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CASO CLÍNICO-FORENSE (7) ASF, 49 anos, masc., casado, ensino médio. Admissão : 24/12/1981. Cargo : Caixa bancário. Demissão : 22/04/2001. Ação de ação de reintegração e indenização. HISTÓRICO MÉDICO – OCUPACIONAL : O reclamado é instituição bancária. Como caixa, função desenvolvida pelo reclamante nos últimos 10 anos do contrato de trabalho, as atividades habituais diárias eram assim distribuídas: Iniciava com o pagamento de aposentados (geralmente na 1ª quinzena do mês); A seguir, com a entrada do horário bancário, passava a realizar o atendimento usual a clientes no caixa; Após o término do expediente de atendimento fazia o horário de almoço; Retornava para completar o serviço diário, despachando os malotes, fazendo o fechamento do balanço (“custódia”), arquivando os documentos e fechando a agência. De acordo com o reclamante, inicialmente o estabelecimento do reclamado era categorizado como “agência bancária” e possuía 6 funcionários. A partir de 1995, no entanto, passou a ser considerado “posto bancário”, sendo o número de empregados reduzido para 3 (houve, entretanto, por razões administrativas, curtos períodos em que permaneceram apenas 2 funcionários). Desta forma, conforme informado pelo periciado, geralmente iniciava as atividades às 07:00 horas (quando da necessidade de pagamento para aposentados) e as finalizava por volta das 20:00 horas. Conforme relato do autor , “há aproximadamente 5 anos atrás, começou a apresentar sensação de desânimo, evitando ir a festas. Optava por ficar mais sozinho, pescando, sem barulho. Passou a ter dificuldade para usar a dentadura. Contudo, permaneceu trabalhando normalmente, até a demissão. Já teve pensamento de auto-extermínio, há ± 5 anos atrás, mas não têm mais. Sempre gostou muito de pescar e atualmente passa quase o dia inteiro nesta atividade”. Segundo a esposa , “acerca de uns 7 anos o marido começou a mudar o comportamento. Mostrava-se menos carinhoso com os filhos, mais calado, menos sociável, com diminuição da libido. Tendo em vista inexplicável dificuldade com adaptação das reiteradas próteses dentárias confeccionadas (± 6), dentista sugeriu tratamento psiquiátrico (fl. 17). 1

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CASO CLÍNICO-FORENSE (7)

ASF, 49 anos, masc., casado, ensino médio.

Admissão : 24/12/1981.

Cargo : Caixa bancário.

Demissão : 22/04/2001.

Ação de ação de reintegração e indenização.

HISTÓRICO MÉDICO – OCUPACIONAL:

O reclamado é instituição bancária.

Como caixa, função desenvolvida pelo reclamante nos últimos 10 anos do

contrato de trabalho, as atividades habituais diárias eram assim distribuídas:

Iniciava com o pagamento de aposentados (geralmente na 1ª quinzena do mês);

A seguir, com a entrada do horário bancário, passava a realizar o atendimento

usual a clientes no caixa;

Após o término do expediente de atendimento fazia o horário de almoço;

Retornava para completar o serviço diário, despachando os malotes, fazendo o

fechamento do balanço (“custódia”), arquivando os documentos e fechando a

agência.

De acordo com o reclamante, inicialmente o estabelecimento do reclamado eracategorizado como “agência bancária” e possuía 6 funcionários. A partir de 1995, noentanto, passou a ser considerado “posto bancário”, sendo o número de empregadosreduzido para 3 (houve, entretanto, por razões administrativas, curtos períodos emque permaneceram apenas 2 funcionários). Desta forma, conforme informado pelopericiado, geralmente iniciava as atividades às 07:00 horas (quando da necessidadede pagamento para aposentados) e as finalizava por volta das 20:00 horas.

Conforme relato do autor, “há aproximadamente 5 anos atrás, começou aapresentar sensação de desânimo, evitando ir a festas. Optava por ficar maissozinho, pescando, sem barulho. Passou a ter dificuldade para usar a dentadura.Contudo, permaneceu trabalhando normalmente, até a demissão. Já tevepensamento de auto-extermínio, há ± 5 anos atrás, mas não têm mais. Sempregostou muito de pescar e atualmente passa quase o dia inteiro nesta atividade”.

Segundo a esposa, “acerca de uns 7 anos o marido começou a mudar ocomportamento. Mostrava-se menos carinhoso com os filhos, mais calado, menossociável, com diminuição da libido. Tendo em vista inexplicável dificuldade comadaptação das reiteradas próteses dentárias confeccionadas (± 6), dentista sugeriutratamento psiquiátrico (fl. 17).

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Ela (a esposa) e um dos filhos passaram a fazer tratamento e controlepsiquiátrico, mas o marido, porém, apresentava grande resistência a consultar-secom médico (mesmo assim há registros de avaliações médicas, fls. 19 – 21). Passou,por conta própria, a eventualmente colocar remédio prescrito para ela (do tipoansiolítico ou antidepressivo) misturado à alimentação do esposo.

