nos delitos de natureza tributária, na medida em que o agente
também pode praticar o crime com o auxílio de outros indivíduos.
Esta participação, primeiramente prevista no artigo 29 do Código Penal,232
também encontra embasamento legal no artigo 11 da Lei nº 8.137/90233, que além
de praticamente repetir o disposto no Código Penal, acrescente a possibilidade de
participação da prática delituosa por meio de pessoa jurídica.
230 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 40. 231 COSTA. Claudio, op. cit., p. 39. 232 “Art. 29 - Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” 233 “Art. 11. Quem de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
105
Consequentemente, baseado no concurso de agentes, é comum deparar-se
com denúncias criminais onde contadores, gerentes, e até empregados testa-de-
ferro, são incluídos no pólo passivo das ações penais juntamente com os sócios
administradores da pessoa jurídica, na medida em que, de alguma forma,
contribuíram para a prática do crime de sonegação fiscal.
Desta forma, no caso do concurso de agentes a acusação tenta demonstrar
que a sonegação fiscal ocorreu mediante o trabalho, ainda que fracionado, de todos
do denunciados, ou seja, todos concorreram para a prática do delito e que devem
responder na medida de sua culpabilidade.
É oportuno salientar, que esta divisão de tarefas deve necessariamente ser
elucidada no decorrer na instrução processual, sob o crivo do contraditório, onde
será apurado quem realmente concorreu para a prática do delito. No entanto, esta
premissa não dever ser com subterfúgio para o oferecimento de denúncias ineptas,
que apontam minimamente em seu bojo a tarefa de cada acusado na empreitada
delituosa.
Sobre a questão das denúncias genéricas, a mesma será abordada de
maneira mais profunda no decorrer deste trabalho.
106
CAPÍTULO IV - O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO.
1. Procedibilidade e condição objetiva de punibilid ade.
Há determinados delitos, até por razões de política criminal, que somente
podem ser levados ao conhecimento do Poder Judiciário, após o término de
procedimentos que tramitam à margem dos mesmos.
Estes fatores que impedem ou possibilitam a atuação do judiciário, são
conhecidos como condições de procedibilidade e condições objetivas de
punibilidade, que nada mais são que circunstâncias futuras, alheias ao dolo do
agente e do tipo penal, ou seja, do crime que, enquanto não sanadas, impedem a
interposição da ação penal.234
Doutrinariamente há uma distinção entre os dois institutos, sendo que “as
condições de procedibilidade são fatos, naturais ou jurídicos, cuja existência é
exigida pela lei para a propositura da ação penal.”(...) Já as condições objetivas de
punibilidade “referem-se ao mérito e extinguem a pretensão punitiva, ainda que
posteriores ao início da ação penal, porque quebram a relação natural existente
entre a prática de uma infração pena e a imposição da pena.”235
Jescheck e Weigend, citados por Alécio Adão Lovatto, “observam que as
condições objetivas de punibilidade são circunstâncias que se encontram em relação
imediata com o fato, mas não pertencem nem ao tipo de injusto nem à da
culpabilidade.”236
Por estes conceitos, observa-se que as condições de procedibilidade, que
podem ser negativas ou positivas, impedem ou autorizam a propositura, bem como o
234 Cf. MIRABETE. Julio Fabrini, Processo Penal, p. 92. 235 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 130. 236 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 200. (JESCHECK, Hans-Heinrich e WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General. Granada: Editorial Comares, 2002, p. 597)
107
recebimento da ação penal. As condições de punibilidade, por sua vez, que também
podem ser negativas ou positivas, podem surgir no decorrer da ação penal, onde
neste caso, se reconhecidas, ocasionarão uma sentença de mérito. Contudo, se uma
condição de punibilidade, como por exemplo, o pagamento do débito tributário, que
extingue a punibilidade do agente, ocorrer antes do início da ação penal, esta atuará
como uma condição negativa de procedibilidade, na medida em que obstará o início
da ação penal.
O estudo destes conceitos é de suma importância para abordagem dos
próximos tópicos, referentes à questão da esfera administrativa tributária e da
extinção da punibilidade nos crimes tributários.
1.1. O término do processo administrativo como cond ição para o
oferecimento da denúncia criminal.
A atual legislação brasileira que trata dos crimes tributários, qual seja, a Lei nº
8.137/90, é omissa quanto ao fato do término do processo administrativo ser uma
condição de procedibilidade ou objetiva de punibilidade para o oferecimento da
denúncia criminal.
Assim, tendo em vista que estes institutos não se presumem, pois eles
reclamam expressa determinação legal, o presente tema gerou, e ainda gera
divergências no campo doutrinário e jurisprudencial.
Primeiramente, a questão do término do processo administrativo esteve ligada
a questão da procedibilidade, quando se debateu a necessidade do Ministério
Público aguardar o término do processo administrativo tendente a apurar a existência
do tributo, para oferecer a denúncia criminal em face dos agentes acusados pela
prática de sonegação fiscal.
108
Para tanto, utilizava-se o artigo 83 da Lei nº 9.430/96237, cuja redação original
determinava que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a
ordem tributária somente seria encaminhada ao parquet após o término do processo
administrativo instaurado para a discussão da exigibilidade do tributo.
No âmbito do Estado de São Paulo foi promulgada a Lei Complementar nº
970/05, que deu nova redação aos dispositivos da Lei Complementar nº 939/2003
(Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte do Estado de São
Paulo), ao determinar que:
Art. 5º - São garantias do contribuinte:
....
IX – o não encaminhamento ao Ministério Público, por parte da administração
tributária, de representação para fins penais relativa aos crimes contra a
ordem tributária enquanto não proferida a decisão final, na esfera
administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente.
Logo, a ausência de julgamento definitivo na esfera administrativa tributária,
conforme já estudado anteriormente, seria uma condição de procedibilidade, ou seja,
um fator externo que impediria a propositura, bem como o recebimento da ação
penal.
No entanto, na contramão deste entendimento defendia-se, além da
independência entre as esferas administrativa e judicial, que a legislação acerca do
tema “nada mais era que uma norma de cunho administrativo, não estabelecendo ela
nenhuma condição de procedibilidade, sendo que a pretensão de condicioná-la ao
esgotamento da esfera administrativa significaria uma ofensa ao Judiciário como se
ele tivesse de acatar a decisão administrativa.”238
237 “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.” 238 LOVATTO. Alécio Adão, op. cit., p. 194.
109
Neste sentido, posicionava-se o STJ (REsp. nº 45861/SP – Rel. Ministro
Gilson Dipp – DJU 22/09/2003 – p. 353) (RHC nº 11735/MG – Rel. Ministro
Fernandes Gonçalves – DJU 17/03/2003 – p. 287).
Ainda em termos de legislação, o § 1º do artigo 34 da Lei nº 9.249/95, previa
que:
Art. 34.....
§ 1º - Caberá a representação penal após julgamento do processo
administrativo fiscal, quando neste forem apurados elementos
caracterizadores do cometimento de crime em tese.
Contudo, este dispositivo foi objeto de veto do então Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos para o veto foram:
Esse dispositivo é contrário ao interesse público por impedir atuação rápida do
Ministério Público visando à instauração do processo penal, pois prevê que os
órgãos fazendários só podem comunicar-lhe ocorrência de crime fiscal após o
término do correspondente processo administrativo, o que, pelo espaço de
tempo demandado em sua tramitação, terminaria por constituir elemento
altamente estimulador do inadimplemento de obrigações tributárias e da
prática de delitos da espécie.
Além disso, alegava-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu
artigo 129, I, conferiu ao Ministério Público o direito de intentar, em nome do Estado,
a ação penal pública, sendo conferido ao mesmo “o juízo sobre a existência ou não
do crime, em tese a legitimar o oferecimento da denúncia.”239
239 SOARES. Antonio Carlos Martins, A Extinção da Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 117.
110
Desta forma, somente o Poder Judiciário poderia determinar a existência ou
não do elemento caracterizador dos crimes contra a ordem tributária, qual seja, a
fraude, sendo que a atuação do órgão acusador, protegido constitucionalmente, não
poderia sofrer qualquer restrição de pessoas ou órgãos públicos.
Logo, sendo os crimes contra a ordem tributária processados mediante ação
publica incondicionada, nos termos da Súmula 609 do STF240, a atuação da
acusação não estaria subordinada ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96.
Além disso, seguindo este entendimento, o Supremo Tribunal Federal ao
julgar a ação direta de inconstitucionalidade nº 1.571 (DF), de autoria do Procurador-
Geral da República, em sede de liminar, declarou que o artigo 83 da Lei nº 9.430, de
27 de dezembro de 1996, não atingia e nem se aplicava ao exercício da funçã o
institucional do Ministério Público para promover a ação penal pública pela
prática de crimes contra a ordem tributária.
Ainda sobre esta ADIN, é oportuno frisar que no julgamento do seu mérito, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou constitucional o
artigo 83 da Lei nº 9.430 de 1996, para declarar a norma em questão tem como
destinatários os agentes fiscais, não afetando assim a atuação do Ministério Público,
na medida em que este órgão, após o término do processo administrativo tributário,
poderia independentemente da representação fiscal, oferecer denúncia, se obtivesse
por outros meios, notícia do lançamento definitivo do débito tributário.
Desta forma, pacificado o entendimento de que o Ministério Público não
estava atrelado ao envio de representação fiscal para finais pela autoridade fiscal
para oferecer denúncia pela prática de crime contra a ordem tributária, o Supremo
Tribunal Federal, em momento posterior, passou a entender que a existência de um
240 “Súmula 609 do STF: É incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal.”
111
processo administrativo tributário, ao invés de uma condição de procedibilidade,
seria, na verdade, uma condição objetiva de punibilidade.
Esta posição foi consolidada no STF com o julgamento HC n° 81.611-8 241,
onde se passou a entender que a acusação somente poderia oferecer denúncia
referente aos crimes tributários, após a decisão final do processo administrativo em
que se discutia a exigibilidade do tributo.
Conforme já mencionado neste trabalho, as figuras típicas previstas no artigo
1º da Lei nº 8.137/90, são crimes materiais, sendo que para que ocorra sua
consumação é necessária a ocorrência da efetiva supressão ou redução do tributo.
Todavia, a existência do tributo, somente pode ser confirmada com a
constituição definitiva do crédito tributário realizada, pela autoridade fiscal mediante o
lançamento, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional. É neste ato,
que ocorre após a tramitação do processo administrativo, queserão definidos, dentre
outras coisas, a ocorrência do fato gerador, o montante do tributo devido e o sujeito
passivo da obrigação tributária.
