carros de combate na selva: utilização de vbcccs no teatro...
TRANSCRIPT
1
Carros de Combate na Selva: Utilização de VBCCCs no Teatro de
Operações da Amazônia
Autores:
Júlio César Guedes Antunes1
Camila Rocha Lopes2
Giovani Moutinho3
Igor Alberte Rodrigues Eleutério4
Marina Martins Teixeira5
Luciano Henrique Silva Oliva6
O presente artigo tem por objetivo discutir o emprego de carros de combate em ambiente de
selva pelo Exército Brasileiro no Teatro de Operações da Amazônia. Partindo dos princípios
doutrinários já existentes, sugere-se que o uso de VBCCCs em cenário de selva pode
extrapolar aquele previsto nos manuais brasileiros de emprego de cavalaria, visto que
conflitos passados demonstraram tais possibilidades. Foram utilizados como fontes
documentos produzidos pelo governo, obras de autoria de especialistas militares e civis, além
de matérias jornalísticas nacionais e estrangeiras. Como metodologia optou-se por recontar as
origens da cavalaria no Brasil e as missões dos carros de combate, partindo em seguida para
uma análise do terreno no Teatro de Operações da Amazônia. Por fim, foi feito um apanhado
histórico do uso de carros de combate na selva em conflitos passados. Concluiu-se que as
VBCCCs tiveram uso extensivo nesses cenários, extrapolando a doutrina militar vigente na
época e tornando-se peças-chave para a obtenção da vitória na selva.
Palavras-chave: Carros de Combate, Teatro de Operações da Amazônia, Guerra na Selva.
1. Carros de combate no Brasil
Desde a antiguidade o combatente sempre buscou uma maneira de lutar em posição
favorável. Geralmente, estar em uma plataforma mais alta confere ao combatente uma
vantagem sobre seus inimigos, e desde que foi domesticado, o cavalo provou-se a mais
versátil dessas plataformas. Durante milênios o soldado montado – seja a cavalo, elefante,
camelo e outros animais – participou de forma decisiva dos conflitos armados. O
desenvolvimento desta arma levou à sua progressiva especialização: a chamada “cavalaria”
1 Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do Instituto
Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) – Campus Montes Claros. 2 Acadêmica do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.
3 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.
4 Acadêmico do 5º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.
5 Acadêmica do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.
6 Acadêmico do 7º período do bacharelado em Ciência da Computação do IFNMG – Campus Montes Claros.
2
ganhou divisões entre pesada (hussardos), ligeira (lanceiros, caçadores e carabineiros) e
pesada com capacidade de combate a pé (dragões).
À cavalaria pesada cabia o papel do choque, do primeiro contato com a formação
inimiga, que quebra-lhe o ímpeto e o coloca em desorganização; a cavalaria ligeira deve fazer
reconhecimento e explorar o sucesso da cavalaria pesada; já os dragões têm a versatilidade de
modificar sua forma de ataque quando a situação assim requer.
A cavalaria no Brasil nasceu pouco tempo depois do descobrimento pelos portugueses
em 1500, embora a ausência de cavalos na fauna nativa das Américas tenha ocasionado um
desenvolvimento lento da arma. Sua origem pode ser atrelada ao regimento entregue ao
governador Tomé de Souza em janeiro de 1549, que determinava a criação de uma milícia
colonial (BRASIL, 1999) predominantemente de infantaria, visto que os poucos cavalos
importados da Europa se encontravam nas mãos dos senhores de engenho. Todavia, um grupo
de milicianos a cavalo participou da Batalha de Porto Grande em 26 de maio de 1555, quando
colonos baianos dispersaram índios que atacaram um engenho na região. No século seguinte,
as capitanias do Nordeste já contavam com companhias de cavalaria de milícias, muitas das
quais participaram da Restauração de Pernambuco, derrotando de vez as forças holandesas
invasoras. Um esquadrão de cavalaria sob o comando do Capitão Antônio Silva participou da
1ª Batalha de Guararapes em 19 de abril de 1648, e no ano seguinte, duas companhias de
cavalaria tomaram parte na 2ª Batalha de Guararapes em 19 de fevereiro de 1649.
No século XVIII foram criados os primeiros corpos de cavalaria regular e auxiliar, em
sua maioria de dragões, sendo Minas Gerais a capitania pioneira neste ato, em 1712. As
unidades de cavalaria no sul do Brasil participam ativamente dos diversos combates contra
espanhóis para a consolidação das nossas fronteiras, em especial no Rio Grande do Sul. Com
a instalação da Corte Portuguesa no Brasil em 1808 as unidades de cavalaria foram
reorganizadas em regimentos e sofrem vasta ampliação, atuando sob comando do Imperador
Pedro I durante a Guerra de Independência em 1822. Em 1865, na Guerra do Paraguai, a
cavalaria brasileira teve seu maior teste de fogo em toda a história: liderados pelo Marechal
Manoel Luís Osório (Marquês de Herval) e o General Joaquim de Andrade Alves (Barão do
Triunfo), os cavalarianos brasileiros tiveram papel fundamental na vitória nas batalhas de
Tuiutí, Avaí, Lomas Valentinas, Campo Grande, e outras, colaborando de forma decisiva para
a derrota paraguaia na guerra.
Nas últimas décadas do século XIX, com o desenvolvimento das metralhadoras e
obuseiros de grosso calibre, a cavalaria tradicional foi inadvertidamente ultrapassada pelo
novo contexto criado para a guerra: as técnicas não acompanharam a rápida evolução dos
meios bélicos. O trágico resultado pôde ser observado nos primeiros meses de combate na
Primeira Guerra Mundial. A ofensiva alemã contra Paris no outono de 1914 foi parada no rio
Marne por uma determinada linha defensiva anglo-francesa, cujo extensivo fogo de
metralhadora e granadas de morteiro fizeram parar o inimigo. O que se seguiu foi um
gigantesco impasse, no qual os dois lados cavaram trincheiras para esquivar-se da constante
chuva de projéteis, resultando em ataques cada vez mais custosos em vidas humanas e de
animais – a cavalaria tradicional encontrara seu limite.
Divisando um aparato que pudesse quebrar o impasse na guerra e vencer obstáculos
como trincheiras e ninhos de metralhadora – abrindo caminho para a infantaria – o Alto-
Comando britânico autorizou em 1915 o desenvolvimento de um veículo blindado sobre
lagartas que pudesse transpor uma trincheira de 1,5 metro. O mesmo deveria resistir ao fogo
de metralhadora e possuir armamento ofensivo para destruir posições fortificadas inimigas. O
3
resultado foi o Mark I, que entrou em combate na Batalha do Somme em setembro de 1916.
Embora lentos e sujeitos a problemas mecânicos, os novos “carros de combate”7 rapidamente
cumpriram seu propósito desejado, rompendo linhas defensivas alemãs antes consideradas
intransponíveis pela infantaria.
Neste contexto, após o afundamento de diversos de seus navios por submarinos
alemães, o Brasil declarou guerra às Potências Centrais8 em 26 de outubro de 1917. Como
primeira medida, o governo enviou à França uma missão militar liderada pelo General
Napoleão Aché em fevereiro de 1918. Tal missão era composta por oficiais e sargentos do
Exército, e deveria travar conhecimento com os modernos meios de guerra empregados na
frente de batalha. Entre esses oficiais estava o Tenente José Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, oficial de cavalaria, enviado para um estágio na Academia Militar de Saint-Cyr.
Logo após concluir o estágio, José Pessoa foi rapidamente integrado às fileiras do 4º
Regimento de Dragões do Exército Francês, unidade que havia sofrido 80% de baixas em
combate no fim de abril. O jovem oficial então se tornou o primeiro brasileiro a travar contato
com os modernos carros de combate ao receber o comando de um pelotão de VBC9 Renault
FT17. José Pessoa combateu nas ofensivas francesas dos últimos meses da guerra, sendo
elogiado por diversos superiores por seu desempenho e recebendo a promoção a Capitão
(CÂMARA, 2012).
