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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
MARIA ELIZABETH RODRIGUES DE SOUZA
TRABALHO DOMÉSTICO É COISA DE MULHER?!: AS PERCEPÇÕES
SOBRE TRABALHO DOMÉSTICO PARA AS MULHERES DO GRUPO DE
FAMÍLIA DO CRAS QUINTINO CUNHA
FORTALEZA
2014
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MARIA ELIZABETH RODRIGUES DE SOUZA
TRABALHO DOMÉSTICO É COISA DE MULHER?!: AS PERCEPÇÕES
SOBRE TRABALHO DOMÉSTICO PARA AS MULHERES DO GRUPO DE
FAMÍLIA DO CRAS QUINTINO CUNHA
Monografia apresentada ao curso de graduação
em Serviço Social da Faculdade Cearense –
FAC, como requisito para obtenção do titulo
de bacharelado.
Orientadora: Silvana Maria pereira Cavalcante
Fortaleza
2014
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MARIA ELIZABETH RODRIGUES DE SOUZA
TRABALHO DOMÉSTICO É COISA DE MULHER?!: AS PERCEPÇÕES
SOBRE TRABALHO DOMÉSTICO PARA AS MULHERES DO GRUPO DE
FAMÍLIA DO CRAS QUINTINO CUNHA
Monografia como pré-requisito para obtenção
do título de Bacharelado em Serviço Social,
outorgado pela Faculdade Cearense – FaC,
tendo sido aprovada pela banca examinadora
composta pelas professoras.
Nota:______________
Data de aprovação: _____/_____/______
Banca Examinadora
____________________________________________________________
Professora Ms. Silvana Maria pereira Cavalcante
____________________________________________________________
Professora Ms. Francis Emmanuelle Alves Vasconcelos
____________________________________________________________
Especialista Joana Carla Alves Lima
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AGRADECIMENTOS
Tenho percorrido meu caminho com dificuldades, acertos e erros, desencontros e
encontros. E o percurso já percorrido tem sido em busca de um sonho. Esse momento
significa que estou no caminho certo, pelo menos até agora.
Concluir essa importante etapa de minha vida foi uma vitória, mas, com certeza não
teria alcançado tal objetivo se não tivesse, ao meu lado, pessoas tão maravilhosas.
Agradeço a Deus por me fortalecer, proteger e pela força nessa longa caminhada.
Em especial aos meus pais, minha mãe Erizai Rodrigues de Souza e meu pai,Augusto
Marques de Souza (in memória) e minha avó Elisa Rodrigues (in memória), pelo amor
incondicional, dedicação, apoio e, sobretudo, pelos ensinamentos e princípios que só
poderia ter aprendido com vocês.
Aos meus filhos, Raphael e Andréa, que me motivaram a buscar um mundo melhor para
eles, fazendo com que eu percebesse que o mundo só seria melhor para eles se fosse
melhor para todas e todos.
A minha netinha, Sophia, que vem despertar a vontade de viver e seguir lutando, fruto
do meu fruto.
Ao meu companheiro de todas as horas Franzé de Sousa, por nossa relação de amor,
cumplicidade, respeito, carinho, admiração e companheirismo.
A minha irmã, Eliziane, que divide comigo angústias, desejos, decepções, sonhos e
conquistas.
À equipe de trabalhadoras e trabalhadores do Centro de Referência de Assistência
Social – CRAS / Quintino Cunha, local onde tive total apoio para realizar meu estágio
supervisionado e, posteriormente, a pesquisa.
A todas as minhas amigas de formação acadêmica, em especial Rosemery Gadelha,
pelas palavras e carinhos de incentivo, nem sempre eram as que eu queria ouvir. E a
Erika Jamille, por dividirmos as angustias finais da construção do TCC.
5
A todo corpo docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Cearense - FaC, que
contribuiu com minha formação profissional e pessoal.
A minha orientadora Silvana Maria Pereira Cavalcante que, com muita paciência e
dedicação, conduziu a organização do meu trabalho.
Às Assistentes Sociais, Joana Carla Alves Lima e Francis Emmanuelle Alves
Vasconcelos que aceitaram prontamente compor minha banca examinadora.
Enfim, agradeço a todas e todos que, de alguma forma, contribuíram e incentivaram o
desenvolvimento deste trabalho para que eu concluísse minha graduação.
Obrigada!
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Igualdade
Quando chegar a igualdade
Mulheres e homens em
Harmonia
Afinidade é quem guia
Relacionamento natural
Casamento espiritual
Sem apego material
Então a vida é real.
Reginaldo Figueiredo
Poeta /Educador Popular
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RESUMO
O presente estudo tem como objetivo central refletir sobre os significados do trabalho
domestico não remunerado para mulheres participantes do grupo de famílias
acompanhadas pela equipe do Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS/Quintino Cunha, na cidade de Fortaleza. Tendo em vista a complexidade e
subjetividade da temática abordada, realizamos uma análise da história da família. Em
seguida, trazemos breves considerações sobre o processo histórico no qual se originou e
se desenvolveu a opressão da mulher na sociedade, os fundamentos ontológicos do
trabalho, a formação do operariado industrial e a funcionalidade da força de trabalho
feminina na produção industrial e as condições de reprodução social dessa força de
trabalho. Nesta perspectiva, esta pesquisa é de natureza qualitativa, utilizando a técnica
de entrevista semi-estruturada buscando analisar a mulher em seu contexto familiar e o
olhar desta, sobre o trabalho domestico.a partir das intervenções realizadas no grupo de
famílias.
Palavras-chave: Mulheres. Gênero. Trabalho.
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ABSTRACT
The present study has as its central objective to reflect on the meanings of the unpaid
domestic work for women participating in the group of families accompanied by the
Reference Center for Social Assistance Team - CRAS / Quintino Cunha, in the city of
Fortaleza. Given the complexity and subjectivity of the selected theme performed an
analysis of family history. Then bring brief remarks on the historical process in which it
originated and developed the oppression of women in society, the ontological
foundations of the work, the formation of the industrial working class and the
functionality of the female labor force in industrial production and playback conditions
share of the work force. In this perspective this research is qualitative in nature using the
technique of semi-structured interviews conducted to evaluate women within the family
and the look of this, on the domestic work. from interventions in the group of families.
Women: Gender. Key – words. Work
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LISTA DE SIGLAS
MCP – Movimento dos Conselhos populares.
PNAS – Política Nacional de Assistência Social.
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social.
MDS – Ministério Social e Combate à Fome.
SUAS – Sistema Único de Assistência Social.
PAIF – Serviço de proteção e Atendimento Básico à Família.
SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.
PBF – Programa Bolsa Família.
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.
DAS – Distritos de Assistência Social.
SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
SEDAS – Secretaria Municipal de Educação e Assistência social.
SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social.
SETRA – Secretaria Municipal de Assistência Social do Trabalho, Desenvolvimento e
Combate à Fome.
CASS/FAC – Centro Acadêmico de Serviço Social/Faculdade Cearense.
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social.
NOB/SUAS – Norma Operacional Básica/Sistema Único da Assistência Social.
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social.
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÂO.............................................................................................................11
1.O PERCURSO METODOLÓGICO, APROXIMAÇÃO COM O CAMPO E O
OBJETO DE ESTUDO.................................................................................................13
1.1 Aproximação com o campo: a dinâmica organizacional do CRAS Quintino
Cunha..............................................................................................................................13
1.2 As mulheres do grupo de famílias.........................................................................16
1.3 O percurso metodológico: reconstruindo as indagações da pesquisa e a
construção das trilhas metodológicas..........................................................................20
2. REFLEXÕES SOBRE GÊNERO, FAMÍLIA ETRABALHO...........................24
2.1O Marco legal da Assistência Social.......................................................................24
2.2Algumas reflexões sobre a categoria gênero..........................................................28
2.3A Mulher no contexto familiar................................................................................33
2.4 O trabalho remunerado e não remunerado..........................................................34
3.PESQUISA..................................................................................................................43
3.1 As mulheres atendidas no grupo de famílias.........................................................43
3.2 As intervenções realizadas com as mulheres ........................................................45
3.3 As percepções das mulheres sobre o trabalho a partir das intervenções
realizadas no grupo de famílias....................................................................................47
Considerações finais......................................................................................................51
Referências bibliográficas.............................................................................................54
Apêndice.........................................................................................................................57
Anexos.............................................................................................................................60
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INTRODUÇÃO
O presente estudo constituiu-se em uma reflexão com mulheres que fizeram
parte do grupo de famílias do Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS/Quintino Cunha, com objetivo de analisar os significados do trabalho doméstico
não remunerado para mulheres participantes daquele grupo. O tema discutido nos faz
refletir sobre o posicionamento da mulher que compõem o grupo familiar e que,
recorrentemente, é responsável pela educação e pelos cuidados dos membros de sua
família.
Analisando o posicionamento da mulher em relação aos demais sujeitos que
compõem o grupo familiar, Saffiotti (1979), com sua obra “Mulher na sociedade de
classe mito e realidade”, nos traz informações históricas, com olhares da sociologia e da
antropologia, que nos permite analisar o papel da mulher na sociedade e suas
conquistas, ressaltando que a sociedade é machista1. Ainda existe uma grande lacuna em
relação à compreensão e respeito sobre gênero, a autora aborda as relações da mulher no
sistema capitalista e a evolução de seu papel no Brasil.
As lutas das quais as mulheres participaram, a partir do século XVIII
expressaram o agravamento da condição de subordinação da mulher, que se origina
desde a divisão da sociedade em classes que, a partir da revolução industrial, na
sociedade burguesa, foi intensificada mediante sua exploração econômica como
trabalhadora assalariada. Desde o inicio do século XX, verifica-se a ampliação da
exploração da força de trabalho feminina mediante as práticas fordistas e toyotistas2 de
organização do trabalho contemporâneo.
Nestes modelos de produção e de gestão do trabalho as formas de contratação e
de controle sobre a força de trabalho são aplicadas de acordo com o sexo do trabalhador.
E a força de trabalho feminina é, geralmente, incorporada em setores nas quais as
tarefas são fragmentadas, desgastantes, que exigem pouca qualificação, e/ou em cargos
hierárquicos inferiores aos ocupados pelos homens. Ademais, a justificativa para essa 1Segundo o dicionário Michaelis, machismo é “um comportamento de quem não admite a igualdade de
direitos para o homem e a mulher”. No campo político, definir o machismo exige mais complexidade. Para nós, o machismo é uma ideologia criada pela sociedade de classes para manter a propriedade privada, servir à dominação e também à exploração. ( SITE: www.pstu.org.br) 2 Não nos deteremos aqui às explicações sobre praticas fordistas e toyotistas pois no capitulo II
abordaremos esta discussão.
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condição do trabalho feminino é a responsabilidade historicamente imposta à mulher
sobre as tarefas domésticas e os cuidados com filhos e com o marido. Assim, há, na
atividade produtiva, uma divisão sexual do trabalho baseada na hierarquia – que tem sua
origem na família patriarcal nas sociedades precedentes – cujo homem ocupa uma
posição considerada superior.
Desta forma, realizamos a pesquisa bibliográfica com intuito de nos apropriar
dos conceitos, inquietações e discussões sobre o objeto estudado. Para tanto, utilizamos
a pesquisa qualitativa, pois entendemos que esta nos permite compreender as
motivações e significados. Assim utilizamos a técnica de entrevista semi–estruturada
com 30% (trinta por cento) das mulheres do grupo de famílias acompanhadas pela
equipe do CRAS/Quintino Cunha
A pesquisa está estruturada em três capítulos. O primeiro intitulado O percurso
metodológico, a aproximação com o campo e o objeto de estudo, realiza uma
abordagem sobre o percurso metodológico e a aproximação com o campo e o objeto,
fazendo um breve resgate do histórico da implantação da Política da Assistência Social
em Fortaleza, o envolvimento da pesquisadora com o objeto estudado e como se
estruturou a pesquisa.
