carta pastoral de dom sebastiÃo armando, por graÇa de...
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CARTA PASTORAL DE DOM SEBASTIÃO ARMANDO, POR GRAÇA DE DEUS E ELEIÇÃO DO
POVO, BISPO DA IGREJA CATÓLICA DE CRISTO NESTA DIOCESE ANGLICANA DO RECIFE, AO
ABRIR OFICIALMENTE O PERÍODO DE REFLEXÃO SOBRE O FUTURO DA DIOCESE E DE
INDICAÇÃO PARA ELEIÇÃO EPISCOPAL NO SÍNODO PROVINCIAL A REUNIR-SE EM 2013.
Ao Reverendo Clero, Ao Ministério Pastoral Auxiliar, Às Lideranças Leigas da Igreja, A todo o Povo Diocesano, Saudação e votos de esperança em Cristo
“Deixemos de lado tudo o que nos atrapalha e o pecado que se agarra em nós. Corramos com
perseverença na corrida, mantendo os olhos fixos em Jesus, Autor e Consumador da fé” ( Hb
12, 1)
Queridas irmãs, queridos irmãos,
Nosso útlimo Concílio, reunido no final de semana de 08 a 10 de Junho último, sob o
tema “Desafio da Miissão” e o lema “Diálogo, Unidade e Propósitos”, convidou-nos a refletir e
a tomar decisões em vista do futuro da Igreja em nossa região nordeste, inclusive refletir para
chegar a indicar ao Sínodo Provincial nome(s) para a eleição do próximo bispo diocesano. Pela
importância do tema, permitam-se tomar a liberdade de alongar-me na conversa.
Reconstrução e Renovação
Sabemos, e por isso já não é mais necessário insistir, da gravidade da situação em que
se achava a Diocese. Amputada de 2\3 do clero e das congregações, privada até hoje de seus
bens imóveis e de elementares recursos financeiros, sequestrados seu registro jurídico civil e o
arquivo de notas e documentos. E ainda acusada de ruptura com a tradição da fé e a fidelidade
ao patrimônio moral da Igreja. Além disso, a carregar na própria carne chagas que já vinham
de muito longe, feridas que afetavam profundamente as relações de fraternidade e confiança
entre pessoas e grupos, principalmente no clero. Graças a Deus, o Arcebispo de Cantuária,
Primaz de toda a Comunhão Anglicana, recebeu-me oficialmente em sua residência e
apresentou-me seu reconhecimento como Bispo da Diocese Anglicana do Recife, o que
assumiu caráter ainda mais oficial quando, ao convidar os bispos para a Conferência de
Lambeth, convidou-me a mim e desautorizou publicamente o bispo deposto excluindo-o do
convite. Era claro reconhecimento de legitimidade do Bispo eleito pelo Sínodo Provincial de
2006.
Ao chegar, inspirado por Apocalipse, declarava em minha mensagem, que éramos “o
povo que subia da grande tribulação”. A reconstrução e a renovação só seriam possíveis se
estivéssemos na firme decisão de fazer obra em comum, o esforço teria de ser conjunto.
Justamente o que nos dizia no Concílio o famoso texto de Neemias: “Grande e extensa é a
obra, e nós estamos muito espalhados, cada qual num ponto da muralha, longe uns dos
outros” (Ne 4, 19).
Neste particular, devo reconhecer, tenho contado com pessoas e grupos do clero e do
laicato que se têm empenhado em colaborar com esforço e dedicação. Doutro lado, no que diz
respeito particularmente ao clero, temos de compreender a dificuldade que sentem
reverendos e reverendas, tendo de sustentar-se pelo trabalho secular, o que restringe em
muito o tempo disponível, deixa o Bispo bastante só e dificulta o funcionamento de muitos
setores da vida diocesana, sem falar das enormes distâncias geográficas que nos separam e a
carência de recursos materiais. Além disso, um grupo menor, mas significativo, se foi
afastando, não só do Bispo, mas da própria comunhão da Igreja, e outros apenas se restringem
a seu trabalho local, sem quase participar do conjunto da vida diocesana, isolando-se e
desrespeitando o Bispo, colegas e as liderançlas leigas da Igreja por não atenderem
convocações para encontros e eventos que envolvem toda a Diocese. Um dos sintomas de
nossa fragilidade institucional.
