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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE DOUTORADO EM SOCIOLOGIA
ELAINE CRISTINA CARRARO
O INSTITUTO HISTRICO DE PARIS: ELEMENTOS PARA UMA PR-HISTRIA DA SOCIOLOGIA
CAMPINAS 2009
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Ficha elaborada por Ceclia Maria Jorge Nicolau CRB n 3387
Ttulo em ingles: Historical Institute of Paris: elements for a prehistory of sociology
Palavras chaves em ingls (keywords) :
rea de Concentrao: Sociologia
Titulao: Doutor em Sociologia
Banca examinadora:
Data da defesa: 22-06-2009
Programa de Ps-Graduao: Sociologia
Historical Institute of Paris Sociology - History Morality Social surveying Races
Renato Jos Pinto Ortiz, Mrcia Consolim, Fernando Novais, Elide Rugai Bastos, Fernando Antnio Loureno
Carraro, Elaine Cristina C231i O Instituto Histrico de Paris: elementos para uma pr-
histria da sociologia / Elaine Cristina Carraro. - - Campinas, SP : [s. n.], 2009.
Orientador: Renato Jos Pinto Ortiz. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Buchez, Phillippe, 1796-1865. 2. Instituto Histrico de Paris. 3. Sociologia Histria. 4. Moralidade. 5. Levantamentos sociais. 6. Raas. I. Ortiz, Renato Jos Pinto, 1947- II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.
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AGRADECIMENTOS
Foram muitos aqueles que, de forma direta ou indireta, colaboraram para que este
trabalho se concretizasse. Ser difcil citar todos os nomes, mas tentarei faz-lo.
Agradeo aos meus pais, Moacir e Marisa, pelo amor e apoio constante.
Ao meu orientador, Renato Ortiz, por ter acreditado em meu trabalho, pela
disposio com a qual sempre me atendeu e pelas exigncias to precisas, como a do
estgio em Paris.
Aos professores Fernando Novais e lide Rugai Bastos, pelas preciosas sugestes feitas no exame de qualificao.
professora Marion Aubre, pela orientao durante o estgio na EHESS. Aos professores Afrnio Garcia e Marie-Claude Munoz.
Ao professor Antoine Savoye, pela conversa to atenciosa.
Ao professor Fernando Loureno, pelas valiosas sugestes feitas ao projeto e pelas palavras de incentivo.
Senilde Guanaes, pelas informaes e apoio. s amigas Tatiana, Tatiana Fonseca, Luciana, Giu e Fabi, pela ajuda, amizade e
palavras sempre to gentis. Giuliana, agradeo tambm pela leitura da tese, ajudando a minimizar a turbulncia dos momentos que antecederam a entrega do texto.
Paula, pela recepo to generosa em Paris. Marcia, com quem compartilhei os desafios referentes pesquisa.
Ao Edilson, pela companhia agradvel em momentos to especiais.
A estada em Paris tornou-se mais profcua e feliz graas aos queridos Grard
Dumenil, Mme. Thomas, George Goma, Rodrigues, Annie e Gilles e Jareth.
Aos funcionrios das vrias bibliotecas que frequentei em Paris: Bibliothque de la
Maison des Sciences de lHomme; Bibliothque de Sociologie CNRS Iresco;
Bibliothque Ste-Genevive; Bibliothque de la Maison Internacionale Universitaire de
Paris; Bibliothque Historique de la Ville de Paris; Bibliothque de lArsenal (BNF); Bibliothque de la Sorbonne.
Aos funcionrios da Biblioteca do IFCH.
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Aos funcionrios da Secretaria de Ps-Graduao do IFCH, em especial Christina.
Aos funcionrios do Arquivo Edgard Leuenroth.
CAPES, pela bolsa de doutorado sanduche, concedida no perodo de janeiro a dezembro de 2006. Seu apoio permitiu o acesso a uma bibliografia muito importante para
esta pesquisa.
FAPESP, pelo financiamento desta pesquisa.
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RESUMO
Esta pesquisa analisa a emergncia do pensamento sociolgico na Frana por meio da
produo intelectual dos membros do Instituto Histrico de Paris (IHP), com o auxlio de documentos manuscritos e de publicaes concernentes s atividades deste Instituto entre
1834, ano de sua criao, e 1850. O IHP, criado por Eugne de Monglave, pretendia
estimular exclusivamente a pesquisa histrica, mas, de fato, seus estatutos e atividades
indicam uma forte proximidade com a cincia social. Sustentamos que essa aproximao
sociolgica ocorreu por meio da escola bucheziana, liderada por Philippe Buchez, de
origem saint-simoniana, que continuou fiel ao projeto de Saint-Simon, de constituir uma cincia social. Particularmente, o IHP empreendeu uma tentativa de definio da cincia
social e promoveu a pesquisa sociolgica por meio de discusses ocorridas nos Congressos
Histricos anuais organizados pela sociedade. A anlise das idias debatidas no IHP, sobre
a necessidade de reorganizao moral da sociedade, a teoria das raas, o higienismo e as
pesquisas estatsticas esclarecem algumas condies de surgimento, ambies e
preocupaes que caracterizaram o perodo pr-disciplinar da sociologia.
Palavras-chave: Instituto Histrico de Paris, Sociologia - histria, moralidade,
levantamentos sociais, raas.
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ABSTRACT
This research analyzes the sociological thought emergence in France through the
intellectual production of Historical Institute of Paris (IHP) members, with support from manuscript documents and publications regarding this institute activities between 1834, its
foundation year, and 1850. The IHP, founded by Eugne de Monglave, intended to
exclusively stimulate historical research, but actually its statutes and activities indicate a
strong closeness with social science. We support that this sociological closeness
happened through the Buchezian school, leaded by Philippe Buchez, from a saint-simonian
origin, who kept loyal to Saint-Simons project of constituting a social science. Particularly, IHP undertook an attempt of social science definition and promoted sociologic
research through discussions that happened at annual Historical Conferences organized by
the society. The analysis of the ideas debated at IHP about the society moral re-organization
demand, races theory, hygienism and statistic research elucidate some conditions of
emerging, ambitions and concerns that featured sociology pre-disciplinary period.
Keywords: Historical Institute of Paris, Sociology-history, morality, social surveying,
races.
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SUMRIO INTRODUO, p. 1
PARTE I: Sobre o IHP - origem, funcionamento, relaes, objetivos e definies Captulo 1 - O Instituto Histrico de Paris e a Monarquia de Julho: dissonncia e harmonia, p. 9
1. Composio e funcionamento, p. 12 1.1. As publicaes: Journal de lInstitut Historique e lInvestigateur, p. 19 1.2. Congresso Histrico, p. 21 1.3. Cursos pblicos, p. 21
2. Franois Eugne Garay de Monglave: o mentor, p. 22 3. A relao com o governo, p. 26
Captulo 2 - Um projeto cientfico, p. 39 1. A busca da neutralidade, p. 57
Captulo 3 - A preeminncia da histria filosfica: primeira forma de sociologia, p. 61 1. A questo do mtodo, p. 62 2. A classe de Histria Geral e Histria da Frana, p. 70 3. A classe de Histria das Lnguas e Literaturas, p. 79
PARTE II: As cincias sociais no IHP
Captulo 1 - Histria til e moral: promovendo a regenerao moral da sociedade, p. 89 Captulo 2 - Aproximaes sociolgicas, p. 119
1. Constituir a cincia social: uma tarefa possvel?, p. 127 2. Philippe Buchez: o socilogo do IHP, p. 134
2.1. Sua trajetria, p. 138 2.2. A cincia social bucheziana e o Instituto Histrico de Paris, p. 151
3. Alexandre Victor Courtet: histria e idia de raa na origem do pensamento sociolgico, p.163 Contextualizando o debate, p. 165 3.2.Courtet de lIsle: influncias saint-simonianas e projeto sociolgico, p. 170
3.3.A recepo de Courtet de lIsle e a idia de Raa no IHP, p. 183 Captulo 3 - Estatstica e medicina: tentativas de cientificizao das cincias sociais, p.191
1. A contribuio da medicina, p. 206 2. Medicina e observao social, p. 211 3. Da higiene pesquisa social, p. 215 4. A contribuio da estatstica criminal e moral, p. 220
APRECIAO FINAL, p. 231 BIBLIOGRAFIA, p. 237 ANEXO, p. 257
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INTRODUO
Esta pesquisa analisa a relao da emergncia do pensamento sociolgico na Frana,
na primeira metade do sculo XIX, com a produo intelectual dos membros do Instituto
Histrico de Paris (IHP)1. Os documentos referentes s atividades do IHP constituem-se de manuscritos (1834-1846) e de publicaes: Journal de lInstitut Historique, que em 28 de dezembro de 1840 tornou-se LInvestigateur. O perodo delimitado nessa pesquisa abrange
as duas primeiras dcadas de mais intensas atividades do Instituto, 1834 a 1850. Coincide
aproximadamente com o contexto da Monarquia de Julho (1830-1848)2, momento de intensos debates no qual a questo social estava na ordem do dia, e quando ocorreu a
ecloso de vrios projetos de reorganizao da sociedade. Academias e instituies como o IHP desempenharam papel decisivo na produo intelectual do sculo XIX, aplicando uma
espcie de poltica de pesquisa (Matalon, 1992), orientando a atividade de pesquisadores pela escolha de temas propostos para concursos e debates. A Monarquia de Julho
caracterizou-se como um perodo especial para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa
histrica. Os historiadores da poca dispunham de informao e documentao novas e
incomparavelmente mais acessveis e mais completas do que existiu no passado.
Impulsionados pelos empreendimentos do Ministrio da Instruo Pblica, o ensino e a
pesquisa histrica experimentaram um momento fecundo e inovador.
1 Sobre o nome do Instituto, Faria afirma: Apesar da projeo da maioria dos membros brasileiros
na vida nacional, o Instituto de Paris foi mal conhecido no Brasil. (...) Parece-nos muito revelador o modo pelo qual um bigrafo, como Sacramento Blake, cita os diplomas do Instituto Histrico nas biografias dos scios brasileiros. (...) o nome vem com freqncia como Instituto de Paris ou mesmo Instituto de Frana, ora em maisculas, ora em minsculas. A confuso do Instituto Histrico de Paris com o Instituto de Frana, sobretudo, salienta o pouco valor dado Sociedade que confere o diploma. Um exame mais atento deles revelaria a impossibilidade de tantos brasileiros pertencerem s certamente conhecidas Academias Francesa, de Cincias ou de Belas-Artes (1970, p. 74). O nome da sociedade estudada , de fato, Instituto Histrico; a bibliografia brasileira (Faria, 1970; Pinassi, 1998; Guimares, 1988)), no entanto, talvez porque enfoque mais a participao de brasileiros na sociedade, convencionou cham-lo de Instituto Histrico de Paris, nomenclatura que adotamos neste trabalho. Apesar disso, tambm tratamos a sociedade pelo nome de Instituto Histrico, afinal este nome que encontramos nos documentos com os quais lidamos na pesquisa. Vale notar que a confuso com relao ao nome da sociedade ocorreu no Brasil e na Frana, como se pode perceber nas correspondncias analisadas neste trabalho.
