casamentos contemporaneos um estudo sobre os impactos da interação familia-trabalho na satisfaçao...
TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADEDEBRASLIA
INSTITUTODEPSICOLOGIA
PROGRAMADEPSGRADUAOEMPSICOLOGIA
CASAMENTOSCONTEMPORNEOS:UMESTUDOSOBREOSIMPACTOS
DAINTERAOFAMLIATRABALHONASATISFAOCONJUGAL
GIOVANADALBIANCOPERLIN
BRASLIA,DF
2006
-
ii
UNIVERSIDADEDEBRASLIA
INSTITUTODEPSICOLOGIA
PROGRAMADEPSGRADUAOEMPSICOLOGIA
CASAMENTOSCONTEMPORNEOS:UMESTUDOSOBREOSIMPACTOS
DAINTERAOFAMLIATRABALHONASATISFAOCONJUGAL
GIOVANADALBIANCOPERLIN
Tese apresentada ao Programa de
PsGraduao em Psicologia do
Instituto de Psicologia da
Universidade de Braslia, como
requisito parcial obteno do
ttulodeDoutoremPsicologia.
ORIENTADORA:PROF.GLUCIARIBEIROSTARLINGDINIZ,Ph.D.
BRASLIA,DF
2006
-
iii
TESEDEDOUTORADOAPRESENTADACOORDENAODO
PROGRAMADEPSGRADUAOEMPSICOLOGIADOINSTITUTODE
PSICOLOGIADAUNIVERSIDADEDEBRASLIA
Aprovadapelaseguintebancaexaminadora
_____________________________________________________
Prof.GluciaRibeiroStarlingDiniz,Ph.DPresidenteInstitutodePsicologiaUniversidadedeBraslia
_____________________________________________________
Prof.Dra.TerezinhaFresCarneiroMembroExterno PontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJ aneiro
_________________________________________________________
Prof.DraLourdesMar iaBandeiraMembroExterno DepartamentodeSociologia UniversidadedeBraslia
___________________________________________________
Prof.Dra.JliaSursisNobreFer ro Bucher MaluschkeMembroInterno InstitutodePsicologia Univer sidadedeBraslia
___________________________________________________________
Prof.MarcelodaSilvaArajoTavares,Ph.DMembroInterno InstitutodePsicologia Univer sidadedeBraslia
_________________________________________________________
Prof.VeraLciaDecnopCoelho,Ph.DMembroSuplente InstitutodePsicologia UniversidadedeBraslia
Braslia,03defevereirode2006.
-
iv
sfamliasdeduplotrabalho,principalmenteminha.
-
v
AGRADECIMENTOS
Neste, comoemmeusoutros trabalhos passadose futuros, agradeoprofundamente a
meu pai Santo Perlin e a minha me Ins Perlin pelo conhecimento de vida a mim
passado,peloamor,apoio,confianaeajudacomascrianas
AoMaurcio,AriellaeManuella,meusamores,quedoarampacincia,carinho,tempo
enfimqueestiveramcomigomesmoquandoeunoestavacomeles
minhairmeaomeuirmo,pelocompanheirismoemomentosdealegria
s duas mulheres que ajudaram a cuidar de minhas filhas quando eu estava ausente
trabalhando:JamileeRosngela
Daniela Patrcia, pela amizade, competncia tcnica, habilidade,pelo apoio epelas
bemvindassugestesaotrabalho
A alguns amigos e amigas especiais e colaboradores em diversos sentidos: Tereza
Bitencourt, Jaqueline Espnola, Iranice Nane, Diogo Seco, Maria Josephina, Maria
Fortunato,DarlaneAndrade,PatrciaLaundry,LucianaPiza
Faculdade Ruy Barbosa Salvador pelo incentivo e compreenso em minhas
viagens Braslia,mostrandoumaposturade apoio formaodequalidadede seus
docentese respeito pela carreira de seusprofessores em especial Coordenadorado
Cursode Psicologia ProfaDraAnamlia e Profa.DraMercedes sbiasmulheres de
duplotrabalho
Profa.DraVeraCoelho,pelassempresbiaseconstrutivaspalavrasfazemsemprea
diferena
Profa.Dra JliaBucherpelas suas importantesepertinentes sugestes noexamede
qualificao
Ao Prof. Dr.MarceloTavares pelas contribuies imprescindveis no delineamento e
conduometodolgicos
Ao fantstico casal de duplo, triplo, qudruplotrabalho, Marcelo e Glucia. Muito
obrigada pelo apoio, pelo carinho e pela generosidade em dividir momentos de
conhecimento,emdoaropoucotempoquepossuemparaaspessoascomamorosidade,
empenhoealegria
Umagradecimentocaroaosparticipantesdapesquisaqueforamcorajososegenerosos
ao dividirem suas experincias, idias e vidas em prol do desenvolvimento de
conhecimentosobreoscasamentos
Em especial, agradeo a uma grande mulher, corajosa, amorosa, sbia, mineira,
-
vi
feminista,cujashabilidadessotantasprofissionalmenteenavidaprivadaqueso
exemplo para mim e para todos que convivem com ela e que sabem olhar para ela.
GluciaDiniz,comsuagenerosidadeearrojo,abraouumaestudanteh16anosatrse,
sempreconceito,ouviusuasidiasrevolucionrias.Ajudoueaindaajudaaorganizlas.
Obrigadaminhaorientadora.
Finalmenteagradeo a todos osoutros contribuintes brasileiros almdemim que
comopagamentodeseustributospermitiramqueeurealizasseessedoutoradoemuma
UniversidadePblicaFederal.Sintoumaprofunda revoltapor saberqueboapartedo
que o pas arrecada poderia ser bem empregado em melhorias gerais na vida dos
cidadosecidadscomonaeducao,porexemplomasseesvaipeloscanaislargos
da corrupo, roubo e desvio de dinheiro pblico, e em salrios aos parlamentares,
mesmosemqueosmesmoscompareampararealizaroseutrabalho.
Como mulher trabalhadora, deixo na Biblioteca da Universidade de Braslia, para a
posteridade,oregistrodemeurepdioeconstrangimentoemrelaoaocomportamento
doCongressoNacional.
-
vii
RESUMO
O objetivo geral dessa pesquisa foi identificar e discutir dimenses que afetam a
satisfaonocasamentodeduplotrabalho.Foiaplicadoumquestionriodemogrfico,a
Escala de Ajuste da Dade DAS (Spanier, 1976) e foram realizadas entrevistas
episdicasem5casaisheterossexuaisdeduplotrabalho,pertencentesclassemdiae
comnveleducacionalmdioousuperior.Osresultadosapontaramqueoconsensoem
tornodafilosofiadevidaumfatorestruturantedarelaoconjugal.Tempo,finanas,
questes relacionadas famliadeorigem,questesdegneroso tambmelementos
importantes para a compreenso da satisfao conjugal. Constatamos que homens e
mulheressebaseiamemmuitasinformaes,posturas,valoresrelacionadosamodelos
conjugais tanto novos quanto tradicionais para elaborar sua autoavaliao do
casamento.Omodelo conjugal tradicional ainda exerce uma forte influncia sobre as
pessoas, suas escolhas relacionadas aos papeis de gnero e suas percepes sobre o
relacionamento.Constatamos ainda que existem diferenas de gnerona forma como
homensemulheresavaliamos fatoresedimensesdavidaconjugale nasestratgias
queadotamparamanteraqualidadedarelao.Dilemasdainteraofamliatrabalho
tmimpactonegativoemvriosaspectosembitosdocasamento.Repercutemnavida
sexual(cansao, faltadedesejosexual, faltadetempoparaosexoefrustraocomo
cnjugequepoderesultareminteresseporrelaesextraconjugais)nocuidadodacasa
edosfilhos(padresdesiguaisdeexignciaemrelaoaocuidadoedivergnciasem
relao criao), na vida profissional (discordncias em relao ao grau de
investimentodo/acnjugenavidaprofissionalenavidafamiliar).Repercutemtambm
na subjetividade gerando sentimentos de agressividade, irritao, falta de controle e
tristezaprofunda.Oscasais tmdificuldadeemestabelecerumarelaoclaraentreos
dilemasdainteraofamliatrabalhogneroeasdificuldadesquevivenciam.Elestm
umavisoindividualourelacionaldasdificuldadeseconflitos,subestimandooimpacto
de fatores scioeconmicos e culturais sobre a vida conjugal e familiar. O estudo
chamaaatenoparaanecessidadedepesquisadores,clnicoseclnicospesquisadores
ampliarem o olhar sobre as dinmicas do casamento, incluindo a interao famlia
trabalhognero como componente fundamental para compreenso da satisfao e do
ajusteconjugaldoscasaiscontemporneos.
Palavraschave:satisfaonocasamento,ajustedadade,casamentodeduplotrabalho,
-
viii
interaofamliatrabalho,gnero.
ABSTRACT
Thegeneralobjectiveofthisresearchwastoidentifyanddiscussdimensionsthataffect
maritalsatisfactionindualcareermarriages.Ademographicquestionnaire, theDyadic
AdjustmentScaleDAS(Spanier,1976)andaepisodicinterviewwereusedtocollect
data with five heterosexual, middleclass, dualworker couples. All participants had
either college or secondary level education. The results show that dyadic consensus
regardingthephilosophyofliveplayafundamentalroleinstructuringtherelationship.
Time, finances, family of origin issues, gender issues are also variables that play an
importantroleinmarriages.Wefoundthatmenandwomenbasetheirselfevaluationof
their marriages in concepts and values that are related to both traditional and new
models of relationships. The traditional model still has a strong influence on
individuals perceptions of the relationship and choices of gender roles. There are
gender differences in the way men and women perceive and evaluate the various
dimensions of marital life and in the strategies they develop to help ensure marital
quality. Familywork dilemmas have a negative impact on many areas of the
relationship. They affect sexual life: couples report tiredness diminished or lack of
sexualappetitelackoftimetohavesexandfrustrationswiththepartnerthatmayraise
interestinextramaritalsex.Theygenerateconflictinthedomesticdivisionoflaborand
in strategies devised to care for and raise children. They underline conflicts partners
have regarding theamountofenergy andtime they should invest inwork and family
activities. They also affect the individuals state of humor. Some of the participants
reported feelings of aggressiveness, irritation, lack of control and profound sadness.
Coupleshavedifficultiesinestablishingaclearrelationshipbetweentheirconflictsand
thechallengesofthegenderworkfamilyinteraction.Bothmenandwomentendtotake
a self and/or relational perspective underestimating the impact of social, cultural and
economical processes onmarital life.This study invites researchers and clinicians to
broaden their viewof themarital interaction, include the interaction between gender,
work and family as fundamental to the understanding of the marital satisfaction of
contemporarycouples.
