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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL JULIANA BASÍLIO RODRIGUES A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO FAMILIAR FORTALEZA – CEARÁ 2012

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

JULIANA BASÍLIO RODRIGUES

A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO FAMILIAR

FORTALEZA – CEARÁ

2012

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JULIANA BASÍLIO RODRIGUES

A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO FAMILIAR

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, com requisito para obtenção de título de Bacharel em Serviço Social.

FOTALEZA – CEARÁ

2012

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JULIANA BASÍLIO RODRIGUES

A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER IDOSA NO ÂMBITO FAMILIAR

Monografia com pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores.

Data de aprovação ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Profª. Ms. Joelma Maria Freitas – Orientadora

______________________________________

Profª Ms. Socorro Letícia Fernandes Peixoto

______________________________________

Profº. Ms. Igor Monteiro Silva

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Aos meus AMADOS pais Mª Mirtes Basílio M. Rodrigues e Everaldo Rodrigues Oliveira. Aos meus avós João Batista de Melo (in memoriam) Lina Basílio, Joaquim Rodrigues (in memoria) e Antônia Pacífico (in memoriam). Aos meus irmãos Albino Bismarck e Gabriella e aos meus tios e tias. A todos os meus amigos e amigas, especialmente, os que construí nessa caminhada de realização. Aos professores, que batalharam pelo reconhecimento do curso e, em especial, à minha orientadora Joelma Mª Freitas e sua família, obrigada por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus por todas as bênçãos concedidas, pela

vida e pela proteção.

Agradeço aos meus amadíssimos pais Mirtes e Everaldo pelos esforços em

me formar e por sempre buscar me dar o melhor. Sei que esses anos não foram

nada fáceis, me faltam palavras para expressar e agradecer por tudo. Obrigada,

AMO VOCÊS!

Aos meus amados irmãos Albino e Gabriella pelo carinho e incentivo.

Aos meus familiares, em especial, às minhas tias Vilene, Maria, Helena e

Antonieta. Aos meus avós maternos, Lina e João Batista (in memoriam); paternos,

Antônia e Joaquim (in memoriam).

Ao meu amor Rocha Júnior, que me socorreu tantas vezes quando meu

computador dava problema, me emprestando o seu para poder fazer meus trabalhos

e a monografia. Vida, muito obrigada por seu amor, apoio, carinho e compreensão

nesse momento tão relevante em minha vida.

À família Frutuoso e Freitas nas pessoas de Joserene, Ângela e, em

especial, às minhas amigas irmãs Ana Larissa e Izabelle pelo apoio quando vim

residir em Fortaleza.

À professora orientadora Joelma Mª Freitas pelas escutas e por

compreender as minhas angústias e sempre ter palavras de incentivo.

À banca examinadora Letícia e Igor que se disponibilizaram a avaliar este

trabalho, muito obrigada.

Às idosas que participaram dessa pesquisa e revelaram as suas dores.

Às minhas companheiras de formação acadêmica Ayla, Camila, Maria de

Jesus, Michelle, meu muito obrigada. Foi muito bom trabalhar com vocês e torço

muito pelo sucesso de cada uma, eu espero que nossa amizade fique cada vez mais

forte, assim como eu e a Camila nos reencontramos na faculdade poderemos nos

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reencontrar na especialização, mestrado e por aí vai. À Maiara Lopes, obrigada por

sempre estar disposta a nos socorrer com as suas “aulinhas” de revisão de prova,

ela é puro Marx; a Lorena Suely e os demais amigos (as) de trajetória acadêmica,

meu muito obrigada.

A toda equipe que faz o Centro de Referência Especializado de Assistência

Social (CREAS - II) local em que desenvolvi meu estágio supervisionado sob as

orientações das Assistentes Sociais Cristina Cardozo, Eveline Lima, Rejane Araújo e

Silvana Cavalcante, meus agradecimentos pelos momentos de dedicação,

incentivos nesse processo de formação profissional; às psicólogas Danielle e

Fernanda, à assessora jurídica Natália Holanda, às coordenadoras Roberta Lopes e

Aretuza Cavalcante que me receberam de braços abertos e tive a oportunidade de

aprender muito com esses grandes profissionais. Ao apoio administrativo Rafaelle

Farias e Carlos, aos motoristas Sr. Newton e Sr. Fernando, aos educadores sociais

Joseane Damasceno, Núbia Alves, Mariano Pena, Elvira e Geilsa. Obrigada! Foi um

prazer enorme conviver esse período como vocês.

A todos os professores que fizeram parte desse momento de formação

acadêmica. Obrigada pelos puxões de orelha e ensinamentos que contribuíram para

meu crescimento pessoal e profissional. Em especial, a Alexandre Carneiro que tive

a grande oportunidade de tê-lo como professor e amigo. À Mônica Duarte, que

acompanhou a nossa turma desde o início e quase se forma novamente conosco se

não tivesse nos deixado no oitavo semestre, sempre nos dando força e dizendo “vai

dar tudo certo!”. Ao Igor Monteiro, que sempre ouvia minhas angústias e dizia

“calma, já termina, relaxe um pouco, assista a um filme relacionado ao seu tema.”.

Veja só, eu, em desespero, porque não estou conseguindo produzir e o Igor me

manda relaxar assistindo a um filme ou lendo uma matéria sobre meu tema, eu me

perguntava: “é para relaxar ou ficar mais doida?”. Muito obrigada por tudo,

principalmente pela paciência.

Enfim, agradeço a todos os familiares, amigos e profissionais que fazem

parte de minha história de vida e que de alguma forma torceu pela minha vitória.

Muito obrigada!

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“A violência, seja ela qual for a maneira como ela se

manifesta, é sempre uma derrota.”

Jean-Paul Sartre.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo compreender a percepção da violência psicológica contra a mulher idosa, a partir de seus relatos, como uma das múltiplas faces da violência no contexto familiar. O envelhecimento populacional é uma questão que faz parte do contexto mundial, dessa forma, está presente no mundo, no Brasil e em suas regiões. No Brasil, esse processo iniciou-se a partir do século XX e se prolonga até o século XXI, isso ocorre devido à baixa taxa de fecundidade das mulheres atribuída à sua inserção no mercado de trabalho, assim como também ao uso de métodos contraceptivos. O envelhecimento tem uma maior proporção nas mulheres e por sua vez é denominada de feminização da velhice e, devido a esse crescimento demográfico, a violência contra as mulheres idosas torna-se mais visível. Esse grupo é mais vulnerável às agressões devido aos preconceitos por ser mulher e idosa. A família nuclear que é baseada em pai, mãe e filhos vem passando por transformações e surgem novos arranjos familiares tidos como: família monoparental, ampliada, reconstituída, intergeracional, co-residência. A violência contra a mulher idosa tem maior incidência no seio da família com maior índice de violência psicológica que se revela através de xingamentos, desprezo e os sofrimentos são diversos, visto que você não espera essas manifestações das pessoas que você ama e principalmente por ser membro da família, filho(a), neto(a), genro e nora. Assim, conviver com essa dor e, ao mesmo instante, procurar uma resposta para a situação a qual vivencia, leva as idosas, às vezes, a se culpa pela violência.

Palavras-chaves: Envelhecimento, velhice, família, gênero, violência psicológica.

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ABSTRACT

Este trabajo tiene como objetivo entender la percepción de violencia psicológica contra la mujer de edad avanzada, de sus historias, como una de las múltiples caras de la violencia en el contexto familiar. Envejecimiento de la población es un tema que es parte del contexto global, por lo tanto, está presente en el mundo, en Brasil y en sus regiones. En Brasil, este proceso comenzó en el siglo XX y se extiende hasta el siglo XXI, esto es debido a la baja fertilidad de las mujeres asignadas a su inserción en el mercado laboral, así como el uso de anticonceptivos. Envejecimiento tiene una proporción mayor en las mujeres y a su vez es llamada feminización de la vejez y, debido a este crecimiento de la población, la violencia contra las mujeres mayores se hace más visible. Este grupo es más vulnerable a los ataques debido a los prejuicios por ser una mujer y los ancianos. La familia nuclear, que se basa en el padre, madre e hijos viene a través de transformaciones y nuevos arreglos familiares como: Familia monoparental, reconstituido, intergeneracional Co-residencia, extendido. La violencia contra la mujer de edad avanzada tiene mayor incidencia dentro de la familia con mayor índice de violencia psicológica que se revela a través de insultos, desprecio y sufrimientos son diferentes, porque no espera estas manifestaciones de sus seres queridos y principalmente como un miembro de la familia, hijo, nieto, yerno y nuera. Por lo tanto, vivir con este dolor y al mismo tiempo, buscar una respuesta a la situación que la experiencia, lleva a los ancianos, a veces, culpa de la violencia.

Palabras clave: Envejecimiento, vejez, familia, género, violencia psicológica.

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LISTA DE SIGLAS

BPC – Benefício de Prestação Continuada

CF – Constituição Federal

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CNDI – Conselho Nacional dos Direitos do Idoso

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

INPEA – Rede Internacional para a Prevenção dos Maus Tratos Contra o Idoso

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

OMS – Organização mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios

PNI – Política Nacional do Idoso

CNDPI - Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI)

RENADI - Rede Nacional de Proteção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa

SUS – Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS ............................................................................................. .......10

INTRODUÇÃO ................................................................................................... .......12

CAPÍTULO I: DESVENDANDO A QUESTÃO DO ENVELHECIMENTO MUNDIAL E DO BRASIL ........................................................................................................ .......21

1.1 O processo universal do envelhecimento populacional ............................. .......21

1.2 Ser idoso é: fenômeno natural e/ou cultural? ............................................ .......28

1.3 As imagens das idosas e suas representações ........................................ .......33

CAPÍTULO II: GÊNERO, ENVELHECIMENTO E FAMÍLIA: QUESTÕES PERTINENTES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ................................... .......45

2.1 Gênero e envelhecimento ......................................................................... .......45

2.2 Família e envelhecimento .......................................................................... .......49

2.3 Gênero x envelhecimento x família ........................................................... .......53

CAPÍTULO III: A REVELAÇÃO DA DOR: A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER IDOSA A PARTIR DOS SEUS DEPOIMENTOS ............................................... .......57

3.1 A violência e sua gênese: questão natural, instintiva ou questão social? .................................................................................................................. .. .......58

3.2 A construção do conhecimento da violência contra a pessoa idosa e os tipos de violência ................................................................................................... .......67

3.3 A violência psicológica: uma forma de dilacerar a pessoa idosa ............... .......75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... .......85

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... .......88

ANEXOS ............................................................................................................ .......96

ANEXO I: TERMO DE CONSENTIMENTO ........................................... ...................97

ANEXO II: ROTEIRO DE ENTREVISTA.................................... ...............................98

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo compreender a percepção da

violência psicológica contra a mulher idosa, a partir de seus relatos, como uma das

múltiplas faces da violência no contexto familiar. Para se chegar à compreensão da

violência nesse contexto, faz-se necessário entender o processo de envelhecimento;

o que é ser idoso, as transformações ocorridas na dinâmica das famílias e o que o

idoso representa para a família.

As indagações para o estudo partem das análises das relações sociais dos

idosos com seus familiares antes dos conflitos começarem. Por que a família que

era para ser o aparato do idoso comete a violência? O que fez com que neste

momento da vida os(as) filhos(as), os(as) netos(as), os genros e noras não prestem

cuidados e proteção à idosa? Será que as políticas sociais que são disponibilizadas

pelo Estado atendem às necessidades da família para prover os cuidados das

idosas? Como as idosas percebem a violência psicológica sofrida no âmbito

familiar? Será que o Estatuto do Idoso assim, como também a Política Nacional do

Idoso e o Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra a Pessoa Idosa

correspondem às expectativas das idosas? Será que a sobrecarga do cuidado com

a idosa é um dos fatores que levam a família a praticar a violência? Quais são os

principais fatores que levam a família a exercer a violência contra a idosa?

Diante do exposto, a motivação dessa proposta de estudo foi construída. A

relevância do problema social e a situação da violência familiar contra a pessoa

idosa crescem a cada dia em Fortaleza – Ceará. Compreende-se ainda que se trata

de um assunto de grande acuidade, apesar de ainda ser tratado com desprezo por

uma boa parcela da sociedade brasileira. Muitos veem os idosos como seres

imprestáveis, inúteis, obsoletos, que só são válidos enquanto exercem alguma

atividade laborativa remunerada.

O despertar do interesse pela temática ocorreu no desenvolvimento da

prática em Estágio Supervisionado em Serviço Social I, II e III realizada no Centro de

Referência Especializado de Assistência Social (CREAS II). Desta forma, houve a

aproximação com os sujeitos da pesquisa. O estágio teve início em março de 2011,

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com o término em junho de 2012. Nesse período, foi possível observar a demanda

da população idosa em relação à questão da violência psicológica no contexto

familiar. Isso ocorreu através de recebimento de denúncias que chegam ao serviço

por meio de ligações, encaminhamentos de outros órgãos ou demanda espontânea,

isto é, quando a(o) idosa(o) vai por livre espontânea vontade procurar um auxílio.

As visitas domiciliares também proporcionaram essa aproximação, assim como

também conhecer a realidade social da família. Portanto, o sujeito dessa pesquisa é

o idoso que vivencia a violência psicológica no contexto familiar. Mas

especificamente, o foco recai sobre as idosas.

A história da mulher é marcada pelo patriarcalismo e ainda hoje no bojo da

sociedade contemporânea esse modelo de família ainda possui alguns resquícios

que permeiam as relações sociais. A imagem do homem é muito forte, e tem como

base o poder, a força e a dominação, sobretudo na sociedade ocidental. A violência

psicológica contra a mulher não deixa marcas expostas, mas sim marcas na alma,

pois as humilhações que o ser humano passa, acabam provocando o seu

isolamento social que pode se acarretar em uma depressão. A ameaça é uma das

características bem marcante na violência psicológica contra a mulher e, por sua

vez, deixa-a refém de seus agressores em que, muitas vezes, elas não denunciam

por medo e receio de que o seu vitimizador cumpra suas ameaças.

Hoje, na cena contemporânea da sociedade brasileira pode-se observar que

o país está passando por um processo de envelhecimento populacional. Esse fato

se dá devido ao aumento da expectativa de vida da população, a qual mais que

dobrou nos últimos anos. Outro fator que influência esse processo é a redução da

taxa de fecundidade das mulheres, ou seja, as mulheres, atualmente, estão

passando por um planejamento familiar e, consequentemente, as famílias estão com

o número reduzido de filhos.

Estima-se que em 2050, a população de idosos no Brasil seja igual à

população de jovens em que cada grupo irá representar 18% da população (IBGE,

2004). Em relação à transformação que a sociedade brasileira está vivenciando

Debert (1999, p, 12) expõe:

A preocupação da sociedade com o processo de envelhecimento deve-se, sem dúvida, ao fato de os idosos corresponderem a uma parcela da população cada vez mais representativa do ponto de vista numérico.

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Contudo, explicar por razões de ordem demográfica a aparente quebra da ‘conspiração do silêncio’ em relação à velhice é perder a oportunidade de descrever os processos por meio dos quais o envelhecimento se transforma em um problema que ganha expressão e legitimidade, no campo das preocupações sociais do momento. Considerar as mudanças nas imagens e nas formas de gestão do envelhecimento são puros reflexos de mudanças na estrutura etária da população é fechar o acesso para a reflexão sobre um conjunto de questões que interessa pesquisar.

A questão do envelhecimento não atinge apenas uma região do Brasil, mas

todas as regiões que compõem o país, entre eles estão suas regiões Sul, Sudeste,

Centro Oeste, Norte e Nordeste. O estado do Ceará faz parte da região Nordeste e,

entre os anos de 1998 a 2008, apresentou uma população mais envelhecida. De

acordo com os dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

(IPECE, 2009), em 1998, a sua população idosa era de 618.917 habitantes, já em

2008, essa população teve um crescimento de 295.597 habitantes, representando

um aumento significativo de 47,8%, no qual a população de idosos passou para

914.514 habitantes. Nesse período, o estado do Ceará ocupou a 7º posição em

relação à população idosa, e nessa mesma ocasião os estados que tiveram maiores

números de idosos foram São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Com o ritmo acelerado da população idosa, o conceito de idoso entra em

discussão, pois para o ser humano ser estimado idoso é levado em consideração a

esperança de vida da população. Assim, essas mudanças decorridas na demografia

brasileira influenciam a denominação de idoso. No Brasil, para uma pessoa ser

considerada, legalmente, idosa tem-se como base a Lei nº 10.741, de 1º de outubro

de 2003 que estabelece o Estatuto do Idoso. Essa Lei considera a pessoa idosa

aquela que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos de idade. Esse

critério é utilizado pelas políticas sociais e pela Organização Mundial de Saúde

(OMS), isso nos países desenvolvidos.

Porém para chegar a essa definição do Estatuto do Idoso, o Brasil teve

antes duas Leis que definiu o idoso, essas Leis foram: a Constituição Federal de

1988 que considerava idoso a pessoa com a idade igual ou superior a 65 (sessenta

e cinco) anos. A Política Nacional do Idoso através da Lei 8.842, de 4 de janeiro de

1994 tinha a pessoa como idosa aquela que possuísse idade igual ou superior a 60

(sessenta) anos.

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O aumento da expectativa de vida influencia na instituição familiar, pois as

mudanças nos fatores socioculturais e econômicos afetam a dinâmica da família.

Diante dessa cena contemporânea que a sociedade vivencia, novos arranjos

familiares se formam, apresentando novas composições familiares. As famílias não

são mais compostas por pai, mãe e filhos. Tem-se a família ampliada ou

intergeracional que é composta pelos pais, filhos e outros parentes (netos, primos,

sobrinhos, avós) no mesmo convívio familiar.

A violência é um fenômeno que faz parte do nosso dia a dia e está presente

desde os primórdios da história e em todo o mundo, seja nos países desenvolvidos

ou em desenvolvimento, logo não é algo exclusivo de um único país ou estado.

Desse modo, também se faz presente inclusive no Brasil; atingindo as crianças, os

adolescentes, as mulheres, os(as) idosos(as), os homossexuais etc. Contudo, a

violência não pode ser abordada como um problema isolado do contexto social, pois

é imprescindível conhecer as relações em que os cidadãos estão inseridos e

reconhecer que as expressões da violência são multifacetadas, atinge a todos sem

distinção de classe social, gênero (mulher e homem), crianças e idosos(as). No

entanto, as mulheres são um grupo mais vulnerável.

Pode-se dizer que a violência não se manifesta apenas na força física, mas

também na forma psicológica, simbólica, doméstica, sexual, entre outras. Entretanto,

todas as formas de violência são violação de direito, pois a liberdade é um princípio

da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que está sendo violado, ou seja,

infringido, e, por sua vez, está presente em todas as classes sociais.

O estudo da violência teve início na área da saúde na década de 1960, com

a violência praticada contra crianças e adolescentes, que ficou conhecida como a

“síndrome do bebê espancado”. Posteriormente nos anos 1970, os estudos partiram

para a perspectiva da violência contra a mulher e ainda, em meados da década de

1975, iniciam-se as pesquisas de violência contra o idoso em que ficou denominado

de “espancamento de avós”, porém foi a partir dos anos 1990, que a violência contra

a pessoa idosa ganha uma maior visibilidade no mundo acadêmico.

A violência contra os idosos vem entrando nas estatísticas em Fortaleza –

Ceará. De acordo com o Jornal Diário do Nordeste (2012), na capital do Estado, a

violência contra a pessoa idosa teve um crescimento de 673% dos casos e a

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violência psicológica está em primeiro lugar. A matéria teve como base os dados da

Promotoria de Justiça do Idoso e da Pessoa com Deficiência, que no ano de 2006,

ano que o órgão foi criado, foram registrados 41 procedimentos; no ano de 2011,

esse número passou para 727, assim, em cinco anos de criação, esse órgão

registrou um aumento que representou 673% dos casos e no ano de 2012, de

janeiro a junho, já foram registrados 437 casos.

O documento da Política Nacional de Redução de Acidentes e Violência do

Ministério da Saúde (apud MINAYO, 2005) destaca alguns tipos de violência que

são cometidos contra as(os) idosas(os): abuso físico, maus tratos físicos ou violência

física; abuso psicológico; abuso sexual ou violência sexual; abandono; negligência;

auto-negligência.

Através desse estudo, busca-se tornar a violência contra a pessoa idosa um

assunto que possa ser discutido no âmbito social e que a sociedade conheça as

mais variadas formas de violência que atinge as idosas. A partir desse fato, percebe-

se a necessidade de pesquisas sobre essa expressão da questão social que

abrange esse público e, assim, contribuir para que o Estatuto do Idoso e as políticas

públicas de enfrentamento à violência contra o idoso sejam nítidos para a sociedade,

e cooperar para a quebra do ciclo da violência e da banalização. Deste modo, a

análise também poderá proporcionar outras pesquisas que venham a questionar a

violência psicológica contra a mulher pessoa idosa e ocasione novos subsídios para

a compreensão dessa violência no âmbito familiar.

Para se chegar até os sujeitos foi realizado um levantamento e estudo dos

casos no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS II), para

ter um maior conhecimento da realidade que as idosas estão vivenciando.

Preliminarmente, esse estudo utilizou a abordagem qualitativa, pois esse método

proporciona ao investigador buscar interpretar os significados que são apresentados

e os que não estão visíveis e precisa da atenção do pesquisador, isto é, não estão

apenas no sentido de colher as informações, mas sim interpretar os elementos que

são fornecidos pelos sujeitos da pesquisa. (CHIZZOTTI, 2006). Assim, a pesquisa

qualitativa proporcionará interpretar os silêncios, os gestos, o tom de sua fala no

momento das respostas e até mesmo suas omissões.

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Para Minayo (2004, p. 21), a pesquisa qualitativa:

responde a questões muito particulares, ela se preocupa nas ciências sociais com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Na pesquisa bibliográfica, foram utilizados autores, tais como: Arend (2011);

Beauvoir (1990); Berzins (2003); Camarano (2002; 2004); Camarano e Pisinato

(2004); Debert (1999); Fraga (2002); Giddens (2005); IBGE (2008; 2009; 2012);

Machado e Queiroz (2012); Minayo (2005), entre outros. As categorias que

permeiam o estudo são: envelhecimento; família; velhice; violência e violência

psicológica.

A pesquisa de campo teve o CREAS II como porta de entrada para ter

acesso às idosas vítimas de violência psicológica, pois, a partir desse órgão, a

identificação das vítimas tornou-se mais simples. O município de Fortaleza – Ceará

tem a sua administração de forma descentralizada que, por sua vez, a sua gestão é

executada através das Secretarias Executivas Regionais (SER´s), que é composta

por seis (06) SER´s. O CREAS II localiza-se na Rua: Dr. Thompson Bulção, nº 853,

Bairro: Engenheiro Luciano Cavalcante; telefone/fax: 3452 1888.

O serviço CREAS II abrange a SER II, composta pelos bairros: Aldeota, Cais

do Porto, Cidade 2000, Cocó, De Lourdes, Dionísio Torres, Engenheiro Luciano

Cavalcante, Guararapes, Joaquim Távora, Manuel Dias Branco, Meireles, Mucuripe,

Papicu, Praia de Iracema, Praia do Futuro I e II, Salinas, São João do Tauape,

Varjota, Vicente Pinzon. A SER IV é formada pelos bairros: Aeroporto, Benfica, Bom

Futuro, Couto Fernandes, Damas, Dendê, Demócrito Rocha, Fátima, Itaperi, Itaóca,

Jardim América, Montese, Parreão, Pan Americano, Parangaba,São Jose Bonifácio,

Serrinha, Vila Pery e Vila União.