2 A Monarquia de Julho foi proclamada em agosto de 1830, aps os Trs Gloriosos 27, 28 e 29
de julho de 1830; quando o povo de Paris e as sociedades secretas republicanas fizeram uma srie de levantes
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Este Instituto aporta um interessante discernimento sobre a sociologia pr-
disciplinar, sua influncia em diversas reas do conhecimento, sua relao com o
conhecimento histrico, o carter de suas preocupaes, alguns avanos e limites. O
Instituto Histrico de Paris, criado por Franois Eugne Garay de Monglave, pretendia
encorajar, dirigir, propagar os estudos histricos na Frana e no estrangeiro, para estudar tudo o que constitui a cincia histrica. Era seu objetivo dar exclusividade aos estudos histricos, mas, de fato, estabeleceu uma intensa e variada relao com o pensamento
sociolgico caracterstico do perodo. Mais do que isso, o IHP promoveu e divulgou idias
sociolgicas, que podem ser percebidas, de modo geral, nos seus estatutos, nos debates a
respeito das pesquisas estatsticas, nas questes tratadas nos Congressos Histricos e na
contribuio de dois de seus membros, Philippe Buchez e Alexandre Victor Courtet
(chamado Courtet de lIsle). De modo particular, a classe de Histria das Cincias Sociais e Filosficas formulou uma tentativa de constituio da cincia social e assim como as outras
classes, embora de modo mais marcante, estimulou pesquisas de carter essencialmente
sociolgico. Considera-se que essa relao com a sociologia, que nos primeiros anos
de atividade do IHP ainda no existia com essa nomenclatura, tenha ocorrido por meio de
uma aproximao com as idias da escola bucheziana, dissidente da escola saint-simoniana
e que permaneceu fiel aos objetivos de constituio da cincia social. Analisando os documentos referentes s publicaes e aos manuscritos do IHP, que
sintetizam o projeto, as motivaes e as idias promovidas pela sociedade, pode-se discernir alguns elementos fundamentais da sociologia no perodo pr-disciplinar. A esse respeito,
nota-se, principalmente, a influncia da filosofia da histria, das teorias biolgicas da
evoluo, a defesa de uma reforma social e moral da sociedade, para a qual os
levantamentos das condies sociais eram considerados de muita importncia (Bottomore, 1967).
Como j foi mencionado, este estudo concentra-se no perodo pr-disciplinar ou na pr-histria da sociologia. Trata-se, pois, de conhecer o passado promissor das cincias
sociais (Ortiz, 1989), j que a era clssica da sociologia s teve incio na dcada de 1880 (Ortiz, op. cit.; Mucchielli, 2001) e, conforme Therborn (1980), estendeu-se at
contra Carlos X. Lus Filipe, filho de Lus Filipe Jos de Orleans, assumiu o poder e tornou-se conhecido como o Rei dos Franceses. Governou a Frana sob uma monarquia constitucional de 1830 a 1848.
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aproximadamente 19203. O discurso sociolgico analisado abrange o perodo no qual
Therborn (1980, p. 115) afirma ter surgido a sociologia fora das universidades, como um conjunto de pensamento artesanal, e Bottomore (1967, p. 17) chama de pr-histria da sociologia que, segundo ele, compreende cerca de uns cem anos, mais ou menos entre
1750 e 1850. Para Heilbron (2006), o estgio pr-disciplinar da sociologia corresponde ao perodo que vai de 1600 at a metade do sculo XIX. Mas segundo o autor, entre 1750 e
1850 ocorreram importantes mutaes hierrquicas que favoreceram a sistematizao da
cincia social. Essa transformao se produziu entre 1775 e 1814 e seus principais
protagonistas foram Cabanis e Condorcet. A partir de ento, as relaes sociais passaram a
ser entendidas como o domnio de uma nova cincia. Foi quando a expresso cincia
social entrou em vigor para designar o que era percebido como uma extenso das cincias
existentes. Conforme esse autor, o estgio que compreende a queda de Napoleo, em 1814,
at a metade do sculo XIX foi marcado por uma difuso mais ampla das teorias sociais,
por uma diversidade de abordagens e por um incio de disciplinarizao.
Nosso interesse pelo Instituto Histrico de Paris foi despertado pelo contato com a
literatura brasileira que analisa a participao de brasileiros nessa sociedade, entre os anos
de 1834 e 1856, fato que inspirou a criao do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
em 1838. Ao que tudo indica, Antnio Cndido, em Formao da Literatura Brasileira, foi
o primeiro a observar esse contato entre brasileiros e franceses na primeira metade do
sculo XIX. Porm, o nico trabalho dedicado totalmente ao Instituto de que temos
conhecimento Brasileiros no Instituto Histrico de Paris, de Maria Alice Faria. Em 1960,
Faria foi Paris, sob a orientao do professor Antnio Cndido, a fim de fazer uma
pesquisa sobre a permanncia em Paris de Magalhes e Porto Alegre, autores da Revista
Nitheroy, publicada em Paris, entre os anos de 1833 e 18364. Aps ter consultado o Journal
de LInstitut Historique, cuja coleo encontra-se na Bibliothque Nationale de France, Faria escreveu esse livro, no qual expe a estrutura de funcionamento do Instituto e
algumas informaes sobre vrios de seus membros; mas, sobretudo, a autora ressalta a
participao de brasileiros. No entanto, Faria no aprofunda a anlise dos debates ali
3 Esta a era de mile Durkheim na Frana, de George Simmel na Alemanha, do italiano Vilfredo
Pareto, e dos fundadores norteamericanos, desde Loster Ward a Charles Cooley. nesse perodo em que a sociologia se torna em disciplina universitria na Frana e nos EUA.
4 Esta revista considerada o manifesto do romantismo brasileiro.
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travados; antes, privilegia os temas literrios e dedica ateno especial classe de Histria
das Lnguas e Literaturas. H tambm a pesquisa desenvolvida por Maria Orlanda Pinassi5:
O Instituto Histrico de Paris e o Pensamento Brasileiro entre 1834 e 1856, junto ao Centro de Estudos Brasileiros, IFCH/UNICAMP, durante os anos de 1998 e 1999. Pinassi
publicou um artigo intitulado Os Brasileiros e o Instituto Histrico de Paris 1834-1856:
um episdio entre Brasil e Frana (Revista Idias 7(2) / 8(1): 119-138, 2000-2001), no qual destaca informaes gerais sobre o funcionamento do Instituto e sobre os brasileiros
que dele fizeram parte. Pinassi tambm foi Paris e recolheu os documentos manuscritos,
que contm as Atas das Assemblias Gerais, dos Conselhos, e de duas Classes: Histria das
Lnguas e Literaturas e das Cincias Sociais e Filosficas, Fsicas e Matemticas; referentes
aos anos de 1834 a 1846; e as publicaes: Journal de LInstitut Historique, que aps 1840
tornou-se LInvestigateur (1834 a 1860), que foram microfilmados e trazidos ao Centro de Estudos Brasileiros, e atualmente fazem parte do acervo do Arquivo Edgard Leuenroth, no
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da UNICAMP.
Os estudos j realizados sobre o Instituto Histrico de Paris, principalmente na bibliografia brasileira (Faria, 1970; Pinassi, 1998;), destacam-no pelo diletantismo, ecletismo e aspecto catico de suas atividades; defendemos, no entanto, que o carter
peculiar de sua organizao e objetivos , na verdade, a expresso de um projeto que visava promover pesquisas no apenas no domnio da histria como tambm das cincias sociais.
A tese est organizada em duas partes. A primeira destaca as condies de
surgimento e funcionamento do IHP e as definies metodolgicas que caracterizaram sua
aproximao com a sociologia.
No primeiro captulo, tratamos do contexto de surgimento do Instituto Histrico de
Paris, sua organizao e funcionamento. Mostramos que foi em pleno processo de
reestruturao da pesquisa histrica, promovida em grande parte pelo Ministrio de
Franois Guizot, sob a Monarquia de Julho, que se viabilizou a criao do Instituto
Histrico de Paris. Analisamos a relao estabelecida entre o IHP e o governo, considerada
bastante significativa para o direcionamento da sociedade. Tambm destacamos a
5 Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Cincias e Letras da UNESP de
Araraquara, autora do livro Trs Devotos, uma f, nenhum milagre, Editora da UNESP, 1998.
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personalidade polmica do secretrio perptuo, Eugne Garay de Monglave, cuja atuao contribuiu para a definio ideolgica da sociedade.
No segundo captulo, ressaltamos a ambio cientfica que motivou a definio dos
estatutos e das atividades do IHP. Avaliamos o significado assumido pela erudio sob a
Monarquia de Julho para afirmar que ao se filiar a essa tradio o IHP buscava dotar a
pesquisa histrica de cientificidade.
No terceiro captulo, analisamos que alm da erudio, o projeto cientfico do IHP procurou se apoiar na filosofia da histria, o que caracterizou uma ntida proximidade com
a sociologia e enfatizou a vocao cientfica da pesquisa histria que se pretendia realizar.
A segunda parte da tese destaca a presena do pensamento sociolgico no IHP e, ao
mesmo tempo, fornece um panorama das pesquisas sociais e de conhecimentos para os
quais se buscava alcanar o carter de cientificidade.
No primeiro captulo, tratamos das noes de utilidade e moralidade ligadas
pesquisa histrica do IHP e argumentamos que, nesse sentido, os objetivos e concepes dos trabalhos ali desenvolvidos no diferiam da concepo oficial da Monarquia de Julho,
ou mais especificamente, daquela defendida pelo ministro da Instruo Pblica, Franois
Guizot. Ademais, assinalamos que a idia acerca da utilidade da religio e da moral como
instrumentos essenciais para o enfrentamento de problemas sociais, to defendida no IHP,
exprime preocupaes presentes em vrios pensadores sociais da poca.
No segundo captulo, argumentamos que o IHP props a definio de uma cincia
social por meio da atuao dos membros que se ocupavam da Histria das Cincias Sociais
e Filosficas. Sustentamos que o IHP aproximou-se da sociologia por meio da escola
bucheziana, liderada por Philippe Buchez, de origem saint-simoniana. Alm disso,
destacamos que o objetivo de constituio da cincia social tambm foi perseguido por outro membro do IHP, Alexandre Victor Courtet (chamado de Courtet de LIsle). Suas idias, publicadas no Journal e debatidas no interior do IHP, trazem tona o debate sobre a
questo das raas e refletem um objetivo comum poca: elevar a histria ou a cincia social classificao de cincia positiva.
No ltimo captulo, relacionamos a cincia social pr-disciplinar aos avanos da
medicina social e da estatstica, mostrando como o IHP se posicionou com relao a esses
conhecimentos. Apontamos que o desenvolvimento da pesquisa social, sob a Monarquia de
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Julho, foi impulsionado, em certa medida, por algumas transformaes institucionais
dirigidas pelo governo. Sobre as pesquisas estatsticas, os debates travados no Instituto
Histrico indicam que se buscava na estatstica moral um mtodo capaz de oferecer
objetividade aos estudos histricos, ao mesmo tempo que se acreditava poder contribuir, a partir de dados objetivos, para o aperfeioamento moral da sociedade.
