caso clínico (11)c

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CASO CLÍNICO-FORENSE (11) EAS, 25 anos, masc., casado, ensino fundamental incompleto (7ª série). Admissão : 09/06/2003. Cargo : Mantenedor de via permanente. Demissão : 10/12/2003. Ação de reintegração HISTÓRICO OCUPACIONAL Como mantenedor de via permanente, o reclamante desenvolveu suas atividades em trechos ferroviários, sendo responsável por atividades de manutenção de via férrea (carga e descarga de dormentes, tilefons e grampos, limpeza de canaletas, substituição de trilhos e de dormentes, ajuntamento de britas, capina, entre outras). Para a execução de suas tarefas valia-se de garfo, pá, carrinho, alavancas e outras ferramentas. Os dormentes eram transportados conjuntamente por dois trabalhadores (ou até mesmo por quatro, nos casos dos maiores e de bitola larga). Já os tilefons e os grampos, condicionados em sacos de 40 Kg cada, eram transportados por um só trabalhador, em curtos deslocamentos. A jornada de trabalho era de 07:00 às 16:45 horas. Anteriormente ao pacto laboral com o reclamado, o reclamante trabalhou como “Moto-boy” (de 14/03 à 30/12/2000 e de 02/05 à 11/10/2002 e de 01/06/2001 à 30/04/2002). Após a demissão no reclamado, partir de 11/02/2004, empregou-se novamente como “Moto-Boy”. HISTÓRICO MÉDICO Conforme relatado pelo periciado e informações de documentos médicos pertinentes apensos aos autos e em anexo, depreende-se: _ “No dia 01/08/20003, uma sexta-feira, próximo ao final da jornada de trabalho, ao transportar um saco com tilefons, sentiu uma ‘dor forte e súbita em toda a coluna vertebral’. Comunicou ao encarregado, mas continuou a trabalhar até o final do expediente (ainda carregou alguns dormentes). Mesmo não trabalhando no fim de semana, a dor persistiu, e na segunda feira seguinte, dia 04/08/2003, ao tentar capinar, a dor intensificou-se novamente, sendo então liberado do trabalho para buscar por assistência médica no Posto de Saúde próximo à sua residência. Submeteu-se à avaliação médica, sendo solicitado avaliação radiológica da coluna e fornecido uma licença de 3 dias. Foi encaminhado para avaliação ortopédica, sendo fornecido outro atestado de 15 dias, a partir do dia 08/08/2003. Realizou cerca de 10 sessões de fisioterapia e fez uso de antiinflamatório.

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Page 1: Caso Clínico (11)c

CASO CLÍNICO-FORENSE (11)

EAS, 25 anos, masc., casado, ensino fundamental incompleto (7ª série).

Admissão : 09/06/2003.

Cargo : Mantenedor de via permanente.

Demissão : 10/12/2003.

Ação de reintegração

HISTÓRICO OCUPACIONAL

Como mantenedor de via permanente, o reclamante desenvolveu suas

atividades em trechos ferroviários, sendo responsável por atividades de manutenção de

via férrea (carga e descarga de dormentes, tilefons e grampos, limpeza de canaletas,

substituição de trilhos e de dormentes, ajuntamento de britas, capina, entre outras).

Para a execução de suas tarefas valia-se de garfo, pá, carrinho, alavancas e

outras ferramentas. Os dormentes eram transportados conjuntamente por dois

trabalhadores (ou até mesmo por quatro, nos casos dos maiores e de bitola larga). Já

os tilefons e os grampos, condicionados em sacos de 40 Kg cada, eram transportados

por um só trabalhador, em curtos deslocamentos. A jornada de trabalho era de 07:00 às

16:45 horas.

Anteriormente ao pacto laboral com o reclamado, o reclamante trabalhou como

“Moto-boy” (de 14/03 à 30/12/2000 e de 02/05 à 11/10/2002 e de 01/06/2001 à

30/04/2002). Após a demissão no reclamado, partir de 11/02/2004, empregou-se

novamente como “Moto-Boy”.