-
ix
Key words: marital satisfaction, dyadic adjustment, dualworker marriages, gender,
workfamilyinteraction
-
1
NDICE
NDICE................................................................................................................................ 1LISTADETABELAS......................................................................................................... 3INTRODUO.................................................................................................................... 4REVISODELITERATURACAPTULOIPANORAMADOCASAMENTOATUAL1.Umperododetransformaes......................................................................................... 92.Casamento:diferentesmomentosediferentesfunes..................................................... 193. Casaramse e foram (in) felizes para sempre ou que seja eterno enquantodure?.................................................................................................................................. 26
4.Mutatismutandis............................................................................................................... 345.Mudandoparaonde?.......................................................................................................... 386.Caminhando....................................................................................................................... 397.Ocasamentodeduplotrabalho......................................................................................... 488.Satisfaonocasamentodeduplotrabalho....................................................................... 58CAPTULOIIPRINCIPAISDIMENSESDAVIDACONJUGAL......................... 651.Casamento:apromessadaprpriafelicidade?.................................................................. 652.Fatoresecaractersticasassociadosacasamentossatisfatrios........................................ 773.Avaliandoasatisfaonocasamento................................................................................ 81
ADAS EscaladeAjusteDidico.......................................................................... 86Consensodadade..................................................................................................... 88Coesodadade........................................................................................................ 92Expressodeafeto.................................................................................................... 95Satisfaodadade................................................................................................... 100Outrasdimenses...................................................................................................... 104
4.Percepodasatisfaonocasamento:indivduoecasal................................................. 1185.Linguagem,textoenarrativa............................................................................................ 1216.Duasvisessobreomesmorelacionamento..................................................................... 123CAPTULOIII:MTODO................................................................................................ 1261.Objetivosgerais................................................................................................................ 1272.Objetivosespecficos........................................................................................................ 1273.Oprocessodecoletadedados........................................................................................... 1284.Oprocessodeanlisedosdados........................................................................................ 1405.Importnciadoestudo........................................................................................................ 141CAPTULOIV:RESULTADOSEDISCUSSO1.Satisfaonocasamentodeduplotrabalho:alemdaescala,portrsdas
entrevistas........................................................................................................................ 1451.1.AsdimensesdaDASqueemergemnosdiscursos:relaesedesencontros............... 146Lugardemulhernacozinh...ondemesmoolugardamulher?........................................ 147Dinheiro no traz a felicidade: mas pode mandar comprla...x homem que homem................................................................................................................................... 157Osopostosse(a)traem,maspodemcontinuarcaminhando?............................................. 169Luademel...namaturidade................................................................................................... 183DVD:deita,viraedorme...................................................................................................... 1951.2.Percepesdoscasaisacercadasatisfaonocasamento:felizespeloolharde
quem?.............................................................................................................................. 2051.3.Autilizaodedimensescomocritriodeavaliaodoscasamentos......................... 211
-
2
1.4.Revendoa DASeapertinnciadasdimenses............................................................. 2242.Aforadasconstruesgenerificadasnasrelaesconjugais.......................................... 2332.1.Inocentementearraigadosnasmelhoresintenes..................................................... 2373. Estratgias que emergem na entrevista para manuteno de casamentos
satisfatrios...................................................................................................................... 243CAPTULOV:CONCLUSES1.Casamentoetrabalho:odesafioreal.............................................................................. 2452.Reflexesfinais
Instrumentosdepesquisacomoinstrumentosteraputicos?.................................... 252Sugestesdereflexesparaaclnicapsicolgicacomcasais.................................. 254
REFERNCIASBIBLIOGRFICAS............................................................................. 259ANEXOS 274AnexoA termodeconsentimentolivreeesclarecido........................................................ 275AnexoBroteirodeentrevista............................................................................................. 277AnexoCDAS..................................................................................................................... 278
-
3
ListadeTabelas
Tabela1 Escolar idade...............................................................................................130
Tabela2 Mediadeidades..........................................................................................131
Tabela3 Mediadetempoderelacionamento.........................................................131
Tabela4 Possuiempregadadomestica....................................................................132
Tabela5 Quemadministraaempregadadomstica..............................................132
Tabela6 Filhosquemorememcasa........................................................................133
Tabela7 Sexo*par ticipaonastarefasdomsticas.............................................133
Tabela8:Parmetros:GrupodaDASprseleo..................................................134
Tabela9:Escoresdocasal07......................................................................................135
Tabela10:Escoresdocasal03....................................................................................136
Tabela11:Escoresdocasal 16....................................................................................136
Tabela12:Escoresdocasal08....................................................................................136
Tabela13:Escoresdocasal18....................................................................................136
Tabela14:Grupoprseleo.....................................................................................148
Tabela15:Resultadodocasal16...............................................................................148
Tabela16:Grupoprseleo.....................................................................................158
Tabela17:Escoresdocasal3......................................................................................158
Tabela18:Grupoprseleo.....................................................................................169
Tabela19:escoredocasal8........................................................................................170
Tabela20:Grupoprseleo.....................................................................................184
Tabela21:Escoresdocasal7......................................................................................184
Tabela22:Grupoprseleo.....................................................................................195
Tabela23:Escoresdocasal18....................................................................................196
Tabela24:Parmetros:AmostradaDAS(Per lin,2001).........................................219
ListadeQuadros
Quadro1:DASeentrevista........................................................................................139
Quadro2:Estratgiasquecontr ibuemparaaqualidadedocasamento................243
-
4
Introduo
Oquelevaestudiososeestudiosas,pesquisadoresepesquisadorasa investirem
seu tempo para estudarem os casamentos e as famlias? fato que o casamento e a
famlia tm sido considerados dimenses estruturantes da vida individual e social.
Tambmnohdvidasdequeocasamentoeasrelaesconjugaisesexuais,deuma
formageral,passamporumagrandecrise.Criseessaquenoimplicanecessariamente
em falncias e rupturas, como anunciam alguns estudiosos eparte damdia,mas em
uma transformao to fundamentale profundaqueprovocaum reposicionamento da
cincia chamada a atuar de forma interdisciplinar e complexa para compreender os
fenmenossociaisrelacionaiseseusdesdobramentosemdiversosmbitosdavidadas
pessoas.
Esteespaodeobservaoeconstruodoconhecimentopermitevislumbraro
quantoestamosimplicadosna sutilezaedramaticidadedeummomentoqueserevela,
inclusive, na fala dos pacientes dentro dos espaos teraputicos, de contedo quase
absolutamente diverso das dcadas passadas. A pessoa do sculo XXI presencia
inmeras mudanas e transformaes sociais, avanos tecnolgicos, revolues
biolgicas, descobertas cientficas que promovem a sade e o conhecimento mais
profundo sobreo ser humano, criao de novosmtodos teraputicospara a curadas
doenasdocorpoedaalma,novossaberesgeradosedivulgadosdeformaabundantee
rpida:apsmodernidadepareceentraremcena.
Por outro lado, esta mesma sociedade, ainda sofre com antigos problemas: a
discriminao racial e sexual, a violao contnua dos direitos humanos, a volta de
doenas j erradicadas sob a formade epidemias, a exploraodo trabalho infantil, o
alto nvel de desemprego, o caos do servio pblico de sade e educao, as formas
-
5
insalubreseexploratriasdetrabalho,adistribuioderendainjustaedesigual.Naps
modernidadeopassadoefuturoconvivemladoalado,dividindoomesmoespao.
Diantedeumcontextosocialemconstantesmudanas,asescolhasepadresde
comportamento afetivosexuais de homens e mulheres tornaramse, igualmente,
flexveis, heterogneos, incertos e plurais. Transitoriedade, multiplicidade, fluidez,
constantesmudanaseaconvivnciadevriosmodelosderelacionamentorevelaramse
uma tendncia do sculo XXI: mais um trao da psmodernidade que desafia a
identidade dos indivduos e das instituies deste sculo, em que os valores ticos,
moraiseculturaiscirculamemumafrenticasubstituioetransformao.
As profundas mudanas ocorridas nos relacionamentos afetivos nas ltimas
dcadas tm preocupado profissionais de diversas reas. Psiclogos, mdicos,
assistentessociais,socilogos,historiadores,educadores,administradores,legisladorese
muitosoutrostmbuscadocompreenderacomplexidadedosprocessosrelacionais.
Asuperficialidadedosrelacionamentos,oaumentodematrimniosdesfeitos,a
crise da instituio casamento apontada pelos estudiosos do comportamento humano,
seguidadasprofundasmudanassociais,econmicaseculturaisdosculoXXIcom
repercusso na forma de amar e viver dos indivduos questionam antigas crenas e
certezas sobrecasamento.Apresentamseedesenvolvemseproblematizaessobreas
motivaes e possveis causas da efemeridadedoscasamentos realizados por amor,
sobreasrazespelasquaisessesnoduramcomopareciamduraremsculospassados,
ousobreafluidez,transitoriedadeeinseguranadosrelacionamentosconjugaisatuais.
Para Petrini (2004) nesse ambiente de profundas transformaes urge
identificar categorias de anlise que permitam compreender a experincia do amor
-
6
humano,indagandoasimplicaesquepodemserreconhecidaseelucidandorazesque
osustentam(Petrini,2005,p.26).
Tornasefundamental,portanto,ummovimentodeconstruoqueimpliqueem
umaconexoeexpansodoquevividoporumapessoaaoquecompartilhadopor
outras tantas,doqueumquestionamentopessoalparaumproblemadepesquisa,do
quetratadeumaconstruointernaparaumaconstruo doconhecimentocientfico.
A situao financeira, o desenvolvimento intelectual e pessoal, o
desenvolvimento fsico envelhecimento , gnero e seus desdobramentos, a
localizaogeogrficaeocontextoculturalsotodasvariveisqueafetamaqualidade
das relaes conjugais.A complexidade nopode ser negligenciada ao falar sobreos
casamentos. Admitindo a complexidade, muitas perguntas ainda ficam por ser
respondidasoucomrespostasapenasparciais.
Porqueaidiadeumcasamentobemsucedidofica tofortementeassociada
durabilidade da relao? O fato de algum passar por vrios relacionamentos retira
dessapessoaaexperinciaeaperspectivaparadizeroquepodeajudarounoamanter
umarelaodequalidade?Saspessoasouoscasais felizestmalgoadizersobrea
vidaconjugalefamiliar?Oqueumcasalfeliz?
No mbito da clnica psicolgica com casais os questionamentos no so
menores. Muitos casais chegam clnica conjugal trazendo o desafio: no estamos
felizesjuntos,masqueremosmuitoficarjuntosefelizes!Oscasaistmaexpectativade
que, semmuito esforo agora queprocuraramum/a profissional o casamento ir
ficarperfeito...comoelessempresonharam...Comoosonhodecasamentoparaessas
pessoas?Tratasedo mesmosonhoparacadacnjuge?
Outra questo corriqueira aquela na qual o casal se apresenta e um dos
cnjuges d a largada:eu no tenho nenhumproblema...se ele ou elamudar nesse
-
7
determinadoaspectonossocasamentosertimo!Eainda:nossavidasexualacaboue
isso um problema...ou: ela ou ele no me d ateno, no me ama mais... O
casamento representa um tema muito complexo com expectativas diferenciadas ou
aproximadasalmdemltiplasdimensesaseremconsideradas.Muitasvezesoscasais
localizamosproblemasemumnicoaspectodarelaoqueconseguemdelimitar.