Os sujeitos da pesquisa foram identificados através da análise dos casos de

denúncias recebidas nesse órgão. Foram selecionadas duas participantes

denominadas de Jasmim, Comigo Ninguém Pode e seus vitimizadores Raí e

Messias. Todos os nomes são fictícios com o intuito de preservar a identidade dos

envolvidos no estudo.

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• Jasmim nasceu em Fortaleza – Ceará; tem 73 anos, branca,

aposentada, estudou até a 5ª série do Ensino Fundamental. Filha de

agricultor e dona de casa, sua família era formada por nove membros. Casou-

se cedo, teve três filhos, ficou viúva aos 54 anos, cuidou dos pais até o

falecimento dos mesmos, sua mãe faleceu aos 93 anos. Trabalhou na

Universidade de Fortaleza (Unifor) como auxiliar de serviços gerais. Criou o

neto Raí, desde 24 horas de nascido, e, desde então, sempre se dedicou a

ser mãe e avó. Hoje, Raí seu vitimizador tem 19 anos e não está mais

morando em sua residência. O lócus da residência de Jasmim é em um

espaço fechado com três residências, a sua casa é duplex que tem acesso

independente, sua filha mora na parte inferior com seu esposo e sua neta.

Jasmim reside na parte superior. E nas outras duas casas que residem seus

outros dois filhos. Durante o dia, fica com a companhia da neta de 9 anos,

que estuda no período da tarde. Em relação à saúde, Sra. Jasmim tem

problemas de coluna.

• Comigo Ninguém Pode nasceu em Cascavel – Ceará; tem 77

anos, negra, pensionista, viúva há mais de 10 anos, estudou até a 3ª série do

Ensino Fundamental. Filha de cantador, repentista e dona de casa. Seus pais

se separaram quando ela e seus irmãos ainda eram todos pequenos e os

mesmos ficaram sob os cuidados do pai. Aos 18 anos, veio residir em

Fortaleza à procura de melhores condições de vida, pois sua infância foi

muito sofrida. Trabalhou em casa de famílias, casou-se aos 22 anos. Teve 12

filhos, e duas vieram a falecer. Uma com um ano e seis meses, devido a uma

paralisia infantil; e a outra filha, já adulta, que residia no Rio de Janeiro (não

quis mencionar o motivo do falecimento). Messias é seu filho e vitimizador

tem 46 anos, é paralítico devido à paralisia infantil quando tinha sete meses

de vida. A casa é de alvenaria: sala, três quartos, banheiro, cozinha e área de

serviço. Na residência mora Comigo Ninguém Pode e Messias, porém tem um

neto, que todas as noites, ele dorme em sua casa, pois a referida idosa se

sente ameaçada por Messias. Em relação à saúde Comigo Ninguém Pode é

hipertensa.

O instrumento de pesquisa utilizado foi a entrevista estruturada. A entrevista

teve a finalidade de aprofundar o conhecimento sobre a situação que as idosas

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vivenciam. Segundo Gil (2011, p. 113), “a entrevista estruturada desenvolve-se de

uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanece invariável para

todos os entrevistados [...]”. Foi realizada a gravação das entrevistas, uma vez que

esse recurso possibilita que nenhuma informação fornecida pelos sujeitos seja

perdida e ainda permite ao pesquisador conferir inúmeras vezes o conteúdo

fornecido pelos sujeitos. Vale mencionar que foi solicitado o consentimento das

idosas investigadas. As entrevistas ocorreram nas residências das idosas com dois

encontros e duraram em torno de 1 hora e 30 minutos. O motivo mais relevante que

recaiu na escolha de realizar as entrevistas nas residências se deve ao fato de

deixar as idosas mais livres para falar desvinculada da instituição, já que o trabalho

não possui nenhuma vinculação com o CREAS II. As idosas fazem parte da SER II,

mais especificamente, do Bairro: Engenheiro Luciano Cavalcante.

O presente trabalho foi estruturado em três capítulos, que por sua vez

apresentam os dados e os discursos dos sujeitos pesquisados estabelecendo

relações com as teorias expostas. O primeiro capítulo com o título

“DESVENDANDO A QUESTÃO DO ENVELHECIMENTO MUNDIAL E DO BRASIL” traz a discussão sobre envelhecimento no mundo e no Brasil. Faz uma

reflexão sobre o que é ser idoso, das imagens e das suas representações e aborda

a velhice como um fenômeno natural ou cultural.

O segundo capítulo denominado de “GÊNERO, ENVELHECIMENTO E FAMÍLIA: questões pertinentes na sociedade contemporânea” faz uma

discussão sobre gênero a partir das reflexões de Saffiot (1994, 1999 e 2004) e Scott

(1989). Busca ainda fazer uma reflexão sobre a categoria família, fazendo uma

interface com os papéis atribuídos à idosa no contexto familiar, para esse fim toma-

se como referência o pensamento de Giddens (2005) e Osterne (2001).

O terceiro capítulo intitulado “A REVELAÇÃO DA DOR: a violência contra a mulher idosa a partir dos seus depoimentos” faz uma reflexão sobre a violência

contra a idosa tendo como referência o estudo de Minayo (2005), porém,

preliminarmente, faz uma análise da violência e da sua gênese. Em seguida, traz o

debate gerado em torno da violência contra a pessoa idosa, apresentando os tipos

de violência e, posteriormente, analisa-se a violência psicológica como uma forma

de dilacerar a pessoa idosa.

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Por fim, as considerações finais do trabalho expondo as questões da

compreensão e da percepção das idosas acerca da violência psicológica, trazendo a

reflexão da pesquisa sobre a temática.

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CAPÍTULO I - DESVENDANDO A QUESTÃO DO ENVELHECIMENTO MUNDIAL E DO BRASIL

Este primeiro capítulo traz a discussão do envelhecimento populacional,

partindo da compreensão que a questão do envelhecimento não é uniforme e não

está isolada do contexto mundial. Portanto, neste capítulo busca-se compreender o

envelhecimento mundial e no Brasil, apresentando as assembleias mundiais sobre o

envelhecimento. Visa ainda analisar a construção do conceito do idoso e a

formulação de suas imagens.

1.1 O processo universal do envelhecimento populacional

O envelhecimento populacional 1 é hoje uma realidade mundial, pois é

considerado como um fenômeno que não diz respeito apenas a um determinado

país ou estado, mas sim a todo o mundo. Porém, em cada país e/ou estado o

processo de envelhecimento ocorre de forma diferenciada, visto que as extensões

geográficas, econômicas e políticas dos países influenciam na ação do

envelhecimento da população. O IBGE (2008) divulgou dados em relação ao

envelhecimento mundial, em que nos países denominados BRINCs, isto é, os países

emergentes (também chamados de países em desenvolvimento) tais como: Brasil,

Rússia2, Índia, China e África do Sul3 juntos possuem cerca de 273 milhões de

pessoas com 60 anos ou mais de idade, correspondendo 40,6% da população idosa

mundial, isso de acordo com as estimativas das Nações Unidas para o ano 2005.

1 “Em demografia, entende-se por envelhecimento populacional o processo de crescimento da população considerada idosa em uma dimensão tal que, de forma sustentada amplia-se a sua participação relativa no total da população. Um dos indicadores que melhor avaliam o envelhecimento demográfico é a razão entre a população idosa e a população jovem (até 15 anos). [...]” (BERZINS, 2003, p. 22). 2 A Rússia tem se destacado dos demais países BRINCs, pois o seu processo de envelhecimento populacional é mais intenso do que nos outros países, isso se deu devido à queda de fecundidade ter se iniciado antes dos demais países do grupo. (IBGE, 2008). 3 Entre os países que formam o denominado BRINCs, a África do Sul é o único que não se encontra entre os 10 países com maior população idosa absoluta. (IBGE, 2008).

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De acordo com Veras (2003), o processo de envelhecimento, nos chamados

países desenvolvidos, ocorreu de forma gradual, como por exemplo, a Inglaterra4,

em que o envelhecimento de sua população teve início após a Revolução Industrial.

Já nos países considerados em desenvolvimento como é o caso do Brasil, o

envelhecimento da população está ocorrendo de forma acelerada e provocando

mudança na chamada pirâmide populacional. Analisando os dados do Censo

Demográfico de 2010 observa-se que nas últimas quatro década (1980, 1990, 2000

e 2010)5 o país teve um considerável aumento na sua população idosa, em que de

1980 a 2010, o crescimento foi de 13,3 milhões de idosos no Brasil. Isso significa

que a população com mais de 60 anos de idade está vivendo mais.

A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que, em 2050, a população

de idosos no Brasil irá triplicar, chegando a 64 milhões de idosos, desta forma, a

demografia brasileira vem apresentando um crescimento em sua população, em que

ocorre a diminuição da população jovem e acentua a população com mais idade.

Diante do processo de envelhecimento mundial em alta, esse fenômeno

passou a chamar atenção da Agenda Internacional que promoveu a primeira

Assembleia Mundial sobre o envelhecimento, que foi realizada em Viena no ano de

1982, ficando conhecida como “O Plano de Viena”. A segunda Assembleia ocorreu

após 20 anos, mais especificamente em 2002 em Madri e ficou conhecida como o

“Plano de Madri”. Esses dois planos tiveram como objetivo discutir a questão do

envelhecimento populacional no mundo.

O Plano de Viena representou um avanço nas discussões em relação à

questão do envelhecimento, visto que esse assunto não era tão debatido nem

representava uma relevância para as assembleias nem para as agências

especializadas das Nações Unidas. Essa questão era tratada de forma discriminada

pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Organização Mundial de

4 Segundo o estudo de Minayo (2005), os países europeus levaram cerca de 140 anos para o envelhecimento de sua população, e isso está relacionado às condições distintas dos países e devido ao Welfare State, ou seja, da política de bem estar social que os países europeus se preocupavam em garantir serviços públicos de qualidade à população. Ainda de acordo com a autora a faixa etária que mais se eleva nesses países é a população com mais de 80 anos de idade. 5 Em 1980, a população idosa no Brasil era de 7,226,805; em 1991 esse número cresceu para 10,722,705; no ano 2000, passou para 14,538,988; e em 2010, foi para 20,588,891 (IBGE, 2010).

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Saúde (OMS) e pela Organização para a Educação, Ciências e Cultura (UNESCO).

(CAMARANO; PASINATO, 2004).

Esse Plano teve entre seus objetivos garantir a segurança econômica e

social dos indivíduos idosos, e, em seu marco, teve como referência a Conferência

dos Direitos Humanos que foi realizada em Teerã (República Islâmica do Irã) no ano

de 1968. Isso se deu devido ao contexto político, econômico e social que o

segmento da população idosa se encontrava, pois esse grupo está mais vulnerável a

sofrer com as consequências do colonialismo, neocolonialismo, racismo e das

práticas do apartheid. A preocupação com a população idosa partiu de uma

implicação de tendências demográficas em que a base da pirâmide se estreita e o

topo se eleva.

O Plano Internacional de Ação de Viena sobre o envelhecimento foi

estruturado em 66 pontos. Eles são referentes às áreas: saúde, nutrição, proteção

de consumidores idosos, habitação e meio ambiente, família, bem estar social,

previdência social, emprego e renda e educação. Um dos principais objetivos desse

Plano foi colocar na agenda internacional questões relacionadas ao envelhecimento

individual e da população. No momento da assembleia, o foco foi os países

desenvolvidos, mas, desde a realização desse fórum, os países em

desenvolvimento passaram a integrar a essa discussão e entre eles está o Brasil

(CAMARANO; PASINATO, 2004).

O Plano de Viena influenciou as discussões do envelhecimento no Brasil e o

avanço está relacionado à Constituição Federal (CF) de 1988 com a política de

proteção social do país e também na composição da Política Nacional do Idoso

(PNI). A principal extensão do plano foi na questão da seguridade social, em que a

proteção social não permanecesse apenas vinculada ao contexto social-trabalhista e

assistencialista e passasse a adquirir uma conotação de direito dos cidadãos e

dever do Estado.

O Plano de Madri foi a segunda Assembleia Mundial realizada em 2002 na

Espanha em um contexto completamente diferente de Viena. Contou com a

participação do Estado e a sociedade civil, Conselho econômico e social da

Organização das Nações Unidas (ONU). A referência desse momento foi a

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Conferência das nações Unidas sobre Direitos Humanos que foi realizada em 1993,

em Viena.

Nessa assembleia, foi discutido o rápido processo de envelhecimento no

início do século XXI. O objetivo é que esse Plano exerça influência nas políticas e

programas voltados para a população idosa em todo o mundo, porém com ênfase

nos países em desenvolvimento. Esse Plano teve como base três princípios: a

participação ativa dos idosos na sociedade no desenvolvimento e na luta contra a

pobreza; o fomento de saúde e bem estar na velhice: promoção do desenvolvimento

saudável; e a criação de um entorno propício e favorável ao envelhecimento

(CAMARANO; PASINATO, 2004).

A influência desse Plano no Brasil foi em relação à elaboração do Estatuto

do Idoso, que buscou adequar-se às orientações do Plano. O Estatuto do Idoso está

disposto em 118 artigos que visam garantir os direitos da pessoa idosa na área: da

saúde, do transporte, da previdência social, da habitação, da cultura, do esporte e

do lazer, dentre outros.

O fenômeno do envelhecimento populacional no Brasil teve início no século

XX. Ocorreu de forma retraída a partir dos anos 1940, mas acentuando o seu quadro

de envelhecimento após os anos 1960 devido a uma expressiva queda na taxa de

fecundidade, isto é, quando o país começou a registrar baixas taxas de fecundidade

entre as mulheres, e com essa transformação ocasionou o aumento da população

idosa no contexto social brasileiro (IBGE, 2009).

Segundo Camarano (2002), o envelhecimento da população idosa está

relacionado a dois processos: a alta fecundidade no passado, principalmente, nos

anos 1950 e 1960, comparada à fecundidade da atualidade; e a redução da

mortalidade da população idosa.

A baixa taxa de fecundidade hoje, ou seja, a diminuição de filhos nas

famílias está relacionada às transformações que vêm acontecendo nas famílias

brasileiras, a exemplo disso é a inserção da mulher no mercado de trabalho, o

planejamento familiar através do uso da pílula anticoncepcional 6 , assim como

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também de outros métodos contraceptivos (IBGE, 2004). Já a queda na taxa de

mortalidade entre os idosos contribuíram para o aumento da expectativa de vida dos

brasileiros. Essa diminuição pode ser relacionada a tais aspectos como: o acesso ao

Serviço Único de Saúde (SUS), isto é, a universalização dos serviços de saúde, as

políticas e os programas de assistência social7, as políticas de atendimento aos

idosos8, que está garantido na Lei 10.741 Estatuto do Idoso de 2003, através do

Título IV, Capítulo I artigo 46. “A política de atendimento ao idoso far-se-á por meio

do conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

O estudo de Minayo (2005) apresenta outro elemento comparado ao estudo

de Camarano (2002). A pesquisadora expõe que o envelhecimento do Brasil não

está apenas ligado ao fator da queda na taxa de fecundidade, pois na concepção da

estudiosa há outros fatores que influenciam esse crescimento e cita como exemplo

as melhorias nas condições de vida da população. Um exemplo disso está no

avanço da medicina com a descoberta de novas vacinas para o segmento de idosos

e na estrutura sanitária, isto é, no saneamento básico que proporciona melhores

condições de higiene e vida para a população. Porém, neste bojo apresentado, no

ponto de vista da pesquisadora é a taxa de fecundidade que mais influencia no

crescimento da população idosa, já que essa taxa vem decaindo com o passar dos

anos no país. Portanto, está ocorrendo uma mudança na demografia brasileira

contribuindo para que o país deixe de ser considerado jovem e torne-se envelhecido.

6 Segundo Sarti (2002), a pílula anticoncepcional teve início no Brasil na década de 1960, e nessa mesma década se mundializou. 7 Segundo a Política Nacional de Assistência Social, a Proteção Social Básica por meio do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) os idosos são inseridos nos Centros de Convivência para Idosos (PNAS, 2004). Esse serviço ofertado para os idosos tem como foco desenvolver atividades que contribuam no processo de envelhecimento saudável, desenvolvimento da autonomia e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e na prevenção de situações de risco social, violência e o isolamento do idoso (BRASIL, 2009). 8 No artigo 47º inciso I políticas sociais básicas, previstas na Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. As políticas previstas nessa Lei são: na área de promoção e assistência social; na área de saúde; na área de educação; na área de trabalho e previdência social; na área de justiça e na área de cultura, esporte e lazer.

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Assim, devido a esses fatores já mensurados, a população idosa com mais

de 60 anos de idade está em constante crescimento no Brasil, afetando a todos sem

distinção de gênero e classe social.

Considerando as informações do IBGE (2004), em relação à taxa de

fecundidade das mulheres brasileiras, o estudo apontou que, na década de 1960, as

mulheres tinham em média seis filhos, até que no ano 2000, essa média chegou a

2,39 filhos por mulher. Esses dados mostram que, em 40 anos, o Brasil teve uma

acentuada queda na sua taxa de fecundidade, em que 3,61 filhos por mulher

deixaram de ser gerados. Com o avanço dos anos, a média de filhos só tende a

declinar, é o que aponta a estimativa do IBGE (2004) que em 2023, será 2,01 filhos

e em 2062, a taxa será de zero filho e a população começará a reduzir.

Estima-se que, em 2050, a população de idosos se iguale a de jovens

abaixo de 14 anos, em que cada grupo representará 18% da população (IBGE,

2004). Esse fenômeno provoca desafios no campo socioeconômico, na sociedade e

na família demandando políticas públicas para atender esse público. Contudo, o

envelhecimento faz parte do processo de evolução da espécie humana e é um

direito fundamental, assim como a Constituição Federal de 1988 e a Declaração

Universal dos Direitos Humanos de 1948 afirmam que todos têm direito à vida, à

liberdade. Portanto, a velhice é direito de todos, assim, esse direito não está

relacionado em apenas viver muito, mas sim viver com dignidade e respeito de

todos.

O aumento da população idosa não ocorre de modo uniforme entre os

segmentos de gênero. Dados do IBGE (2008) preveem que, em 2050, a população

feminina total poderá chegar a 7 milhões a mais do que os homens. As conquistas

na área da saúde da mulher, assim como também avanços nas prevenções e nos

tratamentos de doenças, influenciaram para que a expectativa de vida das mulheres

seja mais elevada do que as dos homens. Sendo assim, faz com que as mulheres

vivam mais do que os homens.

Segundo Veras (2003), há algumas hipóteses que explicam a diferença na

expectativa de vida entre gênero, em que as mulheres acabam vivendo mais que os

homens. Entre essas hipóteses estão: menor exposição a risco de acidentes;

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suicídios; menor consumo de álcool e cigarro, que contribuem para as mortes por

neoplasia e doenças cardiovasculares; atitudes em relações às doenças, pois as

mulheres fazem mais uso dos serviços de saúde; atendimento médico-obstétrico,

que fez reduzir a mortalidade materna.

Neste cenário apresentado, observa-se o envelhecimento feminino

acentuado, apresentando um percentual bem significativo entre os gêneros. A

população absoluta de idosos no Brasil é mais de 20 milhões9 de pessoas, e destas

mais de 11 milhões são mulheres representando 55,56% desse segmento social

(IBGE, 2010). De acordo com a Tábua de Mortalidade de 2010 da população

brasileira agrupando os dados do Censo Demográfico de 2010, as mulheres têm sua

expectativa de vida em média de 77,32 anos e os homens 69,73 anos. Logo se pode

dizer que o envelhecimento populacional é uma questão de gênero, já que as

mulheres têm a expectativa de vida mais elevada do que as dos homens.

A ação do envelhecimento populacional não ocorre de modo igual e

isoladamente do país, estados e das regiões. A decadência na taxa de fecundidade

e da mortalidade influencia a ação do envelhecimento. Todavia, as diferenças

regionais permitem que cada Estado tenha seu processo de envelhecimento

diferente, por isso que há regiões que o índice de envelhecimento é mais alto do que

outras como, por exemplo, a regiões Sul e Sudeste que tem seu índice mais elevado

do que as regiões Norte e Nordeste (IPECE, 2009).

O processo do envelhecimento populacional, isto é, o aumento da

expectativa de vida da população com mais de 60 anos de idade faz parte da

evolução da vida da humanidade brasileira e, consequentemente, do estado do

Ceará, principalmente, da cidade de Fortaleza, a capital do estado. O

envelhecimento da população de Fortaleza não ocorre de forma isolada do contexto

brasileiro, assim, a redução das taxas de fecundidade e mortalidade altera a

estrutura etária do país e também influencia nas regiões e cidades, como é o caso

de Fortaleza.

O IBGE (2011) revelou as cidades mais populosas do país, e entre elas está

Fortaleza, que teve um destaque, ocupando o quinto lugar no ranking com mais de 2 9 Para maior detalhe ver nota de rodapé número 5.

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milhões de habitantes. Ainda revela que desde o ano 2000, a capital do estado do

Ceará vem ocupando esta posição, sendo assim, entre esses mais de 2 milhões de

residentes, está também a população idosa com mais de 60 anos.

A cidade de Fortaleza, em 2000, tinha sua população no total de 2.141.402

habitantes, em que destes 160.148 (7,47%) são considerados idosos com 60 anos

ou mais. No Censo Demográfico de 2010, a população absoluta, isto é, a população

total foi de 2.452.185, representando um aumento de 310.783 habitantes. Dessa

população absoluta de 2010, 237.076 (9,67%) é a população relativa, ou seja, são

idosos com 60 anos ou mais. Portanto, em 10 anos, a população idosa teve um

crescimento de 2,2% em Fortaleza (IBGE, 2010).

Diante dos dados, percebe-se que o envelhecimento de Fortaleza também

está ligado à queda nas taxas de fertilidade e mortalidade como em todo país e

mundo, e por sua vez acaba provocando mudança na estrutura etária. Pois, assim

como as condições de vida e saneamento básico influenciam na longevidade do

país, também influencia nas cidades e regiões.

1.2 Ser idoso é: fenômeno natural e/ou cultural?

O que é ser idoso? No Brasil, para o ser humano ser considerado idoso,

tem-se como base o limite etário, porém classificar uma pessoa como idosa torna-se

complexo, pois muitos atribuem o idoso à suas características biológicas, aos sinais

de senilidade e sua incapacidade física e mental. Entretanto, a classificação desse

segmento não pode ser atribuída apenas a partir de um determinado ciclo de vida

orgânico, mas também do ponto de vista da esfera social, como por exemplo, do

trabalho e da família. (CAMARANO; PASINATO, 2004).

Assim, definir as características que marcam o início, o meio e o fim dessa

etapa da vida não é algo tão fácil, pois não se deve considerar simplesmente a

cronologia, isto é, o passar dos anos que determina se o ser social é velho ou não,

logo há outros fatores que influenciam no processo de envelhecimento do ser

humano. Contudo, o envelhecimento ocorre de forma diferente em cada ser

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humano, uma vez que há fatores diferentes entre gênero (homens e mulheres) entre

as classes sociais e entre as regiões. Pode-se dizer que as influências históricas,

sociais e culturais fazem parte do envelhecimento do ser humano e para

compreender esse fenômeno social é imprescindível analisar esses determinantes.

