carteira de trabalho para quem veio trabalhar

1
14 | Reportagem | 25 a 31 de março de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br Ao chegar à “Missão Paz”, no Glicério, centro da Capital paulis- ta, automaticamente eu, você ou qualquer visitante passa a ser fon- te de informação para as dezenas de haitianos e outros imigrantes que circulam por ali. A maioria em busca de orientações sobre como conseguir a carteira de tra- balho. Na instituição que mantém a ‘Casa do Migrante’ e os eixos tra- balho, educação e cultura, além de um Centro de Estudos Migra- tórios (CEM) e outros serviços, o clima na segunda-feira, 23, era de correria, ansiedade e esperança. O Ministério do Trabalho publi- cou recentemente uma Portaria, na qual autoriza a Prefeitura de São Paulo, “em caráter excepcio- nal e pelo prazo de 120 dias, po- dendo ser prorrogado uma única vez, por igual período, a emitir Carteira de Trabalho e Previdên- cia Social (CTPS) para estrangei- ros com nacionalidade haitiana ou senegalesa amparados pelo pedido de refúgio”. A Portaria nº 275, emitida no dia 12 de março, é uma conquista, mas, ao mesmo tempo, motivo de tristeza, na avaliação de Padre Pa- olo Parise, coordenador do CEM. Como ajudar? As doações para a “Missão Paz” podem ser entregues na rua do Glicério, 225, na Liberdade. No mo- mento, as principais necessidades são de material de limpeza, mate- rial de escritório, como resmas de sulfite A4 e alimentos perecíveis como carne e legumes. Informa- ções: [email protected] ou pelo telefone (11) 3340-6952. Para doações monetárias, os dados são: Banco Bradesco Agência 0515 C/C 037060-6 Mitra Arquidiocesana de São Paulo CNPJ: 63.089.825/0232-76 Para fazer parte do grupo de vo- luntários, é preciso encaminhar um e-mail com as motivações, currículo e disponibilidade para [email protected]. Caminhos abertos e novas perspectivas Notícias boas de integração dos imigrantes também fazem parte do cotidiano na “Missão Paz”. Um casal que pediu para se casar na Igreja Nossa Senhora da Paz, que fica ao lado da Mis- são, ou uma jovem que passou em primeiro lugar para Medici- na, ganhou uma bolsa integral e auxílio para estudar em Foz do Iguaçú (PR). Ou ainda os imigrantes que ligam para agradecer pelo traba- lho conseguido que os possibili- taram alugar uma casa e ajudar a família. A presença dos voluntá- rios também é essencial. Alunos e professores da Universidade de São Paulo têm dado aulas de por- tuguês todos os dias para grupos interculturais, além disso, a Mis- são conta atualmente com o apoio da Sietar Brasil, associação que tem como finalidade a elimina- ção de todo tipo de preconceito e propõe a partilha de experiências interculturais para profissionais da área, além de outros cursos profissionalizantes e palestras. Burocracia pode gerar trabalho escravo UM ÔNIBUS POR DIA DESEMBARCA NA BARRA FUNDA E, DO HAITI AO GLICÉRIO, CONTINUA O DESAFIO DA ACOLHIDA DE IMIGRANTES EM SÃO PAULO NAYÁ FERNANDES [email protected] formação acadêmica e profissio- nal, abandonada ou ignorada por falta de oportunidades em suas respectivas áreas. Monica Quenca, assistente social na “Missão Paz” tem fei- to o acompanhamento das imi- grantes grávidas que procuram a Instituição. “Devido a situações extremas, como uma em que a mãe deixava a criança com pouco mais de um ano sozinha em casa, pois precisava trabalhar para so- breviver, conseguimos que essas mães tivessem prioridade na lista de vagas nas creches. Além disso, orientamos para exames como o pré-natal, incomuns em seus pa- íses de origem. Temos recebido doações de fraldas descartáveis e leite em pó, que ainda são insu- ficientes.” Imigração e as muitas faces da mídia Um dos serviços que foram beneficiados com as notícias pu- blicadas na mídia no ano passado foi o “Eixo Trabalho”, que contata empresas interessadas