No segundo capitulo, intitulado Reflexões sobre gênero, família e trabalho,
refletimos a partir de algumas autoras e autores como Saffiotti, Scott, Arrie´s, Ricardo
Antunes, Engels, Marx, pois no grupo de famílias, estas três categorias se entrelaçam e
se sustentam.
No terceiro capitulo, intitulado Pesquisa, apresentamos as análises das
entrevistas com os relatos das mulheres, objetivando a reflexão da visão das
interlocutoras sobre trabalho domestico não remunerado.
Por fim, temos as Considerações finais com o intuito, não apenas de responder
os questionamentos da pesquisadora sobre a temática abordada, mas analisar as
expressões colocadas pelas mulheres que participaram da pesquisa e compartilhar os
resultados deste estudo.
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1. O PERCURSO METODOLÓGICO E APROXIMAÇÃO COM O CAMPO E O
OBJETO DE ESTUDO
Neste capitulo, faremos um breve resgate histórico da implementação da Política
nacional de Assistência Social na cidade de Fortaleza – Ceará.
Apresentaremos os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS
equipamentos institucionais de atuação, originados no novo modelo de gestão da
Assistência Social, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, implementados a
partir de 2004.
1.1 Aproximação com o campo: a dinâmica organizacional do CRAS/Quintino Cunha.
Com a reforma administrativa em 19963, foram criadas as seis Secretarias
Regionais e os Distritos de Assistência Social – DAS divididos nas seis Secretarias
Regionais do Município de Fortaleza, conforme os níveis de territorialidade,
determinados por uma divisão geopolítica.
Em 2001, diante do cenário de desenvolvimento e dificuldades para a
concretização da política de assistência social em Fortaleza, extingue-se a Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Social – SMDS para, em seguida, criar a Secretaria
Municipal de Educação e Assistência Social – SEDAS.
No ano de 2004, decorrente ao contexto nacional, momento em que a política de
Assistência Social se legitima em seu processo de regulamentação com a criação da
Política Nacional de Assistência Social - PNAS/2004, bem como a implementação do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a administração municipal procurou se
estabelecer e adequar-se as novas demandas legais. Durante este período, foram
implantados no município de Fortaleza alguns projetos e serviços, bem como os
primeiros Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).
3Secretarias Executivas Regionais, também conhecidas como "SER's", são termos que se referem a
subprefeituras localizadas na cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará. Atualmente, são 7 SER's dentro da capital cearense (Regionais I, II, III, IV, V, VI e Centro) como resultado do processo de reordenamento administrativo da cidade de Fortaleza. (PMF/SEPLA:2007;PMF/ SEINF, 2009).
14
Em 2005, a política de Assistência Social foi implementada, bem como os
primeiros Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).
Processos de lutas e organização dos movimentos sociais impulsionaram a
efetivação da Política da Assistência Social no Município de Fortaleza. Sendo criada em
2007, a Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS4, com objetivo de
coordenar e executar a Política Municipal de Assistência Social com a implementação
da Lei complementar nº 0039, de 10 de julho de 2007, tendo sua publicação no Diário
Oficial do Município de Fortaleza em 13 de julho do mesmo ano.
[...] A criação desse órgão possibilitou a organização e execução
de serviços, programas e projetos em âmbito municipal, bem
como a adesão do município ao modelo de gestão plena
conforme preceitua a NOB/SUAS.( PNAS, 2010 – 2013, p.22)
A Secretaria de Assistência Social (SEMAS) foi organizada nas seguintes
coordenações: Coordenação de Proteção Social Básica, Coordenação de Proteção Social
Especial, Coordenação de Inclusão Social Produtiva, Coordenação de Gestão do
Sistema Único de Assistência Social, Coordenação de Segurança Alimentar e
Nutricional, Coordenação de Cadastro Único e Programa Bolsa Família e Coordenação
Administrativa e Financeira.
A referida secretaria solidificou suas ações de maneira supracitada durante a
gestão que findou em 2012. Após a mudança de gestão, a Secretaria de Assistência
Social (SEMAS) passa a ser denominada de Secretaria Municipal de Assistência Social
do Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate a Fome (SETRA).
Assim, a SETRA assume a organização e execução dos serviços, programas e
projetos da Assistência Social no Município de Fortaleza dos quais destacamos os
Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), como coordenador e organizador
das ações da rede sócio-assistencial da proteção social nos territórios, Conforme define
o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome - MDS.
4 SEMAS- Secretaria de Assistência Social do Município de Fortaleza foi Criada em 2007 com objetivo de coordenar a política Municipal de Assistência Social, hoje intitulada de SETRA – Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate a Fome.
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O Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública estatal descentralizada da Política Nacional de Assistência Social – PNAS.
[...] atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS, dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela
organização e oferta de serviços da proteção Social Básica nas áreas de
vulnerabilidade social. [...] possui a função de gestão territorial da rede de
assistência social básica, promovendo a organização e a articulação das
unidades a ele referendadas e o gerenciamento dos processos nele
envolvidos.
O Centro de Referencia de Assistência Social – CRAS oferta o Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV que possibilita ações
sócioeducativas e de convivência, subdivididas em diferentes ciclos etários,
contemplando crianças, adolescentes e idosos, objetivando promover ações em que a
comunidade se vê enquanto sujeito de direito e de dever. O Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV) é realizado com grupos coletivos, coordenados por
técnicos que podem ser profissionais da área de Serviço Social, Psicologia e executados
por facilitadores que englobam grupos de crianças, adolescentes e idosos.
Além do SCVF o CRAS, oferta o Programa Bolsa Família (PBF). É um
programa de transferência de renda direta que beneficia famílias com perfil de pobreza e
extrema pobreza a partir do cumprimento de condicionalidades que possibilitam o
acesso das famílias á outras políticas, como educação e saúde, mediante a atualização e
regulamentação do Cadastro Único.
O Cadastro Único é um banco de dados com informações sobre diferentes
indicadores sociais vinculados à condição socioeconômica das famílias em situação de
vulnerabilidade social e inclusão, através dos programas sociais do governo federal
O CRAS também realiza a concessão de Benefícios Eventuais. Estes benefícios
são garantidos por Lei e são concedidos de forma temporária para famílias com renda
percapta mensal de cada integrante inferior a um quarto do um salário mínimo, sendo
eles: o auxílio natalidade, cestas básicas e auxílio funeral.
Outro programa ofertado é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (PRONATEC). Este é uma ação de formação e capacitação profissional
realizado através de parcerias entre o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do
Trabalho e Emprego (TEM), no qual o Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) desempenha o papel de mobilizador e inscreve as (os) jovens usuárias (os).
16
O Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS) também desenvolve a
gestão da rede de serviços socioassistenciais. Nesses equipamentos, o desenvolvimento
das ações profissionais é orientado pela Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistenciais5 (2009), e pelo Protocolo de Gestão Integrada, sendo a primeira
responsável em delimitar, especialmente os serviços, ciclos de vida, carga horária de
desenvolvimento e organização do publico e temas a serem utilizados. O Protocolo
busca direcionar a gestão financeira garantindo a integralidade dos serviços
desenvolvidos.
O CRAS também oferece o Serviço de Proteção e Atendimento Básico à Família
(PAIF). Essa ação proporciona o atendimento às demandas da população referenciada
no território, através do acompanhamento familiar que se dá mediante atendimentos,
visitas domiciliares, reuniões com famílias, encaminhamentos para as demandas por
meio de políticas publicas e parcerias com instituições não governamentais, bem como
promove a articulação com a rede de proteção social local.
Após apresentarmos os Centros de Referência de Assistência Social, iremos
dialogar sobre nossa aproximação com o objeto da pesquisa.
1.2 Aproximação com o objeto
A partir da participação militante no movimento sindical nos anos 1980 e 1990,
e, em seguida, na coordenação do Movimento dos Conselhos populares (MCP)6, entre
2005 e 2011, nos leva a refletir sobre a divisão de classes sociais em uma sociedade
com extrema concentração de renda e desigualdades sociais.
Na Faculdade Cearense (FAC), participamos da organização e das duas
primeiras gestões (2009 a 2011) do Centro Acadêmico do Curso de Serviço Social. O
5 De acordo com a deliberação da VI Conferencia Nacional de Assistência Social de “tipificar” e
consolidar a classificação nacional dos serviços socioassistenciais. 6MCP - Movimento dos Conselhos Populares surge em 2002, mas só consegue se organizar nas seis
regionais de Fortaleza a partir de 2005, debatendo e organizando lutas na habitação, educação, saúde, cultura e renda para a população de Fortaleza.
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CASS-FAC Zelma Madeira7 nos proporcionou várias discussões, entre elas, o papel que
a mulher exerce e o que ela deseja exercer na sociedade.
O Centro Acadêmico participou da articulação com a SEMAS e a Faculdade
Cearense (FAC) durante a construção do convênio de estágio da primeira turma do
Curso de Serviço Social desta Instituição de Ensino.
E durante o processo de seleção para o estágio supervisionado, interessou-nos
estagiar no CRAS/Quintino Cunha, pois, durante uma visita ao equipamento,
conhecemos o grupo de famílias, a turma do PRO JOVEM ADOLESCENTE e, além
dos grupos, percebemos que a agenda do mês tinha várias, atividades, também com
outros grupos e com outros parceiros.
Em seguida, já inseridos no campo de estágio, foi-nos apresentado a dinâmica de
trabalho do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), os grupos e coletivos
referenciados pela unidade. O estágio ocorreu nos dois semestres de 2011 e no primeiro
semestre de 2012, totalizando dezoito meses.
O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) é o lugar que possibilita o
primeiro acesso das famílias e indivíduos aos direitos socioassistenciais, portanto a
proteção social.
É por meio do Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS), que a
Proteção Social Básica da Assistência Social se territorializa e se aproxima da
população. Esses espaços são cenários de intervenção do serviço social.
Desta forma, passamos a observar e investigar, dentre os serviços ofertados pelo
CRAS, algo que despertasse nossa curiosidade. Dividimos a angústia com a supervisora
de campo que nos apresentou ao grupo de família e nos convidou para facilitar as
atividades sob sua supervisão. Convite, este, aceito prontamente.
7CASS – FAC Zelma Madeira – Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Curso de origem: Serviço Social. Linhas de pesquisa: A frodescendência e Educação; As diversidades regionais nas construções de gênero e raça; Cultura e Movimentos Sociais; Direitos humanos e Cidadania; Violência Urbana e Conflitualidade; Relações étnico-raciais, de gênero e a formação histórica, social, política e cultural da população negra na sociedade brasileira; Práticas sociais e reflexões teóricas acerca dos movimentos sociais específicos, maioria Afrodescendente mulheres e segmento LGBT.
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O grupo de famílias faz parte do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à
Família (PAIF). Este, por sua vez, é responsável pelo atendimento das demandas da
população referenciada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS),
através do acompanhamento familiar que se dá mediante atendimentos, visitas
domiciliares, encaminhamentos para as demais políticas públicas, bem como promove a
articulação com a rede de proteção local e reuniões com famílias.
Durante as reuniões com famílias, percebemos como aquele grupo era
instigante, repleto de demandas, potencialidades, indagações e contradições.
A partir desse momento, percebemos que havíamos nos deparado com diversas
expressões da questão social8, as marcas e cicatrizes profundas da precarização do
trabalho, da exclusão social, dentre outros direitos, expostas de forma latente na vida
daquelas mulheres do grupo de família, acompanhadas pela equipe do CRAS/Quintino
Cunha.
O interesse em acompanhar o grupo de famílias despertou logo no primeiro
encontro, durante as atividades daquele coletivo, destacaram-se questões referente a
trabalho, aos papeis atribuídos as mulheres no contexto familiar e sua condição de
gênero, a violência na qual aquelas famílias vivenciam em seu cotidiano. Estas questões
se destacaram de forma articulada que nos remeteu a pensar no objeto de pesquisa.
Os temas dos encontros eram propostos pela Coordenação de Participação Social
Básica (PSB), da Secretaria de Assistência Social (SEMAS) mas as participantes do
grupo também sugeriam assuntos e demandas pertinentes para a comunidade.