Quandoavaliamoscommaiorcuidadoocontextoatual,ofuncionamentodesses
casais e a subjetividade de cada um, podemos perceber que as dimenses do
relacionamento que essas pessoas conseguem identificar trazem, subjacentes, vrias
outras questes que envolvem dilemas de gnero, diferentes expectativas frente ao
casamento e/ou, refletem ainda, o peso das transies sociais vividas na
contemporaneidade. Problemas como falta de tempo para o relacionamento,
exacerbaodaindividualidadeedaefemeridade,problemasfinanceiros,dificuldadena
vivncia demltiplas funes e papis, entre outras, esto estreitamente relacionados
aosdilemaspresentesnainteraoentreomundodotrabalhoeomundodafamlia.
Muitas vezes as pessoas que recorrem a profissionais da psicologia fazem
perguntasparecidascomasdos/asalunos/aseestudiosos/as:qualolugar,aimportncia
docasamentona vidadeumapessoa?Como terumcasamentobemsucedido?Como
lidarcomaspessoasqueprocuramajudaparaseusrelacionamentos?
Fragmentos do cotidiano, da trajetria de vida pessoal, da clnica conjugal e
familiar das discusses com alunos e alunas da graduao e da psgraduao do
estudo e pesquisa sobre os casamentos constituem vrias fontes de experincias e
informao. Tudo isso faz parte de um percurso pessoal que possibilitou o
desenvolvimento de conhecimentos e de problematizaes sobre vrios aspectos dos
casamentos.
Mais do que respostas, este processo proporcionou a consolidao de nosso
-
8
interesseecuriosidadeemexploraressetematoantigoeaindatonovojque,apesar
da quantidade de material cientfico, artstico, jornalstico e leigo produzido sobre o
casamento,avivnciasatisfatriaesaudvelderelacionamentosconjugaisefamiliares
permanece um desafio. E os dois foram felizes para sempre... no algo de todo
impossvel,mascertamentesetornouumdesafionummundoemdescontrole(Giddens,
1991), em constante transformao das mltiplas identidades pessoais e sociais. O
casamentoumprocessocomplexo,dinmico, construdocomelementosdenatureza
diversaequeincluidesdeasubjetividadedeparceiros,ahistriafamiliardecadaum,o
aparatobiolgico,afatoreshistricos,econmicos,culturaisesociais.
Estetrabalhopretendecontribuirparaaampliaodoentendimentodasatisfao
nocasamento, emespecial noscasamentosdeduplotrabalho, colocandoocomouma
construo alm da dimenso intrapsquica extrapolando as fronteiras do que
entendido como psicologia clnica. O trabalho enseja ainda um convite para um
debatepolticoqueabraespaoparaadiscussodasdemandasvelhasenovascomas
quaisaspessoasqueserelacionamsedeparamnacontemporaneidade.Prope,portanto,
uma ampliao do olhar clnico, para incluir dimenses sociais que afetam e
redimensionam a experincia das pessoas, os casamentos e a construo do
conhecimentoemPsicologia.
-
9
RevisodaLiteratura
CaptuloI
PanoramadoCasamentoAtual
1.Umper ododetransformaes
Pessoas com problemas em seus relacionamentos conjugais so presenas
comunsnaclinicapsicolgica.Odesafiodevivenciareentenderocasamento,somado
crescentemudanadefunoesentidodomesmonasociedadeenavidadaspessoas,
temimplicadoemaumentodonmerodepessoasquebuscamajuda.BucherMaluschke
(2003)observou,emseutrabalhovoltadoterapiafamiliareconjugal,umcrescimento
tanto do atendimento psicolgico a casais e famlias como de servios de apoio e
aconselhamento. Apesar desse crescimento da demanda por servios, esforos no
sentidodeestudarofenmenoedesenvolverestratgiasdeatuaocondizentescomos
novos modelos conjugais e familiares no ocorrem na mesma velocidade. Bucher
Maluschke(2003)denunciaque,apesardosdadosestatsticosdequedispomossobreo
divrcioindicaremumasituaoquemereceateno,onmeroreduzidodepesquisas
sobrefamliasecasaisnoBrasilumfatoquemereceateno.
Para alm da clnica, em diversos contextos sociais, ouvimos com freqncia
pessoas falando sobre relacionamentos: ora reclamando de seus companheiros ou
companheiras ora apontando as dificuldades em conseguir estabelecer um vnculo
estvel. Mulheres que so profissionais bem sucedidas falam da dificuldade em
conseguir um parceiro. Homens denunciam a dificuldade em encontrar uma
companheira que atenda s suas expectativas. Homens e mulheres, paradoxalmente,
desejam uma parceria estvel e monogmica, mas, ao mesmo tempo, temem o
comprometimento da liberdade e da individualidade. Almejam um projeto de vida
-
10
comum,masavaliamapossibilidadedeestaremperdendooportunidadesquesurgiriam
caso estivessem sozinhos. Desejam o sentimento de amor, mas temem o fim desse
sentimento.
As unies formais diminuram progressivamente na dcada de 1990 dando
espaoparadiferentesarranjamentos,quenoocasamentotradicional,atapresentarem
umpequeno aumento em2004.O nmero de divrciose separaes, por outro lado,
aumentou durante muito tempo para s agora em 2004 apresentar uma discreta
diminuio. Entender e lidar com esses nmeros relativos a fenmenos relacionais
contemporneos tem configurado desafio para a sociedade e para pesquisadores e
clnicosinteressadosnosrelacionamentosinterpessoais.
As pessoas adultas, em sua maioria, ainda querem se casar. Seja utilizando
modelos tradicionais ou no de relacionamentos conjugais, o casamento ainda est
dentreosprincipaisobjetivosdaspessoasevistocomoumadimensofundamentalda
vidaadulta.O fatodasestruturasearranjosconjugaispassaremporplenamudanae,
muitasvezes,seremquestionados,parecenoestarafetandoodesejodaspessoasdese
envolverememrelacionamentosconjugaisestveis.Estudiosostmencontrado,emsuas
pesquisas, que homens emulheres procuram edesejam, emalgummomentoda vida,
estabelecer um relacionamento conjugal estvel e formar uma famlia com filhos
(Perlin, 2001 Jablonski, 2003 FresCarneiro, 2001, RochaCoutinho, 2000 entre
outros).Emaisaspessoasestomotivadasparaconstruirumarelaodequalidade
(Perlin, 2001). Como explicar, ento, o aumento significativo das separaes, a
diminuiodoscasamentosformaiseasqueixasacercadafalnciadocasamentoeda
famliadivulgadaspelamdia,ouvidasnosconsultrioseobservadasnaculturapopular
daltimadcada?
Os dados de registro civil do Censo de 2000 (IBGE, 2003) mostraram
-
11
importantediminuiodonumerodecasamentoseaumentosignificativodonumerode
divrcios.ParaJablonski(2001)oaumentosignificativononmerodedivrciospode
denunciarumainsatisfaocomocasamentoou,aomenos,queomesmovempassando
pormomentosdesafiadores.Oautoratentaparaofatointrigantedeque,mesmodiante
desse quadro, amaioria das pessoas pretende ou deseja se casar aomenos uma vez.
RochaCoutinho (2000) encontrou resultados similares em sua pesquisa acerca das
identidades masculinas e femininas na contemporaneidade. A maioria dos homens e
mulheresdeseuestudoafirmouodesejodeencontrar,emalgummomentodavida,uma
parceriaparaconstituirumafamlia.
Os dados do Registro Civil de 2004 (IBGE, 2005) mostraram que, depois de
2001, houve umdiscreto,mas crescente, aumentodo nmerode casamentos formais.
Representandoomaiornmerodecasamentosdesde1994,oaumentoem2004foide
7,7%.
-
12
De acordo com o IBGE, esse aumento possui como principal justificativa as
parceriasjurdicaspararealizaodecasamentoscoletivos,oquefacilitaaformalizao
para pessoas que no querem ou no podem pagar uma cerimnia individual. Outro
dadonoslevaarelativizaressainterpretaoumadiminuiononmerodedivrcios
eseparaes.Depoisdeumlongoperododecrescimentodesde1994at2003em
2004onmerodeseparaescaiu7,4%,seguidopelaquedadonmerodedivrciosem
3,2%.
Estaramosdiantedeumaresignificaodocasamento?Adcadade90parece,
deacordocomosdados, tersidomarcadaporumdescrditonocasamentoformalat
1999e2000,ondevemosumcrescimentoimportantee intrigantedessetipodeunio.
-
13
Umaexplicaopossvel a atribuiodoano2000comooanoapocalptico,ondeo
mundo teria fim. Isso pode ter implicado em aumento to significativo donmerode
casamentosformaisnesseprodo.Depoisdeverqueomundonoacabouosnmeros
voltamacairem2001,eapartirda,processualmenteessenmerovemaumentando.
Osdadoseaspesquisasnoslevamahipotetizarumquadroparadoxal:aspessoas
queremconstruirrelacionamentosduradourosaomesmotempoemquenoconseguem.
O aumento durante 4 anos consecutivos do nmero de casamentos acompanhado da
manutenodoaumentodonmerodedivrciosjqueoaumentode3.2%aindano
nosapontaumamudanasignificativaemrelaoaessavarivelpodedenunciaresse
dilema.Ovelhoditopopularcasamento:quemestdentroquersairequemestfora
quer entrar, parece encontrar na atualidade sua realizao emprica. Talvez o que
estejamos vivenciando agora seja uma poca em que as pessoas desejam construir
relacionamentos estveis, mas encontram dificuldades e/ou no conseguem dar
continuidade ao seu projeto. Fica ento o desafio de entendermos esse contexto de
transioentreocasamentodeanteseodeagora.
Aquestodoquevelhoedoquenovoentraemnossadiscussoemtempo
apropriado.Issoporque,aolongodopresentetrabalho,discutiremosqueumdospontos
problemticos do casamento atual a incorporao da idia do transicional que
aparece como uma caracterstica fundamental da sociedade contempornea. O
casamento ou o relacionamento conjugal estvel talvez no esteja em processo de
extino,massimvempassandopormudanasprofundasemsuaforma,significadoe
funo na sociedade. Isso explicaria a variao dos nmeros e uma tendncia a uma
espciederetornodocasamentoformaleestabilizaododivrcio.Issonoimplicaem
acreditaremumaretornoaosmodelospassadose tradicionaisdecasamento,masuma
reformulao do casamento. As pessoas viveram uma crise com o casamento nos
-
14
moldescomoelesecolocava.Agoratmapossibilidadedereconstruloeresignificlo
Nesse contexto, homens e mulheres, com diferentes configuraes sexuais e
identitrias, esto procurando aprender e desenvolver estratgias para se engajar ou
manter um relacionamento conjugal estvel e de qualidade. Os modelos que eram
vigentes at algumas dcadas passadas apresentamse problemticos hoje. Isso no
significaquesejamtotalmentedescartados:aspessoaseasociedadeestodiantedeuma
grandequantidadedepossibilidadesdecombinaesesobreposiesdevriosmodelos
gerandoumvastoconjuntodearranjosentreoquevelhoeoquenovo.