Duas dimensões da vida da Igreja: Relações e Instituição
Na verdade, qualquer coletividade humana tem sempre duas dimensões
estruturadoras de sua vida: relacional e institucional. Percebi desde cedo que, considerando o
passado e em meio a tantas precariedades atuais, não teria condições de me aplicar, além do
mínimo estritamente possível e necessário, ao aspecto institucional. Por isso, mesmo depois
de seis anos, continuamos ainda com quase tudo por fazer no que se refere ao aspecto
propriamente organizacional da vida diocesana: registros paroquais, fidelidade aos relatórios
previstos pelos cânones, estatística, anotações historiográficas, revisão do “status” eclesiástico
de cada comunidade para corresponder às exigências canônicas, sério processo de preparação
à Confirmação, com ênfase em conhecimento da Bíblia e da identidade da Igreja,
fortalecimento da consciência do povo no que toca à contribuição regular como expressão de
consgaração à obra de Deus, sem mencionar que até alguns membros do clero, poucos, é
verdade, ainda não compreendem seus deveres de clérigos perante o Bispo e a comunidade da
Igreja, e da importância da própria instituição Concílio ainda não se tem plena consciência...
Minha opção foi por dedicar o melhor de mim e de meu tempo à restauração das
relações. Tenho empregado o máximo de tempo a conversar com as pessoas, membros do
clero, do povo leigo e de fora da Igreja, que, diga-se, muito me edificam pelo testemunho de
vida e chegam a revelar o quanto de santidade escondida fermenta a massa da Igreja. Tenho
estimulado o trabalho em equipe, tanto no interior das congregações, quanto em áreas
pastorais e no âmbito diocesano. Neste quadro é que os “encontros de sábado“ têm
representado valioso instrumento para possibilitar novos relacionamentos, conhecimento
recíproco mais próximo e mais profundo, e mútua ajuda. Costumo dizer que esses encontros
são um aspecto importante do que se poderia chamar de “útero da Igreja”, onde se vai
gestando um novo jeito de ser diocese para ir-se tornando verdadeiramente anglicana. Não se
pode conceber Anglicanismo sem comunhão profunda, tendo na Santíssima Trindade seu
princípio e modelo. Não é por acaso que nos denominamos de “Comunhão Anglicana”.
Diversidade, sim, mas sempre para que se revele a unidade em Cristo, deixando-se moldar
pelo Espírito, de modo que estejamos em Deus. Estou convencido diante de Deus de que o
investimento de tempo e dedicação às relações tem produzido resultados significativos. Afinal
de contas, a Igreja, antes de instituição, são relações, pois é nestas que acontece o Amor, e
tudo o que se refere ao aspecto institucional tem de ser feito para criar canais concretos para
que as obras do amor se manifestem.
