centro de ensino superior do cearÁ curso de … da... · acredito que a amizade é uma das...

136
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ALADY NASCIMENTO DA SILVA FEIRA DA MADRUGADA NO CENTRO DE FORTALEZA: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO INFORMAL FORTALEZA 2014

Upload: ngokhuong

Post on 13-Dec-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

ALADY NASCIMENTO DA SILVA

FEIRA DA MADRUGADA NO CENTRO DE FORTALEZA: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO INFORMAL

FORTALEZA 2014

Page 2: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

ALADY NASCIMENTO DA SILVA

FEIRA DA MADRUGADA NO CENTRO DE FORTALEZA: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO INFORMAL

Monografia submetida á aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Graduação, sob orientação do Prof. Dr. Mário Henrique Castro Benevides.

FORTALEZA

2014

Page 3: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

S586f Silva, Alady Nascimento da

Feira da madrugada no Centro de Fortaleza: Um estudo

sobre o trabalho informal / Alady Nascimento da Silva. Fortaleza

– 2014.

134f. Il. Orientador: Profº. Dr. Mário Henrique Castro Benevides.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.

1. Trabalho. 2. Processos produtivos. 3. Trabalho informal -

Precarização. I. Benevides, Mário Henrique Castro. II. Título

CDU 376

Page 4: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

ALADY NASCIMENTO DA SILVA

FEIRA DA MADRUGADA NO CENTRO DE FORTALEZA: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO INFORMAL

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense- FAC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Ms. Daniel Rogers de Souza Ferreira – Presidente da banca

Prof. Dr. Emanuel Bruno Lopes de Sousa - Examinador

Profª Ms Ivna de Oliveira Nunes - Examinadora

Page 5: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

A Deus, por seu amor e bondade. A família pelo apoio e compreensão.

Page 6: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

AGRADECIMENTOS

Sou grata a Deus pelo fôlego que me deu vida, por ter resgatado minha alma, por

seu amor, por confortar meu coração nas horas de angústia, por ter sido o meu

socorro bem presente, por me alegrar com sua bondade, sua presença e sua

palavra, por ser paciente comigo, não levando em conta minhas falhas, pela fé que

tenho alcançado e, por esta vitória e realização.

Aos meus pais, pelo amor, educação, apoio moral e financeiro e, principalmente,

porque desde pequena, ensinaram-me o caminho para a casa de Deus. Aos meus

parentes, que de longe se preocupam, oram e torcem por mim. Aos meus amados

sobrinhos Lucas Lima, Laís Lima, Lemuel Lima, Ana Kelly, Eric Gabriel, Isac Micael

e Isabela Beatriz, obrigado pelas alegrias e por seu amor.

Aos meus irmãos Alacir Silva, Abner Silva e minhas cunhadas Siméia Lima e Márcia

Chaves pelas muitas orações que fizeram por mim. A minha amada sobrinha Laís

Lima por sua ajuda em editar as fotos que são utilizadas nesta pesquisa. A minha

cunhada Siméia Lima por ter dado o seu olhar e parecer sobre a coesão textual.

A minha irmã Rakel Silva, por suas orações, por seu apoio, dispensa do trabalho

quando solicitado, empréstimo do carro quando precisei para a minha pesquisa e

outros muitos momentos, como sair com minhas amigas da faculdade. A minha irmã

Alene por seu incentivo e apoio na busca pelo conhecimento e por, mesmo estando

distante, alegrar meus dias com as fotos e vídeos dos meus sobrinhos.

Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano.

Acredito na sua força e, neste momento, sou grata a Deus por ter colocado em meu

caminho, na igreja e na faculdade, pessoas sinceras, carinhosas, compreensivas,

pacientes, que me fazem sorrir, que me emprestam o ombro para o desabafo,

enfim... Amo todas e todos: Michelle Lima; Alexsandra Martins; Alfredo Gilvan;

Adriana Mendonça; Aparecida Lopes; Ana Valéria; Aline Gomes; Aritana Kelly;

Fátima Evilene; Jaqueline Freitas; Larissa França; Marcelo Michiles; José Roberto;

Rosivalda Assunção; Dirlan e Hiran Savir. Ao bordão que deu força até o fim ao

grupo das amigas da faculdade: “vai dar certo”!

Page 7: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

Ao corpo docente da Faculdade Cearense, pelo incentivo a leitura e a busca

constante pelo conhecimento. A minha supervisora de estágio, profa. Ms. Flaubênia

Girão, pelo apoio, ensinamentos e por me fazer acreditar, na minha capacidade.

Meu sincero agradecimento a banca examinadora, por aceitar o convite em

participar, mesmo estando de férias, estando presente em um dos dias mais

importantes da minha vida, Prof. Dr. Emanuel Bruno Lopes de Sousa e Profª Ms.

Ivna de Oliveira Nunes.

Ao professor Dr. Mário Henrique Castro Benevides, por sua paciência, palavras de

incentivo, momentos de reflexão, por sua orientação acadêmica e por acreditar em

mim, mesmo percebendo minhas muitas dificuldades, seu carinho e dedicação

foram especiais. Não pôde presidir a banca no dia da defesa porque assumiu a vaga

do concurso em que havia sido aprovado – parabéns, você merece!

A professora Dra. Claudiana Nogueira de Alencar, sou grata por seu carinho,

disponibilidade, orientação acadêmica e por, mesmo no último instante, assumir esta

responsabilidade. Meus sinceros agradecimentos, por ter aceitado este trabalho, sua

ajuda foi fundamental. Deus a abençoe e lhe recompense.

Ao professor Ms. Daniel Rogers de Souza Ferreira por ter aceitado presidir a banca

no dia da minha defesa, representando meu orientador, que não pôde comparecer

por motivos de trabalho. Sem a sua presença não haveria defendido, sou

sinceramente grata por sua disponibilidade, compromisso ético, carinho e

compreensão em um momento tão importante para a minha vida.

Page 8: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

“Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro!” (Fernando Sabino).

Page 9: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

RESUMO

O trabalho sofreu ao longo de seu processo evolutivo, desde o surgimento do modo

de produção capitalista, diversas modificações em seu modo de ser e na sua

configuração entre os homens e a sociedade. No cenário atual, o século XXI, o

trabalho encontra-se precarizado, desestruturado e fragmentado, desmobilizando a

classe trabalhadora. A relação de trabalho passa a ser flexibilizada, aumentando a

informalidade nas contratações trabalhistas, deixando hoje uma grande parcela de

pessoas destituída de seus direitos e vivendo na pobreza. A pesquisadora deste

estudo encontra-se hoje no mercado informal de trabalho, na Feira da Madrugada no

Centro de Fortaleza. Este espaço compreende o local de trabalho e de pesquisa,

possuindo, portanto, caráter etnográfico e também, abordagem qualitativa. Para a

coleta de dados foi utilizada a observação participante e a entrevista

semiestruturada gravada. A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2014,

contando com a participação de dez sujeitos que concederam entrevista. O objetivo

geral desta pesquisa é descobrir os motivos que levaram os sujeitos pesquisados a

se inserirem no mercado informal de trabalho. Dentro do cenário estudado, os

sujeitos da pesquisa revelam que a queda do estatuto salarial é um dos motivos

para a sua inserção no trabalho informal, porém, a precarização que os mesmos

buscam superar, acaba sendo reproduzida aos sujeitos que trabalham para eles.

Palavras Chave: Trabalho. Processos produtivos. Precarização. Trabalho informal.

Page 10: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

ABSTRACT

The work suffered along its evolutionary process, from the emergence of the

capitalist mode of production, several changes in their way of being and its setting

among men and society. In the present scenario, the XXI century, the work has been

precarious, unstructured and fragmented, demobilizing the working class. The

employment relationship shall be relaxed by increasing informality in labor contracts

leaving today, a large portion of people deprived of their rights, and living in poverty.

The researcher of this study is now in the informal labor market, the Feira da

Madrugada Center in Fortaleza. This space comprises the workplace and research,

thus also having ethnographic and qualitative approach. To collect data to participant

observation and semi-structured taped interview was used. The survey was

conducted in the first half of 2014, with the participation of ten subjects who granted

an interview. The overall objective of this research is to discover the reasons why the

subjects surveyed fall within the informal labor market. Within the scenario studied,

the research subjects show that the fall in wage status is one of the reasons for their

inclusion in informal work, however precarious that they seek to overcome, just

playing the guys that work for them.

Keywords: Work. Production processes. Precariousness. Informal work.

Page 11: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Sujeitos da pesquisa ............................................................................. 84

Figura 1 – Rua José Avelino antes da feira ............................................................ 126

Figura 2 – Rua José Avelino durante a feira .......................................................... 126

Figura 3 – Rua Alberto Nepomuceno durante a feira ............................................. 127

Figura 4 – Rua Alberto Nepomuceno durante a feira ............................................. 127

Figura 5 – Rua Pessoa Anta (ônibus de excursão com cliente de outra cidade) .... 128

Figura 6 – Rua Pessoa Anta (venda no carro) (estacionamento do galpão) ........... 128

Figura 7 – Bancas “baú” sem exposição de mercadorias ....................................... 129

Figura 8 – Uma das formas de guardar os manequins ........................................... 129

Figura 9 – Bancas com mercadorias expostas e corredor do galpão ..................... 130

Figura 10 – Loja dentro de um galpão (com ar condicionado) ................................ 130

Figura 11 – Estacionamento dentro do galpão ....................................................... 131

Figura 12 – Fardos e sacolas de clientes das excursões ....................................... 131

Figura 13 – Lanchonete onde tomo café da manhã ............................................... 132

Figura 14 – Local onde compro sanduíche natural ................................................. 132

Figura 15 – Galpão onde trabalho – entrada pela Rua Pessoa Anta ...................... 133

Figura 16 – Galpão onde trabalho – entrada pela Rua José Avelino ...................... 133

Figura 17 – Banca onde trabalho ........................................................................... 134

Figura 18 – Banca onde trabalho ........................................................................... 134

Page 12: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12

1.1 Percurso metodológico....................................................................................... 14

1.1.1 Traçando o perfil dos sujeitos da pesquisa ...................................................... 19

1.2 Pensando o cotidiano produtivo na Feira da Madrugada.................................... 21

1.3 A Feira da Madrugada (o que significa a feira) ................................................... 22

1.3.1 Os espaços (localização; espaços físicos e aluguel das bancas) .................... 23

1.3.2 A rotina de trabalho na Feira da Madrugada ................................................... 26

1.3.3 Personagens (trabalhadores em geral; clientes e administrador) .................... 30

2 TRABALHO: PRINCÍPIOS TEÓRICOS ................................................................ 35

2.1 Ontologia do trabalho ......................................................................................... 36

2.2 Dimensão teleológica e a sociabilidade humana ................................................ 38

2.3 O trabalho na formação da sociedade capitalista ............................................... 41

2.4 As mudanças ocorridas na estrutura do sistema capitalista ............................... 53

3 PROCESSOS PRODUTIVOS CONTEMPORÂNEOS E ECONOMIA INFORMAL

NA REALIDADE DA FEIRA DA MADRUGADA ...................................................... 58

3.1 Processo produtivo fordista/taylorista e a política keynesiana: “anos dourados” do

capital ...................................................................................................................... 59

3.2 Contextos das crises e a reestruturação produtiva ............................................. 66

3.3 Produção flexível e processo de produção dos sujeitos da pesquisa ................. 71

4 PESQUISA DE CAMPO: FEIRA DA MADRUGADA DE FORTALEZA ................ 82

4.1 Análise das entrevistas ...................................................................................... 82

4.1.1 Perfil dos entrevistados ................................................................................... 84

4.2 Primeira seção: a história de vida dos sujeitos da pesquisa ............................... 86

4.2.1 A história de como cada entrevistado conheceu os seus cônjuges ................. 88

4.2.2 Quais os sonhos de criança e os planos quando jovens dos entrevistados .... 89

4.3 Segunda seção: o percurso de trabalho dos entrevistados ................................ 94

4.4 Terceira seção: o trabalho na Feira da Madrugada .......................................... 101

4.5 Quarta seção: conceitos e representações ...................................................... 112

4.5.1 Percepções sobre o trabalho na feira e tempo livre ....................................... 112

4.5.2 Percepção sobre as estratégias para melhorar a condição de trabalho na feira

por parte dos administradores locais e pelo Governo............................................. 117

Page 13: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 121

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 124

ANEXOS – FEIRA DA MADRUGADA EM FOTOS – ACERVO PRÓPRIO ........... 126

Page 14: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

12

1 INTRODUÇÃO

Muitas pesquisas sociais contemporâneas estão relacionadas à natureza e às

consequências das mudanças do capitalismo e seus efeitos no mundo do trabalho.

E sendo uma categoria fundamente, por tornar-se constitutivo do ser social,

diferenciando o humano do animal, o trabalho diz respeito às sociabilidades, à

organização dos grupos e movimentos e à reprodução social.

Através da temática do trabalho, podemos entender porque as mudanças

ocasionadas pelo novo contexto do capitalismo atual não se reduzem aos assuntos

econômicos. Tais transformações do capitalismo trazem desdobramentos para toda

a vida social, repercutindo na política, na educação, na produção artística e em

muitas outras áreas da vida social. Afetados por essas transformações, os

trabalhadores se veem situados em uma nova ordem mundial a partir da qual o

desemprego e a precariedade no trabalho se tornam estruturais, causando o avanço

da chamada economia informal.

Nesses circuitos de economia informal, a urbanização das metrópoles é

desenhada pela presença das feiras livres voltadas para atender as classes

populares e as demandas prementes do novo modo de produção capitalista pós-

fordismo. Tendo em vista que a formação do assistente social solicita uma

compreensão crítica das questões sociais, necessitamos investigar o impacto social

dessa informalidade na vida dos trabalhadores de um importante circuito de

movimentação da economia informal: a Feira da Madrugada no Centro de Fortaleza.

Nesse sentido, este estudo tem como objetivo principal descobrir os motivos

que levaram os sujeitos pesquisados a se inserirem no mercado informal de

trabalho. A pesquisa, que contemplou um universo de dez participantes envolvidos

com o trabalho na referida feira, foi de natureza qualitativa. Foram realizadas

abordagens através do método etnográfico, utilizando a técnica de observação

participante e entrevistas embasadas em pesquisas teóricas sobre o trabalho no

sistema capitalista e as mudanças sofridas por essa categoria fundante que estão

relacionadas com os significados sobre informalidade pelos trabalhadores/feirantes

entrevistados.

Page 15: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

13

Inicialmente é demonstrado o percurso metodológico que proporcionou a

construção deste estudo e balizou as etapas que compõem esta pesquisa. Após

esta exposição encontra-se uma descrição sobre o campo de pesquisa que é a Feira

da Madrugada, como também, do cotidiano de um dia de trabalho na Feira da

Madrugada, descrevendo detalhes da infraestrutura, dos clientes, dos feirantes, da

heterogeneidade nas ocupações na feira, etc. Em seguida três capítulos dão

contextualização histórica, teórica e empírica sobre este estudo, finalizado com a

conclusão da pesquisa.

O primeiro capítulo deste estudo faz uma explanação histórica, buscando

resgatar o conceito de trabalho. Faz-se uma relação com o trabalho que transforma

o homem, tornando-o um ser social e o trabalho na sociedade capitalista, que destrói

a humanização construída pelo conjunto de homens em sociedade. Também são

descritas as transformações ocorridas no interior do sistema capitalista, fazendo um

breve passeio por suas transformações, ao longo do período histórico de sua

constituição até o século XXI. Os autores que embasam este percurso histórico são

José Paulo Netto e Marcelo Braz, Ricardo Antunes, Sergio Lessa, Carlos Montaño e

Maria Lúcia Duriguetto, e Maria Lucia Lopes Silva.

No segundo capítulo, retrata-se o período em que objetivou-se instaurar uma

social democracia dentro do sistema capitalista. Houve um período de êxito, ao

levar-se em conta um acelerado crescimento econômico dos países centrais, de

forma relativamente generalizada nestes países, e uma melhora nas condições de

vida e de trabalho, no período denominado anos dourados do capital. Após alguns

anos, esta fase de crescimento econômico entra em crise e o sistema capitalista cria

estratégias para elevar as taxas de lucro, porém, todas as formas de superação da

crise aumentam a precarização da classe trabalhadora, incluindo o aumento do

trabalho informal, objeto de pesquisa deste estudo. A explanação deste conteúdo é

demonstrada por alguns dos autores relacionados acima e por Elaine Rossetti

Behring; Ivanete Boschetti, Marilda Villela Iamamoto, José Dari Krein, Marcelo

Weishaupt Proni, Guilherme Issamu Hirata, e Ana Flávia Machado.

O terceiro capítulo contém a análise das entrevistas, realizadas com dez

trabalhadores da Feira da Madrugada. Neste capítulo, são expostos os perfis dos

entrevistados e busca-se analisar e compreender o objetivo geral e os específicos

Page 16: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

14

que guiam esta pesquisa. A análise dos dados coletados são demonstrados a luz do

referencial teórico que embasa este estudo.

A partir de uma temática de estudo tão relevante para a compreensão do

desenho contemporâneo da sociedade e da nova divisão internacional do trabalho,

como é o tema do trabalho informal, esperamos que com o estudo do cotidiano dos

trabalhadores da Feira da Madrugada como uma prática social contemporânea, a

partir da analise da significação de suas vivências, possa contribuir para que

práticas conservadoras sejam transformadas por meio do pensamento crítico e da

ação consequente.

1.1 Percurso Metodológico

O trabalho de campo permite a aproximação do pesquisador com a realidade

e estabelece uma interação com os atores sociais, ajudando a construir um

conhecimento empírico para quem faz pesquisa social (MINAYO, 1994). Na

pesquisa que deu origem a este ensaio monográfico, o trabalho de campo se deu na

Feira da Madrugada, localizada no centro de Fortaleza e foi realizada no primeiro

semestre de 2014 e tem como objetivo geral, analisar o cotidiano dos seus

trabalhadores, para compreender as representações da informalidade ou os seus

modos de significar o seu próprio trabalho e a sua vida a partir das experiências na

Feira. Em nossa pesquisa, realizamos o papel de pesquisadora participante e de

participante pesquisadora, uma vez que a feira é também o nosso local de trabalho.

Desse modo, não encontramos dificuldades em adentrar no campo, uma vez que a

vivência de trabalho na Feira da Madrugada não é algo recente. Entre idas e vindas,

a ocupação como feirante teve início no ano de 2007, perfazendo um total de sete

anos de vivência no campo, embora à época, não tivéssemos formação suficiente

para elaborar uma produção sobre aquele conhecimento empírico. Agora, no

decorrer deste estudo, voltamo-nos para a feira com um novo olhar: o da

pesquisadora.

Page 17: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

15

Desse modo, os dias de trabalho da pesquisadora na feira, domingos e

quintas-feiras, foram aproveitados durante o decorrer do semestre, para uma análise

do cotidiano dos feirantes, com esse novo olhar, buscando identificar características,

que a naturalização do ambiente por ser também local de trabalho, porventura,

pudesse ter sido encobertas. Como se trata de um estudo realizado no cenário de

vivência e experiência empírica, deve-se ter o cuidado de não deixar a naturalização

do ambiente e relações que ali se inscrevem, interferir na pesquisa acadêmica

(Gondim 1998). Nesta perspectiva a pesquisa tem uma abordagem qualitativa e

caráter antropológico.

Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica na busca pelo referencial

teórico que embasaria a pesquisa, buscando elementos que caracterizam o trabalho

informal, suas causas e consequências. A pesquisa bibliográfica produz um

conhecimento antecipado da realidade que se pretende estudar, mesmo que de

forma ampla, torna-se a base para a produção da pesquisa científica. É um

conhecimento provisório porque antecipado da realidade empírica, que em conjunto,

trará uma melhor reflexão e produção teórica sobre o tema (Gondim 1998).

A pesquisa etnográfica consiste em um envolvimento por parte do

pesquisador com os sujeitos pesquisados. Através da comunicação e do

compartilhamento com sua forma de viver por um período prolongado, o

pesquisador etnógrafo deve experimentar a cultura que está analisando, procurando

perceber seus ideais, suas angústias, integrando-se com o campo e os sujeitos da

pesquisa (Laplantine 2004). O período de sete anos de trabalho na Feira da

Madrugada contribuiu para o caráter de vivência com o campo pesquisado e desde

2011, interagindo em um mesmo ambiente, com um mesmo grupo de feirantes,

possibilitou uma maior facilidade de participação dos sujeitos na pesquisa.

Oliveira (2000) refere-se à importância do olhar, do ouvir e do escrever como

etapas que auxiliam nos estudos voltados para a compreensão da realidade social, e

que devem ser levadas a sério essas funções cognitivas na pesquisa etnográfica. A

importância desses fatores é que, através do olhar e do ouvir, podemos captar a

realidade empírica, e o desenvolvimento dos resultados, através da escrita, torna-se

fundamental por ser uma forma de contextualizar e sistematizar o conhecimento

adquirido. A escuta e o olhar sobre os sujeitos pesquisados passa a ter nesse

Page 18: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

16

momento de pesquisa etnográfica na Feira da Madrugada, uma apreciação crítica e

uma visão com embasamento teórico, transformando a percepção comum desta

realidade, para a percepção voltada para a análise empírica aliada à teoria.

Os textos de Martinelli (1999) e Queiroz (2008) tratam da pesquisa qualitativa,

trazendo uma reflexão sobre a diferença desta com a pesquisa quantitativa. As

autoras relatam a importância da abordagem quantitativa para a pesquisa científica

e ambas discorrem que esta metodologia é essencial para representar a quantidade

e ou intensidade do fenômeno estudado, porém, a qualitativa é fundamental para o

estudo da realidade social.

De acordo com Queiroz (2008), a abordagem quantitativa é subordinada à

qualitativa, pois, após a quantificação do fenômeno estudado, é necessário retornar

a abordagem qualitativa para compreender o significado do resultado de sua

pesquisa. Levando em conta o contexto geral deste estudo, que trata do cotidiano

dos trabalhadores informais na Feira da Madrugada no centro de Fortaleza,

percebemos que o viés a ser adotado será a pesquisa qualitativa, no intuito de

desvendar o cotidiano desses trabalhadores. A pesquisa poderia ser realizada com

abordagem quantitativa se fosse para fazer um estudo do número de trabalhadores

informais que atuam na referida feira, porém, ao analisar o cotidiano dos mesmos,

se fez necessário a abordagem qualitativa.

[...] Embora a ordem introduzida pelo pesquisador no universo dos dados em estudo por meio da quantificação possa parecer a melhor maneira de se chegar ao conhecimento dos mesmos, ela somente narra o que se encontrou; não desvenda por que motivos ou razões a coleção de indivíduos assim analisada age conscientemente ou inconscientemente; nada diz respeito dos interesses que a coletividade manifesta; nada exprime que constitua uma explicação. (QUEIROZ, 2008, p. 27)

Martinelli (1999) discorre sobre as abordagens qualitativas e quantitativas e

afirma que ambas são articuláveis e complementares. Para uma pesquisa no

contexto social, é fundamental a abordagem qualitativa. A autora disserta sobre a

importância da pesquisa qualitativa para o Serviço Social, não diminuindo a

importância da pesquisa quantitativa que nos fundamenta, ao demonstrar a

dimensão dos problemas sociais. Contudo, a relevância da pesquisa qualitativa

refere-se ao fato desta ser realizada através do contato direto com os sujeitos

Page 19: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

17

pesquisados e, portanto, também possui relevância social, devendo o resultado da

pesquisa retornar aos sujeitos que dela participaram.

Para conhecer o cotidiano dos sujeitos pesquisados, precisamos estar

inseridos no contexto de seu cotidiano, na sua vida, ter conhecimento na própria

realidade social em que os sujeitos atuam. Daí decorre a escolha da metodologia

que será empregada para realizar a pesquisa, e a percepção, que no caso desta

pesquisa, com os sujeitos que trabalham na feira, terá uma abordagem qualitativa.

Qualquer pesquisa para ser efetivada necessita estar amparada por métodos

e técnicas que possibilitem alcançar os objetivos almejados. Cervo (2007) discorre

que na pesquisa científica, o método é conhecido como um conjunto de

procedimentos utilizados para investigar e demonstrar a verdade. As técnicas –

arremata o autor – são procedimentos que ajudam para a concretização da

pesquisa, adequando-se ao tipo de pesquisa realizada. Dentre as técnicas utilizadas

em pesquisas científicas, as que serão utilizadas neste estudo, são as de

observação participante, descrição, coleta de dados.

Cervo (2007) explica que a observação requer a aplicação dos sentidos

físicos para poder conhecer com clareza e precisão o objeto estudado, e é

considerada como de suma importância para a ciência, porque sem ela não seria

possível extrair os contextos a serem estudados diretamente da realidade. Seria

como adivinhar a realidade e não comprová-la. A observação participante é a

técnica utilizada quando o pesquisador decide fazer parte do contexto estudado,

envolvendo-se com o objeto da pesquisa. Neste contexto, a observação participante,

é fundamental para a pesquisa que aqui se inscreve, porque foi realizada no próprio

espaço onde os sujeitos trabalham. Esta técnica é utilizada através do caráter

etnográfico da pesquisa, através do olhar e da escuta e, posteriormente da escrita,

como exposto anteriormente.

A descrição é indispensável para que o resultado da observação seja

minuciosamente escrito, para que o leitor visualize mentalmente aquilo que o

pesquisador descreveu. Sem a descrição, a pesquisa não seria contextualizada e,

portanto, não poderia expor seus resultados e demonstração do objeto pesquisado,

Page 20: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

18

que é o objetivo principal de uma pesquisa. Através da descrição, a pesquisa

promove material para a construção do conhecimento sobre o tema (Cervo 2007).

Uma pesquisa, para obter resultados utilizáveis e confiáveis, deve ter

planejamento, e uma das etapas envolve a escolha a técnica de coleta de dados,

que podem ser através de entrevistas, questionários, formulários, etc. Dentre estas

técnicas, a entrevista será a utilizada nesta pesquisa. Cervo (2007) expõe que a

entrevista não significa o simples ato de conversar, seu desenvolvimento é voltado

para alcançar um objetivo, que é adquirir por meio de questionamentos ao

entrevistado, dados que serão úteis para a pesquisa, além de possibilitar a

observação de comportamentos como, atitudes e a aparência dos sujeitos da

pesquisa, contribuindo para a análise da realidade estudada.

A coleta de dados não se resume a escolha da técnica que melhor se adequa

ao objeto de estudo. Sua importância prevê outros passos, como a delimitação dos

sujeitos pesquisados, a produção do instrumento de coleta, de forma que o resultado

seja elucidativo, o tipo de técnica da coleta de dados – neste caso, a entrevista

semiestruturada, caracterizada por perguntas abertas, para melhor captar o objetivo

a ser desvendado – realizando um guia de questões, focalizando as de maior

importância, programar a entrevista com os sujeitos pesquisados quanto ao local e a

hora, de preferência em um local que proporcione um mínimo de privacidade, e

delimitar o quantitativo de sujeitos que participarão da pesquisa (Cervo 2007).

Para Martinelli (1999), na pesquisa qualitativa pode-se utilizar de diferentes

técnicas para poder alcançar o resultado desejado, agregando ao máximo, dados

sobre o tema estudado, como por exemplo, utilizar-se do recurso da imagem, como

fotografias. Durante o percurso da pesquisa, utilizando-se de momentos oportunos

em meio a ocupação laboral na Feira da Madrugada, foi utilizado o recurso de

fotografias para validar e proporcionar uma melhor visualização sobre a descrição da

feira.

Após estas explanações sobre o referencial que embasa o percurso

metodológico desta pesquisa, explanaremos como foi traçado o perfil dos sujeitos

participantes deste estudo.

Page 21: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

19

1.1.1 Traçando o perfil dos sujeitos da pesquisa

Ao definir o local e objeto de estudo, que são os feirantes que trabalham na

Feira da Madrugada, no Centro de Fortaleza, situada na Rua José Avelino, definiu-

se o perfil e quantidade dos sujeitos da pesquisa. Primeiramente, foram analisados

quais os sujeitos a serem entrevistados devido a grande diversidade de inserções no

trabalho na feira e dos produtos comercializados no local.

A heterogeneidade de produtos neste setor informal da economia é muito

grande. Em sua grande maioria abrange o comércio de artigos do vestuário para

todas as faixas etárias e ambos os gêneros, subdivididos em moda praia, moda

íntima e roupas em geral, como também calçados, em especial para o público

feminino e infantil, artigos de cama, mesa e banho e alimentos e bebidas em geral.

Ainda são comercializados outros artigos que não possuem tanta inserção na feira,

mas que estão presente no dia a dia do comércio local, como adesivos de parede,

chaveiros, cartões de memória para celular, pufes, travesseiros, produtos de higiene

pessoal e remédios, dentre outros.

Além da heterogeneidade de produtos comercializados, a forma de inserção

do trabalho na Feira da Madrugada também é muito heterogênea. A grande maioria

possui um ponto fixo de trabalho, ou seja, uma banca, box ou loja de pequeno porte.

Os demais trabalhadores podem fixar-se em um local para realizar suas vendas,

porém, ficam espalhados pelas ruas ou nas calçadas das Ruas José Avelino e

Alberto Nepomuceno. Outros, porém, oferecem seus produtos, andando por estas

ruas, ou aos feirantes em seus pontos fixos de trabalho. Os trabalhadores em muitos

casos são produtores das mercadorias que comercializam e também trabalham na

feira; outros produzem sua mercadoria, mas colocam trabalhadores para vendê-la.

Outra parte não produz nada, apenas compra a mercadoria de fabricantes e

comercializam na feira. Uma pequena parte trabalha como carregador de

mercadorias, e atendem tanto os feirantes como os compradores. Há os que fazem

a segurança dos empreendimentos ou limpeza, etc.

Levando em conta a heterogeneidade de produtos comercializados e formas

de inserção laboral na Feira da Madrugada, foram definidos, como sujeitos da

Page 22: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

20

pesquisa, aqueles que são produtores das mercadorias (artigos do vestuário) que

comercializam e também trabalham na feira. Definido o perfil dos sujeitos, foi

elaborado um roteiro de questões a serem utilizadas nas entrevistas, com o total de

dez entrevistados.

Inicialmente foram realizados contatos com os vizinhos de trabalho da

pesquisadora, ao todo, cinco bancas que rodeiam o seu local de trabalho, que se

situa em um galpão, denominado de Galpão da Felicidade. Apesar do tempo em que

os sujeitos a serem entrevistados e a pesquisadora se conhecem, desde 2011, a

aceitação para participar das entrevistas não ocorreu sem certa resistência. Os

motivos da pesquisa, seu conteúdo e propósito foram sumariamente explanados,

facilitando a aceitação dos mesmos e sua posterior participação.

Também foi exposto que suas identidades seriam preservadas, e explicado

que a ética em pesquisas, prevê o respeito aos sujeitos pesquisados, não sendo

necessário revelar suas verdadeiras identidades. Neste momento, foi esclarecido

que seriam criados nomes fictícios para a preservação de suas identidades e que

havia um documento para validar o compromisso ético da pesquisadora, que é o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Barroco & Terra 2012).

Todos os dez participantes da pesquisa, apesar da relutância inicial em

aceitar o convite, recusaram-se a receber o termo assinado pela pesquisadora,

dizendo não ser necessário para a concessão da entrevista. Alguns inclusive,

disseram não necessitar da preservação de suas identidades, podendo utilizar seus

nomes verdadeiros. Foram criados, durante a análise dos dados coletados, nomes

fictícios para os dez entrevistados, preservando apenas a inicial de seus nomes, em

respeito à subjetividade de cada um.

Foi solicitada a permissão dos sujeitos para que o áudio da entrevista fosse

gravado, no sentido de obter um melhor aproveitamento de suas falas. Não houve

objeções a este respeito e todas as entrevistas, exceto uma, foram gravadas. No ato

do contato e esclarecimento sobre a pesquisa, foi solicitado ao entrevistado que a

pesquisa fosse realizada em outro ambiente que não a feira, alegando-se dois

motivos: um, devido a amplitude da estrutura do galpão, que certamente não

proporcionaria um áudio de qualidade. Também por causa do barulho e devido a

Page 23: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

21

movimentação dos clientes, que acabaria gerando interrupções e falta de

concentração para as respostas.

Houve relutância quanto a abertura de suas residências por parte de alguns.

Assim, foi oferecido o espaço da casa da pesquisadora. As entrevistas foram

realizadas nos seguintes locais: três na Feira da Madrugada, nos respectivos locais

de trabalho dos sujeitos; duas foram na casa da pesquisadora; uma só foi possível

por e-mail e quatro foram realizadas nas respectivas residências dos sujeitos. As

entrevistas gravadas na feira foram interrompidas pelo menos três vezes, para que

os entrevistados atendessem seus clientes. A pessoa que respondeu por e-mail,

inicialmente disse que poderia conceder a entrevista na própria residência, porém,

depois disse que achava melhor por e-mail, alegando falta de tempo e se dispondo a

responder a qualquer dúvida que surgisse após a leitura de suas respostas, mas não

houve necessidade.

Após as entrevistas, o áudio das mesmas, foi transcrito para em seguida ser

realizada a análise dos dados coletados. Este exercício de análise foi realizado

tendo como base o referencial teórico utilizado para esta pesquisa, buscando

perceber o que difere e o que é demonstrado pela teoria, sobre o trabalho informal,

na realidade da Feira da Madrugada. A análise encontra-se no último capítulo desta

pesquisa.

1.2 Pensando o cotidiano produtivo na Feira da Madrugada

Será explanada a seguir uma descrição do cotidiano na Feira da Madrugada,

trazendo elementos que permitam uma compreensão do seu espaço e

funcionamento, as relações que são construídas no seu interior e os personagens

que compõem a feira. Neste primeiro momento, será colocada a fala da

pesquisadora em primeira pessoa, em virtude de que os dados sobre a descrição do

cotidiano da Feira da Madrugada e sua contextualização, são de conteúdo,

experiência empírica de pesquisa e também, de trabalho da pesquisadora.