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PARTE I
SOBRE O INSTITUTO HISTRICO DE PARIS: ORIGEM, FUNCIONAMENTO, RELAES, OBJETIVOS E DEFINIES
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Captulo 1
O Instituto Histrico de Paris e a Monarquia de Julho: dissonncia e harmonia
Neste captulo, procuramos esclarecer as circunstncias sob as quais surgiu o
Instituto Histrico de Paris, alm de apresentar os discursos e estatutos que estabeleceram
as diretrizes centrais para o desenvolvimento de suas atividades. Trata-se ainda de
esquadrinhar as relaes estabelecidas entre o IHP e o governo de Lus Filipe. O objetivo mostrar que essa relao definiu, em certa medida, algumas concepes que direcionaram
os trabalhos do Instituto. Alm dessa relao, conturbada de incio, destaca-se ainda o papel
do mentor, Eugne Garay de Monglave, personalidade tenaz e polmica, decisiva para a
fundao e para o delineamento do perfil do IHP nos seus primeiros anos. O Instituto
buscava firmar um mtodo histrico abrangente, ambicioso e, como argumentamos neste
trabalho, sociolgico. Nesse sentido, houve avanos e limites definidos, em parte, em
funo do lugar onde esse conhecimento foi produzido e da relao estabelecida com o
governo, principalmente por meio do Ministrio da Instruo Pblica. Nos primeiros anos,
sua configurao ideolgica plural despertou desconfiana por parte do governo,
finalmente, compreendeu-se que sua proposta acomodava-se s exigncias pacficas da
poca.
O Intituto Histrico de Paris foi idealizado por Eugne Garay de Monglave, e foi
graas a seu esforo que o projeto de sua fundao se concretizou. A sociedade deveria se dedicar exclusivamente aos estudos histricos em todos os ramos da cincia humana. O IHP
surgiu num momento totalmente favorvel erudio, ele era fruto de sua poca e lhe resta
a honra de ter sido o primeiro (Patris, 1933, p. 284). Nesse contexto, no era difcil justificar sua origem:
basta lembrar a espcie de renascimento histrico que assinala os ltimos anos da Restaurao e o imenso desenvolvimento que toma esse movimento cientfico aps a revoluo de Julho. Ningum esqueceu que todas as coisas eram ento recolocadas em discusso e que se procurava a razo de todas as coisas na histria. O interesse pelas questes que
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traziam inquietao fez nascer a necessidade de uma reaproximao entre aqueles que delas se ocupavam. Da o pensamento de uma associao consagrada a esses pacficos debates (Investigateur, 1845, p.442).
Sob a Monarquia de Julho a histria era um conhecimento em busca da
cientificizao. Delineava-se um processo de disciplinarizao e profissionalizao que se
articulava s exigncias da construo de uma histria nacional. Com o apoio de Franois
Guizot, ministro da Instruo Pblica, implementou-se uma estrutura administrativa
totalmente favorvel ao desenvolvimento dos estudos histricos. Certamente, os
historiadores desse perodo dispunham de informao e documentao novas e
incomparavelmente mais acessveis e mais completas do que existiu no passado.
Os historiadores que estavam frente do governo6 buscavam interpretar a
constituio e a Revoluo de 1830 como resultado da histria nacional. Com a Monarquia
de Julho as condies de produo da histria mudaram radicalmente. Com efeito, pela
primeira vez na Frana, um regime poltico reivindicava uma dupla filiao: a tradio
monrquica e os ideais de 1789 (Garcia, 1999, p. 21). Do ponto de vista poltico, havia um motivo para que o passado se tornasse a preocupao por excelncia do regime: cabia
histria legitimar o rei dos franceses ou a Monarquia de Julho, que de outro modo no
poderia se fundamentar. A necessidade da Histria tomou forma na poltica da memria,
posta em prtica principalmente por Guizot7. Sob sua direo, a histria se tornou o
aprendizado da moderao em poltica (idem, op. cit., p. 22). Guizot no renegava a lembrana da Revoluo de 1789; no entanto, ela devia, em sua concepo, tornar-se
histria para deixar de ser lembrada apenas como combate poltico.
Franois Guizot, o ministro historiador, foi o principal responsvel pela abertura de
uma nova via para a publicao progressiva de colees de textos e de manuscritos antigos
de interesse para a histria da Frana. Guizot institucionalizou e reorientou a cincia
histrica, por meio de um projeto ao mesmo tempo cientfico e poltico. Uma das primeiras medidas de seu Ministrio foi a restaurao, sob o nome de Academia de Cincias Morais e
6 Desde os primeiros meses da Monarquia de Julho, Guizot confiou a Franois Mignet a direo dos
arquivos das Relaes Exteriores e a Jules Michelet a seo histrica dos Arquivos nacionais. Ele concedeu uma penso a Augustin Thierry, nomeiou seu irmo, Amede, prefeito da Haute-Sane... (Garcia, 1999, p. 24). Prosper de Barante foi diretor da Sociedade de Histria da Frana desde 1833, ano de sua criao, at 1866, quando morreu, tambm tomaram parte no governo da Monarquia de Julho: Adolphe Thiers e Abel-Franois Villemain.
7 Guizot foi ministro do Interior em 1830, da Instruo Pblica de 1832 a 1837 e depois, das
Relaes Exteriores de 1840 1847.
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Polticas, da classe com igual nome do Instituto de Frana, suprimida em 1803. Guizot
esperava fazer uma brilhante demonstrao da confiana do poder na liberdade laboriosa e
refletida do esprito humano (Mmoires, t. III chap. XIV apud Knibiehler, 1973, p. 309). Mas havia tambm uma inteno poltica: as corporaes eruditas exercem em
proveito da boa ordem intelectual uma influncia salutar, e podem emprestar ao prprio
poder, se ele souber manter com elas inteligentes relaes, um indireto mas til apoio
(ibdem). Sob sua direo, a Monarquia de Julho organizou un rseau savant (Amalvi,
2005), implementando sucessivamente a reforma do sistema escolar, em 1833; a criao, no mesmo ano, da Sociedade de Histria da Frana, espcie de sociedade cientifica oficial e
um Comit permanente de trabalhos histricos e cientficos (1834)8 que era encarregado de dirigir a publicao da grande coleo de Documentos Inditos da Histria da Frana9.
Guizot sustentou a racionalizao da administrao dos arquivos pblicos e, juntamente com Salvandy, participou da criao da Escola francesa de Atenas (1846), cujo objetivo era contribuir para o desenvolvimento da arqueologia e da histria antiga. O Ministrio da
Instruo Pblica dispunha ainda de crdito oramentrio para financiar um certo nmero
de misses cientficas na Frana e no estrangeiro.
Considera-se que Guizot tenha sido o organizador na Frana da nova erudio.
Manoel Lus Salgado Guimares (2002) argumenta que o documento que registra o nascimento da Sociedade de Histria da Frana, dedicada edio e publicao de fontes
para a histria nacional francesa, enfatiza a inovao desse trabalho de coleta, organizao,
crtica e publicidade de fontes documentais, e destaca a diferena desse empreendimento
com relao ao trabalho dos eruditos, realizado pelos beneditinos de Saint-Maur. O critrio
usado para organizar os documentos vindos a lume pela prtica do antiquarianismo era
novo, definido a partir dos princpios formulados por uma gerao voltada para a
construo poltica e simblica da nao francesa (Guimares, op. cit., p. 187). Muito mais do que um interesse pelo passado, o que estava em jogo era a produo de um sentido para
8 Segundo parte da literatura consultada, o Comit de Trabalhos Histricos foi criado em 1834;
porm, Jean-Miguel Pire (2002) data sua criao em 1835, Patris (1922, p. 284) afirma que o Comit e a Sociedade de Histria da Frana foram criados no mesmo ano de criao do IHP, 1833.
9 Conforme Paul Gerbod (1992, p. 311), com o patrocnio do Comit de trabalhos histricos, entre
1835 e 1848, 65 volumes de textos foram publicados na Coleo de documentos inditos relativos Histria da Frana.
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o futuro da comunidade nacional, tentando ler neste passado um certo destino possvel,
garantindo a coeso social para o presente (ibdem). Alm do carter eminentemente poltico que se destaca nesses empreendimentos,
essa nova erudio, dirigida pelo Estado, promoveu para a pesquisa, o ensino, o registro e
a conservao, uma organizao mais sistemtica, uma publicidade mais extensa; e,
consequentemente, as condies necessrias profissionalizao do historiador.
O Instituto Histrico de Paris surgiu de uma iniciativa privada, como tal, seus
objetivos nem sempre coincidiram com os empreendimentos estatais. Ainda assim, seu projeto peculiar e profcuo pois revela vrias tendncias envolvidas na produo do conhecimento histrico. Sua perspectiva englobava a erudio, a filosofia da histria, a
concepo de histria til e moral que ensinasse sobre as coisas do futuro. Ademais,
ousamos afirmar que seu horizonte abrangia uma tentativa particular de definio da
cincia social.
1. Composio e funcionamento
A criao do Instituto Histrico de Paris foi idealiada por Franois Eugne Garay de
Monglave, e foi graas sua persistncia que seu projeto se concretizou. Aps dedicar sua fortuna durante seis meses na tentativa de viabilizar a fundao da sociedade e obter apoio
para a concretizao desse projeto, Monglave decidiu apresentar sua idia a Joseph Michaud10, o consagrado membro da Academia Francesa e autor da Histria das Cruzadas.
Segundo Mathieu de Villenave, em sua Notice Historique sobre Joseph Michaud, o consagrado escritor revelara nessa ocasio que h j sete anos alimentava a idia da fundao de uma sociedade de estudos histricos, aceitando ento com entusiasmo a presidncia e dando a Monglave a funo de secretrio-perptuo (Faria, 1970, pp. 15 e 16).
Contando com um presidente notvel, Monglave conseguiu reunir outros nomes
renomados em torno da sociedade.
10 Presidente do IHP nos anos de 1834, 1835 e 1836 e presidente honorrio nos anos de 1837, 1838 e
1839.
