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CASA DO FOLCLORE ZÉ CANDUNGA, A CONSERVAÇÃO DE UMA MEMÓRIA
Autora: Gabrielle do Nascimento Matos1
Coautora: Déboralys Ferreira da Silva2
Resumo: O museu como partícipe da tentativa de se fazer ciência é um ato relativamente novo fruto
de um movimento que se convencionou a chamar de Nova Museologia museu deixa de ser um simples
“deposito” para um lugar produtor do fazer ciências. E uma das formas de se produzir ciências nas
instituições museológicas é a produção de inventários museológicos. O inventário é uma base de
dados que pode mostrar múltiplos significados das peças, portanto isso é uma forma clara de produção
de conhecimento. É com esse intento que o Projeto Pibix,“Brincando com a Casa Zé Candunga”
propõe uma feitura de inventário de 24 peças que compõem o acervo da casa. O trabalho propõe-se ao
preenchimento de fichas onde se terá acesso ao que é a peça e seu significado e importância para a
construção da memória de toda a produção folclórica que marca a cidade de Laranjeiras durante toda a
trajetória de existência da cidade.
Palavras-chave: Museus, Inventário, Casa de Folclore, Laranjeiras
Abstract: The museum as a participant of the attempt of doing science is a relatively new fruit act of a
movement that is conventionally called New Museology museum is no longer a simple "deposit" for a
producer instead of doing science. And one of the ways to produce science in museological institutions
is the production of museum inventories. Inventory is a database that can show multiple meanings of
the parts, so it is a clear form of knowledge production. It is with this intent that the Pibix Project,
"Playing with the House Ze Candunga" proposes making inventory of 24 pieces that make up the
collection of the house. The work aims to fill the chips where it will have access to what is the piece
and its meaning and importance to the construction of the entire production folk memory that marks
the city of Orange throughout the course of existence of the city.
Keywords: Museums, Inventory, Folklore House, Orange
1 Gabrielle do Nascimento Matos, Graduanda em Museologia. [email protected] 2 Déboralys Ferreira da Silva, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, [email protected]
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1 - A cidade:
Cidade próxima a capital do estado, que faz parte do que chamamos de Grande
Aracaju, Laranjeiras teve o seu apogeu econômico no final do século XIX durante o cenário
da Província. A cidade se tornou a capital do rico e progressista Vale do Cotinguiba e ficou
conhecida como a Atenas Sergipana por causa da riqueza material proporcionada pela
economia açucareira e pela intensa vida cultural. Durante o seu período de ascensão foram
registrados o início do Partido Republicano, a primeira Igreja Presbiteriana, a existência de
teatros, e a apresentação de cantores de ópera, além de atores importantes da época. Ainda
houve o registro da importante visita do Imperador D. Pedro II acompanhado de sua esposa a
Imperatriz Tereza Cristina onde eles fizeram a costumeira visita ao sistema educacional e
conheceram o Colégio Santana, propriedade de Dona Possidônia Bragança. Um último
registro foi o de que a cidade de Laranjeiras é a terra natal de personalidades importantes tais
como João Ribeiro, Horácio Hora e Cândido Aragonês.
No início dos anos 70 a cidade de Laranjeiras apresentava os antigos sobrados e as
centenárias igrejas em estado de total abandono, sinais do início do período de sua
decadência. Isso aconteceu por inúmeros fatores que podemos resumir em um único fator: a
crise econômica. Ela foi causada principalmente pela abolição da escravatura, pela
transferência da capital para Aracaju, retirando o eixo econômico do Cotinguiba para o Litoral
e por conseguinte, a diminuição da importância do açúcar para a economia sergipana.
Com o ocorrido, a cidade de Laranjeiras viveu uma grande diminuição populacional
que foi acarretada através de uma série de epidemias de cólera, o que levou a migração da
população “branca e influente” para a então nova capital, Aracaju. Após a migração, a cidade
ficou tomada pela população negra que juntou as migalhas deixadas por aqueles que a
abandonaram à sua própria sorte.