Após a guerra, em 1920, o Brasil adquiriu o primeiro lote de carros de combate
Renault, e José Pessoa se tornou o primeiro comandante de uma unidade de cavalaria blindada
brasileira. Inspirado por sua experiência na França, ele manifestou que tipo de arma de
cavalaria queria criar para o Brasil:
“A meu ver, os nossos carros só darão rendimento igual aos que tem dado nos
países do velho mundo, onde lhes é dispensado o apreço que lhes é devido,
em face da experiência da última guerra, quando pudermos contar com
homens em seu serviço por 2 ou mais anos, quando não lhes forem
destinados, no momento da incorporação, homens manifestadamente fracos,
mas tão somente indivíduos fortes e, finalmente, quando a escolha destes
recair, de regra, em eletricistas, motoristas, mecânicos, etc., e não em
comerciantes, lavradores, estudantes, etc., como aconteceu desta feita”
(BASTOS, 2001).
Em 1938 foram adquiridos os carros de combate leve italianos Ansaldo CV 33 para
substituir os já idosos Renault, mas a nova revolução da cavalaria blindada brasileira ocorreria
somente em 1942 por meio da entrada do país na Segunda Guerra Mundial. A aliança militar
com os Estados Unidos permitiu o acesso aos novos meios e técnicas de combate blindado em
emprego na guerra. A partir de 1944 chegaram ao país cerca de 500 VBCCC10
M3 Stuart, M3
Grant e M4 Sherman, VBR11
M8 Greyhound e VBTP12
M3 Half Track (BRASIL, 1999).
Além disso, a cavalaria brasileira atuou em combate na Europa com o 1º Esquadrão de
Reconhecimento, unidade que compunha a Força Expedicionária Brasileira.
7 A designação culta utilizada pelo Exército Brasileiro deriva do francês char d’assault (literalmente “carro de
assalto”), termo introduzido no Brasil pela Missão Militar Francesa nos anos 1920. Contudo, a maioria dos países utiliza alguma variação da designação inglesa tank (tanque), termo que também é coloquialmente utilizado no Brasil. 8 Alemanha, Império Austro-Húngaro e Império Turco-Otomano.
9 Viatura Blindada de Combate.
10 Viatura Blindada de Combate – Carro de Combate
11 Viatura Blindada de Reconhecimento
12 Viatura Blindada de Transporte de Pessoal
4
A próxima onda de modernização veio em 1960 com a chegada das VBCCC M-41
Walker Bulldog, seguida da reorganização completa da arma, que passa a ser constituída de
Brigadas, Regimentos e Esquadrões. Na década seguinte o Exército recebeu uma grande
variedade de veículos blindados oriundos da indústria nacional, que chegou a produzir, no
começo dos anos 1980, o protótipo do primeiro MBT13
nacional, o EE-T1 Osório.
Os primeiros MBTs passaram a equipar o Exército Brasileiro em 1997 com a chegada
de 91 M-60A3TTS americanos e de 128 Leopard 1A1 alemães em 1999. Os mais modernos
carros de combate hoje empregados no Brasil são os 250 Leopard 1A5 recebidos da
Alemanha a partir de 2006.
A maioria das unidades de carros de combate do Exército Brasileiro hoje se localiza na
região sul, com destaque para Santa Maria-RS, onde fica localizado o Centro de Instrução de
Blindados. Há também um Regimento de Cavalaria Blindada em Campo Grande-MS
equipado com os M-60 e unidades de cavalaria mecanizada14
espalhadas por todo o território,
sendo uma única localizada na Amazônia: o 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada em Boa
Vista-RR.
2. Missões dos carros de combate
A cavalaria blindada é uma força concebida em torno dos princípios de mobilidade e
manobra, talhada para obter, manter e explorar a iniciativa nas ações, desempatando assim
uma situação de impasse. Dentro da cavalaria, os carros de combate desempenham o papel
principal, pois são eles os responsáveis pelas rápidas ações de desbordamento ou, quando
essas são inviáveis, pelas ações diretas de choque numa batalha de ruptura, sendo aptos a
romper as posições defensivas do inimigo e causar-lhes pânico.
Carros de combate são geralmente utilizados de forma concentrada para atuação
objetiva e pontual, com vistas à destruição de um objetivo claramente determinado. Para que
sejam usados com sucesso, os carros de combate têm de apresentar as seguintes características
básicas (BRASIL, 1999):
Mobilidade: ser capaz de realizar manobras rápidas e flexíveis em terrenos variados,
bem como usar essa capacidade para obter o elemento surpresa; portanto, deve
deslocar-se com rapidez, entrar e sair de batalha com facilidade, possuir grande raio de
ação e estar apto a superar obstáculos do terreno e clima.
Potência de fogo: possuir armas de grosso e leve calibre, com munição adequada para
a destruição de alvos de diversas naturezas, bem como ser capaz de estocar
internamente uma grande quantidade desta munição. O uso de carros de combate em
conjunto proporciona ao grupo utilizar esse poder de fogo para proteção de seus
flancos ao mesmo tempo em que realizam uma ação ofensiva.
Proteção blindada: possuir couraça blindada que ofereça proteção adequada ao
tripulante e às partes sensíveis do veículo contra o maior conjunto possível de fogos
inimigos, desde armas leves até artilharia de grosso calibre.
13
Main Battle Tank (Tanque Principal de Batalha), designação criada na Guerra Fria para um veículo com motor poderoso, melhor suspensão e blindagem, possibilitando-o carregar poder de fogo de um carro superpesado, proteção de um carro pesado e mobilidade de um carro leve, num pacote com peso de um carro médio. 14
A cavalaria mecanizada é composta de viaturas blindadas leves, geralmente utilizadas para missões de reconhecimento.
5
Ação de choque: o veículo deve ser capaz de agir em conjunto, na forma de unidades
concisas, reunindo alto poder de fogo e impacto para sobrepujar o inimigo, de
preferência utilizando-se do elemento surpresa.
Sistema de comunicação amplo e flexível: o carro de combate deve possuir uma
variedade de sistemas de comunicação, tanto internos quanto externos. Internamente, o
ambiente barulhento e restrito dos veículos durante o combate impede que seus
tripulantes possam se comunicar de forma clara utilizando apenas a voz; desta feita,
um intercomunicador é necessário para que haja clareza e harmonia nas comunicações
entre a tripulação. Externamente, devido ao fato de que os carros de combate devem
agir em grupos e também estar em constante contato com o comando na retaguarda,
devem contar com equipamentos de rádio de alta capacidade.
Antes de uma batalha os carros de combate são empregados à frente das demais forças
terrestres para proporcionar segurança ao dispositivo. Durante a ação realizarão manobras
desbordantes e de envolvimento para dispersar e destruir contingentes inimigos
separadamente. Se a manobra não for possível, deverão realizar a ruptura da posição inimiga
por ação de choque e, quando esta for desbaratada, devem perseguir o inimigo e destruí-lo.
Num cenário defensivo, os carros de combate atuam como reserva móvel apta a agir
prontamente para conter avanços inimigos em qualquer setor do dispositivo, com vistas a
sustar seu ímpeto de ataque.
Sendo assim, para cumprir as missões básicas da arma, os carros de combate podem
realizar reconhecimento e vigilância de vastas áreas, realizar segurança cobrindo ou
protegendo as demais forças terrestres, e engajar-se em combate, seja de natureza ofensiva ou
defensiva. Analisaremos a seguir cada uma dessas missões.
2.1 Reconhecimento
A condução de operações militares exige do comandante a sábia utilização de seus
recursos para poupar suas forças e infligir o maior dano possível ao inimigo. Disso depende o
conhecimento prévio do maior número possível de dados sobre as forças inimigas: seu
tamanho, capacidade, posição, deslocamento, etc. E para conseguir tais dados é necessário
realizar ações de reconhecimento.
Embora frequentemente realizada pela cavalaria leve, mecanizada, missões de
reconhecimento podem também ser realizadas por carros de combate caso o comandante
assim julgue prudente. Essas missões têm por objetivo obter informações do inimigo e/ou da
área de operações, e afetam diretamente a formulação de planos de ação.