Em relação à diferenciação da velhice entre gênero, por exemplo, Beauvoir

(1990, p. 104) atribui à caracterização da menopausa nas mulheres, que após esse

ciclo a mulher ganha sua liberdade,

A velhice não tem o mesmo sentido nem as mesmas conseqüências para os homens e mulheres. Apresenta para estas últimas uma vantagem particular: depois da menopausa, a mulher não é mais sexuada; torna-se homóloga da menina impúbere e escapa, como esta, a certos tabus alimentares. As proibições que pesavam sobre ela, por causa da mácula mensal, são suspensas. Pode tomar parte nas danças, beber, fumar, sentar-se ao lado dos homens.

Para Prado e Sayd (2006), a velhice é vista como a última fase do ciclo da

vida do ser humano, e é nessa fase que o indivíduo tem o declínio dos eventos

múltiplos como, por exemplo, perdas psicomotoras, afastamento social, restrição em

papéis sociais e especialização cognitiva.

A sociedade atribui papéis ao idoso levando em consideração sua

especificidade, porém esses papéis que são atribuídos aos idosos não atinge a

expectativa da sociedade, pois segundo Laslett (1996, p.24 apud CAMARANO;

PASINATO, 2004, p. 5) “A sociedade cria expectativas em relação aos papéis

sociais daqueles com o status de idoso e exerce diversas formas de coerção para

que esses papéis se cumpram, independente de características particulares dos

indivíduos”.

O estudo de Beauvoir (1990, p. 16), também faz referência ao papel que a

sociedade atribui ao idoso. Nas palavras da autora, ela afirma que:

...a sociedade destina ao velho seu lugar e seu papel, levando em conta sua idiossincrasia individual: sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em relação a ele. Não basta, portanto, descrever de maneira analítica os diversos aspectos da velhice: cada um deles reage sobre todos os outros e é afetado por eles: é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso apreendê-la.

Assim sendo, para a velhice ser compreendida é necessário que seja

analisada em sua totalidade, não somente como um fato biológico, mas também

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como um fato cultural, pois a biologia e a cultura fornecem subsídios para a

apreensão da velhice. No entanto, “[...] a velhice não é um fato estático: é o

resultado e o prolongamento de um processo [...]” (BEAUVOIR, 1990, p.17). Pois, a

cada dia que passa o homem envelhece, portanto é um fenômeno natural e para se

chegar até essa fase perpassamos por outras fases: da criança, do adolescente, do

adulto e do idoso. O processo que a filósofa Beauvoir (1990) se refere resulta no

envelhecimento da humanidade. Esse prolongamento da vida, ou seja, a

longevidade está associada ao fato biológico, pois o envelhecimento começa desde

a geração do embrião e transcorre por transformações ao longo do tempo. Porém

sabe-se que a velhice também está associada à cultura, à história, todavia o fator

mais nítido dessa ação é o biológico. Deste modo, Beauvoir (1990) coloca que a

velhice é acompanhada de consequências psicológicas como, por exemplo, a

doença de alzheimer 10 que muitos idosos têm e é considerada como uma

característica da idade avançada, ou seja, da velhice. Nesse sentido, Beauvoir

(1990, p. 15) complementa dizendo que a velhice como todas as situações humanas

possui uma dimensão existencial em que:

...modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história. Por outro lado, o homem não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade seu estatuto lhe é imposto pela sociedade à qual pertence.

Para Camarano e Pasinato (2004, p. 5), o conceito de idoso não envolve

apenas o fator limite etário biológico, todavia também engloba três limitações e entre

elas estão:

...A primeira diz respeito à heterogeneidade entre indivíduos no espaço, entre grupos sociais, raça/cor e no tempo. A segunda é associada à suposição de que características biológicas existem de forma independente de características culturais e a terceira, à finalidade social do conceito de idoso.

A primeira limitação que diz respeito à heterogeneidade se refere que o

idoso pertence à sociedade como um todo e não como um ser separado, ou seja,

10 A doença de Alzheimer foi descoberta pelo neuropatologista alemão Alois Alzheimer em 1907, é uma doença neurodegenerativa que acarreta perda de memória e diversos distúrbios cognitivos. A prevalência é na faixa etária de 60 anos, porém existam casos esporádicos em torno dos 40 anos. (SMITH, 1999).

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isolado de tudo e de todos. Pois, assumir que os seres humanos pertencem a um

determinado lugar e/ou época é dizer que são homogêneos, isto é, idênticos.

Contudo, sabe-se que os seres humanos não são iguais, pois cada um tem sua

subjetividade. Na segunda limitação, não há a necessidade de diferenciar os

aspectos culturais e biológicos, porque na espécie humana esses dois são inter-

relacionados. A finalidade social como terceira limitação para a classificação do

conceito de idoso é utilizada pelos serviços previdenciários, de saúde, mercado de

trabalho, aposentadoria, entre outros, para que os idosos tenham acesso a esses

serviços.

Atualmente no estudo do envelhecimento, há várias nomenclaturas para se

reportar a uma pessoa idosa. Entre elas estão: terceira idade, melhor idade, adulto

maduro, idoso, velho, meia idade, maturidade, idade maior e idade madura. Porém,

no estudo do processo do envelhecimento, os pesquisadores atribuem três grupos

que especificam os idosos de acordo com a idade, entre eles estão: os idosos

jovens; os idosos velhos e os idosos mais velhos. O grupo dos idosos jovens são

aqueles que têm a idade entre 60 a 74 anos, e que estão no momento de suas vidas

com vigor e ativos. O dos idosos velhos é composto pela faixa etária de 75 a 84

anos de idade, esse grupo, nessa denominação, pode ser considerado com

intermediário entre os outros dois. O grupo de idosos mais velhos é formado por

aqueles que têm mais de 85 anos de idade. (PAPALIA; OLDS; FELDMAN apud

SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008).

A nomenclatura para os idosos se torna amplo e complexo, pois cada

pesquisador do processo de envelhecimento designa uma nomenclatura para

identificar o idoso. No estudo de Peixoto (2000 apud MINAYO, 2005), a autora

aborda três denominações: terceira idade: esse grupo é formado por pessoas com

60 a 69 anos e boa parte ainda está exercendo uma atividade laborativa e há menos

pessoas com dependência física. A chamada quarta idade é atribuída às pessoas

com 70 a 80 anos e, segundo o estudo da referida autora, já existe a classificação

da quinta idade para aqueles que têm acima de 80 anos.

Essas classificações são utilizadas em todos os países de acordo com a sua

faixa etária, porém a envelhecimento é um processo individual que cada sujeito vive

suas experiências de forma única. A debilidade não pode ser atribuída apenas às

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pessoas com mais de 60 anos, uma vez que há pessoas com menos de 60 anos de

idade que apresentam dependência e outras com mais de 60 estão cheias de vida.

Pode-se dizer que a patologia não pode ser atribuída à idade do ser idoso.

A mudança na demografia brasileira acarreta o aumento da esperança de

vida da população, e aos indivíduos com mais idade são atribuídos papéis sociais.

Porém tal mudança populacional leva à discussão do conceito de idoso. Nesse

aspecto, há dois problemas que fazem parte dessa discussão. O primeiro está

relacionado à classificação que é utilizada para diferenciar os idosos e os não

idosos. O segundo está relacionado ao teor de classificação desse grupo. O critério

para a determinação de um segmento social é um princípio que permite unificar

indivíduos a partir de uma ou mais características comuns a todos os indivíduos. O

grupo idoso determinado pela sua faixa etária não apresenta somente um segmento

de pessoa com mais idade, mas também a pessoa com suas determinadas

características sociais e biológicas. (CAMARANO; PASINATO, 2004).

O idoso no Brasil é a população que compõe o grupo de 60 anos ou mais de

idade como foi definido pela PNI e pelo Estatuto do Idoso. Compreende-se que no

processo de envelhecimento há idade cronológica, idade biológica, idade psicológica

e idade social11. Neste contexto, partindo da noção da existência dessas idades,

neste presente trabalho, tornar-se-á pessoa idosa aquela que tem o marco legal, a

idade cronológica. Isso se deve ao fato de se constituir um indicador preciso e mais

fácil de mensurar.

Pode-se concluir que ser idoso é tanto um fenômeno natural e cultural, pois

a evolução do envelhecimento da população tem de ser compreendida de acordo

com épocas e lugares, ou seja, nos aspectos antropológicos e culturais, biológicos,

econômicos e sociais, pois as particularidades de cada região influenciam no

desenvolvimento humano. Contudo, esse fenômeno reflete nas políticas e

programas sociais, pois esse público com mais de 60 anos necessita de mais

políticas públicas que atendam às suas necessidades. (BERZINS, 2003).

11 Mais adiante se discute a idade cronológica, biológica, psicológica e social.

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1.3 As imagens das idosas e suas representações

Na obra de Beauvoir “A Velhice”, a autora destaca que a palavra velhice

representa dois significados desiguais. O primeiro está relacionado à categoria

social, em que há uma pequena valorização do velho, porém essa estima é

dependente das circunstâncias e de cada ser humano com sua subjetividade para

determinar a imagem. O primeiro ponto de vista é dos legisladores e dos moralistas

que denomina o que é ser idoso, a partir dos seus interesses. O segundo significado

é dos poetas que entram em antagonismo com o primeiro, pois os poetas colocam

uma verdade incompleta em relação ao idoso. Assim, Beauvoir (1990, p. 109)

considera a imagem da velhice como “[...] incerta, confusa, contraditória [...]”. Pois

sempre há uma disputa de interesses para que o ser humano seja determinado

como um ser idoso.

As associações negativas relacionadas à velhice atravessam os séculos, em

que os velhos são tratados de forma estereotipada, sendo associado à loucura, ao

delírio, àquele que caduca e de quem as crianças zombam (BEAUVOIR, 1990).

Apesar das mudanças ocorridas na contemporaneidade, essas figuras que foram

atribuídas aos idosos em consonância com a cultura ocidental, fazem com que

sejam vistos como obsoletos e incapazes de cumprir com as suas necessidades,

representando para muitas famílias uma sobrecarga, já que há idoso que não tem a

condição de exercer as suas atividades "domésticas”. Nesse sentido, Schneider e

Irigaray (2008) explanam que no progredir do século XXI, apesar da sociedade

reconhecer a longevidade humana, ela passa a negar ao idoso o seu valor e sua

importância social.

Assim, as depreciações negativas que foram criadas em torno desse ator

social (idoso) está associada, principalmente, à doença e ao declínio de sua

capacidade motora. A partir dessas denominações, a sociedade capitalista os vê

como inúteis, ultrapassados, uma fase em que o ser é descartado por todos, não

representando nenhum valor para a sociedade. Esses preconceitos que foram

atribuídos aos decrépitos formam uma imagem distorcida desses cidadãos, pois

nem todo idoso é doente, obsoleto e resta à sociedade desmistificar a imagem que

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foi atribuída pela sociedade capitalista a esse ator social. (SCHNEIDER; IRIGARAY,

2008).

Partindo dessa compreensão, pode ser visualizado na declaração de

Jasmim, citado a baixo, que a família a vê como uma pessoa que não pode mais

tomar as suas próprias decisões, pois já não tem mais idade e representa um ser

sem desejos e sem “serventia”. Em relação aos desejos dos idosos Beauvoir (1990,

p. 10) coloca: “[...] se os velhos apresentam os mesmos desejos, os mesmos

sentimentos, as mesmas reivindicações que os jovens, eles escandalizam [...]”.

Portanto, o adulto acha que o idoso não tem direito de demonstrar seus interesses e

sentimentos, sendo assim, acaba provocando a exclusão desse ser social.

Às vezes me sinto excluída nas minhas decisões, porque meus filhos querem decidir por mim, só que eu bato o pé e digo que tem que ser do jeito que eu quero. E isso às vezes me faz sentir sem utilidade pra mim mesma, por não deixar eu tomar as minhas decisões [...]. Meus filhos dizem que não tenho mais idade de fazer isso não, que já sou velha [...] eu digo enquanto eu tiver mexendo o caroço do olho eu faço o que eu quero, e quem manda sou eu. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

Esses mitos e preconceitos que foram criados em torno da imagem do idoso

ainda hoje são responsáveis por excluir esse segmento social da sociedade e da

família. Pois a sua figura é apresentada de maneira distorcida de realidade de cada

sujeito. O relato a seguir mostra o preconceito e a exclusão que a idosa sofre

principalmente de sua família, sendo tratada como algo descartável e deixado de

lado, parafraseando Jasmim, jogado num canto.

Os pais que cuidaram dos filhos com tanto amor e dedicação, os filhos não reconhecem e pega os pais e joga lá no Lar Torres de Melo, interna bota num canto [...] aí pronto fica lá sofrendo, os filhos abandona os pais e não vão nem visitar, deixa jogado mesmo. Eu peço aos meus filhos para não fazerem isso comigo, porque eu nunca fiz isso com meus pais. Meu pai, minha mãe morreu com 93 anos tudo no meu poder. Sempre tive carinho por eles dois, aí eu não queria que meus filhos fizessem isso, abandonar. Eu sempre peço, tenho medo de ser abandonada, lutei com meus pais até a hora da morte deles. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

A participante da pesquisa faz uma explanação da imagem da pessoa idosa.

A partir do seu ponto de vista a(o) idosa(o) não pode se entregar à idade, tem que

aprender a viver com as fases da vida.

A velhice tem que ser vivida, ficar dentro de uma rede gemendo, esperando a morte chegar não dá não, não deve, a não ser que seja um caso muito sério. Tem gente que acha só porque está velho não pode mais fazer nada né? É saber viver, andar limpa, não ficar temendo a idade, uma dor na perna, uma dor aqui outra ali.

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Tem que enfrentar de qualquer jeito e pedir coragem a Deus. Eu gosto muito de me arrumar, acho muito bom me arrumar. Se eu não sair toda arrumada, eu fico toda errada, assim, se eu esqueço do relógio, do brinco, do anel eu fico toda errada não sei sair sem ser arrumada. O povo já me conhece logo, só ando toda arrumada, só me conhece assim, sou a número um, não tem ninguém assim só eu. Risos. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

As entrevistadas colocaram as suas concepções de velhice:

Todo mundo fica velho um dia. Eu não me acho tão velha, se não fosse o meu problema na coluna, eu estava andando por aí, indo para o clube de idoso [...]. Tem gente que acha que velho está só na aparência, na doença, não é assim não, velho não é a cabeça branca não, não, não. Mas, é isso mesmo, a gente tem que passar tudo isso [...] não pode ficar novo não né?! (Jasmim, 73 anos).

A velhice é... apesar da minha idade 77 anos, não me vejo tão velha não, sou bem durona como tem gente que diz, só que tem gente que também fala que sou velha. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Nos depoimentos das idosas, pode-se perceber que elas não se sentem

velhas, mas que os outros as veem como senis. Diante desses relatos, Debert

(1999, p. 95) explana “a imagem que os idosos fazem de sua experiência pessoal é

radicalmente contrária à do senso comum. Os idosos que não estão doentes ou

emocionalmente deprimidos não se consideram velhos”.

Para Ferreira (2004), a palavra “velho” apresenta várias interpretações, entre

elas estão: muito velho; de época remota; antigo; gasto pelo uso; usadíssimo;

desusado; antiquado e obsoleto. Os sinônimos que o estudioso apresenta

demonstram alguns elementos discutidos nos estudos como de Schneider e Irigaray

(2008), Beauvoir (1990) que apresentam a contribuição que é conferida ao idoso, à

imagem negativa e preconceituosa a algo que não é novo, que está em desgaste e

sem proveito, que pertence ao passado, isto é, pré-histórico.

Para Bosi (1994), a velhice representa uma categoria social, em que cada

sociedade tem suas particularidades para vivenciar a decadência biológica do

homem e seu estatuto vigente. Diante desse quadro a autora afirma que:

a sociedade industrial é maléfica para a velhice [...] as mudanças históricas se aceleram e a sociedade extrai sua energia da divisão de classes, criando uma série de rupturas nas relações entre os homens e na relação dos homens com a natureza, todo sentimento de continuidade é arrancado de nosso trabalho (BOSI, 1994, p. 81).

Quando o homem atinge a sua decadência biológica a sociedade capitalista

o recusa e não possuindo mais a sua força de trabalho o homem deixa de ser

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produtor e reprodutor de seu trabalho passando a ser excluído do mercado de

trabalho, pois não representa mais utilidade para o capitalismo e logo, é tratado

como um ser descartável que atingiu a sua capacidade máxima de reprodução.

A relação homem e capital sempre está em conflito, pois o homem pode ser

banido pelo capital a qualquer momento. Nas palavras de Lasch (1983, p. 253 apud

ALMEIDA, 2003, p. 40):

...inúteis, força-os a se aposentar antes de ter exaurido sua capacidade para o trabalho e reforça seu senso de superfluidade em todas as oportunidades... Ao desvalorizar a experiência e dar muito valor à força física, destreza adaptabilidade e à capacidade de surgir novas idéias, a sociedade define a produtividade em modos que automaticamente excluem os cidadãos mais velhos.

O homem representa utilidade para o capital enquanto exercer um papel

laborativo, assim, ele é considerado ativo para o mercado de trabalho. Porém, ao

atingir a sua idade máxima por tempo de trabalho ou de contribuição previdenciária,

(a aposentadoria por tempo de serviço e por idade não significa que o cidadão é

obrigado a deixar de trabalhar, isso depende de suas condições físicas, psicológicas

e de sua aceitabilidade no mercado de trabalho) ele deixa de ser visto como um ser

independente e passa a ser visto como um ser dependente e improdutivo, logo é

desvalorizado pelo capital. Portanto, na sociedade capitalista, o cidadão só

representa valor se estiver pautado nas relações de produção, ou seja, no mercado

de trabalho.

A aposentadoria tem uma ligação com a velhice, mas com as mudanças na

sociedade capitalista, a população jovem está entre os aposentados e forma uma

nova configuração de velhice. Segundo Debert (1999), a aposentadoria deixa de ser:

um marco a indicar a passagem para a velhice ou forma de garantir a subsistência daqueles que, por causa da idade, não estão mais em condições de realizar um trabalho produtivo. As mudanças no aparelho produtivo, que levaram a uma ampliação das camadas médias assalariadas, são acompanhadas de nova linguagem, empenhada em alocar tempo dos aposentados. Nelas, as idades não são mais marcadores pertinentes de comportamento e estilos de vida (p. 18).

A improdutividade para o mercado de trabalho não é apenas vista a partir do

ser decrépito, por exemplo, um adulto com 34 anos pode representar para o capital

um trabalhador inativo, pois se esse trabalhador for afastado do mercado de

trabalho, como por exemplo, por algum motivo de doença ou invalidez, logo ele será

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visto pelo capital com um ser improdutivo, portanto a exclusão do capital não ocorre

apenas com os idosos, porém esse grupo é quem representa uma maior exclusão

por ser mais difícil conseguir um emprego formal com a idade avançada, e se

submetem a precárias condições de trabalho. Em relação à submissão do idoso e às

condições de trabalho, Beauvoir (1990) afirma:

...os jovens monopolizam o mercado de trabalho de escritório, abandonados aos homens de idade as tarefas penosas e insalubres. Estes são obrigados a baixar suas exigências, no que diz respeito aos salários, à natureza e às condições de trabalho. Muitas vezes não se resignam e isso imediatamente; quando acabam por render-se, estão econômica, social e moralmente debilitados (p. 280).

É na segunda metade do século XIX, que a velhice passa a ser tratada

como uma fase da vida, tendo como características a decadência física e a perda

nos papéis sociais. Dessa maneira, a imagem negativa foi atribuída aos senis, tais

como: dependentes, obsoletos; e essa mesma imagem acabou sendo elemento

responsável pela legitimação de alguns direitos sociais, dentre eles, destaca-se a

universalização da aposentadoria (DEBERT, 1999).

Outro aspecto que merece ser ressaltado é que os idosos são vistos como

os maiores consumidores dos serviços públicos tais como, a saúde e,

especialmente, do serviço beneficiário. Por esse grupo ser considerado como

improdutivos, vem provocando uma inquietação que está sendo chamado de “crise

do envelhecimento”, pois provoca um peso para a população jovem que tem que

custear com a previdência, já que a mesma é contributiva e pode vir a ameaçar o

futuro das nações. (CAMARANO; PASINATO, 2004).

O sistema de Seguro Social no Brasil teve início com a Lei Eloy Chaves de

1923, o acesso aos serviços como previdência e saúde era apenas para os

contribuintes da previdência social tais como, os marítimos e os ferroviários. Em

1930, tem-se uma ampliação no Seguro Social por meio das CAPs (Caixas de

Aposentadorias e Pensões) em que não há mais apenas as empresas individuais, e

sim também o envolvimento de outras categorias profissionais. Além disso, teve o

surgimento dos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões) tendo o Estado como

principal regulador do sistema previdenciário brasileiro. (IAMAMOTO, 2008).

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A previdência social brasileira é baseada no modelo bismarckiano da

Alemanha, esse modelo tem o sistema de seguro social por meio de contribuição

efetuada pelos empregadores e empregados, por meio de desconto em folha.

(BOSCHETTI, 2009). Essa proteção só é ofertada para os denominados de

segurados, que estão inseridos no mercado de trabalho e os que contribuem como

autônomos, os chamados de segurados especiais. Para aqueles que não

contribuíram com a previdência social e chega à idade de se aposentar são

inseridos no Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Com a Constituição Federal de 1988, formou-se o tripé da Seguridade

Social 12 brasileira: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Esse tripé

significa uma grande conquista para a população brasileira, porém nas palavras de

Boschetti (2009, p. 330) “a seguridade social acabou se caracterizando como um

sistema híbrido, que conjuga direitos derivados e dependentes do trabalho

(previdência) com direito de caráter universal (saúde) e os direitos seletivos

(assistência)”.

Em 1993, foi regulamentada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)13

através da Lei 8.742, de dezembro de 1993. Essa lei tem parâmetros para a pessoa

idosa em que regulamentou através do artigo 2014, a concessão do Benefício de

Prestação Continuada (BPC). Segundo Camarano e Pasinato (2004), a idade

mínima para recebimento desse benefício foi reduzida, em 2004, para 65 anos de

idade. O BPC é direito do cidadão e dever do Estado, porém é um benefício com

caráter seletivo, em que o cidadão tem que se encaixar no perfil para ter acesso.

12 Por meio do Artigo 194. “A seguridade social compreende um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único: Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social (...)”. 13 O Artigo 1º da LOAS expõe o seguinte: “A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado é Política de Seguridade Social não contributiva, que prevê os mínimos sociais realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativas públicas e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. 14 Artigo 20. “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família” (BRASIL, 2010).

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Ecléa Bosi (1994) coloca que ser velho na sociedade capitalista é sobreviver

sem planos, já que o velho não pode produzir para o capital. A velhice é uma etapa

da vida que todos os seres humanos estão sujeitos a vivenciar, porém a

humanidade tem medo de envelhecer e sempre vê como velho o outro, pois o

homem não se reconhece enquanto velho. Nas palavras de Beauvoir (1990, p 10),

“[...] recusamo-nos a nos reconhecer no velho que seremos [...]”. Isso ocorre devido

a repulsa que o ser humano tem da exclusão e da descriminação por ser idoso.

Para o gerontologista Lansing (apud BEAUVOIR, 1990, p. 17), o

envelhecimento é visto como “um processo progressivo de mudança desfavorável,

geralmente ligado à passagem do tempo, tornando-se aparente depois da

maturidade e desembocando invariavelmente na morte”. Há autores como: Prado e

Sayd (2006), Beauvoir (1990) que fazem a associação da velhice com a fase final da

vida, ou seja, com a morte, porém todos da espécie humana estão sujeitos a passar

por esse momento (morte) em qualquer etapa da vida seja na infância, na

adolescência, assim como também na velhice. Em vista disso, ninguém está imune

da morte.