A cidade viveu numa redoma durante quase sessenta anos do século XX, esquecida
por tudo e por todos. Até que um dia, numa aula de Antropologia ministrada pela professora
Beatriz Góis Dantas, enquanto ela afirmava que a expressão folclórica Taieira não mais
existia, um aluno natural de Laranjeiras chamado Paulo Sérgio, a informa sobre a existência
de um grupo de Taieiras em Laranjeiras sob o comando de mãe Bilina. Beatriz, motivada pela
curiosidade acadêmica, foi à Laranjeiras e conheceu o grupo de folclore comandado por
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Umbelina Araújo, conhecida não apenas como chefe das Taieiras, mas também como a mãe
de santo louxa3 do Terreiro Santa Barbara Virgem.
A antropóloga se viu diante de um grupo colorido e musical, o que rendeu dois
trabalhos que se tornaram obras clássicas: “A Taieira de Sergipe, uma dança folclórica” e
“Vovó nagô e Papai Branco”, onde Beatriz conta naquele sobre o grupo folclórico das
Taieiras, e neste sobre a história de como Dona Umbelina se torna Mãe Bilina, figura
emblemática e importante da cidade. Esses trabalhos trouxeram à tona tudo o que acontecia
em Laranjeiras. Foi graças a trabalhos como este que em 1976 culminou na criação do
Encontro Cultural de Laranjeiras, trabalho de Luiz Antônio Barreto e Bráulio do Nascimento
(presidente da Comissão Nacional do Folclore). Assim como eles, outras figuras também
essenciais para a construção do Encontro Cultural de Laranjeiras foram Paulo Carvalho Neto
e Cássia Frade. O Encontro Cultural foi criado com o objetivo de promover o estudo, a
divulgação e a valorização da cultura popular laranjeirense.
A cidade se tornou um centro produtor de cultura, onde vários grupos folclóricos
ganharam apoio e respaldo para continuar com os trabalhos. Figuras como Mestre Oscar e
Dona Lalinha ocuparam lugares de destaque na cultura local, os tornando patrimônio imaterial
da cidade de Laranjeiras. Durante o período de surgimento do Encontro Cultural houve a
criação de duas Instituições museológicas: o Museu de Arte Sacra e o Museu Afro-Brasileiro,
primeiro museu dessa temática, e em 2005 surgiu a Casa de Folclore Zé Candunga.
2 - Casa de Folclore Zé Candunga:
Segundo Allyne Francine4 (2012), a Casa de Folclore Zé Candunga foi constituída em
2005 durante a gestão do prefeito Sr. Paulo Hagenbeck. Através da Secretaria Municipal de
Laranjeiras foi criada uma comissão formada pelos seguintes funcionários da época: o
professor Eraldo (Secretário Municipal de Cultura), a professora Isaura Julia de Oliveira
Ramos (Diretora do Museu) e Nam Almeida (funcionária da Secretaria). Esta comissão
compôs a Casa de Folclore, que por um tempo recebeu patrocínio da Petrobrás/FAFEN5 e
teve Nam Almeida como diretora.
3 Forma como se identifica a chefe do Terreiro de Santa Bárbara Virgem, em Laranjeiras. 4 SOUZA, Allyne Francine. Casa do Folclore Zé Candunga: um acervo a conservar. 5 Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados da Petrobrás.
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De acordo com as entrevistas feitas por Allyne, a instituição foi inaugurada sem
documentos importantes tais como o estatuto ou regimento e o ato de criação, ambos
essenciais para a abertura de novas instituições museológicas, o que lhe daria o "status" de
instituição museal. Na instituição contém objetos materiais que foram de uso coletivo dos
brincantes que participam dos grupos folclóricos laranjeirenses, e estes doaram alguns
pertences para fazer parte do acervo da casa, o que a torna um museu antropológico e
etnográfico.
A Casa de Folclore Zé Candunga6 foi assim intitulada em homenagem ao Senhor José
Borges Lacerda, mais conhecido como Zé Candunga. Ele recebeu esta homenagem como
forma de agradecimento por representar tão bem a cultura de Laranjeiras. De acordo com a
entrevista de Isaura Julia, Zé Candunga foi o chefe do grupo folclórico Chegança Almirante
Tamandaré, chefiou o Lambe sujo, era rezador, tinha envolvimento com o candomblé, e tudo
isso implicava num misto que simbolizava os vários movimentos da cultura da cidade.