Page 24: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

22

1.3 A Feira da Madrugada (o que significa a feira)

Quando ouvia falar sobre uma feira, logo imaginava um local cheio de bancas

onde os trabalhadores vendiam frutas, legumes e verduras. Grande foi a surpresa

quando soube da Feira da Madrugada na Praça da Sé, tanto pelo fato das

mercadorias serem comercializadas no chão, como também, por ser uma feira de

roupas, calçados e artigos de cama, mesa e banho. Até então, não havia conhecido

uma feira nesses termos.

Ao conhecê-la, pensei que era um empreendimento recente, por isso

perguntei sobre o tempo de seu funcionamento, já que havia nascido em Fortaleza e

nunca tinha ouvido falar sobre ela. Disseram que a feira é muito antiga, sendo difícil,

precisar a sua gênese, mas que havia começado timidamente, com fabricantes de

produtos para cama, mesa e banho bordados a mão ou á máquina, provenientes do

interior do Ceará, que vendiam seus produtos para comerciantes do Mercado

Central de Fortaleza, que fica situado próximo a Praça da Sé. Com o passar dos

anos, foram diversificando os clientes e também os fornecedores, chegando a uma

grande dimensão em 2014.

Antigamente, quando a feira funcionava na Praça da Sé, era carinhosamente

e também ironicamente apelidada pelos feirantes como “shopchão”. Entre 2008 e

2009 iniciou-se o processo de transição da feira para a Rua José Avelino, rua

situada ao lado do Mercado Central de Fortaleza, acomodando os feirantes em

galpões. Três desses galpões possuem entradas tanto pela Rua José Avelino como

pela Rua Pessoa Anta: o Galpão do Pequeno empreendedor, Galeria Dragão do Mar

e Galpão da Felicidade.

O funcionamento da Feira da Madrugada nos galpões proporcionou uma

melhor qualidade de trabalho, comparado ao período de trabalho na Praça da Sé, no

que diz respeito a acomodação das mercadorias em cima de bancas e, por ser um

local coberto, abrigados do sol e da chuva. Houve também uma relativa melhora

quanto ao acesso a lanchonetes e banheiros, que anteriormente era muito limitado.

Page 25: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

23

1.3.1 Os espaços (localização; espaços físicos e aluguel das bancas)

A Feira da Madrugada é conhecida atualmente pela Rua José Avelino (ver

figuras 1 e 2), esquina com a Rua Alberto Nepomuceno (ver figuras 3 e 4), que se

situa ao lado do Mercado Central de Fortaleza. Porém, o acesso à feira pode ser

feito também pela Rua Pessoa Anta (ver figuras 5 e 6). Na Rua José Avelino, a feira

abrange o espaço de um quarteirão (no quarteirão seguinte encontra-se o Centro

Cultural Dragão do Mar). O quarteirão é subdividido em galpões, galerias e mini

shoppings. Ao me referir sobre os mini shoppings, quero diferenciar a estrutura

desses locais, visto que, ocupam a mesma rua, mas não possuem bancas como a

maioria dos galpões. Sua estrutura é formada por lojinhas de alvenaria, tornando o

local visivelmente mais organizado e melhor estruturado.

Nos galpões o espaço é preenchido por bancas (ver figura 9), algumas com

estrutura de ferro e um estrado de madeira para colocar a mercadoria em cima.

Neste caso, no término da feira a mercadoria que sobrou deve ser levada para casa.

Outras bancas, que chamamos de “baú” (ver figura 7), são feitas todas de ferro, com

um compartimento embaixo onde guardamos a mercadoria para não ter que levar

para casa. Geralmente o baú possui duas portas de correr, para facilitar a retirada e

a colocação da mercadoria que são trancadas com cadeados. O Galpão do

Pequeno Empreendedor, no lugar de bancas foram construídas minilojinhas de

alvenaria e, possui algumas situadas na extremidade do galpão que tiveram seu

tamanho expandido, onde colocaram prateleiras de madeira e ar-condicionado (ver

figura 10).

Semanalmente, mais precisamente aos domingos, os feirantes pagam uma

taxa de manutenção no valor de cinquenta reais (a partir do mês de Junho de 2014),

pagos a administração do galpão. O valor pago pelo pequeno espaço que cada

banca ocupa não é revertido em muitos benefícios para os feirantes. Como será

exposto na análise das entrevistas, há muitas queixas dos sujeitos da pesquisa

quanto à infraestrutura, limpeza, dentre outros aspectos. Também é visível, na figura

16, que não há segurança efetiva nos galpões no horário de funcionamento e muito

menos quando está fechado. Como mostra a figura, a grade de ferro que fecha o

Page 26: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

24

galpão não evita a entrada de ladrões, que podem facilmente transpô-la, deixando

os feirantes que guardam suas mercadorias dentro das bancas, inseguros.

A exposição das peças de roupas, na grande maioria é feita em manequins,

algumas pessoas expõem em cabides. Os manequins são utilizados de acordo com

os produtos vendidos, alguns utilizam o de corpo inteiro (vendas de vestidos ou

roupas completas). Os demais utilizam o manequim de meio corpo, pode ser o

tronco ou as pernas, de forma que exponha as blusas ou calças, saias e shorts.

Alguns feirantes fazem buracos nos manequins para poder passar uma corrente,

para quando acabar a feira, prendê-los na própria banca (ver figura 8) e, outros

colocam os manequins guardados dentro do baú junto com a mercadoria.

Cada feirante procura expor o máximo possível sua mercadoria, ocupando

não só o espaço em cima da banca, como também, ao redor dela quando possível.

Alguns feirantes colocam manequins de corpo inteiro em pé, amarrados nas laterais

de suas bancas, diminuindo o espaço dos corredores que já é pequeno, gerando

desconforto para os clientes que circulam que sacolas grandes e pesadas, e

reclamações de outros feirantes que não possuem espaço para expor sua

mercadoria da mesma forma que seu concorrente. Além disto, o espaço para

colocar cadeiras ou banquinhos para os feirantes sentarem (cada um leva o seu

acento) é diminuído e alguns, quando cansados, sentam na própria banca, em cima

de suas mercadorias.

As bancas são dispostas de uma maneira que formam corredores para a

circulação de clientes. Os corredores são estreitos, dificultando a passagem que é

disputada com os trabalhadores fixos, com os que passam com isopor e

organizadores vendendo lanches, água e refrigerantes e com os clientes com

sacolas de compras, além dos manequins que expõem os produtos e as cadeiras

que os feirantes utilizam para descansar. Quando o movimento na feira está muito

intenso, a dificuldade de circulação aumenta, gerando um empurra-empurra de

clientes, vendedores ambulantes, carregadores (homens que fazem o carrego de

mercadorias), onde todos passam apressados, batendo suas sacolas nas pessoas.

A ventilação é natural, exceto raras exceções, não tem ventiladores nos galpões.

Por conta disso, no movimento intenso, faz bastante calor.

Page 27: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

25

Cada galpão possui um nome, o que trabalho chama-se de Galpão da

Felicidade (ver figuras 15 e 16). Todos os galpões possuem banheiros e lanchonetes

próprias facilitando a utilização para os trabalhadores e clientes. Uma senhora faz a

limpeza dos banheiros e coloca um saco plástico com um rolo de papel higiênico

dentro pendurado na parede na entrada do corredor de acesso aos banheiros. Cada

pessoa tira o seu pedaço, o que não é nada higiênico porque o mesmo rolo de papel

passa por diversas mãos. A limpeza e retirada do lixo dos banheiros é realizada

mais de uma vez por dia, porém, a intensa movimentação não permite uma higiene

adequada. Após inúmeras reclamações de feirantes e clientes, o administrador do

galpão que trabalho colocou cerâmica nos banheiros, melhorando o aspecto, mas a

quantidade ainda é insuficiente para atender toda a demanda.

As lanchonetes e restaurantes vendem de tudo: café da manhã, almoço,

lanches em geral, vitaminas e até açaí. Percebe-se que a higiene não é o forte das

lanchonetes, em parte porque a própria infraestrutura não é adequada, como

também, devido o intenso movimento e porque cada local dispõe de poucos, ou

apenas um atendente. Com efeito, acaba não sobrando muito tempo para a limpeza.

Esta é uma das reclamações recorrentes no cotidiano da feira, a precária estrutura

das lanchonetes, pois, com a taxa de manutenção que é recolhida dos feirantes,

deveria haver uma melhor estruturação desses locais. Os feirantes não reclamam da

precariedade das lanchonetes pensando apenas em seu conforto, mas também,

como forma de atrair mais clientes para o galpão.

Além dos galpões, galerias, lojas e mini shoppings, a Rua José Avelino fica

preenchida com bancas em quase todo o quarteirão. A precariedade na rua é ainda

maior que nos outros locais. As bancas da rua são cobertas com lona (ver figura 2)

e, como já trabalhei em feiras na cidade de Cascavel/CE, sei que a arrumação das

bancas é no mesmo estilo, e posso afirmar que o calor é grande, às vezes,

insuportável.

O preenchimento da Rua José Avelino com bancas deu-se após a ocupação

dos galpões pelos feirantes, demonstrando que houve um acréscimo de sujeitos

neste espaço informal da economia, apesar de que alguns feirantes relatam que

algumas pessoas que possuem banca dentro dos galpões, também colocaram

bancas na rua, para ter mais de um ponto de venda. Também aumentou o número

Page 28: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

26

de pessoas vendendo nas calçadas, expondo suas mercadorias no chão e na Rua

Alberto Nepomuceno, ocupando uma das vias de trânsito automotivo, dificultando o

tráfego no local, assim como os carros e ônibus estacionados na Rua Pessoa Anta.

Em alguns casos os vendedores não possuem um local dentro dos galpões,

galerias ou mini shoppings porque não têm capital para comprar um ponto, cujo

preço pode variar entre três mil reais e trinta mil reais, dentro de um galpão ou ainda

mais, em outros estabelecimentos. A precariedade no trabalho de quem fica na rua é

muito grande. Desabrigados do sol e da chuva, correndo perigo de sofrer acidentes

por ocuparem uma via pública e, perseguidos algumas vezes, pelos fiscais da

Prefeitura, que ameaçam apreender suas mercadorias. O trânsito fica lento no

entorno da feira devido os vendedores que ali se instalam, bem como os clientes e

os carros e ônibus que estacionam no entorno. O trânsito é intenso de madrugada

não só pelos feirantes que vão chegando para trabalhar, como também por turistas e

moradores locais por ser acesso a hotel, bares, boates e restaurantes situados

próximos à feira.

Alguns estabelecimentos na Feira da Madrugada funcionam todos os dias da

semana, é o caso do Galpão que trabalho. As feiras de maior movimento de

compradores acontecem na quinta e no domingo de madrugada, os

estabelecimentos começam a abrir por volta da meia noite, trabalho apenas nesses

dois dias. A feira que ocorre na rua funciona apenas na quinta e no domingo. Os

referidos dias lotam a feira de compradores e feirantes, por conta do intenso

movimento de compradores advindos de outros Estados, do interior de Fortaleza e

da própria capital. Os ônibus de excursão com clientes, estes denominados

“sacoleiros”, ficam em estacionamentos dentro dos galpões e espalhados no entorno

da feira (ver figura 7 e 11).

1.3.2 A rotina de trabalho na Feira da Madrugada

Trabalho na Feira da Madrugada, entre idas e vindas, desde 2007. A partir de

dezembro de 2011, até o momento do presente estudo, junho de 2014, trabalho para

Page 29: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

27

minha irmã em banca de sua propriedade, como vendedora de acessórios

femininos, juntamente com outro funcionário. Os artigos que comercializo na feira

são cintos e colares. No outro ponto comercial, onde minha irmã trabalha com mais

duas funcionárias, são vendidos além desses artigos, brincos, pulseiras, anéis, e

peças variadas para uso no cabelo.

Saímos de casa às 4h no domingo e 4h30min na quinta. Pegamos nossa

sobrinha que mora na mesma rua e depois, pegamos mais dois funcionários que

também moram em nosso bairro. São parentes e residem na mesma casa. Levamos

duas garrafas térmicas com água, porque comprar na feira sai mais caro. Às vezes

levamos algum lanche de casa, mas geralmente, toda a alimentação é feita na feira.

Minha irmã além de pagar-nos um valor superior a que outros contratantes pagam

aos trabalhadores na feira, proporciona toda a alimentação por sua conta, também

diferente de muitos contratantes da feira, que além de pagarem mal, deixam a

alimentação por conta dos contratados.

Ao chegarmos à feira, vamos dando bom dia aos nossos vizinhos de trabalho.

Em seguida, começamos a retirar a mercadoria para exposição. O modelo da nossa

banca é chamado de baú, uma estrutura metálica com portas fechadas a cadeados

para guardar a mercadoria, não nos obrigando levá-la pra casa no final do dia, como

acontecia inicialmente quando a banca ainda era de madeira. Apesar de ser

pequena, é impressionante como cabe bastante coisa. Levamos cerca de quarenta e

cinco minutos para expor tudo. Cada espaço é aproveitado, inclusive uma das

laterais, onde expomos os colares e cintos femininos que vendemos.

Há uma prateleira na banca onde colocamos cinco manequins de busto,

cheios de cintos e colares, buscando uma maior exposição para os clientes e

também, no alto da banca tem uma barra de ferro, aonde são colocados cinco

manequins pendurados. Esses manequins possuem um gancho imitando um cabide,

possibilitando pendurá-los, estes também ficam cheios de modelos para exposição.

Minha irmã trabalha no ponto que fica na Galeria 185, na Rua José Avelino.

Além de cintos e colares, são vendidas bijuterias em geral e acessórios para o

cabelo. Todos os produtos que vendemos são importados da China, comprados em

São Paulo, diretamente dos chineses. Quase 100% (cem por cento) das

Page 30: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

28

mercadorias são compradas com nota fiscal e enviadas por transportadora via

terrestre por possuir um custo mais baixo que o transporte aéreo. Uma pequena

parte da mercadoria ela traz na bagagem para uma reposição rápida do que está

faltando.

Quando terminamos de arrumar a banca (ver figuras 17 e 18) já são quase

cinco e meia da manhã, geralmente logo em seguida, o rapaz que trabalha comigo

na banca, vai tomar o café da manhã em uma das precárias lanchonetes (ver figuras

13 e 14) que funcionam dentro do galpão, quanto ele retorna do lanche é a minha

vez. Contudo, às vezes o movimento está intenso, com muitos compradores. Nesse

caso, ele compra o meu café e o dele e traz para a banca, tomamos então ao

mesmo tempo em que atendemos os clientes que chegam, às vezes em pé e às

vezes sentados, dependendo da quantidade de pessoas que estão passando pelos

corredores.

Geralmente, comemos sempre o mesmo lanche com receio de passar mal,

que são café com leite e sanduiche de ovo ou sanduiche de carne moída com

queijo, ou sanduíche natural, sempre das mesmas pessoas. Alguns feirantes,

incluindo meus vizinhos mais próximos, costumam comprar lanche de pessoas que

trazem a comida dentro de isopor, em caixas térmicas ou organizadores de plástico.

Não me sinto muito a vontade em comprar dessas pessoas, principalmente depois

do dia que vimos, quando vínhamos para a feira, dois homens virando uma caixa

térmica no chão de onde saíram diversas baratas, que eles tentavam aos pulos

matá-las.

No espaço-tempo em que arrumamos a banca começamos a vender alguma

coisa, e devemos prontamente atender os clientes (a maioria advindos de outro

Estado) porque eles sempre andam com pressa. Fazer todo o percurso da feira leva

tempo e o ônibus tem hora marcada para sair, desta forma, se demorar em atender

o cliente, ele vai embora e não volta mais. Como os clientes estão sempre

apressados, percebemos que nem sempre eles olham para todas as bancas, assim,

algumas pessoas costumam ficar oferecendo os produtos e chamando a atenção

desses clientes para aumentar as vendas.

Page 31: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

29

A mercadoria da banca onde trabalho é colocada dentro de cestos que separa

os produtos por tipo e preço, na hora de “montar a banca” ou guardar a mercadoria

para ir embora, fica mais prático porque colocamos os cestos já com a mercadoria

dentro do baú. No decorrer do dia de trabalho, ficamos repondo a mercadoria com o

estoque que está dentro do baú para manter os cestos e os ganchos que

penduramos os cintos e colares sempre cheios, pois atrai a clientela. Quando

atendemos diversos clientes de uma única vez, a mercadoria da banca fica toda

revirada e misturada umas com as outras. Precisamos estar constantemente

arrumando para a próxima leva de clientes e também é uma forma de sempre

identificar o que precisa repor no baú ou trazer do pequeno estoque que temos em

casa para o próximo dia de feira.

Compramos a mercadoria pronta para a venda, mais não falta o que fazer

durante as várias horas de trabalho, que no domingo podem se estender por até

quinze horas de trabalho no final do ano, especificamente, em Dezembro. Nesse

período do primeiro semestre do ano, as vendas são mais fracas e não

necessitamos passar tanto tempo. Trabalhamos entre dez e onze horas por

domingo, das quatro da manhã (hora que chegamos à feira) até no máximo três

horas da tarde (hora que chegamos em casa). No final do ano, costumamos ir mais

cedo, por volta de uma hora da manhã e, portanto, quase não conseguimos dormir

de um dia para o outro, o que torna o trabalho mais cansativo, porém, devido ao

intenso movimento, que mal nos permite sentar, conversar ou interagir com nossos

vizinhos, não dá tempo de sentir muito sono.

Alguns dias há um intenso movimento de idas e vindas da nossa banca para

a lojinha de minha irmã na Galeria 185. A banca tem uma maior variedade e

quantidade de cintos que a lojinha e lá possui uma variedade maior de colares, além

das bijuterias que não vendemos na banca por falta de espaço. Ficamos levando e

buscando mercadoria ou acompanhando os clientes de um ponto ao outro para

aumentar as vendas. Neste caso, alguns clientes, ao visualizarem que vendemos

cintos, perguntam se temos bijuterias, ou nós mesmos oferecemos o produto, assim,

acabamos tendo que levar clientes para a lojinha e vice versa.

Essa caminhada ajuda a passar o sono e a fadiga, pois, aos poucos vamos

conhecendo algumas pessoas diferentes, conversando assuntos relacionados a feira

Page 32: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

30

e isso ajuda a distrair. Neste contexto, conheci uma senhora que, fabrica e vende

roupas no corredor que dá acesso a Galeria 185 e passou a vender os Brownies

para ajudar uma sobrinha que fabrica. Passamos a conversar casualmente e no

decorrer desta pesquisa, foi uma das pessoas que me concedeu entrevista.

No domingo, almoçamos na feira por que ficamos trabalhando mais tempo

devido ao maior movimento de clientes de outros Estados, neste dia, geralmente

vamos para casa depois das quatorze horas. Na quinta feira, almoçamos em casa, é

um dia que vem poucos ônibus de fora diminuindo consequentemente o movimento.

Neste dia, vamos para casa as onze horas.

Após todos almoçarmos entre doze e meia e uma hora da tarde, é o momento

em que os compradores começam a se preparar para viajar, nesse momento já

começamos a escutar o motor de alguns ônibus funcionando e os compradores vêm

dos banheiros de banho tomado e de roupa trocada. É o momento em que fazemos

as últimas vendas, alguns querendo gastar todo o dinheiro que trouxeram ou porque

faltou comprar alguma coisa.

As treze e trinta ou quatorze horas, começamos a arrumar a mercadoria nos

cestos que é o preparatório para guardá-las no baú e em seguida guardamos tudo

para ir embora. Alguns feirantes vão embora mais cedo, outros mais tarde. Na saída,

todos se cumprimentam e seguem para seus lares satisfeitos ou não com o

montante apurado. O movimento de carregadores nesse horário é muito intenso,

levando fardos das mercadorias para os carros daqueles feirantes que retornam com

as mercadoras que sobraram para casa.

1.3.3 Personagens (trabalhadores em geral; clientes e administrador)

O que movimenta mais a feira, no que diz respeito às vendas, são os clientes

que vêm nos ônibus do interior do Ceará e principalmente de outros estados como:

Piauí, Maranhão, Belém e Rio Grande do Norte. Geralmente, a rota de compras não

se resume à Fortaleza, algumas dessas excursões chegam até a Feira da

Madrugada de Caruaru, em Pernambuco, para depois retornarem as suas cidades.

Page 33: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

31

Os clientes, como já citado anteriormente, estão sempre apressados e com a

experiência do tempo de trabalho na feira aprendemos que muitos deles não veem

literalmente a mercadoria, vão passando apressados e só param para comprar

quando oferecemos o produto. Ao ouvirem o preço convidativo, param para olhar o

que é e, muitos acabam comprando alguma coisa. Para aumentar a venda, vamos

mostrando toda a mercadoria com seus respectivos preços e alguns acabam

comprando mais do que previam, por exemplo, tem cliente que só compra cintos,

mas com um pouco de insistência, leva também colares e vice e versa.

Os clientes variam entre as modalidades de varejo e atacado. Os de varejo,

não agradam muito os feirantes, se forem aqueles que passam uma hora na banca,

bagunçam tudo e levam uma peça, às vezes, nenhuma. Enquanto os compradores

de atacado, muitas das vezes, demoram dez minutos e compram em grande

quantidade. Outra característica dos compradores seja varejo ou atacado, é que em

muitos casos, ambos andam acompanhados. Os varejistas geralmente são

acompanhados por alguém da família ou amigos, e os atacadistas, andam às vezes

em grupos, com outros compradores, em qualquer dos casos, o acompanhante pode

ajudar na hora da venda incentivando a compra, como também, podem desmotivar,

evitando a realização da venda.

Alguns clientes compram um grande montante de mercadorias e, utilizam um

sacolão jeans para colocar as compras. Outros utilizam fardos, que são

transportados pelos carregadores. Os carregadores são homens cadastrados no

galpão que recebem uma blusa com o nome “carregador” pintado nas costas e na

frente, que passam, em alguns casos, visivelmente cambaleantes por causa do

álcool ou com os olhos visivelmente “ligados” ou avermelhados devido à droga. O

peso que alguns deles levam nos fardos é impressionante.

Alguns feirantes fabricam os próprios produtos, mesmo terceirizando parte da

produção, mas na hora da venda, sempre estão presentes. Alguns contratam

funcionários para auxiliá-los ou os próprios familiares, outros vêm trabalhar sozinhos

e se ficarem doentes, não tem quem fique no lugar. O fato de minha irmã comprar os

produtos prontos, não nos exime de trabalhos que, apesar de não estarem ligados á

produção, estão ligados á exposição e conserto dos produtos. Quando a mercadoria

chega, parte dela precisa ser embalada, marcada com seus respectivos preços e

Page 34: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

32

constantemente é necessário trocar as frágeis embalagens dos produtos por outras

mais resistentes, serviço este realizado na própria feira. A mercadoria da banca não

é marcada preço, principalmente porque trabalhamos apenas com duas variedades,

como já explanamos cintos e colares, porém, quando o movimento está parado,

ajudamos a marcar os preços das mercadorias da lojinha. Sempre que possível,

consertamos alguns produtos com um alicate de bijuteria ou colando alguma peça

que se descolou.

Os feirantes que trabalham próximos a banca costumam a todo o momento

ou sempre que possível, interagir uns com os outros. A interação com os meus

vizinhos de trabalho se dá de diversas formas. Dentre elas, duas cadeiras são

colocadas na lateral da banca de um dos meus vizinhos e fazemos um rodízio para

sentar nelas. Os vizinhos aos quais me refiro, trabalham em cinco bancas próximas

a minha, dentre estas, duas delas. É possível sentar-se em cima da banca porque o

estoque não é colocado em cestos e acaba sobrando espaço para sentar, mas como

são muitas pessoas, temos que dividir as cadeiras. Estes momentos são utilizados

para conversar sobre diversos assuntos, seja sobre a feira ou sobre algo do nosso

cotidiano. Não é possível também, que cada um leve uma cadeira para si porque

atrapalharia a passagem dos clientes, tornando-a inviável.

Existem momentos de grande movimento e trabalho intenso, mas também,

tem os momentos de calmaria, onde às vezes ficamos todos juntos conversando, às

vezes ficam apenas os homens e outras vezes só as mulheres numa roda de

conversa. Dos cinco vizinhos, apenas um trabalha sozinho, os demais vão com

esposas, filhos e cunhados. As conversas geralmente giram em torno da feira, como

está o movimento, sobre os tipos de cliente, o trabalho de produzir a mercadoria, o

cansaço e o sono, o preço da matéria prima, o trabalho que dá para terceirizar a

produção ou falamos sobre alguma viagem que fizemos, dentre outros. Raras vezes

tratamos de algum assunto pessoal como, por exemplo, as esposas reclamando de

seus maridos, ou o relato de alguma vivência da infância, estreitando os laços

pessoais.

Os laços não se limitam ao âmbito da feira. Em alguns casos e, dentre os

cinco vizinhos de trabalho, três possuem vida social fora da feira. Dois encontram-se

na igreja e em suas casas e o terceiro, joga futebol com os outros dois e também já

Page 35: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

33

esteve na casa deles. Além disso, durante o decorrer desta pesquisa, o feirante que

joga futebol com os demais e, está fazendo Jiu Jitsu, me contou que os outros foram

assistir a sua troca de faixa para um nível superior. Além disso, alguns levam fotos

de passeios, viagens e até mesmo da infância, socializando-se com todos.

Os laços criados com a convivência na feira não são totalmente livres de

impasses. A concorrência é um fator que gera intrigas entre os feirantes, como

exemplo, vivenciei o período em que dois dos meus trocavam farpas porque um

deles passou a vender o mesmo produto que o outro. Os feirantes também

desconfiam de seus colegas de trabalho que vem olhar uma peça na sua banca

detalhadamente, porque é um sinal de que seu vizinho quer copiar o modelo. No

entanto, no dia a dia, nunca presenciei brigas ou discussões acaloradas na feira.

Costumamos dizer no nosso círculo de companheiros de trabalho, que nos

momentos que não estamos vendendo, pelo menos estamos nos divertindo. Tudo é

motivo de piada podendo se estender por muitos dias, por exemplo: algumas

pessoas que trabalham na feira recebem apelidos e fica como uma “piada interna”

do grupo, como uma senhora que recebeu o apelido de “Jack Sparrow,” personagem

do filme Piratas do Caribe, porque ela usa um lenço na cabeça igual ao pirata e, um

vendedor ambulante que é chamado de Lima Duarte, devido a sua barba. Também

ficam imitando alguns vendedores ambulantes por causa de características

engraçadas como, por exemplo, assobiar quando pronuncia palavras com a letra “s”.

É o caso de um vendedor de alimentos que passa falando alto: “olha o lanche!”

“Temos salgados, sucos, sanduiche e sucos das frutas”, ele passa assobiando cada

palavra pronunciada.

Por volta de oito e meia às nove horas da manhã é o momento em que

fazemos o lanche, pois, tomamos café antes das seis da manhã. Percebo que as

mulheres fazem lanches mais leves como sanduiche natural, salada de frutas, uma

fatia de bolo, salgadinho, barra de cereal, dentre outros. Porém, os homens se

alimentam nesse horário com comida mais pesada como, cuscuz com carne de

carneiro, carne de sol ou linguiça, sarrabulho, buchada, panelada, etc.

Todos os meus vizinhos compram alguma coisa na feira para si ou para casa

quando necessário. Aproveitamos os momentos de calmaria para sairmos às

Page 36: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

34

compras de roupas, calçados e acessórios ou compramos utensílios para o lar com

os vendedores ambulantes que passam oferecendo sabonetes, pasta de dente,

sabão em pó, chocolates, entre outros produtos, que muitas das vezes está com o

valor abaixo do supermercado. A afinidade com os vizinhos de trabalho permitiu uma

maior facilidade no processo de entrevistas, que faz parte desta pesquisa. Foi

determinado que ao todo, seriam realizadas dez entrevistas, com os sujeitos que

trabalham na Feira da Madrugada e que são fabricantes dos produtos que

comercializam. Meus cinco vizinhos participaram da pesquisa, outros cinco, foram

escolhidos entre pessoas que conheço desde a época de trabalho na Praça da Sé,

ou são conhecidos de minha irmã.

A descrição do cenário da Feira da Madrugada e seus personagens busca

esclarecer sobre a sua dinâmica em vários aspectos. Este setor da economia

informal tão heterogêneo é uma realidade do trabalho informal na

contemporaneidade.

Para o estudo sobre o trabalho informal na Feira da Madrugada, nosso tema

de pesquisa, é necessário entender as mudanças no capitalismo contemporâneo e o

seu impacto em muitas áreas da vida social, especialmente no que diz respeito a

uma das categorias centrais do sistema no mundo capitalista, que é o trabalho. Tais

mudanças vêm marcar a conjuntura atual com características específicas, como a

perda de direitos relativos ao trabalho formal, a precarização das relações e

contratações trabalhistas que foram flexibilizadas, transformando os postos de

trabalho e as formas de ocupação dos trabalhadores, como também, a

informalização das relações de trabalho.

Trataremos dessas mudanças porque as questões referentes ao cotidiano

dos trabalhadores informais da feira da madrugada estão relacionadas à natureza e

às consequências dessas mudanças. As transformações as quais passou o

capitalismo têm uma grande importância para entendermos as várias

transformações no mundo do trabalho dentre elas, o crescimento do trabalho

informal. Antes disso, será necessário, contudo, compreendermos o conceito de

trabalho, no que diz respeito a sua dimensão ontológica e histórica.

Page 37: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

35

2 TRABALHO: PRINCÍPIOS TEÓRICOS

A pesquisa sobre o trabalho informal na Feira da Madrugada, tema escolhido

em 2013.2, tem em seu referencial teórico, já assimilado em parte pela pesquisa

bibliográfica realizada neste período, e pelo conhecimento adquirido no decorrer do

percurso acadêmico, aspectos como a perda de direitos relativos ao trabalho formal,

a precarização das relações e contratações trabalhistas que foram flexibilizadas,

transformando os postos de trabalho e as formas de ocupação dos trabalhadores,

como também, a informalização das relações de trabalho.

A busca pelo referencial teórico que embasaria esta pesquisa foi pensada

inicialmente, tendo relação direta com as características citadas acima, buscando

retratar, como se inscreve o trabalho precarizado e informal na atualidade, que

consta em diversas literaturas sobre o tema. No decorrer do semestre, enquanto

exercia a atividade laboral na Feira da Madrugada, já com um olhar crítico sobre as

ações e falas dos sujeitos, vizinhos de trabalho, buscava perceber na realidade, pelo

menos uma parte daquilo que já havia lido sobre a categoria trabalho.

A literatura que aborda esse referencial teórico relativo ao trabalho,

geralmente trata de como os homens tem vivido em nossa sociedade de forma

alienada, desapropriado dos meios para produzir sua subsistência e de sua própria

condição de ser humano, de ser social, sendo utilizado e tratado tal como aquilo que

produz uma mercadoria, um produto, perdendo a dimensão de humanização, de

sociabilização, de pertencimento.

Em dezembro de 2013, um fato despertou os sentidos e, na ocasião, foi

inevitável a associação direta com a teoria. Um feirante chamou a atenção para um

determinado modelo de blusa, que uma transeunte estava usando e, literalmente,

com um brilho no olhar e sorriso nos lábios, disse que havia produzido uma blusa no

mesmo modelo, porque estava na moda. Neste momento, surge a relação com a

questão do trabalho criativo, teleológico, pois, mesmo copiando um modelo para

vender porque está na moda, ele declarou como recriou aquele modelo, buscando

um diferencial para conquistar seus clientes.

Page 38: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

36

Os fatores, brilho nos olhos e sorriso nos lábios, trouxe a frente o sentido nato

do trabalho: o homem como produtor não alienado, sentindo-se proprietário e se

reconhecendo naquilo que produziu. Recriar uma peça levou-o ao sentimento de

orgulho, demonstrado por sua ação e expressão, caracterizando que, se sentia

pertencente a algo, fazendo parte da construção de uma blusa e seu

aperfeiçoamento. É como o trabalho propriamente dito, no sentido ontológico, o

trabalho que sociabiliza e humaniza, que pertence ao homem e ele se reconhece

nele, é sua produção, é seu. Esta é uma característica presente no cotidiano de

trabalho na feira, pelo menos entre os vizinhos, percebo esta demonstração de

orgulho, por produzir algo e se sentir parte desta produção.

Neste contexto, surge a necessidade, na construção deste estudo, de

descrever esta perspectiva ontológica do trabalho, em que o homem em algumas

atividades hoje, ainda consegue sentir o aspecto do trabalho que originalmente o

formou como ser social. Quando se fala no trabalho que degrada a condição

humana, que o transforma em uma mercadoria, em uma coisa, faz-se necessário

retratar a diferença entre o antes e o agora. É disto que se trata este capítulo, uma

explanação e conceituação teórica a respeito do trabalho, mostrando a diferença

entre o trabalho enquanto constitutivo do ser social e sua gradativa mudança para o

trabalho assalariado, alienado, precarizado e informal.

2.1 Ontologia do trabalho

O trabalho é uma categoria que perpassa a vida dos seres humanos, fazendo

parte, portanto, do cotidiano dos mesmos. Seja trabalho braçal ou intelectual, com

maior ou menor grau de dificuldade, é através dele que buscamos os meios para a

nossa subsistência. É através do trabalho que adquirimos a remuneração ou salário

para obter objetos e bens essenciais e ou vitais para a nossa sobrevivência, como

alimentos, artigos do vestuário, moradia, meio de transporte, etc.

Page 39: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

37

O presente capítulo pretende de forma breve e sucinta, esclarecer a diferença

entre o trabalho em sua forma primitiva, numa perspectiva ontológica1 (o estudo do

ser) e o trabalho no sistema capitalista. O texto trará, quando for plausível,

elementos da realidade empírica – que é o trabalho na Feira da Madrugada – que

coadunem com o referencial teórico que aqui é explanado.