O reconhecimento pode ser dividido em três categorias: eixo, zona e área. O
reconhecimento de eixo visa à obtenção de informações sobre um determinado eixo (ex:
estrada ou via de aproximação) e terrenos a ele adjacentes; o reconhecimento de zona
prescreve a busca de dados sobre uma zona de operações ao longo de uma faixa de terreno; e
o reconhecimento de área tem por objetivo coletar dados sobre o inimigo e o terreno dentro de
um perímetro específico.
Ao contrário das missões de segurança, no reconhecimento os carros de combate
devem preservar plenamente suas capacidades de manobra, orientando-se pelas posições
inimigas, construções e acidentes de terreno, com o objetivo de conseguir a melhor visão e
obter a maior quantidade de dados sobre as forças contrárias. Todos os dados coletados devem
6
ser, o mais rápido possível, transmitidos aos escalões superiores para averiguação e
processamento. Embora o contato com o inimigo deva ser estabelecido o quanto antes – e
nunca rompido voluntariamente sem a devida autorização do comando superior – os carros de
combate devem evitar o engajamento definitivo com o inimigo em missões de
reconhecimento.
Os dados coletados pelos elementos atuantes numa missão de reconhecimento são
prontamente utilizados pelo comandante para tomar decisões de suma importância, como a
pertinência de realizar um ataque direto ou desbordar a força inimiga.
2.2 Segurança
Um dispositivo de combate deve sempre preservar-se da provocação, observação e
ataques-surpresa do inimigo, e para tanto deve detectar ameaças com antecipação e manobrar
com rapidez para evitar armadilhas. Garantir essa capacidade é função das forças de
segurança, geralmente compostas por carros de combate. Tais forças devem ser
suficientemente fortes e apropriadas para garantir o tempo adequado de reação ao grosso da
tropa segurada, reagindo ao inimigo de forma rápida e agressiva quando este é detectado em
ação ofensiva.
As ações de segurança podem se enquadrar em três categorias, dependendo do
objetivo e posicionamento de seus elementos:
Cobertura: os elementos de segurança se posicionam de forma espalhada e distante da
força protegida, sempre com face para o inimigo, de forma a interceptá-lo em seu
curso e retardar seu avanço.
Proteção: os elementos de segurança se posicionam das extremidades imediatas da
força protegida, seja por flanco, frente ou retaguarda, com o objetivo de proteger a
força do fogo direto do inimigo fazendo uso de sua pesada blindagem protetora. É
importante que uma força de proteção opere dentro do alcance de fogos da força
protegida, para que ambas possam, em conjunto, maximizar a potência de fogo de
reação.
Vigilância: os elementos de segurança montam uma série de postos de observação
pela área de operações, procurando detectar a presença do inimigo tão logo ele se
aproxime do perímetro.
Forças de segurança devem proporcionar alerta sobre localização e movimentos do
inimigo que possam constituir ameaça ao seu dispositivo, garantindo prazo e espaço para que
a força protegida possa manobrar. Seu deslocamento sempre obedece ao deslocamento da
força protegida, e a segurança realiza reconhecimento contínuo e agressivo, mantendo contato
com o inimigo até que o mesmo não mais constitua uma ameaça.
2.3 Operações Ofensivas
As operações ofensivas são as que mais tiram proveito do potencial dos carros de
combate, com sua blindagem, velocidade e poder de fogo. São operações que têm por objetivo
o confronto e a destruição das forças inimigas, de forma parcial ou definitiva. Antes do ataque
principal, uma força blindada pode realizar um reconhecimento em força, isto é, realizar uma
7
operação de objetivo limitado com um contingente considerável, para entrar em contato com
o inimigo e revelar e medir suas possibilidades. Geralmente num reconhecimento em força os
carros de combates são auxiliados pela engenharia, artilharia e recebem apoio aéreo.
A ação de ataque, que visa destruir e neutralizar o inimigo, pode ser de oportunidade
ou coordenada. Num ataque de oportunidade, os carros de combate se pautam pela rapidez de
suas ações buscando sempre preservar a iniciativa, mirando um ponto vulnerável do
dispositivo inimigo e realizando manobras de desbordamento e fixação do oponente. Já num
ataque coordenado – geralmente executado contra posições defensivas inimigas – todas as
forças, em conjunto com os carros de combate, são combinadas para cerrar de forma poderosa
sobre o inimigo. Este tipo de ataque demanda grande planejamento e capacidade de
coordenação de meios.
Após realizarem uma bem-sucedida ação de ataque – seja ela por desbordamento ou
ataque frontal – os carros de combate devem prosseguir para o aproveitamento do êxito. Esta
fase caracteriza-se pelo aproveitamento da incapacidade do inimigo em manter suas posições,
quando a força atacante deve então enviar reforços para anular a defesa do oponente bem
como sua capacidade de realizar uma retirada organizada. Um dos objetivos do
aproveitamento do êxito é cortar as vias de fuga e desorganizar suas instalações de comando e
controle.
Por fim, os carros de combate devem realizar a perseguição ao inimigo batido. Nesta
última fase das ações de ataque, deve-se cercar e destruir a formação inimiga em fuga.
Completa-se a destruição da força oponente sem se preocupar com objetivos no terreno:
apenas a força inimiga em si é o objetivo. Pressão deve ser mantida até a rendição ou
destruição completa do adversário.
2.4 Operações Defensivas
Carros de combate estão aptos a realizar missões de defesa tanto em posição quanto
em movimento. Essas missões visam proteger a força principal de ataques inimigos numa
situação de desvantagem tática.
Numa defesa de posição, os carros de combate passam a integrar forças de segurança
em defesa avançada ou na reserva, para agir de forma decisiva quando o comando necessitar
de sua atuação. Já na defesa móvel, os carros de combate participam da defesa avançada e das
forças de proteção, além da reserva.
Geralmente as operações de defesa envolvem movimentos retrógrados, ou recuos. Os
carros de combate são bastante adequados à realização dessas funções, pois são capazes de
retardar o inimigo com seu poder de fogo combinado com mobilidade, permitindo tempo e
espaço de fuga para a força principal. Esses movimentos são escalares e possuem três
classificações.
Inicialmente existe a ação retardadora, na qual os carros de combate trocam espaço por
tempo, procurando atrasar o inimigo ao máximo através de ações descentralizadas em
posições sucessivas e/ou alternadas. Nesse tipo de ação, a manobrabilidade do carro de
combate torna-se um fator de sucesso essencial, pois visa saturar a capacidade de ataque
inimiga, mantendo-o em constante contato enquanto permite a fuga da força protegida.
8
Embora faça uso de ações descentralizadas, é necessária uma coordenação central desses
esforços.
Em seguida à ação retardadora acontece o retraimento, que é o momento em que o
grosso da força rompe contato com o inimigo. Apesar disso os carros de combate nas forças
de defesa continuam a manter o contato com o inimigo para proporcionar segurança e
dissimulação.
Por fim, as operações defensivas resultam na retirada. Essa fase se caracteriza pelo
recuo da força principal através de um planejamento bem definido, objetivando evitar um
combate decisivo nas circunstâncias postas. A retirada acontece quando as forças principais e
de segurança conseguem desengajar-se com sucesso do inimigo e prosseguem para uma área
segura, buscando resguardar-se para futuras operações de combate em condições mais
favoráveis (BRASIL, 1999).
3. Teatro de Operações da Amazônia
A Amazônia é uma zona de operações peculiar para os carros de combate.
Presumivelmente, é uma região de complicada logística, difícil acesso e cortada por poucos
caminhos transitáveis. A densa floresta e a vegetação alta prejudicam a importante capacidade
de manobra e mira dos carros de combate, tornando-os, numa primeira instância, totalmente
inadequados ao emprego naquele terreno.