3 - O Projeto:
Em 2016 a UFS aprovou através de edital, a realização do Projeto Brincando com o
patrimônio Sergipano: A Casa de Folclore Zé Candunga. O projeto faz parte do PIBIX -
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão, que tem como objetivo incentivar a
execução de projetos voltados para a troca de informações entre a universidade, os
professores, os alunos e a comunidade. De forma que todos detenham o conhecimento, e que
este seja aplicado de alguma forma para o desenvolvimento da comunidade.
O projeto visa promover a discussão e o aprofundamento teórico sobre o folclore, de
modo a induzir alunos e funcionários dos museus, a pensar propostas pedagógicas que
desenvolvam instrumentos educativos e um programa de educação museal para que haja uma
compreensão significativa das especificidades da instituição. Além disso, o projeto pretende
contribuir significativamente através do auxílio de palestras para orientar os funcionários a
transformar a Casa de Folclore ressaltando os pontos mais importantes que a torna uma
instituição única na cidade de Laranjeiras. Ao ser concluído, o projeto entregará um inventário
sobre todas as peças que compõem a exposição permanente da casa.
6 Brincante de alguns grupos folclóricos laranjeirenses, que nasceu em Riachuelo, mas viveu a maior parte de sua
vida na cidade de Laranjeiras, fazendo o que mais gostava, que era dançar.
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4 - Por que inventariar:
Segundo Gulka (2011), inventariar é o ato de registrar, reunir, organizar e preservar a
informação. Para que a informação seja preservada é de suma importância que dados sobre o
acervo da instituição sejam levantados. Gerir os acervos permite que objetos que estão ali
simplesmente sendo conservados e salvaguardados sejam portadores de conhecimento, fonte
científica de conhecimento, fonte científica de pesquisa, ambas com um valor imensurável.
Já Ferrez (2007), informa que o inventário é um conjunto de informações que
estabelece o lugar que o acervo museal ocupa e a importância dentro de uma cultura o que a
torna uma testemunha sem o qual valor histórico, estético, econômico, científico, simbólico e
outros é fortemente diminuída.
A Instituição deve conhecer o seu acervo não só de forma quantitativa, mas a sua
história, o seu contexto na sociedade e como a peça começou a fazer parte do acervo da
instituição museal. O conhecimento das peças norteará as ações diárias da instituição e todo o
seu programa de gestão, mediação entre objetos e usuários da informação que ela contempla.
Portanto, o museu é uma instituição promotora de conhecimento.
Tomando como base o local de estudo, ou seja, a Casa de Folclore Zé Candunga, o
processo de criação do inventário da mesma se deu a partir ficha de catalogação das peças que
fazem parte da sua exposição permanente. Nessas fichas contém dados tais como: a história
do objeto; o significado; o material; as técnicas utilizadas durante a fabricação do objeto,
dentre outros dados a fim de identificar a origem de cada objeto.
A Instituição é de suma importância para com a cidade de Laranjeiras, isso porque,
diferente de outras instituições existentes na cidade, essa tem um forte poder de pertencimento
por parte da população brincante dos grupos folclóricos. O poder de pertencimento que as
pessoas sentem por tal instituição se dá porque boa parte do seu acervo foi doado por essas
pessoas. Fazem parte do acervo peças como a coroa da Chegança, quadro falando sobre a vida
dos mestres, indumentárias dos grupos folclóricos, instrumentos utilizados durante as
apresentações dos grupos folclóricos, peças que foram recebidas como forma de homenagear
os mestres por seu trabalho, dentre outras.
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FONTE: Indumentária Reisado, Lidiane Leal, 2016.
FONTE: Indumentária Taieiras, Lidiane Leal, 2016.
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FONTE: Indumentária Chegança, Lidiane Leal, 2016.
FONTE: Indumentária São Gonçalo, Lidiane Leal, 2016.
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FONTE: Cesto e bastão das Taieiras, Lidiane Leal, 2016.
FONTE: Quere quexé, Lidiane Leal, 2016.
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FONTE: Placa em homenagem a Dona Umbelina Araújo, Lidiane Leal, 2016.
É preciso considerar que o acervo que compõe a Casa Zé Candunga foi produzido por
um contexto especifico e refere-se a uma sociedade particular, e que ele o “documento”
salvaguardado na Casa é o testemunho de uma vigência cultural do que foi produzido em
Laranjeiras.