Aidiadevelhoenovoprocura,nessetrabalho,serentendidadeacordocoma
concepodeAnthonyGiddens(1991).Apesardeoautornoutilizaressestermos,aqui
elespodemservircomofacilitadoresdacomunicaonamedidaemquepermitemque
identifiquemosalgumascaractersticasespecficasdemudanaasquaisnosinteressam
analisar de forma simples. Zordan, Falcke eWagner (2003) tambmutilizaram esses
termosparasereferiremaesseprocessodepassagemtocomplexo(Zordan,Falckee
Wagner,2003,p.63).ParaGiddens (1991)aindanochegamosnapsmodernidade,
mas sim emumpossvelmovimento dedesfechodamodernidade,ou radicalizao e
universalizao dela, onde componentes tradicionais vinculados modernidade
convivemcomoqueGiddenschamadecontornosdeumaordemnovaediferente,que
psmodernamas que no chega a ser a psmodernidade (Giddens, 1991, p.13.).
Assimamodernidade,deformageral,omovimentosocialamploqueseoriginouna
EuropaapartirdosculoXVIIeespalhousepelomundoinfluenciandoo.
Para Vaitsman (1994) a famlia moderna vinculase industrializao e
marcada pela diviso sexual do trabalho, um ncleo familiar composto por paime
filhos/aseadicotomiaentrepapisinstrumentaiseexpressivosdeacordocomognero.
AautoraavaliaquenovasformasdefamliaederelaesvmcrescendonoBrasilh
-
15
aproximadamente trs dcadas, principalmente na classe mdia, implicando na
inexistnciadeummodelodominante.
Fenmenos ou comportamentos sociais considerados desviantes ou at
impossveishalgumasdezenasdedcadasestohojedesafiandoasrelaessociaise
osmecanismos/estruturasdeacompanhamentodasmesmas.ocaso,porexemplo,das
mulheres maduras climatricas que hoje esto em busca de relacionamentos afetivo
sexuaissatisfatrios,aexistnciadeumpassadosexualdasmulheresprcasamento,o
estilorelacional ficar,osrecasamentoseoscasamentoshomossexuais.
Mulheresclimatricas,halgumasdcadas,ouestavamcasadas,oueramvivas
ouentoestavamsolteirassemparceirosecuidavamdealgummembrodafamliaas
conhecidastiassolteironas.
Afigura damulherqueficouparatitiaridicularizadapelasociedade,j
que sua condio de solteirona no vista como uma escolha, mas sim
comoumarejeio.Elanoconseguiuserselecionadaparaaquiloquefoi
determinadocomoseuprincipalpapel:ocasamento(Vasconcelos,2002,p.
207).
Apermissolegalesocialparaodivrcioapossibilidadedeescolhaporviver
sozinha que a entrada no mercado de trabalho traz e a liberdade para viver
relacionamentos afetivosexuais independente de preocupaes com amaternidadeou
com estabilidade relacional so alguns dos fatoresque esto levando asmulheres em
perodoclimatricoaprocuraremsatisfaosexualeafetivaemnovosrelacionamentos,
rompendo commitos e tabusque cercavam e infelizmente ainda cercam amulher
dessaidade(DinizeCoelho,2003CoelhoeDiniz,2003).
Outra questo nova, discutida profundamente porGiddens (1993), o fato de
quenasltimasdcadasoshomenstmsedeparadocominformaessobreasmulheres
que durante sculos no existiram: o passado sexual damulher. Quando a sociedade
-
16
passouaexigiravirgindadefemininaevinculourigidamenteasexualidadefemininaao
casamento,asmulheresspodiamvivenciarsuasexualidadeapartirdocasamentocom
seusmaridos.Asquefugiamdessanormapagavamumpreomuitasvezesalto.
Atualmente as mulheres, em sua maioria, quando se envolvem em um
relacionamentoamorosojpossuemalgumaexperinciasexualprvia.Asrepercusses
dessa informao so vivenciadas de formas conflitantes por muitos homens.
Dependendodaclasse,donveleducacional,daraa,daetnia,daculturaedomomento
sciohistrico, a experincia sexual prvia de uma mulher pode desencadear
comportamentos distintos seja uma menor motivao para estabelecer um
relacionamento estvel, seja a desvalorizao damulher podendo chegar at a uma
situaodeviolncia.Vriosfatorespodemexplicaressescomportamentosmasculinos.
Um deles o receio de ter o seu desempenho sexual comparado com o de outros
homens. Outro a adeso rgida por parte do homem amodelos e papis de gnero
estereotipados.
Averdadeque,mesmoquedeformaprocessualeaindaemcurso,asmulheres
conquistaramapossibilidadede igualdadedaprticasexual e isso implicaem ajustes
para os homens com quem se relacionam. Diehl (2002) tambm examina essa
problemticaeconsideraqueohomemdehojesesenteinseguroanteoposicionamento
femininodeindependnciaemocionalefinanceiraquerefletenaimagemdesegurana
que a mulher tem passado. Essa imagem, somada exigncia do bom desempenho
sexual e a diviso de poder, frequentemente, esto fazendo com que ele perca o
interesse sexual e emmuitos casos, a ereo (p. 147). Para o autor, as dificuldades
sexuaismasculinas aumentaram consideravelmente diante da presso sofridaparaque
tenhamumdesempenhosexualsatisfatrioediantedomedodefalhar.Ficaumadvida
provocadora:asdificuldadespodemtercomeadoagora,maspodemtambmrefletiro
-
17
fato de que antes elas no podiam ser detectadas pela falta de experincia sexual
feminina e pelo tabu em discutir esse assunto, seja no contexto da relao ou no
contextosocial.
Outrofenmenorelacionalcontemporneoquemereceatenooquetemsido
denominado pela cultura popular de ficar ou seja, os relacionamentos sexuais
afetivos temporrios. Este estilo relacional, devido sua estrutura e organizao, era
algoinadmissvelhalgumtempoatrs,sejapeladuplamoralrelacionadavirgindade
nas mulheres, seja pela instabilidade e indefinio relacional envolvidas. A literatura
apontaqueparaosadolescentes,queestoemfasedeconstruodeidentidadeepara
talpassampordiversasexperinciasbuscandoseconhecereconhecerooutro,o ficar
se apresenta como uma forma de preparao para um compromisso maior que o
namoro,quepodechegar a um casamento (Bonamigoe cols.,1995).De acordo com
uma pesquisa sobre o tema ficar realizada por Bonamigo e cols. (1995) com
adolescentes, os relacionamentos sexuais passageiros esto ligados principalmente
influncia que o grupo de iguais exerce na escolha dos parceiros, que envolve a
superficialidade dos sentimentos, o contato puramente corporal, semmuita conversa,
dentre outras caractersticas. O chamado grupo de iguais, no qual o adolescente se
insere, vai incentivar o nmero de relacionamentos passageiros e os prprios
adolescentes participantes desta pesquisa dizem que no esto prontos para um
relacionamento mais duradouro, que demanda maior responsabilidade, compromisso
comooutroecrescimentomtuo.Masparaoadulto,oficarpodeestar relacionado
falta de compromisso numa relao amorosa ou tambm ao perodo transitrio entre
relacionamentoefmeroeestvel.
Empesquisa sobreo fenmeno do ficar, Perlin eAndrade (2003) constataram
que os participantes de ambos os sexos se reportam possibilidade das pessoas
-
18
adotarem um relacionamento que satisfaa, mesmo que momentaneamente, suas
necessidades sexuais e afetivas. O estudo levantou indicadores de que tal estilo
relacionalconfiguraalternativacontemporneaaotradicionalnamoro,emumarelao
aproximada que se verifica entre o morar junto concubinato e o casamento
tradicionalunio formal.Oestudosinaliza e problematiza dimenses como abaixa
tolernciafrustrao,instrumentalizaodosexoecomportamentoafetivoconsumista
como fatores relevantes nos relacionamentosatuais.Aausnciadaobrigatoriedadedo
compromisso e do envolvimento afetivo foi apontada tanto como aspecto positivo
quantonegativonoestilorelacionalficar,reafirmandoaperspectivaparadoxaldoque
aspessoasdesejamemseusrelacionamentos.
Comapossibilidadededissoluodovnculoconjugal,comamaiorfacilidade
em terminar relacionamentos amorosos e comear outros, aumento importante da
expectativadevida,maiorliberdadesexual(desvinculadadocasamento),entreoutros,
os recasamentos crescem e deixam de ser excees. Com eles vm as famlias
reconstitudas, onde filhos de diferentes casamentos vivem juntos (Jablonski, 2003),
ondenovasconjugalidadessoconstrudasapartirdeexperinciasanteriores,ondeas
pessoasdoasimesmasumanovachancedeexperienciarumcasamentofeliz.
Para Bernstein (2002) quem j foi casado traz mais experincias sobre
relacionamentos, sobre coabitao, sobre conviver com as diferenas. Por outro lado,
provavelmente iro compararoparceiro atual como anterior.Nopodemos avaliar a
medida em que uma experincia anterior de casamento positiva para o casamento
conseqente, mas ela pode ser ummodelo ou parmetro de onde se pode tirar ricas
lies.
Tantas mudanas e comportamentos diferentes impactam na vida das pessoas
quesevemanteanecessidadedeconstantesrevisesdeseusmodelosesignificados
-
19
domundo.Esseprocessode transio implicaemvivnciascontraditriasdemodelos
passados e emergentes, o que pode gerar conflitos e desafios para as pessoas,
principalmentenombitodosrelacionamentos.
2.Casamento:diferentesmomentosediferentesfunes
Para a continuidade da discusso importante entendermosque o casamento
passou por um processo de desenvolvimento durante a histria da humanidade. Nos
primrdiosdasorganizaescomunitriashumanasnosembriesdassociedadesas
estruturas relacionais eram bem diferentes. Tratavase de arranjos sociais onde as
pessoas viviam de acordo com uma diviso sexual dos papis e funes que no
implicava em diviso desigual de poder e nem em diferente valorizao do trabalho.
Pinsky (1988) coloca que na primeira organizao social (considerando organizao
socialhumanaaquelaqueexistiuapartirdodesenvolvimentodalinguagem)aestrutura
era baseada na atividade de caa e coleta. Assim, devido s determinaes sexuais
biolgicas principalmente relacionadas reproduo as mulheres cuidavam do
ambientedomsticoprimitivo,incluindoosfilhoseacoletadefrutoseverduras,eos
homenscuidavamdacaaeconquistadeoutrosespaosecomunidades.
Aindanosesabiadaligaodosexocomareproduo,oquetransformavao
sexo em uma experincia livre e prazerosa. As crianas eram criadas para dar
continuidade comunidade,oque implicava emque construes comopaternidade e
maternidadenoexistissemoufossemtodiferentesapontodemereceremoutronome.
Nohaviaaobrigatoriedadeounecessidadedeformaodeparesconjugais,sendoque
essesexistiamcomoparescomafinidades,baseadosemuniona foradetrabalhoou
afinidadessexuais.Nohaviaanoodeexclusividadesexualentreospares.Duranteo
processo de evoluo dessas comunidades para a atividade de criao e agricultura,
-
20
situase a construo da noo embrionria de propriedade privada, sendo apontada
como uma espcie demarco da apropriao damulher e das crianas pelos homens
(Engels,2000).