Progressivamente, o reclamante foi ficando mais isolado, cada vez maiscalado, aumentando a aparência de desânimo e passando a fumar muito. Há muitotempo parou de jogar futebol e buraco, algumas das diversões anteriores prediletas.Após a demissão acha que o quadro continua se agravando. Gosta apenas depescar, chegando a ficar o dia inteiro pescando, geralmente sozinho. Há algunsmeses atrás conseguiu levá-lo para uma consulta com neurologista, que prescreveuantidepressivo (fl. 18) e indicou tratamento psicoterápico, mas o autor ainda resisteem submeter-se ao mesmo”.

EXAME FÍSICO:O reclamante está atualmente com 49 anos de idade. Casado, possui um casal

de filhos (um rapaz com 15 anos e uma moça com 14 anos). A esposa possui um

comércio de roupas e faz controle psiquiátrico (um dos filhos também já fez). Tem 10

irmãos e não sabe se algum deles faz tratamento psiquiátrico.

Durante a entrevista mostrou-se orientado no tempo e espaço, com atenção ememória preservadas e pensamento lógico, com base na razão.

Ao exame apresenta humor deprimido. O estado geral é preservado e observa-

se a presença de cuidados pessoais básicos (barba e cabelos aparados, unhas

limpas e cortadas, vestimenta apropriada). Não há déficits neurológicos aparentes.

Mucosas hidratadas, normocoradas e anictéricas. Sem dentição, não fazendo uso de

prótese odontológica (relata dificuldade de adaptação, com náuseas recorrentes).

Ausência de linfadenomegalias. Pulmões limpos (eupnéico, murmúrio vesicular

fisiológico, ausência de ruídos adventícios). Pulsos arteriais periféricos cheios e

rítmicos. Ausência de edemas em membros inferiores. Pressão arterial = 125/75

mmHg. Abdomem plano, normotenso, fígado e baço não palpados.

Como complementação da presente avaliação pericial judicial, solicitado exame

psiquiátrico, cujo relatório concluiu ser o autor portador de quadro compatível com

transtorno depressivo.

IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA PERICIAL:

O reclamante apresenta disfunções psíquicas, que podem ser definidas como

transtornos depressivos persistentes, manifestadas vários antes do término do pacto

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laboral com o reclamado.

DISCUSSÃO

De acordo com o CID 10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças eProblemas Relacionados à Saúde, décima revisão), nos transtornos depressivos, osujeito apresenta rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição daatividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda deinteresse, diminuição da capacidade de concentração e do apetite, associadas emgeral a fadiga acentuada, mesmo após um esforço mínimo. Ocorre quase sempreuma diminuição do auto-estima e da autoconfiança e freqüentemente idéias deculpabilidade e/ou indignidade. O humor depressivo varia pouco de dia para dia ousegundo as circunstâncias e pode acompanhar-se de sintomas ditos “somáticos” –por exemplo, perda de interesse ou prazer, despertar matinal precoce, agravamentomatinal da depressão, lentidão psicomotora acentuada, agitação, perda de apetite,perda de peso e de libido. Podem apresentar-se como episódios isolados ourecorrentes e/ou constantes e também variar quanto a gravidade dos sintomas.

Quando os transtornos depressivos são mais constantes e prolongados, comono caso do periciado, estão freqüentemente associados a sofrimento subjetivo e acomprometimento de intensidade variável do desempenho social. E conquantopossam se manifestar como distúrbios intrínsecos da personalidade, crônicos eestáveis, podem variar quanto ao número de vezes ou a freqüência com que éevidenciado em algum período particular, mas não estão confinados a uma situaçãoou contexto particular.

Neste sentido, entende a perícia que os persistentes distúrbios psíquicosapresentados pelo autor não se relacionam ou se associam ao contexto dasatividades anteriormente desenvolvidas na reclamada, não se tratando dedistúrbios ocasionados e/ou agravados pelo trabalho.

Conforme explicitado no relatório psiquiátrico em anexo, “o estudo destadoença aponta para origens multifatoriais, com predisposição hereditária e comcontribuição causal de estrutura psicologicamente determinada nos primeiros anos devida”. Se é verdade que “atividades estressantes do mundo moderno, com maior oumenor pressão no dia a dia, podem influenciar o curso da doença, facilitando a suaeclosão”, no caso do periciado torna-se evidente, através da análise da evolução doprocesso (histórico clínico) que os transtornos depressivos apresentados nãoestiveram confinados a uma situação ou contexto particular, seja social ou dotrabalho. Ao contrário, apresentaram um curso bem determinado e independente, oque, obviamente sem o concurso de um tratamento adequado acabaram porinfluenciar a qualidade de suas relações (sejam afetivas, sociais e laborais).