Mas afinal, o que é o trabalho?

Antunes (2013) aborda este tema, do trabalho enquanto atividade

transformadora, ação do homem sobre a natureza e consequentemente sobre si

mesmo, através de escritos de Karl Marx, onde está expressa a compreensão deste

autor sobre a categoria trabalho. O que significa o ato de trabalhar?

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, apud ANTUNES, 2013, pp. 31, 32).

O trabalho enquanto tal, porém, não é praticado apenas pelos homens. No

reino animal conhecemos alguns que realizam determinada forma de atividades,

também utilizando recursos da natureza para concretizar o seu trabalho e como

meio de sobrevivência.

Para exemplificar temos animais como o castor, que represa rios com galhos

e areia para proteger sua moradia, que é construída com uma parte submersa e

outra na superfície, à margem do rio2. As formigas são tidas como insetos que vivem

em sociedade, devido à estrutura complexa do formigueiro e pela divisão de tarefas,

passam o dia trabalhando, seja levando comida para o formigueiro ou tomando

conta do mesmo3. As abelhas, assim como as formigas, vivem numa complexa rede

1 “O aspecto ontológico é sumariado pela questão: o que distingue o ser social da natureza e,

portanto, qual o conteúdo substancial do salto para além da natureza que constituiu a gênese do mundo dos homens? Esse é um aspecto que apenas pode ser resolvido ontologicamente, pois diz respeito à distinção essencial dos homens para com a natureza” (LESSA 2011, p. 139). Para uma maior compreensão da ontologia do ser social consultar além do autor citado, NETO & BRAZ (2012). 2 < http://sotaodaines.chrome.pt/sotao/castores_3.html> - acesso em 05/05/2014

3 <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/biologia/formigas-divisao-de-tarefas-e-cooperacao-fazem-

parte-da-vida-de-insetos.htm> - acesso em 05/05/2014.

Page 40: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

38

social, com divisões de tarefas que incluem a limpeza da colmeia, a produção de

cera, etc4.

Apesar de todos – homens e animais – possuirmos a capacidade para o

trabalho, o homem difere dos animais pelo fato destes realizarem atividades

puramente instintivas e aqueles, realizarem o trabalho de forma teleológica. Netto e

Braz (2012, p.42) expõem que as atividades realizadas pelos animais ocorrem de

forma hereditária, “determinada geneticamente, [...] numa relação imediata entre o

animal e o seu meio ambiente [...] e satisfazem, sob formas em geral fixas,

necessidades biologicamente estabelecidas”. Ao citar exemplos de animais, os

autores lembram-se das abelhas e afirmam que elas já nascem programadas para a

construção das colmeias e para recolher o pólen. Do que se trata então o trabalho

teleológico que diferencia os homens dos animais e o que constitui a sociabilidade

do homem através da atividade denominada trabalho?

2.2 Dimensão teleológica e a sociabilidade humana

O trabalho teleológico realizado pelo homem, por sua vez, é caracterizado por

uma prévia antecipação na mente, antevendo o que se pretende realizar, produzir ou

construir, para um determinado fim. Enquanto os animais agem, executam suas

atividades de forma geneticamente programada e hereditariamente herdadas, o

homem consegue ter consciência e projetar o que deseja,

Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente (MARX, apud ANTUNES, 2013, p. 32).

Acresce ainda à categoria trabalho, a dimensão da sociabilidade entre os

homens, pois, ao transformar a natureza para suprir suas necessidades, o homem

transforma a si mesmo e sua relação com os outros homens, tornando-se um ser

social. De acordo com Lessa (2011), o trabalho é,

4 < http://educacao.uol.com.br/disciplinas/ciencias/abelhas-2-na-sociedade-da-colmeia-ha-rainha-

operarias-e-zangoes.htm> acesso em 05/05/2014.

Page 41: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

39

[...] um tipo de atividade na qual o indivíduo humano primeiro elabora na consciência (como ideia, como ideação) para depois transformar a natureza naquilo que necessita. [...] É por este modo de transformação do mundo natural que o ser humano, ao transformar a natureza, transforma a sua “própria natureza” social (LESSA, 2011, p. 142).

Lessa (2011, p. 141) explana que em se tratando do surgimento da vida

orgânica dos seres vivos de forma mais geral, incluindo os mais primitivos, sempre

houve a necessidade dessa interação com a natureza, como meio de subsistência e

de reprodução. Porém, com o ser humano “desenvolve-se um novo tipo de ser, uma

nova materialidade, até então inexistente, e cujas peculiaridades não se devem à

herança biológica nem à programação genética – um tipo de ser radicalmente

inédito, o ser social”.

O ser social é fundado através do trabalho, que diferencia os homens dos

demais animais, e essa nova existência propiciou o aparecimento de uma nova

categoria, que é a reprodução social e, que tem sua gênese no trabalho. Segundo

Lessa (2011), o trabalho é considerado como,

[...] a categoria fundante do mundo dos homens porque, em primeiro lugar, atende à necessidade primeira de toda a sociabilidade: a produção dos meios de produção e de subsistência, sem os quais nenhuma vida social poderia existir. Em segundo lugar, porque o faz de tal modo que já apresenta, desde o seu primeiro momento, aquela que será a determinação ontológica decisiva do ser social, qual seja, a de que, ao transformar o mundo natural, os seres humanos também transformam a sua própria natureza, o que resulta na criação incessante de novas possibilidades e necessidades históricas, tanto sociais como individuais, tanto objetivas quanto subjetivas (LESSA, 2011, p. 142).

Netto e Braz (2012, p. 46) discutem este tema retratando que o trabalho

sociabiliza o homem porque é um processo realizado necessariamente em relação

com outros homens, é uma atividade coletiva e, reitera que, “esse caráter coletivo da

atividade do trabalho é, substantivamente, aquilo que se denominará de social”.

“Estamos afirmando que foi através do trabalho que a humanidade se constituiu

como tal” (Idem, grifo do autor).

O trabalho enquanto categoria que sociabiliza o homem também é possuidor

de outra característica que é o valor de uso, pois, produz aquilo que lhe será útil,

para atender determinadas necessidades, ou seja, o homem produz com o trabalho

o necessário para satisfazer suas necessidades vitais, para reproduzir sua

existência. O trabalho é, portanto, “atividade orientada a um fim para produzir

Page 42: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

40

valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas,

condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza” (MARX, 1983, 153,

apud LESSA, 2011, p. 146).

Netto & Braz (2012, p. 67) demarcam o primeiro ajuntamento coletivo de

seres humanos como surgindo “acerca de uns quarenta mil anos [...] quando os

primeiros grupos propriamente humanos surgiram sobre a Terra”. Nesse

ajuntamento, denominado de comunidade primitiva por Netto & Braz (2012), a

produção dos meios de subsistência eram distribuídos entre os membros da

comunidade, ou seja, o produto do trabalho de todos era repartido para a

comunidade, porque neste período todos eram donos – proprietários - dos meios

que garantiam a sobrevivência de todos os membros que compunham a

comunidade. Nesse contexto,

[...] Se a propriedade dos meios de produção fundamentais é coletiva (como na comunidade primitiva), tais relações são de cooperação e ajuda mútua, porque os produtos do trabalho são desfrutados coletivamente e nenhum membro do grupo humano se apropria do fruto do trabalho alheio; se tal propriedade é privada, particular (de um membro do grupo, de um conjunto de membros), as relações decorrentes são de antagonismo, posto que os proprietários dos meios de produção fundamentais apropriam-se dos frutos do trabalho dos produtores diretos, ou seja, estes são explorados por aqueles, [...] em síntese, na propriedade privada está a raiz das classes sociais (NETTO & BRAZ 2012, p. 71-72).

A comunidade primitiva é superada por outros modos de produção5, mais

evoluídos enquanto relações sociais e processos produtivos, mas não

necessariamente, em questões de igualdade, como expressam Netto & Braz (2012),

ao relatar o surgimento das classes sociais, no modo de produção capitalista,

A existência dessas duas categorias de homens (e já sabemos que se trata de duas classes sociais) não é produto de um acidente qualquer ou de uma lei da natureza – ela resulta de um processo histórico que se operou do final do século XV até meados do século XVIII, constituindo a acumulação primitiva ou originária, num ciclo que Marx chamou de “pré-história do capital e do modo de produção que lhe é próprio”. [...] Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista. [... Trata-se do] processo de separação do trabalhador da propriedade das condições de seu trabalho, um processo que transforma, por um lado,

5 A comunidade primitiva é superada pelo escravismo, posteriormente pelo feudalismo e por fim, pelo

capitalismo (este por sua vez, sofre diversas superações dentro do próprio sistema). Para uma melhor compreensão sobre esses modos de produção, consultar (Netto e Braz 2012, capítulo 2).”[...] cada modo de produção apresenta leis que lhe são peculiares, [...] cada época histórica, marcada pelo modo de produção nela dominante, tem suas próprias leis de desenvolvimento (Idem, p. 73)”.

Page 43: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

41

os meios sociais de subsistência e de produção em capital, por outro os produtores diretos em trabalhadores assalariados (MARX, 1984, I, 2, p. 262, apud, Netto & Braz 2012, p. 99)

O estudo do trabalho enquanto categoria que é imprescindível na constituição

do homem como ser social, que aprende a viver em sociedade, que utiliza a

natureza de forma útil para atender suas necessidades, revela a diferença entre esta

categoria do trabalho, para aquela exercida na sociedade capitalista.

Os sujeitos entrevistados para esta pesquisa, também são produtores e

proprietários dos meios de produção de suas mercadorias e como tal, imprimem aos

trabalhadores que participam dos seus processos produtivos, o caráter de

separação do trabalhador dos próprios meios para promover sua sobrevivência e da

condição de sociabilidade. Além disso, esses pequenos produtores, reproduzem a

mesma degradação do trabalho que os grandes capitalistas, como veremos no

próximo capítulo. Dentro do exposto até agora, quais os aspectos principais que

diferem o trabalho em seu sentido ontológico do trabalho no modo de produção

capitalista?

2.3 O trabalho na formação da sociedade capitalista

A sociedade capitalista ou o modo de produção6 capitalista surge no Ocidente

de acordo com Netto & Braz (2012), em substituição ao sistema feudal, no decurso

entre os séculos XVIII e XIX. O sistema capitalista é predominante até os dias de

hoje e em escala mundial. Sua conjuntura ocorreu através de muitas evoluções e

transformações desde o seu início até o século em que vivemos – século XXI.

6 Modo de produção é a articulação entre forças produtivas e relações de produção. As forças

produtivas são formadas pelo conjunto de: meios de trabalho (tudo aquilo de que se vale o homem para trabalhar, instrumentos, ferramentas, instalações, etc., bem como a terra, que é um meio universal de trabalho); objetos de trabalho (tudo aquilo - matérias naturais brutas ou matérias naturais já modificadas pela ação do trabalho - sobre que incide o trabalho humano) e a força de trabalho (trata-se da energia humana que, no processo de trabalho é utilizada para, valendo-se dos meios de trabalho, transformas os objetos de trabalho em bens úteis à satisfação de necessidades). As relações de produção fazem parte do modo de produção porque o trabalho é, por sua própria condição, um processo social, ainda quando realizado individualmente; as forças produtivas operam dentro de relações determinadas entre os homens e a natureza e entre os próprios homens Netto & Braz (2012, p.70-71-72).

Page 44: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

42

Para uma melhor compreensão sobre a diferença do trabalho exercido

anterior a produção capitalista e no seu modo de produção constitutivo,

explanaremos sobre as características principais7 da produção mercantil simples

(PMS) e da produção mercantil capitalista (PMC).

Basicamente, de acordo com Netto & Braz (2012, p. 109), a diferença entre os

dois modos de produção reside nos seguintes aspectos, a PMS “tem no dinheiro um

mero meio de troca e cujo objetivo é a aquisição das mercadorias de que carece e

que, portanto, vende para comprar”. Já na PMC, “o capitalista compra para vender,

isto é, o que ele visa com a produção de mercadorias é obter mais dinheiro”,

portanto, “o lucro constitui seu objetivo, a motivação e a razão de ser do seu

protagonismo social” (Idem, 109).

A produção de bens como valores de uso anterior a sociedade capitalista é

caracterizada como produção mercantil simples por Netto & Braz (2012). A PMS era

realizada através de “dois pilares: o trabalho pessoal e o fato de artesãos e

camponeses nela envolvidos serem os proprietários dos meios de produção que

empregavam. [...] esse tipo de produção não implicava relações de exploração”,

havia uma divisão de tarefas, uma divisão social do trabalho executado, porém a

relação entre os trabalhadores era de ajuda e cooperação, “o camponês trabalhava

solidariamente com membros da sua família e o mestre-artesão compartilhava as

condições de trabalho e de vida de seus aprendizes e jornaleiros” (NETTO & BRAZ,

2012, p.94).

O maior interesse na PMS era adquirir os meios para a subsistência, o

comércio era basicamente realizado através da troca, e o dinheiro não tinha

centralidade para os produtores, pois, “o dinheiro lhe servia exclusivamente como

meio de troca – o dinheiro funciona aqui como simples intermediação entre

mercadorias diferentes” (Idem, p. 95).

7 Não se pretende aqui esgotar o histórico de características e particularidades que envolvem a

constituição do modo de produção capitalista, não com a pretensão de diminuir a suma importância da discussão, porém, o foco deste estudo é o trabalho informal e, também, porque o tempo que permeia este estudo não me permite tão grande discussão. A explanação de algumas características do modo de produção capitalista vem promover uma maior compreensão da crítica feita a constituição da classe trabalhadora hoje.

Page 45: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

43

O processo produtivo dos feirantes entrevistados para esta pesquisa tem em

comum com a produção mercantil simples, o trabalho pessoal dos feirantes em

solidariedade com membros de sua família, no caso dos sujeitos da pesquisa, com

seus cônjuges. A divisão do trabalho é pautada na cooperação, em que um ajuda o

outo, nas funções que lhe cabem, inclusive indo trabalhar na feira juntos de

madrugada, já que o lucro do trabalho será usufruído por ambos. Mas diferencia-se

porque seus interesses estão centralizados no dinheiro, tendo em vista que desejam

conquistar um maior rendimento e uma melhor qualidade de vida, de acordo com

suas falas.

Geralmente, os homens fazem a compra do material e o corte do tecido, além

de levar e trazer as peças para as costureiras. As mulheres providenciam a

modelagem das roupas e levam inicialmente até as costureiras, para explicar como

querem a peça pronta. A administração dos pequenos empreendimentos em alguns

dos casos é exercida pelos homens, às vezes pelas mulheres e, a embalagem e

etiquetagem da mercadoria geralmente são feitas pelo casal. No cotidiano de

trabalho na feira, muitas vezes, surgem conversas entre os cônjuges sobre o que

podem gastar ou não naquele dia, para compras pessoais de algum produto na feira,

falam das contas a pagar e outras despesas, mostrando que ambos interagem sobre

a parte administrativa e que muitas das decisões são feitas em comum acordo.

Netto & Braz (2012, p.96) continuam sua explanação diferenciando os dois

modos de produção em questão, enquanto a PMS é voltada para o autoconsumo, a

PMC é voltada para o lucro, seu processo é adquirir mais dinheiro, acumular capital.

Há uma divisão de tarefas, divisão social do trabalho, porém, na PMC o produtor é

destituído dos meios de produção, que agora pertencem ao capitalista, o único bem

que o produtor possui é a sua força de trabalho, que é vendida por um valor

denominado de salário, apesar de os meios de produção pertencer ao capitalista,

“não é ele quem trabalha – ele compra a força de trabalho que, com os meios de

produção que lhe pertencem, vai produzir mercadorias”.

A produção de mercadorias dos sujeitos pesquisados, como já explanado

acima, tem características da produção mercantil simples e da capitalista. Assim, a

heterogeneidade na constituição do processo produtivo dos feirantes pesquisados

possui características dos dois modos de produção aqui estudados. Diferencia-se da

Page 46: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

44

produção mercantil capitalista, porque os feirantes trabalham não apenas na

administração, mas também, fazem parte do processo produtivo de suas

mercadorias e são eles que vão vender de madrugada na feira. Ao trabalharem em

parte do processo de produção e na venda de suas mercadorias, os feirantes

colocam seu trabalho pessoal e sua relação familiar de trabalho com seus cônjuges,

também é característica da produção mercantil simples.

A produção de mercadorias dos feirantes se iguala a produção mercantil

capitalista por que eles são proprietários de parte dos meios de produção, já que

dentre os dez sujeitos da pesquisa, apenas um possui o maquinário, os

trabalhadores assalariados e contratados formalmente e a matéria prima para

produzir suas roupas. Os demais sujeitos entrevistados possuem como propriedade

dos meios de produção parte da matéria prima, como o tecido e alguns acessórios

que são colocados nas roupas, por exemplo, os botões, dentre outros. Porém, o

maquinário e os trabalhadores são terceirizados, não são assalariados e trabalham

informalmente, caracterizando a exploração do trabalhador, própria da produção

mercantil capitalista.

A PMC tem ainda três características que lhe é intrínseca e que a diferencia

da PMS, de acordo com Netto & Braz (2012), são a relação de exploração do

trabalhador, fundada no modo de produção capitalista, as crises do sistema

capitalista, que lhe são inerentes e cíclicas, e também, a alienação dos

trabalhadores promovida pelo sistema.

Como explanado anteriormente, o capital compra a força de trabalho através

do salário, e o “valor da força de trabalho é determinado pelo tempo de trabalho

socialmente necessário para produzir os bens que permitem a sua manutenção (ou

reprodução)” (NETTO & BRAZ, p. 113), ou seja, o trabalhador deveria receber o

salário que equivale à determinada quantidade de produtos/mercadorias a serem

produzidas na jornada de trabalho.

Porém, durante a jornada, o trabalhador produz além do equivalente ao seu

salário, ele gera mais valor que o que ele recebe para produzir. Esse valor a mais é

Page 47: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

45

denominado de mais valia8, é um valor excedente, sobre o qual, o trabalhador não

recebe o proporcional pelo trabalho investido na produção, a “relação

capitalista/proletário, consiste, pois, na expropriação (ou extração, ou extorsão) do

excedente devido ao produtor direto (o trabalhador): é nessa relação de exploração

que se funda o MPC” (NETTO & BRAZ, p. 114, grifo do autor).

[...] aquilo que importa ao capitalista é o tempo de trabalho excedente – se é nesta parte da jornada que se produz o excedente de que ele vai apropriar-se, interessa-lhe a ampliação desta parte da jornada. Um modo de ampliar o tempo de trabalho excedente consiste na extensão da jornada de trabalho sem alteração do salário: aumentando-se a duração da jornada (dez, doze, catorze horas, etc.), conserva-se a mesma duração do tempo de trabalho necessário e se acresce o tempo de trabalho excedente (NETTO & BRAZ, p. 121, grifo do autor).

O modo de produção capitalista procura cada vez mais aumentar o seu lucro,

acumular capital e isto é possível quanto mais se apropria e extrai trabalho

excedente. A extensão da jornada de trabalho possui segundo Netto & Braz (2012,

p. 121) dois obstáculos à sua real concretização, um refere-se a questões

biológicas, ou seja, da própria capacidade física da realização do trabalho pelo

homem, que pode se extenuar devido o excesso de trabalho e, “é isso o que explica,

entre outras razões, o fato de o Estado burguês limitar legalmente a jornada, para

preservar a reprodução da força de trabalho em benefício dos interesses gerais do

capital”. O segundo obstáculo está relacionado com a natureza política que envolve

esta relação de exploração, que “é a resistência e as lutas dos trabalhadores contra

jornadas estendidas, protagonizadas pelo movimento operário” (Idem, p. 121) que

proporcionou a limitação legal da jornada do trabalho pelo Estado.

Neste contexto, com a necessidade constante de extrair mais valia dos

trabalhadores para aumentar o seu lucro e, impossibilitados de estender de forma

exponencial a jornada de trabalho, o capitalista promove sempre estratégias para

acumular mais e mais capital. As possibilidades vão surgir por meio do aumento do

ritmo do trabalho, que se dá, segundo Netto & Braz (2012, p. 122),

Através de uma série de controles impostos aos operários – que incluem vigilância a todos os seus atos na unidade produtiva até a cronometragem e determinação dos movimentos necessários à realização das suas tarefas -, o capitalista os obriga a trabalhar a um

8 Mais valia: o lucro do capitalista [...] se concretiza a forma típica que o excedente econômico adquire

no MPC – excedente apropriado pelo capitalista, fonte de seu lucro e que se denomina de mais-valia. Neto & Braz (2012, p. 110-111)

Page 48: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

46

ritmo tal que, sem alterar a duração da jornada, produzem mais mercadorias e mais valor que sem esses controles. Realmente, “se o empregador puder levar seus operários a fazer, sem pagamento extra, numa hora o mesmo que antes faziam em duas [...], terá as mesmas vantagens que se tivesse duplicado o dia de trabalho” (EATON, 1965, p. 101, apud, NETTO & BRAZ 2012, p. 122).

A feirante desta pesquisa, que tem em seus moldes as características do

modo de produção capitalista, foi entrevistada em sua residência que também é a

sua fábrica. O horário da entrevista deu-se no horário de trabalho das costureiras e

foi conduzida no escritório. De lá era possível visualizar em uma tela as imagens das

câmeras voltadas para as trabalhadoras e pela própria fala da entrevistada, o

controle visual ajuda no controle da produção. Como o seu processo produtivo não

envolve grandes tecnologias para aumentar a produção das peças, a estratégia

criada para o aumento da produção foi o sistema de vigilância. De seu escritório,

que fica no espaço onde as costureiras trabalham, ela observa e fala com suas

funcionárias através de um microfone, solicitando alguma atividade.

Os demais feirantes que se utilizam de mão de obra terceirizada procuram

aumentar o lucro procurando as costureiras que oferecem menores preços e boa

qualidade ao mesmo tempo. A exigência para estas trabalhadoras, além da

qualidade do serviço é na pressa para entrega da mercadoria pronta. Levando em

conta que a maioria dos entrevistados trabalha na quinta-feira e no domingo, as

costureiras tem entre três e quatro dias entre cada feira para produzir os lotes de

roupas. As costureiras que não se adequam as necessidades de qualidade e preço,

são facilmente substituídas por outras, por não trabalharem com carteira assinada.

As crises por sua vez, além de inerente ao modo de produção capitalista

perpassam todo o seu desenvolvimento até a contemporaneidade. Netto & Braz

(2012, p. 169) relatam que inicialmente as crises ocorriam de forma localizada, à

primeira crise - 1825 - afetou basicamente a Inglaterra, país onde se deu início o

processo do modo de produção capitalista, porém, “desde 1847-1848, elas

passaram a ganhar dimensão mundial”, assim,

A história, real e concreta, do desenvolvimento do capitalismo, a partir da consolidação do comando da produção pelo capital, é a história de uma sucessão de crises econômicas – de 1825 até às vésperas da Segunda Guerra Mundial, as fases de prosperidade econômica foram catorze vezes acompanhadas por crises; a última explodiu em 1937/1938, mas foi interrompida pela guerra. Em pouco mais de um século, como se constata, a dinâmica capitalista revelou-se

Page 49: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

47

profundamente instável, com períodos de expansão e crescimento da produção sendo bruscamente cortados por depressões, caracterizadas por falências, quebradeiras e, no que toca aos trabalhadores, desemprego e miséria. [...] No século XX, a crise que se abriu em 1929 teve consequências catastróficas (NETTO & BRAZ, 2012, p. 169).

Não há, no entanto, um fator único que culmine em crise no sistema

capitalista, mas sim, diversos fatores resultantes do próprio movimento do capital,

como explicam Netto & Braz (2012, p. 173), da própria “dinâmica contraditória” do

modo de produção capitalista. As crises como já explicado acima ocorrem em certos

espaços de tempo, não de forma programada, mas dentro do que Netto & Braz

(2012, p. 172) denominam de “ciclo econômico” que é contínuo, constituído de

quatro estágios, “a crise, a depressão, a retomada e o auge” (Idem).

Netto & Braz (2012, p. 172) explanam resumidamente cada estágio. A crise

pode explodir a qualquer momento por um “incidente econômico ou político

qualquer”. Neste processo ocorre que,

Bruscamente, as operações comerciais se reduzem de forma dramática, as mercadorias não se vendem, a produção é enormemente diminuída ou até paralisada, preços e salários caem, empresas entram em quebra, o desemprego se generaliza e as camadas trabalhadoras padecem a pauperização absoluta (NETTO & BRAZ, 2012, p. 172).

Após o início da crise, ocorre o estágio seguinte que é denominado de

depressão, de acordo com Netto & Braz (2012), com as seguintes características,

[...] o desemprego e os salários mantêm-se no nível da fase anterior, a produção permanece estagnada, as mercadorias estocadas ou são destruídas ou parcialmente vendidas a baixo preço. As empresas que sobrevivem procuram soluções tecnológicas para continuar com alguma escala de produção, mesmo com preços baixos para as suas mercadorias; buscam, sobretudo, apoderar-se de mercados e fontes de matérias-primas – quando esse movimento, mais a concorrência entre elas, sinaliza a possibilidade de recuperação, criam-se estímulos para fomentar a produção (NETTO & BRAZ, 2012, p 172-173).

Dando continuidade ao ciclo econômico que envolve as crises periódicas do

sistema capitalista, Netto & Braz (2012), descrevem sobre o terceiro estágio deste

ciclo,

Este é o quadro da retomada (ou reanimação): as empresas que sobrevivem absorvem algumas das que quebraram, incorporam seus equipamentos e instalações, renovam seus próprios equipamentos e começam a produzir mais. O comércio se reanima, as mercadorias escoam, os preços se elevam e pouco a pouco diminui o

Page 50: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

48

desemprego. A produção se restaura nos níveis anteriores à crise e se transita para a fase seguinte, e última do ciclo (NETTO & BRAZ, 2012, p. 173).

O quarto e último estágio das crises capitalistas, trata-se segundo os autores,

[...] do auge (boom): a concorrência leva os capitalistas a investir nas suas empresas, a abrir novas linhas e frentes de produção e esta é largamente ampliada, lançando no mercado quantidades cada vez maiores de mercadorias. O crescimento da produção é impetuoso e a euforia toma conta da vida econômica: a prosperidade está ao alcance da mão. Até que... um detonador qualquer evidencia de repente que o mercado está abarrotado de mercadorias que não se vendem, os preços caem e sobrevém nova crise – e todo o ciclo recomeça (NETTO & BRAZ, 2012, p. 173).

Apesar dos sujeitos da pesquisa serem pequenos empreendedores, as crises

também podem afetá-los externamente e internamente. Externamente porque a

elevação dos preços da matéria prima afeta diretamente o custo da mercadoria. Este

é um dos motivos que levam, por exemplo, esses pequenos produtores a mudarem

às vezes de tipo de tecido, utilizando um com o custo mais baixo. A crise geral da

economia eleva o desemprego afetando esses pequenos produtores, porque cai o

volume de vendas, que é a fonte de seus rendimentos. Internamente, a falta de

preparo técnico para uma competente administração, mesmo que o movimento

financeiro seja pequeno, pode acarretar em grandes prejuízos, porque o pouco que

possuem, afinal, é tudo o que eles têm. Veremos o exemplo na análise das

entrevistas, de uma feirante que devido a uma crise administrativa seguida de um

assalto em que perdeu uma quantia alta de dinheiro, está há dois anos tentando sair

de uma crise.

A terceira característica inerente ao modo de produção capitalista que será

abordada agora é a alienação. Esta se processa no interior da sociedade capitalista,

de acordo com Netto & Braz (2012, p. 57), é uma característica própria de

sociedades que possuem a “divisão social do trabalho e a propriedade dos meios de

produção”, portanto, própria da sociedade capitalista, e neste processo, a alienação

ocorre em “sociedades nas quais o produto da atividade do trabalhador não lhe

pertence, nas quais o trabalhador é expropriado – quer dizer, sociedades nas quais

existem formas determinadas de exploração do homem pelo homem” (Idem).

O modo de produção capitalista permite que as relações sociais, que

envolvem a produção material da sociedade, através do trabalho e suas relações,

Page 51: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

49

expropriam do trabalhador não apenas os meios de produção, como também, o seu

pertencimento naquilo que produz, a sua relação enquanto ser produtivo, enquanto

ser humanizado pelo trabalho e, a alienação não se extingue no processo de

exploração, mas sim, se estende a toda a sociedade (NETTO & BRAZ 2012). Desta

forma a alienação,

Com seus fundamentos na organização econômico-social da sociedade, na exploração, a alienação penetra o conjunto das relações sociais. Manifestando-se primariamente nas relações de trabalho (entre o trabalhador, seus instrumentos de trabalho e seus produtos), a alienação marca as expressões materiais e ideais de toda a sociedade – esta e seus membros movem-se numa cultura alienada que envolve a todos e a tudo: as objetivações humanas, alienadas, deixam de promover a humanização do homem e passam a estimular regressões sociais (NETTO & BRAZ 2012, p.57).

Montaño & Duriguetto (2011, p. 102) fazem uma crítica aos autores que

reduzem a dimensão e importância da alienação na sociedade capitalista, avaliando

a alienação apenas como fator econômico, no sentido da exploração do trabalho, da

“separação entre produtor e seu produto, assim como a alienação da atividade

mesma da produção”. Os autores expõem as três dimensões que constituem a

alienação na sociedade capitalista.

A primeira é sobre a relação que o trabalhador possui com o produto de seu

trabalho, que caracteriza como “exploração de parte do valor por ele criado,

apropriado pelo capital mediante a relação salarial (de compra/venda de força de

trabalho) [...] implicando „a perda do objeto, do seu produto‟”. A relação entre o

trabalhador com o produto que ele fabrica é de estranhamento, de não

pertencimento do trabalhador com aquilo que produz (MONTAÑO & DURIGUETTO,

2011, p. 102).

A segunda dimensão é a “relação do trabalhador com o ato da produção

dentro do trabalho: alienação, no processo produtivo, do controle e determinação do

próprio processo de produzir objetos”. Neste contexto, o trabalhador não é

expropriado apenas dos meios de produção, como também, das etapas que

compõem a produção total do objeto, devido à divisão social do trabalho.

Caracteriza-se, portanto, a perda do sentido ontológico do trabalho, em que o

trabalhador não cria mais aquilo que produz, ele passa a realizar e conhecer apenas

uma parte do processo de produção, com ações mecanizadas, controladas e

Page 52: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

50

desumanizadas, intensificadas a partir da instauração do processo de produção

taylorista e fordista e, mais ainda, no processo produtivo toyotista, que será

explanado no próximo capítulo (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p. 102).

A terceira e última dimensão, termina de compor as características que

formam a consciência alienada dos trabalhadores. Os sujeitos vivem sem uma

percepção crítica de sua condição social, impedindo de se colocar como sujeito da

história, para transformar esta realidade que o cerca, Montaño & Duriguetto (2011)

refletem que esta dimensão é a,

[...] relação do trabalhador com o ser social: alienação, na compreensão de si próprio, da natureza e da realidade social, sem compreender os fundamentos da sociedade capitalista ou dos fenômenos que o rodeiam; aqui o sujeito não se reconhece como produtor das coisas, como sujeito da história. Neste caso, observa Marx, quatro aspectos constitutivos (ver Marx, 2001, p. 115-118): a) a alienação do homem em relação à natureza; b) alienação de si mesmo assim como da sua espécie (do ser humano-genérico); c) alienação do próprio corpo (transformado em mercadoria, que vende ao capital) da sua vida intelectual, da sua vida humana; e d) alienação do homem em relação ao homem MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p, 102-103).

A alienação, portanto, perpassa todo o processo produtivo no modo de

produção capitalista, desde o trabalho e seus processos, como também, o campo

das ideias, do intelecto. Neste contexto, a alienação também afeta os sujeitos da

pesquisa que, em busca de superar, como será exposta em detalhes na análise das

entrevistas, a precarização das condições de vida e de trabalho em que viviam,

acabam por reproduzir, aos sujeitos que compõem o processo produtivo de suas

mercadorias, o mesmo caráter desumano, alienado e explorador do sistema

capitalista. Vê-se que eles não percebem que imprimem aos demais, as mesmas

condições degradantes que alguns deles procuraram se desvincular.

Lessa (2011) coloca que o homem não exerce mais o trabalho como forma de

sociabilidade, de forma livre, em uma sociedade onde não havia exploração do

homem pelo homem e que, o mesmo tinha o controle de sua vida, e do processo de

produção por inteiro, unia o trabalho intelectual e criativo com o trabalho manual,

braçal. O homem aproveitava o trabalho com toda a sua potencialidade, utilizando

sua criatividade e sua força física. Na sociedade capitalista,

[...] O trabalho deixa de ser a manifestação das forças vitais do próprio trabalhador para se converter na potência da classe

Page 53: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

51

dominante sobre o trabalho explorado. Agora, com a luta de classes permeando o cerne do processo produtivo, a “subordinação” do corpo e da “vontade” do trabalhador indispensável à produção se torna muito mais intensa, muito mais dura, já que passa a ser a mediação pela qual se afirma a alienação do próprio trabalhador. É para exercer este controle que ocorre a separação do trabalho intelectual do trabalho manual. O trabalho intelectual passa a ser a direção e o controle que se impõe do exterior do trabalho sobre os trabalhadores. É por isso que o trabalho intelectual e o trabalho manual “separam-se até se oporem como inimigos” (MARX, 1985, apud LESSA, 2011, p. 156).

De acordo com Netto & Braz (2012) a divisão entre trabalho manual e

intelectual foi utilizada desde o início do desenvolvimento do modo de produção

capitalista, sendo consolidado pela divisão do trabalho e pela especialização das

atividades, afastando cada vez mais, o trabalhador do conhecimento que envolve

todo o processo produtivo. O trabalhador que antes do modo de produção capitalista

realizava o processo de produção de determinado produto do começo até o fim,

passa a produzir apenas uma atividade referente a produção deste produto. O

trabalho passa a ser fragmentado e o trabalhador passa a desconhecer o processo

produtivo daquilo que produz.