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O Instituto Histrico de Paris foi registrado no Ministrio da Instruo Pblica em
27 de novembro de 1833 e autorizado em 24 de dezembro do mesmo ano11. A primeira
assemblia geral s ocorreu trs meses depois, em 23 de maro de 1834, e sob a presidncia
de Joseph Michaud reuniu trinta e oito membros fundadores, grandes nomes do mundo
intelectual da poca, tanto da literatura e artes, como da histria e cincias. Entre eles,
compareceram: Ballanche, da Academia Francesa; Lamartine, deputado; Baltard, diretor da
Escola Real de Belas Artes, arquiteto; Geoffroy Saint-Hilaire, da Academia de Cincias;
Jules Michelet, professor de histria na Escola Normal, chefe da seo histrica nos
arquivos do reino, membro da Academia de Cincias Morais e Polticas; conde Alexandre
de Laborde, da Academia de Inscries e Belas-Letras, vice-presidente do IHP; Ampre
(pai), da Academia de Cincias; Berton, da Academia de Belas-Artes; Bory de Saint-Vincent (correspondente), da Academia de Cincias; Bouillaud12, da Academia de Medicina; Jomard, da Academia de Inscries e Belas-Letras; Andral, da Academia de
Medicina; de Jouy, da Academia Francesa; Poujoulat, historiador; Bra, estaturio; Lerminier, professor no Collge de France, da Academia Francesa; conde Mosbourg,
deputado; Baro dEckstein; o abade Guillon, bispo de Marrocos, capelo da rainha dos
franceses; Laurentie, inspetor geral dos estudos; Dr. Buchez; Villenave, antigo professor de
histria literria da Frana no Ateneu Real de Paris; Isambert, conselheiro na Corte
Suprema (Cour de Cassation); Monvoisin, pintor de histria, entre outros13. Alm destes, conforme Faria (1967) e Deslandres (1922), tambm aderiram ao
Instituto alguns acadmicos como: Destut de Tracy e Chateaubriand; os historiadores
Amde e Augustin Thierry; Barante, ministro em Florena, era correspondente. Guizot e
Thiers no teriam aderido sociedade por conta de suas atividades polticas14. Entre os
11 H um equvoco quanto a data de fundao do Instituto Histrico de Paris na literatura brasileira.
Maria Orlanda Pinassi (2000/2001) afirma que o IHP foi fundado em 28 de dezembro; e Maria Alice Faria (1970) afirma ter sido em 29 de dezembro. Considero ser 24 de dezembro a data correta, pois foi esta informao que encontramos nos manuscritos e no texto publicado na seo de Memrias, intitulado Reponse de lInstitut Historique aux questions adresses aux socits savantes par son excellence monsieur le ministre de lInstruction Publique dans sa circulaire du 28 juillet 1845, Investigateur, 1845, pp. 442-449.
12 Vice-presidente da 4a. classe de histria das cincias fsicas e matemticas no ano de 1834.
13 Apresento alguns nomes importantes poca, mas como argumentamos ao longo do texto, os
membros mais assduos tambm eram os menos conhecidos e renomados. Estes sero apresentados aos poucos, em funo de sua participao nas discusses que interessam ao tema analisado.
14 o que sugere Paul Deslandres, op. cit., p. 306.
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literatos estavam Ferdinand Denis15 e Eugne Sue. Conforme Patris (1933), Victor Cousin tambm teria aderido ao IHP, informao que no podemos confirmar. Certamente, alguns
membros do Instituto tinham uma relao prxima com Victor Cousin, e suas idias
aparecem em algumas discusses. Em julho de 1847 (Investigateur, p. 237), especificamente, Bernard Jullien apresentou sua anlise sobre o Curso de Histria da
Filosofia, de Cousin. A leitura desse trabalho cativou grande ateno dos membros da
terceira classe, de Histria das Cincias Sociais e Filosficas, Fsicas e Matemticas,
presentes na ocasio. Consta que o membro do Instituto Histrico, J. Ottavi, tinha uma
relao direta com Cousin. Pode-se supor que Ottavi o tenha conhecido pessoalmente na
cole Normale, pois era professor do Ateneu Real, e de acordo com Ponteil (1949), os professores dos Colgios reais eram formados pela cole Normale, onde Victor Cousin lecionou antes de 1817 e depois em 1828, e em 1834 tornou-se seu diretor16. De acordo
com a ata da sesso de 27 de julho de 1837, a terceira classe tambm recebeu Robert Owen, economista de Londres17.
Na segunda assemblia geral, ocorrida em 6 de abril de 1834, os estatutos
constitutivos do Instituto Histrico de Paris, redigidos por Monglave e analisados por uma
comisso, foram lidos, discutidos e aprovados por unanimidade. Michaud foi nomeado
15 Ferdinand Denis, parisiense influenciado pelas idias de Mme. De Stal e Chateaubriand, e
tambm membro do IHP, deixou uma vasta obra sobre o Brasil. Inicialmente, ambicionava propor nova escola literria, que se manifestava na Frana, recursos inexplorados: a utilizao da natureza dos trpicos, para renovar as cores e as imagens (P. Hazard apud Lima, 1984, p. 130). Assim como Monglave, Denis ficou fascinado pela natureza exuberante, pelos costumes estranhos, pelo clima, pelo primitivo das coisas, da cidade, do campo, das aldeias indgenas. Antnio Cndido toma-o, inclusive, por responsvel pelo persistente exotismo que eivou a nossa viso de ns mesmos at hoje (Cndido, 1959, p. 324, v. 2). Denis, assim como Monglave, dedicou-se a divulgar na Frana a literatura brasileira. Mas, de acordo com Tarqunio de Sousa, a permanncia de Monglave no Brasil foi mais ativa em termos polticos.
16 Victor Cousin, filsofo, educador e historiador francs, nasceu em Paris em 28 de novembro de
1792 e faleceu em Canes em 13 de janeiro de 1867. O ecletismo fez dele o mais conhecido pensador liberal de seu tempo. Sua filosofia era uma combinao de muitas filosofias diferentes. Sofreu a influncia de Condillac e de John Locke. Enquanto cursou a Escola Normal, onde ingressou em 1811, leu escritores dos sculos XVIII e XIX, da corrente escocesa Common Sense, e foi tambm influenciado por dois outros filsofos franceses, Franois Maine de Biran e Pierre Paul Royer-Collard. Aps lecionar por um breve perodo na Escola Normal, viajou Alemanha em 1817 e 1818, encontrou e sofreu influncia de seus contemporneos G.W.F. Hegel e Friedrich Schelling. Em 1820, Cousin perdeu sua cadeira de assistente, e a cole Normale foi fechada em 1822. Em 1828, Cousin estava de volta cole Normale. Suas aulas de filosofia fizeram dele um escritor muito conhecido. Tornou-se membro do Conselho da Instruo Pblica em 1830, da Academia Francesa em 1831, e da Academia de Cincias Morais e Polticas em 1832. No mesmo ano foi eleito Par de Frana e dois anos depois diretor da Escola Normal. Em 1840 foi nomeado ministro da Educao Pblica da Frana.
17 O leitor encontra em Anexo mais detalhes sobre os membros ilustres que aderiram ao IHP.
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presidncia, o conde de Laborde vice-presidncia do Instituto e Monglave para secretrio-
perptuo, cargo que manteve at 1846, quando se desligou definitivamente da sociedade.
Acreditava-se que a pesquisa histrica seria beneficiada com uma diviso dos
trabalhos. Assim, decidiu-se que os membros do IHP se agrupariam em funo de
diferentes reas de estudo, as quais compunham a cincia da histria. A proposta de
Monglave de distribuir os trabalhos do IHP em 12 classes foi contestada18, optando-se pela
seguinte organizao: primeira classe Histria Geral; segunda classe Histria das
Cincias Sociais e Filosficas; terceira classe Histria das Lnguas e das Literaturas;
quarta classe Histria das Cincias Fsicas e Matemticas; quinta classe Histria das
Belas-Artes; sexta classe Histria da Frana.
Em 22 de fevereiro de 1836 as classes foram reduzidas a quatro, fundindo-se a
primeira com a sexta, seguindo a proposta de Michelet, e a segunda com a quarta,
permanecendo a seguinte constituio: primeira classe Histria Geral e Histria da
Frana; segunda classe Histria das Lnguas e das Literaturas; terceira classe Histria
das Cincias Sociais e Filosficas, Fsicas e Matemticas; quarta classe Histria das
Belas-Artes19.
O nmero de membros foi originalmente fixado em 120020. Cada classe devia
compreender 100 membros residentes e 200 correspondentes, no mximo, mas logo
decidiu-se que esse nmero seria ilimitado. Em 1834, o IH atingiu 1100 membros. Segundo
o quadro de membros de 21 de novembro de 1839 (Deslandres, op. cit., p. 306), o Instituto contava com 783 membros21, sendo que desse total, 574 compunham as classes de Histria
Geral e Histria da Frana e Histria das Cincias Sociais e Filosficas, Fsicas e
181a. classe: Histria das revolues da massa terrestre; 2a. classe: Histria das raas humanas; 3a. classe: Histria das religies; 4a. classe: Histria das lnguas e das literaturas; 5a. classe: Histria das cincias; 6a. classe: Histria da medicina; 7a. classe: Histria das belas-artes; 8a. classe: Histria da indstria agrcola, manufatureira e comercial; 9a. classe: Histria das legislaes; 10a. classe: Histria das finanas; 11a. classe: Histria da guerra; 12a. classe: Histria geral da Frana.
19 Cada classe deveria se reunir uma vez por ms; sendo, a primeira na primeira quarta-feira; a
segunda na segunda quarta-feira e assim sucessivamente; e as quatro classes se reuniam em Assemblia geral, cuja sesso ocorria, todo ms, na sexta-feira que seguia a sesso da 4. classe.
20 Diferente do que ocorria, por exemplo, na Academia de cincias morais e polticas, que tinha um
nmero bem reduzido de membros. Cf. Sophie-Anne LETERRIER. LInstitution des sciences morales : lAcadmie des sciences morales et politiques 1795-1850. Paris : LHarmattan, 1995 ; e mile MIREAUX. Guizot et la renaissance de lAcadmie des sciences morales et politiques. Paris : typographie de Firmin-Didot et Cie., 1957.
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Matemticas. Em 1845, o Instituto Histrico era composto de 408 membros, sendo 135
residentes e 273 correspondentes; destes 131 residiam na Frana e 142 no estrangeiro.
O Instituto Histrico de Paris era dirigido por um Grand Bureau composto por um
presidente, um vice-presidente, eleitos por um ano e de um secretrio perptuo, que era o
nico cargo permanente. Em 1840, surgiu o administrador-tesoureiro que, embora devesse
se ocupar das finanas do Instituto acabou assumindo as funes do secretrio perptuo; por
fim, surgiu o vice-presidente adjunto em 1842. Cada classe tinha um presidente, um vice-presidente, um vice-presidente adjunto, um secretrio e um secretrio adjunto. A reunio do Grand bureau e dos bureaux das classes formava o Conselho.
Alm dos bureaux, o IHP contava ainda com trs comisses permanentes: o Comit
Central dos Trabalhos; o Comit do Jornal e o Comit dos Regulamentos. Embora a regra
definisse que para ser presidente ou ocupar qualquer outro cargo de direo ou comisso
seria preciso ser membro residente, nos primeiros anos a escolha do presidente priorizava
nomes conhecidos ou bem relacionados. Assim, o poeta espanhol Martinez de la Rosa
dirigiu o IHP duas vezes sem sair de Madrid, e o marqus de Brignole-Sale, em Gnova.
Mary-Lafon (30 de abril de 1841) protestou contra a nomeao aos postos de direo de membros pouco assduos, mas Bernard Jullien respondeu que seria intil escolher
digirentes cujos nomes no desfrutassem de considerao (Deslandres, op. cit. , p 308). Observa-se certo oportunismo com relao exposio que se fazia de alguns
nomes ilustres que passaram pelo Instituto Histrico. Npomucne Lermecier22 deixou o
Instituto trs anos antes de sua morte; no entanto, em 28 de agosto de 1840, publicou-se
uma nota sobre ele, certamente devido sua notoriedade. No relatrio enviado ao Ministro
da Instruo Pblica (o conde de Salvandy), em setembro de 1845, por exemplo, destacou-se os Homens eminentes que fizeram parte do Instituto23.