HISTÓRICO MÉDICO

Conforme relatado pelo periciado e informações de documentos médicos

pertinentes apensos aos autos e em anexo, depreende-se:

_ “No dia 01/08/20003, uma sexta-feira, próximo ao final da jornada de trabalho,ao transportar um saco com tilefons, sentiu uma ‘dor forte e súbita em toda a colunavertebral’. Comunicou ao encarregado, mas continuou a trabalhar até o final doexpediente (ainda carregou alguns dormentes). Mesmo não trabalhando no fim desemana, a dor persistiu, e na segunda feira seguinte, dia 04/08/2003, ao tentar capinar,a dor intensificou-se novamente, sendo então liberado do trabalho para buscar porassistência médica no Posto de Saúde próximo à sua residência.

Submeteu-se à avaliação médica, sendo solicitado avaliação radiológica dacoluna e fornecido uma licença de 3 dias. Foi encaminhado para avaliação ortopédica,sendo fornecido outro atestado de 15 dias, a partir do dia 08/08/2003. Realizou cercade 10 sessões de fisioterapia e fez uso de antiinflamatório.

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Conforme ficha de avaliação clínica disponibilizada, no dia 18/08/2003,compareceu ao serviço médico do reclamado e apresentou os relatórios e atestadosmédicos, sendo registrado que deveria ser ‘desviado para atividade onde nãohouvesse esforço físico e reavaliado em 30 dias’.

Contudo, segundo o periciado, teria sido sondado com o encarregado do trechose haveria possibilidade de se executar um ‘serviço mais leve’ na área, mas como aresposta teria sido negativa, foi encaminhado para a perícia médica do INSS, queconcedeu auxílio-doença até 27/10/2003. Não foi emitida Comunicação de Acidente doTrabalho.

Após cessado o benefício, em 27/10/2003, submeteu-se a exame de retorno aotrabalho, voltando para o mesmo local e função e não tendo mais afastamentos, até ademissão, em 10/12/2003.

Não realizou novas avaliações ou tratamentos médicos. Empregou-senovamente como moto-boy, atividade que continua exercendo até o momento.

Atualmente queixa-se dor diária na coluna lombar, não irradiada. Não faz uso demedicação. Nega dores em outras partes do corpo, bem como outros problemas desaúde. Relata passado de bronquite, na infância”.

EXAME FÍSICO:

O reclamante possui atualmente 25 anos de idade.

Durante a entrevista mostrou-se orientado no tempo e espaço, com atenção e

memória preservadas, pensamento lógico com base na razão, sem alterações de

senso-percepção e com conduta coerente.

Peso = 72 Kg e estatura = 1,74 m.

Ao exame apresentou estado geral preservado. Curvaturas fisiológicas da

coluna vertebral. Marcha normal (inclusive na ponta dos pés e sobre os calcanhares e

bordas dos pés). Força muscular preservada. Sensibilidade tátil dos membros inferiores

preservada. Reflexos tendinosos (aquileu e patelar) preservados. Movimentos da

coluna lombar e do quadril preservados (referiu-se a dor leve na região lombar, durante

flexão forçada, extensão, desvio lateral e rotação à direita). Agachou-se com facilidade.

Manobra de elevação da perna retificada negativa.

IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA PERICIAL:

Queixas de dores nas costas, ocasionais e recorrentes, sem

evidentes transtornos anatômicos e/ou funcionais atuais (“dorsalgia

postural ou de esforço”).

COMENTÁRIOS PERICIAIS JUDICIAIS:

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Conforme histórico apurado, o periciado apresentou episódio de dorsalgia,

com incapacidade temporária para o trabalho, que redundou na concessão de

auxílio-doença. A capacidade física e funcional atual está preservada.

Face à natureza da demanda judicial, ação de reintegração ao trabalho, o

que se coloca em questão à perícia é a apreciação da existência, ou não, do

nexo de causalidade entre o quadro apresentado pelo autor, que ocasionou a

concessão do benefício de auxílio-doença, poucos meses antes da demissão do

mesmo no reclamado.

A dorsalgia e/ou-lombalgia postural (também designada como lombalgiabanal), é um problema comum e muito freqüente na população em geral,inclusive entre os trabalhadores. Posturas inadequadas, no trabalho ou fora dosmesmos, que implicam em movimentos ou esforços com solicitação da colunavertebral, como para levantamento e transporte de cargas pesadas, ou emposturas inadequadas, como encurvar-se excessivamente sem apoio lombar oufletir e torcer simultaneamente o tronco, podem resultar em lombalgiasfreqüentes e recorrentes, geralmente de origem músculo-ligamentar.