Assim, se a existência do tributo é essencial para a configuração dos crimes
contra a ordem tributária, e se este surge apenas após o término do processo
administrativo fiscal, no julgamento ora citado, concluiu-se que antes deste ato não
haveria que se falar na sua redução ou supressão, figuras típicas do delito em
comento, em virtude da ausência de tributo ou do elemento normativo do tipo.
Para melhor elucidar a questão, em seu voto vista no julgamento do HC nº
81.611-8/SP, o Min. Sepúlveda Pertence afirmou que:
...
241 HC n º 81.611-8/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ. 13/05/2005
112
73. De tudo resulta que, enquanto pendente o processo administrativo, essa
incerteza objetiva sobre a existência e o conteúdo da obrigação
remanescerá.
74. Ora – dadas, de um lado, a competência privativa da Administração fiscal
para ‘constituir o crédito tributário’ e, de outro, que o crime definido no art. 1º
da L. 8.137 pressupõe a existência de tributo – rectius, do crédito tributário –
que, mediante uma das condutas prescritas, o agente antes houvesse logrado
‘suprimir ou reduzir’ -, não se pode afirmar, sequer para a denúncia, a
ocorrência desse pressuposto, enquanto, a respeito, não opere, pelo menos, o
efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo.
...
Diante deste raciocínio, conclui-se que a consumação dos crimes contra a
ordem tributária, ou seja, a supressão ou redução de tributos, somente ocorre após a
constituição definitiva do crédito tributário, sendo que antes disso qualquer conduta
vinculada ao artigo 1º da Lei n. 8.137/90 seria atípica acarretando assim na falta de
justa causa para a ação penal e até mesmo para a instauração de um inquérito
policial.
Percebe-se ainda que com este julgamento, o que antes era uma questão de
procedibilidade, processual, passou a ser uma questão de mérito da questão, mas
especificamente sobre a existência do delito, que por sua vez, incidia diretamente na
configuração do tipo penal.
Este entendimento foi no seguido pelo STJ (REsp nº 771667, HC nº 60324 e
HC nº 56799-3).
Logo, a presença da decisão definitiva no processo administrativo tributário,
tendente a apurar o quantum a debeatur, tornou-se uma condição objetiva de
punibilidade, sendo que antes desta, faltaria justa causa para a ação penal ou até
mesmo para a instauração de inquérito policial.
113
Portanto, qualquer denúncia oferecida pelo Ministério Público antes da
constituição definitiva do crédito tributário seria inepta e deveria assim ser rejeitada
pela autoridade judicial.
1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal F ederal.
A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou à
Constituição Federal o artigo 103-A que dispõe sobre a criação da pelo Supremo
Tribunal Federal das súmulas vinculantes. Já a regulamentação deste artigo ocorreu
com a edição da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006., que dispõe sobre a
edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante.
Assim, “ao editar enunciado de súmula vinculante, coube ao Supremo
Tribunal Federal a função de conferir a interpretação quanto a determinado ato
normativo. Essa tarefa decorre essencialmente da sua posição hierárquica no
sistema e da obrigação de padronização e uniformização do entendimento das
normas jurídicas.”242
No que tange aos crimes tributários, após a pacificação da jurisprudência no
STF acerca materialidade destes delitos, realizada através do HC nº 81.611-8 e
outros precedentes, foi enviado ao Tribunal Pleno da referida Corte a proposta de
súmula vinculante nº 29/DF com as seguintes sugestões de enunciado:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, antes do lançamento
definitivo do tributo. (Processo Administrativo 327.127)
242 TRALDI. Mauricio, Súmula Vinculante, p. 43.
114
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º ,
incs. I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. (Min.
Cezar Peluso)
Após debates realizados em seção plenária, por maioria de votos foi aprovada
a Súmula Vinculante nº 24, com a seguinte redação:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º,
incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”243
Assim, com a edição desta súmula, nenhuma ação penal ou inquérito policial
em que se discutia o crime definido no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 poderia ser
iniciado antes do término do processo administrativo onde se discutia o auto de
infração que os originou.
Contudo, em que pese a pacificação da matéria no Supremo Tribunal Federal,
inclusive por meio de súmula vinculante, em 14 de junho de 2011, no julgamento do
HC nº 96.324/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma desta
Corte, por maioria de votos, sendo voto vencido o Ministro Dias Toffoli, que votava
pela concessão da ordem com base na Súmula Vinculante nº 24, decidiu que nos
casos em que a fraude demonstra-se latente, descabe exigir, para ter-se a
sequência da persecução penal, o término do process o administrativo .
Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio argumentou que:
Tanto a suspensão de ação penal quanto o trancamento surgem com
excepcionalidade maior. Conforme consignei ao indeferir a medida
acauteladora, a denúncia não está a invibializar a defesa. Mais do que isso,
243 Coordenadoria de Análise de Jurisprudência – Dje nº 30. Divulgação 18/02/2012 – Publicação 19/02/2010. Ementário nº 2.390-1.
115
versa não a simples sonegação de tributos, mas a existência de organização,
em diversos patamares, visando à prática de delitos, entre os quais os de
sonegação fiscal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, ocultação de
bens e capitais, corrupção ativa e passiva, com frustração de direitos
trabalhistas. Daí não se poder considerar impróprio o curso da ação penal,
não cabendo, no caso, exigir o término de possível processo administrativo
fiscal. Indefiro a ordem.
Ainda no bojo do referido acórdão ficou consignado que:
De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão
administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum
devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime
contra a ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de
esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos,
utilização de empresas ‘fantasmas’ ou de ‘laranjas’ em operações espúrias,
tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos,
evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo
motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento
de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação
delituosa e sem saber seque houve valores sonegados.
O caso em questão, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério, versava
sobre um esquema fraudulento montado para a prática de diversos crimes, dentre
eles o de sonegação fiscal.
A denúncia relata que uma determinada empresa do ramo frigorífico, criou
uma empresa fictícia, gerenciada por “laranjas”, com o intuito de transferir a esta
toda a responsabilidade fiscal, trabalhista e penal tributária, inerentes às suas
atividades econômicas e desta forma sonegar ou reduzir o valor de tributos a serem
recolhidos.
116
Ainda com base na acusação, esta empresa “fantasma”, no que tange aos
crimes tributários, declarava nos respectivos documentos exigidos pela fiscalização,
todos os tributos que deveriam ser recolhidos, porém sem efetuar o respectivo
pagamento.
Logo, na medida em que estas declarações, a princípio, não continham
omissões e nem informações falsas, não haveria que ser falar na incidência dos
crimes previstos na Lei nº 8.137/90.
Contudo, segundo a acusação, esta operação nada mais era que uma
estratégia da empresa verdadeira para burlar o fisco e evitar a sua autuação, na
medida em que toda responsabilidade recairia sobre a empresa “fantasma”. Logo,
diante destes fatos, os ministros da Primeira Turma do STF resolveram afastar a
aplicação da Súmula Vinculante nº 24.
O julgamento em questão apresenta dois aspectos importantes no que tange
aos crimes contra a ordem tributária.
O primeiro deles versa sobre a extinção da punibilidade mediante o
pagamento do tributo. A atual legislação em vigor (artigo 6º, § 6ª da Lei nº
12.382/2011 c.c. artigo 34 da Lei nº 9.249/95), em que pese os entendimentos em
contrário, e que serão objetos de um estudo mais aprofundado no decorrer deste
trabalho, dispõe que este pagamento deve ocorrer, visando à extinção da
punibilidade do agente e, ato contínuo, a extinção da ação penal, antes do
recebimento da denúncia pelo magistrado.
Assim, se o novo entendimento da Primeira Turma do STF prevalecer, uma
denúncia referente aos crimes contra a ordem tributária poderia ser recebida pelo
magistrado antes do término do processo administrativo, já que o trâmite deste
procedimento não teria o condão de impedir o prosseguimento da respectiva ação
penal.
117
Consequentemente, numa atitude extremamente conservadora, o contribuinte
denunciado pela prática do crime previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, e visando
extinguir a sua punibilidade, seria obrigado a renunciar a discussão do tributo no
processo administrativo e efetuar o seu pagamento, afim de evitar o recebimento da
denúncia pelo magistrado e livrar-se da ação do Estado na esfera penal.
Este preocupação também é mencionada por Pedro Luiz Ricardo Cagliardi ao
citar que “o contribuinte tem o direito subjetivo de ter julgada extinta a sua
punibilidade caso pague o tributo antes do recebimento da denúncia, nos termos do
artigo 34 da Lei nº 9.249/95, sendo, desta forma, o pagamento exigível somente
depois de findo o processo executivo.”244
Esta atitude reflete o segundo aspecto deste novo entendimento do Supremo
Tribunal Federal, que seria a ofensa aos princípios constitucionais do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório previstos respectivamente no
artigo 5º, LIV e LV, da CF, pois “no Direito Brasileiro a necessidade de prévia
decisão da autoridade administrativa no crime de supressão ou redução de tributo é
muito mais que uma questão de direito penal ou processo penal. É uma questão de
direito constitucional. Admitir-se a denúncia criminal antes da decisão definitiva da
autoridade da Administração é forma clara de negação da supremacia
constitucional.”245
Ademais, além de todo este quadro fático e ressalvado os entendimentos em
contrário, a denúncia relativa aos crimes contra a ordem tributária que for recebida
antes do término do processo administrativo, ofende o princípio constitucional da
presunção de inocência246, na medida em que tal conduta possibilita eventualmente
uma condenação na esfera criminal e, anterior à decisão definitiva na esfera
244 COSTA. José de Faria. SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p. 538. 245 NASCIMENTO. Carlos Valder (coord.), Crimes de Sonegação Previdenciária, p. 84. 246 “Art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República Federativa do Brasil.”
118
administrativa, que pode perfeitamente concluir que o contribuinte não seja o
devedor do tributo.
Por fim, nunca é demais frisar que para que haja crimes contra a ordem
tributária, é necessário que haja a efetiva supressão ou redução de tributo, sendo
que a existência deste ou a sua exigibilidade somente pode ser reconhecida pela
autoridade administrativa, não cabendo a nenhum órgão, nem mesmo ao Judiciário,
a realização desta tarefa.
1.3 Requisitos da denúncia criminal nos crimes cont ra a ordem tributária.
A denúncia criminal, independentemente do delito praticado pelo agente, deve
necessariamente seguir os requisitos elencados no artigo 41 do Código de Processo
Penal.