Alguns membros do IHP, em grande parte circunscritos ao grupo de aristocratas,
ocuparam seus cargos com notvel dedicao24, entre eles destacaram-se alguns de seus
presidentes: o duque de Doudeauville, Ambroise-Polycarpe de la Rochefoucauld; o prncipe
21 Classe de Histria, 109 residentes e 156 correspondentes; Literatura, 44 residentes e 98
correspondentes; Cincias morais, 84 residentes e 225 correspondentes; Belas Artes, 38 residentes e 29 correspondentes (Deslandres, op. cit., p. 306).
22 Presidente da classe de Histria da Frana em 1834 e 1835.
23 Os nomes desses membros ilustres esto listados em Anexo.
24 Cf. Anexo.
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de Moskowa, general Joseph Ney Napoleo; o conde Le Pelletier dAunay25, que em certa
ocasio ofereceu seu hotel (49, rue de Grenelle) para as sesses extraordinrias do Instituto, e o conde Armand dAllonville26, um oficial do exrcito que foi eleito vice-presidente do
Instituto Histrico em 1839, doou sua biblioteca de 249 volumes ao Instituto em 1840,
quando partiu para Metz. Alm destes, o baro Taylor, um militar e administrador, que se
interessava por literatura e arqueologia e foi um grande defensor de monumentos
artsticos27, era um homem de brilhantes relaes (Faria, 1970, p. 24), que dedicou ao IHP no somente seu dinheiro como tambm seu corao (Deslandres, op. cit. p. 308). Na ltima sesso do Congresso de 1847, M. Auger informou sobre a associao de artistas e
de operrios fundada pelo baro Taylor. Explicou que essa fundao aproximava-se das
tradies religiosas e histricas, e que se destinava a arrecadar fundos de reserva para
assegurar o futuro do trabalho e do talento, essas duas foras vivas da nao. Juntamente
com Achile Jubinal, mile Deschamps e o conde de Laborde (todos membros do IHP), o Baro Taylor foi redator da Revue Mensuelle, que em 1847 passou a chamar-se Revue
Hebdomadaire; segundo os registros do Instituto Histrico, ele tambm publicou a Histoire
pittoresque dAnglaterre, obra publicada com Charles Nodier.
curioso notar que os grandes escritores como Lamartine, Michelet28 e Chateaubriand eram os menos votados para a presidncia do IHP. Em contrapartida,
notria a presena de aristocratas ocupando esse cargo. As classes, de modo geral, eram
dirigidas por membros mais assduos e populares (Faria, op. cit., p. 27). Durante o perodo estudado, alguns dos presidentes e vice-presidentes que realmente
participaram das atividades expuseram suas idias principalmente por meio de discursos
pronunciados nos Congressos Histricos29. Para alm de suas posies polticas, que
25 Ele foi vice-presidente da classe de Histria da Lnguas e Literaturas em 1834, da mesma classe,
em 1836 e 1837; presidiu o Instituto Histrico em 1838 e 1839; em 1840, 1842 e 1846 foi o seu vice-presidente; vice- presidente adjunto em 1844, 1845 e em 1846.
26 Foi vice-presidente da primeira classe em 1835 e em 1838, e vice-presidente do Instituto Histrico
em 1839. 27
Como Comissrio Real dos Teatros franceses, promoveu a apresentao do Hernani, de Victor Hugo, acolhendo tambm Alexandre Dumas. O Baro Taylor foi eleito presidente do IHP nos anos de 1840, 1844 e 1846, vice-presidente em 1841 e vice-presidente honorrio em 1843.
28 Presidente da 1a. classe, de Histria Geral e Histria da Frana em 1845.
29 Presidentes dos Congressos: 1835 Michaud; 1836 e 1837 Buchez, vice-presidente do IH; 1838
Casimir Broussais; 1839 Dufey de lYonne; 1840 Baro Taylor; 1841 Marqus de Pastoret; 1842 La Rochefoucauld-Liancourt; 1843- Martinez de la Rosa; 1844 Conde Le Pelettier dAunay; 1845 Buchez;
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variavam do legitimismo ao liberalismo, passando pelo socialismo cristo, as idias que
defendiam, em consonncia com os objetivos e estatutos do Instituto Histrico de Paris, apontam um direcionamento mais ou menos preciso. As discusses polticas eram sempre
tolhidas, deixava-se aflorar apenas o que era lcito e conveniente aos objetivos do IHP e ao governo.
O Instituto Histrico de Paris foi concebido tal como uma igreja ou templo, no qual as portas permanecem sempre abertas aos fiis. Assim, pretendia receber todos os
homens esclarecidos da capital e de todos os pases que se dedicassem cincia
histrica.
fizemos apelo a todos os cientistas e a todos os artistas clebres, pois as cincias e as artes, com suas descobertas e seus progressos, devem ser consideradas como auxiliares da histria: a filosofia, a teologia, as letras, tudo o que pode apreender o gnio do homem deve nos ajudar a explicar e a completar os anais das sociedades humanas (Investigateur, 1845, p.443).
Conforme os primeiros estatutos, para ser admitido e fazer parte do Instituto o
candidato deveria
ser conhecido por uma publicao, cuja especialidade se encontre numa das doze classes das quais se compe, ou ser reconhecido pela investigao de monumentos preciosos de manuscritos e de documentos desconhecidos, ou ter estimulado de todos os meios, suas investigaes estimveis (Estatutos aprovados em 6 de abril de 1834).
Os estatutos revisados em 1836 definiram que para ser admitido como membro seria
preciso ser apresentado classe por dois membros da sociedade. O candidato deveria enviar
exemplares de obras publicadas, que seriam examinadas por uma comisso de trs
membros, alm de enviar um pedido escrito, endereado pelo candidato ao presidente do
IHP, ou ao presidente da classe qual desejasse pertencer, ou ao secretrio perptuo. A exigncia da publicao parece no ter sido to rigorosa; no caso de parecer favorvel da
comisso, o candidato era aceito na classe e a deciso era posteriormente ratificada pela
assemblia geral. O Instituto Histrico era composto de membros residentes e
correspondentes, a todos eles era permitido deliberar e votar em suas respectivas classes,
nas outras classes; contudo, s lhes era permitido fazer leituras e participar das discusses30.
1846 Baro Taylor; 1847 o mesmo; 1848 Congresso suspenso; 1849 Nigon de Berty, no lugar do Baro Taylor.
30 Ttulo V Condies e modo de admiso de membros: Para ser admitido a fazer parte do Instituto
Histrico, preciso ser autor de uma obra que faa parte da especialidade de uma das quatro classes. No
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1.1. As publicaes: Journal de lInstitut Historique et lInvestigateur
Em 14 de maio de 1834 os membros aprovaram a criao de uma revista, prevista
no projeto inicial do Instituto, na qual seriam publicados os trabalhos mais importantes, discutidos e avaliados previamente em uma das quatro classes ou em assemblia geral.
Entre os anos de 1834 a 1840 a revista recebeu o ttulo de Journal de lInstitut Historique e
em 28 de dezembro de 1840 tornou-se o Investigateur. Em 1844, o Ministrio da Instruo
Pblica subscreveu vinte exemplares da Revista31, mas, conforme Faria (1970, p. 30) esta subveno no foi paga com pontualidade. E em 1847, parte do dficit da sociedade foi
atribudo ao no reconhecimento da soma prometida pelo Ministrio (ibdem). Em 1883, com a mudana do nome do Instituto, ela passou a chamar-se Revue de la Socit des
tudes Historiques e, em 1889, Revue des tudes Historiques, nome que manteve at 1939. Os volumes publicados nos seis primeiros anos so densos, e chegam a conter cerca de mil
pginas, sendo necessrio trs volumes para cada dois anos. O Jornal era enviado a todos os
membros residentes e correspondentes, franceses e estrangeiros, e a um grande nmero de
sociedades cientficas. A coleo completa do Journal e do Investigateur rara na Frana32.
Partindo da indicao de Faria sobre a existncia das publicaes e manuscritos do IHP, nas
Biblioteca do Arsenal e Biblioteca Nacional da Frana, Maria Orlanda Pinassi, para a
realizao da pesquisa O Instituto Histrico de Paris e o Pensamento Brasileiro entre 1834
e 1856, levantou e pediu que fosse microfilmado o material referente s publicaes dos
pedido de admisso que deve ser feito por escrito ao presidente ou vice-presidente da Sociedade, ou ao secretrio-perptuo, o interessado indica o sobrenome, nome, lugar de nascimento, qualidades e domiclio, a Classe a qual ele deseja pertencer, seja como membro residente, seja como membro correspondente, e os ttulos que ele pode fazer valer. Todo pedido de admisso deve ser apoiado por dois membros (Investigateur, Estatutos revistos em maio de 1839, julho 1839, p. 245).
31 Em 23/07/1844, Villemain, ministro da Instruo Pblica assinou 20 exemplares do Jornal, no
valor de 400 F por ano. Paris, 23 de julho de 1844, Aos Senhores membros do IH, 9, rue Saint-Guillaume-saint-Germain. Senhores, recebi a carta que me fizeram a honra de escrever para chamar minha ateno sobre o jornal publicado pelo Instituto Histrico. Eu me apresso em vos informar, Senhores, que, por uma resoluo tomada nesta data, venho assinar 20 exemplares dessa publicao, a partir de 1 de julho corrente. Estou feliz de poder tomar essa deciso e vos provar a especial estima que tenho pelos trabalhos dessa companhia cientfica. Recebam, Senhores, a certeza de minha distinta considerao. O par de Frana, ministro da Instruo Pblica, Villemain
32 Maria Alice de Oliveira Faria (1970) encontrou duas colees, uma na Bilioteca Nacional da
Frana e outra na Biblioteca do Arsenal, que faz parte da Biblioteca Nacional. Conforme Patris (op. cit.), existe uma coleo na Biblioteca dos advogados no Palcio de Justia.
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anos 1834 a 1860 e todo o material manuscrito que cobre os anos de 1834 a 1846.
Atualmente, esse material microfilmado faz parte do acervo do Arquivo Edgard Leuenroth
(IFCH-UNICAMP). Paul Deslandres lamenta o estado de conservao do material manuscrito e esclarece
as condies sob as quais esse material foi encontrado33:
H algumas semanas, M. Funck-Bretano descobriu num canto escuro da Biblioteca do Arsenal, onde ningum conhecia sua existncia, seis registros contendo a histria completa e em grande parte indita, dos doze primeiros anos (1834-1846) do IHP, que se tornou, em 1872, a Sociedade dos Estudos Histricos (Delandres, op. cit., p. 299).
Esse denso documento em grande parte indito, visto que foram publicados no
Journal de LInstitut Historique e no Insvestigateur apenas pequenos extratos das atas das
assemblias gerais e das classes. O Jornal publicava relatrios, documentos inditos,
memrias, correspondncias, crnicas, resenhas sobre obras histricas francesas e
estrangeiras e a exposio e discusso geral das doutrinas histricas. Uma vez que os
trechos mais representativos das atas manuscritas tambm eram publicados , seguramente,
nas publicaes que se encontra o retrato mais completo do IHP.