O processo do envelhecimento é definido no fator biológico, e é a partir da

senescência e da senilidade que se concretiza. Esses dois determinantes fazem

parte da geriatria15 e, para a apreensão do envelhecimento, é necessário reportar-se

a eles. Com o passar dos anos, o corpo vai sofrendo alterações tanto funcionais

como estruturais. A senescência está ligada as alterações orgânicas, morfológicas e

funcionais. É nessa etapa que o homem deixa de se desenvolver e começa a ação

do envelhecimento. A senilidade está relacionada às modificações determinadas

pelas doenças que acometem aos idosos (CARVALHO FILHO, 1996).

Para ter uma compreensão da velhice é indispensável conhecer a

gerontologia (BEAUVOIR, 1990), pois é a partir dos estudos sobre o envelhecimento

que se podem compreender as suas ações no homem. O processo do

15 Para Prado e Sayd (2006), Papaléo Netto e Ponte (1996), a geriatria é uma especialidade médica voltada para a prevenção e tratamento das doenças na fase da velhice. A gerontologia é considerada uma ciência que estuda o processo de envelhecimento e os problemas que envolvem a população idosa. A geriatria é composta por médicos, que são denominados de geriatras. Já a gerontologia é formada por diversas áreas como, por exemplo: a psicologia, o serviço social, os direitos, entre outros. Esses são os chamados de gerontólogos.

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envelhecimento pode ser analisado a partir das diferentes idades, como por

exemplo, a idade cronológica, idade biológica, idade psicológica e a social.

A idade cronológica faz alusão à passagem do tempo, ou seja, a decorrência

dos dias, dos meses e dos anos, contando a partir da data do nascimento. Assim, é

o tempo que faz a contagem dos anos de vida do ser social, porém esse índice de

desenvolvimento não pode ser considerado por si só para atribuir se a pessoa é

idosa ou não, outros fatores têm de ser levados em consideração para o

desenvolvimento do envelhecimento e entre eles estão: o psicológico, o biológico e o

social. Hoyer e Roodin (2003 apud, SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008).

Já a idade biológica traz as transformações corporais ocorridas durante a

ação do envelhecimento. Esse processo ocorre ao longo do desenvolvimento

humano, pois desde o embrião, o homem vem passando por transformações, isto é,

desenvolvimento. Na adolescência, o corpo também passa por alterações, pelos

surgem pelo corpo e, assim ocorre a evolução do corpo humano. Por volta dos 40

anos de idade, o ser humano passa a diminuir cerca de um centímetro por década, a

pele fica mais sensível com menos elasticidade. A audição também sofre declínio.

(SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008). Assim sendo, a idade biológica é decorrente da

fragilização do organismo humano com a ação do envelhecimento.

A idade psicológica é atribuída ao sujeito quando o mesmo começa a

apresentar sinais de perdas de memória, falhas de atenção, concentração, isso se

comparado à sua capacidade cognitiva anterior (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008).

Portanto, a idade psicológica de cada ser está ligada aos seus comportamentos que

não mais vivenciados como antes.

A idade social faz referência a partir dos hábitos e dos status sociais. O

comportamento do ser humano influencia na sua idade social, pois se considerar

jovem ou velho, a partir de suas ações, determina o que a sociedade vê como velho

ou jovem. O exemplo disso é a aposentadoria, quando o ser social deixa de

trabalhar e se aposenta, a sociedade o vê como um ser improdutivo, ou seja, um

velho, já que, a aposentadoria tem uma ligação com a velhice.

Apesar da existência dessas idades mencionadas, a idade cronológica é

considerada o marco oficial para determinar uma pessoa idosa. Portanto, é com

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base nesse critério que é delimitado a idade para a pessoa ser idosa. Sendo assim,

a Constituição Federal de 1988; a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 4 de

janeiro de 1994) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003) tem

como base o limite etário. Porém, entre esses três ocorre uma divergência na idade

limite para a pessoa ser considerada idosa. Essa diferença entre esses três

determinantes ocorreu devido ao contexto que o país estava vivenciando. A C.F de

1988 considera a pessoa idosa aquela que possui a idade igual ou superior a 65

(sessenta e cinco) anos de idade. A definição da PNI baseada no seu artigo 2º:

“Considera-se idoso, para os efeitos desta Lei, a pessoa com mais de sessenta anos

de idade”. Desta forma, a Lei 8.842 redefiniu a idade do brasileiro para ser

considerado como idoso. O Estatuto do Idoso expõe através do artigo 1º: “É

instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às

pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”. Logo, esta Lei vem

afirmar a definição da PNI e se contrapõe à CF de 1988.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) também tem o limite de idade para

considerar a pessoa idosa, porém leva em consideração se o país é desenvolvido ou

em desenvolvimento. Para os que residem nos países desenvolvidos, a OMS

considera idosa a pessoa com 60 anos ou mais, já nos países em desenvolvimento,

idoso é a pessoa que tem 65 anos ou mais de idade (CAMARANO; PASINATO,

2004).

Com o processo do envelhecimento, a primeira ação a ser notada é a do

corpo, pois o corpo passa por fases tais como: a puberdade, a maturidade ou de

estabilização e envelhecimento. Entre as três primeiras fases é possível identificar

os marcadores físicos e fisiológicos que estão em transição nessas fases (PAPALÉO

NETO; PONTES, 1996). Com as metamorfoses que o corpo sofre com o passar dos

anos, é perceptível que as etapas que se incidem ao longo dos dias acertem por

transformações, pois tem a transição da criança, do adolescente, do adulto e da

velhice. Porém, para Beauvoir (1990), a fase da velhice não é tratada como uma

etapa da vida nitidamente marcada, enquanto a puberdade permite essa visão.

Deste modo, Beauvoir (1990, p. 9) afirma que “o momento em que começa a velhice

é mal definido, varia de acordo com as épocas e lugares”. Com as metamorfoses

que o corpo sofre com o passar dos anos, é perceptível as etapas que se incide ao

longo dos dias.

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A construção da identidade do velho está interligada à antropologia, levando

em consideração a natureza e a cultura como dois aspectos que ocorrem nas

relações das diferentes sociedades. Assim, a identidade do velho é natural e

universal, se compreendida como um fenômeno biológico e cultural por ser coberta

de conteúdos simbólicos. Isto é, os símbolos são as representações dos sujeitos

sociais (MERCADANTE, 2003).

Contudo, a identidade do idoso é construída a partir da identidade do jovem,

ou seja, as identidades vão se contrapor para que ocorra a construção da identidade

de cada ser social (jovem, adulto, idoso). Mercadante (2003, p. 56) afirma que: “[...]

modelo social amplo e geral de velho, presente no imaginário social, que se constrói

pela contraposição à identidade de jovem [...]”. Portanto, a identidade que é

construída em relação ao velho é repleta de estereótipos, pois a imagem do jovem

que é forte, que tem boa memória, que é produtivo, entre outros, se opõe a do velho

que é visto como fraco, sem memória, improdutivo.

Reportando-se à etnologia, a velhice era tratada pelas sociedades primitivas

com extrema repulsa e violência. É o que revelou Beauvoir (1990) em sua obra “A

Velhice”, que relata alguns rituais que as sociedades cometiam contra os idosos ao

chegarem à fase vital. A sociedade Creek e Crow, localizadas na África do Sul,

construíam uma cabana distante e deixavam o idoso para morrer de fome e frio, pois

havia pouca comida e água. Os esquimós pediam aos velhos para se deitarem na

neve para esperar a morte; ou durante expedições de pesca eram esquecidos; ou

trancados em uma cabana, para morrerem de fome e frio.

Ainda com base no estudo etnológico, apresenta-se outra visão do momento

da velhice, não mais vista como uma aversão, e sim ocorre uma comemoração

dessa fase. Em uma região do Japão, a velhice é comemorada e, quando chega

esse momento, o festejo acontece e, em seguida, a morte do velho. De acordo com

o costume, os idosos deixam as tribos na madrugada sem trocar palavras com

ninguém e seguem seu destino em direção ao cume da montanha Narayama. Diz à

lenda que se nevar, o idoso será bem acolhido pelo além.

Existe outro clã que vê velhice como parte da sociedade, tem um lugar

virtuoso e tem vez na sociedade em que é tratado com respeito, o exemplo é dos

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yahgans pertencentes à Terra do Fogo, localizado no sul da América do Sul, são

nômades e vivem sobre as águas, buscando a sua subsistência. Nesse clã, todos se

respeitam e o amor é mútuo e permanece até a velhice. A comida é dividida entre

todos e os primeiros a serem servidos são os idosos, o cuidado com eles também é

bem expressivo, a eles são destinados os melhores lugares nas cabanas, nunca são

deixados sozinhos e não são alvos de preconceito. Suas experiências são bem

aceitas pela sociedade, a eles buscam conselhos e representam uma grande

influência moral, pois são vistos como essenciais para a sociedade, já que, são mais

experientes e tem o conhecimento de como executar tarefas e buscar alimentos

para o clã.

O comportamento cultural dessas sociedades varia de acordo com a época,

pois os momentos históricos têm total influência sobre as sociedades. Sendo assim,

o momento histórico não está dissociado das relações sociais que se vivenciam. Em

relação a imagens positivas do velho Almeida (2003, p.37) coloca:

Imagens positivas de velhice parecem escapar de nosso ideário; corresponderiam a idéias ‘fora de lugar’. Como os velhos atípicos não são tão raros assim, preferimos vê-los como ‘pessoas que nunca envelhecem’, como ‘velhos jovens’ ou como ‘idosos por idade, mas jovens de corações e mentes’.

De acordo com Giddens (2005), a visão positiva do decrépito vem sendo

trabalhada pelos grupos ativistas contra o velhicismo16. Essa luta está em torno dos

estereótipos que já foram discutidos neste capítulo e atribuídos aos idosos de forma

errônea e que os mesmos não têm as mesmas capacidades que os jovens. Basta

que a sociedade contemporânea para suas características tais como a ambições e

identidades. Para Young e Schuller (apud GIDDENS, 2005), os jovens e os

decrépitos deveriam se unir para acabar com a visão da sociedade sempre jovem e,

por conseguinte, defenderem seus interesses em conjunto já que fazem parte do

trabalho remunerado.

Nos dois discursos apresentados a seguir, visualiza-se uma ligação na vida

das idosas, que foi nesse momento de suas vidas que elas tiveram a oportunidade

de conhecer lugares, de ter liberdade, visto que suas infâncias foram difíceis sem

muitas condições socioeconômicas: 16 “O velhicismo é uma ideologia como o sexismo e o racismo” (GIDDENS, 2005, p. 147).

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Pra mim, a velhice representa muita coisa boa, só que quando a gente fica velha, a gente é tratada com desrespeito não só pela família da gente não, a gente é tratada com desrespeito por todo mundo. Mas feliz daquele que vive muito. Eu digo é muito pra meus filhos, feliz de vocês, se chegar a idade que tô é muita coisa, porque nesse mundo que tá aí, é muita coisa a gente viver muito, nem que seja aos troncos e barrancos, eu vivo bem. Agora eu gosto da minha velhice, eu gosto, não vou dizer que não gosto não, porque agora na minha velhice estou tendo mais liberdade de quando eu era nova. Porque meus pais nunca deram liberdade a nós, nós não tínhamos liberdade nem pra sair, só pra a igreja com eles, dia de domingo pra missa. E agora não, graças a Deus, tenho mais minha liberdade, porque eu saio para os meus cantinhos, clube de idosos, vou aos meus passeios do clube de idoso sabe?!. Aí tenho mais liberdade, por isso que acho bom. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

É bom, mas pra quem tem sorte de ter saúde né? Paz, uma família unida, obediente, que hoje é o mais difícil né? Ter filho que não é obediente, não quer estudar, tem que me ouvir, escutar os conselhos. Mas eu gosto da minha velhice estou levando bem, vou pras minhas reuniões, onde eu moro, só das reuniões do grupo do Serviluz, Cristo Redendor, mas eu sai do Serviluz, pra ficar no daqui. Na minha terceira idade, passei a conhecer coisas que na minha infância foi muito sofrimento, muita dificuldade e, na terceira idade, encontrei algumas coisas melhor que na infância. Vejo a velhice como ponto positivo, com fé em Deus e sempre querendo vencer e continuar a vida pra frente, cheia de problema: é filho, é neto, é bisneto, mas tem que agradecer a Deus e se eu estou vivendo é porque Jesus quer. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Em seus depoimentos as idosas demonstram-se cheias de vida, é nessa

presente fase, ou seja, na velhice que muitos idosos estão tendo a oportunidade de

vivenciar momentos que não foram possíveis viver quando mais novas. Os grupos

de idosos possibilitam à Jasmim e à Comigo Ninguém Pode conhecerem seus

direitos e terem uma velhice com atividades saudáveis. Algumas marcas deixadas

em suas memórias demonstram como a idosa é vista e tratada pela sociedade e

família, assim, Jasmim chama a atenção para o desrespeito com o senil que por sua

vez acaba comprometendo a qualidade de vida das pessoas idosas. Pois, os maus

tratos aos decrépitos ocasiona isolamento, depressão, baixa autoestima, danos

psicológico, entre outras.

Com o aumento de idosos no Brasil, esse segmento passou a chamar a

atenção de programas e/ou projetos voltados para esse público. Tais como: as

“escolas abertas”, as “universidades para a terceira idade” e os “grupos de

convivência para idosos”. Nas palavras de Debert (1999, p. 15), “esses programas

[...] abrem espaços para que uma experiência inovadora possa ser vivida

coletivamente e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos

problemas do envelhecimento”.

Lá no clube de idoso eu tô estudando e quando a professora dá a frase eu já estou anotando, aí eu mostro, e ela fala que tá certo. [...] Vim aprender muita coisa

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depois de grande lá em Cascavel tinha maior dificuldade de ir (referindo-se à escola) era muito longe. Vim desenrolar meus estudo depois de maior, que tenho um irmão advogado, mas antes dele ser advogado, ele debatia muito comigo, e ele foi quem fez eu entender as coisas, lição, escrever. Eu sei escrever carta, toda coisa eu sei escrever. Eu gosto de estudar. (Comigo Ninguém pode, 77 anos).

A velhice é considerada a última etapa da vida, porém é, nesse momento,

que muitas idosas estão conquistando e buscando satisfação pessoal, isso é

revelado no depoimento anterior.

O capítulo seguinte tem como objetivo discutir a questão de gênero,

envelhecimento e família, trazendo as concepções das participantes da pesquisa.

Inicia-se fazendo uma reflexão com o envelhecimento populacional, relacionando

com a questão de gênero, visto que, neste primeiro capítulo, os dados do IBGE

mostram que a esperança de vida das mulheres é mais elevada do que as dos

homens. Em seguida, a reflexão de família parte da concepção de Giddens (2005)

Ariès (1981) e Osterne (2001), articulando com a ideia de família para as idosas.

CAPÍTULO II - GÊNERO, ENVELHECIMENTO E FAMÍLIA: questões pertinentes na sociedade contemporânea.

Este presente capítulo traz a reflexão do gênero, do envelhecimento e da

família. O envelhecimento populacional é mais enfático no gênero feminino

provocando a feminização do envelhecimento e a formação de novos arranjos

familiares. Portanto, este capítulo discute a questão de gênero concomitantemente

com o envelhecimento e a família.

2.1 Gênero e envelhecimento

Ao se pensar na questão de gênero, o primeiro conceito que vem é a

distinção baseada no sexo, ou seja, a diferenciação entre o homem e a mulher. A

estudiosa Saffioti (2004) faz a reflexão da expressão a partir de uma representação

social em que o significado de gênero é aberto e a categoria sexo não representa

desigualdade entre eles. Nas palavras da autora, “[...] o gênero é a construção social

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do masculino e do feminino. O conceito de gênero não explicita, necessariamente,

desigualdade entre homens e mulheres. Muitas vezes a hierarquia é presumida [...]”

(SAFFIOTI, 2004, p. 45).

De acordo com a mesma autora, gênero faz parte da categoria histórica,

porém, há feministas que veem a hierarquia entre homens e mulheres independente

da história social. Assim, Saffioti (2004) chama a atenção para a não interlocução

entre gênero e patriarcado, pois as desigualdades entre os homens e as mulheres

são resquícios de um patriarcado, em que o homem é o detentor do poder e as

mulheres, as dóceis.

Em relação à diferenciação entre mulheres e homens, Saffioti (2004, p. 35)

explana:

As mulheres são ‘amputadas’, sobretudo no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder. Elas são mais socializadas para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao contrário, são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas, que revelem força e coragem.

Giddens (2005) apresenta outra reflexão acerca do gênero. Assim, para

esse autor, há uma distinção entre sexo e gênero, desse modo, esclarece que sexo

são as alterações anatômicas fisiológicas entre o masculino e o feminino, isto é, a

divergência entre os corpos. Já o gênero está relacionado às diferenças

psicológicas, sociais e culturais entre eles e elas. Por sua vez, gênero está ligado

apenas a relações sociais que foram socialmente construídas entre a masculinidade

e a feminilidade, visto que a diferença entre os sexos é de ordem biológica.

O conceito de gênero passou a ser estudado por historiadoras feministas

(tais como: Bridenthal e Konnz, 1977; Carool, 1976; Figes, 1970; entre outros), na

década de 1960 e 1970, sob a denominação de estudo sobre as mulheres e,

concomitantemente, com a violência contra esse segmento. As pesquisas partiram

das denominadas feministas radicais, que se baseavam na utilização do conceito de

patriarcado, isto é, os estudos tinham como forte estrutura a dominação do homem

sobre as mulheres. (SAFFIOTI,1999).

Já no Brasil o conceito passou a ser estudado nos anos 1990 em que teve

uma grande propagação. Isso se deu através dos artigos de Joan Scott (1986,

1988), a tradução dos artigos foi a partir de meados de 1990.

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Scott (1989) começa seu artigo, “Gênero: uma categoria útil para análise

histórica” com a epígrafe da palavra gênero a partir da acepção do dicionário

Aurélio. Assim sendo, durante muito tempo o significado de gênero foi empregado

no sentido gramatical da palavra para identificar o sexo. Porém a partir das ciências

sociais, “as feministas começaram a utilizar a palavras ‘gênero’ mais seriamente, no

sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação

entre sexos”. (SCOTT, 1989, p. 2).

A concepção de Scott (1989) a respeito de gênero possui duas partes e

várias sub-partes que possuem uma ligação entre si, porém deveriam ser distintas.

Nesse sentido, segundo a pesquisadora, o gênero é um elemento constitutivo das

relações sociais, tendo como base a diferença de sexo; é a primeira forma de

significar as relações de poder. Ainda em seu entendimento já que é elemento

constitutivo de relações sociais, fundadas nas diferenças, o gênero implica quatro

elementos interligados: símbolos, culturalmente, disponíveis (Eva e Maria); conceitos

normativos, que colocam, em evidência, interpretações do sentido dos símbolos;

instituições e organizações sociais e, por último, a identidade subjetiva.

Saffioti (2004) destaca em seu estudo gênero versus patriarcado, que a

definição gênero está longe de ser neutro e por sua vez é mais amplo do que o

patriarcado. Assim, a pesquisadora explana: “tratar esta realidade exclusivamente

em termos de conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em

especial como homem/marido, ‘neutralizando’ a exploração-dominação masculina”

(SAFFIOTI, 2004, p. 136).

No cenário apresentado no primeiro capítulo do processo de envelhecimento

da população, pode-se perceber que essa ação é mais acentuada no feminino em

que a expectativa de vida desse segmento é em cerca de 7,59, ou seja, 7 anos, 5

meses e 9 dias a mais do que os homens (IBGE, 2010).

Observa-se que, na cena contemporânea brasileira, está ocorrendo, assim

como diz Debert (1999), a feminização da velhice, pois como já citado

anteriormente, o processo do envelhecimento é mais elevado entre as mulheres.

Ainda de acordo com a autora essa ação é mais suave entre as mulheres do que em

meio aos homens. Isso se dá devido à ruptura das relações de trabalho entre o

grupo masculino ser mais forte do que o grupo feminino.

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A feminização da velhice pode ser associada a fatores já discutidos no

primeiro capítulo tais como: menos risco de acidentes, suicídios, menor consumo de

álcool e outras drogas e por procurarem com mais frequência o serviço de saúde

comparado aos homens, assim como também a alta mortalidade masculina. As

mulheres têm maior probabilidade de ficarem viúvas e não se casarem novamente,

isso pode ser constatado na pesquisa de campo em que as duas participantes são

viúvas há mais de 10 anos e não voltaram a ter outro matrimônio.

Adentrando a pesquisa de campo, com a viuvez, as mulheres idosas estão

representando um novo papel, isto é, a de chefe de família provedora do sustento da

família por meio das suas aposentadorias ou das suas pensões.

Debert (1999) aponta que há autores que apresentam que as mulheres, na

velhice, têm a probabilidade de vulnerabilidade duas vezes a mais do que os

homens, visto que a discriminação por ser mulher e idosa é mais acirrada nesse

grupo do que no masculino. A mulher tem a maior possibilidade de sofrer violência

no contexto familiar do que os homens17.

A mulher tem sua história marcada pela desigualdade tanto na esfera social,

como na profissional, em que a sua remuneração é diferenciada da dos homens. E

é, nessa fase da vida, que elas se deparam com mais exclusão e preconceitos.

Debert (1999, p. 140) comenta: “essa passagem [...] seria caracterizada por uma

série de eventos associados a perdas, como o abandono dos filhos adultos, a viuvez

ou um conjunto de transformações físicas trazidas pelo avanço da idade”.

Cabral (2005) faz uma reflexão acerca do envelhecimento da mulher,

partindo do símbolo da beleza, que é imposta a esse grupo, e, assim, além de já ter

vivido preconceitos por ser mulher, ao chegar nessa etapa da vida, muitas são de

negar a velhice e vivenciam outros preconceitos. Assim, Salgado (2002) revela em

seu estudo sobre a mulher idosa e o envelhecimento. A autora aponta que, na idade

avançada, as mulheres tendem a enfrentar mais desafios gerados pelas políticas

sociais de uma sociedade sexista e geronfóbica, ou seja, preconceito contra as

gerações em que o atrativo está no sexual e no físico.

17 No terceiro capítulo tem-se a diferenciação da violência contras as mulheres os homens. Estas por sua vez sofrem mais com a violência no contexto familiar.

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Percebe-se que a longevidade se apresenta de forma protagonista entre as

mulheres e por sua vez, trouxe para elas novos papéis sociais tais como: chefe de

família (em caso de viuvez ou separação), a figura de cuidadora ainda é pertinente,

agora o cuidado é em relação aos netos. Pode-se perceber isso mais adiante neste

capítulo.

2.2 Família e envelhecimento

Definir o conceito de família não é uma tarefa simples, uma vez que as

mudanças sociais, ao longo dos tempos, influenciaram na instituição familiar. Ao

pensar em família, a primeira ideia é aquela composta por pai, mãe e filhos

convivendo em uma mesma residência. Essa imagem corresponde ao modelo de

família nuclear (ARIÈS, 1981; GIDDENS, 2005).

De acordo com Osterne (2001), a família tem a definição em um conjunto de

palavras que são afins tais como: pai, mãe, filhos, casa, unidade doméstica,

casamento e parentesco. Família então seria: um grupo concreto com laços de

consanguinidade, porém, nas famílias, essa ligação de consanguinidade está além.