Segundo Vicente Greco Filho, a denúncia deve conter duas partes. “A
primeira, considerada essencial, deve conter a qualificação do denunciado ou
esclarecimentos fáticos (circunstâncias, na terminologia legal) que devem ser
referidos: os elementares e os identificadores. Já a segunda parte da denúncia é
técnica, devendo conter a indicação dos dispositivos da lei penal em que o acusado
esteja incurso, o procedimento adequado, o pedido de condenação e o rol de
testemunhas.”247
No que tange aos crimes tributários, a denúncia não foge desta regra, sendo
que ela deve descrever a maneira utilizada pelo agente para suprimir ou reduzir
tributos, além do montante do prejuízo causado ao Erário Público. Assim, é comum
deparar-se com peças acusatórias em que a descrição da conduta delituosa, nada
mais é que uma transcrição literal do auto de infração lavrado pela autoridade
fazendária, momento no qual são pormenorizadas as condutas que levaram à
suposta supressão ou redução de tributo, bem como os seus respectivos valores. 247 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 144 e 146.
119
No que se refere à autoria, a denúncia deve também indicar a conduta de
cada autor ou partícipe. Este apontamento não pode ser realizado de forma
genérica, sob pena de inépcia da peça inicial. Sobre esta questão, a mesma será
discutida oportunamente no decorrer deste trabalho.
No mais, estes requisitos, juntamente com a indicação do procedimento
aplicável ao caso, bem como o rol de testemunhas, é que devem compor a denúncia
oferecida pelo Ministério Público no que tange aos Crimes Contra a Ordem
Tributária.
1.4 O procedimento.
A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, não prevê um rito específico para
o processamento das ações penais relativas aos crimes tributários. Assim, na
ausência de disposição expressa acerca deste tema, o processo será regido pelo
Código de Processo Penal, sendo que aos delitos previstos no artigo 1º, da lei em
comento, cuja pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) ano, e multa, aplica-se o
procedimento ordinário, nos termos do artigo 394, §1º, I, do CPP.
Neste procedimento, o contribuinte denunciado pela prática de crime contra
ordem tributária, será citado nos termos do artigo 396 do CPP para apresentar a sua
defesa, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, onde poderá alegar preliminares,
oferecer documentos, arrolar testemunhas e especificar as provas que pretende
produzir no decorrer da instrução processual.
Já as condutas previstas no artigo 2º da Lei nº 8.137/90, cuja pena é de
detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, por se tratarem de crimes de
menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95), seguem o rito sumaríssimo nos
termos do artigo 394, §1º, III, do CPP c.c. artigos 77 a 83 da Lei nº 9.099/95.
120
Independentemente do rito processual a ser seguido, um aspecto um
importante no decorrer do processo penal tributário, é a produção de provas
baseada na prova pericial.
É extremamente comum, em se tratando de ações desta natureza, deparar-se
com processos em que a supressão e a reduções de tributos, em que pese
afirmação do fisco, não estão devidamente caracterizados.
Isso acontece, por exemplos, nos casos de “creditamentos indevidos de
impostos”, onde o contribuinte lança em sua escrita fiscal um determinado crédito
tributário oriundo de uma atividade comercial ou industrial, para futuramente
compensar com os valores de tributos que tem a recolher.
O Fisco, seja ele estadual ou federal, na maioria dos casos, por não concordar
com este lançamento autua a pessoa jurídica da qual o agente é o sócio-
administrador e, após o processo administrativo, onde o valor do tributo
supostamente devido é confirmado, encaminha a respectiva representação fiscal
para fins penais para o Ministério Público.
Contudo, nem sempre este débito tributário constituído é oriundo de uma
fraude, sendo que em muitos casos, há ação penal baseada somente nas
informações prestadas pela autoridade fazendária.
Logo, para demonstrar, no decorrer da instrução probatória que não houve a
devida supressão ou redução de tributos mediante fraude, as partes, principalmente
a defesa, lançam mão da prova pericial para visualizar ou não, os requisitos
caracterizadores dos crimes tributários.
121
Assim, nestas circunstâncias, a perícia basicamente busca averiguar se houve
a omissão ou prestação de informações falsas nos documentos destinados ao fisco
e, no caso do “creditamento indevido” se o respectivo crédito seria oriundo de
documentos inidôneos, que por sua vez, poderiam caracterizar a fraude tributária.
Por fim, ainda dentro da instrução probatória, encontra-se a prova
testemunhal, que é essencial para a discussão relativa à autoria delitiva.
1.5 A prescrição nos crimes contra a ordem tributá ria.
1.5.1 A prescrição relativa aos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90.
A partir do momento em que entra em vigor uma norma que cria um
determinado tipo incriminador, surge para o Estado o jus puniendi, ou seja, o direito
de punir aqueles que violam a norma penal. Em decorrência do exercício deste
direito, surge também para o Estado o direito de executar a sentença condenatória
transitada em julgado decorrente desta violação.
Contudo, este direito do Estado de punir e, fazer com que os punidos
cumpram a sua respectiva pena, não é eterno. A mesma norma que concede este
direito de julgar e que impõe uma sanção à aqueles que a infringem, também limita
um lapso temporal de atuação do Estado no exercício do seu direito.
Esta restrição, que visa evitar a tramitação de ações penais por tempo
indeterminado, é denominada de prescrição, ou seja, “a extinção do poder-dever de
punir do Estado em decorrência da inércia do órgão titular da pretensão punitiva ou
da pretensão executiva durante o tempo previsto na lei.248
248 SOARES. Antonio Carlos Martins, A Extinção da Punibilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária, p. 111.
122
A prescrição, tanto da pretensão punitiva como da executória, é regulada
pelos artigos 109 a 119 do Código Penal, onde são fixamos os prazos prescricionais;
os termos iniciais antes e após a sentença transitada em julgado; as causas
interruptivas, impeditivas, suspensivas e de redução. Além disso, no artigo 107, IV,
do mesmo diploma legal, há a previsão da prescrição como causa de extinção da
punibilidade.
No que tange aos crimes contra a ordem tributária, os seus prazos
prescricionais também são regulados pelo Código Penal, sendo que no artigo 1º da
Lei nº 8.137/90, cuja pena é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, a prescrição da
pretensão punitiva, regulada pela pena máxima in abstrato, será de 12 (doze) anos,
nos termos do artigo 109, III, do CP.
Já em relação aos delitos previstos no artigo 2º da referida lei, onde a pena é
de 6 (seis) meses a 2 (anos) de detenção, a prescrição da pretensão punitiva, nos
termos do artigo 109, V, do CP, será de 4 (quatro anos).
A prescrição da pretensão executiva dos crimes tributários é regulada pelos
mesmos prazos fixados no artigo 109 do Código Penal, porém tem como paramento
a pena imposta in concreto na sentença penal, nos termos do artigo 110, §1º do CP.
Contudo, a prescrição relativa aos crimes tributários possui uma característica
peculiar no que se refere ao seu termo inicial, pois conforme já abordado no decorrer
deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal, primeiramente por intermédio do HC nº
81.611-8 e, num segundo momento, através da Súmula Vinculante nº 24, definiu que
as figuras típicas previstas no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, por serem
crimes materiais, somente se consumam com a constituição definitiva do crédito
tributário.
Assim, considerando o disposto no artigo 111, inciso I, do Código Penal, o
prazo prescrição relativo a estes crimes, somente começa a fluir a partir deste
123
momento e não da data em que agente praticou a fraude visando à supressão ou
redução de tributos.
Em contrapartida, esta forma de contagem do prazo prescricional, não se
aplica aos delitos previstos no artigo 2º da Lei nº 8.137/90, tendo em vista são
crimes formais, sendo que o lapso prescricional, neste caso, começa a tramitar a
partir da data do fato.
Ainda sobre a prescrição dos crimes contra a ordem tributária, ela não corre
durante o período de suspensão da pretensão punitiva do Estado, conforme a atual
redação do artigo 83, § 3º, da Lei nº 9.430/96.
1.6 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.
1.6.1 Histórico da legislação.
A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965 foi a primeira norma publicada no Brasil
que tratou dos delitos tributários. Trata-se de uma lei, ainda vigor, publicada no início
do regime militar, que versa sobre os “crimes de sonegação fiscal” e que trazia em
seu artigo 2º, a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o pagamento do
tributo devido, antes do início, na esfera administrativa, do respectivo processo fiscal.
A norma posterior a esta, qual seja, a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de
1990, que definiu, dentre outros delitos, os crimes contra a ordem tributária, previa
também em artigo 14, a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, quando
o pagamento do tributo devido ocorresse antes do recebimento da denúncia pelo
magistrado.
Ambos dispositivos foram revogados pelo artigo 98 da Lei nº 8.383, de 30 de
dezembro de 1991. Assim, até 1995, não havia nenhuma legislação no país que
124
versasse sobre a extinção da punibilidade dos crimes tributários mediante o
pagamento do tributo devido.
Este período de vacância perdurou até a entrada em vigor da Lei nº 9.249, de
26 de dezembro de 1995, que restituiu, em seu artigo 34, a extinção da punibilidade,
desde que o pagamento do total do tributo ocorresse antes do recebimento da
denúncia.
Posteriormente a esta norma, veio a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, que
instituiu o Programa Recuperação Fiscal – REFIS I. Esta norma, no §3º, do artigo 15,
no que tange à extinção da punibilidade, repetia o disposto na Lei nº 9.249/95.
Contudo, um aspecto inovador desta lei foi a possibilidade da suspensão da
pretensão punitiva mediante o parcelamento dos tributos devidos realizados, desde
que este ato ocorresse antes do recebimento da denúncia. Esta suspensão duraria
enquanto a pessoa jurídica relacionada ao agente dos supostos delitos tributários,
estivesse incluída no programa de parcelamento, conforme o disposto no caput do
artigo 15.
A legislação posterior a tratar do tema, foi a Lei nº 10.684, de 30 de maio de
2003, que tratou à época do parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita
Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social.
O §1º, do artigo 9º da referida lei, manteve a possibilidade de extinção da
punibilidade do agente mediante o pagamento do tributo, bem como a possibilidade
suspensão da pretensão punitiva durante o período de parcelamento do débito
tributário. Entretanto, sobre estes pontos, a referida lei não mencionou em que
momento processual o pagamento ou parcelamento deveriam ocorrer para gerar
efeitos no âmbito da ação penal.
125
Outro ponto importante desta lei foi o estabelecimento de um novo regime
jurídico-penal para aqueles que ingressarem no regime de parcelamento. Assim, a
suspensão da pretensão punitiva ocorreria independentemente da espécie de
parcelamento realizado pelo contribuinte, não se limitando aos casos de
parcelamento instituído pela própria lei, tendo em vista que o caput do artigo 9º
estabeleceu que a suspensão permaneceria em vigor “durante o período em que a
pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no
regime de parcelamento.”