Correspondendo ao movimento de institucionalizao da atividade cientfica,
surgiram vrias revistas especializadas, entre elas: o Bulletin archologique (1838); a Revue franaise de numismatique (1836); a Revue Archeologique (1844); a Bibliothque de lcole de Chartes (1839), Bulletin de la Socit de lHistoire de France (1834). Charles-Olivier Carbonell (1976), destaca a criao entre 1831 e 1849 de 23 sociedades especializadas em histria e arqueologia e de 17 dedicadas a diversos temas cientficos,
como botnica, cincias naturais e medicina. Mas, conforme Patris, o Instituto Histrico
foi um dos primeiros em data e o seu Jornal a mais antiga de nossas revistas de histria da
Frana (op. cit., p. 284). Como Patris, Louis Halphen (1914, p. 72) afirma que o Journal do Instituto Histrico o primeiro em data de nossas revistas de histria geral.
33 Durante meu ltimo ano de Graduao em Cincias Sociais, 1999, obtive uma bolsa da FAPESP
para estudar a presena do pensamento poltico neste Instituto. Contudo, a parte principal desse estudo consistiu na leitura e organizao das atas das assemblias do Conselho, das Assemblias Gerais, e de duas classes do Instituto Histria das Lnguas e Literaturas e Histria das Cincias Sociais e Filosficas, Fsicas e Matemticas (1834-1846). Esse trabalho era parte de um projeto dirigido pela Profa. Dra. Maria Orlanda Pinassi. O estudo realizado no Mestrado em Sociologia: O Instituto Histrico de Paris e a regenerao moral da sociedade, permitiu-me ampliar o contato com as idias debatidas e difundidas por esse Instituto.
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1.2. Congresso Histrico Europeu
A Idia de um Congresso Histrico Europeu foi proposta em 14 de julho de 1834, pelo literato Mary Lafon, e o primeiro Congresso ocorreu em novembro de 1835, reunindo
historiadores de toda a Europa. Para esta pesquisa, as questes discutidas nos Congressos
Histricos anuais constituem fonte relevante das idias priorizadas, elaboradas e divulgadas
pelo Instituto Histrico de Paris34.
No discurso de encerramento do 8 congresso, J-L Vincent (2. classe) ressaltou os mritos do Congresso histrico promovido pelo IHP:
sim, senhores, h a, no um desses progressos ilusrios que perseguem a imaginao de alguns utopistas, mas um progresso real, um progresso completo, um belo aperfeioamento do homem social (..). enfim, realar a importncia desses congressos anuais, onde fazemos apelo a tudo o que o mundo cientfico concentra de elevado, convite sempre compreendido, pois a cada ano algum nobre estrangeiro aparece entre ns, para nos provar que sua ptria tambm caminha nas vias da cincia e do aperfeioamento (Investigateur, 1842, pp. 236 e 237).
Segundo o vice-presidente do Instituto em 1835, M. Buchez, caberia ao Congresso
a tarefa de popularizar o Instituto e lhe assegurar uma longa vida35.
1.3. Cursos pblicos
A divulgao dos conhecimentos histricos se fez ainda por meio de cursos
pblicos, oferecidos gratuitamente pelos membros do Instituto. As comisses para a
organizao dos cursos pblicos foram formadas em 30 de outubro de 1834, mas a
autorizao do Ministrio da Instruo Pblica s viria quatro anos depois36.
Alm dessas atividades, o IHP instituiu um prmio anual de 200 francos, oferecido
ao melhor trabalho de histria, cujo tema era escolhido pelas classes. Por falta de candidato ou por no ter nenhum trabalho aprovado, o prmio ficou vrias vezes sem ganhador. A
sociedade fundou uma Biblioteca, que ficava disposio de todos os membros. Em 1845,
34 O leitor encontra em Anexo uma lista contendo grande parte das questes debatidas nos
Congressos Histricos ocorridos no perodo analisado. 35
Sesso do Conselho 25 de fevereiro de 1835. 36
Cf. Anexo.
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22
segundo relatrio enviado ao ministro da Instruo Pblica, conde de Salvandy
(Investigateur, 1845, p. 448), a Biblioteca do Instituto contava com 600 volumes, atlas e mapas que recebeu dos membros, autores e editores37. Tambm era projeto do IHP elaborar um Grande Dicionrio de fatos e cincias histricas, idia dos senhores de Jouy, Norvins,
Buchez, Dufey e Carnot; alm de um Anurio Histrico e um Manual Diplomtico. Esses
projetos, no entanto, no obtiveram sucesso.
2. Franois Eugne Garay de Monglave: o mentor
O Instituto Histrico de Paris foi idealizado e criado graas persistncia de Eugne
Garay de Monglave, o brasileiro adotivo38 que promoveu a participao de vrios
brasileiros nessa sociedade. Monglave nasceu em Bayonne em 05 de maro de 1798 e foi
um polgrafo inteligente e ativo (Faria, 1970, p. 13). No entanto, considerado um escritor sem brilho, de segunda categoria (ibdem), de estilo satrico, panfletrio e violento. Em uma carta enviada a D. Pedro I, Monglave se referiu sua juventude, vivenciada sob as guerras napolenicas, nos seguintes termos:
Lanado quase ao sair do bero naqueles liceus de Napoleo que foram sem dvida o viveiro a que a Frana deveu tantos heris, eu marchei na tenra idade de 15 anos com estes velhos guerreiros que tinham banhado com seu sangue a Pennsula e, a seu exemplo, eu disputei a p firme a Frana a um inimigo irritado justamente de nossas vitrias; mas ai de mim! Esta carreira teve curta durao (apud Faria, 1967, p. 44).
37 Interessante notar algumas obras doadas ao IHP, s vezes pelos seus membros e autores. Essas
obras eram, geralmente, encaminhadas a um membro que se encarregava de preparar um relatrio. Entre elas destacamos: Le Peuple e Histoire de la Rvolution Franaise de Michelet; Organisation dune commune socitaire daprs la thorie de Charles Fourier, de A. De Bonnard; Histria Universal, Csar Cant; Revue Nationale, doada pelo Dr. Buchez e Dr. Cerise; Revue de droit franais et tranger; Annales universelles de statistique; Le Semeur, Jornal filosfico e literrio; Journal de la Morale Chrtienne ; Organisation du travail e du commerce, de Charles de Montaigu; Galerie des contemporains ilustres, Tomo X e ltimo, contendo Goethe, Schelling, Salvandy, Ampre, Saint-Simon e Fourier. Revue mensuelle du progrs social, in-8; rue Caumartin, Revue trangre et mensuelle de lgislation et dconomie politique, par M. Foelix, advogado em Paris.
38 Otvio Tarqunio de Sousa publicou na Revista Cultura, do Ministrio da Educao (1949, n3) um
estudo sobre Monglave, a quem chamou de Um brasileiro adotivo. O autor tomou como referncia uma carta escrita por Monglave a D. Pedro I e datada de Paris, 22 de outubro de 1828.
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Suas biografias no permitem uma concluso precisa sobre sua estada no Brasil39,
mas de acordo com Maria Alice Faria (1967) e Otvio Tarqunio de Sousa (1988), em 1819 Monglave esteve em Portugal, onde participou das lutas pelo regime constitucional e teria
vindo ao Brasil em 1820, onde permaneceu at 1823, como sugere Antnio Cndido em
Formao da Literatura Brasileira, depois de ter passado por Portugal. Conforme Sousa,
Monglave foi testemunha ocular, no Rio, dos acontecimentos de 26 de fevereiro de 1821,
incio do movimento Liberal, ainda de timbre portugus, com o juramento da Constituio tal qual a fizessem as cortes de Lisboa (Sousa, op. cit., p. 125). Viajou pelo interior do Brasil, provavelmente So Paulo e Minas Gerais (Faria, op. cit., p. 45) e pelo Nordeste. Pouco antes de voltar Europa, alm de testemunha, Monglave teria tambm participado
do movimento de Independncia no Rio Grande do Norte.
De volta Frana em 1823, Monglave passou a escrever em diversos jornais de estilo satrico, como La Minerve, La Renome, La Lorgnette, Le Miroir e fundou seu
prprio jornal, Le Diable Boiteux. Empenhou-se na oposio liberal e atacou a aristocracia, a Academia Francesa, os Pares de Frana e o prprio Luz XVIII. Seu carter altivo e
mordaz no lhe deixou faltar oportunidades de pagar multas, ter seus livros apreendidos, e
mesmo, de ser preso. Com a Monarquia de Julho encerrou sua fase combativa, pois no se
identificava com a oposio que ora se fazia por socialistas e republicanos (Faria, 1967). A histria seria a partir de ento sua nova aventura40. Como secretrio perptuo do
Instituto, de 1834 a 1846, Monglave dirigiu de perto todos os trabalhos, participou das
reunies promovidas por todas as classes, de todas as discusses. Graas a ele, o Brasil teve
39 Conforme o Dicionrio Universal Larousse, do XIXe. sicle, T. 11 Monglave teria vindo ao Brasil
em 1814 para prestar sevio no exrcito de D. Pedro, e em 1819 estaria em Portugal onde se pronunciou pelo regime constitucional. Essa informao reproduzida por Deslandres (op. cit., p. 300), sem precisar as datas, considera que Monglave esteve primeiro no Brasil para exercer as funes de oficial do Estado-Maior e diretor da Instruo pblica, e depois teria ido com D. Pedro a Portugal para restabelecer contra D. Miguel o regime constitucional. Esses dados so tambm apresentados por Qurard, em La France Litraire. Essas informaes so contestadas por Otvio Tarqunio de Sousa (1949, p. 112) para quem Monglave, ainda muito jovem, no Brasil jamais exerceu funo militar ou prestou servio de tal natureza. Talvez tenha havido confuso ou se trate de gabolice, uma vez que o livro de Qurard, publicado quando E. De Monglave era ainda muito moo, provavelmente se baseou em dados bibliogrficos fornecidos pelo prprio interessado.
40 Essa no foi a primeira investida nos estudos histricos, j havia se dedicado a essa atividade
quando atuou como jornalista. Publicou tradues e obras: em 1825 a Histoire rsume des Etats Unis; em 1826, o Rsum de lHistoire du Mexique; em 1833, em dois volumes, a Histria da Suia, da Espanha e de Paris (tradues); Le Sige, obras de Cadix (1823), Histoire des conspirations des jsuites en France (1826), entre outras.
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no Instituto um espao privilegiado, por meio da colaborao de 47 membros brasileiros41.
Monglave comentou livros de autores brasileiros, corrigiu informaes erradas a respeito do
pas, deu curso de literatura portuguesa e brasileira e apresentou muitos brasileiros ao
Instituto.