Percorrendo os caminhos histricos do casamento ocidental, Munhz (1996)
identificou suas razes nos princpios morais da doutrina judaicocrist. Segundo a
autora, a Bblia apresenta claramente omovimento da formalizao do vnculo entre
homememulhereasregrasqueforamsesomandodeacordocomaconveninciadas
transformaessociais.Numprimeiromomento,o casamento no era visto comoum
sacramento,passandoa slocoma integraodocostumedasbodasqueeramento
assumidaspelafamliadonoivo.Aseguirforamseincorporandoregrasedeverespara
os cnjuges e familiares: entre elas estava a indissolubilidade do casamento e a
proibiodeadultrio.
medida que a igrejacatlica tornouse forte o casamento foi adaptadopara
cumprir as exigncias da mesma. As regras so claramente identificveis com os
interessespolticoseeconmicosvigentes.Ocasodaindissolubilidadeedoadultrio
numa anlise rpida, mas consistente um claro exemplo da tentativa poltica de
concentrar terras,poderebens nasmosde famlias seletas.Dividir terraseradividir
poderedividirpodereraenfraquecerpoliticamenteaclassedominante.Deacordocom
Munhz(1996)oprocessodesecularizaodocasamentoquedesvinculaacerimnia
religiosadoatocivilatendeuanecessidadespolticascomopropulsorasdemudanas
normativas. A necessidade de desvinculao do casamento civil da Igreja Crist
comeou apartir da chegada de imigrantescomoutras religies, imigrantes estes que
queriamcasarselegalmente.ParamanterestesimigrantesnoPasjqueerammode
obra mais barata para as colheitas e o trabalho na agricultura a lei teve que ser
ajustada.
-
21
Giddens(1993)tambmapontaqueocasamentotevesuafinalidademodificada
no decorrer dos tempos. Na Europa prmoderna, a maior parte dos casamentos era
contradasobreoalicercedasituaoeconmica.Entreospobres,ocasamentoeraum
meio de organizar o trabalho agrrio. Entre os ricos, era uma forma de preservar a
purezadosangueeasriquezasdafamlia.EmmeadosdosculoXVIIIa idiadeum
amorromnticocomeouaganharespaonocontextosocial.
Umadascaractersticastpicasdoamordestesculoacrenanomitodaalma
gmea, o amor esfrico e totalizante falado por Plato, que relacionava o vnculo
amoroso fbula potica da diviso do ser humano um ser andrgino em duas
metades, homem emulher, que tendem, no amor, a se unirem novamente.Estemito
encontrounos ideais romnticoso seuespaoprimordial.Saiudaspginasdo livroO
Banquete,parasetornarumdosmaisfortesclichseacaractersticaprimordialdoamor
romnticoquesobreviveuatosdiasatuais.Notexto,ofilsofogregorelataarebelio
dosseresprimordiais,osandrginosseresredondosmetadehomem,metademulher
que queriam usurpar o poder de Zeus. Ao se ver ameaada, a divindade partiu os
andrginos ao meio como castigo e, desta forma, eles foram condenados a vagar
eternamentepelomundoembuscadasuaoutrametade,anicaquepoderiarefazero
encaixe.Emboranosejaprecisaainformaosobreasorigensdessaperspectivasobre
o textoplatnicoparacunharaexpressoalma gmea, averdadequeacrenade
queparacadapessoaexisteumacarametadepredestinada,aexpectativadeumaunio
escritanasestrelas,permeiaoimaginrioamorosoocidental.
A idia de um lado que foi separado tambm est relacionada funo
complementarvinculadaaossexoseaosgneros.Ocncavoeoconvexo,ofrgileo
forte,o yin e yang, o emocional e o racional, so exemplos da dicotomia utilizada
-
22
para definir homens e mulheres. O que normalmente veiculado a idia de que a
junodessaspartesseriaocaminhoparaoequilbrio.
Vinculada ao desejo de fuso com o parceiro est a idia de renncia
autonomia pessoal, pois o amor romntico marcado por idias oumitos de juno,
exigncia de exclusividade, to acentuadas, que excluem todo e qualquer vnculo,
mesmopassageiro,dequalquerdosapaixonadosporumaterceirapessoa(Costa,1998).
Oeueoelessosubstitudospelonsenomundodasimbioseromnticaocasal
ocentro.Essaperspectivamuitasvezeslevaoscnjugesaconstruremmudosirreais,
ouinterpretaesequivocadasdooutroedarelao,jquepodeocorrerumaexigncia
dequeavidaprcasalsejaesquecidaoutenhasuaimportnciaminimizada.
Os casais tendem a esquecer que possuem histrias de vida e experincias
anterioresimportantesenecessriaseque,almdisso,possuemumaidentidadealmdo
casal.Assim,sonegligenciadoseouvistoscomoameaassimbioseosoutrosdesejos
pessoais, os interesses por demais pessoas, o convvio com terceiros, entre outras
experinciassociaisouindividuaisquesopercebidascomoameaaaoamordocasal
(Barros,2004).
A partir da disseminao dos ideais romnticos as condies econmicas
deixaram de ser as nicas razes para determinar o vinculo conjugal e a afetividade
ganhoulugarimportante,fazendodolarumespaodeapoioemocional.Ocasalfoiaos
poucoslibertandosedasrelaessociaisefamiliaresmaisamplasecentrandoseem
simesmo.Especulaesacercadopapeldecisivodaincorporaodosideaisromnticos
nos casamentos apontam paramotivaes polticoeconmicas. A fim de organizar a
sociedade, sexo, interesses e/ou necessidades econmicas, reproduo e amor foram
alocados emumamesma instituio: o casamento. Paramanter essa estrutura, vrios
mecanismosdecontrolesocialforamcriados.
-
23
DeacordocomGiddens(1993)aconcepodoamorcomoalgoeterno,dirigido
a um indivduonico e insubstituvel, fez do casamento uma espcie de promessa de
infinitude.Paraisso,asexualidadefemininaficouaindamaisconfinadaaocasamentoe,
conseqentemente, a distino entre as mulheres respeitveis e imaculadas e as
impurasfoimantidacomoumaspectocentraldasexualidadeoitocentista.Amulher
apreciadaeravirginaleacanhada,apontaRicotta(2002,p.121).Adivisodotrabalho,
na qual ao marido cabia a manuteno financeira da famlia e mulher o trabalho
domsticotambmfoipreservada.
Foucault (1988) argumenta que a sociedade burguesa iniciou uma poca de
represso sexual, no como uma proibio direta, mas atravs da instaurao de
discursos sobre o sexo que traduziamuma verdade reguladora sobre a sexualidade.
Qualquer conduta sexual fora dos sagrados laos do matrimnio sexualidade das
crianas, homossexuais, perverses, devaneios, obsesses, etc. eram consideradas
contraanatureza.Oslibertinoscarregavamoestigmadaloucuramoral,neurosegenital,
desequilbrio psicolgico. O sexo lcito era restrito ao casamento e romper com esta
regrasignificavaacondenaomoralejurdica.
claro que a condenao duplamoral recaa principalmente sobre as
mulheres.OamorromnticonaconcepodeGiddens(1993)eratipicamentefeminino.
A mulher era responsvel por amansar e suavizar a masculinidade supostamente
intratvel do seu objeto amado, possibilitando que a afeio mtua transformese na
principaldiretrizdesuasvidasjuntos(p57.).Ohomemsemantinhaindiferenteatque
amulherconquistasseoseucoraoesubstitusseoseuantagonismopordevooPara
oshomens,oapaixonarse significavaoacessomulhercuja virtudeera resguardada
atocasamento.Oamorromnticoeradesvinculadodaintimidade,porisso,oshomens
erammestres das artes da seduo e conquista,mas no das questes de intimidade.
-
24
Cabia mulher, objeto de seus interesses afetivos, ensinlos sobre a intimidadedas
almas porque segundo Dias (2002), o amor romntico pressupe uma sensao de
completude, onde o outro conhecido por uma espcie de sentido intuitivo, que
pressupeumacertafuso.
Na cultura burguesa europia dos sculos XVIII e XIX, o perodo do
romantismo, a posio da mulher era de total conformismo ao discurso social que
definiaas funes, atitudese restriesadequadasao sexo feminino.A feminilidade
foi construda principalmente pelos discursos de homens, os nicos aos quais as
convenes da poca permitiam a liberdadede expressoe criao.Afinal, no era
convenienteenempermitidosmulheresescreveremlivrose,asqueofizeram,foram
obrigadasaassinlossobpseudnimomasculino.Podesedizer,deacordocomKehl
(1998)queamulherdestesculofoiinventadapeloshomens.Afeminilidadeeravista
como uma srie de prescries pertinentes a todas as mulheres de acordo com as
caractersticasdo seu sexo, suapossibilidadedeprocriao, suaaparente fragilidade
fsica.Apartirdestaspremissas,onicolugarsocialevocacionalcreditadocomoo
destino de toda mulher era a famlia, o espao domstico e a maternidade. Como
obrigaesevirtudesinerentesaosexofemininoincluamse:acolhimentopassivoaos
desejos sexuais e necessidades do seu cnjuge cuidados com os filhos, recato e
docilidade(Kehl,1998).
O historiador Gay (1990) relata que o casamento era um empreendimento
econmicofinanceiro bemsucedido. Os casamentos por amor e, por outro lado, a
busca do amor e da felicidade atravs do casamento, eram exigncias comuns na
segundametadedosculoXIX.Paraexplicarporqueocasamentoporamorfoialvo
de tantascrticasporpartedosconservadoresquepassarama se insurgir contraele,
Gay(1990)comentaque,paraosmoralistasconservadoresecrticosdapoca,oamor
-
25
eraumaarmarevolucionriaesubversivaqueapoiavaomovimentopelaemancipao
damulher.
Areivindicaodadcadade1860porumcasamentopautadosomentepela
liberdadedaescolhaamorosa,aocontrriodoscasamentosarranjadospelosinteresses
familiares, significava para estes um esteio da plataforma feminista (Gay, 1990,
p.105).Poroutrolado,aoassociarcasamentoamorsexo,asociedadeconseguiafazer
valersuavontade, incorporandoumdesejoouidealfeminino,antesquea instituio
casamentofosseameaada portalconstruo.
Aassociaoentreocasamentoeoamornoalgotoestranhoassimaose
considerar que, para a mulher oitocentista, se o amor no ocupava toda a sua
existncia,ocasamentosim.Paraela,serfeliznocasamentoeraanicaformadeser
feliz na vida. No era apenas uma das formas, como para o homem,mas a nica.
Nessapoca,deacordocomHans(1991)ocasamentoeraamelhor senoanica
formadeamulhermelhorardevidaeclassesocial.
Convivendo com resqucios oriundos do modelo de casamento do amor
romntico e afetado pelos arranjos econmicos e polticos, o casamento continua
passandoportransformaessegundoasnecessidadesdassociedades.Deacordocom
Jablonski (2003) e com nossa reviso de literatura, o amor como conhecido pelo
iderio ocidental uma herana da Europa burguesa dos sculos XVII e XVIII o
perodo romntico.Mas a efemeridade do amor e dos casamentos do sculoXXI, os
papisefunesatribudosahomensemulheres,apossibilidadederealizaopessoale
profissional da mulher, formas de exerccio da sexualidade, os vrios modelos de
conjugalidade, entre eles os casamentos de duplotrabalho, entre outras, so
caractersticas incompatveis com a idia de que as pessoas, um dia, encontraro um
prncipeouprincesaencantadosqueascompletartotalmenteeparasempre,esquais
-
26
eleseelasdeverodedicartodasuavida.