Ainda numa clara demonstração de política criminal, em 28 de maio de 2009,
foi publicada a Lei nº 11.941/2009, que dispôs sobre o parcelamento ordinário de
débitos tributos, instituindo para tanto, o popular REFIS da Crise, pois foi criado
durante um período de recessão mundial, que ameaçava afetar a economia do
Brasil.
Esta norma, além de manter a possibilidade de extinção da punibilidade
mediante o pagamento do tributo devido, independentemente do momento
processual da ação penal, previa ainda no caput do seu artigo 68, a suspensão da
pretensão punitiva do Estado durante o período de vigência do parcelamento.
No entanto, a extinção da punibilidade relativa aos valores de tributos
parcelados, somente ocorreria após o término do parcelamento, nos termos do artigo
69 da lei em comento.
Ressalte-se, após esta breve explanação sobre o histórico da legislação
relativa à suspensão da pretensão punitiva, bem como da extinção da punibilidade
dos crimes tributários, que nenhuma das citadas normas promulgadas a partir de
1995, revogou expressamente a norma anterior.
Deste modo, uma grande instabilidade jurídica sobre a matéria vigorou
durante a vigência destas normas, o que acarretou divergências jurisprudenciais e
126
doutrinárias acerca do referido tema e que serão abordadas de uma maneira mais
específica no decorrer deste capítulo.
1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do pa rcelamento do
débito tributário.
Conforme demonstrado no item anterior, o tema da extinção da punibilidade,
bem como da suspensão da pretensão punitiva nos crimes contra a ordem tributária,
diante da instabilidade legislativa, sempre causou inúmeras controversas.
Esta instabilidade, segundo Hugo de Brito Machado, “explica-se pela disputa
entre duas correntes de pensamento jurídico penal em nosso País. Uma, a sustentar
que a pena há de ter sempre um fundamento ético, e que admitir a extinção da
punibilidade pelo pagamento dos tributos devidos seria criar um inadmissível
privilégio em favor dos abastados, os quais poderiam sempre escapar da punição e
diante dessa possibilidade apostariam na hipótese de não serem apanhados. A
outra, a sua sustentar o caráter utilitarista da pena, que teria por finalidade coagir o
contribuinte ao pagamento.”249
Assim, ressalvado este entendimento, a suspensão da pretensão punitiva,
com a edição da Lei nº 9.964/2000, que instituiu o chamado “REFIS I”, surgiu pela
primeira vez esta possibilidade, o que até então não era possível, tendo em vista que
a legislação pátria previa apenas, nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.245/90, a
extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.
No entanto, este parcelamento, que deveria ocorrer antes do recebimento da
denúncia, causou a primeira divergência jurisprudencial acerca do tema, pois a
jurisprudência inclinou-se pela ausência de justa causa para a ação penal em casos
de deferimento do pagamento parcelado, conforme acórdãos a seguir citados:
249 MACHADO. Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 373.
127
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL –
REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – OPÇÃO AO REFIS – ART. 15 DA LEI Nº
9.964/2000 – SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO – ART.
34 DA LEI Nº 9.249/95.
I – A suspensão da pretensão punitiva do Estado, instituto previsto no art. 15
da Lei nº 9.964/2000, impede a instauração da ação penal, desde que o
devedor de contribuições previdenciárias adira ao REFIS antes do
recebimento da denúncia; II – O pagamento da dívida previdenciária, nos
termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95, implica a extinção da punibilidade, efeito
distinto do que ocorre com a mera opção ao REFIS (art. 15 da Lei nº
9.964/2000) que suspende a ação penal, caso o devedor saia do Programa de
Recuperação Fiscal, em razão da inadimplência, III – Recurso desprovido.250
O segundo ponto polêmico sobre a suspensão da pretensão punitiva dos
crimes contra a ordem tributária foi acerca da possibilidade do parcelamento do
débito tributário realizado antes do recebimento da denúncia, extinguir a punibilidade
destes delitos.
A questão dividiu a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tribunal
competente pela uniformização da legislação infraconstitucional, onde uma corrente,
manifestada expressamente no voto proferido pelo Ministro Vicente Cernichiaro no
RHC nº 3.973/RS,251 entendia que o parcelamento do débito tributário não seria meio
apto para extingui-lo na medida em que a relação jurídica entre o Estado e o
contribuinte foi mantida, com alteração apenas das condições de pagamento.
Logo, diante da impossibilidade de extinção do crédito tributário, não haveria,
consequentemente, que se falar em extinção da punibilidade do agente.
250 TRF 2ª Região – RCCR 1112 – 4ª Turma – Rel. Valmir Peçanha. 251 STJ, 6ª Turma, RHC nº 3973/RS, julgado em 12.12.94.
128
Neste sentido, destacam-se os seguintes julgados:
PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DA
DÍVIDA – EXTNÇÃO DA PUNIBILIDADE – LEI Nº 8.137, DE 27/12/90. LEI Nº
8.383, DE 30/12/91 – EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (CTN, ART.
156) – A INFRAÇÃO PENAL, COMO CAUSA, GERA RELAÇÃO JURÍDICA
ENTRE O ESTADO (SUJEITO ATIVVO) E AGENTE ( SUJEITO PASSIVO).
No crime tributário a sonegação fiscal atua como causa. O parcelamento do
débito, quando permitido, repercute na relação jurídica, especificamente, no
conteúdo, dado modificar o direito de recebimento do credor. Em havendo
parcelamento (acordo de vontades), enquanto não vencido, pelo menos em
parte, torna-se vincendo. O parcelamento não se confunde com a novação
(esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do
credor, ou do objeto da prestação). O parcelamento, ao contrário, mantém a
relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O
parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito
tributário (CTN, art, 156). Impõe-se também aqui, interpretação lógico-
sistemática; invoquem-se, ademais, os princípios gerais das obrigações. O
parcelamento não é causa extintiva da obrigação tributária. Todavia, em
sendo honrado, implica pagamento. Assim, obtido o parcelamento, na
vigência e condições da Lei nº 8.137/90, mantém-se a relação jurídica
constituída. Não é afetada (decorrência do direito adquirido) pela Lei nº
8.383/91.252
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO
FISCAL. PARCELAMENTO SERÔDIO.
O parcelamento do débito tributário e dos acessórios ocorridos após o
oferecimento da denúncia não enseja a pretendida extinção da punibilidade e
nem evidencia por si, a inexistência de dolo. Writ denegado.253
252 HC nº 7231/DF, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 17/02/99, pág. 00166. 253 HC nº 9033/SP, STJ, 5ª Turma, RE. Min. Felix Fischer, DJ de 21/06/99, pág. 00178.
129
Já a segunda corrente entendia que o acordo celebrado entre o fisco e o
contribuinte, formalizado por meio do parcelamento antes do recebimento da
denúncia, teria o condão de extinguir a punibilidade nos termos do artigo 34, da Lei
nº 9.249/95, tendo em vista que a expressão “promover o pagamento”, contida no
caput deste artigo, devia ser interpretada como todo ato concreto dirigido ao
pagamento do tributo.
PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO. PARECLAMENTO ANTERIOR AO
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do
recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista na Lei nº
9.249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser
interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o
tributo devido.
2. “Habeas Corpus” conhecido: pedido deferido.”254
PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’, CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO FISCAL (LEI Nº 9.430/96, ART. 83).
IRRELEVÂNCIA PARA AÇÃO PENAL.
- A jurisprudência uniforme deste tribunal tem proclamado o entendimento de
que a concessão de pagamento parcelado de débito fiscal, deferido ante do
oferecimento a denúncia, enseja extinção da punibilidade, nos termos do art.
34 da Lei nº 9.249/95;
- Em sede de crimes contra a ordem tributária, a representação fiscal a que se
refere o art. 83 da Lei nº 9.430/96 não é condição de procedibilidade para a
promoção da ação penal, podendo o Ministério Público, no exercício de sua
competência legal, valer-se de quaisquer outros elementos informativos da
ocorrência do delito para oferecer a denúncia.
- “Habeas Corpus” parcialmente concedido.255
254 HC nº 9.099/SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 13/12/1999, pág. 00164.
130
Ainda dentro da segunda corrente, afirmava-se que a simples concessão do
parcelamento do débito tributário, ocorrida antes do recebimento da denúncia,
ensejaria a extinção da punibilidade do agente. Este entendimento baseava-se no
fato de que, no momento em que o Fisco formalizava um parcelamento com o
contribuinte, ocorria uma da novação da dívida, extinguindo-se a primeira obrigação
e fazendo surgir outra em seu lugar, sendo tal operação teria o efeito análogo ao do
pagamento.
Além disso, com base neste entendimento, seria irrelevante, para efeitos
penais, a adimplência ou não do aludido parcelamento. Logo, “em razão desse fato,
foi grande a inadimplência por parte dos agentes que tiveram sua punibilidade
extinta como decorrência da simples adesão ao parcelamento, já que na esfera
penal nada mais poderia ser feito contra eles.”256
Essa discussão sobre os efeitos do parcelamento do débito tributário perdurou
até a entrada em vigor da Lei nº 10.684/2008, que reiterou o disposto na Lei nº
9.964/00 acerca do fato do referido parcelamento suspender a pretensão punitiva do
Estado, conforme o julgado abaixo transcrito:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM
TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DE DÉBITO. SUSPENSÃO DA
PUNIBILIDADE. ART. 9º DA LEI 10.684/03. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PUNITIVA.
I – O simples parcelamento de débito tributário não é procedimento apto a
extinguir a punibilidade por crimes decorrentes de ofensa à Lei nº 8.137/90. II
– Necessidade de quitação integral perante as autoridades fazendárias. III –
Ordem concedida de ofício para suspender a punibilidade do agente, bem
como da prescrição punitiva.257
255 HC nº 6409/MA, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 09/11/98, pág. 00171. 256 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 284 257 STF – RHC 89152. Rel. Min. Ricardo Lewandowski – DJ. 22.09.2006.
131
Outro aspecto referente à Lei nº 10.684/2003 foi a ausência do marco
temporal limite para a formalização do parcelamento. Assim, os nossos tribunais
passaram a entender que o acordo entre o Estado e o contribuinte, visando à
suspensão da pretensão punitiva, poderia ocorrer a qualquer e momento, desde que
não houvesse o trânsito em julgado da ação penal.
Neste sentido:
AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. NÃO RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS AOS
EMPREGADOS. CONDENAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ART. 168-a, C.C.