em em- pregar os imigrantes. “Houve um grande aumento das empresas e isso foi extremamente positivo”, disse Padre Paolo. Por outro lado, são comuns reportagens que tra- tam a imigração como invasão e enfatizam a ideia de que “eles vêm para roubar nosso trabalho”, completou. Importante lembrar que, em números, os imigrantes não chegam a 1% da população brasileira. As empresas vão ao CEM bus- car os trabalhadores e, para isso, é essencial que tenham a carteira de trabalho. Além da mediação entre os trabalhadores e empre- sas, a “Missão Paz” tenta acompa- nhá-los na pós-contratação. “É um avanço e um retrocesso, porque há outros imigrantes que nos procuram e que não conse- guirão o benefício, pois não fo- ram contemplados pela Portaria”, lamentou. A emissão da carteira de tra- balho para estrangeiros era re- alizada somente nas sedes das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego e com uma demora mínima de 45 dias. Ago- ra, haitianos e senegaleses pode- rão receber a carteira no mesmo dia. “Isso evita muitos problemas, sobretudo, o do trabalho escravo. Já soubemos de carros que param nas proximidades da Missão e fa- zem convites com promessas que, na maioria das vezes, não serão cumpridas”, acrescentou Padre Paolo. Diferentemente do que está sendo divulgado, o Padre ressal- tou que as cheias no Acre agra- varam, mas não são a causa prin- cipal de um novo fluxo intenso de imigrantes haitianos em São Paulo. “Eles continuaram vindo, em grande número. Hoje, temos a chegada de um ônibus por dia em São Paulo e é importante fri- sar, que, embora os governos do Acre e de São Paulo não tenham uma conversa franca sobre pro- postas conjuntas, o Governo do Acre tem feito o possível para ajudar e a cobrança deve ser feita também ao Governo Federal.” Uma longa viagem Após cerca de um mês de via- gem, saindo do Haiti, passando pelo Equador e entrando pelo Acre, Sony Lucen, 36, e Mena Rd, 27, desembarcaram na estação rodoviária da Barra Funda e, jun- to com outros compatriotas pro- curaram, imediatamente, a “Mis- são Paz”, referência na chegada à capital paulista. Com olhos assus- tados, Mena repetiu diversas ve- zes: “Muito trabalho para chegar até aqui”. O gasto pago em passagens, visto e aos chamados atravessa- dores, fica em torno de 4 a 5 mil dólares por pessoa. “Isso aconte- ce porque o Governo Brasileiro concede visto humanitário para apenas 20% dos haitianos, como uma maneira de cercear a vinda deles. Isso faz com que optem por vias ilegais e é um erro, pois o dinheiro empregado na viagem poderia ser utilizado na chegada ao País para evitar que fiquem tão vulneráveis, além de movimentar a economia local”, explicou Padre Paolo. Ao serem questionados so- bre o que se ouve dizer a respeito do Brasil, os haitianos afirma- ram serem as oportunidades de trabalho o principal motivo da migração. O objetivo é o de aju- dar a família que ficou no País que, desde o terremoto em 2010, continua em escombros. Dispos- tos a encarar qualquer trabalho, grande parte dos imigrantes têm Juntamente com os Missio- nários Scalabrinianos, que man- tém a “Missão Paz” e a “Casa do Migrante”, destacando-se a de- dicação do Padre Paolo Parise, a Paróquia Nossa Senhora da Luz, na zona norte da capital abriu as portas para acolher os imigran- tes. No mais, a “Missão Paz” têm recebido doações pontuais de pessoas físicas, paróquias e ou- tras instituições religiosas. A Pre- feitura de São Paulo fornece 150 refeições diárias e a Secretaria de Direitos Humanos, na pessoa do Secretário Eduardo Suplicy, tem mantido uma relação de acessível cooperação. Imigrantes aprendem português com professores voluntários da USP Luciney Martins/O SÃO PAULO Imigrantes recém-chegados à cidade de São Paulo, especialmente haitianos, buscam auxílio na ‘Missão e Paz’ Luciney Martins/O SÃO PAULO