Netto & Braz (2012) afirmam que este processo de separação do trabalho

manual do intelectual gera duas especializações do trabalho, primeiramente

promove,

[...] à destruição dos saberes de ofício que permitiam ao trabalhador o conhecimento técnico do conjunto das operações necessárias à produção de certo bem; alocado a uma única e determinada tarefa, que repetirá ao longo de todas as jornadas de trabalho, o trabalhador será despojado dos seus conhecimentos e perderá o controle de suas tarefas (e, portanto, perderá muito do seu poder de barganha em face do capitalista) (NETTO & BRAZ, 2012, p. 125).

Após essa especialização inicial do trabalho, em conformidade com o

desenvolvimento do processo produtivo, Netto & Braz (2012) colocam que passa a

surgir uma distinção na força de trabalho, gerando outra especialização,

possibilitada ainda pela Revolução Industrial no último terço do século XVIII,

[...] de um lado, criará uma pequena parcela de trabalhadores altamente especializados, que disporá de condições de negociar em posição de força com capitalista; mas, de outro, desqualificará a maioria das atividades produtivas, na medida em que a divisão do trabalho multiplica atividades simples [...]. É então que se instaura a produção especificamente capitalista, implementada através de máquinas [...] e típica da grande indústria. Nesta, o capital subordina por inteiro (formal e realmente) o trabalho pelo controle do processo de trabalho: o trabalhador passa a ser um apêndice das máquinas, a

Page 54: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

52

sua desqualificação se acentua e igualmente aprofunda a divisão do trabalho (grifos do autor) (NETTO & BRAZ, 2012, p. 125-126).

Ligado à alienação, o fetichismo vem aprofundar e desregular as relações

sociais no modo de produção capitalista, que degrada a relação homem e trabalho,

homem e sociedade. Em suma, as relações sociais, transformando-as em uma

relação entre coisas, entre mercadorias. Netto & Braz (2012, p. 105) discursam

sobre esta função do fetichismo na sociedade capitalista, como o “fetichismo da

mercadoria”. Nesse tipo de sociedade, “os homens não são valorizados (e nem se

valoram a si mesmos) pelo que são, mas sim pelo que têm – nessas sociedades, o

ter subordina o ser” (Idem).

Antunes (2013) na apresentação do livro A dialética do trabalho I, que reúne

trechos e textos de Karl Marx e Friedrich Engels, retrata de forma resumida, a

diferença do trabalho ontológico para o trabalho na sociedade capitalista.

[...] se, por um lado, podemos considerar o trabalho como um momento fundante da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro, a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. O que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de subsistência. A “força de trabalho” (conceito-chave em Marx) torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade é criar novas mercadorias e valorizar o capital. Converte-se em meio, e não primeira necessidade de realização humana (ANTUNES, 2013, p. 8).

O exposto até agora sobre o trabalho e sua diferença entre atividade que

sociabiliza e constitui o homem como ser social e, o trabalho no modo de produção

capitalista que desregula essas relações e degrada o processo de humanização do

homem, tem relevância para este estudo, visto que o modo de produção capitalista é

o modo de produção e reprodução social instituído e utilizado até os dias atuais.

Também como explanado anteriormente, o processo produtivo dos sujeitos da

pesquisa possui algumas características dos modos de produção aqui estudados e,

essa heterogeneidade, o hibridismo entre os dois modos de produção, é

justamente uma das marcas do capitalismo pós-fordista em uma nova fase do

capitalismo, marcado pela fragmentação e por uma nova divisão/organização do

trabalho, que será explanado no próximo capítulo.

Houve muitas modificações no processo constitutivo, evolutivo e de

desenvolvimento do modo de produção capitalista desde o período de sua

implementação até o atual século, mas as modificações não alteraram suas bases

Page 55: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

53

fundamentais que são a propriedade privada dos meios de produção e a exploração

dos trabalhadores (NETTO & BRAZ 2012). De acordo com os autores,

A história do capitalismo – a sua evolução - portanto, é produto da interação, da imbricação, da intercorrência do desenvolvimento de forças produtivas, de alterações nas atividades estritamente econômicas, de inovações tecnológicas e organizacionais e de processos sociopolíticos e culturais que envolvem as classes sociais em presença numa dada quadra histórica. E todos esses vetores não só transformam eles mesmos: as suas interações também se alteram no curso do desenvolvimento do MPC (NETTO & BRAZ 2012, p. 182-183).

As modificações que perpassam o desenvolvimento do sistema capitalista

envolvem, portanto, não só o processo produtivo, cada vez mais incrementado na

obtenção de lucros e na exploração dos trabalhadores, como também, alteram-se as

formas de ser do sistema capitalista, as suas estruturas, caracterizando sua

dinâmica e, constituindo as diversas fases que ao longo da história culminou com a

fase imperialista do capital, que vivenciamos nos séculos XX e XXI.

2.4 As mudanças ocorridas na estrutura do sistema capitalista

Uma proposta de elencar a evolução estrutural do sistema capitalista é

realizada por Netto & Braz (2012, p. 183), tendo como a primeira estrutura do capital

o estágio denominado de “capitalismo comercial (ou mercantil)”, período em que

o “papel do grupo social dos comerciantes/mercadores foi decisivo” (Idem). Para

situar este estágio no período histórico que lhe é próprio, Netto & Braz (2012, p. 183)

propõem realizar uma explanação a partir da “acumulação primitiva [...] e vai até os

primeiros passos do capital para controlar a produção de mercadorias e, nela,

comandar o trabalho, mediante o estabelecimento da manufatura [...], cobrindo do

século XVI a meados do século XVIII”.

Neste período histórico que constitui o início do modo de produção capitalista,

a burguesia era tida como uma classe revolucionária, segundo Netto & Braz (2012, p

183). Seus interesses eram aliados aos da população, “temos, à época, uma

burguesia de caráter audacioso, uma burguesia empreendedora, heroica mesmo,

Page 56: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

54

como se verifica dos seus inícios à sua marcha triunfal rumo à construção da nova

sociedade” (Idem).

Um novo estágio tem início na segunda metade do século XVIII, segundo

Netto & Braz (2012, p 184), neste processo ocorrem alterações ligadas a,

[...] mudanças políticas (está a completar-se a Revolução Burguesa, com a tomada do poder de Estado) e técnicas (vai irromper a Revolução Industrial); nesse estágio, o capital – organizando a produção através da nascente grande indústria – dará curso ao processo que culminará na subsunção real do trabalho [...]. Aproximadamente a partir da oitava década do século XVIII, configura-se esse segundo estágio do capitalismo, o capitalismo concorrencial

9 [...], que perdurará até o último terço do século XIX

(NETTO & BRAZ, 2012, p. 184).

É no capitalismo concorrencial que surgirá o mercado mundial, de acordo com

Netto & Braz (2012),

[...] os países mais avançados (e, nesse período, a liderança estará com a Inglaterra) buscarão matérias brutas e primas nos rincões mais afastados do globo e inundarão todas as latitudes com as suas mercadorias produzidas em larga escala – estabelecem-se vínculos econômicos (e culturais) entre grupos humanos separados por milhares e milhares de quilômetros. Povos, nações e Estados situados fora da Europa, que se mantinham isolados resistindo com recursos de força, são agora integrados mais pela via da invasão comercial que pela invasão militar (NETTO & BRAZ, 2012, p. 185).

O estágio do capitalismo concorrencial promove também uma maior

conscientização dos trabalhadores quanto à sua condição de exploração. O Estado

atua nesse estágio em consonância com os interesses capitalistas em detrimento da

classe trabalhadora, Netto & Braz (2012, p. 187) colocam que o Estado tinha suas

ações voltadas para “assegurar as condições externas para a acumulação

capitalista, o Estado intervinha no exclusivo interesse do capital”. Porém, com a

organização politizada dos trabalhadores, através das lutas, houve nesse período,

algumas conquistas como “a limitação legal da jornada de trabalho” e a

“regulamentação do trabalho feminino” (Idem, p. 188).

9 “A caracterização desse estágio como concorrencial explica-se em função das relativamente amplas

possibilidades de negócios que se abriam aos pequenos e médios capitalistas: na escala em que as dimensões das empresas não demandavam grandes massas de capitais para a sua constituição, a “livre iniciativa” (“iniciativa privada”) tinha muitas chances de se consolidar em meio a uma concorrência desenfreada e generalizada – embora as quebras e falências durante as crises afetassem especialmente os pequenos e médios capitais, estes dispunham de oportunidades de investimento lucrativo que, no futuro, seriam cada vez menores, já que, à medida que se desenvolvia o capitalismo, mais se faziam sentir os efeitos da concentração e da centralização (Netto e Braz 2012, p. 185-186)”.

Page 57: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

55

O capitalismo concorrencial finda seu estágio com uma mudança importante

na luta de classes, de acordo com Netto & Braz (2012, p. 188), a classe capitalista

de revolucionária, “converteu-se em classe conservadora: seu objetivo passou a ser

a manutenção das relações sociais assentadas na propriedade privada dos meios

fundamentais de produção, suportes da acumulação capitalista”. A classe

trabalhadora por sua vez, transforma-se no “sujeito revolucionário potencialmente

capaz para promover a transformação da ordem burguesa numa sociedade sem

exploração” (Idem, p. 187-188).

Em consonância com seu caráter dinâmico, seu movimento enquanto capital

em busca de mais acumulação de capitais, um novo estágio surge e é denominado

por Netto & Braz (2012) de estágio imperialista, assim,

Essa fusão dos capitais monopolistas industriais com os bancários constitui o capital financeiro, que ganhará centralidade no terceiro estágio evolutivo do capitalismo – o estágio imperialista, que se gestou nas últimas três décadas do século XIX e, experimentando transformações significativas, percorreu todo o século XX e se prolonga na entrada do século XXI (NETTO & BRAZ, 2012, p. 192).

Netto & Braz (2012, p. 193-194) colocam que o capitalismo imperialista

mantém algumas características do estágio anterior, porém, de forma mais

intensificada. Permanecem os monopólios e surgem os oligopólios10, permanece o

processo de desenvolvimento do capitalismo mundial, contudo, a exportação não se

dá apenas através de bens de consumo, exporta-se capital, ou seja, dinheiro.

A exportação de capitais como explanam Netto & Braz (2012, p. 195) gera

uma relação de “domínio e exploração entre credor e devedor, que se expressa

claramente nos vínculos entre monopólios (e os governos de seus países) e os

países (e seus governos) devedores”.

Todo o processo evolutivo do capitalismo até a sua mundialização gerou um

crescimento de forma diferenciada entre os países que se utilizam do sistema

capitalista, conforme Netto & Braz (2012, p. 199), foi um desenvolvimento desigual e

combinado. O desenvolvimento desigual se opera tanto no sentido de alguns países

10 No capitalismo imperialista há o incremento da oligarquia financeira com grande concentração de

capitais e com uma organização política antidemocrática, em que “um número reduzido de grandes capitalistas (industriais e banqueiros) concentra nas suas mãos a vida econômica do país – e, claro, não só dos seus países, mas ainda daqueles em que seus grupos econômicos atuam. Na medida em que detêm o poder econômico, esses poucos monopolistas dispõem de enorme influência política – em escala nacional e internacional” (NETTO & BRAZ, 2012, p. 194).

Page 58: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

56

terem se desenvolvido de forma muito superior em detrimento de outros, como a

própria permanência no poder torna-se inconstante, “a liderança entre países

desenvolvidos revelou-se mutável (pense na sucessão histórica desses países

líderes: Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos) e, ainda, países

atrasados puderam tornar-se países desenvolvidos e vice-versa” (Idem, p. 200).

O desenvolvimento combinado ocorre nos países atrasados por imposição

dos países desenvolvidos, de acordo com Netto & Braz (2012, p. 200), o que

caracteriza o desenvolvimento combinado é o fato de os países “atrasados

progridem aos saltos, combinando a assimilação de técnicas as mais modernas com

relações sociais e econômicas arcaicas – e esse progresso não lhes retira a

condição de economias dependentes e exploradas”.

Dependente e explorada também permanece a classe trabalhadora que,

segundo Netto e Braz (2012, p. 230), no sistema capitalista, todas as mudanças,

“todas as transformações implementadas pelo capital têm como objetivo

reverter a queda da taxa de lucro e criar condições renovadas para a

exploração da força de trabalho” (grifo do autor).

Apesar de o sistema capitalista ter enfrentado ao longo dos séculos diversas

transformações e crises, permanece como sistema econômico no século XXI e,

[...] não se confronta com nenhum desafio externo à sua própria dinâmica: impera na economia das sociedades mais desenvolvidas (centrais) e vigora na economia das sociedades menos desenvolvidas (periféricas). [...] Para dizê-lo em poucas palavras, na entrada do século XXI, o MPC

11 é dominante em todos os quadrantes do mundo,

configurando-se como um sistema planetário (NETTO & BRAZ, 2012, p. 108-109).

As bases que fundam o movimento constitutivo da sociedade capitalista

chegam ao século XXI, na cena contemporânea, com suas características principais

(exploração do trabalho, crises econômicas, alienação) cada vez mais

aprofundadas.

O trabalho na contemporaneidade e suas relações vêm ao longo dos anos,

sofrendo diversas modificações no que diz respeito à forma de produção, de

relações e contratações trabalhistas. Essas modificações acarretam sempre em

11 MPC: Modo de produção capitalista.

Page 59: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

57

novas formas de precarização e de desconstrução da legalidade do trabalho e dos

direitos sociais, em detrimento de diversas conquistas adquiridas pela luta de

trabalhadores, na busca por melhoria na qualidade de vida e das condições de

trabalho.

Neste contexto, o capitalismo na contemporaneidade, tem provocado a

elevação dos níveis de desigualdade social e do desemprego, como também, tem

exacerbado a desregulação e a informalização das relações de contratação

trabalhistas, aumentando o número de sujeitos vivendo sem os direitos relevantes

ao trabalho. O Estado cada vez mais promove ações que possibilitam a reprodução

do sistema capitalista, em detrimento da classe trabalhadora e da proteção social. A

cena contemporânea será marcada por retrações significativas no âmbito do

trabalho, aumentando a quantidade de sujeitos que passam a compor o mercado

informal, que será retratado através dos trabalhadores na Feira da Madrugada

(SILVA, 2012, p. 30).

Diante do exposto até agora sobre o trabalho na sociedade capitalista e suas

diferentes fazes de desenvolvimento, como se processa na contemporaneidade, as

relações entre a classe trabalhadora e a classe capitalista dominante? Quais as

estratégias do capitalismo na contemporaneidade para continuar com a exploração

dos trabalhadores? O que é e o que representa a reestruturação produtiva na

contemporaneidade?

Page 60: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

58

3 PROCESSOS PRODUTIVOS CONTEMPORÂNEOS E ECONOMIA INFORMAL

NA REALIDADE DA FEIRA DA MADRUGADA

O período do capitalismo contemporâneo inicia-se a partir da década de 1970

do século XX. A passagem da década de 1960 a 1970 foi acompanhada de uma

crise no sistema capitalista, que levou ao declínio uma fase denominada de “anos

dourados”. Foi um período em que ocorreram diversas mudanças em escala mundial

nos âmbitos social, econômico, político e cultural. A intensidade e rapidez dessas

mudanças têm incidido de forma significativa sobre Estados e nações (NETTO &

BRAZ, 2012).

Neste processo o trabalho no sistema capitalista contemporâneo passou

também por diversas mudanças, relativas aos seus processos de produção; as suas

relações entre classes e estas com o Estado e, a sua configuração no que diz

respeito as formas de inserção dos sujeitos no campo de trabalho.

As medidas para amortecer os efeitos da crise que marca a cena contemporânea mundial são movidas pela busca incessante do capital por superlucros e se sustentam na superexploração da classe trabalhadora mediante a extração do trabalho excedente. Tais medidas estão conectadas à reestruturação produtiva, à financeirização do capital e à redefinição das funções do Estado, que compõem a estratégia de enfrentamento da onda longa recessiva (Mandel, 1982), que se tornou evidente no início da década de 1970 (SILVA, 2012, p. 29-30)

Estas medidas acarretam ao mundo do trabalho na contemporaneidade

segundo Antunes (2012), uma “heterogeneização, fragmentação e complexificação

da classe trabalhadora”, que em consonância com a própria dinâmica do capital e

suas contradições, ocorre basicamente em três vias. Ao passo em que decresceu o

quantitativo da classe operária industrial tradicional, houve um aumento dos

trabalhadores assalariados principalmente no setor de serviços; a heterogeneização

se dá em parte pela inclusão do gênero feminino como operárias e a

subproletarização que caracteriza a precarização do trabalho. Todos os processos

que modificam o mundo do trabalho elevam em nível mundial o desemprego.

As mudanças no mundo do trabalho, segundo Antunes, (2012) ainda

promovem uma dupla dimensão que são a qualificação de pequena parcela de

Page 61: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

59

trabalhadores e a desqualificação da grande massa da classe trabalhadora. Por um

lado encontram-se aqueles que têm relativa segurança no trabalho e formam o

trabalho intelectualizado, em que os cargos ocupados requerem maior qualificação e

responsabilidade. Por outro se encontram os trabalhadores que têm suas funções

desqualificadas e ocupam cargos mais simples e diversos, tendo o agravante de

serem facilmente substituídos por outros trabalhadores.

Pode-se constatar, portanto, de um lado, um efetivo processo de intelectualização do trabalho manual. De outro, e em sentido radicalmente inverso, uma desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, presentes no trabalho precário, informal, temporário, parcial, sobcontratado etc. (ANTUNES, 2006, p. 62)

O trabalho informal é à base deste estudo, que foi realizado na Feira da

Madrugada em Fortaleza. No decorrer do capítulo este tema será aludido, assim

como, serão explanados alguns elementos para que se compreenda como se

inscreve o trabalho na contemporaneidade, relacionado aos processos produtivos

instaurados neste período. Como também, os traços que se assemelham e se

diferenciam com o processo produtivo e a dinâmica do trabalho informal que é

exercido na Feira da Madrugada.

Neste contexto, como se inscreve os processos de trabalho na

contemporaneidade? O que propiciou a crise entre as décadas de sessenta e

setenta? Como se constitui o trabalho antes e após a crise que se instaurou na

passagem entre as décadas de 1960 e 1970?

3.1 Processo produtivo fordista/taylorista e a política keynesiana: “anos

dourados” do capital

A década de sessenta inicia-se, conforme Netto & Braz (2012), com intenso

desenvolvimento econômico e taxas de lucro satisfatórias para o acúmulo de capital,

e mesmo sofrendo indagações e julgamentos negativos, a década de sessenta

configurava-se da seguinte forma,

[...] nos países capitalistas centrais, apesar das enormes desigualdades sociais, prometia-se aos trabalhadores a “sociedade

Page 62: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

60

afluente” – ademais da proteção social assegurada pelo welfare state, apontava-se para a possibilidade de um consumo de massa, cujo símbolo maior era o automóvel; nos países periféricos, projetos industrializantes apareciam como a via para superar o subdesenvolvimento. Nos centros, chegou-se a apregoar a “integração da classe operária”; nas periferias, o “desenvolvimentismo” era a receita para curar os males do atraso econômico (NETTO & BRAZ, 2012, p. 224).

O Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social designa-se ao período em

que ocorreu um forte incremento de políticas sociais, como também, o seu alcance

teve maior amplitude, através de um aparato institucional que promoveria os meios

para viabilizar essas políticas. Além dessas instituições outro aspecto contribuiu para

que se concretizasse o Estado de Bem-Estar Social. Tendo peso decisivo, o intenso

movimento sindical aliado aos partidos políticos e ao enorme quantitativo de

trabalhadores que agora preenchiam significativos postos de trabalho nas fábricas e

se associavam aos sindicatos, proporcionaram intenso fomento de políticas sociais,

mesmo que, apenas em alguns países capitalistas centrais. As políticas sociais

implementadas no Welfare State, tinham em seu viés, o modelo keynesiano, aliado

ao processo de produção taylorista-fordista, compreendendo o já citado, “anos

dourados” do capitalismo (NETTO & BRAZ 2012).

Esta fase é denominada como “capitalismo democrático”, proporcionado pelo

taylorismo-fordismo e o keynesianismo, época em que “anunciava-se um capitalismo

sem contradições, apenas conflitivo – mas no quadro de conflitos que seriam

resolvidos à base do consenso, capaz de ser construído mediante os mecanismos

da democracia representativa” (NETTO E BRAZ 2012, p. 224).

Behring (2009, p. 45-46) em seu estudo sobre a acumulação capitalista, o

fundo público e a política social no capitalismo contemporâneo, remete o leitor ao

período em que, na perspectiva de instaurar a social democracia no âmbito do

sistema capitalista, objetivou-se tornar realidade, uma forma de “compatibilizar

acumulação e equidade, cidadania e desigualdade de classes”.

Para exemplificar esta perspectiva, Behring (2009, p. 45-46) cita a importância

que a política social teve no período histórico em que foi implementado o modelo

keynesiano. O termo “keynesiano” se refere a uma corrente de pensamento que

surgiu durante a crise capitalista que teve início em 1929.

Page 63: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

61

A crise de 1929 se prolongou por quase toda a década de 1930. De acordo

com Montaño & Duriguetto (2011, p. 151) esta crise ocorreu em um período entre a

Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945),

gerando uma recessão econômica, com as seguintes características,

[...] queda abrupta da taxa de lucros, desvalorização de ações nas bolsas de valores, inflação, diminuição do PIB, quebradeira de indústrias e altíssimas taxas de desemprego. A isso se soma, no meio da Primeira Guerra, a Revolução Russa

12 (em 1917) e a consequente

“Guerra Fria13

” no segundo pós-guerra, dividindo o mundo (econômica, ideológica e militarmente) em dois grandes blocos de influência (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p. 151).

John Maynard Keynes14 elaborou algumas estratégias para o Estado gerir a

economia e a sociedade. Conforme Behring & Boschetti (2011, p. 83) ele “defendeu

a intervenção estatal com vistas a reativar a produção”, tendo o Estado como

regulador da economia. Sua proposta compunha também “um programa fundado em

dois pilares: pleno emprego e maior igualdade social” (idem, p. 86), portanto, o

Estado também exerceria o papel de regulador das relações sociais.

A proposta de Keynes (que escreveu um livro contento seus pensamentos,

intitulado de “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, publicado

primeiramente em 1936), de acordo com Montaño e Duriguetto (2011, p. 57),

orientava o Estado como regulador do mercado, que com sua ação interventiva na

economia, iria “desencorajar o capitalista a poupar (guardando seu dinheiro

improdutivamente), enquanto o incentiva a investir na atividade produtiva, gerando

mais empregos e maior renda, e impulsionando o consumo”.

12 Em 1917, na Revolução Russa dá-se início “a criação do primeiro Estado proletário, simbolizando

um conjunto de promessas há muito inscrito no imaginário dos trabalhadores, atraiu a simpatia e a adesão das vanguardas operárias, além de significar um duro golpe contra o imperialismo. Mais do que o efeito econômico da Revolução Russa [...], o que produziu um temor real na burguesia do Ocidente foi a possibilidade de “contágio”: para ela, tratava-se de isolar a experiência socialista e impedir que “seus” trabalhadores seguisses o exemplo que vinha do Leste – e, finalizada a Primeira Guerra Mundial, eram muitos os sinais que apontavam nessa direção”, como exemplo, o surgimento de Partidos Comunistas (Netto & Braz, 2012, p. 206). 13 “A “Guerra Fria” designa a tensão, desde o segundo pós-guerra (1945) até a extinção da União

Soviética (1991), entre [...] Estados Unidos (capitalista-imperialista, ou leste) e União Soviética (socialista-soviético, ou oeste). Marcou essa tensão a não agressão e confronto diretos entre as duas superpotências (a partir da certeza, num eventual conflito direto, da “destruição mútua assegurada”), substituídas por uma disputa “fria” que se travava na corrida armamentista [...] e no apoio aos diferentes lados nos diversos conflitos locais” (Montaño e Duriguetto, 2011, p. 154). 14 John Maynard Keynes (Inglaterra, 1883-1946) nasceu no final do período de auge do império

britânico e da expansão capitalista (no estágio concorrencial), e conviveu com as fortes crises e as duas guerras mundiais. Todo isso influenciou seu pensamento e sua prática política, que se orientaram para o enfrentamento e a superação da crise capitalista (Montaño e Duriguetto, 2011, p. 55).

Page 64: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

62

Behring & Boschetti (2011, p. 86-87) analisam o desenvolvimento dessas

novas técnicas de produção, denominadas de fordismo e de taylorista/Fayol, que

associadas, alavancaram a produção de mercadorias. A primeira criou um modo de

produção que combinava a eletricidade com a linha de montagem, seus princípios

eram “a produção em massa para o consumo de massa” e, a segunda, intensificou a

produção através da “decomposição do processo de trabalho” aliado ao “controle do

tempo” e, “novas estratégias de gestão, monitorando o fluxo de informações e da

autoridade”.

A novidade do fordismo não era pautada apenas na produção e consumo em

massa, mas também, de “uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma

nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade

democrática, racionalizada, modernista e populista (HARVEY, 1993: 121, apud,

BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 87)”.

Utilizando-se também de estudos de Harvey (1993), Montaño e Duriguetto

(2011, p. 138) colocam que o referido autor apresenta este período como o “Regime

de Acumulação Fordista/Keynesiano”, desenvolvido através de um,

[...] conjunto de práticas no processo de produção (taylorismo e fordismo), de controle do trabalho (gerência científica), de novas tecnologias (2ª Revolução Tecnológica), de hábitos de consumo (em massa) e das configurações de poder político-econômico (keynesianismo, Estado Providência, ou de “Bem-Estar Social”) (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p. 138).

Netto & Braz (2012, p. 122) denominam essas novas estratégias e técnicas

produtivas de “„Organização (ou gerência) científica do trabalho‟ que teve no

taylorismo o modelo que mais se difundiu”. Esses processos passam a utilizar a

ampliação do ritmo do trabalho, explorando mais o trabalhador, mediante uma

sucessão de processos de controle e vigilância sobre os operários.

Behring & Boschetti (2011) colocam que a junção desses modelos de

produção com o avanço tecnológico adquirido no período da Segunda Guerra

Mundial15 e, também, com o modelo de gestão keynesiano, se constituíram como,

15 [...] a inovação científico-técnica – que é decisiva na produção bélica – permite testar processos

produtivos e componentes que depois serão transladados para a indústria civil (são os chamados “subprodutos” da indústria bélica, que ulteriormente constituem elementos comuns a outros ramos da produção) (Netto & Braz, 2012, p. 197).

Page 65: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

63

[...] os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós-1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucros, elevação do padrão de vida das massas no capitalismo central, e um alto grau de internacionalização do capital [...] (BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 88).

Nesta perspectiva, Behring & Boschetti (2011, p. 88-89) relatam que esta fase

de acumulação capitalista se concretizou devido as condições econômicas, políticas

e culturais, em que as partes envolvidas, ou seja, a burguesia e os trabalhadores,

tiveram que se ajustar a esta nova realidade, através de concessões e acordos, não

sem perda para a classe trabalhadora, porém, com todas as implicações que essas

perdas possam ter causado.

Houve, naquele momento, uma melhoria efetiva das condições de vida dos trabalhadores fora da fábrica, com acessos ao consumo e ao lazer que não existiam no período anterior, bem como uma sensação de estabilidade no emprego, em contexto de pleno emprego keynesiano, diluindo a radicalidade das lutas e levando a crer na possibilidade de combinar acumulação e certos níveis de desigualdade (BEHERING & BOSCHETTI, 2011, p. 89).

O sucesso inicial dessa acumulação capitalista é denominada por Behring &

Boschetti (2011, p. 89) de “onda longa expansiva” ou “anos de ouro”, porém, esse

processo se manifestou em poucos países e, teve seu declínio no final da década de

1960, devido às contradições internas do movimento capitalista.

Dentre os motivos que contribuíram para a sustentação da “onda longa

expansiva” do capital, conforme Behring & Boschetti (2011, p. 89), encontram-se a

“revolução tecnológica, com a introdução da microeletrônica, e sobretudo, a derrota

histórica do movimento operário”.

A revolução tecnológica aumentou exponencialmente a produção de

mercadorias e, a derrota do movimento operário, que teve as lideranças operárias

aliadas aos ditames do novo processo de produção, conforme Behring & Boschetti

(2011, p. 90), diminuiu a força de reivindicação da classe trabalhadora, que aceitou

passivamente a exploração do trabalho intensificado no período.

A abordagem sobre as contradições internas do movimento capitalista citadas

acima, que constituem os limites próprios das estratégias do capital, é retratada por

Behring & Boschetti (2011, p. 90), utilizando-se da perspectiva do autor E. Mandel,

com suas respectivas consequências para a sociedade e em especial, para os

trabalhadores.

Page 66: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

64

Behring & Boschetti (2011, p. 90) explanam que a revolução tecnológica, que

no período de expansão dos “anos de ouro” serviu ao capital para a sua exponente

acumulação, acarretou na “mudança do papel da força de trabalho no processo de

constituição do valor, [...] numa dura luta entre capital e trabalho” que gerou um

aumento do desemprego de forma estrutural.

Para Netto & Braz (2012) é importante frisar que o incremento da tecnologia

nos processos produtivos, constitutivo da incessante busca por acumulação pelo

capital, tem como consequência uma menor necessidade de mão de obra humana,

porém,

[...] é preciso atentar para uma questão central. [...] o permanente desemprego sob o capitalismo não significa que ele seja o produto

do progresso tecnológico. [...] Como assinalaram Salama e Valier (1975, p. 86-89), a demanda de força de trabalho pelos capitalistas aumenta ou diminui conforme o nível de acumulação; o que se pode afirmar é que, sendo a taxa de acumulação inferior a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, a demanda de força de trabalho cairá. Numa palavra, o desemprego em massa não resulta do desenvolvimento das forças produtivas, mas sim do desenvolvimento das forças produtivas sob as relações sociais de produção capitalistas (NETTO & BRAZ 2012, P. 146-147, grifos do autor).

A derrota do movimento operário segundo Behring & Boschetti (2011, p. 87),

que primeiramente, haviam engendrado “fortes resistências” ao “trabalho rotinizado”

promovido pelos processos de produção fordista, ocorre através de acordos feitos

com a classe capitalista, caracterizando a derrota do movimento operário. A classe

trabalhadora acaba “contentando-se com os acordos coletivos em torno dos ganhos

de produtividade e da expansão das políticas sociais, por via dos salários indiretos

assegurados pelo fundo público” (Idem, p. 88).

Montaño e Duriguetto (2011) colocam que é através do Estado que se geram

as estratégias para criar o consenso entre as classes trabalhadora e capitalista,

incluindo algumas demandas requeridas pela classe trabalhadora, porém, tais

medidas visam apenas reforçar a dominação do capital, para que isto ocorra,

[...] a classe hegemônica aciona o Estado para realizar reformas “aceitáveis”, criando a ilusão de verdadeiras transformações [...], ou levando as classes subalternas a se resignarem e preferirem manter as “concessões” do que arriscá-las insistindo nas lutas pela ampliação dos seus direitos. [...] Ao incorporar certas demandas sociais nas respostas estatais, devolve-se a legitimidade ao sistema; é por isso que o regime de acumulação/regulação fordista-keynesiano está acompanhado, nos países centrais, do desenvolvimento da

Page 67: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

65

democracia [...] e da intervenção do Estado na área social [...] (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p. 147-148).

Desde o início deste tópico expomos como se processa o trabalho na

contemporaneidade, que têm na produção fordista/taylorista e na política keynesiana

os fundamentos da acumulação capitalista neste período, caracterizando o período

dos “anos dourados” do capital.

Todos os processos ocorridos neste período, como já exposto, foi uma

resposta do capital à crise de 1929, porém, de acordo com Montaño e Duriguetto

(2011),

[...] se a política keynesiana serviu para tirar o capitalismo da crise (no segundo pós-guerra), aumentando a demanda e o emprego, e estimulando o crescimento do investimento produtivo, ela resulta, no longo prazo, fortemente inflacionária, e gera elevado déficit fiscal (o “investimento estatal” gera endividamento público e a emissão de dinheiro para além do respaldo em ouro resulta fortemente inflacionário), derivando assim, após um período de crescimento econômico, numa nova fase de crise e recessão (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p. 59-60).

A crise e a recessão que se abrem caracteriza a decadência da “longa onda

expansiva” do capital no período do keynesianismo/fordismo, e tem início no final da

década de 1960, conforme Behring & Boschetti (2011), deixam os países que

experimentaram esse processo de crescimento econômico, com as seguintes

sequelas,

[...] As taxas de crescimento, a capacidade do Estado de exercer suas funções mediadoras civilizadoras cada vez mais amplas, a absorção das novas gerações no mercado de trabalho, restrito já naquele momento pelas tecnologias poupadoras de mão-de-obra, não são as mesmas, contrariando as expectativas de pleno emprego, base fundamental daquela experiência. As dívidas públicas e privadas crescem perigosamente... A explosão da juventude em 1968, em todo o mundo, e a primeira grande recessão – catalisada pela alta dos preços do petróleo em 1973-1974 – foram os sinais contundentes de que o sonho do pleno emprego e da cidadania relacionada à política social havia terminado no capitalismo central e estava comprometido na periferia do capital, onde nunca se realizou efetivamente (BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 103).

Netto e Braz (2012, p. 225) ao retratar o declínio dos “anos dourados”

observam diversos fatores que culminaram com a queda do padrão relativo à onda

longa de expansão, que compreendem os fatores econômicos, sociopolíticos e

culturais.