ART. 71, DO CP. DÉBITO INCLUÍDO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO
FISCAL – REFIS. PARCELAMENTO DEFERIDO, NA ESFERA
ADMINISTRATIVA PELA AUTORIDADE COMPETENTE. FATO
INCONTRATÁVEL NO JUÍZO CRIMINAL. ADESÃO AO PROGRAMA APÓS
O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. TRÂNSITO EM JULGADO ULTERIOR
DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO
RETROATIVA DO ART. 9º DA LEI Nº 10.684/03. NORMA GERAL E MAIS
BENÉFICA AO RÉU. APLICAÇÃO DO ART. 2º, § ÚNICO, DO CP, E ART. 5º,
XL, DA CF. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E DA PRESCRIÇÃO.
HC DEFERIDO PARA ESSE FIM. PRECEDENTES.
No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da
prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento
administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia,
mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.258
Por fim, o instituto a suspensão da pretensão punitiva do Estado nos termos
acima expostos, o foi mantido na vigência da Lei nº 11.941/2009.
258 HC nº 85048/RS, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ. 30.05.06
132
1.8 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.
O pagamento do débito tributário como forma de extinguir a punibilidade
relativa aos crimes contra a ordem tributária surgiu no Brasil juntamente com a
tipificação dos delitos desta natureza.
A fundamentação da extinção da punibilidade dos crimes fiscais “pode ser
analisada sob dois enfoques; o político-fiscal e o jurídico penal. No primeiro,
vislumbra-se uma finalidade extrajurídico-penal da autodenúncia, baseada em
critérios essencialmente fiscais, como função de estímulo, de modo a facilitar o
retorno do contribuinte à honestidade fiscal. No segundo, fundamenta-se a
autodenúncia no âmbito da teoria penal da desistência voluntária e da reparação do
dano.”259
Como exemplo prático do enfoque político-fiscal e jurídico penal, a Lei nº
9.964/2000, instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, que se destinava a
regularização do contribuinte inadimplente junto à União Federal. Além disso, esta
norma possuía um regramento penal, quando previu em seu artigo 15, a
possibilidade de suspensão da pretensão punitiva, a extinção da punibilidade
mediante o pagamento do tributo, bem como a suspensão da prescrição criminal
durante o período do parcelamento.
1.9 O pagamento do pagamento do tributo.
Conforme já estudado no decorrer deste trabalho, as legislações criadas para
tratarem dos delitos tributários, quais sejam, as Leis nºs 4.279/65 e 8.137/90, traziam
respectivamente em seus artigos 2º e 14º a possibilidade de extinção da punibilidade
mediante o pagamento do débito tributário.
259 PRADO. Luis Régis, Direito Penal Econômico, p. 283
133
A única diferença neste aspecto entre ambas era com relação ao momento do
pagamento. A primeira legislação previa que este ato deveria ocorrer antes do início
do processo fiscal na esfera administrativa, enquanto que a segunda, previa que o
pagamento deveria ocorrer antes do recebimento da denúncia criminal.
Esta última regra vigorou até 1991, quando o artigo 98 da Lei nº 8.383/91,
revogou expressamente os dispositivos legais que até momento cuidavam da
matéria, sendo a questão somente voltou a ser disciplinada com a edição da Lei nº
9.249/95, que restituiu em artigo 34, o pagamento do tributo, inclusive acessórios,
antes do recebimento da denúncia, como forma de extinção da punibilidade dos
crimes tributários.
Esta vigorou até 2003, quando entrou em vigor a Lei nº 10.684/2003, que
previa no §2º do artigo 9º, a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o
pagamento integral do tributo. Contudo, como a referida norma não fez menção
sobre o momento em que este pagamento deveria ocorrer, os tribunais passaram a
entender que este ato poderia ocorrer a qualquer momento da ação penal, inclusive
após o recebimento da denúncia e do trânsito em julgado.
Neste sentido:
HABEAS CORPUS. PENAL. ICMS. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA.
ADESÃO AO PROGRAMA DE PARCELAMENTO INCENTIVADO (PPI) E
POSTERIOR PAGAMENTO DO DÉBITO, APÓS O TRÂNSITO EM
JULGADO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 9.º,
§ 2.º, DA LEI N.º 10.684/2003. PLEITO DE SOBRESTAMENTO DA
EXECUÇÃO PENAL ATÉ O JULGAMENTO DE REVISÃO CRIMINAL.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
134
1. O art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 10.684/2003 estabelece expressamente que da
quitação integral do débito tributário pela pessoa jurídica, decorre a extinção
da punibilidade.
2. É entendimento jurisprudencial desta Corte Superior que com o advento da
Lei n.º 10.684/03 o pagamento do tributo a qualquer tempo extingue a
punibilidade quanto aos crimes contra a ordem tributária.
Precedente.
3. Habeas corpus concedido para sobrestar a execução do feito até que se
julgue a Revisão Criminal.260
Assim, com base nesta linha jurisprudencial, além das ações em trâmite, era
possível extinguir a pretensão executória do Estado na esfera penal, ou seja,
mediante o pagamento integral do crédito tributário, era possível extinguir o
cumprimento de pena de um determinado agente condenado pela prática de crime
contra a ordem tributária.
É oportuno salientar ainda, que antes da Lei nº 10.684/2003, a única vez em
que alguns acórdãos admitiram a extinção punibilidade em virtude de pagamentos
de tributos após o recebimento da denúncia, foi para os crimes previdenciários
praticados na vigência da Lei nº 8.212/91.
Contudo, tratou-se de uma questão peculiar, pois como não havia à época da
Lei nº 8.212/91, uma norma que tratasse da extinção da punibilidade mediante o
pagamento do tributo, e tendo em vista que a Lei nº 8.383/91, em seu artigo 98,
revogou o artigo 14 da Lei º 8.137/90, com o surgimento da Lei nº 9.249/95, o seu
artigo 34, que reeditou a mencionada causa extintiva, foi aplicado de maneira
analógica e retroativamente, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal,
e artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.
260 HC nº 232.367/SP, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ. 05/06/2012
135
No mais, visando evitar novamente a incidência destas situações, a Lei nº
11.941 de 2009, posterior à Lei nº 10.684/2003, além de manter a redação desta
norma referente à suspensão da pretensão punitiva e a prescrição penal, deixou
expresso em seu artigo 69261, que a extinção da punibilidade relativa aos crimes
tributários, somente ocorreria após a quitação integral dos débitos inseridos no
regime de parcelamento.
1.10 A Lei nº 12.382/2011 e a sua aplicação aos cri mes contra a ordem
Tributária.
Após anos de divergência legislativa e jurisprudencial acerca do marco
temporal acerca a suspensão da pretensão punitiva ou da extinção da punibilidade
mediante, respectivamente, o parcelamento ou o pagamento integral do tributo, em
01 de março de 2011, entrou em vigor a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011.
Esta norma, em seu artigo 6º, alterou a redação do artigo 83 da Lei nº
9.430/96, que passou a ter a seguinte alteração:
Art. 6o O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único
para § 6o:
“Art. 83. ...
§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a
representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério
Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.
§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes
previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa
jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no
261 Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
136
parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado
antes do recebimento da denúncia criminal.
§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da
pretensão punitiva.
§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a
pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o
pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que
tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.
§ 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal
de parcelamento.
§ 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de
dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos
e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.” (NR)
Observa-se pela transcrição supra, que a referida lei alterou redação do artigo
83 da Lei nº 9.430/96 que, conforme já discutido no decorrer deste trabalho, foi
considerada pelo STF como uma norma cunho administrativo, ou seja, voltada para
os entes da administração pública.
Todavia, em virtude da sua nova redação, esta lei, além do seu caráter
administrativo, passou também a vincular o Poder Judiciário, na medida em que
reiterou o disposto nas legislações anteriores no que tange à prescrição penal, a
suspensão da pretensão punitiva e a extinção da punibilidade relativa aos delitos
tributários. Além disso, foi acrescentado ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96, o parágrafo
2º, que dispõe que a representação fiscal para fins penais somente será
encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do
parcelamento, numa ratificação expressa acerca da suspensão da pretensão punitiva
mediante o parcelamento do débito tributário.
Não obstante, o aspecto mais relevante desta norma, foi a inclusão dos
parágrafos 2º e 6º ao citado artigo e que prevêem que o parcelamento e a quitação
137
integral do débito somente surtirão efeitos na esfera penal, se forem realizados antes
do recebimento de denúncia criminal.
Num primeiro momento, os respectivos dispositivos legais, levam a conclusão
que a referida norma estabeleceu um limite temporal para que o parcelamento ou
pagamento dos débitos tributários repercutam dentro da ação penal, ao prever que
ambos devem ocorrer antes do recebimento da denúncia.
Desta forma, estariam revogados os dispositivos contidos nas Leis nºs
10.684/2003 e 1.1941/2009, que permitiam o pagamento e parcelamento do débito
tributário, para fins penais, após o recebimento da denúncia.
No entanto, em que pese os entendimentos em contrário, entendemos que o
parcelamento do débito tributário, visando gerar efeitos penais, ainda pode ser
realizado no curso da ação penal, na medida em que as normas que tratam desta
matéria antes da entrada em vigor da Lei nº 12.382/2012, não foram expressamente
revogadas por esta.
Ademais, nunca é demais frisar, que nos termos do artigo 9º, da Lei
Complementar nº 95/98262, que atende o previsto no inciso IV do art. 59 da CF/88,
sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, um dispositivo legal
somente pode ser revogado de forma expressa, não havendo que se falar assim, em
revogação tácita de uma lei ou outra.
Além disso, no que tange à necessidade do pagamento do débito tributário
ocorrer antes do recebimento da denúncia, visando a extinção da punibilidade do
agente, a Lei nº 12.382/2012, neste particular, apenas reiterou a redação original do
art. 34 da Lei nº 9.249/95, que vigorava à época em que as Leis nºs 10.684/03 e
11.941/08 entraram em vigor.
262 Art. 9o A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas
138
Por fim, ressalte-se ainda que, na hipótese da Lei nº 12.382/2012 prevalecer
sobre as demais normas em sentido contrário, a mesma, por ser uma lei de caráter
penal, só deve gerar efeitos sobre os débitos tributários constituídos (momento da
consumação do delito tributário) a partir da sua entrada em vigor, ou seja, 01 de
março de 2011, nos termos do artigo 2º, parágrafo único do Código Penal e art. 5º,
inciso XL, da Constituição Federal de 1988.
139
CAPÍTULO V - QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A PROTEÇÃO PE NAL
TRIBUTÁRIA.
1. A criminalização dos ilícitos tributários como q uestão de ultima ratio
do direito penal brasileiro.
Já fora devidamente abordado no decorrer deste trabalho que o direito penal
passou a tutelar a arrecadação tributária, diante da sua importância junto à
sociedade e economia de um país, tanto que, a título de exemplo, o Código Penal
Português de 1886 já tratava do tema ao dispor sobre as infrações aduaneiras.