Upload: naya-fernandes

Post on 08-Apr-2016

222 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

O drama e o sonho da imigração ganha aspectos novos a cada dia. São Paulo tem recebido um grande número de haitianos em busca de emprego. Muitos deles esperam ansiosamente pela carteira de trabalho.

TRANSCRIPT

Page 1: Carteira de trabalho para quem veio trabalhar

14 | Reportagem | 25 a 31 de março de 2015 | www.arquidiocesedesaopaulo.org.br

Ao chegar à “Missão Paz”, no Glicério, centro da Capital paulis-ta, automaticamente eu, você ou qualquer visitante passa a ser fon-te de informação para as dezenas de haitianos e outros imigrantes que circulam por ali. A maioria em busca de orientações sobre como conseguir a carteira de tra-balho.

Na instituição que mantém a ‘Casa do Migrante’ e os eixos tra-balho, educação e cultura, além de um Centro de Estudos Migra-tórios (CEM) e outros serviços, o clima na segunda-feira, 23, era de correria, ansiedade e esperança. O Ministério do Trabalho publi-cou recentemente uma Portaria, na qual autoriza a Prefeitura de São Paulo, “em caráter excepcio-nal e pelo prazo de 120 dias, po-dendo ser prorrogado uma única vez, por igual período, a emitir Carteira de Trabalho e Previdên-cia Social (CTPS) para estrangei-ros com nacionalidade haitiana ou senegalesa amparados pelo pedido de refúgio”.

A Portaria nº 275, emitida no dia 12 de março, é uma conquista, mas, ao mesmo tempo, motivo de tristeza, na avaliação de Padre Pa-olo Parise, coordenador do CEM.

Como ajudar?As doações para a “Missão Paz” podem ser entregues na rua do Glicério, 225, na Liberdade. No mo-mento, as principais necessidades são de material de limpeza, mate-rial de escritório, como resmas de sulfite A4 e alimentos perecíveis como carne e legumes. Informa-ções: [email protected] ou pelo telefone (11) 3340-6952.

Para doações monetárias, os dados são: Banco BradescoAgência 0515C/C 037060-6Mitra Arquidiocesana de São PauloCNPJ: 63.089.825/0232-76

Para fazer parte do grupo de vo-luntários, é preciso encaminhar um e-mail com as motivações, currículo e disponibilidade para [email protected].

Caminhos abertos e novas perspectivasNotícias boas de integração

dos imigrantes também fazem parte do cotidiano na “Missão Paz”. Um casal que pediu para se casar na Igreja Nossa Senhora da Paz, que fica ao lado da Mis-são, ou uma jovem que passou em primeiro lugar para Medici-na, ganhou uma bolsa integral e auxílio para estudar em Foz do Iguaçú (PR).

Ou ainda os imigrantes que ligam para agradecer pelo traba-lho conseguido que os possibili-taram alugar uma casa e ajudar a família. A presença dos voluntá-rios também é essencial. Alunos e professores da Universidade de São Paulo têm dado aulas de por-

tuguês todos os dias para grupos interculturais, além disso, a Mis-são conta atualmente com o apoio da Sietar Brasil, associação que tem como finalidade a elimina-

ção de todo tipo de preconceito e propõe a partilha de experiências interculturais para profissionais da área, além de outros cursos profissionalizantes e palestras.

Burocracia pode gerar trabalho escravoUm ônibUs por dia desembarca na barra FUnda e, do Haiti ao Glicério, continUa o desaFio da acolHida de imiGrantes em são paUlo

Nayá [email protected]

formação acadêmica e profissio-nal, abandonada ou ignorada por falta de oportunidades em suas respectivas áreas.

Monica Quenca, assistente social na “Missão Paz” tem fei-to o acompanhamento das imi-grantes grávidas que procuram a Instituição. “Devido a situações extremas, como uma em que a mãe deixava a criança com pouco mais de um ano sozinha em casa, pois precisava trabalhar para so-breviver, conseguimos que essas mães tivessem prioridade na lista de vagas nas creches. Além disso, orientamos para exames como o pré-natal, incomuns em seus pa-íses de origem. Temos recebido doações de fraldas descartáveis e leite em pó, que ainda são insu-ficientes.”