Page 68: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

66

Os fatores econômicos englobam a queda da taxa de lucro, a redução do

crescimento econômico, o colapso do ordenamento financeiro mundial (decisão

norte-americana de desvincular o dólar do ouro) e o choque do petróleo com a alta

dos preços. Os fatores políticos abrangem a “pressão organizada dos trabalhadores”

e o “peso do movimento sindical [...] demandando não somente melhorias salariais,

mas ainda contestando a organização da produção nos moldes taylorista-fordistas”.

Os fatores culturais envolvem “a contracultura, revolução dos costumes, revolta

estudantil, movimento feminista e a mobilização dos negros norte-americanos em

defesa dos direitos civis” (NETTO & BRAZ, 2012, p. 225-226).

Montaño & Duriguetto (2011) explicam que as propostas de Keynes ajudaram

a superar a crise que havia se instaurado, porém,

A resposta Keynesiana para enfrentar a crise no curto prazo, e para promover produção e consumo massivos, promovendo pela via da intervenção estatal a demanda efetiva e o emprego, desenvolvendo serviços estatais e direitos sociais e trabalhistas, tornou-se inviável e insustentável para o capital no longo prazo, derivando numa nova fase de crise capitalista, a partir de 1973 (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p.60).

Com o fim dos anos dourados e o início desta nova crise, como se configura

as relações de classe? Quais as respostas do capital para superar esta nova crise.

Como se encontra o trabalho nesse novo contexto?

3.2 Contextos das crises e a reestruturação produtiva

Para Netto e Braz (2012, p. 226) o fim dos anos dourados encerra-se em

1974-1975, instaurando uma “recessão generalizada”, que “envolve

simultaneamente todas as grandes potências imperialistas” e em seguida a este

período, segue-se outro, em 1980-1982, com mais um decréscimo das taxas de

lucro, superior ao período 1974-1975, assim,

[...] a onda longa expansiva é substituída por uma onda longa recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista: agora, as crises voltam a ser dominantes, tornando-se episódicas as retomadas (NETTO & BRAZ, 2012, p. 226)

Page 69: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

67

A partir de então, o capital promove estratégias simultâneas para superar a

crise instaurada, caracterizando um movimento de reestruturação produtiva, que

envolvem diversos fatores, que incide especialmente sobre os trabalhadores.

Conforme Netto e Braz (2012, p. 228-229) a primeira estratégia é enfraquecer o

movimento sindical; em seguida instaura-se a acumulação flexível, que engloba

vários fatores, como a mudança do padrão taylorista-fordista pelo novo modelo

toyotista.

Dentro deste percurso de mudança do processo produtivo, opera-se a

desterritorialização da produção (unidades produtivas deslocadas para outros

territórios, geralmente em áreas subdesenvolvidas), e a substituição dos sistemas de

produção eletromecânicos para os sistemas eletroeletrônicos, transformando o

campo de trabalho, segundo os autores, imprimindo aos trabalhadores três

implicações,

[...] A primeira diz respeito ao trabalhador coletivo (cf. capítulo 4, item 4.6, p. 113 – conjunto de envolvidos na produção, desempenhem eles atividades manuais ou não); [...] a segunda implicação [...] requer uma qualificação mais alta e, ao mesmo tempo, a capacidade para participar de atividades múltiplas, ou seja, essa força de trabalho deve ser qualificada e polivalente. A terceira relaciona-se à gestão da força de trabalho [...] apelando à participação e ao envolvimento dos trabalhadores, valorizando a comunicação e a redução das hierarquias mediante a utilização de equipes de trabalho; [...] inclusive com o forte estímulo ao sindicalismo de empresa (NETTO & BRAZ, 2012, p. 228-229).

Nesta perspectiva Netto e Braz (2012, p. 230) relatam que estas

transformações “implementadas pelo capital têm como objetivo reverter a queda da

taxa de lucro e criar condições renovadas para a exploração da força de trabalho”.

Este período ocorre entre os anos 1973 a 1974, configura-se como uma “onda

longa” de estagnação, é caracterizada como Regime de Acumulação Flexível (por

HARVEY, 1993 apud MONTAÑO & DURIGUETTO 2011, p. 138), firmado até os dias

atuais, em resposta a crise que se instaurou neste período e que,

[...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos contratos e direitos trabalhistas (com precarização das condições de trabalho e retração dos salários), das fronteiras nacionais para a circulação de capital e de mercadorias (contra o protecionismo fundamentalmente dos países periféricos), dos produtos e padrões de consumo (mercados desregulados e não controlados pelo Estado), e das formas de regulação e de intervenção

Page 70: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

68

social estatal, mediante políticas sociais (MONTAÑO & DURIGUETTO, 2011, p.138).

No contexto da exploração dos trabalhadores, temos a retórica do capital que

elenca como necessária a flexibilização ou desregulamentação das relações de

trabalho, para ampliação das vagas de emprego, mas que, de acordo com Netto &

Braz (2012, p. 230) acabam se convertendo em transformações negativas para o

campo do trabalho, gerando a “redução salarial”; “precarização do emprego” (sem

garantias sociais); “emprego em tempo parcial” (o trabalhador têm várias ocupações

para conseguir a sua sobrevivência).

O discurso da expansão do mercado de trabalho através da flexibilização das

relações de trabalho, mostra-se uma farsa, Netto & Braz (2012, p. 231) expõem que

é “uma argumentação largamente desmentida pelos fatos: também em todos os

países onde o trabalho foi “flexibilizado”, isso ocorreu juntamente com o crescimento

do desemprego”, que para os autores, o desemprego maciço torna-se “permanente”

e “irreversível” (Idem, p. 232).

As transformações ocorridas na sociedade capitalista contemporânea, em

especial no campo do trabalho, como citado anteriormente, tem seu início na década

de 1970, devido a essa crise recessiva do capital e, que, segundo Iamamoto (2012,

p. 142) promoveu “profundas alterações nas formas de produção e de gestão do

trabalho perante as exigências do mercado mundial sob o comando do capital

financeiro, que alteram profundamente as relações entre o Estado e a sociedade”. A

autora explica que houve um aumento das desigualdades entre territórios e,

também, “entre as rendas de trabalho e do capital e entre os rendimentos dos

trabalhadores qualificados e não qualificados” (Idem).

Iamamoto (2012) retrata que a redução dos custos com o trabalho “tem peso

decisivo, envolvendo o embate contra a organização e as lutas sindicais, os cortes

de salário e direitos conquistados”. Neste contexto,

A reestruturação produtiva afeta radicalmente a organização dos processos de trabalho: o consumo e gestão da força de trabalho, as condições e relações de trabalho, assim como o conteúdo do próprio trabalho. Envolve a intensificação do trabalho e a ampliação da jornada, a redução dos postos de trabalho e a precarização das condições e dos direitos do trabalho. Reduz-se a demanda de trabalho vivo ante o trabalho passado incorporado nos meios de

Page 71: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

69

produção, com elevação da composição técnica e de valor do capital, ampliando o desemprego estrutural (IAMAMOTO, 2012, p. 143-144).

BEHRING (2008, p. 197) no seu livro, Brasil em contrarreforma, retrata essas

mudanças ocorridas como um “ciclo depressivo aberto no início dos anos 1970 [...]

que pressiona por uma refuncionalização do Estado, a qual corresponde a

transformações no mundo do trabalho e da produção, da circulação e da regulação”.

As autoras relatam que o movimento de retomada da acumulação capitalista,

continua em andamento atualmente, e que no contexto histórico atual,

[...] ocorrem hoje por três eixos que se articulam visceralmente [...]: a reestruturação produtiva – que fragiliza a resistência dos trabalhadores ao aviltamento de suas condições de trabalho e de vida, facilitando a realização de superlucros; a mundialização – uma rearticulação do mercado mundial, com redefinição da especialização dos países e forte presença do capital financeiro; e o neoliberalismo, este último representando as reformas liberalizantes, orientadas para o mercado (Behring, 1998), o que se combina a uma forte ofensiva intelectual e moral, com o objetivo de criar o ambiente propício à implementação dessas proposições, diluindo as possíveis resistências (BEHRING & BOSCHETTI, 2008, p. 197-198).

Iamamoto (2012) expõe que o capital financeiro caracteriza-se pela junção do

capital bancário e industrial, facilitados pela monopolização de grandes indústrias.

Os monopólios surgem como resultado da expansão industrial e pela concentração

da produção, neste processo, há uma concentração e centralização bancária.

O capital bancário concentrado e centralizado passa a subordinar as operações comerciais e industriais de toda a sociedade. A estreita relação entre os bancos e as empresas industriais e comerciais consolida-se, estimulando sua fusão mediante a posse de ações e a participação de diretores bancários nos conselhos de administração das empresas e vice-versa [...] (IAMAMOTO, 2012, p. 101).

As estratégias a partir de então, são efetivadas com a forte incidência da

ideologia neoliberal que teve como consequência, uma alteração nas relações e na

dinâmica do capital na contemporaneidade (Silva, 2012, p. 30).

A ideologia neoliberal foi expressamente disseminada, promovida e

estimulada pelo sistema capitalista a partir da década de 1980. O foco principal tem

relação com as ações do Estado, que devem ocorrer de forma que priorizem

principalmente a economia e, consequentemente, diminuindo os gastos públicos,

configurando o denominado Estado mínimo. Esta ideologia pretende extinguir os

impedimentos sociopolíticos que entravam diretamente a livre dinâmica do sistema,

derruindo as ações democráticas do Estado. Dentre os impedimentos encontram-se

Page 72: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

70

a “regulamentação das relações de trabalho”, que esta nova ideologia vai promover

a sua “flexibilização” e, irá “reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de seguridade

social” (NETO & BRAZ, 2012, p. 240).

Antunes (2012) expõe que a flexibilização que se inicia na década de 1980 é

incorporada ao processo produtivo e também nas relações e contratações

trabalhistas. Neste processo, os contratos de trabalho são flexibilizados e muitos

trabalhadores são destituídos dos seus direitos.

A flexibilização do processo de produção segue uma tendência que foi

instaurada na década de 1980, segundo Antunes (2012) na “Terceira Itália”, em que

eram empregados um certo nível de tecnologias e uma descentralização da

produção através de empreendimentos de médio e pequeno porte que tinham um

caráter artesanal de produção. O processo de produção que tem início neste período

não elimina os traços da produção em série e em massa do fordismo e, surge como

uma necessidade do capital em controlar as crises de superprodução através de

processos produtivos mais flexíveis e voltados para a necessidade do mercado.

Assim, parte da produção das grandes indústrias é descentralizada para os

pequenos e médios empreendimentos que surgem no período.

Neto & Braz (2012) designam a descentralização produtiva como a

desterritorialização da produção, e explicam que este processo, deslocam indústrias

inteiras ou parte delas para áreas periféricas e subdesenvolvidas, com o interesse

de obter maior lucro através da possibilidade de maior exploração dos

trabalhadores. Esta produção mais flexível é produto da reestruturação produtiva e

pretende realinhar o mercado e o processo produtivo, que permanece em larga

escala como na produção fordista, porém, designa-se agora a comércios distintos,

atendendo a necessidades culturais e regionais.

O trabalho informal na Feira da Madrugada, que é objeto deste estudo, foi

realizado com pequenas empresas que produzem artigos do vestuário em diversos

segmentos – feminino, masculino, adulto e infantil – e que se assemelham a

experiência da “Terceira Itália” e, refletem, mesmo em sua pequena estrutura, a

flexibilização e descentralização do seu processo produtivo.

Page 73: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

71

Os sujeitos pesquisados produzem de forma descentralizada e flexibilizam as

relações de trabalho nos seus processo produtivos. Parte da confecção dos

produtos é realizado em suas residências e parte é terceirizada. Dentro da

precarização em que esses produtores se inscrevem, precarizam outros segmentos

de trabalhadores. Netto & Braz (2012) expressam que o mercado de trabalho na

reestruturação produtiva passa por modificações que colocam apenas um pequeno

contingente de trabalhadores na condição de formalização do trabalho e

consequentemente, na garantia dos direitos trabalhistas. As maiorias dos

trabalhadores muitas das vezes estão atrelados a outras empresas através da

terceirização das atividades ou serviços. Neste caso, o trabalhador é “submetido a

condições de trabalho muito diferentes da oferecidas naquele núcleo – alta

rotatividade, salários baixos, garantias diminuídas ou inexistentes etc” (Netto & Braz

2012, p. 231).

Como esses novos processos de produção incidem sobre a classe

trabalhadora na década de 1980? Como se configura o Estado na relação entre as

classes trabalhadora e capitalista?

3.3 Produção flexível e processo de produção dos sujeitos da pesquisa

Tendo em vista as mudanças ocorridas no modo de produção descritas até

então, a década de 1980, segundo Antunes (2006, p. 23), se inicia com

modificações ocorridas no campo do trabalho, que foram tão profundas que o autor

intitula como sendo a “mais aguda crise deste século” e que as transformações

ocorridas no campo do trabalho “atingiu não só a sua materialidade, mas teve

profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento

destes níveis, afetou a sua forma de ser” (Idem).

A transformação, ocorrida no modo de produção contemporâneo, está

relacionada, com as novas tendências tecnológicas, que foram incorporadas ao

processo de trabalho nas indústrias, “inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações

Page 74: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

72

de trabalho e de produção do capital” (Antunes, 2006, p. 23). São os sistemas de

automação, da robótica e da microeletrônica.

Neste processo, alteraram-se concomitantemente, os processos de produção

denominados de fordismo e taylorismo, que associados, eram utilizados

mundialmente até então. Antunes (2006) descreve sobre estes modos de produção

e a forma como os compreende,

[...] o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/ consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões (ANTUNES, 2006, p. 25).

A produção de mercadorias dos sujeitos pesquisados tem semelhança na

produção fordista e taylorista nos seguintes aspectos: assim como no fordismo, o

trabalho é parcelar e suas funções são fragmentadas. A pessoa que faz o corte do

tecido não realiza a costura e assim por diante. Ou seja, o trabalho é distribuído de

forma que cada um realize uma parte do processo de produção da roupa, seja o

corte, o bordado, a pintura, a costura, a embalagem etc., até que no final, o produto

esteja acabado, finalizado e pronto para venda. A produção não é realizada em série

e em massa como no fordismo, portanto, a produção é ínfima se considerarmos as

grandes indústrias. Porém, os produtores pressionam seus funcionários internos e

terceirizados para agilizar a produção, caracterizando o controle dos tempos e

movimentos do cronômetro taylorista.

Como a produção é pequena, é necessário que os produtos estejam prontos

para a venda na feira, que acontece duas vezes por semana – quinta e domingo –

por isso que se intensifica a dinâmica da produção. Como o tempo entre as feiras é

de dois a três dias, o produto deve estar pronto para comercialização no dia que

antecede a feira.

O sistema de produção fordista/taylorista sofre alterações devido a

incorporação do novo modelo de produção, que agora se espalha pelo mundo.

Criado na indústria de automóvel japonesa Toyota, é denominado de toyotismo e,

Page 75: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

73

segundo Antunes (2006, p. 24), “penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão

fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado”, instaurando-se da

seguinte forma,

[...] ao contrário do fordismo, a produção sob o toyotismo é voltada e conduzida diretamente pela demanda. A produção é variada, diversificada e pronta para suprir o consumo. É este quem determina o que será produzido, e não o contrário, como se procede na produção em série e de massa do fordismo. Desse modo, a produção sustenta-se na existência do estoque mínimo. O melhor aproveitamento possível do tempo de produção (incluindo-se também o transporte, o controle de qualidade e o estoque), é garantido pelo just in time. O kanban, placas que são utilizadas para a reposição das peças, é fundamental, à medida que se inverte o processo: é no final, após a venda, que se inicia a reposição dos estoques, e o kanban é a senha utilizada que alude à necessidade de reposição das peças/produtos. (GOUNET, 1992: 40 e CORIAT, 1992b: 43-45; apud ANTUNES, 2006, p. 34).

O caráter homogêneo do processo produtivo fordista está relacionado à

homogeneidade do segmento que a maioria dos fabricantes da Feira da Madrugada

produz. Geralmente apenas um tipo de confecção é produzido, ou seja, aquele que

fabrica feminino, não produz masculino, aquele que fabrica infantil, não fabrica

adulto, porém, em poucos casos, se percebe que os produtores mesclam os tipos de

mercadorias que fabricam, como veremos no próximo capítulo. Embora o segmento

seja o mesmo, existe uma flexibilização dentro do próprio segmento fabricado,

caracterizando o processo produtivo toyotista, onde a produção é variada,

diversificada e pronta para suprir o consumo e é o consumidor, ao final, que acaba

por determinar o que será produzido.

Exemplificando esta semelhança com o processo de produção toyotista temos

os fabricantes que utilizam diversos tipos de tecido para produzir suas mercadorias.

Outros, produzem estilos diferentes dentro do mesmo segmento. Um produtor

fabrica blusas femininas em tecidos variados, caracterizando estilos mais casuais ou

mais formais. Outro produz vestidos infantis, uma parte é vendida como vestido de

daminha para casamento e outra, mais casual para o dia a dia. Muitas das vezes, o

produtor confecciona algum modelo que está sendo utilizado em uma novela, o que

importa para o feirante, é atender a diversos clientes, em suma, o cliente é que

designa muitas das vezes o que será produzido, que é uma das características da

produção flexível.

Page 76: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

74

O toyotismo acaba por gerar um aumento exponencial do desemprego,

devido ao incremento das inovações tecnológicas que este modelo de produção

utiliza, reduzindo consequentemente, cada vez menos a mão de obra humana.

Antunes (2006) descreve que o desemprego estrutural,

[...] é o resultado dessas transformações no processo produtivo, e que encontra, no modelo japonês, no toyotismo, aquele que tem causado maior impacto, na ordem mundializada e globalizada do capital. Por isso não temos dúvida em enfatizar que a ocidentalização do toyotismo (eliminados os traços singulares da história, cultura, tradições que caracterizam o Oriente japonês) conformaria em verdade uma decisiva aquisição do capital contra o trabalho (ANTUNES, 2006, p. 40).

O estudo sobre o mundo do trabalho passa a ter certo grau de complexidade,

devido as variáveis que remetem as novas formas de produção que criam novas

relações no campo do trabalho. As mudanças ocorridas tem inclusive possibilitado,

de acordo com Antunes (2009, p. 101) alguns estudiosos visualizarem “o fim das

classes sociais, o fim da classe trabalhadora, ou até mesmo o fim do trabalho”. Para

o autor, o importante é compreender na contemporaneidade a “sua efetividade sua

processualidade e concretude”.

Antunes (2009, p. 102) ao abordar este tema, retrata os trabalhadores

contemporâneos como “a classe-que-vive-do-trabalho” ou simplesmente “classe

trabalhadora”. O trabalhador segundo o autor pode ser produtivo e improdutivo

(trabalhadores em serviços). O primeiro é “aquele que produz diretamente mais-valia

e participa diretamente do processo de valorização do capital” e, o segundo engloba,

[...] aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de valorização do capital e de criação de mais-valia (ANTUNES, 2009, p. 102).

Identificar os rumos que a classe-que-vive-do-trabalho ou classe trabalhadora

adquiriu na atualidade, para Antunes (2009 p. 103), faz-se necessário identificar

aqueles que compõem ou não essa classe. A classe trabalhadora “engloba tanto o

proletariado industrial, como o conjunto de assalariados que vendem a sua força de

trabalho (e, naturalmente, os que estão desempregados, pela vigência lógica

destrutiva do capital)” e os que estão fora da classificação de classe trabalhadora

são “os gestores do capital”, “seus altos funcionários”, os que “vivem da especulação

Page 77: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

75

e dos juros”, “os pequenos empresários”, “a pequena burguesia urbana e rural

proprietária” (Idem, p. 104). Conclui que,

Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando além do proletário industrial, dos assalariados do setor de serviços, também o proletário rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, [...] os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal” (ANTUNES, 2009, p. 104).

O termo “economia informal” é utilizado pela Organização Internacional do

Trabalho (OIT), que tem colocado estudiosos para realizar pesquisas relativas a este

tema desde a década de 1970. O estudo da OIT de nome “Economia informal:

aspectos conceituais e teóricos” que compõe a Série – Trabalho Decente no Brasil,

foi publicado em 2010 e, tem como autores o economista social e do trabalho José

Dari Krein e o economista Marcelo Weishaupt Proni. Os estudos visam propor

políticas públicas para o enfrentamento as formas de precarização do trabalho e

políticas econômicas de combate a pobreza.

O trabalho informal nesse período é caracterizado principalmente pelos

trabalhadores que se inserem no mercado de trabalho sem ser legalizado, ou seja,

sem carteira assinada, sem os privilégios assegurados aos trabalhadores pela

Constituição Federal Brasileira de 1988. As pessoas que se inserem no trabalho

informal são tidas como o excedente de mão de obra que o sistema econômico não

consegue absorver. De acordo com Krein & Prone (2010), a Organização Mundial do

Trabalho (OIT) realizou estudos pioneiros sobre o setor informal na década de 1970

e, nesse período, caracterizou o setor informal como:

[...] um fenômeno típico de países subdesenvolvidos, nos quais o avanço das relações mercantis modernas não havia sido capaz de incorporar expressiva parcela da população trabalhadora no padrão do emprego capitalista, possibilitando o aparecimento de outras estratégias de sobrevivência (KREIN & PRONI 2010, p. 8).

Inicialmente o termo setor informal utilizado no estudo da OIT na década de

1970 não possuía uma perspectiva teórica que investisse no âmbito social da

questão e esclarecesse o que realmente instituía a informalidade no mercado de

trabalho, nesse processo, “as atividades informais foram pensadas como formando

um setor, que engloba tanto empresas como indivíduos envolvidos na produção de

Page 78: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

76

bens, na prestação de serviços pessoais ou no pequeno comércio” (Salas, 2003,

apud KREIN & PRONI 2010, p. 9).

Krein & Proni (2010) retratam que a discussão sobre a economia informal foi

intensificada na década de 1990 devido às profundas mudanças econômicas e no

mercado de trabalho contemporâneo e que mesmo tendo havido uma,

[...] recuperação do emprego com vínculo formalizado na última década, permanece uma enorme heterogeneidade no mercado de trabalho. Fenômenos tais como a contratação ilegal de trabalhadores sem registro em carteira, os contratos atípicos de trabalho, as falsas cooperativas de trabalho, o trabalho em domicílio, os autônomos sem inscrição na previdência social, a evasão fiscal das microempresas, o comércio ambulante e a economia subterrânea, podem ser evocados como exemplos da diversidade de situações que podem caracterizar o que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) denomina “economia informal” (KREIN & PRONI 2010, p. 7).

Entre as décadas de 1970 e 1990, houve um intenso debate na academia

sobre a conceituação da informalidade, suas características e heterogeneidade de

formas de inserção no mercado de trabalho. A partir da 90ª Conferência

Internacional do Trabalho realizada em 2002, passou-se a adotar o termo economia

informal pela OIT, buscando assim, incorporar a heterogeneidade que compõe o

mercado de trabalho informal, incluindo de forma mais abrangente, categorias que

seriam identificadas como parte deste tipo de economia, que são:

a) Trabalhadores independentes típicos (microempresa familiar, trabalhador em cooperativa, trabalhador autônomo em domicílio); b) “falsos autônomos” (trabalhador terceirizado subcontratado, trabalho em domicílio, trabalhador em falsa cooperativa, falsos voluntários do terceiro setor); c) trabalhadores dependentes “flexíveis” e/ou “atípicos” (assalariados de microempresas, trabalhador em tempo parcial, emprego temporário ou por tempo determinado, trabalhador doméstico, “teletrabalhadores”); d) microempregadores; e) produtores para o auto consumo; e f) trabalhadores voluntários do “terceiro setor” e da economia solidária (KREIN & PRONI , 2010, p. 12).

Independente da área acadêmica que estuda o trabalho informal, seja da área

social ou econômica, uma premissa é consensual: as modificações que levaram ao

aumento da informalidade no mercado de trabalho são as respostas do capital para

a crise que se instaura na década de 1970 e que perdura até o século atual, o

século XXI. O trabalho é o campo mais atingido por essas transformações e a

precarização dos trabalhos e suas relações estão cada vez mais degradantes.

Page 79: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

77

Para Antunes (2009, p. 205), a abordagem sobre a informalidade e a

economia informal está relacionada a flexibilização das relações de trabalho que ele

relaciona como uma “subproletarização do trabalho, decorrência das formas

diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à

economia informal, aos setor de serviços etc”. As transformações que o mundo do

trabalho sofreu na contemporaneidade para o autor, levou a classe trabalhadora

uma constituição heterogeneizada, complexificada e fragmentada.

Percebe-se que nos estudos relativos ao processo produtivo que adentra o

século XXI, segundo a visão acadêmica da área social, as abordagens são mais

qualitativas, no sentido de desvendar o mundo do trabalho, analisando a realidade

social e econômica que envolve a vida dos trabalhadores e que reflete

drasticamente na qualidade de vida e de trabalho na sociedade.

A informalidade é retratada por alguns estudiosos como a falta de proteção

social, ou seja, envolve os trabalhadores que estão destituídos dos direitos

trabalhistas conquistados pelas lutas sociais e assegurados constitucionalmente.

Não há muitos levantamentos sobre os segmentos e atividades que compõem a

economia informal, porque a característica geral do trabalhador informal é a falta de

legalidade em seu trabalho ou atividade laboral.

Antunes (2009) inicialmente trata a informalidade sobre este prisma e que no

Brasil, no século XXI, mais da metade da classe trabalhadora está na informalidade.

Essa parcela da classe trabalhadora é abordada segundo o autor, em seu sentido

mais abrangente,

[...] desprovida de direitos, fora da rede de proteção social e sem carteira de trabalho. Desemprego ampliado, precarização exacerbada, rebaixamento salarial acentuado, perda crescente de direitos, esse é o desenho mais frequente da nossa classe trabalhadora (ANTUNES 2009, p. 252).

A classe trabalhadora vivencia atualmente, em sua configuração

heterogeneizada, complexificada e fragmentada uma visível separação entre o

trabalho manual e intelectual, em que aquele padece cada vez mais à

desqualificação e, enquanto este apresenta mais e mais condições de trabalho

especiais e melhores qualificações. Os estudos na área social relativos ao trabalho

remetem muitas das vezes à emancipação humana, a uma sociedade sem

Page 80: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

78

dominação do homem pelo homem. É da classe-que-vive-do-trabalho que deve sair

os agentes transformadores dessa realidade em busca da superação desse sistema

opressor que degrada e descaracteriza o homem e suas relações sociais (Antunes,

2009).

No estudo dos economistas Krein & Proni (2010) realizado para a OIT está

exposta a preocupação em quantificar, conceituar e fazer um levantamento das

categorias que compõem a economia informal. Nesse contexto, seus levantamentos,

apesar de colocarem expresso que tem o intuito de promover políticas públicas

voltadas para o setor, não colocam a questão da emancipação humana, do

enfrentamento real a degradação do trabalho. No corpo do texto vê-se o constante

discurso de proporcionar aos trabalhadores informais que estão destituídos da

proteção social que os mesmos possam ser inseridos pelo menos em um nível

básico de direitos e proteção social, não levando em conta a igualdade de direitos

para todos os sujeitos que trabalham.

A Feira da Madrugada em Fortaleza é um setor informal porque agregam em

sua constituição diversas formas de inserção de trabalhadores. Há aqueles que

trabalham sem registro em carteira (é o caso da pesquisadora deste estudo, dentre

muitos), outros que trabalham por conta própria (vendendo água, alimentos, etc.),

outros que são microempreendedores sem formalização de sua empresa (é o caso

de alguns sujeitos participantes da pesquisa) e microempreendedores que

formalizaram o registro de suas pequenas empresas (é o caso também de alguns

sujeitos da pesquisa, os motivos serão expostos no próximo capítulo).

A pergunta de partida que levou a realização deste estudo quer desvendar

qual a relevância que o trabalho informal exerce na vida das famílias dos

trabalhadores da Feira da Madrugada em Fortaleza. Como a heterogeneidade de

atividades e formas de inserção dos trabalhadores na feira é muito extensa, a

escolha dos sujeitos a serem pesquisados foi definida para aqueles que produzem

suas mercadorias e ao mesmo tempo trabalham na feira.

Nesse contexto, se eles produzem a própria mercadoria a ser comercializada,

são então capitalistas, detentores dos meios de produção. Porém, o fato de eles

mesmos comercializarem na feira os produtos que fabricou, os torna trabalhadores

Page 81: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

79

do setor informal. A ambiguidade e contradição é tão característica da sociedade

capitalista, quanto da própria heterogeneidade e complexidade que envolve a

economia informal.

Dentro do referencial teórico que embasa esta pesquisa, encontram-se

classificações que abrange não a totalidade, mas parte da heterogeneidade que

configura o trabalho informal na Feira da Madrugada. Seja pela destituição de

direitos ou pela classificação dos segmentos que compõem a economia informal.

Encontram-se os trabalhadores desprovidos da proteção social como exposto acima

por Antunes (2009) e os proprietários de pequenos negócios como colocado por

Krein & Proni (2010).

Para Antunes (2009) os pequenos proprietários não podem ser considerados

constitutivos da economia informal, pois os mesmos são proprietários dos meios de

produção, devendo ser considerados, portanto, como capitalistas. Em outro estudo,

Antunes (2011) busca elencar os diversos segmentos que abrangem a economia

informal, tendo a perspectiva da dificuldade em se descrever um quadro efetivo das

atividades que compõem o setor informal, caracterizado pela múltipla

heterogeneidade, processualidade da informalização e da precarização dos

trabalhadores.

Explana três modalidades de ocupações informais que exemplifica uma

pequena parcela da heterogeneidade que compõe o setor da economia informal. A

primeira, é descrita como sendo composta pelos trabalhadores informais

tradicionais. São aqueles que estão inseridos em atividades que não necessitam de

grande acúmulo de capital e seus rendimentos vão ser utilizados para o consumo

individual e familiar, em alguns casos, realizado com ajudantes temporários ou

trabalho familiar (ANTUNES 2011). As ocupações que compõem esta modalidade

são,

[...] as costureiras, pedreiros, jardineiros, vendedor ambulante de artigos de consumo mais imediato como alimentos, vestuário, calçados e bens de consumo pessoal, camelôs, empregado doméstico, sapateiros e oficinas de reparos (ANTUNES, 2011, p. 409)

Nesta modalidade encontramos algumas dessas ocupações que envolvem o

trabalho na Feira da madrugada como os ambulantes vendedores de artigos para

consumo imediato como alimentos e algumas bebidas. As costureiras que fazem

Page 82: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

80

parte do processo produtivo da feira da madrugada são em grande maioria,

terceirizadas. Neste contexto, os feirantes participantes da pesquisa, como

proprietários dos meios de produção, tendo seus empreendimentos formalizados ou

não, imprimem aos sujeitos que participam do processo produtivo de suas

mercadorias, a mesma informalização e precarização ou até mais acentuada, aos

contratados de suas empresas.

A segunda modalidade são os trabalhadores informais assalariados sem

registro. Aqui, encontram-se trabalhadores da indústria têxtil e de calçados, dentre

outros (ANTUNES 2011). A informalidade na contratação de trabalhadores na Feira

da Madrugada é uma realidade, da qual a pesquisadora deste estudo faz parte,

embora a remuneração na feira seja geralmente um rendimento por dia de trabalho,

encontram-se alguns casos que o valor de um salário mínimo é pago ao trabalhador.

A terceira modalidade é a de trabalhadores por conta própria, que inclui uma

variedade de produtores simples de mercadorias, que se utilizam da própria força de

trabalho e ou de familiares, podendo em alguns casos, subcontratar trabalhadores

assalariados. Estima-se o aumento de pequenos negócios atrelados as grandes

empresas, na área de produção, comércio e prestação de serviços (ANTUNES

2011). Novamente aqui é retratado o auxílio de familiares e a própria força de

trabalho na produção, característica dos processos de produção dos feirantes

entrevistados para esta pesquisa e é um fato encontrado dentro do universo

pesquisado.

O século XXI com a flexibilização do trabalho provoca em maior grau a

desconstrução dos direitos sociais do trabalho, ampliando os diversos modos de ser

da informalidade. O desemprego nesse processo acaba por rebaixar o estatuto

salarial daqueles que se encontram empregados, devido o imenso contingente de

desempregados. Em qualquer das modalidades, a informalidade é caracterizada

pela falta da legalidade do trabalho e, “se a informalidade não é sinônimo direto de

precariedade, sua vigência expressa formas de trabalho desprovido de direitos, e

por isso, encontra clara similitude com a precarização” (ANTUNES, 2011, p. 418).

O trabalho formal não absorve todo o contingente de trabalhadores

disponíveis no mercado de trabalho e, muitos se inserem no setor informal por que é

Page 83: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

81

a única forma de buscar sua sobrevivência. Porém, de acordo com Machado (2008)

estudos mostram que muitos trabalhadores buscam o trabalho informal devido à

“liberdade de ação, jornada de trabalho flexível e controle do seu próprio negócio”.

A controvérsia acerca da definição do setor pode estar refletindo a presença de indivíduos que ingressam na informalidade por “opção”, ou, em outros termos, a denominada estratégia de “ciclo de vida”. O histórico familiar e a preocupação com a qualidade de vida podem levar o trabalhador a procurar essa forma de inserção em busca de liberdade de ação, jornada de trabalho flexível e controle de seu próprio negócio. Assim, no setor informal, também se encontram trabalhadores com boas condições de trabalho e remuneração, que não ingressaram nesse setor por conta de dificuldades causadas pelo desempenho econômico do país ou por certo desajuste entre capital humano e os pré-requisitos das ocupações existentes” (MACHADO et al., 2005, apud MACHADO 2008, p. 130)

Estas características como trabalhar por opção, em busca da liberdade e

independência financeira, serão encontradas nas falas dos sujeitos da pesquisa, na

descrição da análise das entrevistas. Também será exposto que a decisão desta

escolha está relacionada com a redução salarial de alguns ou o pequeno rendimento

que não permitia uma melhor qualidade de vida para ambos os casos.