Flores e Frutos em Nossas Congregações Locais
Percebo que as congregações locais vão crecendo em qualidade e quantidade e têm
vivido positivamente em esperança, apesar da extrema precariedade de meios. No Ceará
passamos de um único ponto missionário a três; aos poucos se vão achegando novas pessoas
que se comprometem com entusiasmo; já temos dois ministros ordenados; e o trabalho social,
tendo como núcleo espiritual gerador a intuição, profundamente bíblica, de “pobre ajudando
pobre”, se pratica com um método que é essencialmente evangelizador e mui digno de
atenção, e merece ser conhecido por toda a Diocese e pela Província mediante diálogo com o
Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento. Em Natal, continuamos com as celebrações
dominicais na Paróquia da Natividade e restaurou-se o trabalho na Zona Norte, com a Capela
da Virgem Maria, reavivada pela chegada à Diocese de um grupo de adultos e jovens, de
intenso senso missionário e vocação pastoral, que tem dialogado com a cultura católica local
em vista de reconstruir a comunidade anglicana que, já de início, se propõe estar a serviço das
necessidades do bairro, a começar da juventude; desses, um bom grupo se sente chamado ao
ministério ordenado. Na Bahia, além de termos conquistado nosso espaço próprio para
reinstalação da Paróquia do Bom Pastor, a qual prossegue no esforço de alargar relações
ecumênicas e se inserir na cultura local, nasce mais uma comunidade na bonita cidade de
Ilhéus, quem sabe, com a promessa de assumir como vocação particular o diálogo com a Tribo
Tupinambá, suscitando em nós a doce expectativa de estar a regar uma semente de Igreja
feita por gente aborígene, com seu próprio jeito e cultura, débito que o Cristianismo na
Afroameríndia, depois de tantos séculos, ainda carrega como vergonhoso fardo nas costas: o
diálogo que faltou desde o princípio e o escândalo da imposição de modelos culturais, sintoma
de opressão mais profunda,econômica, social, política, étnica e religiosa. Em Aracaju, Sergipe,
anuncia-se no momento que, a partir de um, pode nascer uma nova família de muitos. Na
Paraíba, Caaporã vai-se desenvolvendo bem, com presença significativa de mulheres, jovens e
crianças, com ações sociais e de intervenção política que têm sido realmente “boas novas”
para pessoas e para a cidade; em João Pessoa, com confiança na “graça divina”, estamos no
recomeço.
No Recife e região metropolitana, a comunidade de Jesus de Nazaré, agora em Jardim
Atlântico, em Olinda, continua um pequeno grupo, mas bem fortalecido pelo sentimento de
comunidade, com estilo de liturgia de que dá gosto participar, com unção espiritual, bíblica e
intensamente anglicana, agora se espraiando discretamente com trabalho de pastoral da
saúde e da consolação em hospital e visitas domiciliares a enfermos; pela própria ubicação
profissional de alguns de seus membros, tem buscado levar o testemunho a algumas escolas; e
ainda colaboram com a Diocese pelo dom que é a cada mês o Calendário de Intercessão,
convite a entrar na corrrente diocesana de oração e rico instrumento pedagógico que nos abre
para a Província, a Comunhão Anglicana e os probemas da sociedade, infelizmente ainda não
levado devidamente em conta por todas as congregações. Em Jaboatão dos Guararapes, o
Ponto Missionário da Liberdade (“A verdade vos libertará” é o lema de toda a Comunhão
Anglicana), apesar de sua pequenez, vem trabalhando particularmente com jovens o
compromisso cristão com as políticas públicas, pela inserção de seus membros no Movimento
de Juventude Popular e na Rede Ecumênica de Juventude; sua leitura bíblica e a litugia vão
refletindo sempre mais a síntese profunda entre fé e compromisso com a obra de Deus, que é
o mundo; os jovens vão amadurecendo passso a passo em sua identidade cristã e inserindo-se
em organizações do bairro, como a União de Moradores, além de estarem sendo convidados a
dar testemunho em igrejas e escolas da comunidade, de como se podem unir, em síntese
espiritual, Evangelho e a vida do povo. A Catedral da Santíssima Trindade, além de ser a
congregação mais consistente em número de pessoas e, por isso mesmo, em diversificados
carismas e capacidades e meios materiais, tem experimentado grande progresso qualitativo:
ampliação da equipe pastoral e redefinição do grupo como equipe de fato, com reuniões
periódicas de reflexão, planejamento e avaliação; fortalecimento do papel da Junta Paroquial
na direção da igreja; qualificação da liderança leiga; envolvimento de grande parte da
congregação no processo de discipulado, com cerca de cem pessoas a participar de grupos
regulares de oração e estudo; lançamento de projetos sociais; significativo número de
membros a frequentar o Seminário para estudos de Teologia, alguns sentindo-se vocacionados
ao ministério ordenado; proximidade e diálogo aberto com o Bispo; abertura para por-se a
serviço de toda a Diocese, a começar da acolhida de qualquer iniciativa diocesana em seus
espaços; este ano, tivemos aí, a instalação do Centro Diocesano, integrado pelo templo da
Paróquia, o escritório do Bispo e o Seminário, configurando-se assim a Catedral como matriz
de toda a Diocese e referência estratégica para o futuro da Igreja no Nordeste, o que se viu
claramente na generosidade do povo, expressa em gestos e contribuições materiais, para
possibilitar a realização do recente Concílio.