Susana Aires de Sousa aduz que “trata-se de um bem jurídico colectivo cuja
titularidade pertence à comunidade dos indivíduos, por meio do Estado que se
compromete a realizar uma gestão adequada e a prosseguir objectivos econômicos
e sociais reconhecidos como fundamentais pela sociedade.”263
Entretanto, com base no princípio da intervenção mínima, também conhecido
como ultima ratio, “o poder incriminador do Estado, preconiza que a criminalização
de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de um
determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle
social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é
inadequada e não recomendável.” 264
Desta forma, diante desta premissa, bem como das inúmeras leis
promulgadas no Brasil que permitem a suspensão ou a extinção da punibilidade do
agente que pratica um crime contra a ordem tributária mediante, respectivamente, o
parcelamento ou pagamento do tributo, diversos questionamentos acerca da
necessidade, ou não, da criminalização dos ilícitos tributários passaram a surgir na
doutrina nacional e internacional.
263 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 299. 264 BITENCOURT. Cezar Roberto, op. cit., p. 43.
140
Fabio Romeu Canton Filho, afirma que, no tange aos crimes tributários, “a
solução mais razoável seria o fortalecimento do direito administrativo, com a adoção
de normas rígidas de prevenção e repressão à prática de delitos de natureza
tributária ou econômica, por meio de pessoas jurídicas, com a imposição de
penalidades de caráter não penal.”265
Seguindo a mesma linha, qual seja, a da aplicação do direito penal como
ultima ratio nos delitos tributários, Anabela Miranda Rodrigues, citada por Pedro Luiz
Ricardo Gagliardi, afirma que:
É sabido que ao Estado hoje cabe assegurar ao cidadão não só a liberdade
de ser como a liberdade para o ser. E a satisfação de prestações necessárias
à existência do indivíduo em sociedade deve ser garantida pelo Estado ao
mesmo nível que a protecção dos seus direitos fundamentais, quanto estiver
em causa a lesão ou perigo de lesão dos interesses ou valores aí contidos –o
que vale por dizer, ao nível penal. Bens jurídicos dignos desta protecção são,
na verdade, tanto aqueles que surgem como concretização de valores
jurídico-constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização
econômica, como os que surgem como concretização de valores ligados aos
direitos, liberdade e garantias.
(...)
Com isso, é inequivocamente o critério político-criminal da necessidade que
se reconhece como critério decisivo legitimador da criminalidade de
comportamentos que implicam fuga ilegítima ao Fisco. Que, entretanto,
implica que a decisão criminalizadora não baste como a pura dignidade
constitucional dos valores a proteger, mas obedeça a razões de
subsidiaridade e eficácia.
Significa isso, então, que a decisão de criminalização só está legitimada se
revela, em primeiro lugar, dimensão de ultima ratio: não se encontram à
265 CANTON FILHO. Fabio Romeu, op. cit., p.103.
141
disposição do Estado meios não criminais de política social adequados e
suficientes para a protecção dos valores que está em causa garantir.
E, em segundo lugar, que a referida legitimidade da criminalização só se
alcança se os meios de natureza penal utilizados são aptos a tutelar, de modo
eficaz, os bens ou valores que importa garantir.”266
Ademais, para os que defendem a tese de que a intervenção mínima do
direito penal significaria a abolicionismo, Eduardo Reale Ferrari expõe que
“consoante o princípio da intervenção mínima, o Estado e o seu aparelho penal não
devem fazer mais do que o suficiente na área econômica, intervindo apenas quando
estritamente necessário. O Estado deve ser minimalista em suas intervenções,
pregando por um direito penal mínimo, não se constituindo compulsoriamente em
sinônimo de abolição.”267
Portanto, se o Estado, que é o real destinatário dos impostos recolhidos pelos
contribuintes, abdica do direito de punir o agente que frauda o fisco, mediante o
pagamento do tributo, nada mais salutar que a arrecadação tributária, em que pese a
sua importância para o desenvolvimento social, deixar de ser tutelada pelo direito
penal, para ser abrangida por outros seguimentos do Direito, dentre eles, o direito
administrativo sancionador.
2. A denúncia genérica nos crimes tributários e a s ua flexibilização como
ofensa aos princípios constitucionais do contraditó rio, ampla defesa e
dignidade da pessoa humana.
Conforme já abordado do decorrer deste trabalho, os crimes contra a ordem
tributária são processados mediante ação penal pública incondicionada268. Assim, a
denúncia, peça inaugural nesta ação, deve atender os requisitos do artigo 41 do
266 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da, Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais., p. 545. 267 Ibid., p. 595. 268 Súmula nº 609 do Supremo Tribunal Federal.
142
Código de Processo Penal, sob pena de ser considerada inepta e,
consequentemente, rejeitada pelo magistrado nos termos do artigo 395 do CPP.
Dentre estes requisitos encontra-se a qualificação do acusado ou as
circunstâncias que possam identificá-lo, bem como a individualização da sua conduta
na suposta prática delituosa, pois “a autoria de um delito é o liame que une o fato
delituoso ao seu executor e o estabelecimento desse elo de ligação, via de regra,
não se constitui numa tarefa difícil para o aplicador da lei penal, haja vista a maior
incidência dos crimes denominados monossubjetivos ou de autoria única.”269
Em relação à “coautoria ou participação, a denúncia deve apontar a conduta
de cada coautor ou partícipe individualizadamente.”270 No mesmo sentido, é o
entendimento de Marco Antonio Marques da Silva e Jayme Walmer de Freitas, ao
afirmarem “que a denúncia deve especificar claramente o comportamento de cada
um dos acusados, ainda que diversos, como nos crimes de autoria coletiva”271.
Contudo, esta suposta facilidade em determinar o autor, coautor e partícipe de
um determinado delito, tornou-se uma matéria mais complexa com o surgimento dos
chamados crimes societários, ou seja, aqueles praticados por intermédio de pessoas
jurídicas.
Nestes delitos, dentre eles os crimes contra a ordem tributária, são praticados
pelas pessoas que compõe a administração de uma sociedade, sendo que nem
sempre é possível apurar “a responsabilidade pela tomada das decisões no âmbito
interno das empresas ou entidades, por vezes realizadas de modo colegiado.”272
269 SILVA. Marco Antonio Chaves da, A Autoria Coletiva em Crimes Tributários, p. 77. 270 GRECO FILHO. Vicente, Manual de Processo Penal, p. 144. 271 SILVA. Marco Antonio Marques da; FREITAS. Jayme Walmer, Código de Processo Penal Comentado, p. 105. 272 RUIZ FILHO. Antonio; SICA. Leonardo (coord.), Responsabilidade Penal da Atividade Econômico-Empresarial, p. 459.
143
Assim, diante da dificuldade em adequar a regra do artigo 41 do CPP às
peculiaridades dos crimes tributários, bem como aumento da impunidade relativa a
estes crimes, sugiram na década de 1970 os primeiros precedentes jurisprudenciais
visando a inversão do ônus da prova e a relativização dos princípios da não-
culpabilidade e presunção de inocência nestes delitos.
E o início deste novo entendimento ocorreu no julgamento do RHC nº
50.880273 pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em 25.5.1973, onde se
discutiu o recebimento de queixa por crime de violação do direito de marca, cuja
previsão legal estava contida nos revogados art. 175 e 177 do Decreto-lei 7.903/45.
Na oportunidade o Ministro Relator Rodrigues Alckmin, endossando o parecer
da Procuradoria Geral da República, proferiu o seu voto, acompanhado por pela
maioria dos ministros da 1ª Turma, no sentido de negar provimento ao referido
recurso, sob o argumento de que a mera exteriorização da vontade aliada à
condição de diretor seria fundamento suficiente para o oferecimento da denúncia:
EMENTA: Habeas Corpus – Crime de violação ao direito de marca, de
violação do direito de expressão ou sinal de propaganda e de concorrência
desleal pelo desleal pelo desvio de clientela. Alegação de inépcia da queixa
por falta de descrição da participação de cada um dos querelados nas ações
delituosas – Improcedência – Recurso não provido.
No bojo deste acórdão, o Ministro Rodrigues Alckmin manifestou-se no
seguinte sentido:
Acrescento ainda, que a alegação de que se não descreveu a participação de
cada um dos querelados nas ações delituosas não atentar para a
peculiaridade dos tipos mencionados. Não exigem eles a direita realização
dos atos materiais, que componham as ações, pelos p róprios réus, mas 273 Publicado em 26.9.1973.
144
a extrinsecação da vontade das pessoas físicas, às quais cabe deliberar
sobre a atividade comercial da sociedade. Ora tal, deliberação cabe aos
diretores, não havia descrever a participação de ca da um, como se
tratasse de atos materiais singulares que se fracio nassem ou se
distinguissem no processo executivo dos crimes. (grifo nosso)
Observe que, apesar de não se tratar de um julgamento relativo aos crimes
tributários, o trecho do acórdão ora transcrito revelou o entendimento do STF à
época no sentido de que o julgador, visando viabilizar a denúncia em casos de
autoria delitiva, deveria desprezar a delimitação da autoria e o liame entre a conduta
do agente e os fatos a ele imputados, numa clara demonstração da responsabilidade
penal objetiva.
Além disso, a ausência da ligação entre a conduta do agente e o fato descrito
como crime, na visão do Supremo Tribunal Federal era considerada uma mera
omissão que poderia perfeitamente sanada ao longo da instrução processual.
Neste sentido foi o acórdão proferido nos autos do HC nº 51.451274, também
da 1ª Turma do STF:
EMENTA – Habeas corpus. Crime contra privilégio de invenção. Alegação de
inépcia da queixa, pela fatal de descrição da participação de cada querelado
na ação delituosa. Improcedência. Queixa que contém os requisitos
indispensáveis ao conhecimento da imputação e ao pleno exercício de defesa.
Não é possível exigir, para a propositura da ação penal por crimes em matéria
de propriedade industrial, que a queixa descreva a atividade de cada
querelado nas deliberações reservadas tomadas na sociedade: tal exigência
impune à persecução criminal destes delitos. Ordem de habeas corpus
indeferida.
274 HC nº 51.451. STF 1ª Turma. Min. Rel. Rodrigues Alckmin, DJ 19.12.1973
145
É oportuno salientar, que dentro do voto condutor, ficou consignado que:
...
Desde que a queixa impute a violação do privilégio a todos os pacientes, a
falta da discriminação da conduta de cada um destes poderia, no máximo, ser
censurada como omissão suprível a todo tempo antes da decisão final.