No entendimento desta perícia, salvo melhor juízo, para a admissibilidade donexo de causalidade de determinado agravo com o trabalho, mormente no âmbitojudicial (onde não estão em questão simplesmente os fatores vinculados à promoçãoe prevenção à saúde, mas a consubstanciação de um alegado dano), exige-se ummínimo de evidências técnicas plausíveis no sentido de que o labor tenha atuado,senão de forma direta, ao menos como uma clara concausa. Isto é, que sem o

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trabalho determinado mal não se manifestaria ou se apresentaria de uma formanitidamente menos intensa.

A não observância deste princípio incorreria na “banalização” do nexo causalna esfera judicial, assumindo-se como decorrente ou agravada pelo trabalho quasetoda patologia, pois dentro da teoria multifatorial das doenças (hoje amplamenteprevalente) é quase sempre possível identificar algum fator de risco no ambiente detrabalho (assim como nos hábitos e costumes individuais, no ambiente social, nomeio ambiente geral, etc.), mesmo que sem a nítida evidência ou demonstração deseu papel coadjuvante.

CONCLUSÃO

Diante dos fatos apresentados e analisados, conclui este perito que o autor é

portador de transtornos depressivos persistentes, não relacionados ao

trabalho.

Com acompanhamento e tratamento médico adequado vislumbra-se a

possibilidade do controle do quadro psíquico, com reinserção social e laborativa.

RESPOSTA AOS QUESITOS

5.1 – Quesitos do Reclamante (fls. 92/93)

5.1.1 – Se o autor sofre de alguma enfermidade? Se positivo, se a enfermidade tem como sintoma a depressão?R.: Sim.

5.1.2 – Ainda, se positivo, se há como determinar a data exata em que o autorcomeçou a sofrer da enfermidade?R.: Sim, vide o item 2.1.

5.1.3 – Quais as causas do surgimento da doença?R.: Vide o item 3.

5.1.4 – Quais as causas e os sintomas do “stress” ? Se o excesso de serviço podeser uma das causas?R.: Derivam de uma resposta do indivíduo frente a demandas variadas (sociais,econômicas, afetivas, laborativas, físicas, etc.), que em determinado contexto(estruturação psíquica individual, apoios sociais, etc.) podem ser favoráveis,estimulando a solução dos desafios e a criatividade, ou desfavoráveis, levando asofrimento subjetivo e à sintomas somáticos variados.

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5.1.5 – Se, de acordo com os atestados médicos e declarações constantes dosautos, pode-se afirmar que o reclamante já sofreu algum tipo de doença relacionadacom o stress?R.: O transtorno predominante apresentado pelo autor é relacionada à manifestaçõesdepressivas. Vide os itens 2.1, 2.2, 3 e anexo (relatório da avaliação psiquiátricaresquisitada).

5.1.6 – Se positivo, determinar desde quando o reclamante começou a sentir ossintomas da doença?R.: Vide o item 2.1.

5.1.7 – Descreva o quadro geral psíquico do reclamante, hoje, e, se possível, naépoca de sua demissão?R.: Favor se reportar ao corpo do laudo (mormente itens 2.1., 2.2, 2.3, 3 e relatório deavaliação psiquiátrica em anexo).

5.2 – Quesitos do Reclamado (fls. 94/95)

5.2.1 – Favor descrever as características do examinado.R.: Favor se reportar ao corpo do laudo.

5.2.2 – Quais eram as atividades realizadas pelo Reclamante/examinado no Bancodo Brasil?R.: Vide o item 2.1.

5.2.3 – O Reclamante era pressionado pelo Banco do Brasil no cumprimento de suastarefas? Se positiva a resposta, como e por quem era pressionado?R.: Não declarou isto. Informou apenas que, em função da redução do número defuncionários, havia necessidade de sua permanência por tempo maior no serviço.

5.2.4 – As atividades da carreira administrativa podem levar um indivíduo àdepressão, sem qualquer outro evento externo? Como?R.: Favor se reportar ao item 3 do laudo pericial.

5.2.5 – O Reclamante é portador de alguma forma de depressão?R.: Sim.

5.2.6 – Se positivo o quesito anterior, qual a forma de depressão apresenta oReclamante, dentro da classificação de depressão do Colégio Americano dePsiquiatria?R.: Vide os itens 2.3 e 3 e relatório de avaliação psiquiátrica em anexo.

5.2.7 – Se o Reclamante é portador de depressão, sua enfermidade é ocupacional?Se positiva a resposta, favor justificar.R.: No entendimento desta perícia, não. Vide o item 3.

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5.2.8 – Caso o Reclamante seja portador de depressão, sua enfermidade éincurável? Se positiva a resposta, favor justificar.R.: Não. Favor se reportar ao relatório de avaliação psiquiátrica em anexo.

5.2.9 – O Reclamante poderia ser portador de depressão endógena?R.: A depressão têm causas multifatoriais, inclusive endógenas. Vide o item 3 erelatório de avaliação psiquiátrica em anexo.

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