Mas enquanto, por um lado, sua personalidade tenaz e generosa conseguiu manter o
Instituto Histrico em seus primeiros anos, quando enfrentou srias dificuldades
econmicas, por outro, seu carter autoritrio pode ter sido o motivo do afastamento de
alguns membros renomados. Paul Deslandres (op. cit., p. 323) afirma que no seria temerrio pensar que a personalidade um pouco inoportuna de Eugne de Monglave tenha
afastado do Instituto homens de primeiro plano. Monglave foi acusado de ter desviado
fundos da sociedade, de excesso de autoritarismo e vrias vezes levantou-se a possibilidade
de afast-lo das funes que ali exercia. Os membros se ressentiam de sua falta de tato e
tom autoritrio que prevalecia em suas intervenes. Deslandres pondera que o Instituto
Histrico no era uma repblica, mas uma monarquia absoluta (ibdem). Seu carter polemista, autoritrio e um pouco desordenado que caracterizaram sua turbulenta juventude no convinha a uma sociedade cientfica. Quando abandonou o Instituto, em 1846, foi totalmente esquecido, a ponto de no lhe ter sido dedicado um necrlogo, na ocasio de sua
morte.
Conforme Faria, o Instituto Histrico acabou contando com a colaborao e
presena de autores secundrios, muitos deles aventureiros das letras, polticos sem
formao erudita, diletantes ou espritos conformados dentro de um tradicionalismo cultural
que em nada ajudava projeo da Agremiao (1967, p. 49). Os membros bonapartistas eram recebidos com orgulho por Monglave. O secretrio
perptuo alardeava, por exemplo, a atitude de Napoleo Lus Bonaparte que aps ter
recebido o diploma de membro do Instituto no Egito, em suas admirveis proclamaes,
inscrevia esse ttulo abaixo de seu nome, ao lado do ttulo de general do Exrcito do
Oriente (abertura do Congresso de 1837. Journal de LInstitut Historique, p. 51). Assim, Napoleo Lus Bonaparte42 e o prncipe Jernimo Bonaparte43 contaram com a fiel estima
de Monglave.
41 Cf. Anexo e Maria Alice FARIA (1970), p. 55-104.
42 Carta de Napoleo Lus Bonaparte, membro da 1. classe do Instituto.
Canto de Turgvia, 17 julho.
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Apesar das distintas orientaes polticas e ideolgicas que se configuraram no
incio das atividades, o IHP acabou afastando seus membros mais radicais e ilustres do
ponto de vista acadmico. Conforme o dicionrio La France Littraire de Qurard, o Instituto Histrico teria se configurado como uma companhia estril. De fato, o IHP no
experimentou o mesmo sucesso de sociedades reconhecidas, como a Academia de Cincias
Morais e Polticas. As referncias ao Instituto, na bibliografia francesa, so breves e pouco
esclarecedoras. Sophie-Anne Leterrier (1997), tratando da importncia de sociedades cientficas que se dedicaram histria na primeira metade do sculo XIX, menciona o
Instituto Histrico entre aquelas de iniciativa privada, e afirma em nota de rodap:
O Instituto Histrico, fundado em 1833, mereceria um estudo particular. Criado sob o modelo acadmico, com uma diviso em seis sesses (histria geral, histria das cincias sociais e filosficas, histria das lnguas e literaturas, histria das cincias fsicas e matemticas, histria das belas-artes, histria da Frana) e a juno de membros correspondentes aos membros titulares, foi muito mais o rival do que o concorrente das academias historiadoras (Leterrier, 1997, nota 17, p. 47).
A honra que o Instituto Histrico me fez nomeando-me membro correspondente, comoveu-me muito. Se Napoleo, imperador e triunfante, recebeu com prazer o ttulo de membro do grande Institut de France, quanto mais seu sobrinho, sem glria e sem ptria, no deve ele estar orgulhoso de se ver admitido na fileira desse jovem Instituto histrico que j realizou tantas coisas? Eu peo ao senhor para ser, junto a todos os meus colegas, o intrprete de meus sentimentos de reconhecimento. Esta marca de estima da parte de homens to distintos ser para mim um forte motivo para me tornar cada vez mais digno de pertencer ao Instituto. Como francs, eu estou feliz de poder ajudar na obra nacional desse empreendimento; como parente do imperador Napoleo, eu vi com a mais viva satisfao a reunio de homens obedientes conscincia moral, em que o objetivo ser a pesquisa da verdade, travestida na histria. Estou convencido de que essa verdade nunca ser desfavorvel lembrana do grande homem. Resta-me, enfim, agradecer-vos pelas expresses de lisonjas que vossa carta contm a meu respeito. Os senhores me provaram que eu no era inteiramente estranho todos os meus compatriotas, ainda que eu tenha crescido fora da Frana (Correspondance, Journal de LInstitut Historique, 1835, livraisons 7 a 12, p.298).
43 Carta do prncipe Jernimo Napoleo Bonaparte, membro da 1 classe do IHP.
Stuttgard, 19 novembro 1835. Foi aps uma ausncia de vrios meses de Stutgart que eu recebi vossa carta, e eu me apresso em respond-la. Aceito com gratido o ttulo que o Instituto Histrico desejou me atribuir, e eu vos peo que seja meu intrprete junto essa ilustre Sociedade, para agradec-la pela honra que me faz, e lhe testemunhar toda minha gratido. Estou duplamente orgulhoso do meu novo ttulo, pois no somente uma reunio de franceses (...), mas tambm uma reunio de homens dos quais os nomes so clebres nos anais das cincias e das letras. De resto, eu no ignoro que por causa do meu nome que devo esse favor, e no pelas minhas qualidades pessoais; que minhas fracas luzes no podem se comparar aos talentos dos homens que me escolheram para ocupar o mesmo lugar que eles. Mas se agora eu no estou sua altura, eu desejo logo me tornar digno da Frana e do nome que eu fao uso. Ser sempre com felicidade que eu me reaproximarei de meus compatriotas, e se nas atuais circunstncias eu no posso fazer tanto quanto eu gostaria, s me resta lamentar que uma lei cruel me obriga a no estar no meio dos franceses, e a no poder servir minha ptria (correspondance, Journal de lInstitut Historique, Livraisons 13 a 18, p. 181).
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Malgrado esses diagnsticos, o Instituto revela, por meio de seus objetivos, estatutos e publicaes, que os membros que l permaneceram defenderam idias que refletiam o
clima intelectual da poca; interessando-nos sobretudo pelo esclarecimento que porta sobre
o desenvolvimento da sociologia pr-disciplinar. Ademais, seu atrelamento ao governo da
Monarquia de Julho torna compreensveis alguns aspectos do pensamento que predominou
na sociedade, definido nessas condies especficas.
3. A relao com o governo
Pelo fato de ter sido o Instituto Histrico de Paris concebido para ser uma instituio
cientfica, acreditava-se poder constituir uma comunidade de estudiosos que, apesar de
plural, fosse apartidria. Seus propsitos, porm, no bastavam. O Instituto Histrico
enfrentou a resistncia do Ministrio da Instruo Pblica em conceder-lhe o apoio
necessrio para a operacionalizao de suas atividades. A desconfiana do governo por
conta da conformao to diversa, as constantes crises financeiras e os descontentamentos
gerados pela personalidade controladora de Monglave, o secretrio-perptuo, resultaram em
uma longa luta pela sobrevivncia, legitimidade e reconhecimento. Consciente da influncia
exercida pelas academias e sociedades que, numa poca em que o ensino superior era quase
inexistente, animavam e dirigiam a vida intelectual (Knibiehler, 1973), o Ministrio da Instruo Pblica implementou uma poltica de controle. A relao com o Instituto
Histrico de Paris foi, de incio, marcada pela tenso, provavelmente por se tratar de uma
iniciativa particular, que recebia como membros representantes da oposio poltica.
Aps a Revoluo de Jullho, duas interpretaes polticas deram origem aos
partidrios do Movimento, mais esquerda, e da Resistncia, conservador, os descontentes
e os satisfeitos (Ponteil, 1949, p. 131). De acordo com Seigel (1992, p. 16), o Partido do Movimento ocupava a esquerda poltica, requeria direitos polticos amplos, liberdade de
expresso, de imprensa e de associao, e ao vigorosa contra os odiados ministros de
Bourbon. A maior parte dos representantes do governo identificava-se com o Partido da
Resistncia que,
mais conservador, resistia mudana e preferia restries ao debate e organizao poltica, um eleitorado mais restrito e nenhuma aventura
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externa. (...) O Partido da Resistncia conduzia uma poltica aberta aos poderes mais altos da vida social. Sua viso de burguesia refletia a imagem prerrevolucionria da elite urbana tradicional ocupando um lugar especial em uma sociedade hierarquicamente estruturada ( ibdem).
Era no seio do Partido da Resistncia que se encontravam alguns dos grandes nomes
da Monarquia de Julho: nobres liberais, como o duque Victor de Broglie ou o conde Mole,
grandes burgueses como Andr Dupin, universitrios como Guizot e Victor Cousin. Todos
aderiram ao que seria, por vrios anos, a ideologia orleanista, expressa de maneira marcante
sob o regime de Lus Filipe pelos redatores do Journal des Dbats. Eram essencialmente os
liberais, partidrios de uma elite de nascena, de fortuna e de inteligncia. De acordo com
Rmond (1985), os homens que assumiram o ministrio em 1831 e que iriam guiar os destinos polticos do pas durante 17 anos exerceram uma poltica continuamente
conservadora: seu pensamento de limitar as consequncias de 1830, de estabilizar seus
resultados; sua preocupao constante est em manter e conservar 44 (Rmond, op. cit, p. 85).
A vitria do partido da Resistncia, mais conservador, sobre o Partido do
Movimento, durante a dcada de 1830, estabeleceu um processo que deu lugar a uma
poltica de reconciliao cada vez mais desenvolvida entre a Monarquia de Julho e os
representantes do Velho Regime na dcada de 1840 (Seigel, op. cit., p. 16). Desse modo, alm de aliar-se novamente aristocracia, convinha ao liberalismo moderado francs de
1830 apoiar-se num regime que assimilou dos anos de 1815, segundo o qual a maioria dos
burgueses liberais se satisfazia com menos que seu programa completo em troca de uma
garantia contra o jacobinismo, a democracia ou os fatores que poderiam produzi-lo (Hobsbawm, 1996, p. 52).
De acordo com Hobsbawm (op. cit., p. 80),
Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe mdia mobilizando as massas contra a resistncia obstinada ou a contra-revoluo. Veremos as massas indo alm dos objetivos dos moderados rumo s suas prprias revolues sociais, e os moderados, por sua vez, dividindo-se em um grupo conservador, da em diante fazendo causa comum com os reacionrios, e um grupo de esquerda determinado a perseguir o resto dos objetivos moderados, ainda no alcanados, com o auxlio das massas, mesmo com o risco de perder o controle sobre elas.
44 Os autores Jardin e Tudesq compartilham esta noo de liberalismo conservador do regime de
julho. Cf. Andre JARDIN e Andre-Jean TUDESQ, A. J. La France des notables: lvolution gnrale 1815-1848. Paris: ditions du Seuil, 1973 ; pp. 136-171.
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A relao entre Instituto Histrico de Paris e o governo ganha sentido se remetida a
esse contexto poltico. A obra de reconstruo da memria dirigida pelo voluntarismo
historiador de julho (Pire, 2002), que se estendia pesquisa, ao estudo e classificao e proteo dos arquivos, correspondia a objetivos polticos de reconciliao. Caberia ao saber histrico relativizar a importncia da ruptura revolucionria da qual nasceu o Regime
de Julho. A monarquia burguesa, por meio dos historiadores-polticos, conferia histria
um sentido poltico vital para a sua legitimao. Aps 1830, o olhar do historiador, outrora
preocupado em demonstrar a importncia da luta de classes nos acontecimentos histricos,
centrava seu interesse na organizao do regime estabelecido. Nesse contexto, a histria era
o conhecimento que devia explicar o passado, legitimar o presente e indicar o futuro.