3. Casaramse e foram (in) felizes para sempre ou que seja eterno
enquantodure?
Dentreasdiversaspossibilidadesdemodelosconjugaisediantedaspolmicase
discusses na rea dos relacionamentos estveis est a problematizao acercade sua
durabilidade.Taldiscussorelativamenterecente,jqueatalgumasdcadasatrs,os
casamentos dificilmente eram desfeitos, e as referncias para avaliar a satisfao no
casamentoerammuitodiferentes.Ofatoqueadurabilidadedeumcasamento,maisdo
que nunca, configura uma discusso contempornea e interessante. Casais de toda a
parte vivem o desafio de desejar um relacionamento duradouro e, paradoxalmente,
receberemmensagenscontraditriasdasociedadeedesiprpriosacercadaefemeridade
dasrelaes.
Alguns estudiosos brasileiros como Bernardo Jablonski, Jlia Bucher
Maluschke, Glucia Diniz, Terezinha FresCarneiro, entre outros, e internacionais
como Anthony Giddens, Peggy Papp, Maurizio Andolfi, tm sinalizado e discutido
sobre as retroinfluencias estabelecidas entre a dinmica social contempornea e a
dinmica relacional conjugal. Para esses autores algumas caractersticas presentes na
cultura ocidental entrem em choque com valores que at pouco tempo regiam os
costumesfamiliareserelacionais.
Aordemsocialatualjaclamadaporalgunscomopsmoderna(Schnitman,
1996Vaitsman,1994)oucommenorentusiasmocomoamodernidadetardia(Matos,
2000) tem apresentadouma grande contradio ao lidar como tema. Istoporque o
estilo de vida contemporneo apresenta um conjunto de caractersticas paradoxais
quando confrontadas com os ideais dos relacionamentos estveis e da instituio
-
27
casamentotradicional.
BucherMaluschke (2003) observa que atualmente os casais lidam com a
concomitncia de trs dimenses socioculturais de modelos conjugais/familiares: a
tradicional, a moderna e a psmoderna. So dimenses ligadas a trs momentos
histricos,comsuasnormasinerentese seuscontextos,experienciadosemummesmo
perodo,oquemuitasvezeslevaavivnciascontraditrias.
Porumlado,aspessoassofrempressoparamanteremvaloresepadresmorais
tradicionais,comoapressoparacasaremeteremfilhos,assimcomoparavalorizarem
omeiofamiliarcomoolcusrealizadordetodasasexpectativasemocionaisepessoais.
Sofremaindapressoparaadoodemodelosrgidosdesexualidadeededivisorgida
de papis e funes na famlia de acordo com o sexo. Por outro lado, encontramse
pressionados a adequaremse s transformaes nas tendncias sociais, como:
multiplicidadedospapisexigidosnomercadodetrabalho,valorizaodocrescimento
individual, da independncia financeira e da flexibilidade no exerccio dos papis de
gnero,almdoincentivovivnciaplenadasexualidade(Perlin,2001).
Apesardenamodernidadeocasamentotersidolcusdavidacomumeoponto
departidaparaaformaodafamlia,hoje,porexemplo,seencontranumestgioonde
asrelaessomarcadasporumaprofundamentodoindividualismo.Aticainerenteao
individualismo estimula a instabilidade do relacionamento ntimo e leva a constantes
reformulaes dos projetos conjugais. A possibilidade de um relacionamento estvel
fica assim marcada por uma necessidade de aceitao da heterogeneidade, da
descontinuidadeedaefemeridadedasrelaes(Munhz,1996).
EmperspectivasimilarTerezinhaFresCarneiro(1998)chamaatenoparaas
tenses e paradoxos que afetam a qualidade e a durabilidade dos casamentos
contemporneos.Umadessaszonasdetensesrevelasenoembateentreideaisdoamor
-
28
romnticoeasexpectativasdequeorelacionamentosejasatisfatrioparaambos.Um
dosparadoxosresidenofatodevivermosnumasociedadeextremamenteindividualista,
quevalorizaepromoveoeu,masqueaomesmotempotemnosucessoconjugaluma
dasfontesderealizaopessoalesocial(FresCarneiro,1998).Essaltimaquesto
especialmentesignificativaparaoscasaisdeduplotrabalho.Essescasaisvivemdilemas
aolidaremcomdoiscontextosquevalorizamdimensesopostas.Enquantoomundodo
trabalho valoriza a individualidade e a competitividade, o mundo da famlia e do
relacionamentose baseiaemideaisdesolidariedadeecompartilhamento(Diniz,1999).
SegundoVaitsman(1995)osmodelosantigosdecasamentoformadospelopai
provedorfinanceiroeamedonadecasa,unidosatqueamorteossepare1emuma
cerimnia legal e religiosa, ficou esquecido em algum lugar do passado2. Se no
perodoromnticoestaeraanicaformaaceitveldeoficializarumvnculoamoroso,
hoje o casamento tornouse apenas mais uma etapa que pode ocorrer ou no em
qualquermomentodarelaoenomaisconsideradaanicaformadeevidenciara
estabilidadedeumaunioconjugal.
Sehalgumasdcadasatrsocasamentotraziaalgumagarantiadeseguranae
estabilidade, atualmente essas caractersticas so provisrias ou at mesmo falsas.
Singly(1993)enfatizaqueocasamentodeixoudeserumaproteoinstitucionalparao
vnculo amoroso, pois o perodo contemporneo traz, como um dos seus traos
predominantes, uma grande nfase no individualismo e na autonomia que cobe
qualquer tendncia dependncia simblica oumaterial dos valores e exigncias das
famliasdeorigemoude instituies religiosas.Desta formacriouseumacisoentre
vidaconjugalecasamento.Duaspessoaspodemviver juntassemsecasaremporquea
1Grifonosso2Grifonosso
-
29
relao no segue uma lgica institucional, mas sim, afetiva.Tanto o amor quanto a
satisfaoindividualnarelaotornaramseparmetrosdavivnciaadois.
Para Kaufmann (1995 apud DIAS, 2000) o que define o que um casal
atualmentepassaporvriasmodalidadespossveis.Ocasamentoapenasnodefinemais
ocasal e a vidaemcomum, jquepartilhardeumamesmamoradia tambmnoa
nicaformadedefinilo.Afinal,algunscasaisseconsideramcasadosmesmomorando
emcasasseparadasoumorandonamesmacasa,masdormindoemcmodosdiferentes.
Podesedizerqueumcasalsedefinepor,principalmente,o laoafetivo,apartilhade
vivncias, a qualidade e a intensidade da relao, a felicidade e satisfao de seus
membros.DeacordocomSingly,
Amudanamais importanteresidenadesvalorizaodaidiadecasamento
comouma relao indissolvel.Na contemporaneidade, a durao do casal
notemvalor,seumdoscnjugesnocontinuaadaraooutroassatisfaes
esperadas(...).Avida conjugal deve seguir osmovimentos individuais. Isso
torna as relaes mais frgeis, na medida em que, o que as regula a
satisfaopessoaldeseusmembros.(...).Ocompromissonessasrelaeso
desustentarocrescimento eodesenvolvimento individual.Ocompromisso
nessas relaescondicional,arelaosemantmenquantoforprazerosa e
tilaosindivduos(Singly apudDias,2000,p.22).
Olaoconjugalrecebeadefiniodeseusmembroscombaseemseupercurso
histrico, sua bagagem emocional compartilhada. Por ser to privativo, individual e
dependente dos contratos simblicos, explcitos ou no, de cada um dos parceiros,
mais frgil e propenso a rupturas, divrcios, remanejamentos e redefinies. O
casamentodeixoudeservistocomoorepresentante institucionalesimblicodoque
um casal ou uma famlia na medida em que questes como as opes de casar ou
coabitar,divorciarouno, se tornaramquestespuramente individuais.SegundoDias
(2000) a possibilidade de decidir individualmente quanto ao tempo do vnculo
-
30
conjugalquerepresentaanovidadenocasamentocontemporneoenooaumentoda
nfasenosentimentoenaafetividade.Odescasamentoeorecasamentointroduzem
novosdesafiosparaos indivduoseparaa formaodosseus laos familiares (Dias,
2000,p.24).
Tais condies contemporneas, ao favorecerem a inexistncia deummodelo
nicoderelacionamento,possibilitamvriosarranjosconjugaisefamiliares,taiscomo
famlias compostas por recasados, divorciados, coabitantes, famlias monoparentais e
homossexuaisarranjosconsideradosimprprioshalgumtempoatrs.
Emcontextosemqueoindividualismoseexpandiueashierarquiasdegnero
foram abaladas, homens e mulheres, diante de situaes de vida instveis,
fragmentadas e que mudam a um ritmo acelerado, flexibilizam seus
comportamentos. Os discursos pretendendo normatizar de forma
universalizanteoscomportamentosafetivosexuaiseasprticasde famlia e
casamentonodesapareceram.Agora,porm,convivemcomoutrostiposde
discursos,muitomaisvoltadosparaopresenteequereconhecemosentidode
efemeridade e contextualidade das situaes individuais como um fato,
pragmaticamente(Vaitsman,1995,p.349).
Desdeosanos60ainstituiocasamentoeadistribuiorgidaehierarquizada
de diviso de papis segundo o sexo dos parceiros foram questionadas, criticadas e,
diante das insatisfaes resultantes, foram acompanhadas de vriasmudanas sociais.
Para Jablonski (1996) podese ressaltar um contexto histricosocial marcado por
eventos importantes quem impactaram no casamento atual. Como a instituio do
divrcio,omovimentofeministaesuasconseqncias,taiscomo,aentradadamulher
nomercadodetrabalho,casamentosmaistardios,diminuiodonmerodefilhoseum
crescenteaumentonoconflitogeradopelabuscadeigualdadededireitos.Aindadestaca
adesvalorizaodareligiocomoresponsvelpelamanutenodovnculomatrimonial,
na medida em que esta perdeu o seu poder como instituio reguladora. O avano
-
31
tecnolgico evidenciado pela criao e difuso da plula anticoncepcional, a Internet,
inovaeseletrodomsticasquediminuramotempogastoematividadesdentrodolare
disponibilizarammais tempo para tarefas fora do lar, o celular, TV a cabo, DVDs e
demais aparelhos eletrnicos que melhoraram ou dificultaram a comunicao e
interaodentrodolar.Porltimo,Jablonski(1996)citaoaumentodoindividualismoe
dalongevidadequetornousemsentidoafrasedojuramentomatrimonialdasltimas
dcadas atqueamorteossepare afinal,no soscasamentosno tmdurado
tantotempoassimcomoaexpectativadevidadosidososatualmentemuitomaiordo
que no passado. Apossibilidadedeboa qualidade de vida na velhice coopera para a
problematizao dos relacionamentos vividos e a busca por outros que tragam mais
realizao.
Empesquisa realizada com152 respondentes deumquestionrio aplicado em
indivduosdaclassemdiacarioca,sendo60homens(37casadose23separados)e92
mulheres (sendo 60 casadas e 32 separadas), Jablonski (2003) chegou a algumas
concluses importantes. Quando os homens foram perguntados sobre as questes
adversas resultantes da contemporaneidade e responsveis pelas causas da piora no
casamentoforamlevantadasrespostascomo:faltadetempodeambososcnjugespara
o lar, os filhos e a vida a dois devido dupla jornada de trabalho, estresse e
descompromisso nas relaes afetivas. As mulheres ressaltaram menor tolerncia s
frustraes, queixas e maior possibilidade de divorciaremse. Todos os argumentos
construdosemtornodeproblemticasjapontadasna literaturacomorelacionadasao
estilodevidacontemporneo.