O Brasil faz fronteira com sete países na região amazônica – um deles parte da União
Europeia. Tais países possuem sistemas de alianças diversos e flutuantes, e a potencial ação
de forças externas em seus territórios não é uma possibilidade a ser descartada. A Estratégia
Nacional de Defesa, em seu décimo imperativo de flexibilidade e elasticidade para o Exército,
estabelece tal preocupação e a importância de se montar constante vigilância e preparação
naquela região:
Os imperativos de flexibilidade e de elasticidade culminam no preparo para
uma guerra assimétrica, sobretudo na região amazônica, a ser sustentada
contra inimigo de poder militar muito superior, por ação de um país ou de
uma coligação de países que insista em contestar, a pretexto de supostos
interesses da Humanidade, a incondicional soberania brasileira sobre a sua
Amazônia (BRASIL, 2008).
Embora a hipótese de que o Brasil entre num conflito armado de grande escala seja
hoje remota, a preparação não é mantida apenas para tal cenário, mas também para a
manutenção da segurança fronteiriça em casos de instabilidade regional ou ação de grupos
paramilitares que ajam com ou sem apoio de governos locais.
A região norte do Teatro de Operações da Amazônia, no estado de Roraima, encontra-
se adjacente a uma área contestada entre Guiana e Venezuela: o Essequibo. Esta região de 160
mil km² atualmente faz parte da Guiana, mas é historicamente disputada pela vizinha
Venezuela. A disputa voltou a ganhar vulto há alguns anos quando foi anunciada a descoberta
de uma gigantesca reserva de petróleo no local, que também guarda minas de ouro, diamante
e urânio (SPUTNIK, 2017). Desde então, a tensão entre os dois países é alta e a crise
econômica venezuelana contribui para o acirramento de tensões. O colapso da economia na
Venezuela também vem causando a migração desordenada de seus cidadãos para o Brasil,
demonstrando a porosidade da fronteira entre os dois países.
9
O Exército Brasileiro conta com um contingente considerável de unidades de
infantaria de selva na região amazônica, mas, curiosamente, a presença da cavalaria é mínima,
e sua implantação se deu justamente devido ao sempre mutante sistema de alianças dos países
da região. Após um golpe de estado em 198015
, o Suriname buscou uma aliança com Cuba,
país da esfera de influência da União Soviética:
Em 1983, em pleno governo Figueiredo, o último do ciclo militar, a
disposição brasileira em evitar um confronto maior que pudesse gerar uma
invasão do Suriname por parte de tropas americanas, como a que ocorreu
logo em seguida em Granada, uma pequena ilha do Caribe, o governo militar
brasileiro ofereceu [ao Suriname] ajuda material nos níveis econômico,
técnico e militar. (...) Desta maneira, houve um distanciamento de Cuba por
parte do Suriname e as tensões foram eliminadas, evitando-se assim a
presença de tropas estrangeiras numa área fronteiriça de extrema importância
para o Brasil. Como forma de assegurar a nossa soberania na região, foram
criadas em 1983 duas bases aéreas nos estados de Rondônia e Roraima.
Nesse último, em razão do terreno ser propício ao emprego de blindados na
região norte do país, numa grande área conhecida como lavrado, foi criado o
12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado16
(BASTOS, 2017).
Nesta unidade, sediada em Boa Vista-RR, até hoje estão os únicos blindados
brasileiros na região amazônica, porém nenhum carro de combate existe em seu efetivo. Desta
característica decorre o fato de que o emprego de carros de combate brasileiros na região
amazônica não pode ser realizado atualmente em parâmetros de emergência. Embora o
Exército deva desempenhar suas funções sob o imperativo da flexibilidade, que prevê a
capacidade de emprego de forças militares com o mínimo de rigidez pré-estabelecida, a
própria Estratégia Nacional de Defesa reconhece que, devido aos obstáculos de deslocamento
da região amazônica, a flexibilidade deve ser compatibilizada com uma estratégia de presença
(BRASIL, 2008).
Visto que todas as unidades brasileiras de carros de combate estão localizadas na
região sul e no estado do Mato Grosso do Sul, prover uma força de VBCCCs de pronta
resposta na região amazônica significaria implementar definitivamente uma estratégia de
presença como acima mencionado, alocando de fato uma unidade de carros de combate na
região. Porém, faz-se necessário analisar se o terreno amazônico é adequado ao emprego de
carros de combate, e através de que regras esse emprego se daria. Basicamente, o terreno
amazônico na região brasileira e fronteiriça se caracteriza por dois tipos de ambiente: o
lavrado e a selva.
3.1 O Lavrado
Lavrado é o termo utilizado no Brasil para descrever a grande área de savana situada
na porção nordeste do estado de Roraima, que se alonga pela Venezuela (Gran Sabana) e
Guiana (Rupununi), com uma área total de 68.145 km² - dos quais 62,6% (42.706 km²) estão
em território brasileiro. É um bioma bastante diferente do restante da Amazônia, sendo
caracterizado por grandes áreas abertas naturais, com campinas e vegetação baixa (MORAIS,
2017). Tal terreno permite fazer uso dos atributos de manobrabilidade dos carros de combate,
dada sua vasta extensão plana e de solo firme, bem como proporciona excelentes campos de
15
Conhecido como “Golpe dos Sargentos” de 25 de fevereiro de 1980, liderado por Dési Bouterse, que derrubou o governo Henck Arron e instaurou uma ditadura militar no Suriname. 16
Equipado com blindados nacionais sobre rodas EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu.
10
visão para tiro à longa distância. Por localizar-se na região de tríplice fronteira, trata-se de um
terreno de alto valor estratégico para a defesa do território nacional, pois estando no centro da
pujante selva amazônica, dá acesso direto ao território brasileiro e à capital Boa Vista, que é
conectada por autoestrada até Manaus. É a opinião do Prof. Expedito Bastos, pesquisador de
assuntos militares da UFJF17
:
Como o terreno é propício ao emprego de blindados e na região existem duas
rodovias asfaltadas que ligam a capital Boa Vista à Venezuela e à Guiana,
além de no sentido oposto chegar até Manaus, e sendo o estado de Roraima
uma fronteira de extrema importância estratégica na região norte do país,
seria de bom tom que fosse ali agregado um maior poder de força em termos
de blindados, até para renovar o equipamento já existente e dar uma maior
capacidade de pronta resposta a qualquer problema futuro. Todas as nossas
unidades blindadas de carros de combate se encontram nos estados do sul e
no Mato Grosso do Sul, muito distantes daquela região e com um
complicador a mais que seria o fato de ter que deslocá-las numa emergência,
o que no momento é praticamente inviável dado à carência de meios e
recursos (BASTOS, 2017).
A existência de extensos campos de tiro no lavrado significa há um aumento na
importância das missões de segurança e dissimulação para os carros de combate, dadas as
dificuldades de camuflagem para grandes forças no terreno. Há grande possibilidade de se
obter surpresa através da rapidez de movimento em operações ofensivas, mas também surge
uma grande dependência do apoio logístico devido ao largo alcance das manobras.
3.1.1 M-60A3TTS em Roraima
Para comprovar a exequibilidade de se transportar um esquadrão ou regimento de
carros de combate para o norte da região amazônica, bem como averiguar o comportamento
operacional de uma VBCCC no lavrado, o Exército realizou, em setembro de 2015, a
transferência de um M-60A3TTS18
, MBT de 50 toneladas, desde a sede do 20º Regimento de
Cavalaria Blindado, em Campo Grande-MS, até o 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado,
em Boa Vista-RR.
No dia 12 de setembro de 2015 a viatura foi embarcada num caminhão-plataforma e
iniciou o caminho de 8.480 km até seu destino. Deslocou-se por via terrestre até Porto Velho-
RO, de onde foi embarcada em balsa até Manaus-AM, numa viagem fluvial de 10 dias; o
último trecho, de 800 km, foi feito pela BR174 até Boa Vista. Lá, foi levada até a Serra do
Tucano, no município de Bonfim-RR, próximo à capital roraimense, onde realizou o primeiro
disparo no dia 29 de setembro (DÜRING, 2017).