Page 84: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

82

4 PESQUISA DE CAMPO: FEIRA DA MADRUGADA DE FORTALEZA

Este estudo demonstrou até agora como as transformações do capitalismo

trazem desdobramentos para toda a vida social. Afetados por essas transformações,

os trabalhadores se veem situados em uma nova ordem mundial a partir da qual o

desemprego e a precariedade no trabalho se tornam estrutural, causando o avanço

da chamada economia informal.

No início deste estudo foi realizada uma descrição do cenário estudado,

retratando como se dá as relações no espaço da Feira da Madrugada. A análise das

entrevistas irá trazer a realidade de forma mais aprofundada, através dos relatos dos

sujeitos da pesquisa, sobre suas trajetórias de vida e o trabalho na feira.

4.1 Análise das entrevistas

As entrevistas foram realizadas entre Maio e Junho de 2014. Algumas

realizadas nas residências dos sujeitos pesquisados, outras realizadas na residência

da pesquisadora e também, na Feira da Madrugada.

O questionário foi elaborado e subdividido em quatro seções além das

perguntas introdutórias básicas, totalizando dezenove perguntas. As entrevistas

foram gravadas com o consentimento dos sujeitos e foi dispensado por opção dos

mesmos, o Termo de consentimento livre e esclarecido, em que o pesquisador e o

entrevistado concordam em preservar a identidade de cada um.

Foram realizadas três entrevistas na Feira da Madrugada, nos respectivos

locais de trabalho dos sujeitos. Duas foram na casa da pesquisadora, uma só foi

possível por e-mail e quatro foram realizadas nas respectivas residências dos

sujeitos.

A diferença de locais onde foram realizadas as entrevistas, tem relação direta

com a percepção dos sujeitos relacionada à pesquisa. Tendo em vista que nunca

haviam realizado uma entrevista de pesquisa acadêmica, mostraram-se em alguns

Page 85: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

83

casos, constrangidos ou desconfiados com os tipos de informações que seriam

coletadas.

Inicialmente foi esclarecido o motivo da pesquisa e sua relação com curso de

Serviço Social. Em seguida foi explicado sobre o Termo de consentimento livre e

esclarecido, bem como o conteúdo das informações que seriam coletadas.

Independente do receio e resistência em conceder a entrevista, foi possível realiza-

la com dez sujeitos.

A Feira da Madrugada em Fortaleza agrega uma heterogeneidade de

trabalhadores em diversas atividades que tem um objetivo único que é a venda, seja

de produtos ou serviços. A pesquisa realizada com os trabalhadores requer

antecipadamente uma definição de qual perfil dos sujeitos será definido para esta

pesquisa e consequentemente, a sua delimitação, devido à heterogeneidade das

funções.

Nesse contexto os sujeitos da pesquisa foram pensados tendo uma relação

direta com o referencial teórico que embasa esta monografia, como também, com a

pergunta de partida que impulsionou esta pesquisa, que é a relevância do trabalho

no setor informal (que caracteriza a Feira da Madrugada) para os trabalhadores e

suas respectivas famílias, e com o objetivo geral deste estudo, que é analisar o

cotidiano dos trabalhadores informais na Feira da Madrugada no Centro de

Fortaleza.

Foi definido como perfil para a escolha dos entrevistados que todos fossem

produtores dos artigos que comercializam. Para a pesquisa foram escolhidos os

sujeitos que produzem artigos do vestuário e que ao mesmo tempo trabalhem na

feira.

Um nome fictício será designado para cada sujeito da pesquisa validando o

direito de anonimato que eles possuem, porém, suas idades e os demais dados

coletados permanecem os verdadeiros.

Cada nome fictício conterá a letra inicial de seus nomes verdadeiros

mantidos, em respeito à subjetividade de cada um e para facilitar a análise dos

Page 86: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

84

dados coletados, já que as iniciais dos nomes femininos não se repetem e o mesmo

ocorre com os nomes masculinos.

4.1.1 Perfil dos entrevistados

As perguntas introdutórias perfazem o total de quatro questões. A primeira

possibilita que o sujeito escolha o nome fictício que será utilizado no corpo deste

estudo; a segunda refere-se a idade; a terceira relata a formação de cada

entrevistado e a quarta, identifica há quantos anos exerce o trabalho na Feira da

Madrugada.

Foram entrevistadas dez pessoas de gêneros e faixa etárias diferentes,

dentre elas, seis mulheres e quatro homens, com idades entre 27 e 55 anos. Os

nomes escolhidos para os sujeitos da pesquisa; suas respectivas idades;

escolaridade; o tempo que trabalham na Feira da Madrugada e sua naturalidade

encontram-se no quadro abaixo, para uma melhor visualização desses dados

preliminares da pesquisa.

Quadro 1 – Sujeitos da pesquisa

Nome Idade Escolaridade Tempo de feira Naturalidade

Sara 27 Médio completo 1 ano Fortaleza - CE

Ana 31 Médio completo 6 anos Orós - CE

Vera 33 Superior completo - Contabilista 9 anos Fortaleza – CE

Lia 37 Médio incompleto 5 anos Fortaleza – CE

Ester 43 Médio completo 6 anos Fortaleza – CE

Raquel 55 Superior completo - Filósofa 4 anos Fortaleza – CE

Vitor 43 Ensino Fundamental 7 anos Belém – PA

Pedro 45 Ensino Fundamental 5 anos Canindé – CE

Raul 53 Ensino Fundamental 8 anos Buriti dos

Lopes - PI

Caio 53 Médio completo 10 anos Itapagé - CE

Page 87: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

85

Dentro do exposto nesse quadro, percebe-se que a escolarização das seis

mulheres é superior a dos homens, tendo em vista que nenhuma possui

escolaridade em nível fundamental, e apenas uma tem o nível médio incompleto. O

nível superior de escolarização encontra-se apenas nas mulheres, uma é formada

em Contabilidade e a outra é formada em Licenciatura Plena em Filosofia. Entre os

quatro homens entrevistados, um tem o nível médio completo e três o ensino

fundamental.

Essa característica abordada tem importância no sentido de que o setor

informal não agrega apenas pessoas de baixo grau de instrução. No espaço da

Feira da Madrugada encontram-se pessoas de vários níveis de escolaridade, mas

que exercem a mesma função que é a de vendedor e possuem as mesmas

características, levando em conta o perfil dos sujeitos pesquisados, em que todos

são produtores daquilo que comercializam, independente de uma maior ou menor

escala produtiva e dos tipos de produto que fabricam.

Estudos sobre a economia informal abordavam inicialmente e, atrelado às

pessoas migrantes do campo, que os sujeitos que tinham sua inserção laboral no

setor informal da economia eram pobres, com baixo nível de escolaridade e que

incluíam pessoas jovens e idosas (KREIN & PRONI 2010).

Como demonstrado na tabela anterior, os homens da pesquisa tem baixa

escolaridade e em suas respectivas trajetórias viveram situações de pobreza e baixa

qualidade de vida, mas, como veremos a seguir, estes nãos foram os fatores que os

levaram ao mercado informal. Mesmo com baixa escolaridade, todos trilharam

percursos em setores formais da economia, trabalhando de forma legalizada e,

portanto, cobertos pelos direitos da seguridade social, inerente a todo trabalhador

que exerce sua função com carteira assinada.

O questionário foi subdividido em quatro seções, que serão expostas a seguir,

buscando desvendar, de acordo com as falas dos sujeitos da pesquisa, sua trajetória

de vida e de trabalho, como também, suas percepções sobre o trabalho na Feira da

Madrugada. O resultado da análise da coleta de dados foi relevante para

compreensão do universo pesquisado e para alcançar os objetivos deste estudo.

Page 88: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

86

4.2 Primeira seção: A história de vida dos sujeitos da pesquisa

A primeira seção resgata parte da vida dos sujeitos e os significados que

permeavam suas vidas na infância e juventude. A seção possui quatro questões que

resgatam a naturalidade dos sujeitos e um pouco sobre a história de suas vidas,

assim como a de seus pais. Retrata ainda os sonhos de criança de cada sujeito, seu

estado civil e como conheceu seu cônjuge e, os planos que cada sujeito tinha

quando jovem.

Os sujeitos participantes da pesquisa em sua maioria são naturais do Estado

do Ceará, sendo cinco deles nascidos em Fortaleza e três do interior do Estado,

oriundos das cidades de Orós, Canindé e Itapajé. Dois dos entrevistados são de

Estados diferentes, um é natural de Belém, no Pará e o outro de um povoado

próximo a cidade de Buriti dos Lopes, no Piauí.

Os níveis socioeconômicos de vida de cada entrevistado variavam assim

como as ocupações que seus pais exerciam. O trabalho dos pais dos sujeitos da

pesquisa era bem diversificado, e apesar das diferenças, alguns traços são

semelhantes. Quatro dos sujeitos pesquisados são naturais de cidades do interior,

dentre eles, a agricultura era o meio de vida de três, das quatro famílias, a saber, do

Caio (53 anos, Itapajé - CE); do Raul (53 anos, Buriti dos Lopes – PI) e do Pedro (45

anos, Canindé – CE), sendo que em uma delas, apenas o pai era agricultor e mãe

era professora e, na quarta família, a da Ana (31 anos, Orós – CE) os pais eram

proprietários de um frigorífico.

O trabalho dos sujeitos que são naturais de capitais possuem também alguns

traços semelhantes. Exceto uma das entrevistadas que não definiu nenhuma

ocupação para seus pais, e que, procurou apenas e repetidamente, expor que sua

família era totalmente desestruturada. Os demais entrevistados tiveram uma

diversidade de inserção dos seus pais no mercado de trabalho. Dentre estes três o

meio de vida era sustentado através comércio e em um dos casos, comércios

variados ao longo da vida.

Page 89: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

87

A família da Ester (43 anos, Fortaleza/CE) é a que mais teve em sua trajetória

de vida, ocupações diferenciadas ao longo da jornada. Seu pai trabalhou nos

bombeiros, depois como taxista, motorista de ônibus, motorista da prefeitura nos

caminhões de coleta de lixo até se aposentar e, por fim, foi corretor de confecção.

Sua mãe sempre trabalhou por conta própria, primeiramente, segundo a Ester, ela

abriu um pequeno comércio que vendia comida e bebida. Após o seu fechamento,

passou a fabricar confecção e vendia nas feiras de Pacajus e por último, ela montou

uma sorveteria em casa, com o tempo, esse comércio também fechou e hoje, ambos

encontram-se aposentados.

A Vera (33 anos, Fortaleza/CE) relatou que sua família (mãe, irmãs e esposo)

está dando continuidade ao trabalho de seu pai, que é o comércio de confecção de

vestuário, e que sempre trabalharam com o mesmo segmento que é roupa íntima,

especificamente, roupa de dormir. A Raquel (55 anos, Fortaleza/CE) expôs que seu

pai era fabricante de calçados e sua mãe de confecção e que ela cresceu vendo a

dinâmica do trabalho de seus pais. O Vitor (43 anos, Belém/PA) explicou que seu pai

era comerciante, possuía uma mercearia e sua mãe era dona de casa. A Lia (37

anos, Fortaleza/CE) comentou que seu pai é marceneiro e sua mãe lavadeira de

roupas.

Dos dez entrevistados, portanto, temos a Sara (27 anos, Fortaleza/CE), que

não identificou o trabalho de seus pais. Os pais do Raul eram agricultores. O Caio

relatou que seus pais tinham a sua renda advinda da agricultura. Já o pai da Lia é

marceneiro e sua mãe lavadeira de roupa. Apesar de inicialmente o pai do Pedro

trabalhar com agricultura e sua mãe como professora, nesse período eles residiam

próximo a Canindé, depois eles mudaram para a cidade e passaram a trabalhar no

comércio, como feirantes. Os demais entrevistados tiveram contato com o perfil

empreendedor dos seus pais através do comércio. Assim, temos seis famílias que

tinham por meio de vida o comércio. Entre os dez entrevistados, apenas a Vera deu

continuidade ao comércio do pai. Os demais seguiram carreiras ou atividades ao

longo da vida, diferentes de seus pais que eram em sua grande maioria, agricultores

e comerciantes, mas hoje, trabalham no comércio e são pequenos empreendedores.

Page 90: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

88

4.2.1 A história de como cada entrevistado conheceu os seus cônjuges

Cada entrevistado relatou como conheceu seu cônjuge. Este fator tem

relevância para a pesquisa, porque a relação entre os casais se entrecruzam

posteriormente no trabalho na Feira da madrugada. Dos dez entrevistados, sete

trabalham com seus cônjuges na feira e na produção da mercadoria. Três mulheres

ficam fora desta perspectiva do trabalho em conjunto: a Raquel porque não é

casada, Ana e a Sara não trabalham como os seus esposos, porém, eles foram de

grande importância, com apoio moral e financeiro, para que se tornasse realidade o

início de seus negócios.

Entre os sujeitos da pesquisa, apenas a Raquel não é casada, mas está noiva

e casará ainda este ano. A Raquel expôs que conheceu seu noivo em uma viagem a

Recife, quando foi com sua mãe visitar uns parentes, ele é seu primo legítimo e ela o

conheceu nesta viagem, ele estava divorciado e a afinidade foi instantânea, ficaram

se comunicando e decidiram casar. A Lia e a Sara estão no segundo casamento e,

os demais, permanecem com os seus respectivos primeiros cônjuges.

Vera foi morar com sua família por um período no Maranhão e lá, ela

conheceu o homem que hoje é seu esposo, depois todos retornaram para Fortaleza

novamente. O esposo da Sara faleceu quando a filha deles tinha um ano e oito

meses. Após um ano ela foi trabalhar em uma madeireira e lá conheceu o seu atual

esposo. A Lia estava separada de seu esposo e conheceu o seu atual (que na

época também estava separado) em uma festa. Depois desse encontro, não se

separaram mais e se casaram. A Ester contratou um fabricante de sorvete para

trabalhar na sorveteria de sua mãe, na qual ela trabalhava também, ele foi

contratado em Junho e em outubro do mesmo ano (1997) eles se casaram. O Pedro

foi morar em SP quando jovem e ficou por lá durante quinze anos, nesse período

conheceu a mulher que hoje é sua esposa. Após um tempo, vieram morar em

Fortaleza.

O Raul morava em um pequeno povoado no interior do Piauí e disse que

todos os moradores se conheciam, assim como ele e a mulher que hoje é sua

esposa, cresceram juntos, estudaram na mesma escola e casaram-se. O Caio disse

Page 91: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

89

que sua esposa residia em um interior próximo a Itapajé, sua cidade natal, ela é sua

prima legítima, mas eles só vieram se encontrar quando ele já residia em Fortaleza e

ela veio morar aqui com os pais, conheceram-se e casaram. O Vitor relatou que

ambos moravam próximos e constituiu família ainda muito jovem, ele tinha então 16

anos e ela 15 anos. A Ana conheceu o seu cônjuge na igreja evangélica da qual faz

parte.

4.2.2 Quais os sonhos de criança e os planos quando jovens dos entrevistados

A Vera disse que quando criança sonhava em ser advogada, estudou e

acabou se formando em Contabilidade. Relatou que começou a trabalhar com dez

anos ajudando seus pais, em suas palavras, “sua juventude foi de muita

responsabilidade, não por pressão dos pais, mas sim, por vontade própria, pois

qualquer ajuda era bem vinda”. Ser professora era o sonho da Lia, mas não chegou

a concluir o ensino médio. Segundo ela, depois que seus pais se separaram, na

época ela tinha 13 anos, ela teve que trabalhar para ajudar a sua mãe e seus irmãos

menores, estudar e trabalhar nesse período era muito difícil. Relatou que não tinha

planos quando mais jovem. Em seu discurso, relata que “só queria trabalhar pra ter

meu dinheiro e ajudar a minha mãe”.

O sonho da Ester era ser costureira, trabalha costurando hoje porque gosta.

Conseguiu terminar o ensino médio e prestou vestibular para o curso de Serviço

Social, não obtendo êxito, acabou não tentando novamente. Quando jovem não

pensava no futuro, não planejava nada. Com o seguro desemprego, comprou

máquinas de costura e trabalhou costurando para terceiros, ganhava em torno de

três a quatro salários mínimos por semana. Pouco ajudava em casa porque não

precisava, o dinheiro usou para investir no trabalho e o resto gastava com roupas,

sapatos e passeava. De acordo com ela, a responsabilidade veio com o casamento,

porque quando jovem, “quando eu casei e nasceram os filhos começou as

dificuldades, aí a gente já tinha que trabalhar com responsabilidade, tinha que ter

aquilo pra manter a família, pra não tá pedindo nada pra ninguém e não pesar nas

costas de ninguém”.

Page 92: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

90

O Pedro quando criança sonhava em ser jogador de futebol, mas não havia

oportunidade para realizar o seu sonho. Na juventude, Pedro explica que pensava,

segundo ele, como todo mundo na época com 18 anos, tentar a vida no Estado de

São Paulo. Relata que não enfrentou muitas dificuldades em São Paulo, porque

tinha parentes residindo lá, mesmo assim, não era bem o que esperava. Em suas

palavras, “eu achava que indo pra São Paulo as coisas seriam menos difícil, mas

não, é mais complicado, você chega lá e vê que não é nada daquilo, é só

simplesmente um sonho, pra certas pessoas acaba se tornando um pesadelo”.

Para Raul, o que alimentou o seu sonho de criança foi um programa televisivo

que passava na época chamado de “Carga Pesada”, tinha uns personagens

caminhoneiros no programa e ele achava bonito, passando a sonhar em ser

caminhoneiro. O que ele planejou quando jovem era ir para São Paulo quando

completasse 18 anos, assim faziam na época, quase todos os jovens do local onde

morava, em busca de melhores condições de salário e vida. Afirma que ainda hoje,

no povoado em que ele nasceu essa cultura ainda persiste. Em São Paulo

conseguiu um trabalho em poucos dias e o salário que recebia, pretendia reservar

uma parte para o futuro, “eu recebia meu salário e sempre depositava uma parte

para o meu pai, uma parte eu tirava pras despesas e guardava o resto na poupança.

Eu via muitos gastando todo o dinheiro, com mulheres e bebida, e fiquei prestando

atenção, daí eu comecei a juntar”.

Médico era a profissão dos sonhos para o Caio quando criança. Apesar de ter

concluído o ensino médio, não seguiu carreira acadêmica. Na sua juventude ouvia

as pessoas falando que o Estado de São Paulo era muito bom para trabalhar e, com

14 anos, foi pra São Paulo morar com sua irmã e procurar emprego. Apesar de

começar trabalhando com o seu cunhado fazendo frete, transportando barracas de

feirantes em um caminhão, logo juntou uma boa quantia de dinheiro e comprou em

sociedade com seu cunhado outro caminhão. Sonhava em voltar para o Ceará, e

vendeu o caminhão para com o dinheiro, comprar um carro e montar um negócio

próprio em sua cidade natal, porém, o comprador não pagou tudo e o dinheiro que

lhe sobrou só deu para comprar o carro, passando a fazer fretes em Itapajé.

O Vitor expos que não tinha grandes sonhos. Pensava mesmo era em ser

motorista. Não chegou a fazer planos quando jovem, pois, aos 16 anos juntou-se

Page 93: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

91

com a namorada de 15 anos, e declara, “sabe como é adolescente, não quer saber,

pensa que está certo e pronto, que tudo é fácil e vamos ficar junto e se não der,

vamos fugir, tudo se resolve”. Geógrafa era a carreira que a Ana sonhava em seguir.

Concluiu o ensino médio, mas, quando seus pais mudaram da cidade de Orós/CE

para Fortaleza, em seguida se separaram. Não tendo apoio do pai desde então, teve

que trabalhar para ajudar sua mãe e seus irmãos menores, não podendo realizar

seu sonho. Quando jovem, foi trabalhar em uma confecção perto de casa,

inicialmente no estoque e depois como vendedora da loja de fábrica. Ana assim

relata, “eu comecei a sonhar em ter uma confecção e ser bem sucedida, comprar

uma casa, trabalhar pra mim mesma, que mesmo sendo pouco é meu”.

Seu sonho está relacionado com a superação das dificuldades que enfrentava

com sua família, em que muitas vezes, não tinham o que comer durante o dia. A

mãe de Ana trabalhava de doméstica para uma cunhada, numa confecção de peças

íntimas, as funcionárias almoçavam no local e o que sobrava da comida, sua mãe

levava para casa, sendo às vezes, a única alimentação do dia. Ana relata que antes

de ir trabalhar na confecção, esperava por uma oportunidade de trabalho e sobre o

fato de passar, às vezes, o dia sem se alimentar, expõe que, “era muita gente pra

comer, então a minha mãe não queria abusar, achava que ela já estava dando muita

coisa, que era o trabalho e o resto da comida. Mas realmente era muita coisa,

porque nós não tinha nada”.

A Sara também passou por diversas dificuldades e apesar de não ter pais

separados, segundo seu relato, sua família era desestruturada. Seu sonho de

criança era apenas ter dinheiro. Sonhava em sair da favela onde vivia, a favela do

Lagamar. Com suas palavras, descreve seus pensamentos que tinha quando

criança: “o que eu vou ter pra comer amanhã e o que vai ter na favela hoje? Vai ter

forró? Vai ter bala? A criança de periferia ela pensa nisso, o foco dela é aquele

mundo que ela vive, não tem perspectiva, ela vive um dia após o outro, ela vive

daquilo ali”. Na juventude, Sara continuava com o sonho de sair da favela. Assim,

começou a trabalhar com 15 anos, buscava superar a vida que levava e, relata,

“Eu sou de Fortaleza, eu sou da periferia certo, eu venho de uma favela no Bairro Pio XII, a favela do Lagamar. Venho de uma família totalmente desestruturada, mas eu sempre tive objetivos desde pequena. Apesar de não ter pai e mãe presente, mas eu sempre fui a focada sabe, eu sempre fui a diferente, eu não corria com todo

Page 94: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

92

mundo, eu sempre era a crente, eu sempre fui diferente. Então é por isso que hoje eu tenho uma vida totalmente diferente da deles, mas coisas da vida mesmo, que tem coisas que a gente não sabe nem explicar, como acontece né? Você tem pais totalmente desestruturados, que bebe, que fuma, mora numa periferia, tem tudo pra ser ruim, tudo pra fazer o que não presta, e por acaso, coisa de Deus mesmo, você acaba seguindo outro caminho”.

A Raquel sonhava em ser odontóloga, tentou o vestibular, mas não passou.

Em seguida, surgiu uma oportunidade de emprego na aviação, deixando assim, os

estudos de lado nesse período. Passou sua juventude vendo seus pais engajados

no comércio e começou a fazer reservas já no seu primeiro emprego para um dia ser

comerciante também. Fez licenciatura em Filosofia por questões culturais, servindo-

lhe depois para trabalhar como professora.

A busca por oportunidades de emprego por alguns, ocorreu com a tentativa

de melhorar a qualidade de vida, em Estados que não são os seus. Nesse contexto,

três dos quatro homens que compõem os sujeitos da pesquisa saíram do Ceará

para tentar a vida em São Paulo, Pedro e Raul foram com 19 (1988) e 18 (1979)

anos respectivamente, e Caio viajou ainda adolescente, com 14 anos (1975).

Levando em conta o período entre as décadas de 1975 a 1988 em que esses

sujeitos ainda jovens seguiram para São Paulo, percebe-se a relação com o período

de acumulação fordista, que apesar de não ter se concretizado no Brasil nos

parâmetros europeus de seguridade, houve nas regiões centrais brasileiras, certa

estabilidade e crescimento do emprego no período fordista. Grande parcela da

população não pode se inserir no mercado de trabalho, mesmo com o crescimento

da economia, permanecendo fora da seguridade social e do padrão de vida

melhorado, que só foi possível para poucos (CONSERVA & ARAÚJO 2008).

A ida desses sujeitos da pesquisa para o Estado de São Paulo tem relação

com o discurso proclamado na época no Ceará, que havia muitas oportunidades de

trabalho e ascensão econômica em São Paulo. Dois deles já tinham família morando

no Estado, facilitando sua acomodação pelo período em que lá residiram. Em suas

declarações durante a pesquisa, os três entrevistados expuseram que foi este

discurso que os impulsionou a realizarem esta viagem.

Mesmo que os anos que compreendem suas experiências de trabalho em

São Paulo, 1975, 1979 e 1988, período em que o padrão de acumulação já estava

Page 95: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

93

em crise, Caio e Raul, declaram que não só conseguiram trabalho fácil, como

puderam trazer uma quantia em dinheiro que permitiu a Caio comprar um carro e a

Raul, comprar uma casa na periferia de Fortaleza. Pedro enfrentou uma situação

totalmente diferente, porque em 1988, a crise que se iniciara no final da década de

1960, teve um aprofundamento de todas as suas consequências na década de 1970

e maiormente em 1980 (CONSERVA & ARAÚJO 2008). Portanto, para Pedro,

mesmo tendo conseguido trabalho formalizado em certo período que estava em São

Paulo, como veremos em seu discurso adiante, sua experiência não foi exitosa.

A década de 1980, apesar das lutas sociais que possibilitou a conquista de

direitos e da seguridade social, foi de intensa crise econômica. A dificuldade em

promover políticas econômicas que promovessem uma melhor redistribuição de

renda na América Latina, que consequentemente, inclui o Brasil, dentre outras

características, gerou o aumento da dívida externa do país e da inflação que em

1981 estava em 91,2% e saltou em 1985 para 217,9%. A dificuldade de recuperação

da economia provocou uma diminuição dos gastos públicos pelo Estado, aumento

do desemprego e da informalidade da economia (BEHRING & BOSCHETTI 2011).

Somam-se a estas dificuldades que os trabalhadores enfrentaram na busca

por uma melhoria na qualidade de vida e condições de trabalho, uma acentuada

desestruturação e desqualificação do trabalho á partir da década de 1980. Em se

tratando da maioria dos sujeitos entrevistados e levando em conta as ocupações em

que trabalharam ao longo da vida, como vigia, porteiro, ajudante de manutenção,

costureira, camareira, motorista, agricultor, servente de pedreiro etc. Percebemos

que suas qualificações são aquelas denominadas facilmente encontradas no

mercado de trabalho.

Neste contexto, encontra-se a questão do trabalho intelectualizado e a

desqualificação de grande parte das demais categorias e ocupações laborais. O

trabalho passa a conter, em especial, uma pequena parcela de mão de obra

intelectualizada que possui em elevado grau de segurança no trabalho quanto a sua

estabilidade e com remunerações muito mais elevadas que a grande maioria

daqueles considerados desqualificados. Estes por sua vez, são subdivididos entre

aqueles que trabalham em tempo integral, mas que suas ocupações são

espontaneamente encontradas no mercado de trabalho e por isso são cargos que

Page 96: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

94

tem alta rotatividade de contratações e o outro grupo que, são trabalhadores

contratados tendo por base a flexibilização das relações de trabalho e suas

ocupações são em tempo parcial, podendo ser temporários, subcontratados,

terceirizados e possuem total insegurança no emprego, podendo ser substituído a

qualquer momento (ANTUNES 2006).

Vitor, residente em Belém do Pará, veio tentar a vida em Fortaleza, onde já

tinha parentes residindo. Chegou aqui com 24 anos em 1996. Mesmo exercendo a

mesma função que exercia em sua cidade natal, Vitor ganhava melhor que no seu

emprego anterior. O deslocamento para outro Estado retrata a questão do

crescimento desigual dentro do país e que reflete também, a nível mundial, o

crescimento desigual entre países. O crescimento desigual e combinado é resultado

do processo de expansão capitalista entre empresas, ramos produtivos, indústrias e

países. Aumenta-se a expansão de territórios para o aumento da acumulação em

que os países mais ricos e centrais, buscam o excedente lucrativo nos países

menos desenvolvidos e onde encontram mão de obra com valor mais baixo e custo

da terra também, matérias primas em abundância e a baixo custo e nível de

acumulação também mais baixo (IAMAMOTO 2009).

No Brasil, o crescimento desigual entre regiões expressa a exclusão dos

sujeitos nos postos de trabalho, consequentemente tem níveis econômicos

diferenciados e muito desiguais. As regiões Norte e Nordeste possuem uma maior

dimensão desta exclusão se comparadas às regiões Centro-sul, de acordo com os

dados, “41,6% das cidades brasileiras apresentam os piores resultados, sendo a

maioria delas situada nas regiões Norte e Nordeste” (CONSERVA & ARAÚJO, 2008,

p. 84).

4.3 Segunda seção: o percurso de trabalho dos entrevistados

A segunda seção é voltada para o percurso que cada sujeito trilhou no campo

do trabalho antes de ingressar na Feira da Madrugada. Aqui são realizadas três

perguntas, uma indica os trabalhos que os sujeitos exerceram anterior à inserção na

Page 97: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

95

feira, quais desses trabalhos tinham a carteira de trabalho assinada e se sentem

falta de algum deles, e por último, indagamos qual a percepção dos sujeitos sobre

esses trabalhos.

Entre os dez sujeitos pesquisados, apenas uma não mudou de ramo no

trabalho, que é a Vera. Mudaram os locais onde os produtos fabricados eram

vendidos, mas, sempre foi a confecção e o comércio de artigos do vestuário. Vera

relata que como trabalhava com a família, nunca assinou sua carteira, mas contribui

com a previdência. Para ela o engajamento no trabalho, desde criança, foi um

processo natural e tem orgulho de dar continuidade ao trabalho do pai.

A Lia começou a trabalhar com 13 anos para ajudar sua mãe e os irmãos

caçulas após a separação dos pais. Inicialmente sua ocupação era de doméstica,

depois assumiu uma vaga de serviços gerais em um hotel, tendo sua função

deslocada para a de camareira. Quando saiu do hotel, trabalhou como recepcionista

em um motel, assumindo depois o cargo de gerência. Passou um breve período com

depressão e, um dia, indo fazer compras no Beco da Poeira, foi chamada para

trabalhar como vendedora. Seu último trabalho antes de tornar-se uma pequena

empresária, foi em uma confecção, como vendedora na loja de fábrica. Na época,

namorava seu atual marido e, através dele, conseguiu este emprego. Em comum

acordo, o casal decidiu iniciar o próprio negócio, produzindo confecção para vender,

permanecendo nele até hoje. De todos os seus trabalhos, apenas o de doméstica e

o de vendedora no Beco da Poeira não eram com carteira assinada. Gostava de

todos os trabalhos que já teve porque em todos conseguiu melhorar sua função para

melhor. Sempre teve ajudas dos patrões nesta parte, segundo ela, porque não tinha

nem o ensino médio completo.

Com 15 anos, Sara começou a trabalhar numa loja como atendente de

balcão, como era menor, tinha que se esconder no banheiro quando havia

fiscalização. Trabalhou nesta loja por alguns anos, tendo sua carteira assinada

quando completou a idade. Quando engravidou parou de trabalhar, mas com a filha

ainda pequena ficou viúva e conseguiu um emprego em um mercantil. Depois em

uma madeireira que foi onde conheceu seu atual esposo. Teve sua carteira assinada

na loja e na madeireira.

Page 98: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

96

Para Sara, trabalhar nesses empregos na época havia uma enorme diferença

entre eles. Guarda com carinho o seu primeiro emprego, mas o do mercantil, em que

ela trabalhava de seis da manhã até as vinte e duas horas, era bem desgastante e a

remuneração não compensava. Na madeireira o negócio melhorou, não apenas pelo

salário e a carteira assinada, mas também porque agora ela tinha mais tempo para

si e para a filha. Quando saiu da madeireira, seu esposo e cunhados montaram uma

loja para suas respectivas esposas trabalharem, porém, a sociedade não deu certo.

Sara explica que ficou encantada com o comércio de confecção e quando fecharam

a loja decidiu começar a fabricar, dando início ao seu próprio negócio. Nessa nova

empreitada, seu esposo ajudou financeiramente a concretizar esse sonho.

Ana também começou a trabalhar cedo. Inicialmente vendeu coco nos bares,

depois fez sabonete de glicerina pra vender em motéis e vendeu roupas que pegava

em consignação com uma mulher. Também trabalhou fazendo bordados e depois

limpando pontas de linha de roupas em jeans para uma fábrica. Aos 16 anos, Ana

criou coragem e falou com a proprietária da fábrica para trabalhar como funcionária

e receber um salário fixo. Obtendo sucesso, iniciou seu trabalho no estoque e

quando chegou a idade, a proprietária colocou-a para trabalhar como vendedora na

loja da fábrica. Dentre os trabalhos que teve, apenas o da fábrica foi com carteira

assinada. Para Ana, independente das condições de trabalho entre as ocupações

que exerceu, não havia diferenças. No fim, em todos eles, a base era a venda.

Tomou a decisão de montar o próprio negócio e pediu as contas da fábrica para

começar a produzir. Seu esposo a presenteou com a banca na qual ela trabalha hoje

na feira.

O primeiro trabalho da Rejane foi como aeroviária, trabalhando em lojas da

companhia aérea Transbrasil. Nesse período formou-se em Filosofia e fez um curso

de inglês, essencial para o trabalho como professora do nível médio, lecionou inglês,

sociologia, filosofia e história. Depois passou a fabricar confecção feminina

tornando-se pequena empresária.

Ester relata que começou a trabalhar com nove anos, costurando a mão

roupas de bonecas que eram vendidas para as meninas da rua. Aprendeu a fazer

crochê e passou a fazer artesanato para vender e, juntamente com seus irmãos,

também fazia tranças para rede em casa. Aos 10 anos começou a pegar serviço de

Page 99: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

97

uma fábrica para fazer em casa, costurava a mão a bainha das peças e, aos 13 foi

trabalhar diretamente na fábrica como costureira. Quando saiu deste trabalho

conseguiu vaga em outras duas fábricas e, quando completou 18 anos foi trabalhar

numa fábrica de confecção que sua irmã acabara de abrir, por aproximadamente

quatro anos. Neste trabalho costurava biquíni. Decidiu trabalhar por conta própria e

sua irmã assinou sua carteira para que ela recebesse o seguro desemprego e com

este dinheiro, iniciar o seu negócio.