Durante o século XVI e XIX, a chamada família patriarcal teve uma forte

presença no Brasil em que a figura dominante do homem era bem marcante. As

transformações ocorridas na sociedade, tais como: a vinda da Família Real para o

Brasil em 1808, a urbanização seguida da industrialização, a abolição da

escravatura e a imigração; contribuíram para o declínio da família patriarcal e para a

ascensão de novos modelos familiares. Osterne (2001, p. 69) explana: “a família

patriarcal foi paulatinamente substituída pela família nuclear urbana, sem, entretanto

deixar de lado sua matriz patriarcal [...]”.

Por mais que o Brasil tenha passado por essas transformações

mencionadas anteriormente ainda há que, de uma forma mais velada, fortes

resquícios da família patriarcal. Visto que a figura do homem tem uma representação

muito grande na sociedade.

Para Giddens (2005, p.151), a família é como “[...] um grupo de pessoas

diretamente unidas por conexões parentais [...]”, ou seja, pela consanguinidade

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Porém, na sociedade contemporânea, vivencia-se um novo arranjo familiar em que a

família não está mais baseada apenas em pai, mãe e filhos, isto é, na família

nuclear. Pois, a família está inserida no contexto de mudanças socioculturais e

políticas, em que surgem novos arranjos familiares decorridos dos processos sociais

(baixa taxa de fecundidade e de mortalidade, aumento da expectativa de vida).

Desse modo, novos núcleos familiares se formaram ao longo desses tempos

mostrando outras relações familiares, assim sendo, não há uma única configuração

familiar.

Deste modo, dentre os grupos mais abrangentes de família, segundo

Giddens (2005), pode-se citar: família nuclear ampliada e família reconstituída. A

família nuclear é subentendida quando se tem pai e mãe, com seus filhos e/ou filhos

adotados, convivendo juntos no mesmo núcleo doméstico. A família ampliada é

compreendida quando os parentes próximos além do casal e seus filhos residem

juntos no mesmo ambiente familiar, logo, é considerada família ampliada quando o

convívio inclui avós, irmãos e suas esposas, irmãs e seus maridos, tios e sobrinhos.

A família reconstruída acontece quando um dos cônjuges tem filhos de outro

relacionamento e residem juntos formando a chamada stepfamilies.

Outro núcleo de família que merece ser destacado é a família monoparental

que é constituída por um dos cônjuges como o responsável familiar (VITALE, 2002).

Geralmente, as famílias monoparentais têm como chefe de família as mulheres, isso

decorre da viuvez e da separação. Entre as mulheres idosas, esse modelo familiar é

destacado mais pela viuvez.

Nesse sentido, para as idosas a família se configura como: ...pai, mãe, filhos, avós, netos e bisnetos se tiver (Jasmim, 73 anos). ...Filhos, netos, bisnetos, pai, mãe. Família é isso né? (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

A visão das idosas acerca da família é representada como família ampliada

e, consequentemente, com a convivência intergeracionais. As relações

intergeracionais na sociedade contemporânea são advindas do aumento da

expectativa de vida da população e das modificações no ciclo da vida, pois a avó,

parafraseando Vitale (2002), não está mais ligada à imagem da pessoa com cabelos

brancos e sentada em uma cadeira de balanço, fazendo tricô ou crochê. Hoje, uma

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mulher pode ser avó com 40 anos ou menos e bisavó com menos de 60 anos. Em

relação à convivência intergeracionais Vitale (2002, p. 98 - 99) comenta:

... o aumento da expectativa de vida, bem como a maior permanência dos jovens em casa, modifica significativamente as relações intergeracionais: as crianças e jovens tendem a conhecer e a conviver mais com seus avós e bisavós. Há com frequência, quatro gerações coexistindo numa mesma família [...].

Camarano e Kanso (2003), em seu estudo sobre família, adotam a

nomenclatura de ninhos vazios, esse termo é utilizado para identificar famílias

formadas por casais em que os cônjuges têm entre 35 anos ou mais e não têm

filhos. Isso ocorre devido à baixa taxa de fecundidade da atualidade, já que as

mulheres estão se inserido no mercado de trabalho, assim, como também está

ocorrendo um planejamento familiar. As autoras ainda apontam outro crescimento

de famílias, devido ao processo de envelhecimento em alta, que é as famílias

unipessoais, ou seja, idosos residindo só. Esse modelo de família não é só atribuído

aos decrépitos, mas também a qualquer outra idade, que venha morar só, seja por

viuvez, separação ou escolha.

Essas autoras ainda destacam a co-residência, que pode ocorrer tanto por

necessidade das(os) idosas(os), como pelos filhos. Assim a co-residência se

configura quando residem parentes ou filhos e pais, que também pode ser

considerada de família ampliada.

Diante do que já foi explicitado, pode-se dizer que não existe família e sim

famílias, visto que, na contemporaneidade brasileira, não há apenas um único

modelo de família e, assim, formam-se novas configurações dessa instituição.

O fenômeno da longevidade crescente nos últimos 40 anos no Brasil tem

provocado alterações nas famílias, pois o envelhecimento do segmento idoso traz

demanda para a família, em que esses atores sociais (idosos) passam a necessitar

de mais atenção de seus familiares. Mas será que o seio da família representa um

espaço de proteção ou vulnerabilidade para o idoso?

O envelhecimento da população idosa acarreta mudanças para as famílias,

pois a instituição familiar é vista como a base de auxílio mais direta para o idoso.

(CAMARANO et al, 2004). Isso se deve por que a família representa uma

centralidade na vida dos seres humanos (crianças, adolescentes e idosos), em que

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o cuidado mútuo é a base da estrutura familiar. Porém, a desigualdade social

provoca alterações na família, que por sua vez ocasiona a exclusão dos membros

da família como, por exemplo, a do idoso.

A Constituição Federal de 1988, a Política Nacional do Idoso18, assim como

também o Estatuto do Idoso mostram uma centralidade na família, sociedade e

Estado. Porém a centralidade é maior na família, pois, em primeiro lugar, a

atribuição da responsabilidade com a pessoa idosa (assim como também com as

crianças e adolescentes) é atribuída à família. Dessa forma, o artigo 3º do Estatuto

do Idoso dispõe:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária.

Desse modo, há uma centralidade voltada para as famílias e isso ocorre

devido ao modelo das políticas sociais que favorecem o enxugamento do Estado,

isto é, o Estado intervém o mínimo possível e coloca em primeiro lugar a

responsabilidade para a família, pois, devido à política neoliberal, as famílias estão

sendo cada vez mais requisitadas para assumirem os cuidados com a população

idosa. (CAMARANO et al, 2004).

O espaço familiar, frequentemente, tem-se mostrado tolerável à violência,

pois é quando as relações, por muitas vezes, estão em um contexto conflituoso que

envolve amor e ódio. Todavia, as discussões entre a família pode se elevar a um

grau de agressões físicas, assim como também de hostilidade, ou seja, palavrão de

baixo calão. Para Giddens (2005, p. 167), por mais que “a violência socialmente

18 A C.F de 1988 através do Título VIII - Da Ordem Social, capítulo VII e dos artigos 229 e 230 colocam a família como o centro de amparo ao idoso, assim, nesse sentido, tem que existir a responsabilidade mútua entre os pais e filhos e o Estado, este último, por sua vez, tem o dever de oferecer programas de amparo ao idoso, porém esses programas têm preferencialmente a execução nos lares. O artigo 229 coloca os filhos como ser responsável pelos pais na velhice, na carência ou na doença, mas também atribui aos pais o cuidado com os filhos na infância e na adolescência. Já o artigo 230 tem-se a tríade família, sociedade e Estado com o dever de amparar o idoso afirmando a sua participação na comunidade e garantindo o direito à vida. Na PNI, o seu artigo 3º inciso I também tem a tríade família, sociedade e Estado como provedores e de garantirem aos idosos todos os seus direitos: cidadania, participação na comunidade, defendendo a sua dignidade, bem-estar e direito à vida.

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sancionada seja de natureza confinada, ela pode facilmente propagar-se em formas

mais severas de agressões”.

Junto com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, há fatores que

chamam a atenção, como é o caso da violência contra as idosas, em que muitos

casos, elas são vítimas de sua família e acabam vivenciando a violação dos Direitos

Humanos e não, a proteção.

No terceiro capítulo nos relatos de Jasmim, é expressa a violência

intergeracional, essa relação de violência se apresenta na relação com a sua ex-

nora e com seu neto.

Dessa maneira, a família é um lugar que além de representar amor,

cobranças e obrigações também concebe a violência, pois conviver com

intergerações não impede da violência se manifestar no seio doméstico. De acordo

como Debert (1999, p. 83), “o fato de os idosos viverem com seus filhos não é

garantia do respeito e prestígio nem da ausência de maus-tratos”.

2.3 Gênero x envelhecimento x família

A figura da mulher tem uma associação muito forte no que diz respeito ao

cuidar do lar, dos filhos, dos netos, ser esposa, avó. Apesar já das mudanças

transcorridas na sociedade, a mulher já conquistou vários direitos como votar,

trabalhar fora de casa, ser chefe de família, entre outras. Porém, essa visão do

senso comum de relacionar a mulher aos fazeres domésticos ainda está presente e

isso é bem notório nas falas das idosas que compartilham da mesma opinião.

Ser mulher, pra mim, eu acho que é ser mãe, cuidar da casa, dos filhos, dos netos, é isso. (Jasmim, 73 anos).

...cuidar da casa da gente né? É ter nossos filhos, bisnetos, nossos netos, é a família. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Debert (1999, p. 25), em sua obra, apresenta o momento diferenciado entre

as mulheres, assim, a autora comenta “a situação da mulher na velhice, momento

em que a reprodução e o cuidado dos filhos pequenos não são mais definidores do

feminino”. Ou seja, nesse momento da vida não há mais o cuidado com os filhos,

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mas o cuidado com o neto, bisneto assim como as falas anteriores das idosas se

apresentaram.

Não é de se negar que a figura da mulher durante muito tempo,

principalmente na sociedade ocidental, esteve ligada a questões domésticas, ou

seja, trabalho em casa e o homem era o provedor, que saía à procura dos subsídios

para a família. Hoje na contemporaneidade, percebe-se que as mulheres tem mais

liberdade em trabalhar fora, isto é, têm um trabalho remunerado e, por sua vez, não

se restringem somente aos fazeres domésticos. Há muitas mulheres ocupando

cargos que antes só eram exercidos por homens e isso representa uma grande

conquista para esse segmento social.

A partir das falas das idosas, nota-se que elas viveram em uma sociedade

que apresentava o modelo de família nuclear, em que a figura do pai é bastante

forte, isto é, ele era a autoridade máxima do domicílio. É o que retrata a coloção de

Jasmim na página 44, em que ela coloca privação em não ter liberdade para sair de

casa e só saía para a missa com seus pais e irmãos.

Meu pai foi muito marcante pra mim e pra meus irmãos, ele se separou da minha mãe, eu era pequena e ficou com nós. Ele era cantador, repentista, viajava, passava a semana fora pra sustentar a gente e nós ficava com meu irmão mais velho que tomava conta da gente. Meu pai e meu irmão foram pai e mãe. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Pode-se dizer que as idosas em suas infância e adolescência viveram nos

resquícios de uma sociedade patriarcal. Porém, com o caminhar dos anos, as

mulheres vêm apresentando outros papéis sociais diferentes do doméstico,

principalmente no que diz respeito às idosas participantes da entrevista, sobretudo

por serem viúvas e assim são consideradas as provedoras.

Essa modificação ocorre devido à expectativa de vida das mulheres serem

maior do que a dos homens, assim, os homens deixam de ser os chefes da família e

esse ofício passa para a mulher.

Com a minha aposentadorinhazinha, eu pago as minhas continhas, minha água, minha luz, compro meu mercantil e meus remedinhos. (Jasmim, 73 anos).

Eu junto a minha pensão com a aposentadoria do Messias, eu que controlo, porque eu pago a luz, água, compro a feira, os remédios dele e o meu. O nosso dinheiro só dá pra isso e dou uns trocados pra ele, só que ele não pode ficar com todo dinheiro, porque a nossa renda se completa. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

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Dessa forma, as idosas vêm apresentando um papel social na sociedade

contemporânea, especialmente, as viúvas que têm que assumir todas as

responsabilidades das despesas da casa, que antes poderiam ser compartilhadas

com o marido e sem essa renda, resta apenas a sua para assumir com os

compromissos de casa.

Com as transformações na demografia brasileira se acentuando na

feminilização, os papéis sociais das mulheres também sofrem alterações, essas

podem representar o papel de provedora do lar por meio da sua aposentaria ou

pensão, assim como também cuidar dos netos.

Hoje na cena contemporânea da família brasileira, há uma maior visibilidade

na família intergeracional, ou seja, com a convivência entre as gerações, passam a

compartilhar as demandas do convívio doméstico. A figura dos avós passa a

representar uma relação de cuidados com os netos. É o que mostra o relato a

seguir:

... fico aqui com minha netinha de 09 anos porque a minha filha e meu genro trabalha o dia todo. A minha filha é professora da prefeitura, e minha netinha estuda de tarde aqui pertinho, aí ela fica comigo até a hora de ir pro colégio, é minha companhia (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

O fenômeno da longevidade vem atribuindo novas atividades no cotidiano

das idosas, isso é o que essa colocação demonstrou. O “cuidar” da neta é visto

como uma companhia já que elas passam boa parte do dia a sós. Essa

responsabilidade da idosa com a sua neta não pode ir além de seus limites, isto é,

não pode atrapalhar suas atividades cotidianas como, por exemplo, sua participação

nos grupos de idosos ou em qualquer outra atividade de seu interesse.

A condição das idosas nos domicílios vem revelando um novo papel para

esses atores sociais em que elas passam a exercer o papel de “cuidadora” dos

netos e chefes de famílias. É o que revela a pesquisa Perfil dos Idosos

Responsáveis por Domicílio no Brasil (IBGE, 2002). Essa pesquisa do Censo

Demográfico de 2000 apontou em 1991 que os idosos chefes de família

representavam 60,4% e que, no ano 2000, houve um aumento para 62,4% de

idosos, que são responsáveis pelos lares brasileiros. Dentro desse número, 54,5%

estão vivendo com seus filhos e são considerados a principal fonte de renda da

família.

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Vitale (2002) chama a atenção para as novas relações familiares com a

figura das avós que sugiram ao longo dos anos com as transformações na família.

Assim, a autora explana que a fragilidade dos laços conjugais na cena

contemporânea, isto é, os divórcios, os avós tendem a ser para os netos um polo de

equilíbrio familiar. Nesse sentido, a assertiva a seguir demonstra a estabilidade que

a avó proporcionou a seu neto:

Criei meu neto (referindo-se ao Raí seu vitimizador) desde 24 horas de nascido. O motivo foi a separação dos pais dele. Quando ela (se referindo a sua ex-nora) saiu daqui, ela tava grávida do menino e a menina tinha dois anos e foi para a casa da irmã dela, e ela teve o menino nessa época. Eu trabalhava na Unifor, aí o menino nasceu. Da maternidade, ela veio para a casa do meu irmão que é vizinho, era à noite, eu estava trabalhando, ela jogou o menino em cima do sofá, na casa do meu irmão nuzinho, sem nada e foi embora. O povo aqui estava tudo doido porque o menino estava nuzim, não tinha nada. Trabalhava e cuidava dele e quando eu ia trabalhar eu deixava ele na casa de uma vizinha, era desse jeito pelejando, pelejando, pelejando, criei ele. (Jasmim, 73 anos).

Pensar a velhice na esfera da família é situá-la na experiência vivida. Diante

disso, Debert (1999, p. 87) explica “na relação entre idoso e família é ora fazer um

retrato trágico da experiência de envelhecimento, ora minimizar o conjunto de

transformações ocorridas nas relações familiares”.

As idosas que participaram da pesquisa expuseram a representação da

família para elas. Na fala de Jasmim, é perceptível a menção da violência, em que

os maus-tratos na família são ocasionados pelos filhos. No tocante à representação

da família, Comigo Ninguém Pode destaca que a família representa alegria e que

alguns filhos a ajudam.

A família tem que ser unida. Só que hoje em dia é muito difícil, não tem união nas famílias, a violência tomou de conta de tudo. Tem mais é violência, os filhos maltratam os pais, não têm o respeito, grita, fala palavras desagradáveis. A família da gente é muito importante né? A gente podendo agir né? É uma coisa muito importante, enquanto eu estiver viva e podendo me mexer ninguém manda no que é meu, quem manda sou eu. E já disse aqui pra meus filhos que enquanto eu tiver mexendo o caroço do olho, eu manobro. A minha família representa pessoas boas graças a Deus até agora. Não tenho medo de ninguém da minha família. (Jasmim, 73 anos).

A família representa alegria. Filhos, netos, bisnetos é muito bom. Tenho uns filhos bons que me ajuda, que gosta de mim. Me sinto feliz, mesmo assim sem marido né?!. Meu marido é Deus e nossa Senhora. Sentimento pelos familiares. Peço a Deus que todos sejam felizes. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

As(os) idosas(os) têm representado para as famílias uma grande

contribuição na vida familiar, visto que, devido à crise do capital, o ciclo do

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desemprego afeta a família e muitos retardam a saída da casa dos pais, pois como

não têm como prover sua subsistência, ficam na dependência dos pais e quanto

mais elevado o número de filhos, maior é a possibilidade de residir com eles

(Camarano et all, 2004).

No relato a seguir, é possível perceber a co-residência por necessidade da

filha e demonstra que a família é o principal aparato quando se necessita de apoio.

Teve um tempo que morava todo mundo na parte de cima. Eu, meu neto, minha filha, meu genro e minha netinha. Morava todo mundo lá, porque eles não tinha casa, essa parte de baixo, morava uma sobrinha minha. Nesse tempo, não tinham como pagar aluguel, minha filha não estava trabalhando era só meu genro. Eles me ajudavam com as despesas, assim, ajudava no mercantil, na água nessas continhas. Aí quando minha sobrinha saiu pra outro lugar, eles foi morar aqui embaixo. (Jasmim, 73 anos).

Para Camarano et all (2004), a co-residência ocasiona benefícios para

ambas as gerações. Porém a violência contra as idosas é mais recorrente no

contexto familiar entre as intergerações, dessa forma, as mulheres tornam-se mais

vulneráveis às agressões, pois o fator econômico pode gerar abusos financeiros por

parte de seus entes, assim como também outras formas de violência.

CAPÍTULO III - A REVELAÇÃO DA DOR: a violência contra a mulher idosa a partir dos seus depoimentos

Ao estudar o processo de envelhecimento, gênero e família, verificou-se que

a violência e o desrespeito não estão dissociados desse segmento social, pois,

historicamente, nessa etapa da vida, vêm-se revelando estigmas, estereótipos, que

desvalorizam os idosos e contribuem para cenas de violência contra esse ser social.

Este terceiro capítulo traz a questão da violência psicológica a partir da

concepção de Maria Cecília Minayo (2005). Para chegar à violência psicológica,

esse estudo faz uma reflexão sobre a violência e sua gênese enquanto questão

natural, instintiva ou questão social; busca-se ainda analisar a questão da violência

contra a idosa e os tipos de violência com ênfase na violência psicológica como uma

forma de dilacerar a pessoa idosa.

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3.1 A violência e sua gênese: questão natural, instintiva ou questão social?

A violência e a longevidade da espécie humana são dois fenômenos que

fazem parte da humanidade, pois envelhecer faz parte da construção da vida do ser

humano e a violência perpassa a sua história desde os primórdios. Esses dois

eventos tornaram-se questões de debates entre os pesquisadores como Minayo,

Faleiros, Machado e Queiroz, Menezes e os acadêmicos interessados nesta linha de

estudo, pois a violência tem transcorrido nas relações sociais. Contudo, é nas

relações familiares, que a questão da violência tem se apresentado de uma forma

cada vez mais expressiva, pois o desemprego e o uso de substâncias psicoativas,

tais como: álcool e drogas ilícitas, têm sido considerados fatores para a violência

(FALEIROS; BRITO, 2009).

Basta fazer um resgate histórico, que se encontra a presença da violência

desde as sociedades mais primitivas. De tal modo, desde a Idade Média, assim

como também na Idade Contemporânea19, o mundo vem passando por diversos

atos de violência, mostrando que essa ação não é algo exclusivo de um único país

ou estado, mas sim, um acontecimento mundial. A violência faz parte do dia a dia da

sociedade, não escolhe etnias, idades e status socioeconômico (FRAGA, 2002;

MINAYO, 2005). Deste modo, Passetti (2002, p.7) descreve que “a violência é tida

como uma característica inerente à espécie humana, um tema com diversas

possibilidades de abordagens, uma marca cada vez mais perigosa, alardeada entre

as práticas sociais”.

A violência se faz presente no Brasil, seja nas cidades de grande porte

(como é o caso de Fortaleza/Ceará), ou nas cidades de pequeno porte (interiores). A

violência é um fator que ocasiona morte ou deixa pessoas feridas, ocasiona lesão

irreversível (exemplo: um tiro em uma pessoa pode deixá-la tetraplégica, paralítica),

pânico de sair de casa, entre outras. Entre as ações de violência contra os cidadãos

19 Revolução Francesa XVII; a Primeira Guerra Mundial 1914; Revolução Russa 1917 e a Segunda Guerra Mundial 1939.

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em seu cotidiano, pode-se citar: sequestros, roubos, homicídios, ameaça de morte,

latrocínio, violência no trânsito etc, estas ações estão ligadas à violência

denominada violência urbana. (SAFFIOTI, 2004).

Hoje em dia, se ouve a todo instante falar em violência, pois os meios de

comunicação (tanto jornal impresso, televisivo) noticiam drásticas cenas de violência

no cotidiano da humanidade. Há meios de comunicação que têm programas

específicos para abordar a violência nas cidades, o exemplo disso são os

programas20 dos canais locais, a exemplo de Fortaleza, em que três emissoras no

mesmo horário transmitem seus programas, mostrando a realidade da violência

urbana, assim como também outros casos de violência que assolam a população.

Porém, em alguns casos, a mídia mostra a violência com sensacionalismo e para

Fraga (2002, p. 52), “o sensacionalismo com que a imprensa trata a violência só faz

promover a própria violência”.

Não é de negar que os programas de violência sensacionalista têm uma

forte influência na formação da opinião pública e mostram uma visão distorcida dos

direitos humanos, em que esses direitos só aparecem para quem comete algum

delito. Esse tipo de análise que algumas das mídias retratam é uma apreciação

superficial da situação que levou a pessoa a praticar uma determinada ação de

violência e a trata como uma questão naturalizada. Sendo assim, mostram para os

telespectadores uma visão deturpada e, muitas vezes, expõem cenas além do real.

De acordo com Fraga (2002, p. 52), a mídia sensacionalista “é um círculo fechado:

as pessoas querem ver sangue, querem saber das mazelas do outro – e qualquer

jornalista sabe que uma manchete de crime hediondo faz vender muito mais”.

A violência é tratada com naturalismo, porque não é compreendida a partir

de uma expressão da questão social21 e de uma sociedade com contradições. Pois,

o sistema capitalista que rege a sociedade brasileira contemporânea, é um sistema

20 Barra Pesada (TV Jangadeiro); Comando 22 (TV Diário) e 190 (TV Cidade). 21 Aborda-se a violência como uma expressão da questão social, porque ela se expressa de múltiplas formas: violência contra a mulher, violência contra o idoso, contra a criança e adolescente, pobreza, luta por terras entre outras. Para Iamamoto (2009, p. 27), é a partir dos conjuntos das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. [...]”.

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desigual, em que há muitos com pouco e poucos com muito. Logo, é necessário

compreendê-la, levando em consideração o contexto sócio histórico presente na

sociedade e as análises dos pesquisadores da temática.