Imigração e as muitas faces da mídia

Um dos serviços que foram beneficiados com as notícias pu-blicadas na mídia no ano passado foi o “Eixo Trabalho”, que contata empresas interessadas em em-pregar os imigrantes. “Houve um grande aumento das empresas e isso foi extremamente positivo”, disse Padre Paolo. Por outro lado, são comuns reportagens que tra-tam a imigração como invasão e enfatizam a ideia de que “eles vêm para roubar nosso trabalho”, completou. Importante lembrar que, em números, os imigrantes não chegam a 1% da população brasileira.

As empresas vão ao CEM bus-car os trabalhadores e, para isso, é essencial que tenham a carteira de trabalho. Além da mediação entre os trabalhadores e empre-sas, a “Missão Paz” tenta acompa-nhá-los na pós-contratação.

“É um avanço e um retrocesso, porque há outros imigrantes que nos procuram e que não conse-guirão o benefício, pois não fo-ram contemplados pela Portaria”, lamentou.

A emissão da carteira de tra-balho para estrangeiros era re-alizada somente nas sedes das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego e com uma demora mínima de 45 dias. Ago-ra, haitianos e senegaleses pode-rão receber a carteira no mesmo dia. “Isso evita muitos problemas, sobretudo, o do trabalho escravo. Já soubemos de carros que param nas proximidades da Missão e fa-zem convites com promessas que, na maioria das vezes, não serão cumpridas”, acrescentou Padre Paolo.

Diferentemente do que está sendo divulgado, o Padre ressal-tou que as cheias no Acre agra-varam, mas não são a causa prin-cipal de um novo fluxo intenso

de imigrantes haitianos em São Paulo. “Eles continuaram vindo, em grande número. Hoje, temos a chegada de um ônibus por dia em São Paulo e é importante fri-sar, que, embora os governos do Acre e de São Paulo não tenham uma conversa franca sobre pro-postas conjuntas, o Governo do Acre tem feito o possível para ajudar e a cobrança deve ser feita também ao Governo Federal.”

Uma longa viagemApós cerca de um mês de via-

gem, saindo do Haiti, passando pelo Equador e entrando pelo Acre, Sony Lucen, 36, e Mena Rd, 27, desembarcaram na estação rodoviária da Barra Funda e, jun-to com outros compatriotas pro-curaram, imediatamente, a “Mis-são Paz”, referência na chegada à capital paulista. Com olhos assus-tados, Mena repetiu diversas ve-zes: “Muito trabalho para chegar até aqui”.

O gasto pago em passagens, visto e aos chamados atravessa-dores, fica em torno de 4 a 5 mil dólares por pessoa. “Isso aconte-ce porque o Governo Brasileiro concede visto humanitário para apenas 20% dos haitianos, como uma maneira de cercear a vinda deles. Isso faz com que optem por vias ilegais e é um erro, pois o dinheiro empregado na viagem poderia ser utilizado na chegada ao País para evitar que fiquem tão vulneráveis, além de movimentar a economia local”, explicou Padre Paolo.

Ao serem questionados so-bre o que se ouve dizer a respeito do Brasil, os haitianos afirma-ram serem as oportunidades de trabalho o principal motivo da migração. O objetivo é o de aju-dar a família que ficou no País que, desde o terremoto em 2010, continua em escombros. Dispos-tos a encarar qualquer trabalho, grande parte dos imigrantes têm

Juntamente com os Missio-nários Scalabrinianos, que man-tém a “Missão Paz” e a “Casa do Migrante”, destacando-se a de-dicação do Padre Paolo Parise, a Paróquia Nossa Senhora da Luz, na zona norte da capital abriu as portas para acolher os imigran-tes. No mais, a “Missão Paz” têm recebido doações pontuais de pessoas físicas, paróquias e ou-tras instituições religiosas. A Pre-feitura de São Paulo fornece 150 refeições diárias e a Secretaria de Direitos Humanos, na pessoa do Secretário Eduardo Suplicy, tem mantido uma relação de acessível cooperação.

Imigrantes aprendem português com professores voluntários da USP

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Imigrantes recém-chegados à cidade de São Paulo, especialmente haitianos, buscam auxílio na ‘Missão e Paz’

Luciney Martins/O SÃO PAULO