Com encontros quinzenais, o grupo era composto por vinte mulheres, desse
total, dez participavam com frequência. Essa oscilação no número de participantes
dependia de vários fatores, dentre eles a mobilização tinha que ser feita de um dia para o
outro, pois era frequente as participantes afirmarem que, caso fossem comunicadas com
dois dias de antecedência, não iriam lembrar do encontro.
8 Questão Social – É o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura que
têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1999).
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Em março de 2011, falamos sobre o Dia Internacional da Mulher. Neste
momento, surgiu a discussão sobre a mulher trabalhar “fora de casa”, o debate sobre o
que elas consideravam ser ou não trabalho. Ao ouvirmos de uma das participantes “se
não tiver carteira assinada não é trabalho, pode ser qualquer coisa, menos trabalho9”,
nos despertou o interesse em discutir sobre o tema.
Durante os encontros seguintes falávamos sobre trabalho, família e gênero. Nas
discussões, eram recorrentes as participantes acrescentarem a existência da violência na
comunidade. Mesmo a discussão sobre violência estanddo muito presente nos debates
do grupo de família, decidimos por abordar as categorias gênero, família e trabalho
devido ao envolvimento e a vivencia da pesquisadora.
A partir dessa reflexão, a observação daquele coletivo se tornou mais cuidadosa.
É importante salientar que o grupo era formado por vinte mulheres, representando suas
famílias. Na fala de uma das interlocutoras foi exposto que ações de trabalho pontuais
não são associadas como “trabalho”.
O que nos remete a discussão que, no capitalismo a trabalhadora e o trabalhador
não se reconhecem e não se satisfazem no trabalho, provocando, assim, sua degradação
e desumanização no mundo do trabalho e refletindo no seu ser social. Apresentados tais
questionamentos, percebe-se que a divisão de classes e a opressão do sexo feminino
pelo masculino, continuam sendo a principal responsável por conflitos, desarticulações,
desrespeito, exploração, exclusão e desumanização do ser humano e social.
Neste terreno contraditório entre a lógica do capital e a lógica do trabalho, a
questão social representa não só as desigualdades, mas, também, o processo
de resistência e luta dos trabalhadores, que sendo desigualdade é também
rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela
resistem e se opõem, construindo um processo constante de luta dentro e fora
da classe. È nesta tensão entre produção de desigualdade e produção de
rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados neste terreno movido por interesses sociais distintos, aos quais não é possível
abstrair ou fugir deles porque tecem a vida em sociedade. (IAMAAMOTO,
1998, p.28)
Esta inquietação nos impulsiona a estudar a exploração do homem pelo o
homem, divisão de classes e consequentemente, a desigualdade de gênero construído
9 Fala de Açucena, uma das participantes da pesquisa.
20
historicamente. Discutimos assim, sobre o papel da mulher na sociedade e suas muitas
conquistas, que não são poucas, mas ainda distantes da igualdade entre homens e
mulheres.
Desta forma, nossa pesquisa começa a ser delimitada. Percebemos que nosso
objeto de estudo seria as mulheres do grupo de famílias, fazendo-se necessário um
percurso metodológico que nos desse suporte para a coleta e analise dos dados forma
adequada.
1.3 O Percurso metodológico: reconstruindo as indagações da pesquisa e a construção
das trilhas metodológicas.
Numa sociedade capitalista, cindida pelo conflito capital-trabalho, é evidente o
crescimento de espaços marcados por fortes contrastes, expressos nas várias dimensões
das desigualdades sociais. Compreender e intervir nesta realidade exige um
conhecimento da totalidade, que se percebe, se apreende, quando se escuta, olha, colhe
dados, para, em seguida, consolidar a escrita do material colhido; são reflexões que
servirão de base para futuras pesquisas.
Compreendemos que um (a) bom (a) pesquisador (a) só conseguirá se fazer
entender se olhar para seu objeto de pesquisa como algo único, que faz parte de um
todo, e se ouvir tudo com muita atenção, na tentativa de detectar todas as informações
possíveis. Investigar é um ato de observar e analisar, de forma crítica e criativa, as
hipóteses formuladas e a conjuntura a ser problematizada.
Não existe um modelo de pesquisa com normas prontas, definidas, pelo fato de
que a investigação deve orientar-se de acordo com as características do problema a ser
investigado, das hipóteses formuladas, das condições conjunturais e da habilidade
crítica e capacidade criativa do (a) investigador (a).
Assim, esta pesquisa tem como estudo as mulheres que moram no bairro
Quintino Cunha, mais precisamente das Comunidades da Bubu, Sossego e Lagoa
Encantada10
e participavam do grupo de famílias do CRAS/Quintino Cunha.
10
Bubu, Sossego e Lagoa Encantada – São comunidades que fazem parte do bairro Quintino Cunha, na cidade de Fortaleza-Ce.
21
A escolha pelas participantes da pesquisa se deu pela proximidade com as
mulheres do grupo, pois, durante o estágio da pesquisadora, foram construídos vínculos
com as participantes. Nesse trabalho, por questões éticas, a identificação das
participantes da pesquisadas foi preservada.
Desta forma, chamaremos as interlocutoras desse estudo por nomes de rosas
Yasmim, Jasmim, Amélia, Dália, Camélia e Azaléia. As mulheres participantes do
grupo de famílias possuem muitas particularidades e a diversidade que percebemos,
também, nas rosas.
As entrevistas foram realizadas individualmente com seis mulheres que
participavam do grupo de mulheres, acompanhadas pela equipe do CRAS/Quintino
Cunha, totalizando o percentual de 30% (trinta por cento). As entrevistas foram
realizadas em visitas domiciliares previamente agendadas.
A pesquisa qualitativa se faz necessária neste estudo, já que nossa intenção é de
analisar uma problemática subjetiva, que não se quantifica, explica-se. Assim,
utilizamos a entrevista semiestruturada, que nos permite ajustá-la durante a pesquisa,
caso seja necessário, sem que inviabilize o processo. Vale salientar que o roteiro da
entrevista é de extrema necessidade e orienta na abordagem adequada (Apêndice nas
páginas 66 e 67). Assim, a entrevista:
[...] Combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender á indagação formulada. ( MINAYO, 1996, p.64).
A pesquisa seguiu as seguintes etapas: identificação e problematização do
objeto, estudo bibliográfico, elaboração de instrumentais, pesquisa de campo, análise
dos dados, revisão bibliográfica e, em seguida, elaboração do relatório final com o
intuito não apenas de responder os questionamentos da pesquisadora sobre o tema, mas
analisar as expressões colocadas pelas pesquisadas e compartilhar os resultados com
estudantes, pesquisadores e outras(os) pessoas que se interessem pela temática.
Com objeto de pesquisa definido, seguimos com o estudo bibliográfico, pois este
é o primeiro e perpassa toda a pesquisa.
[...] A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda
bibliografia já tornada publica em relação ao tema de estudo, desde
publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,
22
monografias, teses, material cartográfico etc.[...] Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado
sobre determinado assunto [...]”. (LAKATOS, 1991,p.183).
A análise bibliográfica nos orientou e subsidiou o momento seguinte, o estudo
de campo. A apropriação teórica no decorrer do curso e o estudo focado na etapa
anterior, a pesquisa bibliográfica, nos permitiram destacar e perceber os dados de forma
cientifica.
A pesquisa de campo nos mostra que o OUVIR pode ser prejudicado caso o
(a)pesquisador (a) adote uma postura autoritária, podendo acontecer através de
perguntas que visem respostas pontuais. “O ouvir ganha qualidade e altera uma
relação, qual a estrada de mão única, em uma mão dupla, portanto, uma verdadeira,
interação” (CARDOSO, 1998, p.24). Martinelli (1995) defende que as pesquisas:
[...] são muito mais do que escrever um objeto, buscam conhecer trajetórias
de vida, experiências sociais dos sujeitos o que exige uma grande
disponibilidade do pesquisador e um real interesse em vivenciar a experiência
da pesquisa” (MARTINELLI, 1995, p.25).
Significa dizer que o (a) pesquisador (a) só conseguirá se fazer entender, se
olhar para seu objeto de pesquisa como algo único, mas que faz parte de um todo.
Durante a realização da pesquisa enfrentamos algumas dificuldades devido à
violência na comunidade na qual realizamos o trabalho de campo. Fez-se necessário
irmos a campo vários dias, sempre pela manhã, porque as mulheres entrevistadas diziam
que no período da tarde, não tinham tempo.
“A gente tira um cochilo depois do almoço e vai até a hora da novela e depois
vou fazer as coisas antes que ele chegue.” ( Jasmim).
Outra dificuldade foi durante a transcrição das entrevistas. O computador travou
e perdemos uma das entrevistas, fezendo-se necessário, voltarmos a campo para refazê-
la.
23
A expectativa ao adentrar o campo foi de identificar vários significados
atribuídos ao “Trabalho”. Acreditávamos que iríamos perceber e identificar várias
formas de descrever nosso objeto de pesquisa.
No capítulo seguinte, iremos refletir sobre categorias que embasam nossa
reflexão sobre gênero, família e trabalho, na perspectiva de analisar as falas das
mulheres participantes da pesquisa.
24
2. REFLEXÕES SOBRE GÊNERO, FAMÍLIA E TRABALHO
Nesta pesquisa, decidimos por abordar as categorias: gênero, família e trabalho,
pois na realidade em que se encontram as mulheres pesquisadas, percebemos como as
três categorias citadas estão intrinsecamente ligadas.
Para tanto, sentimos a necessidade de resgatar um pouco da história brasileira
relacionada às transformações societárias, contemporâneas ao sistema econômico e a
ascensão das políticas sociais no Brasil durante a década de 1930. Neste contexto, a
inserção da Política de Assistência Social é produto dessa construção histórica.
2.1 O Marco legal da Assistência Social
As políticas sociais brasileiras tinham base na caridade, filantropia, solidariedade
religiosa e ações policialescas e repressoras destinadas à população pobre, apresentando,
assim, um desenvolvimento de ações focalizadas, fragmentadas, descontinuadas e
insuficientes utilizadas pela classe dominante de forma clientelista, eleitoreira e
populista para favorecimentos particulares e políticos.
Em 1964, com o Golpe Militar, o governo brasileiro teve de elaborar
mecanismos de fortalecimento do Estado, para atingir o padrão econômico no cenário
do capitalismo internacional. Assim fortaleceu relações repressivas e autoritárias em
todas as dimensões da vida social.
Podemos afirmar que na década de 1960 se desenvolvia no Brasil uma política
intervencionista, centralizadora e autoritária que se endividava e não conseguia alcançar
o desenvolvimento econômico internacional, o que lhe proporcionou rebatimentos das
crises contemporâneas.
O processo de redemocratização culminou na aprovação da Constituição Federal
de 1988, a qual assegura os direitos referentes às Políticas de Saúde, Previdência Social
e Assistência Social, sendo a primeira, política pública não contributiva, a segunda,
contributiva e a terceira, para aqueles que necessitam.
Assim, somente no final da década de 1980, com a implementação da nova
Constituição Federal do Brasil, e durante os anos 1990, foi institucionalizado o tripé da
25
Seguridade Social: Saúde, Assistência Social e Previdência Social, objetivando reduzir
os índices de vulnerabilidade social.
A Constituição Federal de 1988 foi instaurada em um campo de tensões e
disputas entre classes antagônicas. O Estado brasileiro, mais uma vez atrasado, só
reconhece a Assistência Social com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), em 1993, que só, após onze anos, se materializa no contexto social com a
aprovação da Política Nacional de Assistência Social e da Norma Operacional Básica
(NOB/SUAS)11
.
A Constituição Federal de 1988 traz uma nova concepção para a Assistência
Social brasileira. Incluída no âmbito da Seguridade Social e regulamentada pela Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), em dezembro de 1993, como política social
pública, a assistência social inicia seu trânsito para um campo novo.