Começou a trabalhar como costureira e colocou um anúncio no jornal dizendo

que costurava malha. Começaram a aparecer clientes e teve que colocar uma

costureira para lhe ajudar, neste período seu pai se aposentou e começou a

trabalhar como corretor de confecção. A casa em que moravam ainda era de taipa,

foi um período muito próspero que todos. A casa foi demolida e construído um

duplex de alvenaria. Quando as coisas melhoraram, sua mãe montou uma sorveteria

no andar de baixo da casa, no mesmo período, dois de seus irmãos passaram por

uma crise financeira, como a sorveteria havia prosperado (chegavam a distribuir

cinco mil picolés em um dia), Ester se desfez de tudo que tinha para ajudar seus

irmãos e passou a ajudar sua mãe na sorveteria, administrando o negócio.

As idas e vindas na vida de Ester não pararam por aí. Casou-se e no período

das três gestações que teve sua vida passou por altos e baixos. Em cada gestação

Ester tinha severas crises de enjoos por no mínimo quatro meses, na primeira

gestação, não conseguiu mais trabalhar na sorveteria e, antes da criança nascer, o

negócio foi a ruína sem a sua administração. Desta mesma forma, ocorreu cada vez

que ficava gestante, passou da bonança a pobreza. Após a segunda gestação, no

segundo mês de resguardo, começou novamente a costurar e seu esposo

conseguiu um emprego de vigia em um prédio. Quando tudo estava prosperando e

Ester já tinha sete costureiras trabalhando para ela, veio a terceira gestação e ela

desfez-se de tudo novamente. Após esse período, voltou a fabricar para si e não

parou mais. Sua carteira foi assinada por sua irmã e quando administrava a

sorveteria.

Pedro relata que até os 18 anos trabalhou na roça com o seu pai. Em

seguida, foi para São Paulo e inicialmente trabalhou de servente de pedreiro. Depois

trabalhou em uma siderúrgica, assumindo primeiramente a função de ajudante de

Page 100: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

98

manutenção e depois de porteiro na mesma empresa. Pediu demissão da empresa

pra montar o negócio próprio, que na época foi uma mistura de bar com mercearia,

onde vendia cereais, alimentos e bebidas. Em 2004 vendeu o ponto e veio para

Fortaleza, onde trabalhou como porteiro em um condomínio e depois passou para

uma empresa de manutenção. Depois destes empregos, começou a trabalhar na

feira vendendo as mercadorias que sua esposa já fabricava, que eram cuecas.

Todos os seus trabalhos foram com carteira assinada.

A agricultura também foi o primeiro trabalho de Raul, depois trabalhou em

uma mercearia por três anos. Com 18 anos foi para São Paulo e trabalhou na

construção civil também pelo período de três anos, em seguida, veio morar em

Fortaleza e começou a trabalhar em uma metalúrgica, onde permaneceu por

dezessete anos. Saiu da metalúrgica por iniciativa própria, para ajudar sua esposa,

na venda dos produtos que ela fabricava, inicia-se a consolidação do pequeno

empreendimento na Feira da Madrugada. Exceto o emprego na mercearia, os

demais foram com carteira assinada.

Caio aos 14 anos começou a trabalhar em uma feira em São Paulo com sua

irmã e cunhado, fazendo fretes. Quando retornou para Itapajé, comprou um carro

com o dinheiro que havia ganhado e passou a fazer fretes em sua cidade natal. Sua

irmã e cunhado vieram morar em Fortaleza e Caio veio tentar a vida na capital.

Trabalhou inicialmente em um depósito de bebidas. Em seguida, em uma

construtora e por fim na prefeitura como motorista. Caio é o único dos entrevistados

que possui duas ocupações, ainda trabalha na prefeitura e também na Feira da

Madrugada. Seu incentivo junto à sua esposa para aumentar a renda da casa

proporcionou que hoje eles sejam pequenos empreendedores. Exceto seu trabalho

na feira em São Paulo, os demais foram de carteira assinada.

A primeira ocupação de Vitor foi de feirante na SEASA em Belém/PA, aonde

vendia frutas. Com 18 anos começou a trabalhar como cobrador de ônibus, função

que exerceu por cinco anos e em seguida três anos de motorista na mesma

empresa. Veio para Fortaleza em 1996 e, trabalhou por doze anos na mesma

empresa como motorista de ônibus. Decidiu sair assim como Raul para ajudar a

esposa na confecção que já prosperava, o trabalho na feira foi uma consequência.

Seus trabalhos foram com carteira assinada, exceto o de feirante em Belém.

Page 101: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

99

Uma das características dos sujeitos entrevistados de ambos os gêneros é

que todos iniciaram suas ocupações laborais ainda na infância ou adolescência,

dentro da produção familiar como, por exemplo, a Vera com dez anos, ou fora do

âmbito familiar, como a Ester com treze anos que trabalhou como costureira e a Lia,

também com treze anos, começou a trabalhar como doméstica. Caio começou aos

quatorze anos em São Paulo e, apesar de Raul e Pedro começarem a trabalhar já

adultos, com dezoito e dezenove anos respectivamente, na adolescência,

trabalharam na agricultura com os seus pais. Vitor começou a trabalhar com

dezesseis anos como feirante e, com esta mesma idade, Ana começou a trabalhar

em uma fábrica de confecções. Sara iniciou seu trabalho em uma loja como

balconista, na época tinha quinze anos. A Raquel, dentre os dez entrevistados, foi a

única que iniciou seu percurso laboral já adulta, com dezoito anos.

A análise desses dados está relacionada com a condição que a sociedade

vive desde o final do século XX até o ano 2014, em que se inscreve o período desta

pesquisa. As estratégias que o capitalismo tem instaurado para o aumento da

acumulação e sua constante reprodução, sempre acarretaram a degradação

humana e, do século XX para o XXI, seu caráter destrutivo, tem potencializado,

todas as formas de exploração do trabalhador, como também, a pobreza. A

modernidade dos setores econômicos e financeiros anda em paralelo, com

constituições de relações de trabalho exploratórias, arcaicas e precárias, como o

trabalho infantil, feminino e de imigrantes, que “pareciam relíquias da história”, mas

são “reatualizadas” (Netto & Braz, 2012, p.256).

O trabalho infantil é uma realidade na Feira da Madrugada, a todo o momento

vemos adultos, pais e mães, comercializando algo com seus filhos ainda criança. É

o caso de uma mulher que vende água e refrigerante, ela e seu filho de

aproximadamente doze anos, passeiam pela feira, cada um com seu isopor

oferecendo e vendendo seus produtos. Também é o caso do homem que eu compro

lanche toda feira, até o final do ano ele e sua esposa levavam o filho de dez anos

para ajudar nas vendas, quando perguntei ao garoto porque ele estava acordado de

madrugada na feira, disse-me que não havia com quem fica em casa e por isso seus

pais o levavam. Sua mãe estava gestante e trabalhou na feira até o nascimento do

Page 102: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

100

bebê e, como ela teve que ficar em casa cuidando do bebê, seu filho pôde ficar com

ela em casa e não vai mais para a feira.

Outros casos são visíveis no cotidiano de trabalho na Feira da Madrugada, de

crianças ou comercializando com seus pais, ou simplesmente ficando na feira por

não ter outro local para ficar. A pobreza vivenciada e relatada por alguns dos

sujeitos da pesquisa é uma das causas do trabalho infantil, onde as crianças

trabalham para ajudar o rendimento familiar. Esta realidade não é comum apenas na

feira, em 10 de Junho de 2014, o Jornal O Povo publicou uma matéria relatando que

foram identificados 400 casos de trabalho infantil no Ceará em 2013. O número,

porém é inferior a realidade devido ao pequeno quantitativo de profissionais para

realizar o estudo em todo o Estado, que ocorreu na capital e região metropolitana de

Fortaleza.

Apesar dos avanços no que diz respeito a promulgação da Constituição

Federal Brasileira em 1988 e suas leis complementares na década de 1990,

relativas aos direitos sociais e trabalhistas, o Brasil vivenciava um período com baixo

crescimento econômico. Sob a ideologia neoliberal de retração da intervenção do

Estado social, juntamente com as diretrizes dos organismos internacionais como o

Banco Mundial, o país vivencia desde então e até hoje, no século XXI, contenção

com os gastos sociais; privatização das empresas estatais; redução salarial,

desemprego; pobreza e miséria (SANTOS 2012).

O percurso de trabalhos/empregos que os participantes da pesquisa trilharam,

demonstra outra dimensão que ocorre na classe trabalhadora que é a instabilidade e

a rotatividade no emprego. Esta característica é acentuada a partir da década de

1980, juntamente com a flexibilização das relações de trabalho e consequentemente

o aumento do trabalho informal (SANTOS 2012).

A informalização é inclusive enaltecida por aqueles que coadunam com a

política neoliberal, como sendo uma criatividade do povo brasileiro e uma saída para

a pobreza. Neste contexto temos o seguinte relato do,

[...] ministro do Trabalho, Edward Amadeo, por exemplo, em um de seus textos, diz o seguinte: “uma pessoa desempregada [...] pode engraxar sapatos em uma estação de trens ou vender maçãs em uma esquina. Se ela não está fazendo nenhuma das duas coisas, está escolhendo não fazer”. Não é um primor de liberalismo? Se existem

Page 103: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

101

metalúrgicos desempregados, é porque eles se recusam a vender chicletes no sinal de trânsito (SALM, 1998, p. 20 apud SANTOS, 2012, p. 191).

A pobreza fez parte do cotidiano de alguns dos sujeitos participantes desta

pesquisa, motivo pelo qual, eles buscaram alguma atividade lucrativa para aumentar

o rendimento da família e, mesmo, para não passar fome. A outra característica que

é a redução salarial, que levou a maioria dos entrevistados a deixarem seus

trabalhos formais para tentar um maior rendimento mensal, sendo um dos motivos

de seus ingressos na feira, como também, percebe-se que alguns naturalizam a

pobreza em que viviam, como será retratado na fala do Raul mais a frente, e que faz

parte do discurso neoliberal citado acima, em que os sujeitos são responsáveis pela

situação em que vivem. Estes contextos serão retratados a seguir, de acordo com as

falas dos entrevistados.

4.4 Terceira seção: O trabalho na Feira da Madrugada

A Feira da Madrugada é o assunto da terceira seção do questionário e possui

cinco perguntas. Inicialmente busca-se compreender os motivos que levaram os

sujeitos a ingressar na Feira da Madrugada. Depois apreendemos quais os tipos de

mercadoria que os sujeitos já comercializaram na feira e se, inicialmente, eram

comprados produtos prontos ou já eram fabricados por eles. Em seguida

perguntamos sobre as dificuldades encontradas para realizar o trabalho na feira,

incluindo a produção das mercadorias e a conquista da clientela. As duas últimas

perguntas desta seção informam se possuem empresas registradas e os motivos

para o registro ou não de seus empreendimentos e se contribuem para a

previdência.

A inserção na Feira da Madrugada em Fortaleza para Vera foi um

acontecimento natural. Segundo ela, sua família já fazia viagens para outros

Estados para vender os produtos fabricados. Com o passar dos anos, o movimento

de clientes advindos de outros Estados começou a aumentar em Fortaleza, e a

família decidiu parar com as viagens. Vera explica que “com o crescimento de

clientes interestaduais as viagens foram ficando desnecessárias, a nossa produção

Page 104: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

102

foi crescendo gradativamente, com isso fomos fixando raízes na Feira da

madrugada”. O motivo para Vera e seu esposo permanecer trabalhando na feira,

apesar de formados em contabilidade, é porque, segundo ela, “trabalhar como

contabilista não compensa, o rendimento é muito, muito menor”.

Como já explanado anteriormente, sua família sempre produziu o mesmo

segmento que é roupa íntima. Vera afirma que não encontra dificuldades para

produzir sua mercadoria, é necessário que haja um equilíbrio financeiro, já

alcançado por sua família. A clientela foi tornando-se fiel com o passar dos anos,

porque é um processo, segundo ela, “não é da noite para o dia, é um pouco

demorado, pois temos que trabalhar com qualidade e preço baixo”. Há muito tempo

registraram a empresa devido às viagens e clientes em outros Estados, devido à

necessidade de emissão de nota fiscal. Apesar de nunca ter assinado sua carteira

de trabalho, não se descuidou de sua aposentadoria, hoje, toda a família contribui

com a previdência privada.

A Vera é a única dos sujeitos entrevistados que produz para dois públicos-

alvo: masculino e feminino. Sua produção é voltada principalmente para camisolas e

babydolls, adulto e infantil e tem uma menor escala produtiva para os pijamas

masculinos infantis. Explica que a produção de pijamas masculinos infantis veio com

o passar dos anos para atender ao pedido de clientes e permanece na linha de

produção.

A Lia trabalhava com seu namorado (atual esposo) em uma confecção; ela

como vendedora da loja de fábrica e ele, como motorista. Devido as insatisfações no

trabalho por parte de seu companheiro, decidiram sair da empresa e começar a

fabricar roupas femininas, montando o próprio negócio. Souberam da existência da

feira e quando começaram a produzir já foram procurar uma banca para comprar.

Fizeram um empréstimo de dois mil reais, que ajudou a iniciar a produção. Ele saiu

primeiro para dar início ao processo e ela permaneceu na empresa para ter um

salário certo, eles estavam ainda iniciando o negócio e o rendimento era incerto. Os

motivos que levaram Lia e seu companheiro a sair do emprego formal para o

informal, segundo ela, “seria criar o próprio horário de trabalho, na verdade eu

busquei a feira para ter nossa independência”.

Page 105: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

103

Inicialmente a produção era realizada toda terceirizada, eles compraram o

tecido e encomendaram a modelagem, o corte do tecido e a costura era tudo por

fora. Com o tempo ele começou a cortar e achamos melhor colocar as costureiras

em casa porque acharam mais econômico do que a terceirização. A legalização da

empresa ocorreu quando contratou as costureiras para trabalhar em casa, evitando

problemas futuros. O registro serviu para outras coisas como abertura de crédito

como pessoa jurídica, facilidade em realizar compras por ter um CNPJ e poder emitir

notas fiscais, agora que possuem clientes de outros Estados. A firma é aberta no

nome dele e a carteira da Lia foi assinada por sugestão do contador. Lia produz

blusas femininas em modelos e tecidos variados, que acabam por ter preços

diferenciados, tentando segundo ela, atrair vários tipos de clientes.

Sara ingressou na Feira da madrugada após uma sociedade numa loja de

confecção com suas cunhadas não ter dado certo. A loja situava-se em frente ao

Iguatemi e era muito sofisticada. Seu esposo, juntamente com seus cunhados,

montaram a loja para as esposas. Segundo ela, trabalhar com roupas tornou-se sua

paixão. Sara explica que mesmo seu esposo tendo perdido muito dinheiro com a

sociedade, ajudou-a comprando dela, o consórcio de uma moto que ela havia pago,

o rendimento foi a quantia de cinco mil reais. Deste valor, guardou dois mil reais e

com o restante, comprou tecido e começou a produzir roupas femininas, sua

produção era terceirizada. Em um ano de produção, Sara afirma que só de lucro

juntou mais de dez mil reais, fora o dinheiro investido em mercadorias.

Montar uma loja para Sara foi uma consequência natural. Inicialmente ela

vendia de porta em porta, mas com o aumento do investimento e da produção,

tornou-se necessário abrir a loja. A primeira loja não foi na feira e o ponto não

prosperou, foi quando soube da Feira da Madrugada. Com a economia que ela havia

feito, deu entrada num box e parcelou o restante para pagar com o lucro das

vendas. Hoje após um ano de seu ingresso na feira, o ponto está quitado e uma

vendedora toma conta e, já começou a pagar outro, onde a Sara fica trabalhando.

Como não sabe costurar, a dificuldade que encontra para produzir suas peças, é

conseguir costureiras que confeccionem com qualidade, mas já possui um grupo

que atende suas expectativas. Registrou sua empresa especialmente para facilitar

as compras, para Sara, quem tem CNPJ tem mais facilidade de acesso,

Page 106: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

104

principalmente para compras em outro Estado, como ela realiza. Contribui com a

previdência através da sua empresa.

A Sara produz para o público feminino adulto e, diferentemente dos demais

sujeitos da pesquisa, sua produção de modelos é bem diversificada. De acordo com

o discurso dela, desde que começou a fabricar, já foi produzindo mercadorias

diversificadas, porque incialmente sua produção era vendida de porta em porta.

Assim, para ela, a cliente que lhe comprasse poderia adquirir o look completo de

uma só vez. Mantendo essa característica inicial, hoje produz saias, blusas, calças e

shorts femininos. Os motivos explanados por Sara para o seu ingresso na Feira da

Madrugada é que ela queria ter o próprio negócio e dar uma vida melhor para a filha.

Apesar de não precisar ajudar em casa porque seu esposo cobre todas as

despesas, ela queria ter um bom rendimento próprio para dar a filha uma vida

melhor que a sua, da infância sofrida na favela e para ajudar a sua mãe.

A realização do sonho de Ana, de colocar o próprio negócio, teve início

quando pediu demissão da fábrica de jeans onde trabalhava. Com o dinheiro da

rescisão e a ajuda de sua ex-patroa, comprou jeans para começar seu pequeno

empreendimento. Sua produção foi toda terceirizada, ficando com a parte do

acabamento, embalagem e etiquetagem da mercadoria. Porém, o investimento tinha

que ser muito alto para confeccionar em jeans, acabou mudando para a confecção

de camisetas femininas. Ficou sabendo da Feira da Madrugada e alugou uma banca

para trabalhar. Com o tempo, o dono da banca voltou a trabalhar na feira e ela teve

que sair. Seu esposo é funcionário público e possui uma equilibrada situação

financeira, comprou e deu de presente, uma banca para Ana na feira.

Ana produz para o segmento adulto e infantil, seu público alvo é o gênero

feminino. De acordo com ela, sua produção inicialmente era de camisetas regatas

feminina. Com o passar do tempo ela percebeu que estava perdendo dinheiro com

as sobras de tecido e passou a fabricar roupas infantis femininas, em menor escala

que as camisetas. Decidiu registrar a firma quando precisou enviar mercadoria para

outro Estado, necessitando emitir nota fiscal. Ana explicou que seu sofrimento na

juventude por falta de dinheiro e comida a motivou para ter seu próprio negócio,

buscando uma melhor qualidade de vida. Trabalhar inicialmente na informalidade

Page 107: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

105

não era problema para ela, mas agora, está satisfeita por ter a firma registrada e

contribuir para a sua aposentadoria.

Raquel afirma que não queria ter que chegar a sua idade batendo ponto em

uma empresa. Esse é o principal motivo para seu ingresso na Feira da Madrugada,

principalmente porque, já havia ao longo de sua vida laboral, economizado e

investido o suficiente para não precisar trabalhar hoje, mas continua na feira porque

não gosta de ficar parada, e mesmo a feira funcionando na quinta e domingo, ela só

trabalha aos domingos. Raquel não sabe costurar e sua produção é toda

terceirizada: compra os tecidos, faz o corte e envia para as facções. As costureiras,

para ela, são o maior problema para quem fabrica. Encontrar pessoas que

confeccionem com qualidade e entreguem em tempo hábil são dificuldades bem

presentes.

A Raquel já produziu outros tipos de confecção, mas há alguns anos se

deteve na produção de blusas femininas para o público adulto e segue o mesmo

estilo de produção da Lia: modelos, tecidos e preços variados, buscando atender a

uma clientela mais diversificada. Há um tempo, Raquel registrou uma firma que

atualmente está inativa, não pretende mais registrar outra ou abrir a que está

fechada. Continua com a sua contribuição mensal para a previdência. Antes de

trabalhar na Feira da Madrugada, Raquel trabalhou novamente na aviação, porém,

os ganhos foram satisfatórios, as condições de trabalho e remuneração não se

repetiram como outrora. Nesse contexto, além da liberdade, outro motivo para seu

ingresso na feira foi o rendimento que o trabalho informal lhe proporcionaria, que foi

e está sendo maior que o anterior trabalho formal.

Ester trabalhou um período por conta própria como faccionista e em diversas

empresas e na sorveteria de sua mãe. Só após a terceira gestação foi que ela

passou a produzir as peças para ela mesma vender e não apenas costurar para os

outros, não parou desde então. Empreendedorismo segundo Ester, é a sua principal

característica, e ter o próprio negócio sempre foi o seu desejo. Inicialmente, vendia a

sua produção na feira da Praça José de Alencar no horário de meio dia às quatorze

horas e no Beco da Poeira. Nesse período, sua produção era vendida quase toda

para pessoas que trabalhavam nesses locais revenderem, ou seja, para

atravessadores, diminuindo bastante o seu lucro. O motivo principal, que a levou a

Page 108: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

106

trabalhar na Feira da Madrugada, foi para vender seus produtos diretamente aos

sacoleiros, aumentando o seu lucro, também pesaram a liberdade e o rendimento

possibilitado pelo negócio próprio, assim, resolveu fazer um teste.

Foi conquistando os clientes e em pouco tempo não dava conta de produzir

sozinha, suas vendas aumentaram bastante, tendo que terceirizar sua produção. De

acordo com Ester, “pra quem trabalhava para os outros, trabalhava numa confecção

de costureira, aquilo ali, no dia em que eu ganhei mil reais numa feira, aí eu disse,

esse negócio aqui é bom, depois então, comecei a vender muito mais”. Ester

começou produzindo de acordo com a moda de cada período, primeiro foram os

shorts em cetim, macaquinhos de malha, vestidinhos em malha modal e hoje,

produz vestidos em modelos variados e sempre em um mesmo tipo de tecido que é

uma malha chamada de Liganete. Decidiu fabricar apenas os vestidos porque é uma

mercadoria que sempre vende, independente da moda. Nunca teve problemas para

produzir suas mercadorias. Ester sabe cortar e costurar, facilitando todo o processo,

inclusive para ensinar, quando necessário, as faccionistas na produção.

Houve um tempo em que Ester, que possui empresa registrada, tinha

costureiras trabalhando em casa, todas com carteira assinada, porém, em 2012 ela

passou dois meses doente sem poder administrar o negócio. Seu esposo tomou a

frente e, associando a má administração e um roubo no valor de dez mil reais, Ester

viu seu mundo ruir. Perdeu o crédito nos bancos, desfez-se de bancas de sua

propriedade no interior para pagar dívidas, demitiu suas costureiras e trabalha no

vermelho até hoje. Registrou a empresa inicialmente para conseguir linha de crédito

em bancos, trabalhar com talão de cheques e a facilidade de compras através do

CNPJ, serviu posteriormente para contribuição na previdência e para registrar suas

funcionárias, motivo de orgulho para Ester.

Relata que voltar a dimensão de produção que vinha tendo, dará um trabalho

e demandará tempo, mas que assim como em outras ocasiões, dará a volta por

cima. Em suas palavras Ester expressa sua esperança no futuro,

“Está com dois anos que aconteceu isso, foi um choque para aquele padrão que eu estava. Hoje estou com o nome sujo no SPC, no SERASA, fiz acordo de até trinta e seis meses, estou dizendo que o meu volume era grande aqui, mas estou pagando tudinho aos poucos, ainda este ano vou quitar muitas dívidas. Até hoje estou passando dificuldade, por causa da crise e do dinheiro que o ladrão

Page 109: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

107

levou, a diferença hoje? O capital de giro que eu não tenho mais e nem crédito, porque se eu tiver mercadoria eu vendo, aqui ou no interior, eu pego essa mercadoria e em pouco tempo estou com tudo em pé de novo”.

Raul explica que gostava muito do trabalho na metalúrgica, na qual ficou por

dezessete anos, diz não ter se sofrido pressões no trabalho, fazia cursos de

aperfeiçoamento, recebia em dia e tinha benefícios, dentre eles o plano de saúde. O

motivo para pedir demissão e trabalhar na Feira da Madrugada ajudando sua

esposa, é que no seu trabalho, a produção havia diminuído e consequentemente

alguns benefícios e, como a produção e venda das mercadorias de sua esposa

estavam crescendo, optou por sair do emprego formal. Nesse período de discussão

sobre o que seria melhor para o casal, souberam da Feira da Madrugada e

resolveram fazer um teste, as vendas e o lucro foram bons, tirando as dúvidas que

restavam.

Acabaram registrando a empresa porque a SEFAZ fazia rondas na Praça da

Sé e quem não tivesse nota fiscal a mercadoria era apreendida. O registro também

traria benefícios como crédito, facilidade de compras e a contribuição para a

previdência. Não tiveram problemas para a produção porque sua esposa sabe

cortar, fazer modelagem e costurar, uma parte da produção é feita em casa e outra

terceirizada. Raul ajuda a vender na feira, comprar o material, embalar as

mercadorias e colocar as etiquetas.

Raul produz exclusivamente para o público alvo feminino infantil. Sua

produção se detém em modelos variados de vestidos e possui dois tipos específicos.

Alguns modelos fabricados se destinam aos vestidos de festas, utilizados

geralmente em aniversários e ou para daminhas de honra em casamentos, Os

outros tipos de vestidos são para ocasiões casuais, também em modelos

diversificados. O discurso do Raul é de que eles procuraram produzir um tipo de

mercadoria pouco fabricada na feira, e que acabou dando certo os tipos de vestidos

que eles fabricam.

O Vitor foi outro entrevistado que pediu demissão da empresa de transporte

urbano onde ele trabalhava, de motorista de ônibus, para ajudar a esposa na

confecção. Os motivos que ele coloca para sair do emprego formal e ir para o

informal, tem haver com as condições de trabalho, segundo suas palavras,

Page 110: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

108

“A gente era obrigado a barrar um velho, barrar uma criança que passava da catraca, a gente era obrigado se tivesse um fiscal, eu saí mais por isso. Eu não tinha capacidade de tá discutindo com uma pessoa idosa por, tá barrando ela, um deficiente, eles queriam que a gente barrasse um deficiente, aí eu não tinha coragem. Aí eles começaram a colocar câmeras nos carros, tudo eles viam né? Esse foi o motivo principal para eu sair e eu já estava fabricando né, ajudou muito, porque se eu não tivesse outra renda eu ia ter que continuar lá, eu era obrigado, tinha família para sustentar. Como eu já tinha falado a minha esposa começou a fabricar e deu certo né, e consequentemente eu ajudei ela. Não pensei em salário fixo, essas coisas de direitos, eu arrisquei, eu era novo, podia fazer outra coisa se esse não desse certo.

Outro motivo e não menos importante foi a queda do rendimento salarial, de

acordo com Vitor, desde quando ele começou a trabalhar em 1996 no transporte

urbano como motorista. Relata que hoje,

“é o rico cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre. A defasagem foi grande demais. A gente ganhava cinco salários mínimos e quando eu saí, recebia dois e meio, defasagem em mais da metade. E o motorista tem muita responsabilidade, a gente passa por cada uma que só quem já trabalhou e trabalha é que sabe, as situações que a gente vive”.

Vitor produz gola polo adulto. Apesar de ser um único tipo de mercadoria,

diversifica as cores e alguns detalhes. Inicialmente sua esposa já fabricava blusas

femininas, mas a rotatividade da moda exigia uma rotatividade de modelos e tecidos

diferentes, por isso, optaram por fabricar gola polo porque não há muitas alterações.

Registrou a empresa devido a facilidade de compras de tecido em outros Estados,

como Santa Catarina e São Paulo, que às vezes tem um melhor preço e, uma

empresa grande em Fortaleza, só vende para pessoa jurídica. Registrou também a

sua marca, Corte Fino, com receio que alguém falsificasse seus produtos que já são

comercializados em outros Estados e em várias cidades do Ceará. Está sem

contribuir com a previdência desde 2008, mas pretende retomar as contribuições.

Para Caio, não houve a necessidade de sair de seu emprego de motorista na

prefeitura, principalmente porque é um emprego em que ele terá condição de se

aposentar, faltam poucos anos e porque não trabalha o dia inteiro, podendo ajudar a

esposa na produção da mercadoria e inclusive, vendendo na feira. Quinta-feira,

antes de ir para a prefeitura, ele vai com a esposa, arruma a mercadoria na banca e

ajuda a vender até a hora de ir para o trabalho. Seu salário de motorista não é

suficiente para manter a família e, sempre, sua esposa ajudou vendendo alguma

Page 111: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

109

coisa, ou costurando para fora, até que souberam da Feira da Madrugada e,

incentivada por ele, sua esposa começou o negócio próprio.

O motivo para o seu trabalho na Feira da Madrugada é para aumentar o

rendimento, porque anteriormente à feira, eles vendiam seus produtos para

revendedores no Beco da Poeira e o lucro era pequeno, pois eles não vendiam à

vista. Na feira o lucro é maior, as peças são vendidas em dinheiro e para os clientes

revenderem em suas lojas ou em suas cidades. Decidiram não registrar a empresa

porque pensavam em colocar o negócio em outro local, mas acabaram se fixando na

feira e não deram continuidade a ideia do registro. Caio faz as compras de material,

prepara o tecido para o corte, administra as contas e leva o corte para as facções.

Não tiveram dificuldades para produzir porque sua esposa sabia modelar,

cortar e costurar. Hoje, segundo Caio, dividem a produção com as facções. O

segmento infantil feminino foi uma tendência natural por causa de suas filhas

pequenas. Eles produzem hoje conjuntos de camisetas com shorts e saias. Este ano

incluíram na produção arranjos de cabelo e essa ideia está fazendo sucesso.

Pedro relata que ficou desempregado no mesmo período em que seu

cunhado, que trabalhava na Feira da Madrugada, desistiu do negócio. Sua esposa e

sogra já fabricavam cuecas para o seu cunhado vender e enquanto Pedro recebia o

seguro-desemprego, ficou trabalhando na feira vendendo as cuecas. Inicialmente

pensava em procurar emprego novamente quando terminassem as parcelas do

seguro, mas as vendas estavam equiparando o rendimento dele no trabalho e por

isso, acabou acomodando-se na feira.

Sua inserção nela não foi planejada, porém, acabou participando do processo

de produção e hoje, compra o material, prepara o tecido e realiza o corte e trabalha

na feira. Pedro produz cuecas adulto e infantil em dois modelos, cueca box e cueca

comum. Diz que não houve dificuldades para a esposa modelar e produzir as peças,

que hoje são costuradas por ela, sua sogra e uma cunhada. Não possui empresa

registrada e não contribui com a previdência, e relata que o lucro é tão pequeno que

não dá para ter outras despesas. Pretende ainda pagar a previdência, lembrando

que no futuro, na época de se aposentar, vai fazer falta.

Page 112: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

110

Os discursos dos sujeitos da pesquisa revelam que a maioria saiu de seus

empregos formais e migraram por iniciativa própria para o mercado informal de

trabalho, como pequenos produtores de confecção. Entre os motivos principais

estão a liberdade, a redução salarial que sofreram em seus empregos formais e a

possibilidade do aumento de suas rendas mensais. Alguns dos sujeitos formalizaram

suas pequenas empresas e outros permanecem na informalidade.

De acordo com as necessidades como compras de tecido e envio de

mercadorias para clientes em outros Estados, houve a necessidade de formalizar

suas empresas para emitir nota fiscal ou devido à facilidade de compras para

aqueles que possuem o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Este

cadastro também possibilita uma maior abertura de crédito em bancos, como

também, retirada de talões de cheque e facilidade de cadastros nas empresas locais

para realizar compras. Alguns aproveitam para pagar a previdência neste contexto e,

para assinar a carteira de suas costureiras, no caso da Lia, como já foi citado.

A redução salarial demonstrada no discurso de alguns sujeitos é uma das

consequências da ideologia neoliberal que exige a contenção dos salários,

precarizando a classe trabalhadora. O aumento do desemprego, a flexibilidade nas

condições e relações de trabalho são outras características da política neoliberal.

Agravando este processo de precarização temos a dívida pública, que aliada à

redistribuição de renda desigual e uma pequena tributação das rendas mais altas,

ação promovida no campo da política, o percentual maior da carga tributária é

cobrada dos trabalhadores (IAMAMOTO 2009).

Somam-se a estas características neoliberais contra o trabalho, novas formas

de gestão que acarretam na diminuição da mão-de-obra, aumento da produção e da

intensidade do trabalho sem acréscimo salarial e a flexibilização do trabalho,

aumentando os contratos temporários, subcontratados, precários, como também, o

trabalho informal. As ofensivas neoliberais acarretam no aumento da pobreza, do

desemprego e da rotatividade da mão-de-obra, assim como, a expansão do trabalho

desregulado, destituído dos direitos trabalhistas (IAMAMOTO 2009).

O quesito liberdade é colocado sob dois aspectos pelos feirantes:

independência financeira com maior rendimento advindo do negócio próprio,

Page 113: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

111

caracterizando a não dependência de outrem e, a liberdade de horário no sentido de

não bater ponto e de não receber ordens. Todos são conscientes de suas

responsabilidades como a qualidade dos produtos que comercializam, tais como

contas a pagar, pagamento de funcionários ou facção, acordar de madrugada para

trabalhar, incerteza do rendimento mensal devido a oscilação do comércio. O

domingo, que é dia de feira, mostra-se um problema para alguns como veremos no

próximo tópico, etc. Com exceção do feirante Pedro, os demais, independente das

dificuldades e problemas enfrentados ao longo do trabalho na Feira da Madrugada,

não cogitam a possibilidade de retornar a um emprego formal.