Além dos sete disparos, foram realizados testes de mobilidade do veículo sobre
lagartas no solo da região, que provou-se firme e condizente com os requisitos operacionais
do carro de combate. A escolha do M-60A3TTS em detrimento do Leopard 1A5 deu-se
exclusivamente devido à questão logística, visto que o 20º RCB era a unidade mais próxima
da área destinada, mesmo que localizada à quase 9.000 km. Foi assim averiguado que é
possível transferir carros de combate para o norte da região amazônica como resposta a
emergências, mas como a experiência demonstrou, os mesmos não podem, nas condições
17
Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. 18
TTS significa Tank Thermal Sight (Tanque com Mira Térmica). O veículo possui uma arma principal com alma raiada de 105 mm e é equipado com uma mira térmica AN/VSG-2.
11
atuais, configurar-se como um elemento de pronta-resposta, devido à imensa distância que
teriam que percorrer até o lavrado.
3.2 A Selva
Embora a experiência tenha demonstrado a viabilidade de se utilizar carros de combate
no lavrado, a Amazônia é predominantemente uma região de selva, e a menos que se espere
que as VBCCCs operem apenas nos limites da savana, é necessário averiguar a possibilidade
de operá-las em terreno de selva.
A princípio, a selva pode parecer bastante hostil, mas essa hostilidade desaparece uma
vez que as tropas aprendam a lidar com ela. Para máquinas e homens, combater na selva é
uma experiência totalmente distinta daquela de outros terrenos, como ilustra o Marechal-de-
Campo William Slim19
:
“Para os nossos homens, a selva era um lugar estranho e medonho; mover-se
e lutar nela parecia um pesadelo. Precocemente classificamos a selva como
‘impenetrável’. Para nós, parecia apenas um obstáculo ao movimento; para os
japoneses era um fantástico ambiente para camuflar manobras e surpresas. Os
japoneses colheram os frutos merecidos, nós pagamos o preço.” (ESTADOS
UNIDOS, 2017)
A selva amazônica está localizada perto da Linha do Equador, o que faz com que o
regime de chuvas seja constante ao longo do ano. Isso faz com que o ambiente combine altas
temperaturas, com alto índice pluviométrico e alta umidade, seriamente afetando homens,
vestimentas, equipamentos, armas, veículos, táticas e operações de manutenção. A selva
amazônica se divide em primária e secundária; a selva primária consiste em árvores grandes e
espaçadas, unidas pelas copas, que podem existir em níveis diferentes começando a 10 metros
do chão. Essas copas formam uma cobertura que impede a penetração de ampla luz solar, e
dificultam ou impedem a observação aérea. As raízes são altas e trepadeiras são comuns,
dificultando a movimentação de veículos. O campo de visão do solo não ultrapassa os 50
metros. Já as selvas secundárias são aquelas onde a floresta original foi desmatada e o solo
exposto à luz solar direta, propiciando o crescimento de grossa vegetação rasteira que pode
chegar aos 2 metros de altura – o que torna o movimento a pé altamente dificultoso. Os dois
tipos de selva podem abrigar áreas alagadas de pouca drenagem, chamadas pântanos. Nesses
lugares a movimentação e observação são extremamente difíceis, e a possibilidade de
camuflagem é alta.
O Manual de Emprego da Cavalaria do Exército Brasileiro descreve que a ação de
carros de combate em ambiente de selva se dará apenas em locais específicos, como estradas
e localidades, restritos aos eixos terrestres existentes na região. Segundo o manual, a
cobertura vegetal em áreas de mata densa e selva dificulta o movimento do homem a pé e
impede o movimento de viaturas em seu interior, ao mesmo tempo em que os campos de tiro
tornam-se mais restritos pela densidade das árvores (BRASIL, 1999).
4. O uso de carros de combate na selva
19
Líder militar britânico vitorioso na longa campanha na selva da Birmânia (hoje Mianmar) contra o Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial.
12
Identificadas as particularidades e missões dos carros de combate e o terreno no qual
devem atuar, faz-se necessário fazer um estudo minucioso do uso prático de VBCCCs em
ambiente de selva, cruzando a doutrina vigente na Cavalaria do Exército Brasileiro com a
experiência real da guerra blindada em ambiente de selva, notadamente as batalhas no Teatro
de Operações do Pacífico (1942-1945) durante a Segunda Guerra Mundial e durante a fase de
intervenção direta americana (1965-1973) na Guerra do Vietnã. Curiosamente, os dois
comandantes-sênior norte-americanos nesses conflitos, respectivamente o General Douglas
MacArthur e o General William Westmoreland, inicialmente não viram qualquer uso para os
carros de combate na selva:
O Brigadeiro-General Albert W. Waldron requisitou tanques e artilharia
pesada ao General Douglas MacArthur, comandante-em-chefe do teatro, para
dar apoio ao seu ataque contra os japoneses em Buna. O Major-General
George C. Kenney, comandante da Força Aérea Aliada no teatro e um dos
principais conselheiros de MacArthur, convenceu este de que tanques e
artilharia não tinham lugar na selva. MacArthur concordou com Kenney e
negou o pedido de Waldron. (...) Os Estados Unidos se envolveram
gradualmente no Vietnã em meados dos anos 60, e os planejadores militares
concluíram que o Vietnã não era lugar para blindados de qualquer tipo,
especialmente tanques. Durante o levantamento inicial de forças, o General
William Westmoreland, comandante-em-chefe do teatro, não viu nenhum uso
para blindados no Vietnã e não fez qualquer pedido para que unidades
blindadas fossem transferidas para a área (WIMMER, 2014).
Contudo, a opinião dos dois chefes rapidamente mudaria, conforme verificaram a
adaptação dos carros de combate à realidade do combate na selva. Curiosamente, nos 20 anos
que separaram os dois conflitos, nenhum tipo de doutrina de uso de carros de combate na
selva foi desenvolvida pelos planejadores norte-americanos, e a experimentação teve que
recomeçar basicamente do zero.
Conforme já mencionado, o Manual de Emprego da Cavalaria (BRASIL, 1999)
menciona que o uso de carros de combate em ambiente de selva deverá somente se dar em
estradas e localidades nas adjacências dos eixos de deslocamento, visto que o terreno
selvagem é virtualmente impenetrável para tais veículos. Segundo Harry Yeide (2017), esta
concepção era compartilhada pelos planejadores norte-americanos em 1942. O Manual segue
estabelecendo que os carros de combate devem ser utilizados na selva prioritariamente em
missões de segurança e defesa em posição, mas também aponta que missões ofensivas devem
ser realizadas sempre que o terreno permitir – sempre acompanhados de infantaria em forças-
tarefa – concluindo que a proteção blindada e o poder de fogo da cavalaria poderão ser fatores
decisivos nas operações ofensivas.
Tendo em vista as linhas gerais do emprego de carros de combate na selva
estabelecidos pelo Exército Brasileiro, serão examinadas agora as experiências passadas de
emprego de VBCCCs na guerra na selva, na qual uma série de questões será estudada:
Que tipo de missões os carros de combate cumpriram na selva?
Que táticas os carros de combate utilizaram em combates passados na selva?
Que impacto o tipo de terreno tem no movimento de VBCCCs e sua mobilidade?
Qual foi a melhor maneira de empregar VBCCCs em combates passados na selva?
Que impacto teve o fator “ameaça” do uso de carros de combate nesse ambiente?
Que tipo de equipamento e munição foi importante em combates blindados passados
na selva?
13
4.1 Segunda Guerra Mundial no Pacífico
O primeiro uso de blindados na selva se deu na Batalha de Buna, na Nova Guiné, em
dezembro de 1942. Naquela primeira tentativa, logo nas adjacências da vila de Buna, foram
empregados cinco blindados leves armados com metralhadoras para destruir posições
fortificadas japonesas. Os veículos, contudo, não dispunham de apoio de infantaria, e foram
todos destruídos em 20 minutos por uma arma anticarro japonesa. O erro foi logo detectado e
corrigido: blindados necessitam de apoio de infantaria para operações na selva. No ambiente
de pouca visibilidade e restrito campo de tiro da selva, a infantaria realiza o importante papel
de prover cobertura para o blindado contra fogo de flanco e designar alvos para a tripulação
do veículo.