Somente com a Constituição de 1988 a sociedade brasileira teve, em tese as
suas necessidades de proteção reconhecidas pelo Estado através da instituição
de um sistema publico de proteção social( integrado pelas políticas de saúde,
previdência social); contudo, mal foram regulamentadas, essas políticas
passaram a ser objeto de ofensiva perversa e conservadora, materializada em
propostas e iniciativas de reformas restritas de direitos, serviços e benefícios.
(Mota, 2006, p.166)
No campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade
estatal, a LOAS cria uma nova matriz para a política de assistência social, inserindo-a
no sistema de bem estar social brasileiro concedido como campo da Seguridade Social,
configurando o triângulo juntamente com a Saúde e a Previdência Social. (PNAS, 2004,
p.31)
Assim, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) direciona e
fundamenta as ações profissionais no âmbito do Centro de Referência de Assistência
11
A NOB/SUAS disciplina a operacionalização da gestão da Política de Assistência Social, conforme a Constituição Federal de 1988, a LOAS é legislação complementar aplicável nos termos da Política Nacional de Assistência Social de 2004, sob a égide de construção do SUAS, abordando, dentre outras coisas: a divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas de governo; os níveis de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo de gestão e controle dessa política e como elas se relacionam; a nova relação com as entidades e organizações governamentais e não-governamentais; os principais instrumentos de gestão a serem utilizados; e a forma da gestão financeira, que considera os mecanismos de transferência, os critérios de partilha e de transferência de recursos. (Brasil, 2004)
26
Social (CRAS), demarcando sua especificidade no campo das políticas sociais, pois
configura as responsabilidades do Estado sobre os direitos garantidos ao Cidadão,
baseados nos princípios democráticos dispostos na LOAS. Desta forma, Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) estabelece como princípios:
I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de
rentabilidade econômica;
II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da
ação assistencial alcançável pelas políticas publicas;
III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu credito a
benefícios de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária,
vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se equivalência as populações urbanas e rurais;
V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Publico e dos
critérios para sua concessão. ( PNAS, 2004, p.32)
Desta forma, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) resulta na
relação direta com a sociedade e possibilita trabalhar na prevenção dos problemas
sociais e articular os serviços de enfrentamento, as (os) cidadãs (aos) em situação de
vulnerabilidade social.
Com a aprovação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, da
Política Nacional de Assistência Social, em 2004, foi também aprovado o Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), com a aprovação da Norma Operacional Básica
(NOB/SUAS) em 2005.
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é um sistema público estatal de
gestão e operacionalização da Política de Assistência Social com objetivo de atender ao
princípio da integralidade das ações da Assistência Social, conforme previsto na LOAS,
por meio da continuidade entre programas, projetos, serviços e benefícios dessa política
cofinanciada pelos entes federativos: União, Estado e Município.
Além disso, estrutura-se a partir de eixos: a matriacialidade sócio-familiar,
municipalização dos serviços, territorialização das ações, intersetorialidade, controle
social, dentre outros conforme o texto da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS):
27
O Sistema Único de assistência Social – SUAS, define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis a execução da Política de Assistência
Social do País, possibilitando a normatização dos padrões nos serviços,
qualidade no atendimento, indicadores de avaliação e resultado,
nomenclatura dos serviços, e da rede sócio-assistencial e, ainda os eixos
estruturais e de subsistência conforme aqui descritos: Matricialidade
Sociofamiliar; Descentralização Político-Administrativa e Territorialização.
Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil; Financiamento;
Controle Social; O desafio da participação popular/cidadão e usuário; A
Política de Recursos Humanos; A Informação, o Monitoramento e a
Avaliação. (PNAS, 2004, p.39)
Ainda, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) tem suas ações
organizadas, desenvolvidas e materializadas através da atuação de profissionais na
Proteção Social Básica e Especial (PSB), as quais se diferenciam pela operacionalidade
do atendimento conforme o grau de complexidade, objetivando garantir direitos e
prestar serviços as (aos) cidadãs (aos).
Referente a Proteção Social Especial (PSB), esta direciona suas ações aos níveis
mais complexos das expressões da questão social determinantes da violação de direitos
como: exclusão social, pessoas em situação de rua, abandono de idosos, maus tratos
físicos e ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de
medidas sócioeducativas e trabalho infantil.
Os serviços da PSE requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade
nas soluções protetivas. Da mesma forma, comportam encaminhamentos
monitoramentos, apoios e processos que asseguram qualidade na atenção protetiva e
efetividade na reinserção almejada. (PNAS, 2004, p.37). Os Serviços de Proteção
Especial são referenciados pelo Centro de Referencia Especializado de Assistência
Social (CREAS) de media complexidade, objetivando o enfrentamento dos agravos
sociais.
A centralidade da Proteção Social Básica é apresentada pela Política Nacional de
Assistência Social( PNAS), principalmente pelo atendimento a população que vive em
situação de vulnerabilidade social, ocasionada pela baixa renda familiar e fragilidade
nos vínculos ou pela falta de acesso aos serviços públicos. Tem como objetivos: “[...]
prevenir situações de risco por meio de desenvolvimento de potencialidades e
aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários [...]”. (PNAS,
28
2004, p.33). Esse atendimento deve ser desenvolvido sem discriminação de raça, etnia,
gênero, orientação sexual.
Os Serviços da Proteção Básica (PSB) estão disponíveis nos referidos Centros de
Referência Social (CRAS) e atuam na prevenção dos riscos sociais com a família e a
comunidade no seu território de convivência.
Desta forma, nosso objeto de pesquisa, o grupo de famílias do CRAS/Quintino
Cunha, formado por vinte mulheres, remete-nos à discussão sobre gênero.
2.2 Algumas reflexões sobre a categoria gênero
O conceito de gênero é uma construção sociológica relativamente recente. A
perspectiva de gênero no Ocidente foi formulada a partir dos anos de 1970 pelos
movimentos feministas, levando em conta o aspecto relacional entre mulher e homem e
rejeitando as diferenças anatômicas como principio único para justificar a soberania de
um sobre o outro. (OSTERNE, 2011, p. 66).
Segundo Saffioti (2004, p.107), não foi uma mulher que primeiro formulou o
conceito de gênero, mas sim, Robert Stoller, em 1968. No entanto, Simone de Beauvoir,
de fato traz a discussão de gênero em sua famosa frase “Ninguém nasce mulher, mas se
torna mulher”, contribuindo de forma contundente para o estudo de gênero.
Ao estudar a história da origem do conceito de gênero, observa-se que ela está
ligada aos posicionamentos críticos da explicação do lugar da mulher na sociedade. O
conceito de gênero, como categoria analítica superadora de outras matrizes explicativa,s
surge incrustado no interior do pensamento Feminista.
O termo “gênero” possui duas perspectivas: uma política e outra teórica. O
referido termo, quando instrumento metodológico, pretende contribuir para a
compreensão das relações sociais desiguais entre homens e mulheres. E várias
pesquisas, nessa temática, têm como meta modificar tais relações sociais, como a
discriminação das mulheres na família, na escola, no trabalho e em outros âmbitos
(OLIVEIRA, 2008 p. 96).
Feministas americanas e inglesas, durante os anos 80, começaram a utilizar a
palavra “gênero”. A expressão tinha o objetivo de explicar a opressão e discriminação
29
das mulheres em relação aos homens, que de acordo com sua classe social, raça, etnia,
religião, eram ainda abusivas. Com intenção de significar a feminilidade e a
masculinidade para além das diferenças biológicas.
Dentro desse cenário o papel atribuído culturalmente à mulher como responsável
pelas atividades domésticas se funde com a idéia de ajudante nas atividades produtivas.
Segundo Oliveira (2008), essas atividades produtivas são entendidas como uma
extensão do trabalho doméstico, fazendo com que a mesma enfrente longas e intensas
jornadas de trabalho
Em 1990, publica-se aqui no Brasil um artigo de uma escritora norte –
americana, que impulsionou as discussões á nível nacional, intitulado “Gênero: uma
categoria útil de analise histórica” (Revista Educação e Sociedade, 1990).
Scott (1990), contribuiu intensamente na discussão abordando três aspectos
para definir “gênero”.
[...] A primeira caracterizada como tentativa totalmente feminista empenhada
em explicar as origens do patriarcado: a segunda identificada com a tradição
marxista tem como linha de ação as criticas feministas: a terceira situada
entre o pós- estruturalismo francês e as teorias de relação do objeto, baseadas
nas diversas escolas de psicanálise na tentativa de explicar a produção e a
reprodução da identidade de gênero. (Scott, 1990, p.8)
Após as criticas formuladas pela historiadora, as três abordagens subsidiaram o
estudo sobre gênero, trazendo elementos teóricos, científicos e políticos.Segundo Scott
(1990),
[...] O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre
as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é o primeiro modo de dar
significado da relação de poder. As mudanças na organização das relações
sociais correspondem sempre a mudança nas representações de poder, mas a
diferença da mudança não segue necessariamente um único sentido.( Scott,
1990,p.14).
As relações sociais e entre os sexos, assim, são definidas por suas relações de
poder. Gênero, desta forma, é uma maneira de discutir e disputar esse “poder”. Não
somente incluir um novo sujeito na disputa, mas demarcar as demandas, lutar por
efetivação de direitos de um sujeito especifico e coletivo.
30
Saffioti (2004) traz a discussão do patriarcado, ressaltando sua importância
ideológica na reprodução da dominação do homem sobre a mulher. Assim, se gênero é
um conceito útil, rico e vasto, sua ambiguidade deveria ser entendida como uma
ferramenta para maquiar exatamente aquilo que interessa ao feminismo: o patriarcado,
como um fato inegável para o qual não cabem as imensas críticas que surgiram.
Ela enfatiza sua preocupação do abandono da discussão sobre o patriarcado.
[...] do mesmo modo como as relações patriarcais, suas hierarquias, sua
estrutura de poder contaminam toda a sociedade, o direito patriarcal perpassa
não apenas a sociedade civil, mas impregna também o Estado. Ainda que não
se possa negar o predomínio de atividades privadas ou intimas na e era da
família e a prevalência de atividades públicas no espaço do trabalho, do
Estado, do lazer coletivo, e, portanto, as diferenças entre o publico e o
privado, estão esses espaços profundamente ligados e parcialmente
mesclados [...] “A liberdade civil depende do direito patriarcal”. ( Saffiot,
2004, p.54).
A sociedade carrega em seu ventre uma cultura em que homens são superiores as
mulheres. Essa dominação e exploração são percebidas nos relatos das mulheres que
participaram da pesquisa ao relatar que “o meu marido sai pra trabalhar e eu tenho que
fazer o serviço de casa, que desde que o mundo é mundo é a mulher que tem a
obrigação de fazer”. (Fala de Yasmim)
Saffiotti ( 2004) chama atenção para a problemática de se viver numa sociedade
patriarcal, pois mulheres lutam diariamente para conquistar espaços na política, na
economia, no mercado de trabalho, mas ao retornar para seus lares são elas, as
mulheres, que seguem com a segunda jornada de trabalho, mesmo quando seus
companheiros se dizem solidários, dizem defender a igualdade de gênero.
Nos anos de 1980, a reflexão critica a respeito da relação entre homens e
mulheres na sociedade adquiriu visibilidade com a questão de gênero na tentativa de
promover a compreensão da estrutura social, pautada na divisão de papéis sociais
hierarquizados, sendo essa divisão estabelecida a partir dos sexos. Dessa forma, a
relação de gênero, enquanto relação de poder abriu caminhos para a realização de lutas
pela igualdade de direitos, no intuito de romper com a dicotomia: dominador x
dominado entre os sexos.
De acordo com Costa e Baldwic (2000), quando as mulheres brancas chegaram
ao Brasil, na Era Colonial, elas trouxeram o arquétipo do modelo europeu da Virgem
31
Maria, justificado pela forte religiosidade e expressado na restrição de suas vidas a casa
ou a Igreja, como esposas dedicadas e exemplos de fidelidade.