Na Direção do Futuro
A partir de agora, dos passos dados temos de prosseguir e continuar a marcha no
sentido de fortalecer a dimensão institucional da Diocese. Nada temos a temer quando nos
dirigimos na direção do futuro. É preciso encarar corajosamente a realidade da qual estamos
vindo, com suas promessas e precariedades. É importante que o primerio passo seja deixar
que se revele o real e nos disponhamos a reconhecê-lo e acolhê-lo como o chão que Deus nos
chama a transformar; confrontá-lo com nosssos sonhos; e com esperança, trabalho conjunto e
tenacidade buscar encurtar a distância entre o que ainda somos e o que queremos ser.
Confiança não nos pode faltar, pois tem sido evidente, apesar de todas as provações, é
inegável que “até aqui nos tem ajudado o Senhor”. Se tem sido possível progredir na qualidade
de nossas relações e até transformá-las, por que não teríamos a energia que se requer para
implantar as estruturas básicas de uma diocese¿ Coragem, senso de organização e trabalho
conjunto, é o que se exige de nós. Para isso, naturalmente, é preciso firmeza de propósitos e
unidade mediante permanente diálogo, como nos advertia o lema do Concílio.
Estamos agora no último ano do atual episcopado. Na preparação do Concílio,
constituiu-se o “Comitê de Articulação”, com membros de todos os estados onde a Igreja se
faz presente, tendo no Recife, por razões óbvias de maior facilidade, seu núcleo executivo sob
a coordenação do Revmo. Deão Sergio Andrade. Com admirável dedicação, generosidade e
competência, conseguiram realizar importante trabalho de obter das várias congregações um
retrato do que hoje é nossa Diocese e o que desejamos para o futuro. Elaboraram
questionários, enfrentaram a complicada tarefa de tabular respostas e de calcular estatísticas,
analisaram os resultados, focalizaram pontos mais significativos em questões que dirigem o
olhar para o futuro. Quem esteve na assembleia conciliar pôde admirar a qualidade da
exposição técnica da Dra.Ilcélia Soares e do Rev. Gustavo Gilson na apresentação dos dados,
em sua interpretação e na direção do trabalho em gupos e da reunião plenária que se seguiu.
Honra nossa Diocese ter gente desse quilate, tão qualificada e capaz de tamanha generosidade
e capacidade de voluntariado. Pode-se Imaginar o que esse estafante trabalho requereu de
tempo de reuniões, de comunicações à distância e de suado, atento e miúdo trabalho em casa.
Quero manifestar a todos os membros do Comitê, em meu nome pessoal, pois preparar o
Concílio é particular ajuda ao Bispo, seu Presidente, e em nome de todo o povo diocesano
esse maravilhoso e generoso serviço, testemunho de compromisso fraterno com a obra que
Deus vai silenciosamente realizando em nosso meio. Deus abençõe vocês!
Agora, eleito o novo Conselho Diocesano, vamos levar adiante o que o Comitê nos
entregou, pois será o Conselho a dirigir o processo de reflexão sobre o futuro e de indicação de
nome(s) para a eleição do próximo Bispo no Sínodo Provincial de 2013. Sem dúvida, se julgar
necessário ou conveniente, poderá fazer-se assessorar de quem quer que seja, pessoas ou
grupos, e particularmente do próprio Comitê anteriormente instituído, vista a competência
demonstrada pelos resultados alcançados.