Desta forma, com base neste posicionamento dos nossos tribunais acerca do
tema, e também diante da suposta dificuldade em individualizar a conduta de cada
agente na prática dos delitos societários, foi concedido ao Ministério Público uma
condição de hipossuficiente na relação processual, o que lhe garantia o direito de
apresentar uma denúncia genérica em casos de autoria delitiva.
No entanto, diante desta prerrogativa concedida ao órgão acusador, este
passou a denunciar, em casos de crimes cometidos no âmbito de uma sociedade,
todos os sócios com poderes de gerência que compunham o quadro societário. Esta
denúncia, não necessitava descrever a contribuição de cada na suposta prática
delituosa, pois havia uma presunção de que estes agentes teriam de alguma forma,
em razão o cargo que ocupavam, praticado ou autorizado os atos.
Este foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento dos RHC
nº 59.857/SP e RHC nº 53.362.
Portanto, num primeiro momento, percebe-se que, com o intuito de evitar o
sentimento de impunidade nos delitos societários e visando combater esta nova
modalidade de criminalidade que surgiu com a evolução das relações sociais, os
nossos tribunais, mais precisamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça, afrouxaram as garantias constitucionais, ao permitirem que,
nestes delitos, não haveria a necessidade da descrição pormenorizada da
participação pessoal de cada acusado no ato da denúncia.275
275 RHC nº 65.369/SP, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento 02/10/1987; HC nº 75.868/RJ, STF. 2ª Turma, Rel. Min. Mauricio Correa, julgamento 10/02/1998; HC nº 74.813/RJ, STF. 1ª Turma, Rel. Min.
146
No entanto, este posicionamento possibilitou aos órgãos de acusação a
possibilidade de oferecer denúncias criminais onde a autoria delitiva era baseada
totalmente no quadro societário de uma determinada empresa, ou seja, o parquet
estava autorizado a denunciar um agente pelo simples fato dele compor o quadro
societário na função de sócio gerente, sendo que cabia a este, numa clara inversão
do ônus da prova, comprovar no decorrer da instrução processual, qual era a sua
função dentro da administração da empresa e acima de tudo, provar que não teve
qualquer ligação com o suposto crime praticado.
Assim, esta postura da acusação, corroborada pelos nossos tribunais à
época, ocasionou a configuração da Responsabilidade Penal Objetiva,
extremamente vedada no direito penal pátrio, pois apesar de não ser exigível nos
crimes societários, a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, deveria o
órgão acusatório estabelecer um vínculo entre os denunciados e a empreitada
criminosa as eles imputada, ou seja, deveria descrever ao menos o modo como cada
denunciado concorreu para a prática delitiva, o que nitidamente infringia aos
princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, da dignidade da pessoa,
devido processo legal, bem como à Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica.)
Vale ressaltar que a responsabilidade objetiva não se presume, sendo
extremamente necessário apontar, ainda que minimamente, a contribuição dos
acusados para a prática do delito em questão, ou seja, a acusação deveria informar
no bojo da denúncia como foi a atuação de cada acusado na suposta prática do
crime de falsidade ideológica, e não apenas atribuir a eventual autoria, pelo simples
fato dos mesmos serem sócios-gerentes da empresa autuada, como foi realizado.
Assim, visando adaptar as garantias constitucionais ao processo penal, tanto
o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal reformaram o seu
Sydney Sanches, julgamento 09/09/1997; RHC nº 906/RJ, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJ 18;02/1991; RHC nº 1961/RJ, STJ, 6ª Turma, Rel. Min Adhemar Maciel, DJ 17/12/1992.
147
entendimento, exigindo mais rigor em relação aos requisitos para veiculação da
pretensão punitiva estatal, priorizando assim, os princípios do devido processo legal
e da ampla defesa, como essenciais ao Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, foram os julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de
Justiça:
CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.
TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRI ME
SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELA ÇÃO DO
PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍP IO DA
AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO AO CO-RÉU.
PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO
PREJUDICADA.
I. Hipótese em que os pacientes foram denunciados pela suposta prática de
crime contra a ordem tributária, pois, na condição de responsáveis contratuais
e legais pela gerência e administração de empresa, teriam, em tese, omitido
informação ou prestado declaração falsa às autoridades fazendárias.
II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários,
em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça
do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição
pormenorizada da conduta de cada agente –, não significa que o órgão
acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados
e a empreitada criminosa a eles imputada.
III. O simples fato de ser sócio ou administrador d e empresa não autoriza
a instauração de processo criminal por crimes prati cados no âmbito da
sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem
aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima re lação de causa e
efeito entre as imputações e a sua função na empres a, sob pena de se
reconhecer a responsabilidade penal objetiva.
148
IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre
os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla
defesa, tornando inepta a denúncia.
V. Precedentes do STF e do STJ.
VI....” (grifos nossos)276
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 168- A, DO
CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA I NEPTA.
A inicial de acusação que, sucinta e genérica, não descreve objetiva e
concretamente conduta delitiva e a participação do denunciado é formalmente
inepta, dada a inobservância do disposto no art. 41 do CPP.277
HABEAS CORPUS. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO E
CONTRABANDO OU DESCAMINHO. DENÚNCIA CONTRA OS
DIRETORES E O SÓCIO MAJORITÁRIO DA EMPRESA. EXIGÊNC IA DA
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE DELITUOSA DE CADA UM.
CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.
Em se tratando de crimes societários de autoria coletiva, a doutrina e a
jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do
Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações , quando nem
sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar uma
descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em
conseqüência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem
como violador do regramento de regência.
Não se admite, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta,
denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve
detalhamento da atuação de cada um dos indicados, sem o que, por certo,
se inviabilizará o exercício amplo do direito de defesa.
276 HC nº 43.210 – SP, 5ª Turma do STJ, Rel. Ministro Gilson Dipp. 277 RESP 613948/RJ, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. FELIX FISCHER, DJ 08.11.2004.
149
No caso, mostra-se inepta a peça acusatória, que in voca a condição do
paciente de sócio majoritário da empresa para viabi lizar a peça
acusatória, sem fazer qualquer referência à sua pa rticipação na
atividade considerada delituosa, incluindo, também os nomes de
dirigentes por constarem do contrato social, respon sabilizando todos de
forma objetiva .
Habeas corpus concedido para trancar o andamento da ação penal, por
inépcia da denúncia, sem prejuízo do oferecimento de uma nova peça
acusatória, estendida aos demais co-réus.” 278(grifo nosso).
PENAL. PROCESSUAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO. CRIME COMET IDO
CONTRA INTERESSES DA UNIÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. "HABEAS
CORPUS"
1. Nos chamados crimes societários, imprescindível que a denúncia descreva,
pelo menos, o modo como o acusado concorreu para o crime.
2. A mera invocação da condição de sócio, gerente ou administrador, sem a
descrição da conduta, não basta para viabilizar a peça acusatória, por impedir
o pleno direito de defesa. Denúncia inepta.
3. "Habeas Corpus" conhecido; pedido deferido.279
PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. CRIME CONTRA A ORD EM
TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENT O.
A denúncia deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias (CPP, art. 41), com adequada indicação da conduta ilícita
imputada ao réu, de modo a propiciar-lhe o pleno exercício do direito de
defesa, uma das mais importantes franquias constitucionais.
- Contém a mácula da inépcia a denúncia que formula acusação genérica de
prática de crime contra a ordem tributária, sem apontar de modo
circunstanciado a participação da ré no fato delituoso. 278 HC 23819/SP, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Paulo Gallotti, DJ 06.09.2004.
279 HC 16318, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. Edson Vidigal, DJ 04.02.2002.
150
A mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa, na qual se constatou a
ocorrência de crime de sonegação fiscal, não autoriza que contra o mesmo
diretor seja formulada uma acusação penal em Juízo.
Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido.280
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CON TRA
A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA CONTRA TODOS OS SÓCIOS .
POSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE
DELITUOSA DE CADA UM. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO .
RECURSO PROVIDO.
1. Nos crimes chamados societários, de autoria coletiva, é possível oferecer
denúncia contra todos os sócios de uma empresa, desde que se opere uma
descrição da atividade de cada um, não se exigindo um grande
detalhamento, sem o que não se viabilizará o pleno exercício do d ireito de
defesa, mostrando-se inepta a peça acusatória que i nclui os nomes de
todos, sem fazer qualquer referência à sua particip ação na atividade
considerada delituosa.
2. Recurso em habeas corpus provido, trancando-se a ação penal em relação
à paciente, estendida a ordem a co-réu, ressalvada a possibilidade de nova
instauração.281 (grifos nossos)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES SOCIETÁR IOS.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA
INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, AINDA QUE MÍNIMA, DO
ENVOLVIMENTO DO PACIENTE COM OS FATOS DELlTUOSOS.
1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal
pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando
280 HC 11459, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Vicente Leal, DJ 14.08.2000. 281 HC 11537-DF, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Paulo Gallotti, DJ 08.10.2001.
151
emerge dos autos, de forma inequívoca. a inocência do acusado, a atipicidade
da conduta ou a extinção da punibilidade.
2. Na hipótese em testilha, todavia, não se justifica a ação penal,
porquanto a denúncia , embora demonstre, de forma suficiente, a
existência de um grande esquema de evasão de divisa s, entre outros
delitos,não conseguiu evidenciar, com provas mínima s, a contribuição
do ora Paciente para a ocorrência de tais condutas. Ampara-se, apenas,
em meras suposições de seu envolvimento com os fato s delituosos,
que, inclusive, são afastados pelos documentos acos tados aos autos .
3. Recurso provido para determinar, em relação ao ora Paciente, o
trancamento da ação penal n.º 2003.70.00.047435-9.282
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DEN ÚNCIA
CONTRA OS SÓCIOS DA EMPRESA. EXIGÊNCIA DA DESCRIÇÃO DA
ATIVIDADE DELITUOSA. CONSTRANGIMENTO CARACTERIZADO.
ORDEM CONCEDIDA.
1. Em se tratando de crimes societários, de autoria coletiva, a doutrina e a
jurisprudência têm procurado abrandar o rigor do disposto no art. 41 do
Código de Processo Penal, dada a natureza dessas infrações, quando nem
sempre é possível, na fase de formulação da peça acusatória, operar a uma
descrição detalhada da atuação de cada um dos indiciados, admitindo-se, em
conseqüência, um relato mais generalizado do comportamento que se tem
como violador do regramento de regência.
2. Não se admite, contudo, pelo evidente constrangimento que acarreta,
denúncia de caráter absolutamente genérico, sem ao menos um breve
detalhamento da atuação de cada um dos indiciados, sem o que, por certo, se
inviabilizará o exercício amplo do direito de defesa.