Nesse contexto, as mulheres foram estereotipadas como fracas, submissas,
passivas e sem influência ou representação na esfera pública. Costa e Baldwic (2000)
assinalam que: “Em vez de receber uma educação formal, elas eram treinadas para o
casamento, para administrar a casa, criar os filhos, e tolerar as relações extra-
matrimoniais do marido com as escravas”.
A imagem de fragilidade atribuída à mulher foi tornando o lar, esfera privada,
uma redoma de suposta proteção ao sexo feminino, sendo construída gradativamente
uma relação de poder deste com o sexo oposto, concretizando-se nitidamente na mente
das meninas e dos meninos a ideia do homem como um protetor; idéia essa reproduzida
também pelas famílias tradicionais, onde o sexo masculino é tido como “o dono da
casa”.
A elaboração e difusão deste conceito atribuíram à mulher uma posição de
submissão ao homem, dito “sexo forte, defensor e provedor”, limitando as mulheres à
esfera privada, doméstica, enquanto que aos homens restava-lhes o espaço público, as
relações sociais mais amplas; afinal, era na esfera pública que os homens buscariam
recursos para manter a estrutura material da casa, tornando-se assim, o provedor por
excelência. Dessa forma,
Ser mulher até aproximadamente o final dos anos 1960, significava
identificar-se com a maternidade e a esfera privada do lar, sonhar com um
bom partido para um casamento indissolúvel e afeiçoar-se a atividades leves
e delicadas, que exigissem pouco esforço físico e mental. Nesse contexto,
reinavam no imaginário social as definições construídas pela medicina do século XIX sobre a identidade feminina. Segundo esta, as mulheres deveriam
desejar ser mãe, acima de tudo, como se sua suposta essência se localizasse
num órgão específico: o útero (VENTURI, 2004, p. 85).
Nasser (2004) afirma que o confinamento da mulher no lar, ou sua possível falta
de habilidade para determinadas atividades não se trata de uma fatalidade biológica.
Trata-se, porém, de uma determinação de papéis estabelecidos através de um conjunto
de símbolos criados socialmente. Sendo assim, funções vão sendo distribuídas de
acordo com o sexo. Inseridos numa sociedade com forte história de machismo e
patriarcalismo, essa divisão social por sexo se apresenta de forma acentuada.
32
Segundo Neuhouser (apud Souza e Baldwic, 2000), no Brasil o machismo é
mais que os comportamentos dos homens, para ele, esse termo expressa a ideologia que
difunde “ser bom” e até natural o controle do mercado, do governo, das atividades
públicas por parte dos homens e uma subordinação por parte das mulheres a estes.
Como conceito, Souza e Baldwic (2000) definem o machismo como: “um conjunto de
condutas construídas, aprendidas e reforçadas culturalmente, que encerra o conteúdo
dos papéis de gênero masculino na sociedade latina”.
Ferreira (2001, P. 45) define patriarcalismo como um regime social em que o pai
é autoridade máxima, ou seja, desde o principio da formação social do Brasil, o homem
era exclusivo detentor de poder no núcleo familiar, sendo-lhe atribuído o título de chefe
de família, vindo a ofuscar o desempenho da mulher no que se refere à liderança mesmo
que na esfera privada. Tal realidade mostrou-se refletida na esfera pública mediante as
restrições impostas às mulheres, no intuito de mantê-las socialmente recuadas, limitadas
ao privado.
Contudo, em determinado momento histórico, as mulheres são tidas como
necessárias a somar forças na esfera pública, mediante exigências. Segundo Toscano
(1992, P. 115), foi durante a Primeira Guerra que as mulheres foram instigadas a
trabalhar no espaço público, principalmente nas fábricas, substituindo a produção os
homens em guerra.
Mediante a divisão social do trabalho e a inserção das mulheres no mundo do
trabalho, cargos foram sendo ocupados gradativamente, e espaços antes ocupados
exclusivamente pelos homens, foram sendo preenchidos pelo sexo feminino. Contudo,
ranços históricos do machismo e patriarcalismo continuam presentes na sociedade atual,
tornando a questão de gênero objeto de estudo e intervenção para Assistentes Sociais e
pesquisadores das mais diferenciadas instituições.
Nessa luta estão as e os profissionais do Serviço Social pesquisadores(as)
chamados a promover discussões e pesquisas acerca da questão de gênero, tendo em
vista a luta pela igualdade de direitos e emancipação dos indivíduos, independentemente
dos sexos.
33
Aproximadamente 82 anos, em 1932, as mulheres conseguiram o direito de votar
e serem votadas sem restrições. Mesmo assim o número de mulheres em cargos no
executivo e legislativo, ainda está muito abaixo do que o movimento feminista almeja.
Nas ultimas décadas a mulher tem construído, com muito esforço, um novo
olhar, tanto da sociedade em relação a ela como dela em relação a si própria. A
ocupação e disputa por espaço é reconhecida e motivada por parte da sociedade. Esses
avanços não acontecem de forma isolada, essa movimentação acontece no mundo todo,
pois é fruto de muita luta.
Em seguida abordaremos no contexto familiar, discutindo suas mudanças
históricas, suas funções e como a mulher é percebida neste contexto.
2.3 A Mulher no contexto familiar
Segundo Engels (1997, p.62), durante a vigência do estagio selvagem da
evolução humana (Modo de Produção Comunal12
), a mulher assumia uma função
importante na constituição da família e na produção social, pois mantinha o controle
sobre a direção dos afazeres domésticos, atividade que possuía caráter público, na
medida em que atendia a reprodução dos membros da comunidade. Além disso, a
mulher detinha direitos sobre os filhos, uma vez que podia se relacionar tanto com seu
cônjuge quanto com outros homens, estes também se relacionavam com outras
mulheres, e não se sabia quem era o pai biológico dos mesmos.
Deduz-se, segundo Engels (1997, p.70-71), que o primeiro antagonismo de
classes que surgiu na história “coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o
homem e a mulher na monogamia, e a primeira opressão de classes, com a opressão do
sexo feminino pelo sexo masculino”. É nesse momento que se origina a primeira
divisão sexual entre o homem e a mulher.
12De acordo com Karl Heinrich Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), fundadores do chamado "socialismo científico", a sociedade de produção comunal, seria o coroamento de uma longa evolução histórica. Os regimes "anteriores", principalmente o capitalismo e o socialismo, cumpririam o seu papel histórico ao promover o aumento da produtividade e, portanto, as pré-condições da abundância, que caberia ao comunismo transformar em plena realidade.”
34
Assim, ao analisarmos a história da família brasileira, percebemos a grande
influencia dos costumes europeus, o historiador francês Áries (1973) descreve a
transição da família medieval para a família moderna.
A transição da família medieval para a era moderna inicia-se por voltado século
XV chegando até a revolução francesa no século XVIII. No Brasil as influencias
européias chegaram através dos padres a partir do século XIX.
A estrutura econômica do Brasil no período colonial era agrária e latifundiária e
utilizava-se da mão de obra das (os) escravas (os). Segundo Samara (1983, p. 88), a
família brasileira no período colonial sofria influencias em seu núcleo de varias origens
que se relacionavam de alguma forma com o senhor da casa, sua mulher e prole
legítima.
A família colonial era uma imensa legião de agregados conduzida pela figura
paterna, este por sua vez era venerado e temido. Pois a ele era dado o poder de controlar
todas e todos da família utilizando-se inclusive da força física se assim considerasse
necessário.
Entretanto, utilizando-se da força física o patriarca ainda era venerado porque
encarnava no coração e na mente de seus dependentes, todas as qualidades e virtudes
possíveis a um ser humano. Assim, na época:
‘{...} permitia ao marido emendar a mulher das más manchas pelo uso da
chibata “( AZEVEDO, 1985, p.37)
A família patriarcal enfatizava a autoridade máxima do marido, “As mulheres,
depois de casadas, passavam da tutela do pai para a do marido, cuidando dos filhos e da
casa no desempenho da função domestica que lhes estava reservada” (SAMARA, 1983,
p.14).
Historicamente, é imposto à mulher a responsabilidade das tarefas domésticas e
os cuidados com os filhos e com o marido. Assim, há na atividade produtiva, uma
divisão sexual do trabalho baseada na hierarquia – que tem sua origem na família
patriarcal das sociedades precedentes – cujo homem ocupa uma posição considerada
superior.
35
[...] A permanência da responsabilidade feminina pelos afazeres domésticos e cuidados com os filhos e outros familiares indica a continuidade de modelos
familiares tradicionais, que sobrecarregam as novas trabalhadoras, sobretudo
as que são mães de filhos pequenos.” ( BRUSCHINI, 2010, p.537)
Conforme Mészáros (2002, p. 91), compreende-se que, se na família como parte
do “microcosmo” funcional ao sistema do capital, a mulher dispõe de uma posição
subordinada, uma vez que a verdadeira igualdade não pode existir em seu interior
porque não poderia ultrapassar seus limites, já que demandaria uma ordem social
igualitária.
Assim, o capital necessita desse tipo de estrutura familiar para assegurar sua
autoridade e a hierarquia desde o “microcosmo‟ ao “macrocosmo‟ social, logo, a luta
feminina pela emancipação requer também a superação desse sistema global
discriminatório e hierárquico.
Atualmente falar em modelo de família nos remete a varias formas de
organização familiar, não necessariamente ao modelo “pai, mãe, filhas e filhos”. Desta
forma ressaltamos o artigo 25° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se
estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada
por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e
mantém vínculos de afinidade e afetividade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009 – estatuto da criança e do adolescente – ECA)
As mulheres pesquisadas neste trabalho fazem parte desse universo de varias
formas de organização familiar, nos deparamos com famílias que carregam a herança do
modelo patriarcal e outras que com as mudanças impostas pela sociedade e por
necessidade de sobrevivência (financeira, por opção ou por violência) se modificaram e
são hoje o que no estatuto da criança e do adolescente - ECA, chamamos de família
extensa ou ampliada.
Através do matrimonio, constituição da instituição família, a mulher passou a ser
uma forma de “propriedade privada”13
dos homens. A Revolução Industrial separou o
13
Propriedade privada: é a busca privada de propriedade. De antemão, priva o outro de usufruir. É a forma específica de esta existir na sociedade capitalista.
36
mundo do trabalho do mundo familiar, instituindo a partir deste momento a dimensão
privada da família.
Os desafios para as mulheres ainda são/estão presentes em todos os setores da
sociedade, entre eles na categoria trabalho, que dialogaremos no tópico a seguir.
2.4 A categoria Trabalho
O processo de trabalho se dá entre a mulher / homem e a natureza, nele o
homem, enquanto gênero humano masculino ou feminino, planeja sua ação, antecipa os
resultados na sua consciência (prévia-ideação) e, desse modo, intervém com seu
trabalho na matéria-prima ou bruta a fim de transformá-la em valores de uso necessários
à sua sobrevivência. Ao transformar a natureza ele modifica, ao mesmo tempo, a si
mesmo, ou seja, ao objetivar uma idéia ele adquire novos conhecimentos e habilidades,
assim já não é mais o mesmo homem de antes.
Identifica-se, através do exposto, que o trabalho já se fazia presente desde a
Comunidade Primitiva14
. Marx (1996, p.113) argumenta que o trabalho é a categoria
fundante do ser social. E no seu sentido ontológico, corresponde ao intercâmbio
orgânico do homem com a natureza que se objetiva para a produção de valores de uso
necessários à reprodução humana.
Segundo Hirata (2002, p. 77), o homem, vem mantendo o controle sobre as
ferramentas de trabalho desde as sociedades precedentes, e, na sociedade capitalista,
sobre a técnica, a qual as mulheres praticamente não têm acesso, e, por isso, ficam
restritas a execução dos trabalhos manuais de qualidade inferior.