Eleição Episcopal
Agradeço, com humildade e sensibilizado, às vozes que se levantaram no Concílio com
a pergunta ao Revmo. Bispo Primaz de se seria possível a continuidade de meu trabalho como
bispo diocesano. Interpretei a generosa sugestão como confirmação, não tanto de meu
ministério pessoal, mas do que temos conseguido fazer em comum, e o que de mais
importante se manifestava era o desejo de prosseguir na mesma atitude espiritual e nos
mesmos rumos, e crescer ainda mais, para a glória de Deus. Certamente, quando bispo
emérito, permanecerei, se Deus assim o permitir, membro desta querida Diocese, quem sabe,
disponível a colaborar com alguma comunidade local e mais livre para dedicar-me ao que
sempre fiz, ajudar pessoas e grupos a ler a Bíblia para que seja eficaz instrumento de escuta da
Palavra de Deus no hoje da vida, incentivar relações ecumênicas e assim fomentar a unidade
da Igreja cristã, ter mais tempo de orar, ler, meditar, talvez escrever e preparar-me a viver o
último ciclo da existência com entrega ainda mais plena nas mãos de Deus que, como pai e
mãe, é fonte primeira e acolhida final.
Espero com intensa vibração interior que a reflexão e o discernimento em torno de
nome(a) a ser(em) sugerido(s) ao Sínodo Provincial seja indicação de consenso da preferência
da Diocese. Não se exige nem se pode supor de antemão unanimidade, mas seria ideal que se
chegasse a consenso. Quem sabe, também na Igreja, estamos demasiado marcados pelos
procedimentos da democracia burguesa parlamentar e “representativa” ocidental, tantas
vezes só formal. Na última Conferência de Lambeth, em vez disso, empregou-se um método
africano (quem diria, uma Igreja “ocidental” a aprender da África, “vingança” histórica de
povos colonizados, proporcionada por Deus, Senhor da História!)denominado “indaba”. Vem
da prática das aldeias na discussão de seus negócios e problemas: não se visa a resolver por
“votação”, mas ao longo do diálogo comunitário, “democracia participativa”, pelo tempo que
seja necessário, chegar a consenso, mesmo que isso não signifique necessaariamente
unanimidade. E o mesmo processo, após a Conferência, continua a ser praticado, no
Anglicanismo mundial, com o chamado “indaba continuado”, ou seja, manter-se em
permanente estado de “indaba”, o mesmo que dizer permanente estado de diálogo, só que,
não apenas como voto ou desejo, mas como instrumento de fato institucional para aliviar
tensões e solucionar questões polêmicas. Como precisaríamos reaprender coisas elementares
de povos africanos e aborígenes, que nos fariam pessoas humanas bem melhores, equipando-
nos para o “bem viver”, em comunhão, para sermos ainda mais anglicanos e anglicanas de
verdade!
Em minha experiência, por ocasião de eleição de Bispo, pode vir à tona o melhor e,
lamentavelmente, o pior da Igreja. Espero que entre nós seja expressão de um momento de
crescimento em maturidade e de senso de Igreja. Que bom será se a Diocese chegar a
convergir na direção de um único nome que, mesmo que não equivalha a unanimidade, seja
expressão de consenso. Embora canonicamentenão não se excluam autoindicação,
autocandidatura ou insinuação do próprio nome, nem seja proibido “fazer campanha política”,
o melhor caminho é aquele quando a Igreja se reúne e ela mesma consente em convidar
alguém, até que nem deseje, nem espere e nem se ache capaz, para por-se à disposição. Na
verdade, a tarefa de Bispo não é meramente “funcional”, sua dimensão primeira é
“sacramental”, de guardar a fé e manifestar a unidade da Igreja. É que a Igreja, antes de tudo,
é evento espiritual e não arena de jogos políticos e de interesses de grupos ou de pessoas.