Diante deste cenrio, convinha ao IHP ressaltar que seu projeto era pacfico e que suas atividades produziriam contribuies teis, voltadas para o bem comum.
Chamaremos a ns todos os espritos que tm algum ponto de contato com os estudos histricos. Contrairemos, interna e externamente, uma aliana direta, de homem til a homem til; respeitaremos todas as nuanas de posio, e apresentaremos o raro fenmeno de uma sociedade que, sem acepo de partido, de escola ou de sistema, confunde em um mesmo objetivo de utilidade pblica, o saber e o zelo de homens pertencentes todas as opinies conhecidas. O princpio de onde partimos para chegar a esta fuso a troca entre todos das vantagens dos trabalhos de cada um, e da comunidade de todas as pesquisas, de todos os fatos, de todas as verdades teis, para avali-las primeiro, para propag-las em seguida, de comum acordo, em todas as classes da sociedade, em todos os pases do mundo. Esse pensamento o nico que preside a criao do Instituto Histrico; nossa tendncia foi o que ela devia ser, toda pacfica, toda de bem individual e geral. Que no nos seja proposta outra coisa! Diremos que isso no nos diz respeito! [grifos nossos] (Monglave, relatrio sobre os Trabalhos do IHP desde sua fundao, Journal de lInstitut Historique, 1837, p. 52).
Esclarecida sua tendncia pacfica, o IHP recebeu a aprovao de dois importantes
historiadores, ministros de Lus Filipe: Thiers e Guizot. O primeiro, ento Ministro do
Comrcio e dos Trabalhos Pblicos, escreveu em 21 de novembro de 1833: Eu li com
muito interesse o projeto que por vs me foi enviado e que consiste em fundar um instituto histrico com o objetivo de constatar e avanar o progresso da cincia da histria, e eu fiquei surpreso com a utilidade e a grandeza do projeto45. Guizot, Ministro da Instruo
45 1a. assemblia geral, 23 de maro de 1834, atas manuscritas.
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Pblica, em seu relatrio ao rei, de 31 de dezembro de 1833 (Moniteur du 13 janvier 1834), manifestou-se nos seguintes termos:
A necessidade de colocar termo a esses esforos comea a se sentir vivamente, pois algumas pessoas formaram recentemente uma sociedade para tentar concentrar e coordenar as pesquisas de todos os homens que se dediquem a esse gnero de trabalho. Eu espero que essa sociedade no tenha feito em vo apelo aos amigos da cincia, eu me associo aos seus esforos.
Como ministro da Instruo Pblica, Franois Guizot pde intervir em trs reas
fundamentais para implementar sua idia segundo a qual o grande mistrio das sociedades
modernas o governo dos espritos (apud Mlonio, 1998, p. 214): criou a Academia de Cincias Morais e Polticas, elaborou um projeto educativo bem estruturado, e promoveu a criao de uma importante infraestutura cultural estatal, ou como afirma Rosanvallon, uma
rede densa de aparelhos destinados gerir o senso comum (1985, p. 225). Segundo esse autor, a nova ao do Estado se caracterizava ao mesmo tempo como um instrumento
tradicional de coero e dispositivo produtor de hegemonia. Alm do papel fundamental
que exerceu sobre o desenvolvimento dos estudos histricos, o incentivo dado por Guizot
s sociedades cientficas locais tinha por objetivo contribuir para o fortalecimento intelectual das classes abastadas, uma vez que a instruo elementar se expandia nas classes
populares, o que se pode concluir do seguinte comentrio:
No momento em que a instruo popular se expande em toda parte, e que os esforos dos quais ela objeto conduzem, nas classes numerosas que se dedicam ao trabalho manual, a um movimento de esprito enrgico, muito importante que as classes abastadas, que se entregam ao trabalho intelectual, no se deixem levar pela indiferena e pela apatia. Mais a instruo elementar se tornar geral e ativa, mais necessrio que os altos estudos, os grandes trabalhos cientficos, estejam igualmente em progresso. Se o movimento intelectual vai sempre crescente nas massas enquanto a inrcia reina nas altas esferas da sociedade, resultaria cedo ou tarde uma perigosa perturbao (Guizot, Circulaire aux membres des socits savantes tablies dans les dpartements, Paris, 30 de julho, Rapports au Roi et pices, 1835 apud Rosanvallon, op. cit., pp. 227 e 228).
A propsito da criao de uma inspeo geral dos monumentos histricos, Guizot
escreveu ao Rei: Faltava cincia um centro de direo que regularizasse boas intenes
manifestas sobre quase todos os pontos da Frana; era preciso a impulso partida da prpria
autoridade superior, e que o ministro do Interior imprime uma direo esclarecida ao zelo
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das autoridades locais (Mmoires, t. II, p. 387, apud Rosanvallon, op. cit., p. 230). O controle exercido pelo governo era voltado s sociedades e academias, assim como ao
corpo docente, que tinha menos autonomia ainda.
O governo procurou estimular as sociedades cientficas de vrias maneiras,
colocando-as em contato umas com as outras, facilitando a troca de suas publicaes e
votando subvenes em seu favor. Submetidas tutela do governo, as academias e a
imprensa tornaram-se importantes aliadas da nova ordem. Mas a tutela das sociedades
cientficas seria praticada no apenas por Guizot, outros ministros da Instruo Pblica
tambm o fizeram ao longo da Monarquia de Julho.
O Ministrio da Instruo Pblica permaneceu vigilante com relao s atividades
promovidas pelo IHP que, por sua vez, estava sempre pronto a responder s solicitaes que
lhe eram enviadas, ou a fazer os ajustes que lhe eram exigidos. Quando o Instituto decidiu oferecer cursos pblicos, a prtica no era comum fora do mbito universitrio, por isso
teve de recorrer ao ministro da Instruo Pblica. Mas tambm no se tratava de uma
iniciativa indita, o movimento republicano j havia proposto a instruo do povo por meio de cursos pblicos46, o que reforava a cautela do governo com relao a essa proposta. A
deciso de formar comisses para organizar os cursos foi tomada na dcima assemblia
geral, em 30 de outubro de 1834, mas a autorizao para o seu incio s foi concedida, com
certa relutncia, em 1838. A diversidade poltica que o Instituto abrigava certamente aguou
a cautela do ministro que, temendo a influncia de membros mais comprometidos com a
poltica, condicionou a aprovao dos cursos apresentao de esclarecimentos detalhados
sobre sua proposta de funcionamento. Na sesso de 03 de maro de 1838, o secretrio
perptuo anunciou a visita de Navarre, inspetor da Academia de Paris, escolhido pelo
ministro para realizar essa investigao. Navarre, afirma Monglave, que parece motivado
pelas melhores intenes, pede somente os nomes e as titulaes dos professores que se
propem a fazer os cursos e as matrias que neles sero tratadas. Logo em seguida, os
membros do IHP votaram os regulamentos referentes aos cursos pblicos, entre os quais um
artigo chama particularmente a ateno: A discusso est proibida; os cursos no sero
seguidos de nehuma conferncia. O secretrio perptuo afirmou que esse artigo foi
46 A Associao livre para a instruo do povo, que teve origem na Associao politcnica, foi
dissolvida em 1832, mas renasceu em janeiro de 1833, com o objetivo de educar os franceses por meio de cursos pblicos. Cf. Flix PONTEIL. La Monarchie Parlementaire. Paris: Armand Colin, 1949.
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proposto devido experincia de desordens causadas pelas conferncias nos cursos do
Ateneu Real. A autorizao s foi concedida no ms de dezembro de 1838, mas excetuava
Auguste Savagner, ex-aluno da cole des Chartes, professor de histria na Universidade, que pretendia ministrar o curso sobre a Histria geral dos Gaules desde a conquista
romana at Saint-Louis. A permisso lhe foi negada com o argumento de que Savagner
havia incorrido em julgamento universitrio e censura disciplinar, talvez por ter aprovado de maneira escandalosa (Grbod, 1965, p. 165) a revolta dos Canuts47. Conforme o dicionrio Larousse, Auguste Savagner48, literato e professor, nasceu em 1808 em Cassel,
onde seu pai trabalhava na adminsitrao quando a Westflia estava submetida soberania
da Frana. Estudou na Escola Normal e ocupou vrias funes na Instruo Pblica; foi
professor de histria no Colgio de Lyon em 1831 e em 1834 no Colgio de Nantes, e
depois passou a lecionar na Universidade. Em Paris, Savagner participou das agitaes
polticas de 1848 e se tornou capito da guarda nacional, e morreu em novembro de 1849.
A crise desencadeada com as greves dos canuts em 1831 e 1834 foi atribuda pelo
governo influncia de idias socialistas e republicanas. Alm disso, de modo geral, houve
um grande avano do movimento republicano nos primeiros anos da Monarquia de Julho.
Auguste Savagner era republicano e foi acusado de ter apoiado a revolta dos canuts; por
isso, era um membro do Instituto que representava a oposio poltica.
O regime de 1830 foi constantemente ameaado por levantantes legitimistas,
republicanos, pela agitao operria, tentativas de assassinato e golpes bonapartistas, alm
dos problemas sociais e da epidemia de colra (maro de 1832) que ajudaram a compor o quadro que estendeu a revoluo de 1830 at 1834 ou 1835. Maurice Agulhon (1988) pondera que a Monarquia de Julho, instalada com a Revoluo de 1830, foi um regime
47 Revolta de Canuts insurreio dos operrios da seda ocorrida em Lyon em 1831 e 1834.
48 Maria Alice de Oliveira Faria se refere ao General Savagner. certo que Savagner (pai) tambm
foi membro do IHP, pois seu nome encontra-se entre os presentes na assemblia geral de 30 de novembro de 1838, mas foi Auguste Savagner, o professor de histria que se envolveu efetivamente nas atividades e cuja proposta de oferecer um curso pblico no IHP no foi aprovada pelo governo.
Auguste Savagner, literato e professor, que nasceu em 1808 e faleceu em 1849, esteve entre os combatentes da Revoluo de Julho. Savagner foi aceito como professor agregado de histria e de geografia no Colgio de Lyon em 1831. Em 1834 assumiu o mesmo cargo no Colgio de Nantes e, em 1836, em Dijon. De acordo com as informaes do Dictionnaire Larousse, dois anos mais tarde, Savagner perdeu estes cargos devido a suas opinies republicanas. Em Paris, publicou vrias obras e colaborou no Dictionnaire de la conversation, Encyclopdie des gens du monde, Encyclopedie catholique, etc. No IHP foi vice-presidente da primeira classe em 1838 e em 1839, membro atuante e assduo nas reunies.
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liberal, antirreligioso e laico. As agitaes sociais que perturbaram o governo de Lus
Filipe, marcadas pelas greves em Lyon, dos trabalhadores