O histórico ocupacional do autor revela que, como mantenedor de via

permanente, desenvolvia trabalho com exigências de esforço físico, com

transporte manual e manuseio de dormentes e de outros materiais pesados,

serviços de capina e uso de ferramentas diversas (garfos, pás, alavancas,

carrinhos de mão, etc.), com necessidade de freqüentes flexões e rotações do

tronco, condições que sabidamente podem precipitar quadros de dorsalgias

músculo-ligamentares.

Portanto, é perfeitamente admissível que o trabalho do autor, com nítidassolicitações de esforço físico, possa ter concorrido para o quadro de dorsalgiaverificado à época, com a conseqüente concessão do auxílio-doença.

Embora haja no documento médico de fl. 18, datado de 04/08/2003, uma

descrição da possível correlação entre as dores queixadas e grandes esforços,

nenhum dos documentos médicos disponíveis faz direta menção da associação

do quadro álgico com o trabalho. Mas também não apontam outras possíveis

causas, nem mesmo a avaliação médica realizada no próprio serviço médico do

reclamado. Há de se esclarecer que o desvio da coluna, observado no exame

físico e radiológico, pode ser explicado apenas pela dor aguda, freqüentemente

desaparecendo após o alívio da mesma.

Mesmo na hipótese de não constituir o exercício do trabalho a causa

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exclusiva, mas uma “concausa”, não se exclui o nexo causal, princípio que éafirmado pelo inciso I do art. 21 da Lei n.º. 8.213/91:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para os efeitos desta

lei:

I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ouperda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exijaatenção médica para sua recuperação.

Assim, a condição exigida para se estabelecer a responsabilidadeconcausal do trabalho é que seu exercício tenha sido condição necessária eeficiente para a patogênese, eclosão ou agravamento da doença.

Quanto à natureza do benefício concedido pelo INSS, considerado comodoença comum, isto é, não relacionado ao trabalho, há de se registrar, noentanto, que no entendimento deste perito, não há nenhuma normatização queatrele as conclusões do perito judicial às decisões administrativas do INSS.Assim como a simples emissão da CAT e concessão de benefício de auxílio-doença, por acidente de trabalho, não é condição inequívoca para seestabelecer a existência de doença ocupacional, a não emissão da CAT econcessão de benefício do tipo previdenciário (B31), não é também garantiaincondicional da inexistência do nexo de causa ou concausa do trabalho com oagravo sofrido. Certamente seguindo esta trilha, o juízo determinou a realizaçãode perícia médica, nos termos da ata de audiência de fl. 22.

CONCLUSÃO:

Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui esteperito pela existência de nexo de causalidade entre o transtornoosteomuscular apresentado pelo periciado e o trabalho por ele executadono reclamado, que originou a concessão de auxílio-doença pela períciamédica do INSS, poucos meses antes da demissão.

A capacidade física, funcional e laborativa atual do autor encontra-sepreservada.

RESPOSTA AOS QUESITOS

5.1 – Quesitos do Reclamante (fl. 98)

5.1.1 – Digne o Sr. Perito a informar se o trabalho realizado pelo reclamante,qual seja carregar e descarregar dormente, tilefon, trocar trilhos, enfim, carregarpeso, pode ocasionar lesão muscular e/ou na coluna?R.: Vide o item 3.

5.1.2 – Digne o Sr. Perito a informar se o reclamante possui alguma lesão ouindício de lesão proveniente do labor?

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R.: Vide os itens 2.4, 3 e 4.

5.2 – Quesitos do Reclamado (fls. 100/102)

5.2.1 – Queira o Sr. Perito, descrever cargo, setor de trabalho, admissão edemissão do Reclamante, com todas as alterações funcionais ao longo do pactolaboral.

R.: Vide os itens 1.1 e 2.1.

5.2.2 – Queira o Sr. Perito, descrever as atividades desenvolvidas peloReclamante, minuciosamente, durante a jornada diária de trabalho.R.: Vide o item 2.1.

5.2.3 – Queira o Sr. Perito informar quais as patologias existentes noReclamante e quando as mesmas foram descritas?R.: Vide os itens 2.2 e 2.4.

5.2.4 – Qual o tratamento médico instituído para o Reclamante?R.: Vide o item 2.2.

5.2.5 – Queira o Sr. Perito informar quais as causas descritas na literaturacientífica para o quadro clínico apresentado pelo Reclamante?R.: Vide o item 3.

5.2.6 – Queira o Sr. Perito informar quais os controles e tratamentos médicosrealizados pelo Reclamante atualmente?R.: Não realiza tratamentos ou controles médicos atuais.