A segunda tentativa, e primeira com carros de combate, se deu em 18 de dezembro
também nas proximidades de Buna. Sete carros de combate leves Stuart com canhões de 37
mm foram usados contra uma série de casamatas japonesas. As viaturas também utilizaram
seus canhões para derrubar árvores usadas por snipers20
. Após o avanço inicial, os veículos
foram atrasados pela densa vegetação rasteira, mas ao retomar a frente do assalto destruíram
todas as casamatas inimigas em apenas duas horas – posições que eram conectadas por
trincheiras, sendo praticamente invulneráveis ao fogo de rifle e metralhadora:
Uma tática desenvolvida durante o ataque a Buna foi manobrar os tanques até
bem perto da casamata inimiga, abrir um buraco na lateral da casamata com a
arma principal do tanque, e então usar as metralhadoras do tanque para dar
cobertura ao ataque da infantaria à posição. A infantaria jogaria granadas pela
abertura criada pelo tanque e destruiria a casamata. Esta técnica foi realizada
inúmeras vezes e mostrou-se extremamente eficaz na eliminação de posições
inimigas (WIMMER, 2014).
Em Buna os japoneses foram bem-sucedidos em destruir carros de combate que
lideravam ataques sem o devido reconhecimento anterior do terreno e situação do inimigo. O
terreno local era composto de uma mistura de platôs de vegetação alta, selva fechada e
pântanos. Geralmente os veículos atingiam sucesso se conseguissem atacar fazendo uso de
surpresa, mas esse fator era dificultado em áreas de selva fechada, pois o terreno reduzia
muito a velocidade do avanço. A ausência de engenheiros para abrir caminhos pela selva
resultou em muitos ataques sendo realizados apenas pela infantaria, pois os carros de combate
acabavam ficando para trás. A experiência extraída desta batalha ainda não fora o suficiente
para definir uma doutrina, mas o resultado foi animador:
A importância da cooperação tanque-infantaria e a utilidade dos tanques em
apoio à infantaria em Buna se tornaram bastante evidentes. Em muitos casos,
tanques foram individualmente empregados no apoio a pelotões ou
companhias de infantaria, e se tornaram um importante elemento para o
sucesso das operações. O Major-General George Vasey, comandante da 7ª
Divisão, destacou este pensamento quando disse que sem os tanques em
Buna, a infantaria não poderia ter destruído as casamatas (WIMMER, 2014).
A experiência dos Fuzileiros Navais com carros de combate na ilha de Tarawa em
novembro de 1943 revelou outros importantes aspectos de seu uso na selva. Embora o terreno
da ilha tenha sido inicialmente julgado impróprio para o uso das viaturas, seu emprego foi
levado adiante sempre que possível, se tornando vitais para o sucesso final do assalto. Em 23
20
Atiradores de precisão que normalmente utilizam rifles com luneta. Também chamados de franco-atiradores.
14
de novembro, dois carros de combate médios Sherman lideravam o avanço por um estreito
vale quando receberam um vultoso contra-ataque japonês. Os carros de combate utilizaram
munição antipessoal21
e quebraram de forma decisiva a ofensiva inimiga. Foi estimado que a
primeira salva do carro da frente tenha matado entre 60 e 70 soldados inimigos.
Em Bougainville, nas Ilhas Salomão, os combates se iniciaram em outubro de 1943 e
duraram até o fim da guerra em setembro de 1945. Os primeiros carros de combate
desembarcaram em janeiro de 1944, já com seu uso previsto para funcionar dentro do
conceito de “time carro de combate-infantaria-engenharia” (YEIDE, 2017), criado com base
nas experiências anteriores em Buna. Além disso, os novos conceitos operativos já refletiam
os resultados observados no campo de batalha: projéteis de munição antipessoal e
metralhadoras podiam limpar vegetação rasteira e revelar casamatas; projéteis perfuradores de
blindagem podiam perfurar as mais grossas casamatas de concreto, e projéteis de alto-
explosivo e lança-chamas podiam ser usados com grande eficácia contra as aberturas. As
formações do time seriam simples para a manutenção do controle, e a comunicação entre
carros e infantaria deveriam ser constantes. A engenharia seria crucial para ajudar os veículos
a superar obstáculos naturais do terreno, e as viaturas receberam lagartas com sapatas de
borracha, que se provaram melhores que as de aço para lidar com lama.
Em 12 de março de 1944 os japoneses iniciaram um grande ataque contra as posições
americanas em Bougainville, capturando uma série de casamatas das primeiras linhas
defensivas. No dia seguinte, renovaram o assalto, mas desta vez receberam a ação ofensiva de
choque de um pelotão de carros de combate22
, empregados pela primeira vez após o
treinamento com as novas táticas:
Os tanques partiram como esperado, mas a infantaria falhou em manter-se
perto deles e designar-lhes alvos, e o contra-ataque desmontou-se. Os tanques
tiveram dificuldade em atirar contra os japoneses, que estavam junto ao chão
nas ravinas e encostas altas. O time tentou novamente às 13:15, e novamente
a infantaria falhou em permanecer próxima. A infantaria japonesa cercou dois
tanques por dois nervosos minutos, mas foi repelida. O 2º Pelotão – também
consistindo de três tanques médios e dois leves – chegou para substituir o 1º
Pelotão, e às 17:00 o time realizou sua terceira tentativa. Desta vez a
infantaria colou-se nos tanques, e designou alvos por telefone ou usando
fumaça colorida. Os tanques se aproximaram até 15 metros das posições
japonesas e as atingiram com seus canhões de 75 mm e fogo de metralhadora.
Um projétil de 75 mm matou dezoito soldados inimigos que se protegiam nas
raízes de uma árvore. O assalto coordenado recuperou as posições perdidas
com perdas mínimas para a infantaria (YEIDE, 2017).
A comunicação era parte vital do funcionamento do time. Um telefone fora montado
na parte traseira dos veículos, permitindo rápido contato com o comandante da viatura, que
recebia coordenadas dos designadores de alvos23
– outra inovação utilizada pela primeira vez
em Bougainville. As operações de times em larga escala na ilha revelaram outra peculiaridade
do uso de carros de combate na selva: o aumento da necessidade de manutenção. Os veículos
podiam operar por apenas três horas antes de necessitarem de manutenção, visto que
avançavam em primeira marcha, exigindo bastante esforço dos motores.
21
Conhecida como canister ou metralha (no Brasil), consiste em um invólucro de metal fino que contém uma grande quantidade de esferas e outros pequenos objetos metálicos que se dispersam logo após o disparo, criando uma ampla zona de morte para alvos moles em sua trajetória. 22
Consistindo de três carros de combate médios Sherman e dois carros de combate leves Stuart. 23
Soldados que realizavam reconhecimento da linha de frente e designavam alvos para as VBCCCs, utilizando-se de coordenadas ou granadas de fumaça colorida.
15
Figura 1 - Formação de selva de “time carro de combate-infantaria” desenvolvido em Bougainville.
Um último aspecto a ser considerado nas experiências de uso de VBCCCs na selva
durante a Campanha do Pacífico é o confronto carro versus carro. Tal situação apresentou-se
pela primeira vez em 6 de junho de 1944 durante a Batalha de Biak, na Nova Guiné. Embora
mais uma vez o terreno fosse considerado inviável para o uso de carros de combate, tanto
japoneses quanto americanos os empregaram, e uma força de sete carros leves japoneses se
encontrou com uma força de cinco carros médios norte-americanos. Os carros japoneses
foram todos destruídos numa batalha que durou menos de trinta minutos, revelando que a
blindagem mais espessa e o calibre mais grosso dos canhões dos carros americanos foram
fatores essenciais para o sucesso destes na batalha. Em Biak havia pouca margem para uso de
manobras, o que ressaltou a importância da capacidade de choque das viaturas.
As batalhas seguintes no Pacífico expandiram o emprego dos times, e carros de
combate acompanharam a infantaria sempre que fisicamente possível, em muitos lugares que
poucos considerariam viáveis.