Outrodesafioencontradopeloscasaisapossibilidadeefacilidadeemromper
o vinculo relacional.Essa possibilidade real relativamente atual.O posicionamento
conservador da sociedade do incio do sculo passado, sujeito a forte influencia da
-
32
Igreja,fezdocasamentoumainstituioindissolvelatporpreceitoconstitucional.A
possibilidade do desquite admitida pelo Cdigo Civil, em 1916, representa uma
tentativadecontornaraperpetuaode situaespraticamente insustentveisfrente
ordem jurdica. Como somente a morte de um dos cnjuges era considerada
possibilidadede dissolverocasamento,foicriadaapossibilidadedasociedadeconjugal
terminarpelodesquite,paraevitarrotulaescomobigamia,infidelidadeeadultrioa
quembuscavaoutrosvnculosafetivose/ousexuais.Oscnjugesprecisavam,nocaso
de uma separao consensual, esperar dois anos para efetivla perante a lei, no
configurandoo fimdo casamento,mas simo desquite.Nocasodeumdos cnjuges
discordar sobrea separao, adissoluonopoderia ser efetivadaa noserqueum
deles apresentasse alguns dos motivos expostos abaixo e conseguisse apresentar as
respectivasprovas.Nocasodamulherserjulgadaculpada,lheerasuprimidoodireitoa
receberpenso.Assim,conformeoCdigoCivilde1916(CdigoCivil,2005)
Art. 317. A ao de desquite s se pode fundar em algum dos seguintes
motivos:
I.Adultrio.
II.Tentativademorte.
III.Sevicia,ouinjuriagrave.
IV.Abandonovoluntriodolarconjugal,durantedoisanoscontnuos.
Art.318.Darsetambmodesquitepormtuoconsentimentodoscnjuges,
se forem casados por mais de dois anos, manifestado perante o juiz e
devidamentehomologado.
NoCdigoCivilde1977 (CdigoCivil, 2005),nachamadaLeidoDivrcio,
essa situao semodifica:mesmo semomtuoconsentimento a dissoluopode ser
efetivadaapsprviaseparaojudicialpormaisdetrsanosou,sedecorridooprazo
de cincoanos,da separaode fato.No casodo litgio comou sem culpa o ex
maridodevedarapensoalimentciaquandoaexesposanecessitardeajudafinanceira
-
33
parasobreviver.
Paraviabilizaraaprovaoda lei regulamentadoradodivrcio (CdigoCivil,
Lein6.515,de26/12/1977),algunsabrandamentossefizeramnecessrios.Restries,
limitaeseconcessesforamfeitasparaobterachancelalegislativa.Assim,aLeiem
suaversoprimeiraautorizavaopedidodedivrcioumanicavez.Somenteemuma
hiptese era possvel o chamado divrcio direto, e isso em carter emergencial. A
concesso do divrcio, portanto, estava condicionada ao atendimento cumulativo de
trs pressupostos: 1) estarem as partes separadas de fato h cinco anos 2) que esse
prazo estivesse implementado antes da data da alterao constitucional e 3) ser
comprovadaacausadaseparao.
Vrias mudanas foram feitas e a prpria justia, a depender da situao,
flexibilizouainterpretaodalei.ArevisodoCdigoCivilde2003(H.Diniz,2004)
diminuiuoprazododivrcioparadoisanosapsaseparaodefatoouumanodepois
da separao judicial. Outra norma nova o fim da proibio do divrcio antes do
trminodapartilhadosbens.Quempedeodivrcio semcomprovara culpadooutro
noperdeodireitopensoalimentcia.Asoutrasmudanasimportantesrelacionam
sea umnovo entendimento legalde famlia e casamento.Atualmente o casamento
considerado apenas uma das formas de constituir uma famlia e admitida a unio
conjugal estvel. Essas entre outras mudanas colocam constantemente os casais na
posio de reavaliarem o quo satisfatrio est o relacionamento, j que existe a
possibilidaderealdedissoluomuitofcildopontodevistaprticoelegal.
Alm da possibilidade legal da separao, a viabilidade econmica deve ser
levada em conta como fator viabilizador de uma nova postura em relao
dissolubilidade do casamento. H algumas dcadas atrs boa parte das mulheres era
dependentefinanceiramentedomarido.Aentradadamulhernomercadodetrabalhoe
-
34
sua crescente possibilidade de sobreviver financeiramente sem a ajuda do marido,
tambmpode ser apontadacomovarivel determinante no processode deciso entre
continuarounoemumcasamento.
Assim conclumos que a possibilidade de ruptura do vnculo conjugal est
associada a uma complexa e interligada rede de variveis que envolvem a nfase no
casamentomotivadoporquestesafetivas funcionalidadedocasamentoa nfase na
deciso individual sobre a durabilidade do relacionamento tempo do casamento a
nfase na possibilidade legal e moral da separao fragilidade do vnculo e fora
institucional nfase na independncia econmica da mulher e, por ltimo, a prpria
mudananapercepoerepresentaodoquesejaumrelacionamentosatisfatrioe/ou
bem sucedido percepo de satisfao no casamento. Em fim, tantas mudanas e
transformaes,refletemdiretamentenosrelacionamentosinterpessoaisdeformageral,
principalmentenoscasamentos.
4.Mutatismutandis3
Hconsenso entre pesquisadores e estudiososda rea sobreumdosprincipais
deflagradoresdasmudanasqueocorremnocasamentoaentradamaciademulheres
casadas no mercado de trabalho a partir do psguerra em especial. Tal fato gerou
transformaes nas relaes de gnero, no casamento, na famlia, na sade fsica e
mental e na sociedade em geral (Diniz, 1993 Perlin, 2001 Jablonski, 1996 Fres
Carneiro,1998RochaCoutinho,2000Wagner,2002).Esseprocesso,queteveinicio
haproximadamente50anos, continuahojemexendoprofundamentecomas relaes
sociais. Seus desdobramentos so vistos em diversos setores da vida: trabalho,
relacionamentosconjugais,poder,sexualidade,famlia,cidadania,mercadoconsumidor,
3Emlatim,comasdevidasalteraes
-
35
sade, educao, poltica, dentre outros. Ao ganhar relevncia social, tal fenmeno
ganhouespaotambmnaacademiae,hoje,vriasreasdoconhecimentoinvestemem
suacompreenso.
A discusso sobre a implicao do estilo de vida contemporneo na vida dos
casais, passa novamente pela questo novovelho.Omodelode casamento tido como
hegemnico nos ltimos temposo chamado casamento tradicional devido s suas
caractersticasmarcantes,umadelasarigidezemrelaosfunesepapisdehomens
emulheres,erafacilmenteidentificadoetambmdescrito.Nessescasamentosohomem
era responsvel pelo sustento financeiro da famlia e a mulher era responsvel pela
organizao domstica e o suporte afetivo. A idia da indissolubilidade do vnculo
conjugal eocontrolesobreasexualidadefeminina implicandoemumaduplamoral
sexual (Giddens,1993) tambmestavampresentes.Essemodelo retrataumapocana
qual, de forma geral, amulher estava satisfeita como casamentoquandopossua um
bommarido,queeraresponsveleprovedordafamlia.Ohomemporsuavezsentiase
satisfeitoquandosuamulhercuidavadacasaedosfilhoscomamorededicao.Cabe
ressaltar,ainda,queestemodelodecasamentoerabaseadonaheterossexualidadecomo
normaetinhacomopilaresdesustentaoosvalorespatriarcais.
Hoje vivemos numa sociedade que, embora ainda marcada pelo modelo
tradicional, admite a existncia de uma pluralidade de formas de ser casal e famlia.
Dentre os muitos modelos de casamento contemporneo, os mais comuns so os
chamadoscasamentosdeduplotrabalho,ondeambososcnjugestrabalhamemtempo
integral.Algunspesquisadoresdareadefendemaposiodequeesseestilodevida
levaria aumamaior satisfao, jqueoscnjuges tmcompreensodosdesafiosque
cada um enfrentapara lidarcom a interao entreomundodo trabalho e da famlia.
Assim, podem ser fonte de apoio um para o outro. Outros pesquisadores alegam o
-
36
contrrio, principalmente porque tendem a ver o trabalho feminino como elemento
negativo para a vida familiar. Existem ainda aqueles que dizemque tantoo aumento
quanto a diminuio da satisfao so possveis e que a variao desse fator est
associadaaumasriedeoutroselementosquecompemavidaconjugal(Diniz,1993).
Essepanoramadedivergnciasesimilaridadesnoslevaaafirmarquedefiniroqueum
casamento satisfatrioatualmenteno tarefa fcil nemparaospesquisadorese nem
paraaspessoasquevivenciamasrelaes.
Umestudoamploenvolvendohomensemulherescasadosequetrabalhavamem
tempointegralrealizadoporumgrupodepesquisadaUnB(Diniz,1996,1998)serviu
de subsidio para a dissertao de mestrado intitulada Casais que Trabalham e So
Felizes: Mito ou Realidade?. Essa pesquisa avaliou a satisfao no casamento em
casaisondeambososcnjugestrabalhavamfora(Perlin,2001).Participaramdoestudo
222 homens e 222 mulheres, casados/as, classe mdia, adultos, funcionrios/as em
diversasinstituiespblicasdeBraslia,DF.Oscritriosdeinclusonaamostraforam
ter mais de dois anos de relacionamento marital e viver um casamento de duplo
trabalho.
Osdadosdapesquisaapresentaramumpanoramadocasamentocontemporneo
que merece ser analisado. A maioria dos participantes percebeuse feliz com seus
casamentos.Quandoquestionadosa respeitodo futurodo relacionamento,vimosuma
grandeconcentraoderespostasnoitemondeaspessoasafirmamquequereminvestir
para que os casamentos sejam bemsucedidos. Assim, ficou evidente o
comprometimentodoscnjugesemseempenharnamanutenodocasamento.Mas,o
quesignificaessaposturaemtermosprticos?Dequeformasaspessoasinvestemem
seusrelacionamentos?
Tantoamdiaquantoomeiocientficotmdiscutidoefeitoalardesobreacrise
-
37
do casamento ou a falncia da instituio familiar. Esse estudo, entretanto, encontrou
indicadoresqueapontaramparauma transformao, enoparaa extinodomodelo
relacional conjugal. Em primeiro lugar, os resultados indicaram que o casamento de
duplotrabalho pode ser um modelo bem sucedido de relacionamento. Em segundo
lugar,mostraramquetantohomensquantomulheresestodispostosainvestirparaque
arelaosemantenhaestvel.Umadashipteseslevantadasfoiqueofatodeambos os
cnjugestrabalharemforapoderesultarnumavivnciamaisequilibradaefuncionalda
individualidade e da conjugalidade, duas dimenses muito significativas na vida
contempornea.