5 - Considerações finais:
Pensar a Casa Zé Candunga como um mero deposito é não levar em conta o poder
cultural que ela detém e isso é menosprezar o poder de um povo. Talvez a Casa tenha nascido
de forma abrupta e no atropelo, em prol de não perder a oportunidade de utilizar aquela verba
para demonstrar a tão minguada cultura. Isso justifica a montagem de uma instituição sem
documentação regulamentar. Alguns acadêmicos dirão que a Casa Zé Candunga não se
entende conceitualmente. Ela é um museu ou um memorial? Mesmo que haja conflito em
sabermos o que é um memorial, Barcelos (2016) diz que para o senso comum eles são
essencialmente a mesma coisa.
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A casa talvez seja um ser híbrido meio memorial, meio museu. Ela é um centro de
apoio a cultura produzida em Laranjeiras. Nela o povo tem uma chance de rememorar tudo o
que é e foi produzido, um lugar onde o povo deverá aprender e apoiar tudo o que é criado em
Laranjeiras. A casa ajuda o povo a manter a cultura de pé, pois a partir do momento em que se
permite receber objetos de uso coletivo dos brincantes dos grupos folclóricos como forma de
doação para fazer parte do acervo da Casa, isso faz com que a população se sinta pertencida à
instituição.
Diante de tal situação, fez-se necessário a elaboração de um inventário como forma de
preservar uma memória para que os atuais pesquisadores e as gerações futuras tenham acesso
às fontes presentes na instituição de modo a se aprofundar e desenvolver trabalhos que
cresçam paralelamente aos avanços globais.
6 - Referências Eletrônicas:
FERREZ, Helena Dod. Documentaçao museologica. Teoria para uma boa
prática:Trabalho apresentadono IV Fórum de Museus do Nordeste,1991. Disponível em
://pt.scribd.com/doc/28689114/documentaçao_museologica_Helena_Dodd_Ferrez. Acesso
em 11 de outubro de 2016, às 14:05hs.
GULKA, Julia Aparecida, Organização do Acervo museologico: Uma experiencia no
museu da Imagem e do Som de Santa Catarina. Trabalho apresentado no XIV Encontro
Regional dos Estudantes de Biblioteconomia, Documentação e Ciencia Da Informação-
Região Sul-Florianopolis - 28 de abril a 01 de maio de 2012. Disponível em
http://rabci.org/rabci/sites/default/files/Relato_mis_rabci_pdfAcesso. Acesso em 11 de
outubro de 2016, às 17:38hs.
QUEROL, Lorena Sancho. O patrimonio cultural imaterial e a sociomuseologia: estudo
sobre os inventários. Universidade Lusofona. Lisboa 2011. Disponível em:
http://museologia.portugal.net/files/upload/doutoramento/maria_lorena_querol. Acesso em 11
de outubro de 2016, às 18:15hs.
BARCELOS, Jorge. O memorial como instituiçao no sistema de museus: conceitos e
práticas na busca de um conteudo. Disponível em
http://http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/camarapoa/usu_doc/concmemor.pdf.
Acesso em 11 de outubro de 2016, às 18:43hs.
SOUZA, Allyne Francine. Casa do Folclore Zé Candunga: um acervo a conservar.
Disponível em https://sites.google.com/site/revistamuseitec/edicoes-anteriores/casa-do-
folclore-z-candunga. Acesso em 11 de outubro de 2016, às 16:51hs.
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DANTAS, Beatriz Góis. As fontes sobre o Encontro Cultural de Laranjeiras: múltiplas e
dispersas. Disponível em
http://www.revistaihgse.org.br/index.php/revista/article/view/420/411. Acesso em 13 de
outubro de 2016, às 14hs.
QUEROL, Lorena Sancho. Do coração do museu: inventário e patrimônio imaterial em
11 museus portugueses. Disponível em
www.academia.edu/1610023/_DO_CORAÇÃO_DO_MUSEU_INVENTÁRIO_E_PATRIM
ÔNIO_IMATERIAL_EM_11_MUSEUS. Acesso em 13 de outubro de 2016, às 13:10hs.
7 - Outras Referências:
SOUZA, Allyne Francine. Uma coleção em cartaz: estudo sobre identidade e museu na
Casa do Folclore Zé Candunga. Trabalho de Conclusão de curso (Bacharelado em
Museologia), Laranjeiras: Universidade Federal de Sergipe. Campuslar, 2011.
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