Entretanto, na sociedade capitalista, o trabalho deixa de ter como finalidade
última a satisfação das necessidades materiais humanas para atender a reprodução do
capital. Noutros termos, o valor de uso15
é suplantado pelo valor de troca16
e o processo
14 Comunidade primitiva: Segundo Engels a Infância do gênero humano. Os homens permaneciam, ainda, nos .bosques tropicais ou sub tropicais; o principal progresso desse período é a formação da linguagem articulada. Nenhum dos povos conhecidos no período histórico estava nessa fase primitiva de evolução. E, embora esse período tenha durado, provavelmente, muitos milênios, não podemos demonstrar sua existência baseando-nos em testemunhos diretos; mas, se admitimos que o homem procede do reino animal, devemos aceitar, necessariamente, esse estado transitório. 15
Valor de uso: Segundo Marx, são em síntese, incalculáveis. Enquanto valores, são qualitativamente iguais e só quantitativamente diferentes e, de fato, calculam-se todas reciprocamente e substituem-se,
37
de trabalho adquire o caráter de processo de valorização, no qual o capitalista possui os
meios de produção, a matéria-prima, e a força de trabalho, que é por ele comprada como
qualquer outra mercadoria e pode ser utilizada da forma que desejar.
Desta forma, o trabalho como categoria primordial ao ser humano, valor que
deve ter sempre o seu papel central independentemente da sociedade vivida e, assim,
considerar as interfaces que vão determinar o sofrimento do trabalho numa sociedade de
classes, notadamente capitalista, que faz do trabalho uma mercadoria e o estranha ao
produtor deste. Que segundo Ricardo Antunes:
[...] desde o mundo antigo e sua filosofia, o trabalho tem sido compreendido
como expressão de vida e degradação, criação e infelicidade, atividade vital e
escravidão, felicidade social e servidão. Trabalho e fadiga. Momento de
catarse e vivência de martírio”. (ANTUNES 2009, p. 259),
O processo de valorização predominante na sociedade capitalista não pode
prescindir da produção de mercadorias como valor de uso. Logo, interrelacionam-se
contraditoriamente dois processos de trabalho: o que consiste no ato de produzir objetos
úteis necessários à vida humana e o processo de trabalho enquanto processo de
valorização, que se resume na produção de mercadorias necessárias à reprodução do
capital.
Com as transformações das sociedades e todo o processo histórico-social vivido
ao longo dos séculos desembocando na formação da sociedade moderna e capitalista e
suas diversas crises, a luta de classes evidenciou-se de forma contundente e as
contradições expandiram-se trazendo á tona várias modificações no mundo do trabalho
e o aumento das expressões da Questão Social.
Na contemporaneidade, o trabalho passa por diversas mutações, onde o
trabalhador é incitado a adaptar-se às condições impostas pelo cenário mundial. Essas
mutações se expressam na forma do trabalho precário multifuncional, polivalente,
isto é, trocam-se, são reciprocamente convertíveis em determinadas proporções e segundo determinadas relações. 16
Valor de troca: Segundo Marx, o valor nasce do relacionamento dos valores de troca e nada tem, pois, a ver com suas propriedades naturais. Além disso, a relação de troca abstrai o valor de uso. O agente da troca, com efeito, não leva em consideração o uso particular do objeto que vende, mas o encara como um instrumento de apropriar-se do produto alheio.
38
flexível, (des) especializado, fragmentado, instável, destituído dos direitos sociais,
enfim, um trabalho multifacetado. Ainda, segundo Antunes (2009),
[...] nas últimas décadas a sociedade contemporânea vem presenciando
profundas transformações, tanto nas formas de materialidade quanto na esfera
da subjetividade, dadas as complexas relações entre essas formas de ser e existir da sociabilidade humana. A crise experimentada pelo capital, bem
como suas respostas, das quais o neoliberalismo e a reestruturação produtiva
da era da acumulação flexível são expressão, têm acarretado, entre tantas
conseqüências, profundas mutações no interior do mundo do trabalho. Dentre
elas podemos inicialmente mencionar o enorme desemprego estrutural, um
crescente contingente de trabalhadores em condições precarizadas, além de
uma degradação que se amplia, na relação metabólica entre homem e
natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a
produção de mercadorias e para a valorização do capital. (ANTUNES, 2009,
p.17).
No entanto, notadamente, a contradição no bojo da estrutura do modo de
produção capitalista vai considerar o trabalhador como descartável, diminuído no
processo do seu poder de produção e facilmente substituído no cenário das
transformações do mundo do trabalho, através do desemprego estrutural e da força
produtiva sobrante, ou como diria Marx (1996), o exército industrial de reserva. .
Em meio a essas contradições, o trabalhado passa a ser o protagonista do
problema, Marilena Chauí faz uma discussão que atenta para a conjuntura de
naturalização das desigualdades sociais e que a própria sociedadebrasileira tem no seu
bojo o discurso autoritário e considera as diferenças como desvio de normas. “[...] as
leis são necessariamente abstratas e aparecem como inócuas, inúteis ou
incompreensíveis, feitas para ser transgredidas e não para ser cumpridas nem, muito
menos, transformadas”. (Chauí, 2010, p.90)
Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da
diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência,
pois estas não são percebidas como tais.
Assim, o trabalho é um espaço que apresenta um impacto diferente entre homens
e mulheres, tanto na forma como se dá a inserção no mesmo, como na maneira que
vivenciam o ambiente laboral.
Contudo, mesmo sob essa forte pressão, a mulher ingressou no sistema
doméstico, onde usava suas próprias ferramentas de trabalho, porém dependia da
39
matéria-prima do burguês para produzir e garantir a sobrevivência da família junto ao
marido e os filhos.
A partir do século XIX, com a criação da máquina para fiar, originou-se
finalmente o Sistema Fabril. A trabalhadora e o trabalhador “Não possuíam a matéria-
prima, como ocorria no sistema de corporações, nem os instrumentos, tal como no
sistema doméstico.” (HUBERMAN, 1986, p. 115).
Esse tipo de máquina requeria agora, de acordo com Engels (2008), mãos
robustas para realizar o trabalho, o que acarretou a ocupação de homens na fiação,
enquanto suas mulheres e seus filhos, que os ajudavam a garantir a renda familiar, não
podendo concorrer com a máquina, passaram a viver com o salário que o chefe da
família recebia.
Com o aprimoramento, aperfeiçoamento e evolução das maquinas diminuiu a
necessidade de força muscular, o que, segundo Saffioti (1979), demandou o emprego de
mulheres e de crianças, pois dispunham de força física reduzida e/ou que não tinham o
desenvolvimento completo de seu organismo, porém ambas tinham membros bastante
flexíveis.
O trabalho excessivo, tanto nas fábricas quanto nas minas, causava efeitos
nocivos sobre o organismo feminino, dentre eles:
[...] deformações na bacia, seja por uma má posição dos ossos da bacia ou por
seu desenvolvimento defeituoso, seja por desvios na parte inferior da coluna
vertebral [...]. (ENGELS, 2008, p. 197).
Acrescente-se a tais fatores, a má alimentação, a moradia precária, e as
vestimentas de má qualidade que as operárias e os operários obtinham com seus salários
miseráveis. Tudo isso enfraquecia o organismo, tornando-o suscetível a doenças. Um
elemento que merece destaque é a concorrência entre os trabalhadores, à medida que faz
com que os salários sejam reduzidos.
Entretanto, com vistas a reduzi-los mais ainda, a burguesia “aproveitou-se
largamente da oportunidade, propiciada pela mecanização, de empregar mulheres e
crianças.” (Engels, 2008, p. 119). Não só o valor proporcionalmente inferior da força de
trabalho feminina lhe permitiu ingressar na atividade produtiva, mas ao mesmo tempo,
seus atributos físicos e “psicológicos”, como mãos pequenas, paciência, agilidade,
40
docilidade, destreza, também favoreceram a uma maior exploração e subordinação ao
capital.
Exemplo disso se encontra nos modelos de organização do trabalho e da
produção capitalista contemporâneos, o taylorismo/fordismo17
e o toyotismo18
. No
primeiro, o controle dos tempos e movimentos dos operários e, no segundo, a utilização
crescente de tecnologias determinaram maior subordinação do trabalhador em geral, e
da mulher em particular, ao capital.
A inserção da mulher como força de trabalho assalariada, na indústria capitalista,
ampliou sua exploração e intensificou sua opressão, principalmente, durante o
capitalismo monopolista. Neste, prevalecem os modelos de organização e de gestão do
trabalho, taylorismo-fordismo e toyotismo, que garantiram a máxima extração de
trabalho excedente para tentar superar os períodos de crise.
Nesses modelos de organização da produção, mantém-se a condição de
subordinação da mulher no trabalho, pelo fato de ser designada para trabalhos de
qualidade inferior, com baixa remuneração, de caráter desgastante, o que não altera
aquela divisão sexual estruturada desde os primórdios do capitalismo. Entende-se, a
partir disso, que o controle e o preconceito sofridos pela mulher trabalhadora na
sociedade de classes prevalecem.
O toyotismo como sistema que substitui o modelo fordista19
em crise,
automatiza cada vez mais a produção, criando postos qualificados que, por serem
julgados trabalhos que requerem polivalência, autonomia, maiores responsabilidades
ficam a cargo do segmento masculino. Já as mulheres são, geralmente, impelidas às
tarefas que as máquinas não conseguiram desempenhar, ocupam postos de trabalho que
17 Taylorismo / fordismo: Segundo Ricardo Antunes, o trabalho massificado ganha condições de trabalho precário, reforçado por uma segunda característica fordista, a racionalização da produção através do parcelamento de tarefas fundado na tradição taylorista 18
Toyotismo: Surgiu como solução para a crise do capital ocorrida nos anos 70. Originário no Japão, de dentro das fábricas de automóveis Toyota, Com ele, uma nova forma de organização industrial e de relação entre capital e trabalho emerge das cinzas do taylorismo/fordismo. Possibilitava o advento de um trabalhador mais qualificado, participativo, multifuncional, polivalente, dotado de maior realização no ambiente de trabalho (SABEL & PIORE, 1984). 19
Fordista: Surge, então, a primeira característica do fordismo, a produção em massa. A justificativa para isso é que apenas a produção em massa poderia reduzir os custos de produção e o preço de venda dos veículos. No entanto, produção em massa significa um grande número de empregos e um conseqüente achatamento dos salários.
41
não requerem qualificação e são em tempo parcial, pois são consideradas como pessoas
que têm limites em função das responsabilidades no âmbito doméstico.
Entretanto, verifica-se que isso não passa de falsa admissão, pois no contexto
atual de flexibilização, de reestruturação produtiva, de concreção das políticas
neoliberais, o sistema do capital em crise precisa – dentre outras coisas – cada vez mais
conter os gastos com a força de trabalho, o que explica a feminização no mundo do
trabalho, uma vez que a força de trabalho feminina é menos onerosa e se adapta de
modo mais eficaz ao controle do capital.
As atividades realizadas pela mulher na esfera doméstica (como a reprodução
biológica, os cuidados com alimentação e vestimenta, e com a socialização das filhas e
filhos) são funcionais à reprodução do capital, pois disseminam e consolidam no seio
familiar os valores da ordem social burguesa. Além do que, permitem ao homem a
reposição de sua força física para que esteja apto ao trabalho, o que justifica o
estabelecimento de uma jornada de trabalho parcial feminina.
No que se trata da emancipação feminina, o ingresso da mulher na produção
social como trabalhadora assalariada a permite lutar junto à classe trabalhadora contra a
exploração capitalista, no entanto, seu trabalho está associado à precarização. Segundo
Nogueira (2004, p.55), isso evidencia novamente a opressão de classe e de gênero
quando a mulher é impelida a trabalhos inferiores, degradantes se comparados as
atividades desenvolvidas pelos homens.
Percebemos na contemporaneidade, ainda, a imposição patriarcal do trabalho
doméstico à mulher, bem como, sua responsabilização sobre a transmissão dos valores
capitalistas às novas gerações, garantindo a perpetuação do sistema de dominação
(baseado na hierarquia do trabalho) que lhe oprime e explora.
Em nome dessas atividades lhe são impostos trabalhos precários, vulneráveis em
regime de tempo parcial, que não lhe exige qualificação, são desgastantes e com direitos
trabalhistas reduzidos. Devido essa funcionalidade feminina ao sistema do capital, sua
luta pela emancipação torna-se um limite que só poderá ser suprimido quando as bases
que sustentam tal sistema sejam extintas.