4.2 Guerra do Vietnã
Apenas vinte anos após o término dos conflitos no Pacífico na Segunda Guerra
Mundial os Estados Unidos envolveram-se em outra zona de combate de selva, desta vez no
Vietnã. A liderança militar norte-americana não havia absorvido as lições aprendidas sobre
uso de carros de combate na selva, ou pensavam que estas não mais se aplicavam ao cenário
de combate moderno, já com o desenvolvimento de armas anticarro propelidas por foguete24
de uso individual. Os planejadores do Pentágono pensavam que o Vietnã seria uma luta de
infantaria, sem papel para veículos blindados naquele ambiente.
Contudo, o desembarque dos Fuzileiros Navais no teatro de operações em março de
1965 trouxe todo o seu orgânico, incluindo os carros de combate, o que surpreendeu muitos
24
Popularmente conhecidas como RPGs, Rocket-Propelled Grenade, (Granada Propelida por Foguete).
16
planejadores no local. Essas unidades tiveram que desenvolver suas próprias táticas e
técnicas, pois havia total falta de suporte doutrinário para operações na selva. Essas táticas
estabeleceram um precedente para o uso de carros de combate na selva como forças de
combate eficiente contra um inimigo fugidio (WIMMER, 2014).
No Vietnã os americanos enfrentaram duas categorias de inimigo: o Exército do
Vietnã do Norte, uma força convencional equipada e doutrinada pela União Soviética, e o
Viet Cong, uma força de guerrilha composta por sul-vietnamitas que lutavam em prol do
regime comunista do Vietnã do Norte.
Antes de proceder para uma análise das missões e táticas para uso de carros de
combate na selva no Vietnã, faremos uma breve explicação dos modos de atuação destes dos
tipos de oponente, visto que o Teatro de Operações da Amazônia pode apresentar cenários em
que um ou ambos estejam presentes.
4.2.1 A Guerrilha
Guerrilhas consistem em facções militares de resistência política ou movimento
subversivo. Seu objetivo é normalmente estabelecer um novo governo, frequentemente de
tendências radicais. A guerrilha opera sob o conceito de células25
, capazes de ação
independente.
Como são mais fracas que uma força convencional em termos de recursos, as
guerrilhas evitam o engajamento definitivo e procuram infligir a maior quantidade de dano ao
inimigo através de ações-relâmpago, atacando e retraindo antes que o inimigo possa reagir.
São capazes de atacar alvos separados por grandes distâncias por um longo período de tempo,
causando confusão, desmoralização e frustração em seu oponente. Fazendo uso da velocidade,
surpresa e segurança, as operações de guerrilha incluem ataques, emboscadas, minagem,
colocação de armadilhas e o emprego de snipers.
Através de patrulhas constantes as guerrilhas selecionam seus alvos, e atacam
geralmente onde menos são esperadas. A retenção da iniciativa é essencial para o seu sucesso,
sendo que a perda deste elemento as leva a reagir a operações de forças convencionais, o que
reduz enormemente sua eficácia (ESTADOS UNIDOS, 2017).
Guerrilhas preferem se defender pelo contínuo movimento e dispersão, desengajando
sempre para manter sua liberdade de ação. Para proteger suas operações, estabelecem bases
em áreas remotas, que são protegidas por postos de observação e uma rede de inteligência que
conta com o apoio da população simpatizante local. As rotas para essas bases são
normalmente ocultas, e guerrilheiros fazem uso delas para partirem para suas patrulhas.
Entre os pontos fortes da guerrilha estão sua liderança altamente motivada; estrita
disciplina entre seus membros; forte crença em seu ideal político e capacidade de rapidamente
alterar a intensidade de suas operações através da subversão da população. Já seus pontos
fracos são o stress físico e mental de seus membros, causado pelos longos períodos de
isolamento em ambiente hostil; o medo de condenação criminal pelo governo e represálias
contra família e amigos; o sentimento de inferioridade numérica e tecnológica ante seus
25
Pequenas unidades de combate de três a cinco homens.
17
oponentes; o suporte popular incerto e a alta dependência de suprimentos advindos de suas
bases operativas.
4.2.2 As Forças Convencionais
Forças convencionais envolvidas em combate de selva potencialmente serão
compostas por infantaria, com apoio de artilharia, morteiros, aeronaves e veículos blindados.
Essas forças provavelmente usarão casamatas e túneis como medidas de proteção, bem como
obstáculos como minas e armadilhas. Devido à envergadura de suas forças, usarão a noite
como forma de camuflar suas operações.
Se o oponente tiver à sua disposição amplo poder de fogo direto e indireto, as forças
inimigas preferirão engajar-se à curtíssima distância, o que anula a eficácia do apoio de fogo
indireto26
. Quando forçadas à defensiva, forças convencionais frequentemente preparam
elaboradas posições fortificadas, muito bem camufladas no terreno, com o objetivo de retardar
ao máximo sua localização pelo oponente e criando amplas zonas de morte27
. A típica rede
defensiva consiste em casamatas de madeira ou concreto posicionadas para atingir apoio
mútuo. Casamatas são construídas de forma rasteira para dificultar sua localização por
observação, e snipers são posicionados em árvores. O fogo é aberto somente a curta distância,
muitas vezes abaixo de 50 metros.
O ataque é a forma favorita de combate das forças convencionais na selva. Táticas
especiais são usadas para se conseguir surpresa neste ambiente. Através de prévio
reconhecimento é revelada a localização das principais armas do oponente, e essas armas são
eliminadas por infiltradores antes do ataque principal. Costumam atacar pontos fracos do
sistema defensivo e utilizar terrenos comumente considerados intransponíveis (ESTADOS
UNIDOS, 2017).
Entre os pontos fortes das forças convencionais estão seu adequado poder de fogo para
ataques convencionais; conhecimento do terreno; força bem-treinada e disciplinada e
independência do suporte local. Já seus pontos fracos são a dificuldade em camuflar suas
grandes unidades; serem alvos maiores para a artilharia e apoio aéreo; maior dificuldade em
evitar detecção e menor empatia com simpatizantes locais.
No Vietnã, as missões dos carros de combate na selva se dividiram em três categorias
básicas: busca e destruição, missões de segurança e reserva tática.
4.2.3 Busca e Destruição
Essas missões tinham por objetivo localizar e destruir forças inimigas, seu
equipamento e suprimento numa determinada área. Eram conduzidas com mínimo esforço de
reconhecimento, com o objetivo de destruir diretamente o inimigo ou conduzi-lo para uma
força de bloqueio com zona de morte estabelecida. Utilizavam o conceito de time carro de
combate-infantaria-engenharia, muitas vezes com os carros de combate liderando o avanço
detonando minas e armadilhas para abrir um caminho seguro para a infantaria – embora isso
26
Fogo de artilharia de campanha. 27
A zona de morte é conseguida pelo posicionamento de armas de forma a eliminar pontos cegos entre seus campos de tiro.
18
aumentasse a vulnerabilidade dos veículos contra armas anticarro individuais utilizadas a
curta distância.
Outro método de busca e destruição fazia uso dos carros para bloquear esperadas rotas
de fuga do inimigo: as viaturas faziam uso de estradas para rapidamente estabelecer
bloqueios, demonstrando a versatilidade do carro de combate em responder rapidamente a
mudanças no cenário da batalha e às reações imprevistas do inimigo.
As VBCCCs também podiam atuar na varredura de um terreno cercado, varrendo
individualmente pequenas áreas em busca de posições inimigas e utilizando seu canhão contra
as fortificações. Inicialmente as viaturas enviadas para o Vietnã eram do tipo M-48 Patton,
cuja blindagem aguentava os efeitos da explosão de minas com relativa segurança para a
tripulação, mas em 1969 a maioria foi trocada pelo M-551 Sheridan, um veículo leve
planejado para cruzar rios e ser lançado de paraquedas, com uma blindagem leve de alumínio
que fazia da viatura vulnerável a minas e armas anticarro. De fato, os Sheridans passaram a
sofrer de “explosões secundárias” que aconteciam pela detonação da munição armazenada
internamente pelo impacto de uma granada anticarro ou mina terrestre. Essa fragilidade
forçou a adoção de modificações de campo como a instalação de proteções de aço na torre e
no ventre da viatura. O Sheridan não atolava na lama tanto quanto o Patton, nem sofria tanto
de ruptura de lagarta. Esses fatos, juntamente com a eficácia de seu canhão 152 mm com
munição antipessoal, especialmente devastadora, ganharam a apreciação das tripulações pelo
veículo.