5.2.7 – Queira o Sr. Perito informar quais os medicamentos utilizados peloReclamante e suas indicações do ponto de vista médico?R.: Vide o item 2.2.

5.2.8 – Queira o Sr. Perito informar se a Reclamante encontra-se em tratamentomédico atual?R.: Não.

5.2.9 – Queira o Sr. Perito informar se a Reclamante teve a sua capacidadelaborativa limitada por causa da sua patologia?R.: Houve incapacidade temporária para o trabalho, com concessão de auxílio-doença. Vide o item 2.2.

5.2.10 – Queira o Sr. Perito informar se há nexo técnico entre a patologiadiagnosticada e as atividades laborativas do Reclamante na reclamada?R.: Vide o item 3.

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5.2.11 – Queira o Sr. Perito se a patologia que teria acometido o Autor pode tersido adquirida em seus empregos anteriores; em tarefas domésticas executadasou em decorrência de outras patologias?R.: Tratou-se de quadro agudo e transitório. Vide o item 3.

5.2.12 – Queira o Sr. Perito informar se o Autor está incapacitado para exercerqualquer função laborativa?R.: Não.5.2.13 – Queira o Sr. Perito informar se comprovadamente existe incapacidade,esclarecer se a mesma é temporária ou permanente.R.: Não há incapacidade atual.

5.2.14 – Queira o Sr. Perito informar se há apenas limitação/incapacidadeparcial, favor descrever tais limitações.R.: Vide resposta anterior.

5.2.15 – O expert perito, tendo em base seu profundo conhecimento sobredoenças profissionais, pode afirmar que uma única queixa dolorosa por parte dequalquer paciente é suficiente para caracterizar uma doença osteomuscularcomo de origem ocupacional?R.: Não.

5.2.16 – O expert perito pode informar se a patologia ortopédica que oReclamante se diz portador, teve o trabalho realizado como causa necessária,teve fator contributivo de doença de etiologia multicausal ou foi fator agravanteou desencadeante de doença preexistente?R.: Vide o item 3.

5.2.17 – O I. expert pode descrever o exame clínico realizado no reclamante deforma detalhada, apresentando os dados encontrados e comentando-os, bemcomo os exames complementares e seus resultados utilizados na investigaçãodiagnóstica e informar a amplitude de movimentos e em graus de todasarticulações?R.: Vide o item 2.3.

5.2.18 – O expert perito pode informar ao juízo se a patologia da reclamantepode ser revertida através de tratamento cirúrgico, clínico conservador oufisioterápico? Em caso negativo, se a reclamante é passível de recuperação ereabilitação profissional? Justifique.R.: Não há limitação física ou funcional atual.

5.2.19 – O expert, após avaliação clínica e de exames subsidiárias efetuados noreclamante, pode afirmar se restou confirmada alguma patologia do sistemaósteo músculo tendinoso, e se a mesma é decorrente única e exclusivamente derelação com o trabalho? Ou se existem outros mecanismos de traumas quepodem levar à mesma lesão? Cite os mecanismos de trauma, caso não hajarelação única com o trabalho.R.: Vide o item 3.

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5.2.20 – O Sr. Perito pode informar ao juízo se a reclamante pratica ou praticouatividades esportivas que poderiam gerar traumas em segmentos corporais? Sepositivo, quais eram essas atividades e quais segmentos corporais poderiam seracometidos?R.: Não relatado.

5.2.21 – Após esmerada análise ergonômica do expert, o mesmo poderesponder:A) O ciclo de trabalho era superior a 30 segundos?B) São realizados diferentes tipos de movimentos?C) É exigida força nas atividades realizadas? Tal força foi mensurada por

dinamômetro?D) O movimento dos braços e mãos é executado de maneira seqüencial?R.: Não se aplica ao caso em tela.

5.2.22 – Queira o Sr. Perito informar se o Reclamante, até a presente data,sente dores no local afetado pela alegada doença ocupacional.R.: Refere-se a dores ocasionais. Vide o item 2.2.

5.2.23 – Pode o i. expert do Juízo informar se a empresa cumpriu todos osprocedimentos legais e necessários para com o autor quando do “surgimento”da doença ocupacional alegada?R.: Trata-se de matéria a ser apreciada pelo Juízo.

5.2.24 – O procedimento adotado pela empresa foi satisfatório?R.: Vide resposta anterior.