42
Dessa forma, no capítulo seguinte, abordaremos os dados que nos foram
apresentados durante a pesquisa de campo.
43
3. PESQUISA
Levando em consideração as discussões no capitulo anterior, passamos a
descrever, analisar e compreender a estrutura do objeto abordado e a interação dos seus
componentes.
3.1Mulheres atendidas no grupo de famílias
Vale ressaltar que o grupo é de famílias, e que não é critério a participação de
mulheres, mas só mulheres participavam, expressando que ao se referir à família, ainda
são as mulheres que assumem a responsabilidade de cuidar e da responsabilidade na
esfera domestica.
[...] enquanto as tarefas do cuidado se efetuam geralmente no âmbito
domestico, onde prevalecem as mulheres, de forma predominante os homens
se especializam nas chamadas atividades “produtivas” pelas quais recebem
salários no mercado de trabalho.” (RODRIGEZ, 2010, p.110)
A mulher é atribuída a responsabilidade de cuidar do lar e dos companheiros,
educar filhas e filhos, dentre outras responsabilidades.
Durante as reuniões do grupo, as mulheres levavam suas filhas e filhos para os
encontros. Durante as reuniões, as crianças ficavam na companhia das mães ou
participavam dos serviços de convivência ofertados pelo Centro de Referencia de
Assistência Social (CRAS) / Quintino Cunha. Dependia da atividade proposta, mas a
profissional que conduzia o grupo, optava em encaminhar as crianças para outros
serviços ofertados pelo CRAS – Quintino Cunha.
As mulheres entrevistadas participavam do grupo de família, eram todas
inseridas no Cadastro Único e beneficiadas pelos programas do Governo Federal.
O grupo tinha o numero de participantes e duração previamente definidos.
Foram entrevistadas seis mulheres, que representa um percentual de 30% (trinta por
cento) do total de mulheres participantes do grupo de família, acompanhadas pela
equipe do CRAS- Quintino Cunha.
Para transcrever as entrevistas, resolvemos identificar as mulheres envolvidas
nesse trabalho por nomes fictícios de rosas:Yasmim, Jasmim, Amélia, Dália, Camélia e
Azaléia. Tal decisão ocorreu da razão de considerarmos a diversidade existente entre as
44
rosas e as interlocutoras do nosso estudo,que vivenciam em seu cotidiano relações
diversas no âmbito domestico familiar e publico. Assumindo diversos “papeis”
impostos pela sociedade.
A partir da pesquisa, identificamos que as mulheres entrevistadas possuem idade
entre 35 a 65 anos, sendo duas entre 35 e 44anos, duas de 45 a 54 anos e mais duas
entre 55 e 65 anos, todas com filhos biológicos dos relacionamentos afetivos. Seus
parceiros têm em media a mesma faixa etária de idade que elas.
Ao perguntarmos sobre renda, todas declararam a renda familiar que é em media
R$ 300,00 (trezentos reais). Perguntamos quem trabalhava na residência, e aquelas que
também trabalham, só declaram a renda de seus companheiros e do Bolsa Família, não
mencionam a renda gerada a partir do seu trabalho remunerado.
A partir da entrevistas identificamos que as participantes da pesquisa já
realizaram trabalho remunerado, todas trabalharam como domestica e só uma delas teve
vínculo empregatício. Segundo as entrevistadas, o trabalho era o dia todo, chegando a
trabalharem por 11 horas diárias.
Faxina, lavar roupa de fora, cuidar de menino dos outros. É pesado por que é
o dia todo. Às vezes agente vai e a dona não quer que a gente pare nem pra
descansar. Mesmo tendo maquina de lavar, quer que lave na mão e tem que
ser bem lavado. E quando chego em casa, tenho que fazer janta, arrumar a
casa. Por que se não meu marido não deixa mais eu trabalhar fora e eu preciso, tenho que ter meu dinheirinho. (Açucena – participante da pesquisa)
O trabalho doméstico remunerado é uma das alternativas para muitas mulheres
com menor nível de escolaridade, que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Esses fatores aumentam o grau de exploração, suas jornadas de trabalho são mais
extensas, seus salários estão entre os mais baixos da classe trabalhadora e o nível de
descumprimento das obrigações trabalhistas são expressivas.
Já com informações sobre as mulheres e suas famílias, passaremos no tópico
seguinte a analisar as intervenções realizadas no grupo, a partir do trabalho da equipe do
CRAS/ Quintino Cunha.
45
3.2 As intervenções realizadas com as mulheres no grupo de famílias
O grupo de famílias é uma atividade do Serviço de Proteção e Atendimento
Integral à Família (PAIF), este é um trabalho de caráter continuado que visa a fortalecer
a função de proteção das famílias, prevenindo a ruptura de vínculos familiares e
comunitários, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a
melhoria da qualidade de vida, tal atividade era planejada pelo Centro de Referencia de
Assistência Social em conjunto com a Secretaria de Assistência Social – SEMAS, hoje
Secretaria Municipal de Assistência Social do Trabalho, Desenvolvimento Social e
Combate a Fome (SETRA).
A Secretaria por sua vez cumpria uma agenda determinada por gestores do
governo municipal, cabendo ao Centro de Referencia Social - CRAS propor essa agenda
ao grupo de família e receber as demandas daquele coletivo. Uma forma de
potencializar os dois lados, construindo um dialogo entre coordenação e comunidade.
Os encontros eram planejados em conjunto com a profissional de referencia20
,
sua estagiaria e a equipe da instituição, já que o acompanhamento das famílias eram
realizados por toda a equipe do CRAS, uma ação interdisciplinar.
O grupo tinha vinte participantes e duração de seis meses, esse quantitativo e
periodicidade eram determinados pela Secretaria de Assistência Social que objetivando
a participação de outras famílias atendidas pelo CRAS. Os temas seguiam o cronograma
de datas comemorativas ou de lutas dos movimentos sociais e de organização política
que provocasse reflexão das famílias ou de acordo com o interesse das participantes
daquele coletivo como,por exemplo: o dia das mães, o dia da consciência negra, dia de
combate ao trabalho infantil, prevenção ao uso de drogas, gravidez na adolescência,
entre outros.
Com foco no desenvolvimento familiar, eram definidos temas que o
grupo desenvolvia com recursos lúdicos, interativos e reflexivos, para promover a
reorganização do pensar, sentir e agir diante de determinadas situações. Os momentos
20
Profissional do Centro de Referência de Assistência Social que compõe uma equipe junto à Secretaria de Assistência Social, responsável por planejar, organizar e executar o serviço oferecido no CRAS.
46
de discussão, de despertar, de descontração, precisavam ser atrativos e nunca
cansativos.
A partir de articulações com outras secretarias, dentre elas a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, apresentavam noções de empreendedorismo com intuito
de superar dificuldades e identificar potencialidades. Disponibilizando assim, pequenos
empréstimos através do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
Em cada encontro, eram levadas pelas mulheres, as demandas da comunidade.
Elas relatavam o que acontecia e o que esperavam das intervenções do Estado.
Ontem na Bubu, os meninos pegaram um que veio lá do Sussego e meteram a chibata. Eles não tem o que fazer, não querem ir pra aula. Eles dizem que a
professoras não tá nem ai. Eu queria que a escola prestasse e eles tivessem
um lugar pra eles irem de tarde e de noite pra brincarem e não pra pensar nas
brigas e nas paradas [...] fui na reunião da associação e falei que aqui no
CRAS agente tinha falado neles. Pedi pra eles se juntarem a nós pra todo
mundo ir fazer um projeto e ir entregar lá na prefeitura, se for preciso a gente
junto um bocado de gente e vai. (Dália – participante da pesquisa)
Analisando a fala acima, percebemos que o trabalho realizado pela equipe do
CRAS/Quintino Cunha consegue sensibilizar as mulheres participantes do grupo, visto
que pela fala de Dália, as discussões repercutiam no cotidiano das mulheres.
Nos encontros sempre tinham crianças que acompanhavam as mães, pois elas
diziam:
Não tenho com quem deixar minha filha pequena a mais velha não tem juízo,
elas não podem ficar sozinhas em casa, sei lá, pode acontecer alguma coisa e
todo mundo vai dizer que a culpa é minha, que eu não presto nem pra ser
mãe. Por isso ela vai pra onde eu for.( Amélia - participante da pesquisa)
Daí, a importância da participação de toda a equipe durante o planejamento, pois
as crianças precisavam de um olhar diferenciado e as educadoras e educadores que
fazem parte da equipe do CRAS/Quintino Cunha organizavam uma atividade para as
crianças, geralmente o tema era voltado para a mesma discussão do grupo de família.
Mesmo tendo uma ou um profissional para conduzir atividades com as crianças,
algumas delas preferiam ficar com suas mães, eram momentos de partilha, conversas
entre mãe e filhas ( os).
47
“Acho engraçado que aqui ela fica perto de mim e me ajuda fazer as coisas, em casa não quer saber de mim. Acho que vou vir aqui no CRAS mais
vezes”. (fala de Camélia – participante da pesquisa)
Percebíamos o trabalho das (os) profissionais do Centro de Referencia de
Assistência Social (CRAS)/ Quintino Cunha, quando ouvíamos as falas das mulheres:
“ Quando eu converso com minhas vizinhas, eu falo das coisas que as
Assistentes Sociais dizem pra gente. Que tem que participar pra entender as
coisas e não deixar ninguém enganar a gente. Eu tenho uma vizinha que é
cismada e diz que aqui no CRAS engana a gente por que é da prefeitura. Mas
eu digo o que eu aprendo aqui. Olha Deusa, lá no CRAS tem psicólogo,
monitor e assistente social e outras moças que ficam no cadastro. Elas sempre
explicam porque o Bolsa Família tá bloqueado e puxa nossas orelhas se os
meninos estiverem faltando aula. Elas falam que criança é pra tá estudando e não na rua. Elas falam sobre violência contra mulher e diz o que a gente tem
que fazer pra enquadrar o cabra safado na Maria da Penha. Eu confio muito
nelas” ( Jasmim – participante da pesquisa).
‘
O relato de Jasmim demonstra o engajamento e execução da Política Nacional
de Assistência Social por profissionais do Centro de Referencia da Assistência Social –
CRAS / Quintino Cunha, que entre outras coisas possibilitam ações socioeducativas e
de convivência, em diferentes ciclos etários, contemplando crianças, adolescentes e
idosos, promovendo ações em que a comunidade se vê enquanto sujeito de direito e de
dever.
3.3 As percepções das mulheres sobre o trabalho a partir das intervenções
realizadas no grupo de famílias.
Percebemos, por parte das mulheres e homens, certa naturalização do trabalho
das mulheres no âmbito doméstico que resulta na invisibilidade econômica do trabalho
feminino.
As atividades realizadas pela mulher na esfera doméstica são funcionais à
reprodução do capital, disseminando e consolidando no seio familiar os valores da
ordem social burguesa, permitindo ao homem a reposição de sua força física para que
esteja apto ao trabalho. Segundo pesquisa realizada por Bruscini,
[...] falar de mulher e excluir o trabalho doméstico constitui portanto uma
maneira de deformar a realidade cotidiana do sexo feminino[...] Mais de 30%
da força de trabalho feminino continua sendo composto por um grupo de
ocupações precárias: empregadas domesticas – 75%das quais sem registro na
48
carteira – trabalhadoras não remuneradas e aquelas que trabalham para o próprio consumo e o consumo familiar [...]. (BRUSCHINI,1981, p.99).
Quando Yasmim fala que,
Trabalho, sou catadora, mas tenho que fazer as coisas em casa, se não o home
acha ruim e pode até ir embora. Ou então arranja outra.[...] sabe a mulher é
que é a dona da casa. O home, chega e quer tudo feito. É assim, desde que o
mundo é mundo. ( Yasmim – participante da pesquisa)
Dessa forma questionamos o papel do homem e da mulher no ambiente familiar.