Seria tão importante e mais adequado que o próprio processo de escolha já fosse testemunho
dessa unidade: “Um a surgir de muitos, para que da diversidade se constitua a unidade” (São
Cipriano). Candidatura em nome próprio, como projeto pessoal e não como aceitação humilde
de chamado “de fora” e de “encargo” (fardo), logo pode fazer suspeitar daquilo que a Bíblia
denuncia na famosa “fábula das árvores”, contada por Jotão, em Juízes 9: árvores frutíferas
espontaneamente não buscam o poder, quem se apressa a obtê-lo é justamente o espinheiro
que ironicamente declara: “Se querem mesmo me ungir para reinar sobre vocês, venham e se
abriguem debaixo de minha sombra. Senão, sairá fogo do espinheiro e devorará até os cedros
do Líbano” (cf. vs 7-15). Correr a oferecer-se para governar pode ser sinal de despreparação
para o exercício do poder... Quem sabe, é a picada da “Mosca Azul”, de Machado de Assis, que
inspirou Frei Betto a escrever seu livro sobre as tentações do poder (A Mosca Azul, Rio de
Janeiro, Ed. Rocco, 2006).
Indicações Finais
Não é tarefa minha, nem de direito, imiscuir-me nos procedimentos de sucessão episcopal,
e muito menos indicar nome(s). Considero, porém, meu dever oferecer à Diocese algumas
indicações que, se acolhidas, espero, quem sabe, possam ajudar a refletir e a discernir. Faço-o
movido por razões de consciência, tendo em vista o sentido de meu ministério, de ajudar a
Igreja a guardar a fé e a unidade; pela análise da realidade que tenho feito ao longo destes seis
anos; pela responsabilidade que sinto diante da Igreja e da História.
1. Decerto, cada qual de nós é frágil e pessoa pecadora. Mas, de qualquer modo, um
critério primário de escolha são os sinais que qualificam a pessoa para tal função por
apontarem na direção das virtudes (“energias” habituais interiores). Na terminologia
da Bíblia, são os carismas. Qualidades humanas básicas, como, por exemplo, equilíbrio
emocional, maturidade afetiva e psíquica em geral, bom senso, capacidade de ser
livre, atitude de escuta e de diálogo, discrição para merecer confiança, suficiente
segurança de si, disponibilidade para trabalhar em equipe, liderança e capacidade de
comprometer-se com as pessoas. Igualmente, qualidades morais, a saber, a prática
daqueles valores estimados como positivos nas relações humanas: honestidade,
retidão, hábito de dizer a verdade, ausência de dolo, de maledicência, de falar por trás
e difamar a outrem, não ser invejoso nem ciumento, senso de justiça, não accepção de
pessoas, senso de igualdade e respeito, humildade. Esses hábitos virtuosos nos são
recomendados por vários textos do Novo Testamento, como se vê por exemplo em Rm
1, 29-31; 12, 14-21; 13, 6-7; Fl 4, 8-9; Ef 4, 25-29. Exigem-se ainda qualidades
espirituais as quais indicam o progresso na superação de comportamentos carnais pela
assimilação do “fruto do Espírito”, conforme nos fala a Carta aos Gálatas, capítulo 5,
16-26 (cf. Ef 4, 17-32). Ademais, o que se poderia chamar de dons e qualidades
“pastorais”, segundo o que nos sugerem a Carta de Pedro (1Pd , 5, 1-4) e a Primeira
Carta a Timóteo (cf. 1Tm 3, 1-7). Finalmente, algumas virtudes que devem caracterizar
a prática anglicana: inclusividade (acolher as diferenças), compreensividade (“abraçar”
as diferenças e ajudar a que tendências diversas, mediante o diálogo, se conheçam e
se enriqueçam reciprocamente, para que a diversidade realce a unidade), tolerância
(“carregar os fardos uns dos outros” com paciência e esperança), via média (sintetizar
“substância católica” e “princípio protestante”, como dizia Paul Tillich, guardar a
preciosa herança católica, ao mesmo tempo, percebendo na Reforma a profecia que
provoca a Igreja a abrir-se aos tempos para além da síntese medieval), senso da
realidade (dar atenção às situações locais e aos ”sinais dos tempos”, indicações na
história da vontade de Deus, de tal forma que a integridade da grande Tradição
Apostólica não seja confundida com tradições humanas, mesmo que seculares, com
essa sensibilidade é que a Igreja tem abordado hoje em dia questões como o divórcio e
a ordenação feminina, por exemplo), atitude ecumênica (ter consciência de que somos
apenas um membro de misterioso Corpo universal e trabalhar para que se manifeste a
unidade profunda da Igreja em Cristo), santidade na liberdade (viver a alegria da
liberdade, sinal da salvação pela “graça preciosa” que se revela na fé, e dispor-se a
pagar o preço da disciplina do discupulado de Jesus, para continuarmos a merecer o
célebre elogio: “Ecclesia Anglicana, mater sanctorum”, Igreja Anglicana geradora de
santos e santas).