3. Mostrando-se inepta a peça acusatória, que invoca a condição dos
pacientes de sócios da empresa para viabilizar a peça acusatória, sem fazer
282 RHC 15.887/PR, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. Laurita Vaz, DJ de 28/02/2005.
152
qualquer referência às suas participações na atividade considerada delituosa,
evidenciado o constrangimento ilegal.
4. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal de que aqui se trata,
por inépcia das denúncia, sem prejuízo do oferecimento de nova peça
acusatória, estendida a ordem aos demais corréus.283
CRIMINAL. HC. DESCAMINHO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. I NÉPCIA
DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. IMPUTAÇÃO BASEADA NA
CONDIÇÃO DE SÓCIO DE EMPRESA. NECESSIDADE DE DESCRI ÇÃO
MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOS OS.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA D EFESA.
ORDEM CONCEDIDA.
Hipótese em que o Ministério Público imputou ao paciente a suposta prática
dos crimes previstos no art. 1º, incisos I e II da Lei nº 8.137/90, arts. 334, § 1º,
"c" e 288 c/c art. 29 e 69, do Código Penal, pois, na condição de sócio-
administrador da empresa, teria importado mercadorias acabadas para a Zona
Franca de Manaus, falsamente declaradas como insumos para
industrialização, e realizado a distribuição de tais mercadorias para o resto do
país como se tivessem sido produzidos naquela localidade, como forma de
usufruir de regime tributário especial.
O entendimento desta Corte de que não se exige, nos crimes societários, a
descrição pormenorizada da conduta de cada agente, não significa que o
órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre o
denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada.
O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador de empresa não
autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito
da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem
aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito
entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer a
responsabilidade penal objetiva.
283 HC nº 62786-SP, 6ª Turma do STJ, Min. Rel. Haroldo Rodrigues, DJ de 05/10/2009
153
A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os
fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa,
tornando inepta a denúncia.
Precedentes do STF e do STJ.
Deve ser declarada a inépcia da denúncia e determinada a anulação da ação
penal em relação ao paciente. Ordem concedida, nos termos do voto do
Relator.284 (grifo nosso)
Já de maneira mais contundente, ou seja, atendendo aos princípios
constitucionais norteadores do processo do processo penal, foi o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal acerca do tema:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. DE NÚNCIA
GENÉRICA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA.
Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública.
Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela
deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo
imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou
omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os
Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade
de cada agente, é inepta.
O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro
é o pessoal (subjetivo).
A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria
coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima
da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a
284 HC 171976 / PA, 5ª Turma do STJ, Min. Rel. GILSON DIPP , DJe de 13/12/2010.
154
desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de
vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado .
Habeas deferido.285
1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos
típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos
descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias
constitucionais do devido processo legal (due processo of Law). Nulidade
absoluta e insanável. Superveniência de sentença condenatória. Irrelevância.
Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação
do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de
narração deficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes de
defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença
condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.286
EMENTA: Habeas Corpus. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime
ambiental previsto no art. 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento
em um oleoduto da Petrobrás. 5. Ausência de nexo causal. 6.
Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao
dirigente da Petrobrás. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação
para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos.
8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o
suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre a conduta dos dirigentes da
empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da
assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se
atribuir ao individuo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. Habeas Corpus
concedido.287
285 HC 80549/SP, 1ª Turma do STF, Min. Rel. NELSON JOBIM, DJ de 24/08/01. 286 HC nº 83.301-2/RS, 1ª Turma do STF, Min. Rel. Cezar Peluso. 287 HC nº 83.554/PR, STF. Min. Rel. Gilmar Mendes, DJ 28.10.2005.
155
EMENTA: 1. Habeas Corpus. Crimes contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137,
de 1990). Crime societário. 2. Alegação de denúncia genérica e que estaria
respaldada exclusivamente em processo administrativo. Ausência de justa
causa para ação penal. Pedido de trancamento. 3. Dispensabilidade do
inquérito policial para instauração de ação penal (art. 46, § 1º, CPP). 4.
Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários,
que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não
individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que
os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da
sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos.
Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ
de 03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ
de 24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria
para acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel.
Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma,
unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 5. Necessidade de
individualização das respectivas condutas dos indiciados. 6. Observância dos
princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa,
contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º,
III). Precedentes: HC nº 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 13.12.1996; e HC nº 70.763-DF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min.
Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 7. No caso concreto, a denúncia é inepta
porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta dos
pacientes. 8. Habeas corpus deferido.288
Portanto, percebe-se com o passar dos anos, que a tendência dos nossos
tribunais foi de consolidar um posicionamento franco e inflexivelmente garantista,
sempre em prestígio dos essenciais princípios constitucionais do devido processo
legal, contraditório e da ampla defesa.
288 HC nº 85.327/SP, STF. Min. Rel. Gilmar Mendes, DJ 20.10.2006.
156
CONCLUSÃO.
A Constituição Federal de 1988 definiu em seu artigo 1º que o Brasil constitui-
se em um Estado Democrático de Direito, cujos alicerces de sustentação são a
soberania popular, a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
A principal função deste regime é impor a todos os seus componentes um
tratamento igualitário, de modo a garantir a justiça social e também não permitir
desigualdades entre os cidadãos.
Assim, para que este fim seja alcançado, o Estado deve investir em educação,
segurança, alimentação, moradia, saúde, transporte e outros meios indispensáveis à
subsistência da população, sendo que os recursos necessários para tal tarefa
inevitavelmente são oriundos do pagamento de impostos.
Desta forma, diante da importância que o bem jurídico tributário representa
para o Brasil, a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, I a IV, de
maneira implícita, passou a tutelá-lo, sendo que no âmbito do Direito Penal, leis
foram criadas para criminalizar a conduta daqueles que visavam fraudar a
fiscalização tributária no intuito de suprimir ou redução o pagamento de impostos.
Dentre elas, a Lei nº 8.137/90, que está em vigor atualmente, prevê em seus
artigos 1º e 2º os crimes praticados por particulares contra a ordem tributária. Já no
artigo 3º, encontram-se previstos os crimes praticados por funcionários públicos
contra o erário público, numa prova que o direito penal tutela a ordem tributária como
um todo e não somente o interesse do Estado na arrecadação de tributos.
Ainda sobre as condutas típicas previstas nos artigos 1º e 2º, da Lei nº
8.137/90, percebe-se que o intuito do legislador não foi penalizar a falta de
pagamento de tributos, mas sim, o não recolhimento ou o recolhimento a menor
157
mediante fraude, que por sua vez, caracteriza-se pela omissão ou pela prestação de
informações falsas.
Ademais, para a caracterização dos crimes tributários, não basta a prática das
condutas elencadas nos artigos ora citados, mas também que o agente haja com o
dolo específico de burlar a administração tributária e, além disso, que a conduta por
ele praticada seja apta a suprimir ou reduzir tributos. Outrossim, diante desta
premissa, não há que falar em crime contra a ordem tributária na modalidade
culposa.
No que tange ao processo penal tributário, é importante destacar que a
ausência da constituição definitiva do débito tributário ou do lançamento do tributo
pela autoridade administrativa, é condição objetiva de punibilidade, ou seja,
enquanto perdurar o processo administrativo tendente a apurar o valor do tributo
devido, bem como o sujeito passivo da relação tributária, o ministério público não
poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou oferecer denúncia criminal em
relação aos crimes contra a ordem tributária.
Este entendimento encontra-se pacificado atualmente no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, por meio da Súmula Vinculante nº 24, em que pese a 1ª Turma
desta Corte ter afastado, recentemente, o teor da respectiva súmula em um caso
específico sobre sonegação fiscal.
Ainda a respeito da constituição definitiva do débito tributário, este aspecto
também determina o momento da consumação das figuras típicas no artigo 1º da Lei
nº 8.137/90, que são delitos materiais e, consequentemente, o início do prazo
prescricional relativo a estes crimes, nos termos do artigo 111, §1º do Código Penal.
O presente trabalhou verificou também, que determinados momentos, houve
uma tendência dos nossos tribunais em flexibilizar os requisitos processuais exigidos
para o oferecimento de denúncias pelo Ministério Público, principalmente em relação
158
aos crimes tributários, o que gerou a apresentação de peças iniciais genéricas pelo
órgão acusador, ou seja, sem a individualização da conduta de cada agente.
Um dos argumentos deste comportamento processual foi o de garantir a
punição nestes delitos, em face da dificuldade de individualizar a conduta dos
agentes. Porém, esta não observância dos direitos e garantias individuais dentro do
processo penal tributário, também pode ser atribuída ao aumento da criminalidade
global, ou criminalidade moderna, que tem como principal expoente o Direito Penal
Econômico.
É sabido que os delitos econômicos (gênero), assim como os tributários
(espécie), podem afetar a economia nacional e até transnacional. Logo, visando
evitar este fenômeno, o Estado tende a assumir uma postura mais repressora na
esfera penal, sendo que a principal conseqüência desta atitude é a diminuição das
garantias constitucionais e o endurecimento das regras processuais na seara dos
delitos tributários, conforme acima exposto.
Por fim, diante da já debatida importância da arrecadação tributária, que serve
de fundamento para a proteção penal que lhe é destinada pelo legislador, que, por
sua vez, visa punir criminalmente aquele que frauda o erário público, percebe-se
também uma grande preocupação do Estado em garantir o recebimento dos tributos
sonegados.
Esta preocupação, inclusive em países como Portugal e Espanha, é
materializada por meio das inúmeras legislações editadas para este fim, que
garantem ao agente acusado pela prática de crime a contra ordem tributária, a
suspensão da pretensão punitiva ou a extinção da sua punibilidade, mediante o
parcelamento ou pagamento do tributo devido, respectivamente.
Assim, se o Estado, visando alcançar o seu objetivo maior, qual seja, a
materialização do Estado Democrático de Direito, através da construção de uma
159
sociedade igualitária e que respeite a dignidade da pessoa humana, abre mão da
punição na esfera penal relativa aos delitos tributários, em troca da garantia do
recebimento do tributo, vislumbra-se que o bem jurídico tributário ou o combate à
sonegação fiscal, podem perfeitamente serem disciplinados por outros ramos do
Direito, como, por exemplo, em situações que envolverem pessoas que infringirem
as normas tributárias de maneira eventual e que não representem um perfil voltado a
prática delituosa.
Já o Direito Penal, no que tange ao assunto em questão, deve ser utilizado
somente em situações extremas, onde os outros ramos do direito não forem capazes
de dirimir o conflito existente em contribuinte e Estado.
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