Osresultadosdapesquisademestradosugeriramaindaqueoscasaisdeduplo
trabalho podem estar conscientes das limitaes e dificuldades desse modelo de
casamento. Tal conscientizao, entretanto, no os impede de perceber os aspectos
positivosenegativosdarelao.Afamliaeocasamentoparecemrepresentarumlado
reconfortante, um contrapontopara enfrentar as demandase exigncias domundodo
trabalho. Ao serem percebidos como locais de apoio, e como lugares para aliviar o
estresseeaspressescotidianas,casamentoefamliapodemcontribuirparaasatisfao
emnvelpessoalerelacional.
Por outro lado, h uma diferena importante entre a percepo masculina e
femininaacercado significadodoespaodo larnessescasamentosdeduplotrabalho.
Pesquisasmostramque,enquantoparaohomemacasatemsidopercebidacomolocal
dedescansoetranqilidadeafetiva,paraasmulheresquetrabalhamemtempointegralo
espaodolartemsidovivenciadocomomaisumlocaldetrabalho,pressoeestresse,
hajavistaqueamulheraindaaprincipalresponsvelpelaorganizaoemanuteno
da vida domestica e pela estabilidade funcional e afetiva da casa. Em nosso estudo
anterior (Perlin, 2001), encontramos indicadores de que a mulher ainda arca com a
-
38
maiorpartedastarefasdomsticas,indiretaediretamente.
Oquestionamentoqueoriginouapesquisadescritafoi:Casaisquetrabalhame
sofelizes:mitoourealidade?Podemosdizerqueasatisfaoconjugalemcasaisque
tmque conciliar osmundosdo trabalho e da famliapode ser uma realidade uma
realidadequeestsendoansiadaebuscadaporestescasais.Devemosrevera idiade
falnciadarelaoconjugal,muitodiscutidanaatualidade,esubstitulaporumaidia
de processo de transformao da funo e do significado do casamento. Resta agora
identificar que dimenses/fatores so importantes para a satisfao conjugal na
atualidade. Essa informao fundamental para a construo de estratgias de
intervenoeprevenoqueauxiliemoscnjugesnesseprocesso, jqueodesejodos
casaisemestabeleceremanterumrelacionamentosatisfatrioedequalidadepareceno
sersuficienteanteosdesafioseparadoxosquesovividosporeles.
Cabe ainda mencionar uma problematizao qual retornaremos mais tarde:
apesar do trabalho e da famlia constiturem bases da sociedade, os casais se vem
sozinhosnatarefadelidarcomainteraofamliatrabalho.Aresponsabilidadeporesse
movimentoficageralmenteatreladaaodesejodaspessoas,sdimensessubjetivas.As
outrasesferassociaiscomooEstado,asinstituiessociaiseascorporaes,lavamas
mos frente s transformaes que as famlias vm enfrentando a adaptao
problemadocasal.
5.Mudandoparaonde?
H algumas dcadas atrs, no havia dvidas de que como parte do ciclo de
desenvolvimentodapessoaeladeveriacasarseeterfilhoscomalgumdosexooposto.
Ocasamentoeseusproblemaserampoucodiscutidos,sejapelaorganizaohierrquica
envolvidadentrodele,sejapelaimpossibilidadeprimeirolegal,posteriormentesocial
-
39
da pessoa se separar ou envolverse em arranjos alternativos. As queixas, quando
trazidasaoconsultrio,normalmentegiravamemtornodedificuldadescomosfilhosou
psicopatologiasenvolvendoalgummembrodafamlia.
Hoje as queixas acompanham a complexidade dos processos relacionais e das
variaespossveisnasestruturasconjugais, familiarese noscomportamentos sociais.
GomesePaiva(2003)observamque,naclnicacontempornea,sejaela individualou
dedicadaaoatendimentodecasais,grandepartedasqueixasapresentadaspelaspessoas
dizemrespeitoaproblemasderelacionamento,taiscomo:adiscrepnciaexistenteentre
aidealizaoearealidadedavidaadoisostiposdeescolhasamorosasasseparaese
divrcios a guarda dos filhos e a convivncia com o/a antigo/a parceiro/a. Para as
pesquisadorastodasessassituaestmumdenominadorcomum:aimpossibilidadede
perceberooutrocomoele,ouseja,comoalgumdiferente,demaneiraqueseconstrua
umrelacionamentolivredetantasprojeesefantasias,promovendoumavivnciade
respeitocoexistnciadessassubjetividades(GomesePaiva,2003,p.4)
Escolhas de parcerias homossexuais, dvidas entre a carreira e o cnjuge,
casamento onde os cnjuges moram em casas separadas, unio estvel, trades
conjugais,recasamentos,dentreoutras,sodemandasquechegamclnicapsicolgica,
aombitojurdicoefazempartedasdiscussessociolgicas.Cadaumadessassituaes
gera desafios diferentes, e suas repercusses psicolgicas e sociais colocam a
necessidadedeumentendimentomaior doque est acontecendo nos relacionamentos
conjugaiscontemporneos.
6.Caminhando...
Os dados estatsticos, como foi mencionado anteriormente, no apresentam
indicadoresmuitopositivosacercadasituaodocasamentoformal.Poroutrolado,de
-
40
acordocomosdadosdoltimocensodivulgadospeloIBGE(2003),naltimadcada,o
nmerode famlias de qualquer espcie cresceuduas vezesmais que apopulao
comoum todo, emborao nmerode divrcios tenha triplicado eode casamentos de
papelpassadodiminudoem12%.Somadosaessepanoramaestatstico tantoamdia
quanto os dados dos consultriospsicolgicos e as queixas gerais de pessoas jovens,
adultasemaduras, nos apresentamumquadroparadoxalondeas pessoasmostramse
motivadas a ingressar em um relacionamento conjugal mesmo que esse apresente
dificuldades.Essa aparente contradio sugere que h cada vezmais gente formando
famlias a partir de novas bases. H uma transformao do que era o modelo
hegemnico de famlia e tambm mais pessoas optando por formatos menos
tradicionais.ComocolocaVaitsman(1994)ainexistnciadeummodelodominanteo
quecaracterizaatualmenteoscasamentosefamlias.Issonoslevaapensarque,quando
haviaclarezaeconsenso sobreoqueerauma famliaeumcasamento, eramais fcil
paraaspessoasdaremcontadatarefa.Aindahoje,quandoouvimosahistriadealgum
queformouumafamlia, logonosvemaimagemdeumcasalheterossexualcomseus
filhos. Dificilmente imaginamos uma situao como essa: um casal homoafetivo que
moracomumamigoheterossexualesuafilhaquecuidadaecriadapelostrs4.
At algumasdcadas atrs, sejapelo ritmomais lento dediscusso crticadas
estruturas sociais, seja pelo contexto polticoeconmico vigente ou mesmo pelo
prprioparadigmadecinciae sadeemevidnciaalgumasestruturasesubsistemas
sociais eram vistos sob uma perspectiva predominantemente naturalista e tradicional.
Entre eles estava a famlia e o casamento. As cincias humanas e sociais
principalmente a antropologia, a sociologia e a psicologia durante muito tempo
mostraramdificuldade emromper com a associao da idia de famlia comunidade
4Configuraofamiliaratendidaemconsultrionaclinicadefamlias,cujaqueixarelacionavasedificuldadedamedacrianaemaceitarafamliaalternativacomolarparaacriana..
-
41
biolgica composta por progenitores e prole. LviStrauss mesmo com uma viso
estruturalista foi quem, na opinio deMeler (1997), deu um passo decisivo para a
desnaturalizaoda famlia.Aovoltar suaatenoparao sistemadeparentescocomo
um todo, Strauss desfocou a famlia biolgica da lente principal. Assim, a famlia
passouanoincluirapenasoslaosdeconsanginidade,mastambmosdealiana.
BruschinieRidenti(1994)apontamqueomodelodefamliacomoqualestamos
acostumadosa trabalharoupesquisarmodelonuclearde famlianecessitadeuma
desconstruoparaqueasoutrasformasigualmentevlidasnosejamconsideradas
incompletas, irregulares ou desorganizadas. As autoras entendem as famlias como
grupossociaisdepessoasligadasporlaosafetivosepsicolgicosdinmicos,queesto
emconstantetransformaoemconseqnciadeprocessosdemogrficosnascimento,
casamentoemorteedeprocessosscioeconmicos. Issonos levaaconsiderarque
atualmente as variveis contextuais, espaciais, culturais e circunstanciais ganham
importnciacrescenteparaacompreensodosvnculosrelacionais.
Observara famliacomoestruturadinmicaeemconstante transformaonos
possibilita questionar prognsticos de trmino da famlia e tambm vises da famlia
como nico local responsvel pelo bem estar e desenvolvimento de seus membros
(Wagner, 2002).Convida, ainda, a uma posturamais flexvel em relao s diversas
formas que ela vem apresentando na contemporaneidade. Algumas vezes a famlia
nuclearnoconfiguraolocalmaisseguroparamulheres,homensecrianas,comoo
caso de famlias onde ocorre violncia (Diniz, 1999, 2004). Por outro lado, um lar
adotivopodeserumrecursomuitosaudvel.
Jablonski (2003) analisa que no sculo XX tivemos a oportunidade de
presenciar trs tipos de modelos familiares distintos: a famlia tradicional, a famlia
modernaeafamliapluralstica.Nafamliatradicionalasprincipaiscaractersticassoo
-
42
modelo patriarcal, com predominncia da autoridade paterna, produo econmica
conjunta, papis e funes delimitados e proximidade com parentes e comunidade
externa. J na famliamodernaoupsicolgica adivisodepodereaparticipao
econmicatendemigualdade.Humanfasenaindividualidade,afamlianucleare
apresentase menos ligada comunidade. So ainda caractersticas desse modelo a
mobilidade e a nfase na afeio e sentimentos. Porltimo, emerge umnovo tipode
organizao, chamadopluralstico oupsmoderno cujasprincipaiscaractersticas
soaaceitaoeaconvivnciadevrias formasdearranjosno tradicionais (...)e,
ainda, a maior flexibilidade, a postura mais igualitria e a menor permanncia
(Jablonski, 2003, p.142). Tal anlise nos permite avanar na idia de superar e
ultrapassarodiscursovigentedeummodeloidealdecasamentooufamlia,ouainda,de
uma suposta falncia dessas estruturas sociais e avanar no estudo das mudanas
importantesqueestoocorrendonsestruturasconjugaisefamiliares.
Apesar da grande variedade de arranjos familiares existentes na sociedade
contempornea, a preponderncia tanto nas camadas mais pobres quanto nas mais
abastadasaindadefamliascompostaspor,nomnimo,ocasalheterossexualeos/as
filhos/as.Em1987estetipodecomposioconstitua71%dosarranjosdomsticosno
Brasil(Romanelli,1995).Em2000,essenmerobaixapara53%,sendoque47%dos
domicliosorganizamsedeformasnasquais,nomnimo,umdospaisestausente.H
pessoasmorandosozinhas,avsoutioscriandonetosousobrinhos,casais semfilhos,
'produes independentes' e outras tantas alternativas. Algumas so tipicamente
modernas, como os grupos de amigos que decidem morar juntos para dividir um
apartamento maior (IBGE, 2004). A famlia nuclear tradicional divide atualmente o
espaosocialcomoutrasformasdefamlias,essasain