Por a violência possuir múltiplas expressões, Bonamigo (2008) defende que

a categoria não pode ser utilizada no termo singular e sim no plural, visto que não

existe simplesmente a violência e sim violências com as mais variadas

demonstrações.

As diversas formas de violência, que estão presentes nas relações sociais

fazem parte da chamada questão social que atinge a população brasileira, seja

violência urbana, física, psicológica, abuso financeiro, violência simbólica,

negligência, violência doméstica, violência no trânsito, entre outras. Essas

expressões da violência não se apresentam apenas no meio urbano, mas também

no contexto familiar entre marido e mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs, netos e

avós e outros parentes, contudo a violência se apresenta em suas mais variadas

formas, pois não se pode resumi-la apenas na sua força física, uma vez que há

outras formas que agridem o ser humano e não deixam hematoma no corpo, mas

sim marcas profundas na alma.

A denominação violência faz parte da contemporaneidade da sociedade,

pois todos estão sujeitos a sofrerem com as diversas situações de uma ação

violenta. Segundo Bonamigo (2008, p. 205), “a palavra violência origina-se do latim

violentia que remete a vis e significa caráter violento ou bravio, força, vigor, potência,

emprego de força física. Significa também qualidade, abundância, essência e força

em ação”.

O autor realizou um estudo sobre a composição do vocábulo violência, isto

é, ele partiu do sentido etnológico da palavra, esclarecendo o seu significado que

surgiu do termo latim, violentia, em que o emprego da força física, o caráter violento,

entre outros que estão presentes. Porém, como já foi mencionada anteriormente, a

violência não se restringe apenas com a força física há outras formas dela se

manifestar.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), através do relatório mundial sobre

violência e saúde publicado em 2002, considera a violência como um problema

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mundial e de saúde pública. A OMS aponta que por ano mais de um milhão de

pessoas no mundo perdem suas vidas e outras sofrem lesões não fatais, vítimas de

diferentes formas de violência. Desta maneira, a OMS (2002, p.5) a define como:

...uso intencional da força física e do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

O relatório chama a atenção para o alto custo que a violência proporciona,

pois são bilhões de dólares gastos anuais com a assistência à saúde. Além desse

fator a dor e o sofrimento das pessoas são incalculáveis.

As duas explanações abaixo demonstram a compreensão das idosas a

respeito da violência. As assertivas atribuem a violência a assassinatos, assaltos e

às drogas. Para Jasmim, as drogas são a principal causa da violência, pois ela

oportuna assaltos, que muitas vezes acarreta em morte. Assim, as colocações das

participantes da pesquisa estão relacionadas ao significado expressado pela OMS

(2002). Portanto, a violência é exercida por meio da força física, causa lesões,

prejudica o desenvolvimento humano e configura-se como uma violação dos Direitos

Humanos.

A violência é uma coisa muito horrível, muito triste a violência. Porque causa muita coisa ruim na vida: morte, sofrimento para a família. Morte é uma coisa muito violenta, isso a morte que o povo sai matando por motivos bestas. A droga no mundo tá grande, e tem gente que vai roubar para comprar a droga e mata porque a pessoa reage ao assalto, é muito triste isso. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

...é tanta coisa a violência. Esse mundo tá terrível, a violência tomou conta mesmo, a droga tá aí né? É tanta coisa ruim que acontece é assalto, é morte, é tanta coisa que não sei dizer. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos grifos nossos).

Hannah Arendt (2011), em sua obra “Sobre a Violência”, faz uma reflexão a

respeito da violência a partir da discussão dos meio violentos do século XX, mais

precisamente da rebelião estudantil de 1968, e da guerra do Vietnã. A autora inicia

sua análise das palavras-chaves: poder, vigor, força e autoridade e violência, que,

comumente, são utilizadas como sinônimos. A pesquisadora faz um alerta para o

cuidado em usar os sinônimos, pois seus significados possuem um contexto. Assim,

a autora faz uma crítica com as interpretações errôneas das palavras e da

banalização como elas são utilizadas.

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Arend (2011, p. 60 – 63, grifos nossos) define precisamente as palavras-

chave:

(a) O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas também para agir em concreto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence em existência apenas enquanto o grupo permanece em existência apenas enquanto se conserva unido, ou seja, o poder é a capacidade de agir em conjunto; (b) O vigor designa algo no singular, uma entidade individual; é a propriedade inerente a um objeto ou pessoa e pertence a seu caráter, podendo provar-se a si mesmo na relação com outras coisas ou pessoas, mas sendo essencialmente diferente delas. O vigor possui uma independência peculiar; (c) A força, que frequentemente empregamos no discurso cotidiano como sinônimo da violência, deveria ser reservada a linguagem terminológica às “forças da natureza” ou às “forças das circunstâncias, isto é, deveria indicar a energia liberada por movimento físico ou sociais; (d) A autoridade, relacionada como o mais enganoso desses fenômenos e, portanto, um termo do qual se abusa com frequência, pode ser investida em cargos ou em postos hierárquicos. Sua insígnia é o reconhecimento inquestionável por aquele a quem se pede que obedeçam; nem coação nem a persuasão são necessárias; (e) A violência distingue-se pelo seu caráter instrumental. Os implementos da violência como todas as outras ferramentas, são planejadas e usadas com propósito de multiplicar o vigor natural.

Arend (2011) chama a atenção para o binômio poder e violência, pois a

combinação desses dois termos é muito comum, apesar de serem distintos. Na sua

compreensão, a autora expõe que a violência destrói o poder, pois a violência

sempre se sobrepuja ao poder, visto que o poder só funciona em conjunto, e quando

não há a obediência, não há o poder e sim a violência. Portanto, nas palavras de

Arend (2011, p. 73 - 74, grifos nossos):

...é insuficiente dizer que poder e violência não são o mesmo. Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente. A violência aparece onde o poder está em risco, mas, deixa a seu próprio curso, conduz à desaparição do poder. [...] A violência pode destruir o poder; ela é absolutamente incapaz de criá-lo. [...] Com isso, não pretendo equiparar a violência ao mal; quero apenas enfatizar que a violência não pode ser derivada de seu oposto, o poder, e que, a fim de compreendê-la pelo que é, teremos de examinar suas raízes e suas naturezas.

A violência tem a sua raiz na vitória sobre o poder e na distinção entre os

seus sinônimos (vigor, força, autoridade, poder) e deve ser analisada a partir dos

acontecimentos sociais, econômicos e políticos da sociedade contemporânea. Arend

(2011) coloca a dominação do homem pelo homem a partir do poder em que o

homem obedece ao comando do outro, e sem o comando e a obediência não há o

poder. A autora ainda expõe que o poder tem relação com a dominação e a

submissão do homem e que: poder, vigor, força, autoridade e violência são meios e

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funções pelo qual o homem se utiliza para dominar o homem, logo são tomados

como sinônimos porque têm a mesma função.

Ainda em seu estudo sobre a violência, Arend (2011) faz uma crítica às

ciências sociais e às ciências naturais, pois elas estão preocupadas em desvendar a

agressividade do homem, fazendo testes em animais para revelarem as ações

violentas do ser humano. A crítica que a autora faz é que os cientistas estão

tentando fazer com que o comportamento violento seja uma reação natural e a

agressividade seja um impulso instintivo. Para os pesquisadores das ciências sociais

e naturais, a violência sem a provocação é “natural”, quando perde a sua “rationale”

o homem age “irracional”. O homem é um ser teleológico, ou seja, tem uma

finalidade em suas ações e o animal é um ser irracional, logo age por instinto,

porém, muitas vezes, os homens podem ser mais “bestiais” do que os outros

animais, pois o uso da razão o torna perigosamente irracional.

Arend (2011) se colocou contra as concepções dos cientistas e, em sua

visão, a violência não é “natural”, “irracional”, “bestial” nem “legítima”. Porém, a

autora explica que, em certas circunstâncias, a violência é justificável como, por

exemplo, em caso do homem agir por legítima defesa, mas se a ação for uma

estratégia perde sua razão e converte em um princípio de ação.

Tomando como base, as reflexões da obra de Arend (2011), é possível

chegar-se à conclusão de que: a violência não é legítima, mas, em algumas

situações, é uma ação justificável, as agressões não são comportamento natural do

homem, o que gera a violência é a disputa pelo poder e o medo de perdê-lo quando

se está em risco. O poder é uma ação legítima com a capacidade de agir em

conjunto e jamais um indivíduo só consegue o poder. E que as palavras-chaves são

meios de dominação do homem sobre o homem.

Na sociedade patriarcal, como por exemplo, o caso do Brasil, há a presença

muito forte da dominação, pois a figura do homem é baseada no poder, na força na

dominação masculina. Na cultura ocidental, a tradição da mulher é marcada por uma

história de exclusão e de submissão ao homem. Assim, na relação de gênero, o

homem é considerado o detentor, o poderoso, e a mulher, a frágil, a qual deve

acatar as ordens do homem. Desta forma, configura-se a violência contra a mulher,

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tendo como base a questão de gênero, ou seja, por ser mulher é vista apenas pela

figura da doméstica e da maternidade (SAFFIOTTI, 1994; 2004; OSTERNE, 2001).

Em relação à herança histórica da subimissão da mulher e do poder do

homem, Osterne (2001, p, 121) explana:

O cotidiano das meninas, primeiro na família, depois na escola e nas relações sociais, é permeado por oferta de modelos de comportamentos mais dóceis, mais delicados, com caminhos pouco definidos no mundo das decisões, mas muito forte no que se refere a papéis secundários e submissos. Já dos meninos, são esperados a iniciativa, a agressividade para enfrentar os fatos corriqueiros, o constante acerto nas iniciativas sexuais, a escolha de caminhos característicos de pessoas fortes e vencedoras – os provedores. Inculca-se nos meninos a crença na existência de um homem viril, corajoso, forte, esperto, conquistador e imune às fragilidades, inseguranças e angústias da vida.

O fato é que a violência contra a mulher está no bojo histórico de uma

herança marcada pelo patriarcardo22, e a consequência dessa herança é o poder de

dominação que o homem detém sobre a mulher, o qual os homens se acham os

donos das mulheres e que isso lhes dá o direito de agredi-las, pois elas são vistas

como sua “propriedade”, que têm que obedecer e atender às suas vontades.

Portanto, as mulheres sofrem violência em casa, no trabalho, na rua, ou seja, em

suas relações sociais. Por mais que a sociedade tenha passado por grandes

transformações no que se diz respeito à mulher como: o direito ao voto, a trabalhar

fora do lar, entre outras, ainda há resquícios do patriarcalismo.

Fraga (2002) faz sua apreciação sobre a violência, partindo do princípio de

que a violência está enraizada na história da humanidade e acompanha o homem

desde sempre. Na sua concepção, há a violência dos primatas que é denominada

de violência original; violência primária estruturante e a violência secundária.

A violência original ou primata é aquela que é cometida a partir de uma

necessidade de sobrevivência, ou seja, as lutas que ocorrem é sobre o simples fato

de que a “comunidade” precisa de condições básicas para a sua sobrevivência e os

meios de tê-los é por meio da luta, o exemplo disso são as sociedades primitivas, e

está fundada na ordem do equilíbrio da vida. A violência primária estruturante é a

22 Para Pateman (apud SAFFIOTI, 2004, p. 53) o patriarcado é: “A dominação dos homens sobre as mulheres e o direito masculino de acesso sexual regular [...]”.

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violência dos dias atuais nas suas mais diversas formas sutis e destrutivas e a

violência secundária é desestruturante e desagregadora.

Fraga (2002) afirma que a violência é uma das expressões de agressividade,

e que esse instinto é característica do animal, mas que também o ser humano

possui tal instinto. O pesquisador chama a atenção para a distinção entre

agressividade e violência para não ocorrer erros de interpretação e para que não

sejam utilizadas como sinônimos. Sendo assim, Fraga (2002, p. 45, grifos nossos)

distingue agressividade de violência:

A agressividade é, assim, condição absolutamente necessária para a atividade humana. Um ser sem agressividade é inerente, sem qualquer possibilidade de iniciativa de defesa – no máximo, um autômato, um ser ‘programado’, que age segundo a vontade de outrem. Portanto, é demasiado perigoso confundir violência com agressividade, pois será trágico que a idéia de superar socialmente a primeira incluía também a segunda.

O ponto de vista de Fraga (2002) se contrapõe ao de Arend (2011), pois,

para aquele estudioso, a violência é uma expressão de agressividade e instinto do

homem, porém chama a atenção para não confundir violência e agressividade como

sinônimos. Já Arend (2011) critica os cientistas que fazem experimentos em animais

com o intuito de comprovar que a violência no homem é por meio do instinto, assim,

como nos animais. Para a autora, a violência não é instintiva e muito menos natural.

Para Boff (apud SERRA, 2005, p. 49),

A violência histórica, na base da dominação do outro e de sua escravidão, formou a subjetividade coletiva de nossas elites. (...) o mecanismo de violência social reside, primeiramente, nas estruturas mentais da classe dominante.

Na explanação de Boff, a violência tem seu embasamento a partir da

dominação da classe burguesa, em que a violência envolve uma relação de poder

entre duas ou mais pessoas em que se submetem às exigências e/ou aos

constrangimentos do outro. Portanto, as relações sociais ficam em uma relação de

dominação e submissão ao outro. Para Bittar (2008, p. 215, grifos nossos), a

violência:

...deixou de ser considerada uma questão lateral na dinâmica da vida contemporânea, não podendo, muito menos, ser desprezada enquanto indícios da dissolução social. Muito menos de ser considerada um problema pontual, mas sim a decretação de um alarmante estado de instabilidade e descontentamento geral da sociedade, [...]. Muito menos

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ainda pode ser considerada um problema isolado do contexto de um Estado ou de um país.

Assim, a violência não pode ser abordada como um problema isolado do

contexto social, pois é imprescindível conhecer as relações em que os cidadãos

estão inseridos e reconhecer que as expressões da violência são multifacetadas,

atingem a todos sem distinção de classe social, gênero, idade, etnia, pois ninguém

está isento de uma ação violenta. De acordo com Menezes,

a violência, entendida como conseqüência da disputa pelo poder e abuso de poder, do crime organizado, da ação dos grupos de extermínio, do narcotráfico, da drogadição, da ação policial, do trânsito e das torcidas de futebol, assola como praga o meio urbano e o meio rural. Lembro ainda as violências contra a natureza, contra a mulher, contra a criança e mais recentemente, contra o velho, a violência doméstica e as violências nas escolas. (...) Vale salientar que essa expressão conjugal da violência no mundo não tem relação com as sedutoras conquistas científicas e tecnológicas realizadas pelo homem, e se constituem em um grito de alerta para os efeitos e as conseqüências devastadoras e trágicas desse processo. (apud SERRA, 2005, p. 52).

Para compreender a questão da violência, é de suma relevância fazer uma

análise das relações sociais em que os sujeitos que sofrem com as agressões estão

inseridos. Pois, é a partir da compreensão das relações sócio-históricas e de um

olhar atento e crítico, que se dá o entendimento das expressões da violência e

montam-se estratégias para a superação da violação de direitos (por isso é

imprescindível o trabalho multidisciplinar). Logo, ela não pode ser tratada de forma

fragmentada, pois está inserida em um contexto histórico que precisa ser analisado.

Para Silva (2008, p. 269), “a violência como categoria de análise exige um

procedimento metodológico comprometido com a perspectiva da totalidade – que

também como categoria ontológica, possui uma existência para além da razão do

pensante”.

Desse modo, a violência faz parte do complexo social, da ontologia, ou seja,

do ser social, e não deve ser abordada apenas nas suas práticas físicas, mas

também nas outras faces que causam dor e traumas às vítimas. A análise crítica

proporciona formular questões para compreendê-la, e é a partir dessas novas

questões que surgem, no decorrer do estudo, novas alternativas para sua análise.

De acordo com Diógenes (1998, p. 78, grifos nossos), a violência apresenta

dualidades, a vítima e os sujeitos (protagonistas) em que:

...desenvolve-se uma série de argumentações que, quase sempre levam a supor a existência de ‘ações violentas’ que seriam possivelmente

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controladas com a eliminação ou contenção do sujeito praticante de atos violentos. Ao ser pensada como ato isolado, mesmo configurando-se de forma mais ampla a partir da visão de um cenário propício às práticas de violência, tende-se a deixar de perceber a violência como uma extensiva rede fenomenológica.

A violência é um tema que é alvo de debate e discurso na cena

contemporânea, principalmente pelos políticos em época de campanhas eleitorais, é

uma “carta na manga” dos candidatos, pois em toda campanha há promessas de

mais segurança para a população. Portanto, a violência é uma questão notada,

registrada, e o ponto da questão está na sociedade desigual, isto é, na sociedade

capitalista em que os direitos básicos (educação e emprego) estão em constante

violação.

Contudo, pode-se concluir que a violência não é recente, nem natural nem

instintiva e muito menos um fenômeno, mas é uma expressão da questão social,

pois a sociedade capitalista, a qual é regida por um modelo econômico neoliberal,

configura uma sociedade com contradições em que o desemprego, a criminalização

estão em alta. Portanto, a violência está ligada à desigualdade social, à exclusão

social e o que há de contemporâneo são as novas roupagens, isto é, as novas

expressões de violência, que se manifestam nas agressões físicas, psicológicas,

patrimoniais e econômicas, sendo esta última manifestada por meio da exploração

financeira. Todas essas expressões surgem na atual sociedade e, muitas vezes, de

forma sutil e destrutiva.

3.2 A construção do conhecimento da violência contra a pessoa idosa e os tipos de

violência

A questão da violência, por não ser específico de uma única área, tem

chamado a atenção das ciências sociais e da saúde23, pois é um problema que está

presente na história da humanidade, atingindo a todos. Dessa maneira, os

23 A violência é tratada como uma demanda da saúde pública, porque a mortalidade com relação à violência tem afetado a todos os grupos etários, classes sociais e quando não se leva à morte causa lesões, traumas físicos e emocionais (MACHADO; QUEIROZ, 2002).

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estudiosos da área da saúde, assim como também das ciências sociais têm buscado

explicações para esse tema, pois não é só um caso de segurança pública, mas sim

um assunto que diz respeito a todos.

A temática da violência despertou o interesse no âmbito científico na década

de 1960, com atenção no abuso da criança e do adolescente, nos Estados Unidos e

no Canadá, a partir das investigações da síndrome do bebê espancado 24 . Na

década de 1970, o movimento feminista alertou sobre a questão da violência

doméstica contra a mulher em que as agressões física, psicológica e sexual eram

cometidas pelos companheiros (MACHADO; QUEIROZ, 2002).

Já a questão da violência contra a pessoa idosa passou a chamar a atenção

dos estudos científicos entre a metade da década de 1970, e foi em 1975, que pela

primeira vez, relatos de idosos britânicos foram publicados em uma revista científica

como “espancamento de avós” (OMS, 2002). Entre os anos 1980 e 1990, essa

temática foi ganhando mais visibilidade entre os especialistas e pesquisadores da

área do envelhecimento, portanto foi nesse período que começaram a surgir as

produções baseada nessas pesquisas. Os primeiros casos de violência contra o

idoso surgiram nos Estados Unidos e na Inglaterra com as produções de artigos e

publicações técnicas (MACHADO; QUEIROZ, 2002).

No Brasil, a discussão sobre a violência contra o idoso começou a ganhar

visibilidade em 1990, em que teve um relevante papel dos movimentos sociais e

instituições de direito. (MACHADO; QUEIROZ, 2002).

As discussões acerca da violência contra a pessoa idosa, isto é, contra os

cidadãos que tem acima de 60 anos de idade estão voltadas para a definição da

Rede Internacional para a Prevenção dos Maus Tratos Contra o Idoso e pela

Organização Mundial da Saúde (WHO; INPEA, 2002), Minayo (2005), Machado e

Queiroz (2002) consideram maus tratos como uma forma de violência contra o idoso

e assim a define:

24 A síndrome do bebê espancado é um termo que denomina as práticas de violência contra crianças e adolescentes, que por sua vez foi considerada um grave problema para o desenvolvimento infantil e tornou-se um problema de saúde pública (MACHADO; QUEIROZ, 2002).

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...é um ato único ou repetido, ou ainda a ausência de uma ação devida, que cause sofrimento ou angústias, e que ocorre dentro de qualquer relacionamento onde há uma expectativa de confiança [...] pode ser: maus tratos físico; abuso psicológico; abuso sexual; abandono; negligência e auto-negligência. (WHO/INPEA, 2002, p. 3).

Não que maus tratos não sejam uma forma de violação dos Direitos

Humanos, mas a questão da violência contra o idoso tem que ser tratada além da

compreensão adotada pelos órgãos internacionais. Pois, como uma expressão da

questão social, os sujeitos sociais estão em uma sociedade antagônica e desigual,

portanto a violência se promulga nas mais variadas formas como, por exemplo, nas

relações familiares, institucionais e interpessoais.

A violência nas relações familiares tem-se a exploração financeira, a

negligência, a física, o gênero, a etnia, os grupos etários, os preconceitos e a

exclusão social. Nas relações institucionais como, por exemplo, no trabalho ou em

órgãos públicos, privados que prestam atendimento à população, são locais

propícios à violação dos direitos, pois o cidadão pode sofrer preconceito em relação

à sua idade. Outro exemplo de violação aos direitos dos idosos é o órgão público

negar atendimento, pois a omissão de um atendimento ao usuário é uma violação de

seus direitos. Nas relações interpessoais, a violência se manifesta na forma da

interação cotidiana, a exemplo disso são as filas preferenciais para os idosos, muitos

não respeitam esse direito e os agridem verbalmente (FALEIROS; BRITO, 2009).

Minayo (2005) aponta duas dimensões de violência contra o(a) idoso(a):

uma coletiva e a outra é individual. A coletiva é que o idoso é apresentado à

população como um ser humano que só é “válido” enquanto trabalha, ou seja,

enquanto exerce uma atividade laborativa remunerada. Ao ficarem fora do mercado

de trabalho, só os resta uma pequena aposentadoria e é considerado um peso para

a sociedade, principalmente para a Previdência Social. A segunda dimensão está

relacionada à convivência com os(as) idosos(as), em que se tem o conhecimento de

sua história de vida e suas necessidades, e que cada idoso(a) possui uma distinção,

ou seja, uma subjetividade.

Portanto, a violência está presente em nossa sociedade e se apresenta de

diversas formas, entre elas estão, o ato de coação direta ou indireta que causam

danos físicos, mentais e morais. Logo, há um agressor e um agredido, e pode

ocorrer entre as relações sociais: interpessoais, de grupos, de classe, de gênero.

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Em relação à especificidade de gênero, Minayo (2005) aponta que os

estudos revelam que, no interior do lar, as mulheres são mais agredidas do que

homens, esses, por sua vez, nas ruas, são as vítimas preferenciais. Sobre essa

diferença Minayo (2005, p. 36) esclarece:

Em ambos os sexos, os idosos mais vulneráveis são os dependentes físicos ou mentalmente, sobretudo quando apresentam problemas de esquecimento, confusão mental, alterações no sono, incontinência, dificuldade de locomoção, necessitados de cuidados intensivos em suas atividades da vida diária.

Faleiros e Brito (2009), em sua pesquisa sobre a violência contra o idoso,

revelou que os agressores são: filhas, filhos, genros, noras e netos.

Minayo (2005) dá um enfoque na saúde, a autora realizou um estudo da

violência contra os idosos e foi confirmado “causas externas” 25 de morbidade e

mortalidade entre os idosos. Dessa maneira, alerta para as causas violentas que

levam os idosos a óbito, que são acidentes de trânsito e quedas.