Os dados levantados no Brasil pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) entre 1995 e 2003 revelam que o desemprego, de acordo com os parâmetros

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), teve um aumento neste

período de 6,2% para 10%. Neste período o trabalho informal teve um decréscimo

de 47,2% em 2002 para 45,5% em 2003, totalizando aproximadamente 40,6 milhões

de trabalhadores no mercado informal de trabalho. Neste contexto, uma média de 58

a cada 100 trabalhadores não contribui com a previdência social, e 20,4 milhões não

possuem rendimentos ou o mesmo é menor que um salário mínimo (BEHRING &

BOSCHETTI 2011). O Brasil encontra-se na seguinte situação até 2003,

[...] 1,7 milhão de brasileiros ricos, ou seja, 1% da população, se apropria da mesma soma de rendimentos familiares distribuída entre outros 86,5 milhões de pessoas (50% da população); 53,9 milhões de brasileiros (31,7% da população) sobrevivem com menos de R$ 160,00 mensais e são considerados pobres; e 21,9 milhões de brasileiros (12,9% da população) são indigentes, ou seja, possuem uma renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo (BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 185).

Os dados comprovam que a pobreza, o desemprego e a informalização do

mercado de trabalho são um fato. A redução salarial também é discutida por outros

autores e é comprovada sua incidência não apenas no Brasil, mas em todo o

mundo. Mesmo no período dos anos de ouro do capital, a pobreza absoluta e as

desigualdades sociais nunca foram extintas, apenas atenuadas neste período. O

resultado positivo dos anos dourados foi o surgimento e a implementação de

políticas que possuem caráter redistributivo e universais, pois havia neste período a

intencionalidade de estabelecer um padrão de igualdade, porém, sob o sistema

capitalista não é viável (BEHRING & BOSCHETTI 2011). Assim, a classe

Page 114: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

112

trabalhadora acaba tendo seus direitos retraídos, quando não destituídos deles, e

uma multidão vive na miséria.

Todo esse processo contra o trabalho é maiormente incidido em países tidos

como periféricos, que é o caso do Brasil, onde a acumulação do período

taylorista/fordista, o estatuto salarial, a segurança e pleno emprego, dentre outras

características nunca se concretizou como nos países centrais (CONSERVA &

ARAÚJO 2008). Apesar de tudo, os sujeitos da pesquisa em seus percursos de vida

e trabalho, buscaram tornar realidade uma qualidade de vida que não encontraram

nos postos de trabalho, inserindo-se no mercado informal da economia.

4.5 Quarta seção: Conceitos e representações

A quarta e última seção busca a compreensão dos conceitos e

representações que esses sujeitos possuem sobre o trabalho na Feira da

Madrugada e sua condição enquanto trabalhador no setor informal da economia,

perfazendo três questões. A percepção sobre o trabalho na feira, relacionando com

os motivos que os levaram a esse campo de trabalho é a primeira pergunta desta

seção. Esclarecido este fato, questiona-se o que mudou na vida dos sujeitos após o

ingresso na feira, levando em conta o âmbito econômico e social. Por fim, buscamos

compreender a percepção dos sujeitos, quanto às estratégias, que poderiam vir a

melhorar as suas condições de trabalho como feirantes, advindas dos

administradores dos locais de trabalho e pelo Governo.

4.5.1 Percepção sobre o trabalho na feira e tempo livre

Entre os dez entrevistados, o único que não relatou uma melhora nas

condições de vida e trabalho foi o Pedro. Entre as suas reclamações encontra-se,

insatisfação com o rendimento, que não superou o valor que recebia em seu antigo

emprego, somado ao rendimento da sua esposa, ou seja, seu salário anterior,

Page 115: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

113

somado com o lucro que sua esposa tinha com a produção de cuecas, é o mesmo

que eles conseguem hoje, vendendo sua produção na Feira da Madrugada, já que o

lucro não é mais dividido com o seu cunhado como antigamente. Mas com relação a

qualidade de vida, ele relata que não alterou quase nada.

Pedro também é o único que fala em voltar ao trabalho formal. Como

argumentos, ele cita o salário fixo, porque na feira o rendimento é incerto a cada

mês, como também a questão relacionada aos direitos trabalhistas, tendo como foco

a aposentadoria. Outra comparação que Pedro faz do trabalho formal com o informal

e que, o faz pensar em voltar a trabalhar para uma empresa, é que, segundo suas

palavras,

“É uma coisa diferente do trabalho registrado, que todo mês você tem aquele salário fixo, na feira não, tem vez que dá mais, tem vez que dá menos, então eu não aconselho ninguém a fazer isso não, o melhor é arrumar trabalho registrado mesmo, é melhor do que feira. Eu sinto muito a falta de folga também, a gente trabalha em feira, a gente não tem final de semana. Final de semana é pra você ter lazer, ou mesmo ficar em casa, mas não, final de semana é enfiado na feira. Sexta e sábado você tem que preparar tudo, as peças pra trazer e na madrugada de sábado para o domingo tem que vir vender, aí o final de semana vai pro bebeléu. Eu já pensei muitas vezes nisso aí, também mais por causa disso, é desgastante. Nos outros empregos eu folgava sábado e domingo né, pegar um serviço em horário comercial, das sete as dezessete horas, sábado e domingo você tá livre, feriado, tudo, e aqui não tem isso não”.

Além de Pedro, Caio, Raquel e Vitor reclamam do final de semana, da falta de

tempo e das responsabilidades. A diferença é que os três últimos, não se

arrependem do trabalho na Feira da Madrugada e não têm pretensão de saírem de

lá.

Caio explica que o domingo é o melhor dia para a vida social, encontrar-se

com os amigos e família, inclusive para ir à igreja. Geralmente, ele e sua esposa

desmarcam compromisso neste dia devido ao cansaço. Mesmo colocando algumas

características ruins relacionadas ao trabalho na feira, como o fato de acordar de

madrugada, o perigo maior de assalto por ser um horário propício a violência e a

estrutura precária da feira, Caio não aborda em nenhum momento, sair dela. Muito

pelo contrário, através do trabalho na feira foi que sua família melhorou a qualidade

de vida. Ele expõe que,

“Economicamente é claro que eu tenho o meu trabalho, mas esse da feira é uma grande ajuda, aquela parte que eu ganho com meu

Page 116: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

114

emprego ela fica como se fosse uma base, por exemplo, pagar a faculdade da minha filha, uma prestação de um carro, porque é uma coisa segura né? A feira é um complemento de salário bem bom, que eu posso dividir, dando um salário para a minha esposa e o resto pra que a gente possa usufruir dele, no meu caso, estou construindo uma casa na Caucaia, se eu tivesse só com o meu salário, não daria pra construir. Então pra mim, pra minha esposa e família é muito importante. Compramos um carro novo, com ar-condicionado, isso não é luxo, é necessidade, sair de madrugada com um carro velho e com os vidros abertos? É uma questão de segurança. Tudo isso aí é o lado bom” (Caio).

Para Raquel, o final de semana tem muita importância também devido a

família e amigos. Ela afirma que possui condições financeiras para viver sem

precisar trabalhar na Feira da Madrugada, e que faz o seu trabalho porque gosta.

Indo apenas aos domingos para a feira, declara que,

“como eu já havia construído uma vida econômica estável antes do trabalho na feira, o que mais mudou quando fui trabalhar lá, foi na vida social, do lazer, de eu ter a minha vida social, de sair, de dá mais atenção, porque o final de semana é tudo, pra você compartilhar com a família e com amigos, de você sair. O que me deixou mais balançando um pouquinho, foi a questão do final de semana, da vida social, da sociabilidade com as pessoas. Mas, quando eu chego da feira no domingo, eu não consigo dormir, então dá pra sair, vou pra casa da minha mãe, vou sair pra um restaurante pra comer alguma coisa com a minha família, meus irmãos e sobrinhos, vou fazer uma visita, ainda dá, porque eu não consigo dormir de jeito nenhum”.

Quando Vitor começou a trabalhar na Praça da Sé, a Feira da Madrugada

funcionava na madrugada na quinta e de segunda. Ele diz que era bom porque

ficava com o domingo livre, porque ele não gostava, quando motorista de ônibus, de

ter que trabalhar aos domingos às vezes. Mas a condição econômica compensa os

demais problemas, como a falta de tempo e o trabalho que dá administrar e controlar

o próprio negócio, com as contas para pagar e não deixar faltar mercadoria, e relata,

“Lazer mesmo é complicado pra feirante, só se você mesmo tirar um sábado forçado, porque no domingo você não tem condição de ter um lazer, você tem que estar na feira trabalhando, é complicado. Mas é diferente sair de madrugada pra trabalhar, mas é pra você, você vai mais confiante do que trabalhar pros outros. Consequentemente o resto do dia você não tem aquele compromisso de estar cumprindo horário certinho. Você tem que trabalhar pra cumprir os compromissos, você não tem aquela obrigação, trabalha mais a vontade. Quando trabalhava de motorista, as condições eram muito menores, não existia a possibilidade de ir a um restaurante com a família, não tinha o hábito também, nem me lembro de ter ido a um restaurante com a família quando eu trabalhava de motorista. Hoje a coisa que a gente mais faz de lazer é ir para um restaurante à noite, quando tem tempo né? Sábado e domingo à noite, ou quando quer pegar uma lagoa assim, num sábado ou no meio da semana mesmo que está mais folgado, fecha a casa e vamos pro lazer”.

Page 117: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

115

Vera afirma que não trabalha na feira por falta de opção de emprego, mas

porque seu negócio é promissor. Sua formação em Ciências Contábeis não lhe trará

um rendimento equivalente ao da feira e, portanto, não pensa em deixar esse

trabalho. Economicamente sua família conquistou ao longo dos anos uma

estabilidade, e completa, “financeiramente todos da minha família vivem bem, todos

conquistaram realizações pessoais”. O lazer faz parte de sua vida, em momentos

oportunos.

Lia expõe que o trabalho na Feira da Madrugada significa muita coisa para

sua vida, trouxe-lhe o que esperava, em se tratando de independência e liberdade,

declara que,

“Pra mim foi uma benção, eu me sinto totalmente independente, eu gosto muito da feira, se um dia eu sair dali é porque Deus quer, mas eu gosto. Conquistamos muita coisa através da feira, temos quatro bancas, compramos um carro, investimos em máquinas de costura, material. Pra mim significa muita coisa, porque eu construí, eu suei”.

Raul ao falar da sua condição enquanto trabalhador na feira da madrugada,

expressa que está ali por opção, e não se arrepende. Sua vida hoje melhorou muito

se comparada com o período anterior a feira. Nesse sentido, relata que

“Nossa casa era pequena, aumentamos e construímos em cima, arrumamos tudo, compramos máquinas novas. Um carro nosso foi roubado na feira, mas compramos outro. Passamos a viajar mais, antes a condição não dava pra ir os dois, podemos visitar nossas famílias que são da mesma cidade. Antes vivíamos só com o básico, até a alimentação era básica, mas agora melhorou bastante. Hoje tudo é mais fácil, se fosse depender só do trabalho, não teríamos construído esse novo padrão de vida. Também tem a realização de termos o próprio negócio e ter prosperado, fico pensando nas pessoas miseráveis, no lugar que morávamos, não tinham muita oportunidade e quando a pessoa quer, ela consegue. Não me sinto uma pessoa injustiçada, a pessoas é que tem que correr atrás, tem que se esforçar”.

Para Ana, a liberdade e independência financeira são sonhos de quem já

passou por dificuldades na vida. No caso, dela e de sua família. Lamenta não ter tido

apoio para estudar, fazer uma faculdade e quem sabe, passar em um concurso,

assim como o seu esposo. Está feliz hoje em dia, porque alcançou a liberdade e

independência, mudando muitas coisas para melhor em sua vida. Ela expõe que

“Você tendo o seu próprio negócio você faz os seus horários. As vezes tem um feriado que você quer viajar com a família e se você trabalhar numa empresa nem sempre você vai poder sair, aí o salário já é pouco e você ainda for perder um dia de trabalho, quando chegar

Page 118: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

116

no final do mês... Não que eu ganhe muito dinheiro em uma confecção como a minha né, tem gente que ganha muito dinheiro, mas depende do produto. Dentro de casa eu não ajudo com nada, meu esposo banca tudo, eu trabalho hoje pra manter a vida da minha mãe, pagar o seu aluguel. Ela já teve câncer, tem que ter uma pessoa direto pra cuidar dela. Pra quem não tinha nem o que comer, ou o dinheiro para uma passagem de ônibus, eu estou muito bem, tenho meu carro, passeio com a minha filha, mantenho a vida da minha mãe desde o aluguel de sua casa e sou independente”.

Para Sara, seu trabalho na feira tem importância em sua vida porque significa

sua independência, lhe proporciona um novo nível social, totalmente diferente da

favela em que cresceu, é a questão de ter o próprio negócio e ter uma qualidade de

vida melhor através dele. Acrescenta ainda que

“A minha filha hoje estuda num colégio melhor que quando ela começou a estudar, ela vai de transporte escolar, tem toda uma estrutura. Eu não podia sair pra passear como hoje eu levo ela pra passear, como hoje eu compro uma roupa melhor no shopping, eu não podia dar o que eu dou hoje pra ela. Mudou muita coisa, porque hoje eu sou uma pessoa totalmente independente, não dependo do meu marido, posso dar coisas melhores pra minha filha”.

Liberdade e independência para Ester também são qualidades que ela

encontra no seu empreendimento, ela diz que não gosta de ficar parada em um

lugar, com uma pessoa dando ordens. Ela gosta de movimento e, ter o próprio

negócio é o caminho. Desde quando passou a produzir as peças para comercializar

para si e não mais para os outros, sua vida prosperou bastante. Hoje seu

rendimento não é o mesmo em parte por causa da concorrência e de outra parte por

causa da crise que vive já há dois anos, explicado anteriormente e reitera,

“Eu tenho espírito empreendedor, eu não me entrego e eu sei que vou vencer, é porque agora eu estou no vermelho, o que eu tinha conquistado, bancas, maquinários, crédito no comércio e outras coisas, eu tive que vender pra limpar o meu nome, só não vendi o carro. Pra você ser feliz você tem que ter o mínimo de preocupação na cabeça, eu me sinto triste porque eu nunca fiquei devendo nada a ninguém, se hoje estou assim é porque estou passando uma crise. Eu quero deixar os meus filhos bem encaminhados, para eles não passarem o que eu passei de dificuldade. Morei em casa de taipa, com madeira e barro, eu não quero que eles passem por dificuldades. Quando nossa vida mudou para melhor, na época em que a gente vendia muito, o lazer era ir pra praia com meus filhos, sair pra comer, ainda hoje, quando dá vontade pego o carro, coloco eles dentro e vou passear, a gente precisa né”.

Levando em conta que a exclusão e a miséria no Brasil têm entre suas

causas o desemprego e os baixos níveis salariais, devemos ter cuidado ao estudar o

trabalho informal como sendo uma “opção” de alguns dos sujeitos que neles se

Page 119: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

117

inserem e com relação à liberdade que os mesmos apregoam, que na realidade é

apenas relativa. Certamente também não se devem excluir os significados de

liberdade e a busca por uma melhor qualidade de vida, que fizeram a maioria dos

sujeitos da pesquisa ingressar no trabalho informal e, que estão impressos nas

práticas sociais, singulares, heterogêneas e suas diferentes representações. É

importante estudar este fenômeno em situações concretas, ou seja, dentro de um

cotidiano histórico preciso, evitando generalizações (CONSERVA & ARAÚJO 2008).

A liberdade e melhores condições de vida que a maioria dos sujeitos da

pesquisa, em suas palavras, relatam terem alcançado, só é possível no seu

cotidiano produtivo, ao reproduzir a exploração do sistema capitalista, aos

trabalhadores que compõem seus respectivos processos produtivos, e que é a

mesma exploração da qual eles buscaram superar em suas vidas.

4.5.2 Percepção sobre as estratégias para melhorar a condição de trabalho na

feira por parte dos administradores locais e pelo Governo

Quanto ao que poderia ser feito para melhorar a sua condição de feirante,

Pedro explica que o ideal seria se os administradores do galpão em que trabalha

abrissem o local todos os dias, e não só quinta e domingo, que são os dias que as

excursões com compradores chegam, acreditando que se vendesse bem na

semana, não precisaria trabalhar aos domingos. Pedro é o único entre os dez

sujeitos pesquisados que tem esta perspectiva do trabalho formal e informal, e que

dá como solução básica para os seus problemas, trabalhar de segunda a sábado

para poder folgar aos domingos. O Governo para ele, não tem como fazer nada para

melhorar sua vida de feirante.

Pedro e Vera, dentre os dez entrevistados, são os únicos que parecem não se

incomodar com a feira que acontece fora dos galpões, a feira da rua, que toma a

extensão da Rua José Avelino e da Rua Alberto Nepomuceno até a praça da Sé.

Para os demais sujeitos da pesquisa, a feira fora dos galpões atrapalha suas

vendas. Algumas mercadorias, as vezes são vendidas com um valor inferior, com

Page 120: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

118

tecidos e acabamentos de baixa qualidade, comparados aos que são vendidos

dentro dos galpões, gerando uma concorrência desleal, segundo os entrevistados.

Enquanto para Pedro, o governo não tem função administrativa sobre o

trabalho dos feirantes, para Vera, a perspectiva é diferente. Sua reclamação contra a

administração do Governo com relação ao pequeno empreendedor está relacionada

ao nível produtivo de sua empresa, Vera expõe que

“Melhorias nas condições de trabalho sempre são bem vindas em todos os segmentos, mas o Governo não faz nada para nos ajudar, hoje em minha empresa trabalham vinte e cinco pessoas diretas e oito pessoas indiretamente. Precisamos de recursos como financiamento de maquinários, com juros baixos e impostos mais baixos também. Mas aos olhos deles somos muito pequenos, quase que imperceptível”.

A medidas diferenciadas que poderiam ser implementadas pelo Governo são

destacadas também por Sara e Ester. Sara coloca que sente falta do apoio do

Governo para quem está iniciando, e expõe que poderia haver um suporte, em suas

palavras: “pelo Governo eu acho que se ele desse mais estrutura, pra quem tá

começando, que não entende, digamos, quando eu comecei não entendia nada, se

eles tivessem na retaguarda, me profissionalizasse, me ajudasse né, seria bom”.

Ester declara que o Governo deveria ajeitar a infraestrutura do local, dando

uma melhor condição de trabalho que inclui a exposição da mercadoria. Suas

considerações não param por aí. Ela acredita que um grupo como o SEBRAE

deveria realizar uma pesquisa, assim como a entrevista que está concedendo a

pesquisadora deste estudo. Avaliar as condições de trabalho, analisar e fazer

perguntas sobre o que poderia ser feito para melhorar a vida dos feirantes e

empreendedores da Feira da Madrugada, além de dar um incentivo financeiro. Ester

acrescenta ainda algumas sugestões,

“Eu acho que devia ter um investimento para melhorar. Um órgão do Governo pra fazer curso, uma capacitação, ver como está o negócio de cada um, tirar o pessoal da rua, vou dizer assim com as minhas palavras, é urbanizar a feira, colocar o pessoal da rua pra que possa passar carro, porque antes, na Rua José Avelino ficavam os ônibus estacionados, agora está cheio de bancas. Claro que atrapalha nossas vendas de dentro do galpão, mas também fica feio, tinha que padronizar as bancas. Os banheiros são sujos e pequenos, o galpão nem parece ser varrido, tem estrutura péssima, tudo muito imundo e desorganizado”.

Page 121: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

119

Relacionado as ações do Governo sobre a Feira da madrugada, os demais

sujeitos da pesquisa, acreditam é que a prefeitura deveria retirar os feirantes que

ficam na rua, colocando-os em outro lugar. Para Raquel, esta é uma tarefa muito

difícil, porque os compradores já estão acostumados ao local. Mudar a feira de lugar,

provavelmente irá comprometer avida de todos.

Já Vitor, funcionário do Município e feirante, acredita que o ideal seria o

engajamento de pessoas através de uma associação que representasse os feirantes

e fosse criada uma parceira com a prefeitura. As ações que o entrevistado propõe é

melhoria da infraestrutura, visando principalmente o conforto dos clientes e também,

para colocar os feirantes da rua em algum espaço, dentro de algum galpão.

Pedro e Vera entre os dez entrevistados, são os únicos que não fizeram

nenhuma reclamação sobre a administração dos galpões, no que se refere a

estrutura do local. Os demais entrevistados, reclamaram da falta de higiene, da má

qualidade dos restaurantes e lanchonetes, e da sujeira e falta de higiene nos

banheiros. Dentre os oito que reclamaram da infraestrutura, apenas dois relataram

pontos diferentes além dos que expomos. Um dos sujeitos da pesquisa reclamou do

piso desnivelado, que torna-se perigoso principalmente para os idosos e mulheres

com crianças de colo que constantemente estão na feira, e o outro reclamou que

quando chove com vento forte, que é uma constante por ser um local próximo ao

mar, molha a sua mercadoria.

As estratégias expostas pelos sujeitos da pesquisa estão longe da

constituição do Estado democrático de direito. A relevância deste estudo decorre do

compromisso ético do Serviço Social com a classe trabalhadora, devendo através do

estudo da realidade, obter conhecimento para proporcionar a construção e a defesa

dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais para toda a sociedade. O

sistema capitalista e, políticas e direitos sociais são antagônicos, não é possível

extinguir a desigualdade própria do sistema de classes, da propriedade privada dos

meios de produção e da apropriação privada da riqueza produzida socialmente,

contudo,

O reconhecimento desses limites não invalida a luta pelo reconhecimento e a afirmação dos direitos nos marcos do capitalismo, mas sinaliza que a sua conquista integra uma agenda estratégica da luta democrática e popular, visando a construção de

Page 122: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

120

uma sociedade justa e igualitária. Essa conquista no âmbito do capitalismo não pode ser vista como um fim, como um projeto em si, mas como via de ingresso, de entrada, ou de transição para um padrão de civilidade que começa pelo reconhecimento e garantia de direitos no capitalismo, mas que não se esgota nele (BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 195).

As ações devem ser pautadas para a construção de uma nova sociabilidade,

sem dominação, extinguindo a exploração entre classes, etnia, ou orientação sexual,

tendo a liberdade como valor central já no próprio projeto profissional do Serviço

Social, que “assume, o compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena

expansão dos indivíduos sociais” (BEHRING & BOSCHETTI, 2011, p. 195).

Antunes (2009) discorre que é imprescindível na configuração em que se

inscreve o capitalismo atualmente, que os trabalhadores, lutem pelo direito ao

emprego e redução do tempo de trabalho, sem alteração salarial, para que num

primeiro momento, seja possível a diminuição da desigualdade e pobreza. Em

seguida, lutando por uma nova forma societária, que esse tempo livre possa ser

utilizado na busca por uma maior conscientização, livre da dominação capitalista e

da alienação, tornando a vida cheia de sentidos dentro e fora do trabalho e, ainda,

através da arte, poesia, música etc., a sociedade será humanizada e emancipada.

Page 123: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

121

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo dados do IBGE, no Brasil, mais da metade da classe trabalhadora

está na informalidade. Essa realidade é consequência da nova configuração do

capitalismo, que em seus moldes neoliberais promove a constituição de um exército

de mão de obra barata. Como consequência, percebe-se que um crescente número

perdeu suas fontes tradicionais de remuneração, precisando buscar alternativas.

Essa parcela da classe trabalhadora acaba procurando as redes de trabalho

informais, como a Feira da Madrugada, atraída pela complementação da renda, ou

como único meio de sobrevivência que possuem.

Nas representações dos trabalhadores entrevistados, percebemos que o

trabalho informal como feirante está sempre incluído pelos significados dos sujeitos

como um "marco" e, portanto, um "lugar de memória" importante para uma certa

mudança em suas vidas a partir de determinados sonhos e interesses. A feira passa

a ser apreendida como uma modalidade de trabalho “autônomo”, uma “invenção” do

próprio trabalhador, uma “oportunidade” em meio às reconhecidas mudanças no

mundo do trabalho responsável pelo encolhimento do número de empregos formais,

como também, a redução do estatuto salarial. Em alguns relatos dos sujeitos

pesquisados, percebemos que, mesmo o casal trabalhando formalmente, ou um

trabalhando formalmente e o outro não, o rendimento nunca foi satisfatório, não foi

capaz de melhorar a qualidade de vida dos sujeitos, levando-os a se inserirem no

mercado informal de trabalho, como trabalhadores por conta própria, construindo

seus pequenos negócios em busca de melhores rendimentos.

Os discursos dos sujeitos nos mostram que o trabalho informal é

representado como uma dimensão central na vida dos trabalhadores, subsidiando a

sobrevivência não apenas material e social. Não apenas a dimensão ontológica do

trabalho é vivenciada, mas também a dimensão teleológica. Entretanto, o trabalho

na feira também foi descrito como precário, haja vista que a maioria dos sujeitos da

pesquisa reconheceu a ausência do Estado na elaboração de políticas públicas que

significassem uma melhoria nas condições de trabalho na feira. Assim, percebemos

que os trabalhadores reconhecem a precarização do trabalho gerada pela inserção

informal e apresentam, descrevem em suas falas, projetos de mudança. O que

indica também um ethos de resistência às forças destrutivas do capitalismo.

Page 124: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

122

No entanto, as contradições são latentes na própria constituição dos sujeitos

pesquisados. Os dez entrevistados são proprietários de pequenos negócios e,

inicialmente todos começaram na informalidade, porém, alguns foram formalmente

regulamentados e outros não. Seja qual for sua configuração são considerados por

alguns autores como sendo capitalistas. Mesmo sendo proprietários de pequenos

negócios, a maioria não é proprietário de todos os meios de produção, em alguns

casos, a única propriedade que possuem é o capital com o qual compram o tecido e

pagam a mão de obra terceirizada.

Nesse contexto, os sujeitos da pesquisa, ao entrarem no mercado informal da

economia, na busca por liberdade, independência financeira, aumento da sua renda

e uma melhor qualidade de vida, acaba na maioria dos casos, reproduzindo as

mesmas desestruturações que o trabalho vem sofrendo, principalmente, desde o

século XX e que estão no século XXI mais potencializadas. Desestruturação que os

mesmos, em sua maioria, recusaram-se a continuar vivendo e em busca da

autonomia, iniciaram seus próprios negócios.

Ao mesmo tempo, esses ditos capitalistas são também, parte da mão-de-obra

do processo produtivo de suas mercadorias. A configuração do capitalista que não

trabalha no processo produtivo e que inclusive, coloca pessoas para administrar e

gerenciar sua empresa, não se aplica a estes sujeitos. Eles trabalham em diversas

etapas do processo de produção e também, administram e gerenciam seus negócios

e ainda, trabalham de madrugada na feira.

Não pretendo aqui atenuar os fatores como precarização do trabalho, a

flexibilidade das relações e contratações trabalhistas levando ao aumento da

informalização do trabalho, a perda de direitos, a pobreza e instabilidade social,

subcontratação, o trabalho em tempo parcial e a terceirização, que são condições

que esses pequenos proprietários, imprimem aos trabalhadores que fazem parte do

processo produtivo de suas mercadorias e daqueles que são contratados

informalmente para trabalhar como ajudante na feira, vendendo, auxiliando a expor e

depois guardar a mercadoria ou carregando fardos ou sacolas com os produtos.

Além desses ajudantes, os que trabalham terceirizados são as costureiras,

que possuem as máquinas e a linha, às vezes elas têm alguém da família que

Page 125: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

123

trabalham limpando as pontas de linha da roupa já acabada. Algumas pessoas

mandam fazer uma pintura na blusa que chamam de silkscreen, em muitos casos,

essas pessoas realizam esse trabalho em suas próprias residências com algum

ajudante. As bordadeiras trabalham geralmente com o material do feirante, dentre

outras categorias de terceirização.

Importa salientar que o aumento da precariedade e desregulamentação do

trabalho nas grandes empresas e indústrias gera o aumento do trabalho informal e

este, gera outras modalidades de trabalhadores informais, em um movimento

constante e sem fim, reproduzindo cada vez mais o sistema capitalista, ampliando

ainda mais os níveis de desigualdade e pobreza. O pleno emprego com estatuto

salarial que acompanhe o crescimento econômico, a maior tributação para os ricos e

menor para os trabalhadores, as políticas sociais e trabalhistas acessíveis a todos

com caráter universal e os demais direitos assegurados pela Constituição Federal

Brasileira de 1988, como dever do Estado, como a saúde, educação, lazer, moradia,

etc., devem estar na pauta de lutas dos trabalhadores e dos Assistentes Sociais.

Para tanto, faz-se necessário criar estratégias para a superação do modo de

produção capitalista, e instauração da social democracia.

A luta por uma sociedade mais justa e igualitária que o Serviço Social coloca

em seu Projeto Ético Político, tendo a liberdade como fundamento central, requer um

melhor estudo desta realidade, buscando apreender, sua real configuração, porque

o trabalho informal reflete a imensa desigualdade social em que vivemos, devido à

apropriação privada dos meios de produção e da riqueza socialmente produzida. A

heterogeneidade que se inscreve apenas no espaço da Feira da Madrugada,

certamente não é capaz de elencar as diversas formas de trabalho informal neste

setor da economia no Brasil, porque cada região tem suas particularidades, porém,

podem ser reveladoras para buscar uma caracterização aproximada e uma melhor

conceituação e definição dos segmentos que compõem a economia informal.

A emancipação humana através de uma nova forma societária, sem

dominação de uma classe sobre outra, com liberdade para que os sujeitos possam

buscar uma maior conscientização política e humanitária, faz parte da luta do

Serviço Social.

Page 126: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

124

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. I - A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.

ANTUNES, Ricardo. Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 107. P. 405-419, jul./set.. 2011.

BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética: fundamentos e história. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BARROCO, Maria Lúcia Silva. TERRA, Sylvia Helena. Código de ética do/a assistente social comentado. São Paulo: Cortez, 2012.

BEHRING, Elaine Rossetti. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: Política social no capitalismo: tendências contemporâneas (Org.). 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

BEHRING, Elaine Rossetti. BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história.9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

CERVO, Amado Luiz. et. al. Metodologia científica.6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

CONSERVA, Marinalva de Sousa. ARAÚJO, Anísio José da Silva. Informalidade e precarização nos mundos do trabalho. In: Teoria política e social. V. 1, n. 1, p. 75-91. Dez. 2008.

GONDIM, Linda Maria de Pontes. O projeto de pesquisa no contexto do processo de construção do conhecimento. In: Pesquisa em ciências sociais: o projeto da dissertação de mestrado. Fortaleza: UFC Edições, 1998.

GUERRA, Yolanda. A dimensão investigativa no exercício profissional. In: Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Estado, classes trabalhadoras e política social no Brasil. In: Política Social no capitalismo: tendências contemporâneas (Org.). 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

Page 127: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

125

KREIN, José Dari, PRONI, Marcelo Weishaupt. Economia informal: aspectos conceituais e teóricos. In: Série trabalho decente no Brasil – documento de trabalho. n. 4. Organização Mundial do trabalho, 2010.

LAPLANTINE, François. A descrição etnográfica. São Paulo: Terceira Margem, 2004.

LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MACHADO, Ana Flávia, HIRATA, Guilherme Issamu. Conceito de informalidade/formalidade e uma proposta de tipologia. In: Econômica, Rio de Janeiro, v. 10 n. 1 2008.

MARTINELLI, Maria Lúcia. O uso de abordagens qualitativas na pesquisa em serviço social. In: Pesquisa qualitativa: um instigante desafio (org). São Paulo: Veras Editora, 1999.

MONTAÑO, Carlos. DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classes e movimento social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

NETTO, José Paulo, BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. 2. ed. Brasília: Paralelo 15, São Paulo Editora UNESP, 2000.

PEREIRA, PotyaraAmazoneida P. Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil. In: Serviço Social e Sociedade. n. 112. São Paulo, 2012.

QUEIROZ, Maria Isaura de. O pesquisador, o problema da pesquisa, a escolha de técnicas: algumas reflexões. In: LUCENA, Célia Toledo. et al. Pesquisa em ciências sociais: olhares de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Editora Humanitas, 2008.

SANTOS, Izequias Estevam dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

SANTOS, Josiane Soares. “Questão social”: particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012.

SATO, Leny. Processos cotidianos de organização do trabalho na feira livre. Psicol. Soc., Porto Alegre , v. 19, n. spe, 2007 .

SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Previdência Social no Brasil: (des)estruturação do trabalho e condições para sua universalização.São Paulo: Cortez, 2012.

Page 128: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

126

ANEXOS – FEIRA DA MADRUGADA EM FOTOS – ACERVO PRÓPRIO

Figura 1 – Rua José Avelino antes da feira

Figura 2 – Rua José Avelino durante a feira

Page 129: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

127

Figura 3 – Rua Alberto Nepomuceno durante a feira

Figura 4 – Rua Alberto Nepomuceno durante a feira

Page 130: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

128

Figura 5 – Rua Pessoa Anta (ônibus de excursão com clientes de outra cidade)

Figura 6 – Rua pessoa Anta (venda no carro) (estacionamento do galpão)

Page 131: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

129

Figura 7 – Bancas “baú” sem exposição de mercadorias – mercadorias ficam dentro

Figura 8 – Umas das formas de guardar os manequins

Page 132: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

130

Figura 9 – Bancas com mercadorias expostas e corredor de um galpão

Figura 10 – Loja dentro de um galpão (com ar condicionado)

Page 133: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

131

Figura 11 – Estacionamento dentro do galpão

Figura 12 – Fardos e sacolas de clientes das excursões

Page 134: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

132

Figura 13 – Lanchonete onde tomo café da manhã

Figura 14 – Local onde compro sanduíche natural

Page 135: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

133

Figura 15 – Galpão onde trabalho entrada pela Rua Pessoa Anta

Figura 16 – Galpão onde trabalho entrada pela Rua José Avelino

Page 136: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ CURSO DE … DA... · Acredito que a amizade é uma das relações que mais fortalecem o ser humano. Acredito na sua força e, neste momento, sou

134

Figura 17 – Banca onde trabalho

Figura 18 – Banca onde trabalho com os cintos pendurados e os cestos azuis