Pois ao mesmo tempo em que se sentem sobrecarregadas com a dupla jornada de
trabalho, se vêem com a obrigação indiscutível de executar todos os afazeres
domésticos sem a ajuda de seus companheiros.
É importante enfatizar aqui, que essa perspectiva que enfoca o valor do
trabalho não remunerado das mulheres em seus lares e comunidades [...] não
centrou esforços na sua valorização no sentido de tomar esse trabalho mais
uma mercadoria. Não se trata, assim, de forma alguma de mercantilizar o
trabalho doméstico, mas sim de, a partir de uma perspectiva feminista, fazer
sua divisão de forma mais igualitária entre homens e mulheres. (RODRIGEZ, 2010, p. 115).
Durante a entrevista percebemos pelas falas que as filhas das entrevistadas estão
inseridas num ciclo que perpetua a submissão da mulher em relação ao homem.
Minha menina me ajuda, depois que engravidei, fiquei muito enjoada e ela ta
me ajudando. Às vezes eu vou para minha mãe para ajudar a ela a fazer as
coisas dela. (Fala de Azaléia – participante da pesquisa)
A fala de Azaléia nos remete a discussão sobre a imposição que é feita a
mulher, a responsabilidade das tarefas domésticas e os cuidados com os filhos e marido.
Responsabilidade esta que é passada de mãe para filha como se fosse uma herança, essa
“herança”, associado a dependência financeira.
[...] é muito triste ficar pedindo, marido me dá R$ 1,00 (um real), Marido me
dá R$ 10,00(dez reais), aqui em casa é assim [...] e depois ele fica
perguntando com que eu gastei. Dá tanta raiva, por que eu gasto tudo em casa
e parece que eu gastei na farra. (Fala de Yasmim – participante da pesquisa).
Novamente destaca-se o modelo familiar. Nesse contexto de famílias atendidas
pelo CRAS/Quintino Cunha,que tem sua origem na família patriarcal – cujo homem
ocupa uma posição considerada superior.
49
Em todas as visitas os maridos estavam no ambiente público, seja exercendo
trabalho remunerado ou não e as mulheres cuidando da casa e das crianças.
Perguntamos como era realizado as tarefas domesticas no cotidiano de cada uma delas.
Todas as seis entrevistadas afirmaram que realizam os afazeres domésticos sozinhas ou
contam com ajuda de filhas ou suas mães, isto é, de outras mulheres. Ficando evidente a
desigualdade de gênero dentro das residências pesquisadas.
“Lavar os pratos, lavar roupa, varrer a casa, sei não (risadas). Só sei que aqui
tudo é maneiro, ne! Meu companheiro disse que é melhor trabalhar do que
ficar em casa cuidando de menino.” (Fala de Camélia – participante da pesquisa)
Quando perguntamos o que significava trabalho para elas a resposta era
contraditória. Das seis entrevistadas, três mulheres consideraram que seus afazeres
domésticos em suas residências era trabalho, mas não é remunerado. Por isso não é
valorizado pela sociedade, inclusive por elas mesmas.
As outras três participantes, explicam quais suas tarefas dentro de casa, mas não
as consideram como trabalho.
[...] É não, é muito diferente. A casa da gente, a gente faz como quiser,ne? Os
de fora não. Na casa da gente , se quiser pode parar e terminar depois. Na
faxina, as patroas são muito exigentes, querem tudo bem limpinho. Na minha casa eu faço quando eu quero, e não preciso ter pressa e nem precisa ser
muito bem feito. Faço do jeito que eu quiser.” ( fala de Yasmim –
participante da pesquisa)
50% das mulheres entrevistadas somente consideram trabalho as atividades
realizadas no âmbito domestico que não seja o de sua residência, bem como que seja
remunerado, que nosremete a analisar que as atividades realizadas pela mulher na esfera
doméstica fortalecem à reprodução do capital que por sua vez, necessita desse tipo de
estrutura familiar e machista, para assegurar sua autoridade e a hierarquia.
[...] fazer as coisas em casa é obrigação da mulher, o homem tem que trazer o
sustento, onde já se viu, em casa nem pode ser trabalho. Não tem nem patrão
e nem salário [...] se não tiver carteira assinada não é trabalho, pode ser
qualquer coisa, menos trabalho. (Açucena – participante da pesquisa)
Percebemos na fala de Jasmim, uma das participantes da pesquisa, elementos
que nos remete ao trabalho produtivo: “Só meu companheiro trabalha e ganha um
50
salário mínimo e quando ele recebe a gente paga o aluguel e compra comida pra dentro
de casa”.
O trabalho produtivo se refere aquele que gera mercadorias e renda, ou seja,
é aquele destinado às trocas de mercado, e que tendo por tanto legitimação e
valorização nesse mercado, é remunerado. (RODRIGEZ, 2010, p. 122).
O trabalho produtivo produz o valor necessário à reprodução da força de
trabalho, como também a mais-valia, o valor excedente do qual se origina o lucro dos
diferentes capitais, os juros, aluguéis e rendas de todos os tipos.
Dessa forma, podemos destacar a importância do trabalho para as mulheres
participantes da pesquisa, ao mesmo tempo em que a cultura machista e patriarcal, faz
parte do seu cotidiano de forma muito natural para aquelas mulheres.
No próximo tópico, abordaremos quais foram nossas impressões durante e após
as entrevistas com as interlocutoras da pesquisa.
.
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetivo compreender os significados atribuídos ao
Trabalho domestico não remunerado para as mulheres que participavam do grupo de
famílias no Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS)/Quintino Cunha, na
cidade de Fortaleza.
As interlocutoras da pesquisa concordaram ao afirmar que trabalhar em casa na
realização de sues afazeres domésticos, são tidos como obrigação feminina, podendo ser
administrados por elas, sem a cobrança de chefe. Desta forma não pode ser remunerado.
Refletindo sobre a opressão, tendo realizado um estudo bibliográfico afim de nos
apropriarmos sobre a historia da família e compreendermos o papel da mulher nesse
contexto, as relações de gênero na esfera domestica e sua condição de trabalhadora no
âmbito publico e privado.
Através da pesquisa de campo colhemos informações sobre o conhecimento que
as mulheres entrevistadas têm sobre trabalho domestico, trabalho remunerado e não
remunerado.
Assim as mulheres envolvidas na pesquisa, percebem o trabalho domestico no
seu âmbito familiar como obrigação feminina por isso, acreditam que não deve ser
remunerado. Já o trabalho fora do seu ambiente familiar, num âmbito publico, com
periodicidade, com normas a serem cumpridas e remunerado, este sim, tem o
reconhecimento da sociedade.
Dessa forma como resultado identificamos que as mulheres do grupo de famílias
do CRAS não compreendem as atividades realizadas na esfera domestica e não
remunerada, como trabalho.
Outro ponto a ser destacado é a imposição feita pela sociedade sobre a mulher.
Há muito tempo vivemos um processo de (des) construção, numa luta diária em relação
a igualdade de gênero e temos avanços com a organização das mulheres, seja através
dos movimentos feministas ou através de instituições, mas ainda é necessário que a
sociedade se aproprie e se engaje nesse processo para equilibrarmos a questão de
gênero.
52
Pela subjetividade e complexidade dos relatos obtidos na pesquisa de campo,
acreditamos que a luta pela igualdade de gênero é um desafio exaustivo e processual.
Porém, é uma luta continua que precisamos envolver mais pessoas nessa batalha. Desta
forma a compreensão da realidade enfrentando os limites e possibilidades dentro desse
sistema tão desigual em que estamos inseridas teremos possibilidades de desconstruir
essa sociedade machista e opressora
Percebemos que as mulheres pesquisadas justificam a desigualdade na divisão
sexual do trabalho domestico por serem do sexo feminino. Mesmo quando elas
trabalham fora do seu ambiente familiar e ajudam a sustentar suas famílias.
Considerando todos os aspectos discutidos, percebemos que a trajetória das
mulheres é marcada pela desigualdade, opressão e descriminação. Desse modo o
homem é denominado como ser supremo, ao passo em que a mulher é colocada em uma
posição de inferioridade e submissão ao sexo oposto.
É nesse contexto que percebemos as raízes da desigualdade de gênero, trazendo
como conseqüência o machismo e a opressão contra mulheres
. A inserção da mulher como força de trabalho assalariada, na indústria capitalista,
ampliou sua exploração e intensificou sua opressão, principalmente, durante o
capitalismo monopolista. Neste, prevalecem os modelos de organização e de gestão do
trabalho, taylorismo-fordismo e toyotismo, que garantiram a máxima extração de
trabalho excedente para tentar superar os períodos de crise. Nesses processos
contemporâneos, nota-se, ainda, a imposição patriarcal do trabalho doméstico à mulher,
bem como, sua responsabilização sobre a transmissão dos valores capitalistas às novas
gerações, garantindo a perpetuação do sistema de dominação (baseado na hierarquia do
trabalho) que lhe oprime e explora.
As mulheres envolvidas na pesquisa reconhecem a importância dos serviços
prestados pelo Centro de Referencia de Assistência Social (CRAS)/Quintino Cunha.
Observamos que existe entre as mulheres e as profissionais, as mulheres entrevistadas
fazem recomendações a suas vizinhas para procurarem os serviços do CRAS, se
apropriam das discussões. Nos relatos é notório perceber o envolvimento delas sobre as
temáticas discutidas no grupo.
53
Percebemos em nossa pesquisa que o modelo de família patriarcal ainda
predomina, mas tem um diferencial as mulheres trabalham, participam, questionam,
buscam alternativas de sobrevivência. É uma nova dinâmica familiar em que a mulher
contribui para as despesas de casa.
Dessa forma objetivou-se discutir o trabalho domestico não remunerado, a partir
da visão das mulheres participantes do grupo de famílias acompanhadas pela equipe do
CRAS/Quintino Cunha. Levantamos varias reflexões sobre gênero, família e trabalho
remunerado e não remunerado, entretanto entendemos que o trabalho não consegue
encerrar a discussão.
54
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58
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1) NOME, IDADE, ENDEREÇO?
2) QUANTAS PESSOAS MORAM NA RESIDÊNCIA E QUAL O GRAU DE
PARENTESCO?
3) O QUE É TRABALHO PARA VOCÊ?
4) VOCÊ TRABALHA? QUANTAS HORAS POR DIA?
5) QUEM MAIS DA FAMÍLIA TRABALHA? QUAL A RENDA?
6) VOCÊ PODE DESCREVER QUAIS SÃO SEUS AFAZERES DOMÉSTICOS
NO SEU DIA A DIA?
7) COMO VOCÊ CHEGOU AO CRAS QUINTINO CUNHA?
8) A TEMÁTICA TRABALHO FOI ABORDADA NO GRUPO DE MULHERES
OU EM ALGUMA OUTRA ATIVIDADE DO CRAS? COMO FOI? COMO
VOCÊ AVALIA ESSE MOMENTO?
9) VOCÊ FOI ENCAMNHADA PARA ALGUM SERVIÇO DE GERAÇÃO DE
EMPREGO E RENDA OU TRABALHO?
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TERMO DE CONSCENTIMENTO E LIVRE ESCLARECIMENTO
Declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistada e ou participar na
pesquisa de campo “---------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------, desenvolvida por Maria Elizabeth Rodrigues de
Souza. Fui informada que a pesquisa é orientada por Silvana Maria Pereira Cavalcante.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer
incentivo financeiro ou ter qualquer ônus e com a finalidade exclusiva de colaborar para
o sucesso da pesquisa.
Fui informada dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas
gerais é: compreender -------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista
semiestruturada a ser gravada a partir da assinatura desta autorização. O acesso e a
analise dos dados coletados se farão apenas pela pesquisadora e ou sua orientadora.
Fui informada ainda de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer
momento, sem quaisquer sanções ou constrangimentos.
Fortaleza, _______________ de______________________de 2014.
Assinatura da participante:_________________________________________________
Assinatura da pesquisadora:________________________________________________