Os acidentes de trânsito, além de provocarem lesões e traumas acabam

levando as vítimas ao falecimento por complicação em seu quadro clínico. A

população idosa sofre discriminação por toda parte da população, entre eles

destacam-se os motoristas, pois muitos não param nos pontos de ônibus para os

idosos, não esperam os idosos se acomodarem na poltrona do ônibus. Essa

violência mostra uma série de desrespeito com os idosos, visto que alguns têm

dificuldades de movimento devido à idade. Em relação a acidentes de trânsito, há

uma diferenciação na faixa etária e no sexo. Minayo (2005, p. 22) coloca:

...Tomando como exemplo, o ano 2000, no grupo de 60-69 morreram mais mulheres (37,2%) que homens (31,8%). A partir dos70 anos o quadro se inverte. Os homens de 70 a 79 anos correspondem a 31% e as mulheres, a 27,1%. A partir de 80 e mais anos, 22,3% dos óbitos foram de homens e 9,8% de mulheres.

As quedas correspondem por levar os idosos ao falecimento, pois, assim

como nos acidentes de trânsito, as fraturas das quedas geram complicações e

levam o idoso a óbito. Ainda de acordo com a autora, as mulheres são as maiores

25 As causas externas que a autora se refere são: homicídios, suicídios, óbito por acidente em geral, lesões e traumas provocados pelas violências, acidentes em geral e pelo envelhecimento estão contempladas na Classificação Internacional de Doenças (CID) (MINAYO, 2005).

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vítimas de quedas e ficam em desvantagem com o decorrer da idade. No ano 2000,

33,6% das mortes por quedas atingiram as mulheres com 80 anos ou mais.

Minayo (2005) e o Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra

a Pessoa Idosa (2005) definem as formas de violência contra a pessoa idosa a partir

da Política Nacional de Redução de Acidentes e Violência do Ministério da Saúde

(2001), que as classificam como:

a) Abuso físico, maus tratos físicos ou violência física: são tipos de violência

exercidos através da força física, com o intuito de ferir, provocar dor,

incapacidade ou morte do idoso. Exemplo: quando o corpo sofre qualquer

agressão como chutes, tapas, socos, empurrões, beliscões etc;

b) Abuso psicológico, violência psicológica ou maus tratos psicológicos:

correspondem às agressões verbais ou gestuais com objetos que aterrorizam,

humilham, restringem a liberdade ou isolam os idosos do convívio social.

Exemplo: chantagens, intimidação, insultos, desvalorização da pessoa, entre

outros;

c) Abuso sexual ou violência sexual: ato que se refere ao jogo sexual de caráter

homo ou hetero-relacional, utilizando o idoso, visando obter excitação, relação

sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.

Exemplo: esse tipo de violência também pode ser expresso por meio da

dominação da vítima em que ela é obrigada a manter a relação sexual para

satisfazer o prazer do agressor. Também pode vir acompanhada de ameaças

como uma forma de intimidar a vítima e essa, por sua vez, não denunciar;

d) Abandono: manifesta-se pela ausência ou deserção dos responsáveis

governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa

idosa que necessite de proteção. Exemplo: A família deixar a idosa residir

sozinha;

e) Negligência: referente à recusa ou à omissão de cuidados devidos e necessários

aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. Exemplo:

Uma idosa com problemas de saúde e a família ou algum órgão não prestar

assistência necessária;

f) Abuso financeiro e econômico: exploração ou o uso ilegal dos recursos

financeiros ou dos bens materiais do idoso. Exemplo: uma pessoa de confiança

do idoso (filho/a, irmã/o, neta/o) pode usufruir de seus bens a seu favor, fazer

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empréstimos, pressão para comprar algo ou vender, apropriar-se, indevidamente,

do cartão do banco, entre outras;

g) Auto-negligência: que diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça sua

própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários para si.

Em 1992, foi realizado na África do Sul, um seminário sobre abuso de idosos

e estabeleceu a diferença entre maus tratos e abusos, com o objetivo de classificar a

violência contra o idoso no país emergente como base num modelo ocidental, porém

considerando fatores relevantes da população nativa. Dessa forma, manteve a

classificação já descrita anteriormente, incluindo: acusações de bruxaria: estigmas e

ostracismo; abusos provenientes dos sistemas: o tratamento desumano a que os

idosos estão sujeitos nas clínicas de saúde e repartições encarregadas das

pensões, e marginalização pelo governo.

Para se chegar à diferenciação entre maus tratos e abusos no seminário em

epígrafe ocorrido na África do Sul, foi apresentada uma pesquisa com os idosos,

com o objetivo de investigar o entendimento desses cidadãos sobre maus tratos e

abusos. Na pesquisa, os idosos definiram maus tratos como: abuso verbal,

negligência ativa e passiva, exploração financeira e excesso de medicação; abusos

são: violência física, psicológica e sexual, e apropriação indébita (OMS, 2002).

Desde o século XX e também no século XXI, a população brasileira vem

passando pelo processo do envelhecimento populacional, e esse crescimento traz

para o debate o fato da violência tendo como maior vitimizador a família. Adentrar no

seio da família é muito delicado, pois para alguns idosos o que acontece em suas

residências só diz respeito à família e quebrar com o silêncio da violência, e entregar

seus entes queridos é uma questão muito forte, pois o afeto, o amor torna as vítimas

cúmplices da violência.

A Política Nacional do Idoso cria mecanismos para a criação dos Conselhos

e coloca a tríade família, sociedade e Estado como asseguradores dos direitos da

pessoa idosa. Os Conselhos Nacional, Estadual e Municipal e do Distrito Federal

têm a deliberação paritário e deliberativo. Já que os Conselhos são paritários, isto é,

há a articulação entre Estado, sociedade e profissionais proporciona as

identificações de demandas e a real necessidade desses cidadãos.

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Como já foi abordado, no capítulo I, a segunda Assembleia Mundial do

Envelhecimento realizada em Madri no ano de 2002 influenciou a elaboração do

Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que é um relevante instrumento para a garantia

e defesa dos direitos da pessoa idosa e o reconhecendo como sujeito de direitos,

porém mesmo com essa Lei há omissões que se contrapõem aos direitos. Isso, por

sua vez, se revela nas violações dos direitos dessa população. No artigo 4º

parágrafo 1º do Estatuto do Idoso, é vetado todo e qualquer tipo de violência contra

o idoso, prevendo punições para quem violar a Lei:

Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, descriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. §1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.

Outra Lei que protege as mulheres é a Lei nº 11340 de 7 de agosto de 2006,

denominada Lei Maria da Penha. Essa Lei é específica para as mulheres vítimas de

violência e, por meio desse instrumento, a mulher pode solicitar medida protetiva de

urgência, dentre outras medidas com o intuito de defender a vítima do agressor.

Com a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI),

realizada no período de 23 a 26 de maio de 2006, em Brasília, foram criadas

propostas para a criação da Rede Nacional de Proteção e Defesa dos Direitos da

Pessoa Idosa (RENADI)26. Para a efetivação da RENADI, cabe a responsabilidade

compartilhada entre União, estados, Distrito Federal e os municípios e a integração

dos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como também do

Ministério Público e da Defensoria Pública para um sistema de proteção e efetivação

dos Direitos Humanos da pessoa idosa.

No ano de 2005, foi criado o Plano de Ação para o Enfrentamento da

Violência Contra a Pessoa Idosa27. Esse Plano é implicação de ações do governo

federal, do Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos (CNDI) e dos movimentos

26 Para maior aprofundamento consultar os Anais da I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. 27 “O plano constitui-se como um instrumento que reforça os objetivos de implementar a Política de Promoção e a Defesa dos Direitos aos segmentos da população idosa do Brasil, dentro de um enfoque do respeito, da tolerância e da convivência intergeracional [...]”. Tendo como objetivo: “Promover ações que levem ao cumprimento do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, 1º de outubro de 2003), que tratem do enfrentamento da exclusão social e das formas de violência contra esse grupo social” (BRASIL, 2005, p. 7/10).

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sociais. O Plano possui estratégias de ação no espaço cultural coletivo; espaço

público; espaço familiar e no espaço institucional. Também tem em vista o resultado

do planejamento, organização, coordenação, controle, acompanhamento e avaliação

das etapas, buscando a prevenção e o enfrentamento da violência contra o idoso.

O rápido crescimento da população com mais de 60 anos de idade tem

chamado a atenção das políticas e da violência contra esse segmento, também

despertou a agenda política internacional e nacional. O Brasil teve grandes avanços

nas suas políticas para os idosos e foi a partir de estudos que sugiram: a Política

Nacional do Idoso promulgada por meio da Lei 8.842 de 1994; Lei 10.741 de 2003,

definindo o Estatuto do Idoso; Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência

Contra a Pessoa Idosa; I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa,

realizada em maio de 2006, em Brasília; Rede Nacional de Proteção e Defesa dos

Direitos da Pessoa Idosa (RENADI); II Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa

Idosa, realizada em 200928 e a III Conferência, que ocorreu em 201129.

Esses avanços nas políticas demonstram uma grande conquista para os

idosos que passaram a ser reconhecidos como cidadãos de direitos, assim, como a

Constituição Federal de 1988 coloca que todos somos cidadãos de direitos. Porém

se faz necessário que outras políticas afirmem o que já está estabelecido pela CF de

1988.

Nesse aspecto, os relatos das entrevistadas evidenciam que elas não

conhecem o Conselho do Idoso Municipal, Estadual nem Federal. Indagadas se já

participaram de alguma conferência em relação aos direitos dos idosos a resposta

também foi negativa. Diante das informações cedidas pelas participantes da

pesquisa, ficou um questionamento: será que o Conselho do Idoso está cumprindo

com seu papel? Indagadas, se conheciam alguma Lei que protege o idoso a

resposta foi unânime que sim.

...Tem a lei que protege o idoso que se alguém fizer alguma coisa com a gente, o idoso pode denunciar qualquer coisa, a gente pode denunciar. Ônibus, qualquer

28 Para um estudo mais específico consultar os Anais da II Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. 29 Para obter um estudo com maior abrangência ver os Anais da III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa.

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coisa, a gente tem que ligar, se fizer alguma coisa com a gente tem que ligar. Lá no grupo temos todo o apoio e eles ligam denunciando. No grupo, é só o que fala, é no Estatuto do Idoso, só sei dele e tem outro? (Jasmim,73 anos grifos nossos). Estatuto do idoso. Na reunião fala muito que o idoso não pode ser maltratado e se ele for violentado com palavra e agressão, não precisa bater, basta que as pessoas tratem o idoso mal e que não respeite e que a gente denuncie que tem que levar a causa, só que eu nunca levei não. Às vezes os netos são grosseiros comigo, mas a complicação maior é a convivência com o Messias. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos grifos nossos).

Nas palavras das idosas, percebe-se que elas têm conhecimento dos seus

direitos e dos riscos que correm no seu cotidiano, e quando há a violação dos

direitos, é imprescindível fazer a denúncia. Jasmim faz menção à violação dos

direitos dos idosos nos ônibus, em nosso diálogo ela expôs: “tem gente que não dá

a cadeira para o idoso, finge que tá dormindo e o idoso fica em tempo de cair com

uma freada do motorista”. Na colocação da Comigo Ninguém Pode, nota-se o receio

de denunciar principalmente quando se é um ente da família, para os idosos

denunciarem a agressão vinda de seus familiares é muito mais complexo do que

outro de terceiros. Na explanação da Comigo Ninguém Pode, percebe-se o

conhecimento da violência psicológica, as agressões por meio das palavras e não

somente da ação da força física.

3.3 A violência psicológica: uma forma de dilacerar a pessoa idosa

Como já foi discutida no decorrer do capítulo, a violência não está apenas

relacionada com as agressões físicas, uma vez que, há outros aspectos de

manifestações, e dentre elas, está à violência psicológica, que não se apresenta tão

explícita e sim de uma forma sutil, velada, e por ser menos visível não apresenta

consequências imediatas. O isolamento e a depressão são umas das implicações

dessa violência. Portanto, a violência psicológica é uma maneira silenciosa de

agredir a idosa e é através de: rejeição, humilhação, descriminação, gestos,

manipulações, agressões verbais, ameaças, entre outras, que essa violência se

apresenta. Assim sendo, muitas vezes, as vítimas não se dão conta de que essas

ofensas são uma configuração de violação aos seus direitos.

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Minayo e Souza (1999, p.10) assinalam a complexidade de conceituar a

violência: “principalmente por ser ela, por vezes, uma forma própria de relação

pessoal, política, social e cultural; por vezes, uma resultante das interações sociais;

por vezes ainda, um componente cultural naturalizado”. Dessa maneira, conceituar o

termo violência é um fato obscuro, pois os seus efeitos (hematomas pelo corpo) são

mais fáceis de identificar do que o próprio conceito.

A violência psicológica tem uma presença mais significante no seio da

família do que os outros aspectos da violência. Porém, isso não significa que as

outras formas de violência não sejam exercidas, às vezes, a violência psicológica

não aparece só e sim acompanhada da violência física, financeira, negligência,

dentre outras. Esse fato foi percebido durante a prática do estágio supervisionado

em Serviço Social no CREAS II, e nos dados revelados em uma matéria do Jornal

Diário de Nordeste (2012) em que, em Fortaleza – Ceará revelou-se a violência

psicológica contra a(o) idosa(o) em primeiro lugar, isso, segundo os dados da

Promotoria de Justiça do Idoso e da Pessoa com Deficiência.

Pensar a violência contra a idosa é poder situá-la na esfera da negação da

vida, na perda de seu poder legitimado e passar a tratar os idosos como infantis, ou

seja, como bebês, sem direitos a ter direitos, sem “poder” de decisão, pois o conflito

entre as intergerações nega os direitos e não permitem que os idosos expressem

seus desejos.

Como já mencionado no decorrer do capítulo, a violência contra a mulher

tem a sua base na questão do gênero e da dominação patriarcal, isto é, o homem

como o possuidor da força.

Britto da Motta (2009) faz uma crítica em relação ao feminismo, uma vez

que, a discussão da violência contra a mulher está mais voltada para as mulheres

jovens e, dessa forma, a violência contra a mulher idosa não detém tanto

desenvolvimento teórico. Assim a autora explana:

O feminismo, tradicionalmente, não enxerga os diferenciais de idade, as ‘localizações’ das gerações na estrutura social e das pessoas no tempo, posições que gestam as relações entre as gerações. E que estas, do mesmo modo como a ‘santíssima trindade’ analiticamente abençoada – gênero, raça e classe social – também são relações de poder. Como tais, não se realizam sem conflitos. Por aí devem ser também, e não apenas pela requerida e alternativa solidariedade (p. 8).

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Assim sendo, não é de negar que a violência contra a mulher idosa tem um

enfoque que se estende para o mesmo fim, isto é, para as relações de gênero. A

violência que é praticada pela maioria dos filhos(as), netos(as), genros e noras, é

percebida como conflitos nas relações intergeracionais. Portanto, a violência contra

a idosa deve ser compreendida como uma violência que se desenvolve no âmbito

geracional que, por sua vez, ganha uma maior aparição por ser uma questão de

gênero, por ser exercida, em maioria, sobre as mulheres e pelo processo de

envelhecimento estar em constante crescimento, devido à queda na taxa de

fecundidade (BRITTO DA MOTTA, 2009).

Relatos das memórias das idosas revelam a violência psicológica vivenciada

em seus lares a partir de xingamentos, discriminação e os seus efeitos, tais como a

tristeza e a depressão.

...A mãe dele (referindo-se à mãe do Raí, sua ex-nora) judiava comigo, me maltratava, colocava meu filho contra mim. Dizia que quando eu ia pro centro, eu ia atrás dos homens lá na Praça dos Leões, que eu ficava lá sentada na Praça dos Leões atrás dos homens. [...] Ainda bem que meu filho sabia que jeito eu era, ai ele foi e disse: “não diga uma coisa dessas com minha mãe não, que eu conheço a minha mãe.” Sofri muito com isso.

... me chamava de doida, nem me lembro mais, era tanta coisa, coisa desagradável. Eu me sentia triste, uma tristeza dentro de mim, eu dizia: “não diga isso comigo não.” Nessa época, uma vez, ele chegou até me dar um empurrão, mas esse empurrão eu não cai não, me segurei na parede. Eu disse: “ô você me empurrou.” Aí ele disse assim: “me desculpe.” Aí me abraçou e me beijou nessa hora, aí pronto, tá perdoado. (Jasmim,73 anos, grifos nossos).

...se eu não fosse a mãe dele ia me matar, um bocado de coisa, que sou isso, sou aquela, que sou analfabeta. Só que quem é analfabeto é ele, que não sabe nem ler e nem escrever, eu pelo menos ainda sei ler e escrever, pouco, mais sei. O Messias fala muita besteira, não me dá valor. Acha que eu não faço nada por ele, diz que eu sou a causa do sofrimento dele. Ele diz essas coisas desagradáveis. Eu penso que eu não merecia isso, que eu deveria ser mais bem tratada, dos 10 filhos que tenho, só ele faz isso comigo, só ele mesmo. Às vezes meus netos me respondem grosseiros [...] tem uma filha, a mais nova que fala grosseira comigo também, ela tem um problemazinho, mas ela não abala meu sistema nervoso, quem faz isso é o Messias. Eu não posso abandonar ele, tenho que viver com ele até quando Deus quiser. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

No primeiro relato, Jasmim se refere aos maus tratos que vivenciou durante

quinze anos com a sua nora e em nenhum momento ela expôs o nome. Narra que

sua ex-nora denegria sua imagem para seu filho, que sempre demonstrou ser uma

pessoa violenta. Quando tinha desentendimento com seu filho, quebrava tudo em

casa. Na segunda colocação, mencionam-se as ofensas que vivenciou no período

de dois anos (dos quinze aos dezesseis anos), quando seu neto Raí residia com ela.

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Em suas palavras, mostra o arrependimento do agressor seguido de beijos e pedido

de desculpas como uma forma de amenizar a agressão. Pode-se observar que, nos

dois relatos, a violência psicológica é a predominante, porém, no relato, Jasmim

revela que sua ex-nora e seu neto Raí já tentaram agredi-la fisicamente com cadeira

e empurrões.

Na narração de Comigo Ninguém Pode, percebe-se que a violência

psicológica é baseada na discriminação por ela não ter concluído seus estudos,

mas, na mesma hora, ela mostra uma reprodução pelo Messias não ser

alfabetizado. Indagada se ela profere essa atitude com ele, Comigo Ninguém Pode

responde que não, que nunca disse nada com ele.

As idosas foram questionadas sobre o começo das agressões e como elas

enfrentavam a situação, suas respostas foram:

Com a minha ex-nora, aconteceu há mais de 15 anos, quando ela ainda vivia com meu filho. Com meu netinho, já tem mais de 3 anos atrás, quando ele morava aqui comigo. Porque ele saía 7 horas da noite e chegava no outro dia de manhã com 16 anos, aí eu reclamava e ele não gostava e dizia um bocado de coisa comigo. Eu passava à noite todinha, todinha acordada, esperando por ele. Mas ele não bebia, não fumava maconha tá entendendo? (Jasmim, 73 anos.)

Tudo começou desde quando ele foi aposentado, porque, pelo gosto dele, esse dinheiro era nas mãos dele pra ele beber e fumar, aí é proibido ele beber e fumar, porque ele tem problema de saúde, pressão alta, mas sempre dou uma parte do dinheiro pra ele, mas o dinheiro é pra alimentação dele, pra me ajudar a pagar água, luz, pra ajudar nas despesas, também tem medicamento, que eu preciso comprar que não é barato. Ele ficou mais agressivo, revoltado comigo por causa da aposentadoria, tem mais ou menos uns 15 anos que ele mudou né?! Por causa da aposentadoria. Ele me chama de ladrona de todo nome, porque ele quer que eu dê o dinheiro todinho, só que não dou, não tem como. Ele ficou mais assim depois da aposentadoria, ele era mais calmo. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

A violência causa sofrimento, angústia e danos psicológicos às vítimas, pois

o ato de violência vem de quem eles menos esperam, de pessoas mais próximas,

amadas, queridas, é uma ferida que não se cicatriza, deixa marca profunda na alma

e denunciar seus vitimizador é complexo, visto que, fazer a denúncia traz sofrimento

e demanda coragem. Jasmim, em suas palavras, expõe que quando a violência é na

família, ela não deve ser denunciada, já que traz sofrimento para a família e,

principalmente, para o agressor. Já Comigo Ninguém Pode é bem direita quando

pronuncia que Messias atua com violência, devido ao tempo ocioso dele.

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Têm muitas pessoas que denunciam né? A violência é só o que passa na televisão a violência contra os idosos no banco, enganando os idosos né?! As pessoas vão e denunciam né?! Para mim, não deveria ser denunciado não, isso, quando é na família, porque, às vezes, denuncia, pega e prende a pessoa essa pessoa é maltratada, aí eu não gosto disso, é muito triste, não tem quem queira ver a pessoa sendo maltratada não, principalmente, quando é alguém da nossa família, é muito doloroso ver a pessoa que a gente ama ser maltratada. Amor carinho, união é a base da família unida, é a coisa mais importante e se não tiver a união desanda é tudo e vem a violência. (Jasmim, 73 anos).

Não. É da família, é meu filho, só quero que consiga alguma coisa para ele se ocupar, ele é mais assim devido ele não fazer nada né?! Ele sofre muito e eu também sofro, é muito sofrimento. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Nesse sentido, a colocação de Jasmim revela que seu sofria calada e que

não procurava a sua família com receio de alguém fazer alguma coisa com seu neto.

Logo, percebe-se uma cumplicidade nas agressões, uma vez que ela silencia diante

das agressões verbais e não compartilha com seus demais familiares. Jasmim tem

receio que alguém faça o seu neto sofrer, porém, ao mesmo tempo, ela reconhece

que Raí a agredia e nas suas palavras define o rapaz como ruim. Também se revela

a pressão psicológica dos demais membros da família por Jasmim não expor as

agressões sofridas, e eles acabavam culpando-a pelas atitudes de seu neto.

...as palavras machucam muito é uma pancada muito forte ainda mais quando é uma pessoa que a gente ama e faz tudo, tudo, tudo, passei muitas noites acordada com ele doente, muitas noites acordada, sofri muito [...]. A gente cuida daquela pessoa e tem todo carinho com aquela pessoa, e a pessoa maltrata a gente, não há essa pessoa que goste e fique satisfeita, mas eu suportava tudo calada, não dizia nada pra minha família que não era para ninguém ficar machucando ele. As minhas irmãs até diziam as coisas com ele também, mas, muitas vezes, eu escondia muita coisa, porque eu não queria que ninguém machucasse tanto ele. Eu sabia que ele era ruim, ainda hoje, a minha família tem essa mágoa de mim, que eu escondia muita coisa, que ele era assim por causa de mim. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

Para Faleiros e Brito (2009), a conflitualidade faz parte da existência das

relações sociais e, por sua vez, está presente na família e que o homem está

dividido entre desejos e normas sociais e há a proibição dos desejos. Com o conflito

entre desejo e normas, a violência se apresenta e pode implicar disputa por

posições, vantagens, lugares complexos que possam garantir poderes reais ou

simbólicos a determinado indivíduo ou grupo que cause dano no outro.

No relato a seguir, pode-se perceber o conflitualidade existente no seio da

família, uma disputa pelo “poder”, posição que faz a nora querer dominar o espaço

da família. Essa experiência de maus tratos fez Jasmim procurar a Justiça e,

judicialmente, conseguiu que a nora saísse de sua residência.