2. Suficiente experiência pastoral é outro critério importante. Prolongado período em
contacto com a vida de pessoas e grupos em congregações locais, nos capacita a
perceber quais os caminhos de orientar pessoas a viver a vida evangélica, no sentido
barthiano de “vida segundo o Evangelho”. E nos prepara para compreender situações
e problemas vividos pelo povo e pelos pastores e pastoras no dia a dia.
3. Pelo que observo na experiência da Igreja e na minha pessoal, a duração ideal de um
episcopado não deve ultrapassar quinze a vinte anos. Se passa disso, arrisca ser peso
sobre a Igreja, sobretudo num tempo tão acelerado e de tão rápidas transformações
como o nosso. Renovação periódica areja o ambiente. É esta a razão pela qual, em
vista da reforma dos Cânones, têm chegado várias propostas de estabelecer para o
episcopado a idade mínima de quarenta e cinco anos.
4. Deus é Deus de opções: É “amigo da vida” (Sb 11, 26), aliado dos pobres e oprimidos, e
íntimo dos retos de coração, como é fácil observar nos Salmos e nas Profecias bíblicas.
Mas “não é Deus de partido (divisão), porém de paz” (1Cor 14, 33). Processo de
eleição de bispo é tempo de oração, de escuta, de diálogo (que bom que fosse
conforme o sábio método africano de “indaba”!), e de discernimento em Deus. Não se
deveria degradá-lo a “campanha política”. Já vimos esse filme em 1997. Pessoas e
grupos com muito poder (e dinheiro) na Diocese promoveram um “candidato” que
viajava pelo território a confabular com pessoas e congregações locais para apresentar
“plataforma eleitoral”. Era versado em articulações “políticas”. A uns prometia
mundos e fundos, a outros veladamente ameaçava. Foi eleito só no décimo escrutínio,
pelo quorum mínimo de metade mais um dos votos da assembleia conciliar, o que
quer dizer que metade da representação diocesana o rejeitava. A Câmara dos Bispos
hesitou em homologar a eleição. Mas sob a sombra do fantasma de ameaça de cisma,
disse finalmente sim por maioria. Do desfecho, já o sabemos, o cisma veio da pior
maneira. Já em 1999 começávamos a mergulhar na “grande tribulação”. Em plena
crise, a esposa de um dos mais poderosos ”eleitores” me confessava em lágrimas: “Só
podia dar nisto, pois aquela eleição não foi feita em Deus”. “Per Deum vivum”, pela
honra de Deus, assumamos este momento com extrema responsabilidade e não nos
desviemos por atalhos já percorridos!