4.2.4 Missões de Segurança
Carros de combate foram extensivamente usados em missões de segurança no Vietnã
devido ao poder de fogo que podiam concentrar numa determinada área e a rápida reação a
uma situação. As missões incluíam a segurança de postos de comando, defesa de bases,
pontes e proteção de engenheiros. A habilidade de cruzar grandes extensões de terreno em
pouco tempo gerou outras duas operações adicionais: escolta de comboio e segurança de rota.
Na segurança estática, carros de combate eram dispostos ao redor do perímetro
defensivo com infantaria entrincheirada entre eles. Dessa forma havia suporte mútuo em caso
de tentativa de invasão do perímetro:
Um exemplo bem-sucedido de segurança de base ocorreu em 3 de março de
1969, perto da vila de Ben Het. A base ficava ao lado da Trilha Ho Chi Minh,
que era a principal rota de suprimento norte-vietnamita para o Vietnã do Sul.
O perímetro da base era guarnecido por uma companhia de tanques do I
Batalhão, 69º Regimento Blindado. Incapaz de destruir a segurança com fogo
indireto, o inimigo conduziu um ataque noturno usando cerca de sete tanques
leves PT-7628
para liderar o assalto. Dois tanques inimigos foram
rapidamente destruídos por tanques americanos que usaram iluminação por
morteiro para identificar os alvos. Adicionalmente, um transportador
blindado de tropas norte-vietnamita foi destruído, e o inimigo cancelou o
ataque (WIMMER, 2014).
A segurança móvel consistia em proteger comboios e rotas de suprimentos de ataques
inimigos. Os americanos usavam longas rotas de suprimento que eram vítimas constantes de
28
Carro de combate anfíbio de origem soviética que equipava o Exército do Vietnã do Norte.
19
minagem29
por parte de forças inimigas, o que causava imensas perdas de homens e veículos.
Após verificar-se que o estabelecimento de “pontos fortes” ao longo das rotas levava à
emboscada dos carros de combate pelo inimigo, os americanos desenvolveram o conceito de
Thunder Run, que consistia em um carro de combate mover-se ao longo de uma rota
designada à noite, imediatamente após a passagem de um comboio, para garantir que as linhas
de comunicação permanecessem abertas. Essa rápida movimentação negava ao inimigo o
tempo necessário para minar novamente a estrada.
4.2.5 Reserva Tática
Como reserva tática, as VBCCCs foram usadas como força de reação ou de contra-
ataque, respondendo a uma ameaça ou ataque. Essa capacidade de responder rapidamente e
prover grande poder de fogo muitas vezes mudou o rumo da batalha em favor dos americanos:
Um exemplo ocorreu na noite de 3 para 4 de março de 1968, quando uma
companhia de infantaria foi emboscada por fogo de morteiros e foguetes. O
1º Esquadrão do 1º Regimento de Cavalaria estava na reserva da unidade e
respondeu ao chamado de socorro. O comandante do esquadrão rapidamente
despachou uma tropa para fazer a ligação com a infantaria que estava
engajada com o inimigo. Chegando à área e estabelecendo a ligação, a
cavalaria percebeu que o inimigo estava fortemente defendido por posições
fortificadas e armas antitanque. Dois pelotões da cavalaria e da infantaria
conseguiram romper contato e recuar. A pronta resposta da cavalaria
possibilitou o rápido reforço e extração da infantaria com baixas mínimas
(WIMMER, 2014).
5. Conclusão
Embora o Manual de Emprego da Cavalaria do Exército Brasileiro mencione o uso de
carros de combate em ambiente de selva, este prevê que a utilização dos mesmos deverá
unicamente se dar em estradas e rotas que cortem o terreno, considerando a floresta em si
terreno intransponível para os veículos. A experiência passada em conflitos na selva no século
XX mostra que a concepção inicial dos planejadores militares não difere muito da postura
atualmente adotada no Brasil.
Contudo, a experimentação no campo de batalha revelou cenários e técnicas de
utilização de VBCCCs que modificaram a condução do combate na selva. Embora não
possam operar sozinhos devido à baixa visibilidade que a tripulação tem do ambiente ao
redor, os carros tiveram grande sucesso ao serem utilizados em time com a infantaria e a
engenharia. O assalto a posições fortificadas inimigas se torna um processo menos traumático
para a tropa em termos de baixas, bem como um ataque inimigo com infantaria pode ser
rapidamente desbaratado com a utilização de munição antipessoal dos canhões dos carros.
No combate carro versus carro na selva, a falta de espaço para manobra ressalta os
valores de choque, poder de fogo e blindagem das viaturas, indicando que a VBCCC que
possua o melhor conjunto desses atributos irá sobrepujar sobre o inimigo. Conclusão parecida
pode ser tirada das missões onde os carros devem patrulhar eixos explodindo minas plantadas
pelo inimigo: quanto mais grossa a blindagem, mais adequado é o carro.
29
Ação de ocultação de minas terrestres no solo de uma via de trânsito ou área ampla.
20
O terreno do Teatro de Operações da Amazônia é vastamente composto por selva, com
uma zona de savana (lavrado) na região de tríplice fronteira de Roraima com a Guiana e
Venezuela. Embora a viabilidade do uso de carros de combate no lavrado tenha sido
comprovada pelo Exército em 2015, seu uso em terreno de selva ainda permanece teórico no
Brasil. Todavia, a análise de conflitos passados tem demonstrado que carros de combate
podem sim ser utilizados amplamente na selva, tornando-se verdadeiramente elementos
essenciais para assegurar a vitória nesses cenários de guerra.
Referências Bibliográficas
BASTOS, Expedito. O Brasil na era dos blindados: Renault FT-17 no Exército Brasileiro
1921-1942. In: Da Cultura. Rio de Janeiro: Exército Brasileiro, Ano I, Nº 2, 2001. P.40-46.
BASTOS, Expedito. Blindados em Roraima: Sentinelas do Lavrado. Disponível em:
<http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/BR.pdf>. Acesso em 15 mar. 2017.
BRASIL. Ministério da Defesa. Manual de Campanha – Emprego da Cavalaria. Brasília:
Ministério da Defesa, 1999. 119p.
BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. Brasília: Ministério da
Defesa, 2008. 72p.
CÂMARA, Hiram de Freitas. Marechal José Pessôa: o ideal alcançado. In: Da Cultura. Rio
de Janeiro: FUNCEB, Ano XII, Nº 19, 2012. P. 38-49.
DÜRING, Nelson. TOA – CC Dispara na Amazônia – Dia Histórico para a Cavalaria
Brasileira. Disponível em: <http://www.defesanet.com.br/doutrina/noticia/20443/TOA---CC-
Dispara-na-Amazonia---Dia-Historico-para-a-Cavalaria-Brasileira/>. Acesso em 12 mar.
2017.
ESTADOS UNIDOS. Headquarters Department of the Army. FM-90 5 Jungle Operations.
Disponível em: <https://fas.org/irp/doddir/army/fm90-5.pdf>. Acesso em 17 mar. 2017.
MORAIS, Roseane Pereira. Aspectos Dinâmicos da Paisagem do Lavrado, Nordeste de
Roraima. Disponível em:
<https://ufrr.br/mepa/phocadownload/monografia%20morais%202014.pdf>. Acesso em 12
mar. 2017.
SPUTNIK. Líder da Guiana apela aos EUA em disputa territorial com Venezuela. Disponível
em: <https://br.sputniknews.com/mundo/201507231653499/>. Acesso em 30 mar. 2017.
WIMMER, Kevin. Armored Warfare in the Jungle Environment. Kingston: Pickle Partners
Publishing, 2014.
YEIDE, Harry. US Army Tanks in the Jungle in World War II. Disponível em:
<http://forum.worldoftanks.com/index.php?/topic/212241-us-army-tanks-in-the-jungle-part-
1/>. Acesso em 16 mar. 2017.