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...Ela (referindo-se a sua ex-nora) dizia que tudo isso aqui era dela (se referindo à propriedade da casa) que quem mandava era ela, eu dizia: “mas não pode que eu tenho a escritura, isso aqui foi herança do meu pai.” E ela ficava dizendo que era dela. As amigas dela chegavam aqui e ela dizia assim: “isso tudo aqui é meu, quem manda aqui é eu.” Um dia, eu fui ao Fórum e o oficial de justiça a botou pra fora depois de quinze anos que ela morava aqui. [...] ela (ex-nora) brigava comigo, queria bater em mim, muitas vezes, meu filho já pegou a cadeira dela, que ela queria bater em mim e se tô viva, agradeço ao meu filho, porque ela já quis jogar duas cadeiras em cima de mim. (Jasmim, 73 anos).

A memória da idosa revela uma tentativa de dominação do vitimizador,

porém essa dominação e submissão não ocorreram e, a partir desse “insucesso” de

dominação, a ação da violência se desponta.

De acordo com Faleiros e Brito (2009), a violência se expressa por meio de

uma relação de poder e força, em que o poder proporciona assegurar o lugar ao

mais forte e com a submissão do outro, através de estratégias, mecanismos,

arranjos, que levem o dominado a se curvar contragosto ou menos visível.

Além disso, o autor ainda acrescenta que, nas relações intergeracionais, a

posição da pessoa idosa se apresenta como parte de uma história de vida articulada

ao contexto mais geral da sociedade, em que o poder se manifesta de formas

diferentes com o passar dos processos sociais e familiares. A partir das palavras da

idosa, manifesta-se ameaça e seu medo em relação a que seu vitimizador possa

fazer quando ela está dormindo ou quando sai de casa.

...ele diz que qualquer dia que eu sair, ele vai tocar fogo na casa, só fala besteira, eu digo você não é nem doido de tacar fogo na minha casa [...]. É por isso que meu neto dorme aqui comigo, porque eu posso precisar de alguma coisa. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Indagadas sobre o que elas atribuem à violência que vivenciam, Jasmim

emprega a imaturidade do neto, visto que ele era adolescente. Comigo Ninguém

Pode coloca que Messias age com grosserias com ela devido ele ser paralítico e por

culpá-la pela fatalidade.

Ele não pensava direito, era muito criança né?! 15, 16 anos, não pensava direito, não sabia o que fazia. (Jasmim, 73 anos).

...Messias é um coitado sofrido, complicado, revoltado da vida porque é paralítico. Tem dificuldade, quase não consegue andar. [...]. Ele é muito revoltado com essa condição de vida dele. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

A violência, às vezes, se apresenta de forma imperceptível para alguns, em

que os olhares dizem muitas coisas e a vítima fica refém do vitimizador,

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apresentando-se o poder de dominação do agressor sobre a vítima, fazendo com

que a violência seja vista como algo natural, como um desentendimento familiar.

Assim, a violência psicológica é exercida sem qualquer coação física e sim pela

ação invisível, com palavras depreciativas ou humilhantes, por essa ser uma

violência velada à vítima, não se reconhece de que é alvo de maus tratos.

A violência psicológica em alguns casos é imperceptível para as vítimas e

para os vitimizadores e, por sua vez, justifica-a como sendo algo eventual do

agressor.

Ele saía e não me avisava. Dizia que ia pro colégio e ficava na pracinha com os amigos, saía 7 horas da noite e chegava no outro dia e eu ficava acordada, esperando por ele e eu reclamava e ele não gostava. Era assim, porque ele era muito novinho. (Jasmim, 73 anos).

Ele é muito nervoso, não faz nada e isso deixa ele assim né?! Tenho certeza que ele não faz isso porque ele quer, ele é revoltado pela condição dele. Ele só fica agressivo quando ele tá nervoso, não sendo, ele é ótimo. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Ao mesmo tempo em que Jasmim é vítima de agressões psicológica por

parte de seu neto, ela, em algum momento, reproduz a violência, é o que mostra o

seguinte relato:

Eu avançava em cima dele, pegava um pau, tacava nele, o que eu tinha na mão, jogava nele, eu enfrentava. Uma vez eu tava com uma panela de pressão no fogo, fervendo e uma panela de arroz, ele tinha medo das minhas coisas também. Sei que o que eu fazia era violência, mas eu sei que não ia fazer aquilo, era na hora do desespero, eu não fazia, eu não tinha coragem. (Jasmim, 73 anos).

Indagadas a quem elas recorrem quando estão sendo violadas e como os

demais membros da família veem a violência, que estão passando, Jasmim

explanou que só recorre a Deus e, como já apresentado, anteriormente, não fala

para os demais membros de sua família com medo deles machucarem o Raí. Já

Comigo Ninguém Pode expôs que fala para seus filhos, mas que os mesmo não têm

muito o que fazer, visto que Messias é muito nervoso. Eu não falava pra ninguém, porque todos eram contra mim, porque não queriam que eu tivesse criado ele. O criei desde criança, me culpava por essa caridade que fiz, que eu era a culpada dele ser assim. Eu fiz e não estou arrependida graças a Deus. Só Deus. Não recorria à minha filha por medo de acontecer alguma coisa. Uma vez, morava todo mundo na casa de cima: eu, minha filha, meu genro, minha netinha e ele, nós cinco. Meu genro é uma pessoa muito boa, mas ele, às vezes, é violento e, nesse dia, ele tava dizendo não sei o que comigo, tava botando o almoço dele, ele estava até pronto pra ir pro colégio. Aí minha filha falou uma coisa que não me lembro com ele, aí ele disse: “cala a boca.” Isso, meu genro estava lá na sala, ele tava almoçando na mesa, aí da viagem que ele deu saindo

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da sala foi logo esmurrando ele, batendo nele. Eu disse: “não faça uma coisa dessa não.” Foi logo batendo nele, esculhambando ele, ele arrudiando a mesa, atrás de socorrer sem poder. Aí gritei: “corre para meu quartinho.” E era lá que ele dormia comigo. Aí quando ele correu pra dentro do meu quarto, ele correu também e empurrou ele pra cima da cama, aí ele começou a esmurrar e gritei que ele não fizesse aquilo. Ainda hoje, ele não gosta nem dele, aí minha menina viu que foi demais e brigou com ele, meu genro, “não faça isso não.” Ainda hoje eu sinto isso aí uma tristeza. Aí ele nem almoçou, pegou os livrinhos e foi pro colégio. Comecei a chorar nessa hora e disse que não tinha precisão dele fazer isso, ele não disse nada demais, ele só mandou ela calar a boca, porque minha filha falou com ele, aí nisso meu genro sentiu e fez isso. Isso foi uma desavença, mas depois acalmou tudo. Isso a gente sente porque é família. (Jasmim, 73 anos). Eu falo pra minha filha que mora aqui perto e pro meu filho, o mais novo. Eles dizem: “mas mamãe o que é que eu posso fazer? A gente já falou pra ele, ele não muda, ele é uma pessoa revoltada.”. Meus outros filhos não conversam muito com ele não, porque ele é uma pessoa muito agressiva, para conversar com ele tem que ser uma pessoa paciente, que ele não conheça, porque o da família, se for falar com ele, ele sai na maior ignorância, estupidez, isso é com a família, porque com a pessoa de fora, você nem acredita que ele faz essas coisas. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

Jasmim sofre com a violência intergeracional, pois as manifestações de seu

genro, nora e neto se configuram como violência psicológica e, algumas vezes,

seguida de violência física. A violência é intergeracional porque se expressa na

relação genro, nora e neto.

Cada idosa percebe a violência contra a mulher decrépita de uma forma

diferenciada, isso ocorre devido à subjetividade de cada ser social. Assim, em suas

colocações, elas definem a violência contra a idosa como desrespeito, o uso de

palavras de baixo calão ou qualquer outra ação que venha causar dor ou dano físico

à idosa.

Tem tanta idosa que é tratada mal por tudo mundo: é o filho, neto, na rua né? Tem pessoas na sociedade que é honesto com a idosa, faz coisa boa para os idosos, como, às vezes, dá o lugar no ônibus, outros dizem coisas com nós, idosos, é muito triste isso. (Jasmim, 73 anos).

A violência contra a mulher idosa é bater, é com as palavras, é não tratar bem, como já te disse, minha filha, não é só bater, é o lugar no ônibus que tem gente que não dá, é tudo isso. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

O amor torna-se, parafraseando Faleiros (2009), o conluio do silêncio em

que falar sobre a violência na família traz dor, vergonha, medo, uma mistura de

sentimentos e procurar esquecer é visto como a melhor forma para superar a

agressão.

Me machuca ficar lembrando, não tô mais nem lembrando, porque a gente já esquece, porque é uma ferida e cutucar machuca, mas graças a Deus, já sarou, eu não gosto de ficar falando sobre isso, me machuca, porque já passou, e procuro esquecer. (Jasmim, 73 anos).

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A violência contra a pessoa idosa deve ser denunciada, porém a denúncia

não se restringe apenas aos idosos que sofrem com a violência, mas sim todos os

seres sociais: crianças, adolescentes, mulheres, homens e idosos. A denúncia é um

dever de todos, não se restringe, apenas, a vítima tomar a decisão de fazê-la. Todos

como cidadãos têm o dever de proteger ao próximo e ao Estado cabe criar políticas

públicas eficazes para enfrentar a violência e conscientizar a todos sobre a

relevância da denúncia e quebrar com a conspiração do silêncio.

Em um momento da entrevista, Comigo Ninguém Pode parecia fugir por

alguns instantes da conversa, e o silêncio adentrava, respirava fundo e acabava

respondendo a indagação. O seu silêncio traz à tona, o receio de revelar a violência

que é vivenciada no seio familiar e por um instante ela deu a entender ou, se a

interpretação foi errônea, que sofreu violência por parte de seu esposo. Diante

dessa compreensão, o questionamento veio: O seu esposo maltratava a senhora?

Casei cedo com um pobre, analfabeto, era um salário só, muitos filhos. [...]. Ele era um bom marido, só que nossa vida foi muito sofrida, sem condições, muitos filhos, como eu disse foi isso. Nunca tive nenhum problema com ele não, só mesmo essa questão das coisas ser difícil. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

A violência contra a mulher idosa tem a sua manifestação a partir de

palavras de baixo calão, olhares intimidadores, gestos, assim, essas formas de

agressões se revelam como abuso psicológico, que assola as idosas e é no seio da

família que a maior parte destas agressões é cometida, pois envolve as relações

intergeracionais que estão cada vez mais presentes na família brasileira.

Pelas colocações das idosas, percebe-se que a violência contra esse

segmento social se manifesta tanto no âmbito privado, ou seja, em suas residências

como na esfera pública, isto é, na rua. O desrespeito com que a mulher é tratada

está no bojo do contexto histórico da sociedade ocidental com marca do

patriarcalismo e, ao chegarem à velhice, esse grupo não está imune das

manifestações de violência, apesar da abordagem das pesquisas da violência contra

a mulher serem no âmbito das jovens, deixando a análise sobre essa população

idosa meio de fora.

Como foi abordada no decorrer do capítulo, a violência atinge a todos e,

portanto não se configura em um único lugar específico e é nas relações sociais que

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ela se manifesta, logo, estão presentes, no trabalho, relações sociais e familiares.

De tal modo, o ideal de família, que foi apresentada pelas idosas no segundo

capítulo, está distante da família real que elas vivenciam, pois a violência é uma

presença quase que constante em seus cotidianos familiares.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a pesquisa, procurou-se demonstrar que o envelhecimento

populacional é uma questão mundial e que repercute nas novas estruturas familiares

vivenciadas hoje. Logo, a expectativa de vida entre a população brasileira está

ficando cada vez mais acentuada e o grupo feminino é quem mais envelhece, assim

sendo, esse segmento torna-se vulnerável às agressões por parte dos familiares,

pois devido os novos arranjos familiares, formados na atual cena contemporânea,

tais como a convivência intergeracional, tem-se oportunizado a violência contra a

idosa.

Durante este estudo, não foi possível deixar de se observar algumas

colocações das idosas que se tornaram marcantes, visto que, determinadas

impressões revelam a tristeza, o sentimento de impotência diante de fatos que

poderiam ser evitados através de informações. Porém, a esperança de dias

melhores, fé e gratidão a Deus pela vida são constantes nas expressões das idosas.

Nas declarações a seguir, são bem notórias essas percepções:

Ainda hoje ele não gosta nem dele (referindo-se que seu neto Raí não gosta de seu genro), aí minha menina viu que foi demais e brigou com ele, meu genro: “não faça isso não”. Ainda hoje eu sinto isso aí, uma tristeza grande dentro de mim.

Aí foi grande o sofrimento, tinha que trabalhar e cuidar dele e a mãe dele por aí no meio do mundo, aí não tem nada não, eu tenho fé em Deus que eu venço. Agradeço a Deus por tudo que já passei, chegar à idade que tô é muita coisa. (Jasmim, 73 anos, grifos nossos).

Eu tenho um sentimento muito grande dentro de mim, esse é o maior, foi na época que ele paralisou, eu não sabia, não tinha rádio, não tinha televisão, não sabia que existia essa doença infeliz de paralisia. Tive dois casos, ele e a outra menina que faleceu, ele foi primeiro, eu não tive como evitar, não conhecia, ela me pegou sem me avisar, sem nem saber de nada. Eu notei que ele (referindo-se à paralisia infantil) estava doente porque ele era bem durim, ficava em pé, e quando eu fui pegar ele para botar em pé, as pernas dele bum, estavam mole. Eu nem vi quando ele teve a paralisia, quando eu peguei ele com as pernas mole, que não ficava em pé, fiquei maluca, aí ganhei esse mundo de meu Deus aqui em Fortaleza, só que os médicos disseram que não tinha mais condições, que a paralisia já tinha dado, já tinha ido embora e ele ficou derrotado. Era muito lento o tratamento pra ele voltar resistir, mas ele resistiu e está aí com 46 anos, forte. Eu peço a Deus muita paciência pra vencer, pra ver ele numa situação melhor, mais conformado, pra que apareça alguém, que me ajude, para ele fazer um tratamento, um exercício, alguma coisa, é isso que eu queria. Eu tenho fé em Deus que assim como apareceu você pra essa pesquisa apareça alguém pra ajudar ele. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos, grifos nossos).

No desenvolver da pesquisa de campo e nas consultas bibliográficas, pode-

se compreender que a violência é mais recorrente nas mulheres e, desta forma, não

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atinge por igual os sexos. A mulher tem mais possibilidade de sofrer com as

agressões, isso não só nessa fase da vida, isto é, na velhice, pois são violentadas

na infância, na juventude, na vida adulta e na velhice. Sendo assim, não há a

imunidade, visto que, em qualquer momento da vida, pode-se ser surpreendida pela

violência.

É no espaço doméstico, ou seja, no lar que as mulheres são mais

vulneráveis às agressões por parte de seus familiares, pois é o espaço que se

revela, usando as palavras de Faleiros (2009), o conluio do silêncio, visto que

adentrar nesse espaço e romper com o silêncio não é tão simples, já que o medo, a

vergonha, a impotência diante da violência deixam as vítimas reféns do vitimizador e

de si, pois entregar o ente amado da família é muito forte e, às vezes, acaba se

culpando. ...Ele faz isso devido à condição dele. Ele é revoltado com isso por ser paralítico e eu me sinto culpada por isso, porque eu não sabia dessa doença, tenho certeza que se ele não fosse assim, ele não era tão revoltado. (Comigo Ninguém Pode, 77 anos).

A questão da violência contra a idosa ainda permanece submersa, pois as

pesquisas nesse campo ainda são recentes e só uma pequena parcela é

denunciada. Parafraseando Minayo (2005), é apenas uma ponta do iceberg

estudada, ainda tem muito que ser desvendado nesse campo.

Apesar da existência das leis que protegem as idosas, a denúncia é uma

questão muito dolorosa, pois seus principais vitimizadores são: filhos(as), netos(as),

genros e noras. Assim fica mais difícil denunciá-los.

Para Jasmim, a sua percepção da violência psicológica sofrida no contexto

familiar tem relação com a índole e com a imaturidade. Quando menciona a questão

da índole, refere-se à sua ex-nora, que durante 15 anos sofreu com as agressões

psicológicas, como também, com a presença da violência física, sendo a

predominante a psicológica. Ao seu neto ela atribui à imaturidade, pois segundo

Jasmim:

ele não pensava direito por isso que ele dizia que eu era doida, mas agora ele é tão bonzinho pra mim, tá trabalhando, me ajuda a comprar algum remédio quando eu preciso. (Jasmim, 73 anos).

As palavras de Jasmim dão a entender a proteção da avó-mãe e não revelar

profundamente as agressões vivenciadas, cometidas por seu neto que criou como

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um filho, então diante dessa suposta atenção, que é dada por traz pode-se revelar

mais cenas de violência que ela não quis tornar-se visível.

Já para Comigo Ninguém Pode, quando as manifestações de agressões,

incluindo a solidão, ocorrem, ela percebe como uma violação dos direitos da pessoa

idosa. Nota-se que Comigo Ninguém Pode se utiliza muito da palavra revoltado

quando se refere ao filho, o tom da sua voz ao pronunciar essa palavra era bem

forte, assim manifesta-se uma grande mágoa e impotência dentro do seu coração

por não ter sido possível evitar a paralisia infantil.

É uma violação do direito de nós idosos, não precisa bater é só dizer palavras, já é violência, é só tratar o idoso mal. Quando acontece isso, eu fico aqui na solidão e quando eu fico assim, eu saio, vou pra Aldeota, tenho dois filhos que mora lá, um homem e uma mulher, tenho irmão que mora lá também, é meu irmão mais velho. Vou pra lá pra esquecer de tudo e volto bem. Messias é sofrido, revoltado da vida.

O estudo presente contribuirá para a discussão acerca das violências, e

motivará estudantes da área da Assistência Social, como também a sociedade a

abordarem pontos para serem debatidos e contestados em futuras pesquisas.

O foco é divulgar que a violência contra as mulheres não ocorre somente

contra as mais jovens, mas que também tem uma presença muito forte nas mulheres

idosas. Portanto, através de trabalhos acadêmicos, como também das políticas

públicas, é de suma importância divulgar as ações de violência que assolam a

população idosa e conscientizar a sociedade sobre o grave problema da violência

que se manifesta nas idosas em todo o país. Logo a sociedade não pode se calar,

diante de qualquer ato de violência contra o idoso é relevante denunciar para que as

Leis sejam efetivadas e não fiquem só no papel e, com isso, socializar a pesquisa

com profissionais não só do Serviço Social, mas com todos que lutam pela

efetivação dos direitos sociais e pelo combate da violência familiar.

No desenvolver desse trabalho, buscou-se que a análise avance e traga

novos subsídios para que a violência contra a idosa não seja vista como um

problema individual, ou seja, que só diz respeito à idosa, mas que a sociedade veja

a violência contra esse segmento populacional de outra forma e contribua para a

quebra do ciclo da violência. A perspectiva é que este estudo traga novos subsídios

para o percurso de pesquisadora, assim como também para novas pesquisas.

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ANEXOS

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ANEXO I TERMO DE CONSENTIMENTO

A pesquisa intitulada – VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER

IDOSA NO ÂMBITO FAMILIAR, desenvolvida por Juliana Basílio Rodrigues,

estudante do curso de Serviço Social, da Faculdade Cearense – FaC, caracteriza-se

como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, para obtenção do título de Bacharel

em Serviço Social, sob orientação da Profª Mª Joelma Maria Freitas, apresenta

como principal objetivo, compreender a violência psicológica contra a pessoa idosa

no contexto familiar como expressão da questão social, abordando o

posicionamento da família em relação à proteção do idoso.

Neste sentido, para que possamos concretizar nosso objetivo, contamos

com a sua participação e colaboração, permitindo a realização da entrevista e

gravação da mesma, a fim de que nenhuma informação seja perdida. Seus

depoimentos serão utilizados com o único fim de enriquecer a pesquisa,

preservando-se a identidade das entrevistadas.

Gostaríamos de evidenciar que a pesquisa não trará nenhum risco à sua

pessoa, tendo como eixos norteadores a ética profissional e o compromisso com a

temática de estudo. Caso necessário, poderá entrar em contato com a pesquisadora

Juliana Basílio Rodrigues, pelo telefone (85) 8849 8629.

Juliana Basílio Rodrigues

(Pesquisadora)

TERMO DE CONSENTIMENTO

Ciente do objetivo da pesquisa que é compreender a violência psicológica

contra a pessoa idosa no contexto familiar como expressão da questão social,

abordando o posicionamento da família em relação à proteção do idoso, concordo

em participar da mesma, bem como concordo com a gravação da entrevista, desde

que seja resguardado meu anonimato.

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Nome: Assinatura: Fortaleza_______ de _____________2012.

ANEXO II ROTEIRO DE ENTREVISTA

01. Dados gerais dos participantes

a) Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino b) Data de nascimento: c) Naturalidade:

Há quanto tempo reside em Fortaleza: d) Estado civil: ( )Casada ( ) Viúva ( ) Separada e) Escolaridade: ( ) Alfabetizada ( ) Não Alfabetizada

( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo ( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio Completo ( ) Ensino Superior Completo ( ) Ensino Superior Completo

f) Renda: ( ) Aposentada ( ) Benefício da Prestação Continuada – BPC ( ) Pensionista

g) Com quem reside? Quem são essas pessoas?

h) Tem problema de saúde? ( ) Sim ( ) Não. Faz uso de medicamento? ( ) Sim ____________________________ ( ) Não.

i) Faz uso de bebida alcoólica ou outras substâncias psicoativas? ( ) Sim _________________________________ ( ) Não. Tem interesse em tratamento? ( ) Sim ( ) Não.

02. A senhora pode expor sobre a sua história de vida? Como era a sua relação com seus irmãos e pais?

03. O que é ser mulher?

04. Velhice: a) Para a senhora, o que representa a velhice? Como a Sra. se vê?

b) Para a senhora, como deve ser a velhice?

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c) O que a senhora teme na velhice?

d) Participa de algum grupo para idosos? Como se deu essa inserção?

05. Família:

a) Para a senhora, o que é família? O que ela representa? b) Como é a sua relação com seus familiares? c) Quais os seus sentimentos em relação a seus familiares?

06. Violência:

a) Para a senhora, o que é violência? b) O que a senhora entende por violação dos direitos da pessoa idosa? c) A senhora se sente agredida? Como são essas agressões? É com

frequência? Como começaram as agressões? d) A que a senhora atribui à violência que a vivencia? e) Como a senhora percebe a violência? f) Quando a senhora se sente agredida tem a quem recorrer? Quem? g) A senhora tem medo de algo? Por quê? h) Gostaria de falar alguma coisa em especial sobre a situação que a

senhora vivencia? i) Como é que a senhora lida com essa situação de violência?

07. Denúncia:

a) Acha importante fazer a denúncia? Por quê? b) Sabe onde pode fazer a denúncia para superar a violação dos direitos? c) Como está a sua relação com o agressor após as agressões? E após a

denúncia?

08. Leis a) Conhece alguma Lei que protege o idoso? Qual? b) Conhece o Conselho do Idoso? Já participou de alguma conferência ou

assembleias do Conselho? c) Já registrou Boletim de Ocorrência contra o agressor? d) Já solicitou medida de proteção?

09. Equipamentos de proteção ao idoso;

a) O que a senhora acha dos equipamentos, das campanhas e das Leis que buscam enfrentar a violência contra a pessoa idosa?

b) Em sua opinião, o que precisa ser feito para erradicar a violência contra a pessoa idosa?