5. Na realidade de nossa Diocese, a Catedral é sem dúvida ponto estratégico no que diz
respeito ao futuro da Igreja. Sem dúvida, é a congregação mais consistente em
estrutura, em variedade de dons e capacidades por força do próprio número de
membros, e de meios materiais. Vocês conhecem o passado e sabem de como eram
difíceis as relações entre o conjunto da Diocese e a Catedral nos dois períodos
anteriores. Não se tratava só de apartação, mas até mesmo de conflito e hostilidade
aberta. Um dos leigos mais experientes entre nós me dizia um dia: “Estamos bem,
nossas relações agora têm sido positivas, mas vai ter de carregar muita paciência
conosco porque, infelizmente, fomos educados para ignorar a Diocese e detestar o
Bispo”. Não devemos, porém, escandalizar-nos conosco mesmos e com essa
constatação. Em nossa Província, mesmo em dioceses bem mais antigas que a nossa,
mais de uma catedral têm dificuldades de se relacionar com o conjunto da diocese e
com seu bispo. Nosso caso foi apenas mais grave, pelo cisma que provocou. Mas nem
por isso podemos deixar de fazer o melhor que possamos de nossa parte. Desde que
aqui cheguei tenho trabalhado discreta, mas permanentemente, para exterminar o
estigma e transformar a situação. Uma de minhas maiores alegrias é justamente esta,
ter conseguido estabelecer com a Catedral um saudável relacionamento. Sou acolhido
e escutado com carinho e atenção, e convidado a contribuir na formação do povo;
chamado a participar da equipe pastoral e de reuniões da Junta Paroquial; entre mim e
o Deão conseguimos estabelecer relação de tal confiança e lealdade que chegamos até
o nível da crítica e da autocrítica, com a liberdade de dizer, confiantemente, um ao
outro tudo o que pensamos sobre a realidade e os caminhos da Igreja. O fruto do
esforço destes anos tem se revelado por evidentes sinais: já desde o início, em 2006, a
Catedral tem funcionado como o “salão de atos” da Diocese, acolhendo nossos
encontros e eventos, sem nenhum custo para a administração diocesana; este ano,
por iniciativa inédita da equipe pastoral e da Junta Paroquial, acolhida prontamente,
instalou-se o Centro Diocesano que, por sinal, recebeu o nome do Bispo, integrado
pelas instalações da Paróquia, pelo escritório diocesano e pelo Seminário; por fim,
recentemente, possibilitou a realização do Concílio, o qual só aconteceu pela
generosidade de seus membros que providenciaram bilhetes de viagem para todos os
delegados de outros estados, hospedagem em casas de família e toda a
infreaestrutura de transporte local e de alimentação. Seria irresponsável retroceder.
Seja qual for o nome a ser sugerido e finalmente eleito pelo Sínodo, penso diante de
Deus, deverá ser de alguém que tenha plenas condições de liderar o povo da Catedral
a prosseguir neste processo de amadurecimento em vista de assumir, cada vez com
mais entusiasmo, sua missão primordial de ser efetivamente a Sé diocesana, isto é, a
sede da cátedra (liderança) do Bispo e a matriz, mãe, útero gerador e polo de
irradiação de energia missionária, e ponto de apoio e estímulo para o conjunto das
congregações locais.
Conclusão
Estamos em momento privilegiado da vida da Igreja, prenhe de enormes
consequências, quando o povo da Diocese tem o sagrado privilégio de sugerir quem deseja
para ser o seu guia e pastor, e o Sínodo, representação do conjunto da Igreja provincial, o
direito de eleger mais alguém para o precioso ministério de “guardião da fé e da unidade”.
Deus nos ajude a testemunhar nova atitude, já como penhor da nova diocese que queremos
construir! Que lhes conceda lucidez, discernimento e fino senso de responsabilidade à altura
dos desafios desta hora histórica, e que nos mantenhamos debaixo de Sua misericórdia!
Ao invocar a bênção de Deus sobre nossa querida Igreja diocesana, adornada com as pérolas
de seu povo, como a bela noiva do Cordeiro, cujo resplendor nos atraia apaixonadamente,
saúdo a todas e todos com entranhado afeto em Cristo,
+ Sebastião Armando, Recife
Recife, sede da Diocese Anglicana no Nordeste, aos seis dias do mês de Agosto do ano de dois
mil e dois, Anno Domini, na Festa da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo.