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Centro Universitrio de Braslia - UniCEUB
Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais
GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI
ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO
NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E
DA AMPLA DEFESA
Braslia - 2016
GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI
ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO NOVO
CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA
DEFESA
Monografia apresentada como requisito para
concluso do curso de Bacharelado em Direito
pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais
do Centro Universitrio de Braslia
UniCEUB.
Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga
Braslia - 2016
ZOGHBI, Guilherme Loeblein.
ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA
ANTECEDENTE NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO
PRINCPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITRIO
Guilherme Loeblein Zoghbi Braslia: O autor, 2016.
_____ f.
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Bacharel em
Direito pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais do Centro
Universitrio de Braslia UniCEUB.
Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga
GUILHERME LOEBLEIN ZOGHBI
ESTABILIZAO DA TUTELA DE URGNCIA SATISFATIVA ANTECEDENTE NO NOVO
CDIGO DE PROCESSO CIVIL LUZ DO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA
DEFESA
Monografia apresentada como requisito para
concluso do curso de Bacharelado em Direito
pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais
do Centro Universitrio de Braslia
UniCEUB.
Orientador: Msc. Joo Ferreira Braga
Braslia, ___ de _____________ de 2016
Banca Examinadora
Prof. Joo Ferreira Braga
Orientador
Dr. ___________________
Examinador
Dr. ___________________
Examinador
DEDICATRIA
minha amada me, a quem guardo
profunda admirao por suas virtudes, dentre
elas: sua fora e sua fibra, por no ter deixado
me perder pelos caminhos da vida, onde pegou
minha mo e me direcionou por onde deveria
trilhar aos caminhos dos meus sonhos.
Ao meu amado pai, a quem sempre me educou
da maneira correta e que me deu suporte para
alcanar aos mais altos lugares da vida.
minha amada duduquinha, que pelo tempo
que esteve presente em minha vida, apoiou
cada deciso de meus genitores, e colaborou
efetivamente para atingir meus objetivos.
AMO TODOS VOCS!
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao Professor Joo Ferreira Braga,
exemplo de mestre e amigo. Seu magnfico
apoio, sua dedicao e prestatividade foram
os pontos de destaque para que pudesse ter
foras para elaborar este rduo trabalho
monogrfico.
Em que pese essas palavras serem muito
aqum do que ele merece, retratam a
sinceridade de meus agradecimentos.
Agradeo tambm, ao Professor Renato
Castro Ramos, Juiz de Direito do Tribunal de
Justia do Distrito Federal, pela entrevista
concedida para este trabalho monogrfico,
onde me fez enxergar com mais clareza a
problemtica da minha pesquisa, e que
mostrou-me como trabalharia na prtica
diante desses problemas.
Voc se lembra de p na praia,
Com a sua cabea nas nuvens
E os seus bolsos cheios de sonhos?
Em direo Glria, nos sete mares da vida
Mas o mar mais profundo do que parece
O vento estava com voc
Quando voc partiu na mar da manh
Voc fixou sua vela para uma ilha no sol
No horizonte, nuvens escuras frente,
Pela tempestade est apenas comeando
Me leve com voc, me leve para longe,
E me leve para a praia distante
Veleje seu navio pela gua,
Abra suas asas no cu
Aproveite o tempo para ver
Voc a nica que segura a chave
Ou navios velejando passaro por voc
Voc chora por clemncia
Quando voc pensa que voc perdeu o seu caminho
Voc flutua sozinho,
Se toda sua esperana se foi
Mas encontre a fora e voc ver
Que voc controla o seu destino
Afinal de contas dito e feito.
(Sailing Ships. David Corvedale, Whitesnake.).
RESUMO
O presente trabalho monogrfico examinar a inovao posta pelo novo Cdigo
de Processo Civil, prevista em seu Ttulo V, que o instituto da estabilizao da tutela
antecipada antecedente. A problemtica constatada, mais especificamente no artigo 304, cinge
aos meios de se obstar a estabilizao da tutela antecipada, onde a lei prev que essa torna-se
estvel se da deciso que a conceder no for interposto o respectivo recurso. Ao que parece,
a mens legis define o agravo de instrumento como sendo o nico meio capaz de afastar a
estabilizao da tutela, uma vez que o artigo 304 refere-se ao termo interposto. Outrossim,
para parcela doutrina, o termo a que se refere o artigo supra mais abrangente, uma vez que a
doutrina majoritria considera a natureza jurdica dos recursos como um remdio processual,
podendo-se dizer que, para obstar a estabilizao basta que o requerido se oponha da deciso
concessiva por meio de qualquer remdio legtimo no Cdigo de Processo. No obstante,
foram constatados outros diversos problemas, como a da estabilizao para direitos
disponveis e a aplicabilidade da ao rescisria aps o transcurso do prazo para recorrer e da
propositura da ao autnoma de impugnao. Diante disso, para que se compreenda melhor
os problemas em tela, foi definida a seguinte estruturao: O primeiro captulo tratar dos
princpios constitucionais, principalmente o do contraditrio e o da ampla defesa, com
substrato em outros princpios correlatos, bem como na evoluo desses diante do cenrio
constitucional percorrido pelos sculos XIX e XX. O segundo captulo ir expor o instituto
das tutelas provisrias do novo Cdigo de Processo Civil dando maior nfase a tutela de
urgncia satisfativa antecedente, a evoluo da tutela antecipada na transio do Cdigo de
Processo Civil de 1973 para a nova legislao, bem como as peculiaridades do instituto. E por
derradeiro, ir se discutir os problemas apresentados pela doutrina e as suas possveis
solues para a dubiedade presente na lei processual.
Palavras chaves: novo Cdigo de Processo Civil. Estabilizao da tutela antecipada
antecedente. Princpio do Contraditrio e da Ampla defesa. Direitos Indisponveis. Ao
Rescisria.
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 11
1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO ................................................... 14
1.1 Consideraes sobre a Importncia do Tema ............................................................... 14
1.2 Constitucionalizao do Direito ..................................................................................... 16
1.3 Normas Constitucionais: a diferenciao entre regras e princpios ............................ 18
1.3.1 O debate entre Herbert Hart, Ronald Dworkin e Robert Alexey .................................... 18
1.3.2 Definies ........................................................................................................................ 20
1.3.3 Direito Constitucional Processual e os Princpios de Direito ........................................ 22
1.4 Neoconstitucionalismo e seu Marco Terico: sua interpretao jurdica com base nos
princpios constitucionais ....................................................................................................... 24
1.5 Princpios em Espcie ....................................................................................................... 27
1.5.1 Princpio do Contraditrio e o Princpio da Cooperao entre as partes ..................... 27
1.5.2 Princpio da Isonomia como substrato do Princpio do Devido Processo Legal ........... 30
1.5.3 Princpio da Eficincia e a Flexibilizao Procedimental .............................................. 31
1.5.4 Princpio da Motivao das Decises Judiciais ............................................................. 33
2 TUTELAS PROVISRIAS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL ................ 36
2.1 Exposio do Tema com nfase nas alteraes do Novo Cdigo de Processo Civil .... 36
2.2 Tutelas Provisrias: distino terminolgica entre provisoriedade, temporariedade e
definitividade ........................................................................................................................... 37
2.3 Tutela de Urgncia: distino entre as espcies, tutela satisfativa e tutela cautelar .. 40
2.4 O Histrico da Tutela Antecipada: do seu nascimento at unificao dos institutos
e de seus requisitos de concesso da tutela provisria ........................................................ 42
2.4.1 Passagem histrica da evoluo das tutelas antecipadas pelas Leis n 5.869 de 1973 e
n 13.105 de 2015 ..................................................................................................................... 42
2.4.2 Da unificao dos institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar no novo Cdigo
de Processo Civil ...................................................................................................................... 44
2.4.3 Dos requisitos de concesso das tutelas provisrias de urgncia .................................. 47
2.5 Das Formas de Requerimento das Tutelas Provisrias de Urgncia ........................... 50
2.6 Da Estabilizao dos Efeitos da Tutela Antecipada Requerida em Carter
Antecedente ............................................................................................................................. 53
2.6.1 Noes gerais sobre a estabilizao dos efeitos da tutela antecipada antecedente ....... 53
2.6.2 Condies para se estabilizar a tutela antecipada antecedente...................................... 56
2.6.3 Dos meios capazes de obstar a estabilizao e as formas de manifestao da parte
contrria frente a deciso que concede a tutela antecipada antecedente ................................ 58
2.6.4 Coisa julgada na estabilizao dos efeitos da tutela antecipada antecedente?.............. 59
2.6.5 Ao autnoma de impugnao aps a estabilizao dos efeitos da tutela antecipada
antecedente ............................................................................................................................... 62
3 DA DEBILIDADE DA ESTABILIZAO DA TUTELA ANTECIPADA
ANTECEDENTE FRENTE AO PRINCPIO DO CONTRADITRIO E DA AMPLA
DEFESA E SEUS DEMAIS PROBLEMAS ........................................................................ 64
3.1 Faces da Estabilizao da Tutela Antecipada Antecedente e a Inobservncia dos
Princpios do Contraditrio e da Ampla Defesa: carncia legal de oportunidades de
manifestao do ru ................................................................................................................ 67
3.2 Dos Possveis Meios Legtimos Capazes de Obstar a Estabilizao da Tutela
Antecipada Antecedente em Consonncia com o Princpio do Contraditrio e da Ampla
Defesa ....................................................................................................................................... 71
3.2.1 Da terminologia respectivo recurso empregada pelo artigo 304 do novo Cdigo de
Processo frente as noes gerais da natureza dos recursos vistas pela doutrina: a viso dos
recursos como remdios processuais ....................................................................................... 72
3.2.2 Da Flexibilizao Procedimental .................................................................................... 76
3.2.3 Do Juzo de Retratao Estabelecido no Agravo de Instrumento e a Estabilizao da
Tutela Antecipada ..................................................................................................................... 79
3.3 Da Estabilizao da Tutela Antecipada Antecedente e do Julgamento Antecipado da
Lide: semelhanas e sua aplicabilidade frente aos direitos indisponveis ......................... 80
3.4 Da No Formao da Coisa Julgada e da Ao Autnoma de Impugnao: suas
correlaes com a ao rescisria.......................................................................................... 83
CONCLUSO ......................................................................................................................... 88
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 92
11
INTRODUO
O instituto das tutelas provisrias foi significativamente alterado pela Lei
n.13.105 de 2015, a qual trouxe consigo eloquentes extines e inovaes ao longo dos
artigos 294 at ao 311 do Ttulo V.
O Cdigo de Processo Civil de 1973 previa em seu Livro III o procedimento
cautelar, que regulamentava a tutela provisria de urgncia cautelar, bem como previa em seu
artigo 273 a antecipao dos efeitos da tutela satisfativa. Tais institutos no se confundiam e
seguiam linhas distintas, sendo o primeiro, destinado a tutelar bens da vida que corriam risco,
fundado no fumus boni iuris e no periculum in mora, no fito de resguardar e conservar o
resultado til do processo. J o segundo, era destinado a tutelar, com base na prova
inequvoca, de modo a constituir a verossimilhana das alegaes, e no fundado receio de
dano irreparvel ou difcil reparao.
Conforme se depreender ao longo do presente trabalho, o novo Cdigo de
Processo Civil expressa significativa remodelao do instituto das tutelas provisrias,
constatada pela eliminao do procedimento cautelar, o que ensejou, consequentemente a
isso, na unificao das tutelas provisrias. Outra proposio legislativa que se extrai da
unicidade dessas tutelas a de que seus requisitos essenciais para concesso passaram a ser
iguais, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano.
Outro ponto loquaz, inaugurado pela nova legislao processual, o advento da
nova espcie de tutela provisria, denominada de tutela de evidncia. Ao contrrio das tutelas
de urgncia, esta evidenciada pela demonstrao cabal do direito pleiteado, que independe
da demonstrao de perigo de dano ou de risco ao resultado til do processo.
Sem embargos, o novo Cdigo de Processo Civil conservou as formas de
requerimento dessas tutelas provisrias, destacando a manuteno do meios incidenteis e
cumulativos de se pleite-las. No obstante, denota-se o esforo legislativo para
internacionalizar o direito processual, pelo qual houve a importao de uma nova forma de se
requerer uma tutela urgncia, de origem alem, francesa e portuguesa, chamada de tutela de
urgncia requerida em carter antecedente.
Por essa forma de requerimento, entende-se que o requerente, caso queria pleitear
uma tutela de urgncia, sendo ela contempornea a data da propositura do pedido, pode
requere-la de forma antecedente, ou seja, limitar-se ao pedido de tutela provisria de urgncia,
12
para que posteriormente, adite suas razes acrescidas do pedido de tutela definitiva. Com
efeito, se a medida de urgncia for deferida pelo magistrado, o requerido dever cumprir a
determinao judicial e, ou, se manifestar contra a deciso por meio do agravo de
instrumento, pelo novo prazo de quinze dias. Se ao contrrio disso, o requerido no
pronunciar sua impugnao, e transcorrido o prazo para a interposio do respectivo recurso
in albis, a tutela deferida torna-se estvel, e o juiz extinguir o processo se no for aditada as
razes autorais.
Alm disso, a legislao processual no deixa o requerido a deriva aps o
transcurso do prazo para impugnao pela via do agravo de instrumento. O artigo 304, em seu
2, prev a possibilidade da propositura de uma ao autnoma de objeo estabilizao da
tutela antecipada antecedente dentro do prazo de dois anos, com termo inicial a ser contado da
data em que o requerido teve cincia da deciso que extinguiu o processo.
Entretanto, percebe-se da leitura dos artigos 300, 2, 303 e 304, correspondentes
tutela provisria, que a inovao da estabilizao dos efeitos da tutela antecipada
antecedente aparenta certas dificuldades, principalmente quando estas so conferidas em
carter liminar, que dentre elas, destaca-se a carncia de meios ordinrios para manifestao
do requerido, onde este s ter oportunidade de ser ouvido em sede de recurso, outro ponto a
movimentao desnecessria da mquina estatal por meio da ao autnoma de impugnao
para rever o contedo da tutela antecipada antecedente estabilizada, assim como tambm se
insurgem diferentes resistncias, como o estabelecimento dos honorrios de sucumbncia no
tocante a estabilizao da tutela antecipada antecedente, o seu deferimento parcial pelo juzo
de primeiro grau, a aplicabilidade da ao rescisria aps o transcurso do prazo decadencial
da ao autnoma de objeo.
Para isso, o presente trabalho monogrfico cingir sua abordagem aos problemas
advindos dessa estabilizao precoce, e que podero transtornar o processo civil brasileiro
nestes primeiros anos de vigncia novo Cdigo de Processo Civil.
Assim, o plano programado para essa pesquisa ser feito da seguinte forma. No
primeiro captulo, optou-se em adotar a matria do Direito Constitucional como meio de
introduo a matria processual, por meio da abordagem da constitucionalizao do direito,
do neoconstitucionalismo e da origem dos normas jurdicas, sob a anlise aprofundada dos
princpios constitucionais correlatos ao processo civil.
13
Em segundo plano, o captulo subsequente tratar, em sua inteireza, do estudo das
tutelas provisrias no mbito do novo Cdigo de Processo Civil, abordando aspectos
comparativos com as tutelas provisrias da legislao processual revogada, bem como ser
objeto desse labor o exame da estabilizao da tutela antecipada antecedente como inovao
introduzida no novo cdice, e suas peculiaridades.
E por fim, no quarto e ltimo captulo, o estudo ser dirigido ao estudo dos
perceptveis problemas que se constatam na estabilizao da tutela antecipada antecedente do
novo Cdigo de Processo Civil, fazendo aluso aos temas trabalhados nos captulos
antecessores, e, se possvel, apresentar algumas solues aptas a sanar as dvidas envoltas ao
instituto com auxlio das pesquisas cientficas e da doutrina, uma vez que o posicionamento
dos tribunais so escassos em razo da recm vigncia da nova lei.
14
1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO
1.1 Consideraes sobre a Importncia do Tema
No fito de alcanar a melhor compreenso do tema do presente trabalho,
imperioso se torna estudar os aspectos da Constituio Federal, para que em momento
posterior, se adentre anlise do Direito Processual Civil e suas respectivas bases normativas
oriundas do Direito Constitucional, ressaltando suas correlaes e a hierarquia entre a norma
processual e a norma fundamental. Para tanto, ser feita, em um primeiro momento, uma
abordagem dinmica sobre a importncia do estudo do Direito Constitucional, para que depois
disso, o estudo seja voltado ao exame dos princpios constitucionais do processo previstos na
Carta Magna, sob o enfoque da inviolabilidade destes como garantias constitucionais.
bem verdade que o vocbulo constituio proveniente do verbo constituir, o
qual tem diversos sentidos, dentre eles, o papel de estabelecer, formar, organizar, compor, e
que at mesmo, da etimologia da palavra, constituir algo. No mbito do direito, a palavra
Constituio refere-se instituio de um regime jurdico pautado no Estado Democrtico de
Direito, que tem por sua essncia a instituio de direitos e deveres do Estado, de sua
organizao e dos poderes a ele inerentes, suas limitaes e sua soberania como poder
estatal.1
Adepto a esse entendimento, Jos Afonso da Silva corrobora no mesmo sentido de
que todos esses conceitos Exprimem, todas, a ideia de modo de ser de alguma coisa, e por
extenso, a de organizao internas de seres e entidades. Nesse sentido que se diz que todo
Estado tem constituio, que o simples modo de ser do Estado2.
Por outro lado, a Constituio de um Estado Democrtico de Direito se pauta em
conduzir, alm dos direitos supra mencionados, diversos outros tipos de normas que servem
de base para o desenvolvimento e segurana de determinado regime jurdico, que so os
chamados de direitos e garantias fundamentais, que tem por escopo a regulamentao e
disciplina desses direitos e deveres individuais e coletivos, bem como os direitos sociais e os
direitos polticos.
1 MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil Interpretada e Legislao Constitucional. 9. ed. So Paulo:
Atlas, 2013. p. 4. 2 DA SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. So Paulo: Malheiros, 2011. p. 37.
15
Paulo Bonavides, em sua anlise sobre o tema, aclara as menes supracitadas
com o seguinte argumento:
Em suma, o estabelecimento de poderes supremos, a distribuio da
competncia, a transmisso e o exerccio da autoridade, a formulao
dos direitos e das garantias individuais e sociais so objeto do Direito
Constitucional contemporneo. Revela-se este mais pelo contedo das
regras jurdicas a saber, pelo aspecto material do que por efeito de
aspectos ou consideraes formais, dominantes historicamente.3
Conforme se depreender mais adiante, a Constituio Federal de 1988 um
resultado de um grande trabalho legislativo e de desenvolvimento social, pelo qual
ultrapassou diversos obstculos ao longo do sculo XX, tempo este, caracterizado tanto pelo
regime autoritrio quanto pelo regime democrtico, sem se olvidar da conquista da
supremacia da Constituio, o qual foi o marco em que esta passou a ser considerada como o
ncleo de todo o ordenamento jurdico ptrio, onde suas normas comearam a traar os rumos
do Direito Brasileiro ante a fora normativa da constituio.
Concluda as delimitaes conceituais dessas noes introdutrias do que vem a
ser a Constituio Federal, resta concluir que a lei fundamental a base normativa de todo o
regime jurdico, pela qual todas as legislaes de ordem infraconstitucional, que porventura
surgirem, devero atender aos seus preceitos, e no violar suas normas, sob pena de serem
declaradas inconstitucionais, ao ponto de se tornarem ineficazes, invlidas e inexistentes.
A pergunta que insurge neste contexto : Qual a relao entre as normas de
direitos fundamentais previstas na Constituio Federal com a legislao infraconstitucional
que regulamenta o procedimento que instrumentaliza os direitos materiais em juzo, mais
especificamente, o Cdigo de Processo Civil?
Cumpre destacar, antes de responder a esta pergunta, as menes de Cassio
Scarpinella Bueno:
[...] deve ser posto em primeiro lugar, inclusive em ordem de pensamento,
verificar em que medida a Constituio Federal quer que o direito processual
seja. verificar, na Constituio Federal, qual ou, mais propriamente,
qual deve-ser o modo de ser de dever-ser do processo civil. extrair da
Constituio Federal o modelo constitucional do processo civil e, a partir
dele, verificar em que medida as disposies legais anteriores sua entrada
em vigncia foram por ela recepcionadas, em que medida as disposies
normativas baixadas desde ento esto em plena consonncia com aqueles
valores ou, escrito de forma mais precisa, bem realizam os desideratos que a
3 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2014. p. 34.
16
Constituio quer sejam realizados pelo processo ou, ainda, em que medida
elas concretizam o modelo constitucional do processo civil. verificar,
em suma, em que condies o legislador e o magistrado, cada um
desempenhando seu prprio mister institucional, tm de conceber, interpretar
e aplicar as leis para realizar adequada- mente o modelo constitucional do
processo civil.
Consegue-se extrair a resposta pretendido do referido trecho, podendo denotar que
a relao existente entre a Constituio Federal e o Direito Processual parte do movimento
denominado de constitucionalizao do direito processual, bem como pelo
neoconstitucionalismo.
No obstante a legislao infraconstitucional estar vinculada a disciplinar os
rumos do desenvolvimento, da procedimentalizao e da instrumentalidade do direito material
em juzo com base na Lei Fundamental de 1988, deve-se atentar ao fato de que tais
legislaes esto estritamente ligadas com as diretrizes pautadas pela fora normativa da
constituio.
Em virtude dessas consideraes, convm ilustrar essas assertivas no dizeres do
art. 1 do novo Cdigo de Processo Civil, que traz consigo a disposio de que: o processo
civil ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais
estabelecidos na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, observando-se as
disposies deste Cdigo.
Em remate, resta convir que a Constituio Federal, por se tratar de uma norma de
valor hierrquico superior s demais, por fora do princpio da supremacia da constituio,
deve conter o carter orientador do ordenamento jurdico (incluindo a legislao processual),
definindo seus escopos, suas ideologias, seus valores e suas normas, compostas de regras e
princpios, no fito de regulamentar as condutas do Estado e do cidado, bem como seus
respectivos direitos e deveres.
Neste passo, dar-se incio ao estudo do primeiro movimento que guarda relao
ao tema ora apresentado, qual seja, a constitucionalizao do direito.
1.2 Constitucionalizao do Direito
Aps a travessia do Brasil pelo pice de instabilidade poltica no sculo XX,
perodo este, marcado pela ditadura militar em meados dos anos trinta, pelo arbtrio dos
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
17
membros do poder e pelo o autoritarismo nos anos de 1967 1969, fez com que os
legisladores constituintes, dentro de suas funes tpicas, elaborassem a Constituio Federal
de 1988 de maneira mais atenta, podendo perceber-se que a partir de sua promulgao, o
escopo maior de sua existncia seria a implementao de um Estado Democrtico de Direito,
no nimo da busca do equilbrio, bem como do amadurecimento da Repblica Federativa.
Este marco, nas palavras de Lus Roberto Barroso, simboliza que a Constituio Federal de
1988 tem a virtude suprema de simbolizar a travessia democrtica brasileira e de ter
contribudo decisivamente para a consolidao do mais longo perodo de estabilidade poltica
da histria do pas4.
Desta forma, com o advento da Constituio Federal de 1988, surgiu o movimento
chamado de constitucionalizao do direito. Dentre as diversas concepes acerca desta
terminologia, a que melhor reflete o seu significado a de que a constitucionalizao do
direito serve para identificar, ademais, o fato de a Constituio formal incorporar em seu
texto os mais diversos temas afetos aos ramos infraconstitucionais do Direito5, o que
resultado da centralizao da Constituio Federal diante todo o ordenamento jurdico,
passando, em razo disso, a introduzir os mais variados temas do direito ordinrio em seu
texto legal, luz de suas regras e princpios.
Mister se torna diferenciar, neste passo, que a constitucionalizao do direito no
se trata da insero das legislaes de cunho infraconstitucional na Constituio Federal, mas
sim, sobretudo, a reinterpretao de seus institutos sob uma tica constitucional6.
Paulo Luiz Netto Lbo leciona ainda que a constitucionalizao do direito,
entendida como insero constitucional dos fundamentos de validade jurdica das relaes
civis, mais do que um critrio hermenutico formal7, enaltecendo-se desta forma, a
interpretao material desses direitos.
Feita estas consideraes, percebe-se que a Constituio Federal de 1988, tendo
transcorrido pelos os rduos tempos de instabilidade poltica e social, superou barreiras e no
momento de sua elaborao, tomou seu lugar ao centro do ordenamento jurdico ptrio, e
incrementou em seu corpo material, as bases dos mais diversos ramos do direitos, o que fez
4 BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito: O triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, jan. 5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 LBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalizao do Direito Civil. Revista de Informao Legislativa. Braslia. n.
141. p. 99-109. jan./mar. 1999.
18
com que todas as legislaes de ordem infraconstitucional devessem passar pelo crivo da lei
constitucional, tanto no momento de sua elaborao, quanto no momento de sua
aplicabilidade.
Neste momento, aps transcorrer sobre a anlise da constitucionalizao do
direito, se torna primordial examinar as normas jurdicas constitucionais e seus respectivos
desenvolvimentos tericos.
1.3 Normas Constitucionais: a diferenciao entre regras e princpios
luz da importncia deste tema para a dinmica do presente trabalho, optou-se
em explanar acerca das normas constitucionais neste tpico em apartado para trazer as
conceituaes etimolgicas do termo princpio, sua natureza, sua relao com o direito
constitucional e os demais ramos do direito, bem como trazer alguns dos princpios correlatos
ao campo do direito processual civil e ao tema da estabilizao da tutela provisria de
urgncia satisfativa antecedente.
Em consonncia com as diretrizes acima propostas, dar-se incio aos conceitos
que giram em torno da norma jurdica constitucional denominada de princpio.
1.3.1 O debate entre Herbert Hart, Ronald Dworkin e Robert Alexey
Um dos traos que se acentuam com a era ps-positivista da Constituio Federal
fato da norma do sistema jurdico ter adquirido um padro aberto frente aos direitos e
garantias fundamentais do texto legal constitucional, pelo qual constata-se a fora normativa,
tanto das regras como dos princpios, sendo este ltimo equiparado ao primeiro, como norma
jurdica de um Estado democrtico de direito, sem distines hierrquica.8
Entretanto, para se chegar a este ponto, houve um processo evolutivo doutrinrio
acerca desta distino entre as normas jurdicas, principalmente envoltas sobre as regras e os
princpios. Para melhor compreenso, dar-se incio a explanao doutrinria de Hebert Hart,
passando-se em seguida as lies de Ronald Dworkin.
Herbet Hart, adepto ao positivismo jurdico, defende em sua obra sobre o conceito
de direito que a norma jurdica, a priori composta somente de regras positivadas, serviam
8 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Mtodo, 2012. p. 122.
19
para regulamentar o ordenamento jurdico ao ponto de solucionar as questes advindas de
problemas, eis que a grande maioria das discusses em torno do direito apresentavam-se em
menor grau de complexidade, servindo a regra para dirimir os litgios em juzo. Aos casos em
que apresentassem maior complexidade, os quais no existissem uma regra especfica para
determinar a soluo especfica daquele ponto, Hart sustentava que o papel do julgador seria
determinante, pois a lei poderia conferir-lhe poderes discricionrios para seu julgamento,
desde que fossem devidamente fundamentados e coexistissem com a lgica jurdica.9
Noutra vereda, sucessivamente a Hebert Hart, a doutrina de Ronald Dworkin
ganhou espao no cenrio jurdico ante o desenvolvimento terico das normas jurdicas. Este
doutrinador elaborou em seu trabalho levando o direito a srio um debate crtico quanto a
unicidade das normas jurdicas fundadas nica e exclusivamente em regras positivadas.
Contrape a este entendimento adotado por Hart, fundamentando que a regra no
suficientemente capaz de apresentar uma proposta eficiente para os problemas denominados
de hard cases, afirmando ainda que, diante de casos em que no uma regra aplicvel quela
determinada situao, o julgador no pode ter poderes discricionrios ao decidir determinadas
situaes, sendo a deciso ineficaz.10
Desta forma, Ronald Dworkin prope que o sistema jurdico no seja composto
somente por regras concretas do direito, mas que o ordenamento jurdico tambm seja
harmonizado pela presena de princpios, no fito de que as normas jurdicas sejam a
conjuno de regras, de carter concreto, e princpios, de carter abstrato.11
Neste passo, convm colacionar ao presente tpico o posicionamento de Robert
Alexy, que adaptou o entendimento feito por Ronald Dworkin, incrementando definies
acerca de sua linha ps-positivista.
Em sua doutrinria, Alexy mantm os fundamentos utilizados por Dworkin, e
acrescenta a principal distino entre regras e princpios. Inicialmente, ele traz suas distines
divididas em dois pontos. O primeiro deles, os distingue pela subdiviso percebida entre os
dois, sendo ambos espcies do gnero norma, ou seja, o que os diferenciam que as regras e
os princpios sos espcies autnomas do gnero denominado de norma jurdica. A segunda
9HART, Herbet. O Conceito de Direito. 1. ed. So Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 139
10DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 9. ed.Cambridge: Harvard University Press, 2002. p. 22
11SOUSA, Felipe Oliveira de. O Raciocnio Jurdico entre Princpios e Regras. Revista de Informao
Legislativa. Braslia. n. 192. p. 95-109. out./dez. 2011.
20
distino pautada na diferenciao qualitativa entre essas duas espcies de norma, sem
qualquer tipo de distino de grau e hierarquia entre si.12
Ademais, Alexy traz importante conceituao sobre os princpios, o qual
considera-os como mandamentos de otimizao, sendo as regras estabelecidas como
mandamentos definitivos. A prpria rubrica induz ao entendimento de que os princpios tem
maior capacidade de abranger o direito ao todo, enquanto as regras tem um delimitado campo
de abrangncia, em razo de sua previso solidificada dos atos e consequncias previstas no
dispositivo legal.13
Feitas estas consideraes sobre a evoluo terica da evoluo das normas
jurdicas, passa-se ao exame da definio de princpio em seu sentido lato.
1.3.2 Definies
So vrios os conceitos que se apresentam quando se trata da palavra princpio,
desde os conceitos daqueles que se dedicam a estudar a etimologia das palavras at os mais
renomados juristas contemporneos.
Para Aurlio Buarque de Holanda Ferreira, a palavra princpio traz o significado
de um momento ou local ou trecho em que algo tem origem14
. Voltada para a rea de
atuao em que essa terminologia est sendo trabalhada, tambm pode se definir que a palavra
significa a origem de algo, de uma ao ou de um conhecimento15
.
J para os juristas, a viso do que vem a ser um princpio incontestavelmente
mais ampla.
Paulo Bonavides define princpios, em seu aspecto jurdico, como verdades
objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, seno do dever-ser, na qualidade de
normas jurdicas, dotadas de vigncia, validez e obrigatoriedade16
.
12
ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. So Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. p. 85. 13
SOUSA, Felipe Oliveira de. O Raciocnio Jurdico entre Princpios e Regras. Revista de Informao
Legislativa. Braslia. n. 192. p. 95-109. out./dez. 2011. 14
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1639. 15
Ibidem 16
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2014. p. 261.
21
Amrico Pl Rodrigues vai alm e acrescenta que princpios so linhas diretrizes
que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma srie de solues, pelo
que, podem servir para promover e embasar a aprovao de novas normas.17
Para Marcelo Jos Magalhes Bonicio, onde trabalha claramente essa concepo
em seu livro de direito processual, afirma que deve-se ter a ideia de que tais princpios so,
em geral, orientaes ou caminhos a serem seguidos ou, ainda, pautas diretivas18
.
Sem embargo as explicaes acima transcritas, percebe-se que as ideias mais
variadas que se tm do termo princpio so todas vlidas e aplicveis aos demais ramos da
cincia. Entretanto, para o estudo do Direito, deve-se, antes de tudo, ter cautela para adentrar
aos seus estudos principiolgicos, haja vista suas peculiaridades, principalmente diante
daquelas noes que se tinham de princpios nos tempos do perodo positivista.
Fundamentalmente, os princpios so considerados como normas, uma vez que a
Constituio Federal de 1988 atribuiu-lhes fora normativa. Conforme se depreende das
informaes destacadas anteriormente, os princpios alvorejam os valores de determinada
sociedade, manifestando a ideologia da cultura daquele determinado povo. Diferentemente, as
regras (espcies de normas) tm a funo de definir qual o comportamento esperado daquele
determinado povo, delimitando seus direitos e deveres, a espera de que esses sejam
respeitados de maneira objetiva, ou seja, as regras so aplicadas ao modo tudo ou nada
sim/no 19
.
Lus Roberto Barroso, salienta que, apesar de haver o devido reconhecimento dos
princpios como normas de direito, a menor densidade jurdica de tais normas impede que
delas se extraia, no seu relato abstrato, a soluo completa das questes sobre as quais,
incidem20
.
Sob tal premissa, deve-se sanar a dvida que surge diante do relato acima. Os
princpios, enquadrados como espcie do gnero norma, j que no permite a composio
plena de situaes fticas, com base, nica e exclusivamente, no dispositivo de um princpio
17
Rodriguez, Amrico Pl. Princpios de Direito do Trabalho. So Paulo: LTR, 1978. p.15 18
BONICIO, Marcelo Jos Magalhes. Princpios do Processo no Novo Cdigo de Processo Civil. So Paulo:
Saraiva, 2016. p. 21. 19
FERNANDES, Bernardo Gonalves. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2013.
p.284. 20
BARROSO, Lus Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalizao do Direito (O triunfo tardio do
direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, p. 1-42, jan.
22
previsto no texto legal, qual seria a expectativa que se espera dessa espcie de norma dentro
do ordenamento jurdico?
Desta forma, o apontamento mais conveniente a ser adotado nestas alturas para
solver essa problemtica ser o utilizado por J.J. Gomes Canotilho, denominado de grau de
fundamentalidade, o qual diz que os princpios so normas de natureza estruturante ou com
um papel fundamental no ordenamento jurdico devido sua posio hierrquica no sistema
das fontes (ex.: princpios constitucionais) ou sua importncia estruturante dentro do sistema
jurdico.21
.
Em face dessa resposta apresentada por Canotilho, pode-se concluir que os
princpios se apresentam com carter integrativo da regra jurdica, sendo eles elementos que
estruturam tanto a formao das leis, como em sua aplicao nos casos concretos, tendo um
papel fundamental nas resolues de problemas jurdicos. Alm do mais, nos casos em que a
lei for silente quanto pretenso em juzo que se pleiteia, o juiz no poder se esquivar de
solucionar tal questo. Portanto, o magistrado se valer dos princpios que lhe so disponveis,
sendo eles explcitos ou implcitos, para dizer o direito para aquela determinada situao.
1.3.3 Direito Constitucional Processual e os Princpios de Direito
Feitas essas consideraes sobre os princpios, onde foram trabalhados seus
conceitos e vises sobre o novo Direito Constitucional sob perspectiva da era ps-positivista,
ser feita, a partir deste tpico, uma anlise da construo terica com base no ramo do
Direito Processual Civil.
Conforme visto em outras alturas, os princpios integrantes da Lei Fundamental,
ganharam fora normativa no decorrer do sculo XX, at adentrar o incio do sculo XXI,
passando a ter um carter integrador das regras constitucionais e infraconstitucionais, devido a
sua abstrao normativa, bem como passou a implantar diretrizes para construo de novas
regras, estando o legislador e os magistrados vinculados mens legis, a qual transparece a
ideologia daquele Estado Democrtico de Direito.
No que tange ao Direito Processual Civil, de se notar que este um ramo
autnomo dos demais direitos que compe o ordenamento jurdico, tendo como escopo a
regulamentao da procedimentalizao do direito em juzo, ou fora dele (arbitragem,
21
CANOTILHO, J.J GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 7. ed. Coimbra: Almedina,
2003. 1160.
23
podendo instrumentalizar tanto as matrias de direito privado, bem como as de direito
pblico, com suas devidas especificidades.
Em que pese o Direito Processual caracterizar-se como ramo do direito pblico, o
qual dotado de autonomia perante as demais matrias do ordenamento jurdico, est
inteiramente vinculado s normas (regras e princpios) do Direito Constitucional.
Entretanto, para fins acadmicos, os doutrinadores costumam subdividir esta
matria processual ligada a Constituio Federal em duas linhas, quais sejam: a) Direito
Constitucional Processual, e o b) Direito Processual Constitucional22
. Para o presente
trabalho, optou-se em limitar o estudo dessas linhas acadmicas apenas quanto ao Direito
Constitucional Processual, em razo da pertinncia temtica que est se desenvolvendo neste
trabalho monogrfico.
Assim, Nelson Nery Jr, em sua obra especfica sobre o estudo dos princpios
constitucionais voltados para o ramo processual, de pronto esclarece a distino entre as duas
divises supracitadas:
comum dizer-se didaticamente que existe um Direito Constitucional
Processual, para significar o conjunto das normas de Direito Processual que
se encontra na Constituio Federal, ao lado de um Direito Processual
Constitucional, que seria a reunio dos princpios para o fim de regular a
denominada jurisdio constitucional.
Exemplos de normas de Direito Constitucional Processual podemos
encontrar no art. 5., n. XXXV, art. 8., n III, etc. De outra parte, so
institutos de Direito Processual Constitucional o mandado de segurana, o
habeas data, a ao direta de inconstitucionalidade, etc.23
Diante destas distines, denota-se que, apesar de haver um liame tnue entre as
duas concepes acadmicas, elas se distinguem substancialmente, sendo a primeira delas
destinada a observar o aglomerado de normas jurdicas processuais no mbito da Constituio
Federal, e o segundo pautado em regulamentar a jurisdio constitucional com auxlio dos
princpios.
O Direito Constitucional faz referncia as mais variadas normas de Direito
Processual, sob o mbito da Constituio Federal, dentre elas, citam-se as regras e princpios.
A ttulo de exemplificao, menciona-se o artigo 5., que trata dos direitos e garantias
22
NERY JR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004. p. 26. 23
Ibidem.
24
fundamentais, mais especificamente, os incisos XXXIV, alnea a, XXXV, LV, bem como o
artigo 1, que trata dos princpios fundamentais, em ateno especial ao inciso III.
Ainda neste sentido, Cndido Rangel Dinamarco apresenta seu posicionamento
sob as seguintes menes: Dois sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a)
no sentido Constituio processo, tem-se a tutela constitucional deste e dos princpios que
devem reg-lo, alados a nvel constitucional..24
Portanto, a ttulo de concluso do estudo do presente tema, resta dizer que os
princpios, mesmo que no estejam expressamente descritos no texto legal da legislao
infraconstitucional, esto vinculados implicitamente Constituio Federal. Ressaltando-se
que o princpios que encontram-se encorpados no texto constitucional, so chamados de
Direito Constitucional Processual, sendo esta a razo pela qual todos devem conhecer e
aplicar o Direito Constitucional em toda a sua extenso, independentemente do ramo do
direito infraconstitucional que se esteja examinando25
.
Pari passu, conveniente abordar a importncia do neoconstitucionalismo e de
seu respectivo marco terico para enfatizar a relevncia dos princpios de direito, para a
posteriori, adentrar ao ponto primordial do presente captulo, qual seja: o estudo dos
princpios constitucionais propriamente ditos, para que se possa compreender a sua relevncia
para os captulos subsequentes a serem abordados neste trabalho.
1.4 Neoconstitucionalismo e seu Marco Terico: sua interpretao jurdica com
base nos princpios constitucionais
Posta essas consideraes acerca da constitucionalizao do direito e da exposio
envolta ao tema dos princpios, nada impede conceituar outro movimento correlato ao Direito
Constitucional, conhecido como neoconstitucionalismo, que nas palavras de Jorge Octvio
Lavocat Galvo:
Pode-se considerar eoconstitucionalismo como sendo uma interpretao da
pratica jurdica a partir da perspectiva dos juzes, em que a Constituio
editada aps o restabelecimento do regime democrtico tida como uma
norma substantiva, composta primariamente de princpios, exigindo do
24
DINAMARCO, Cndido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 15. ed. So Paulo: Malheiros, 2013. p. 25. 25
NERY JR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004. p. 26.
25
interprete o manuseio de tcnicas especiais, notadamente a ponderao. Ou
seja, o eoconstitucionalismo um modo especfico de enxergar o Direito,
no qual se valoriza o papel dos juzes na concretizao das promessas
contidas no texto constitucional, sendo inequivocamente uma teoria que
busca influenciar o comportamento dos atores jurdicos26
.
bem verdade que o neoconstitucionalismo influencia diretamente no manuseio
de todas as normas de direito, principalmente, as de cunho fundamental, e no comportamento
dos juzes, que tm o dever de julgar os casos que so postos em consonncia com os
preceitos constitucionais, fazendo com que as decises proferidas em cada caso concreto
sejam compatveis com os esforos e compromissos acentuados na Constituio Federal.
Observa-se que com a promulgao da Carta Magna de 1988, este movimento
doutrinrio vem tomando notveis resultados, onde nos dias atuais, os magistrados se
empenham vigorosamente as acepes dessa nova tendncia. Nesta vereda, cumpre observar o
entendimento desses juzes sobre o neoconstitucionalismo, comeando pelos comentrios do
ministro Luiz Fux:
O Supremo Tribunal Federal imps-me inaugurar uma nova forma de pensar
o direito, porquanto a Carta Constitucional, merc de abarcar regras, contem
in meros princpios, exigindo, na mais das vezes, a denominada tcnica de
ponderao de valores, notadamente nas causas em que a ausncia de regras
explcitas alarga o campo interpretativo e criativo da funo judicial. Esse
um fen meno mais recente, coincidente, temporalmente com o surgimento
de um eoconstitucionalismo cuja denominao tambm no unvoca27
.
Oportuno neste momento destacar o entendimento do ministro Celso de Mello em
voto proferido em sesso de julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinrio n.
477.554/MG, que enaltece as vertentes lanadas por esse movimento:
A fora normativa de que se acham impregnados os princpios
constitucionais e a interveno decisiva representada pelo fortalecimento da
jurisdio constitucional exprimem aspectos de alto relevo que delineiam
alguns dos elementos que compem o marco doutrinrio que confere suporte
terico ao Neoconstitucionalismo, em ordem a permitir, numa perspectiva de
implementao concretizadora, a plena realizao, em sua dimenso global,
do prprio texto normativo da Constituio.28
Depreende-se desses posicionamentos que cada vez mais a funo jurisdicional
exige um julgamento conforme os preceitos insertos na Constituio Federal, em razo da
26
GALVO, Jorge Octvio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do estado de direito. So Paulo: Saraiva,
2013. p. 59. 27
FUX, Luiz (coord.). urisdi o constitucional: democracia e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Frum,
2012. p. 55. 28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinrio n. 477.554/MG. Rel. Min. Celso de
Mello, 2a Turma, julgado em 16-8- 2011, publicado no DJe de 26-8-2011, p. 307.
26
fora normativa imanente as suas normas, principalmente nos casos que apresentam maior
grau de complexidade, em que no h previso de determinada regra peculiar para a soluo
do problema jurdico apresentado, o que acentua, consequentemente, a utilizao dos
princpios de direito para o exerccio da funo jurisdicional.
O ponto crucial o de que, diante dessa tendncia instaurada no mbito
constitucional brasileiro, as normas contidas no texto constitucional comeam a no
satisfazer, em grande parte de suas problematizaes, a soluo das controvrsias e lacunas
verificadas em determinados casos concretos, podendo citar-se a ttulo de ilustrao, os casos
chamados de hard cases, decididos pelo Supremo Tribunal Federal, verbia gratia: a ADPF
5429
, que tratou sobre o aborto de anenceflicos, bem como a ADPF 13230
, que tratou da
defesa das unies homoafetivas.
Assim, acompanhando o desenvolvimento do direito constitucional, aflorado pelo
movimento doutrinrio do neoconstitucionalismo, e reconhecendo, acima de tudo, a
normatividade dos princpios gerais de direito, os quais alcanaram o posto de norma jurdica,
denota-se a imprescindibilidade da observao dos princpios ao analisar os direitos postos em
evidncia.
Desta feita, de se destacar os princpios sua devida importncia dentro do
sistema jurdico normativo, pois diferentemente das regras, esses tm como funo essencial,
de cunho ideolgico, a transparncia de determinados valores dentro de uma sociedade.
Nesse seguimento, transpassado esse estudo exaustivo da relevncia do princpios
como norma jurdica constitucional, deve-se adentrar ao exame dos princpios em espcie, os
quais foram selecionados com base na pertinncia para este trabalho monogrfico, para que
logo aps, possa se analisa-los detidamente ao tema da estabilizao da tutela antecipada
antecedente.
29
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 54. Rel. Min. Marco Aurlio, Tribunal Pleno, julgado em 12-
04-2012, publicado no DJE de 29-04-2013. 30
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 132. Rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-
2011, publicado no DJE de 13-10-2011.
27
1.5 Princpios em Espcie
Adentrando ao tema dos princpios em espcie, vale destacar alguns princpios
interessantes para a delimitao do presente trabalho monogrfico. Sendo assim, seguem
alguns princpios selecionados atentamente ao contedo da estabilizao da tutela antecipada
antecedente.
1.5.1 Princpio do Contraditrio e o Princpio da Cooperao entre as partes
O princpio do contraditrio pode ser encarado sob duas pticas distintas, sendo a
primeira encarada com base na legislao revogada (Cdigo de Processo Civil de 1973), e a
segunda com enfoque na legislao vigente (novo Cdigo de Processo Civil de 2015), a qual
destaca uma nova vertente a ser instaurada entre as partes de um processo.
Deve-se definir o princpio do contraditrio, primeiramente, na viso dos
doutrinadores que elaboraram seus trabalhos durante a vigncia da legislao revogada, para a
posteriori, demonstrar as novas concepes deste princpio luz do novo cdigo.
Para Jos Frederico, o princpio do contraditrio deve ser analisado da seguinte
forma:
Se o Estado brasileiro, plasmado sob a forma da legislao democrtica, d a
quem afirma ter sofrido leso individual o direito ao processo, ou direito de
agir, para que os rgos jurisdicionais apliquem pretenso deduzida em
jogo a norma legal adequada; e se todos so iguais perante a lei, parece-nos
evidente que o direito de defesa corolrio impostergvel da norma31
.
Para Cassio Scarpinella Bueno, seu entendimento no parece destoar do
posicionamento anterior:
fundamental, destarte, que sejam criadas condies concretas do exerccio
do contraditrio, no sendo suficiente a mera possibilidade ou eventualidade
de reao. Ela tem de ser real. Ademais, a depender da qualidade do conflito
de direito material levado para soluo perante o Estado-juiz e dos fatos
processuais, o estabelecimento do contraditrio expressamente
determinado pela lei processual civil32
.
31
MARQUES, Jos Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1966.
p.95. 32
BUENO, Cssio Scarpinella. Tutela antecipada. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2007. p.131.
28
Ainda nos passos do mesmo doutrinador, de se dizer que o contraditrio, no
contexto dos direitos fundamentais, deve ser entendido como o direito de influir na
formao da convico do magistrado ao longo de todo processo.33
Fredie Didier Jr, diferentemente dos outros autores citados, destaca a conceituao
do princpio do contraditrio em dois pontos distintos, de forma elementar para a
compreenso da extenso do tema. Assim, o princpio do contraditrio pode ser decomposto
em duas garantias: participao (audincia, comunicao, cincia) e possibilidade de
influncia na deciso.34
O mencionado doutrinador ainda destaca que a garantia de participao a
dimenso formal do princpio do contraditrio. Trata-se da garantia de ser ouvido, de
participar do processo, de ser comunicado e poder falar no processo.35
Em verdade, o princpio do contraditrio no exerccio de sua dimenso formal
pode ser definido como a oportunidade de ter conhecimento da existncia do processo, da
colaborao eficaz dentro dos limites do processo e da efetiva manifestao quanto ao direito
alegado pelo autor.
Mesmo que a manifestao da parte no surta o efeito esperado, como por
exemplo o indeferimento do pleito, bem como a concesso de uma medida liminar em prol do
autor, o contraditrio foi respeitado, em razo da disponibilidade de uma chance.
No que tange a outra garantia, Fredie Didier entende que, alm da dimenso da
garantia formal, subsiste a dimenso substancial do respectivo princpio, afirmando que:
Trata-se do poder de influncia. o adianta permitir que a parte
simplesmente participe do processo. Apenas isso no o suficiente para que
se efetive o princpio do contraditrio. necessrio que se permita que ela
seja ouvida, claro, mas em condies de poder de influenciar a deciso do
rgo jurisdicional.
Com efeito, nota-se que alm de ser disponibilizada a oportunidade da parte ter
cincia da existncia da ao (ou daquele respectivo ato do processo), podendo interagir de
maneira eficaz no trmite daquela demanda, claro que tambm deve ser oportunizado parte
33
Ibidem. 34
DIDIER JR, Fredie Curso de Direito Processual Civil: Introduo ao Direito Processual Civil, Parte Geral e
Processo de Conhecimento. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 78. 35
Ibidem, 78.
29
a capacidade de participar do convencimento do juzo, influenciando de certa forma, a deciso
que ser proferida naquele determinado caso.
Por conseguinte, feitas as consideraes preliminares sobre o princpio em tela,
deve-se passar para a anlise do contraditrio e sua relao com o princpio da cooperao
entre as partes de um processo.
Em sua essncia, no houveram alteraes aptas a descaracterizar as informaes
enfrentadas at ento. Contudo, a viso do princpio do contraditrio deve ser analisada sobre
outro aspecto que insurgiu-se com a entrada em vigor do novo Cdigo de Processo Civil, qual
seja, o princpio da cooperao entre as partes.
Este princpio:
[...] qualifica o juiz como um dos participantes do processo, igualmente
gravado pela necessidade de observar o contraditrio ao longo de todo o
procedimento e, nessa linha, esse juiz estaria obrigado ao debate, ao
dilogo judicirio, estando gravado por deveres de esclarecimento,
preveno, consulta e auxlio para com os litigantes36
.
A saber, o novo Cdigo de Processo Civil traz em seus artigos 6, caput37
, e 357,
338
a viso da cooperao tida pelo legislador.
Em remate, percebe-se que o princpio do contraditrio est estritamente
correlacionado com a abordagem explcita do legislador sobre a cooperao entre as partes. A
partir dessa afirmao, pode-se dizer que todo o procedimento ter uma maior participao de
todos aqueles envolvidos dentro da relao processual, sendo eles: o autor, o ru e o prprio
juiz, devendo cada um destes, cooperar, dentro de suas limitaes, em prol do bom
desenvolvimento do processo, at que seja proferida uma deciso de mrito condizente com a
colaborao de cada durante o trmite procedimental, ressaltando-se que, a cooperao
prevista no novo Cdigo de Processo Civil um princpio explcito, e que deve ser respeitado
na medida de sua importncia.
36
BONICIO, Marcelo Jos Magalhes. Princpios do Processo no Novo Cdigo de Processo Civil. So Paulo:
Saraiva, 2016. p. 80. 37
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razovel, deciso
de mrito justa e efetiva. 38
Art. 357. No ocorrendo nenhuma das hipteses deste Captulo, dever o juiz, em deciso de saneamento e de
organizao do processo: 3o Se a causa apresentar complexidade em matria de fato ou de direito, dever o
juiz designar audincia para que o saneamento seja feito em cooperao com as partes, oportunidade em que
o juiz, se for o caso, convidar as partes a integrar ou esclarecer suas alegaes.
30
1.5.2 Princpio da Isonomia como substrato do Princpio do Devido Processo Legal
Outra questo correlata ao princpio supramencionado a adequao deste com o
princpio da isonomia.
O caput do artigo 5 da Constituio Federal de 1988 disciplina-o como um
princpio (norma) explcito, ou seja, um dispositivo expresso, fazendo demonstrar-se que o
princpio em questo um reflexo do Estado Democrtico de Direito, no s para aqueles que
se encontram frente ao judicirio em busca de suas pretenses, mas de maneira lato sensu,
amoldando-se a qualquer situao, sendo ela jurdica, ou no.
O princpio da isonomia (ou da igualdade para alguns), para o processo civil,
uma derivao lgica do princpio do devido processual legal. Em rpidas pinceladas, este
princpio, tambm conhecido no sistema common law como due process of law:
trata-se de uma clusula genrica historicamente destinada a coibir os
abusos do Estado (na verdade, dos soberanos) que pode ser estudada sob
dois ngulos diferentes: o devido processo legal sob o aspecto substancial
(substantive due process), que indica a incidncia do princpio no que diz
respeito ao direito material ou substancial, e o devido processo legal sob o
aspecto processual (procedural due process), indicando a aplicao do
princpio ao direito processual ou instrumental.39
Para o presente trabalho, o aspecto do devido processo legal que vem a convir o
que trata do ponto de vista processual, ou procedimental, haja vista que, para corroborar a
elucidao do tpico em comento, necessrio que o enfoque se volte para o processo, em si.
Com efeito, o princpio do devido processo legal processual est ligado ao termo
igualdade, bem como tambm ao termo justo apesar de ser controverso o emprego desta
terminologia, eis que a palavra justia pode ser diferida , ou tambm palavra equilbrio,
estando todos estes em prol do princpio em voga, haja vista que o processo, como tratado
anteriormente, deve ser desenvolvido de modo a resguardar todos os interesses daquelas
partes que ali se encontram, assim como garantir que a igualdade daqueles direitos faam com
que se alcance a justia.
Retomando os pensamentos sobre o princpio da isonomia, o doutrinador
Alexandre Cmara trata deste tema sob o seguinte ponto de vista:
39
S, Renato Montans de; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Processo Civil I: Teoria geral do processo. So
Paulo: Saraiva, 2012. p.59.
31
A isonomia ou igualdade est intimamente ligada ideia de processo justo
isto , de devido processo legal , eis que este exige necessariamente um
tratamento equilibrado entre os seus sujeitos. Por essa razo, alis, dispe o
art. 125, I, do CPC, que dever do juiz assegurar s partes um tratamento
ison mico. o se pode ver, porm, nesse princpio da igualdade uma
garantia meramente formal. A falsa ideia de que todos so iguais e, por isso,
merecem o mesmo tratamento contrria adequada aplicao do princpio
da isonomia. As diversidades existentes entre todas as pessoas devem ser
respeitadas para que a garantia da igualdade, mais do que meramente formal,
seja uma garantia substancial. Assim que, mais do que nunca, deve-se
obedecer aqui regra que determina tratamento igual s pessoais iguais e
tratamento desigual s pessoas desiguais.40
Cndido Rangel Dinamarco, acrescenta, ainda que:
Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que
nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta
pode ser, quando ocorrente essas fraquezas, fonte de terrveis desigualdades.
A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento
formalmente desigual que substancialmente iguala.41
Nesta perspectiva, conclui-se, com base no princpio do devido processo legal,
juntamente com os princpios do contraditrio e da isonomia que, a disponibilizao de
oportunidades que resultem em uma efetiva participao do sujeito, parte de uma relao
processual, indispensvel para que a tutela jurisdicional que dali surgir seja concedida de
maneira eficaz e justa.
Para melhor compreenso de efetividade, ir se destacar a abordagem de tal
princpio no tpico seguinte.
1.5.3 Princpio da Eficincia e a Flexibilizao Procedimental
O Novo Cdigo de Processo Civil trouxe previso expressa em seu art. 8 de um
princpio reconhecido antes mesmo de sua entrada em vigor, devido seu status de princpio
constitucional. Trata-se do princpio da eficincia, previsto no artigo 37 da Constituio
Federal.
Embora a interpretao do princpio seja diretiva Administrao Pblica, no
quer dizer que este no se aplique as demais reas do direito, sendo totalmente plausvel sua
utilizao dentro do ramo do processo civil, tanto que, a prxis (principalmente na atividade
dos juzes) costumava utilizar tal norma para fundamentar suas decises.
40
CMARA, Alexandre Freitas. Lies de Direito Processual Civil. v.1. 25. ed. So Paulo: Atlas, 2014. p. 49. 41
DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil. So Paulo: Malheiros, 2008. p. 209.
32
Por tal princpio, numa viso processual, podemos destacar as menes do
doutrinador Cssio Scarpinella Bueno:
O significado do princpio da efetividade do processo, que enquanto o
princpio do acesso justia e o do devido processual e os que dele
derivam que, pelas razes expostas no n.4, supra, so praticamente todos
os princpios expostos at aqui voltam-se, basicamente, criao de
condies efetivas de provocao do Poder Judicirio e de obteno da tutela
jurisdicional mediante uma devida participao ao longo do processo, com
vistas ao reconhecimento do direito (ameaado ou lesionado) de algum pelo
Poder Judicirio, o princpio da efetividade do processo volta-se mais
especificamente aos resultados prticos deste reconhecimento do direito, na
exata medida em que o seja, isto , aos resultados da tutela jurisdicional no
plano material, exterior ao processo. incuo fala em um processo justo
ou em um processo devido, dando-se a falsa impresso de aqueles
atributos tendem a se esgotar com a to s observncia da correo do meio
de produzir a deciso jurisdicional apta a veicular a tutela jurisdicional.42
Pari passu, o princpio da efetividade da jurisdio est relacionado a um
instituto muito utilizado na legislao do Cdigo de Processo Civil anterior, que vem
ganhando fora ao passar dos anos, denominado de flexibilizao procedimental.
Tal instituto est diretamente ligado, tambm, ao princpio da instrumentalidade
das formas, transparecido pelo atual art. 188 do Novo Cdigo de Processo Civil, que diz que
os atos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a
exigir, considerando-se vlidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade
essencial..
Nas palavras de Fernando da Fonseca Gajardoni:
O desenvolvimento dos atos processuais no livre e espontneo, seno
regrado e organizado em preceitos predeterminados. So as normas de
procedimento as que submetem a disciplina do processo, sinalizando os
preceitos a utilizar, estabelecendo a ordem das atuaes, medindo em
unidades de tempo sua direo. Todas estas regras so tcnicas, que dizer,
vm concebidas em funo de utilidade para o processo.
Exatamente por isto a experincia acolha muda-las quando sua utilizao
torna estril e dissipa os fins do processo. Sendo as regras de procedimento
preestabelecidas como garantia, estas normas no podem substantivar-ser,
quer dizer, converter-se em fim prprio por si mesmo. Isso conduz ao
formalismo, defeito que deve ser firmemente rechaado por converter em
fim o que no mais do que um meio.43
42
BUENO, Cssio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: teoria geral do direito
processual civil. v.1. 8. ed. So Paulo: Saraiva, 2014. p. 162. 43
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilidade Procedimental (um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matria processual). 2007. 285 f. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da USP, So
Paulo. 2007.
33
Absorve-se destes pargrafos que o processo se desenvolve conforme as
disposio legais, que tem o condo de regulamentar as etapas procedimentais das demandas
em juzo, as quais o legisladores julgaram adequadas44
, para instrumentalizar o direito das
partes, o que faz com as regras de procedimento sejam rgidas, enaltecendo-se o formalismo
exacerbado.
Diante disso, Marcelo Pacheco Machado expressa que tais meios de
flexibilizao procedimental:
representam (a) uma peculiaridade da tcnica processual, que permite mais
de um caminho para a tutela da mesma relao conflituosa ideia muito
similar quela do direito material ou, ainda, (b) a possibilidade de
converso de uma tcnica (a equivocada-mente escolhida) noutra (a
supostamente adequada).45
Esta flexibilizao atrelada, tambm ao princpio da fungibilidade, o qual
diversamente aplicado no mbito do processo civil. Cite-se a ttulo de exemplo: a
fungibilidade das tutelas de urgncia, a fungibilidade no mbito recursal, fungibilidade quanto
ao rito processual. Apesar tais fungibilidades serem tpicas, o juiz deve flexibilizar o
procedimento do processo em busca da obteno da tutela jurisdicional adequada, ajustando
os meios de que se valer para adequar s necessidades daquele caso em especfico, sem ir de
encontro a outras normas infraconstitucionais e, ou, constitucionais, de carter imutvel.
Diante das noes apresentadas sobre o princpio da efetividade, recepcionado
expressamente pelo Novo Cdigo de Processo Civil, cumulativamente com as noes da
flexibilizao procedimental, resta para o deslinde do presente captulo a abordagem sobre o
princpio da motivao das decises judiciais.
1.5.4 Princpio da Motivao das Decises Judiciais
Cabe tratar nessas alturas sobre outro princpio no mbito constitucional voltado
para a matria processual, que o princpio da motivao das decises judiciais. Tal princpio
contido na Constituio Federal no art. 93, em seu inciso IX, o qual limita sua incidncia
aos atos decisrios do Poder Judicirio, conforme a interpretao que se extrai do texto legal.
Por tal princpio, entende-se que todos os magistrados, de primeira instncia, at
os de cortes superiores, devem fundamentar suas decises, sob pena de serem declaradas
44
Abre-se aspas para este termo para demonstrar que no necessariamente a mens legis est totalmente adequada a realidade de cada caso concreto.
45 MACHADO, Marcelo Pacheco. Incerteza e Processo. So Paulo: Saraiva, 2013. p.78.
34
nulas caso carea de fundamentao, sejam elas devidas ou no. As decises a que se refere
so as decises interlocutrias, as sentenas, as decises monocrticas e os acrdos.
Neste sentido, leciona Renato Montans de S:
O princpio da motivao sempre se revestiu de capital importncia no
nosso sistema. Atualmente ainda mais. Se j era necessrio ao magistrado
fundamentar as decises numa poca em que as normas dependiam de mera
interpretao judicial, conferindo ao julgador um espao muito estreito para
decidir, que se diga atualmente. Nosso ordenamento est recheado de
clusulas gerais e normas de conceito vagos e indeterminados. ormas
estas que dependem muito mais da atividade construtiva do juiz (o que se
denomina na doutrina criativa judicial do que a mera subsuno do fato
norma. Nesses casos, muito mais importante o papel da motivao.
Vale ressaltar que a deficincia da fundamentao tambm causa de
nulidade da deciso judicial.
De qualquer forma, a falta de apreciao de algum fundamento relevante
enseja o cabimento do recurso chamado embargos de declarao, permitindo
que o prprio julgador fundamente adequadamente o seu julgado.46
A anlise do princpio em tela primordial, principalmente para aqueles que se
deparam com tal circunstncia na prxis. A violao desta norma constitucional pode
acarretar diversos desmembramentos dentro de um processo judicial. Vale esclarecer,
tambm, que assim como os outros princpios que foram abordados ao longo deste captulo, o
princpio em voga tambm se relaciona com outros princpios, quais sejam: o princpio do
convencimento motivado (ou convencimento racional), e at mesmo com o princpio do
contraditrio, o qual j fora elucidado alhures.
A relao desse princpio com os demais pode estar sujeito a violao, no to
somente da norma em epgrafe, mas tambm acarretar a violao das demais normas da
Constituio Federal.
Aclara-se essa assertiva com o seguinte exemplo: O magistrado de primeiro grau,
ao receber um pedido liminar inaudita altera pars, para concesso de uma tutela cautelar, no
intima a parte ad versa para se manifestar, e profere deciso deferindo a tutela pleiteada sem
qualquer fundamentao. Neste exemplo, ntida a violao ao princpio da motivao das
decises judiciais, bem como, tambm, ao do contraditrio e ao do convencimento racional.
Em consequncia dessa violao, alm de no ter cientificado o Ru da existncia
daquela demanda, muito menos ter tido a oportunidade de se manifestar e poder influenciar no
46
S, Renato Montans de. Processo Civil I. So Paulo: Saraiva, 2012. p. 69-70.
35
convencimento do juzo, a falta de motivao evidncia que a prestao daquela tutela
jurisdicional frgil, por no ter todos os elementos necessrios para concesso de uma
deciso eficaz e sem descrio da fundamentao que serviu de base para o magistrado
decidir daquela maneira.
Posta essa explanao sobre o princpio da motivao das decises judiciais, cabe
nesse momento tratar do instituto da estabilizao da tutela antecipada antecedente do novo
Cdigo de Processo Civil.
36
2 TUTELAS PROVISRIAS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO
CIVIL
2.1 Exposio do Tema com nfase nas alteraes do Novo Cdigo de Processo
Civil
O tpico das tutelas provisrias no novo Cdigo de Processo Civil um dos temas
de maior relevncia temtica que se destacaram com a entrada em vigor da nova legislao.
Essencialmente, no foram alteradas as bases conceituais sobre os diversos mecanismos de
tutela de direitos, mas houve proeminente mutao de alguns institutos, os quais originaram
debates doutrinrios. Em suma, com o advento da nova regulamentao em torno das tutelas
provisrias houve transparecimento do carter evolutivo do instituto, salvo algumas excees,
as quais sero o ponto nuclear da problematizao deste presente trabalho.
A Lei n 5.869 de 197347
tratava das tutelas de direitos de cunho provisrio de
forma desmembrada pelo corpo de seu texto legal, estando disciplinada, por exemplo, a
antecipao dos efeitos da tutela no art. 273, enquanto as medidas cautelares estavam
regulamentadas no Livro III daquele cdice, tendo cada uma delas, finalidades distintas e
requisitos de concesso incompatveis entre si.
Quanto s tutelas cautelares, vale destacar que estas eram tratadas de forma
especfica e autnoma (previstas no Ttulo III), com meios diferenciados, sendo resguardado a
estas um procedimento prprio de tramitao, eis que os procedimentos na legislao
revogada eram divididos em procedimento ordinrio, sumrio e sumarssimo.
No novo Cdigo de Processo Civil, diferentemente do cdigo anterior, o
legislador se preocupou em unificar tais institutos, eis que, diante dos problemas que eram
notados por aqueles que manuseavam tais institutos, a prtica comeou a se adequar aos
pontos obscuros de tais medidas provisrias, de modo a influenciar os legisladores a aclarar
tais regras de tutelas dos direitos em carter provisrio, sendo as tutelas antecipadas e
cautelares espcies de um mesmo gnero, qual seja, tutelas provisrias. Alm desta reunio,
47
BRASIL. Lei n 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Cdigo de Processo Civil. Braslia, 1973. Disponvel em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>
37
surgiu, tambm, uma nova espcie de tutela diferenciada de direitos, incerta no gnero das
tutelas provisrias, que a tutela da evidncia.
Diante disso, a Lei n 13.105 de 201548
pautou-se em aprimorar o instituto das
tutelas de direitos de cunho provisrio, trazendo certas inovaes, algumas modificaes e a
extino de outros mecanismos. Assim, a estrutura que se tem parte do gnero de tutelas
provisrias, o qual tem como espcies as tutelas de urgncia, e a tutela de evidncia. As
tutelas de urgncia tm como subespcie as tutelas antecipatrias e as tutelas cautelares, as
quais sero trabalhadas nos tpicos seguintes.
2.2 Tutelas Provisrias: distino terminolgica entre provisoriedade,
temporariedade e definitividade
este ponto, ser feita uma anlise detida sobre o termo provisrio
implementado pelo legislador ao respectivo instituto em tela, amparado por outros termos,
para fins de distino, no fito de afastar quaisquer dvidas sobre a provisoriedade destas
tutelas de direitos.
A palavra provisria diz respeito a tudo aquilo que tende a perdurar enquanto
no sobrevier uma situao que venha a alter-la, a qual ser substituda com o implemento de
uma resoluo definitiva. Como parmetro de tal conceituao terminolgica, utiliza-se o
exemplo metafrico do carro reserva disponibilizado pela seguradora em casos de coliso de
veculos. Enquanto o carro, objeto da coliso, encontrar-se na assistncia tcnica para os
devidos reparos, o automvel reserva destina-se a suprir as necessidades locomotivas do
proprietrio do automvel, enquanto o outro no for concertado.
Evidencia-se que o carro reserva tem o condo de suprir determinadas
necessidades do proprietrio provisoriamente, enquanto no vier uma soluo definitiva para
aquele determinado problema, no permanecendo em sua posse ad eternum.
Apesar de tal exemplo no manter relao com a matria ora tratada, de suma
importncia colacion-lo no escopo de elucidar o emprego da terminologia da palavra
provisrio.
48
BRASIL. Lei n 13.105, de 16 de maro de 2015. Cdigo de Processo Civil. Braslia, 2015. Disponvel em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 19 abr. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
38
Neste passo, tratando-se agora da palavra temporariedade, pode-se conceitu-la
como tudo aquilo que tem tempo certo e determinado, utilizado para fim especfico, que
quando resolvido o desgnio a que se destina a coisa, ou transcorrido seu lapso temporal,
deixa de surtir efeitos. Fazendo uso de outro apontamento correlato ao que fora elucidado no
exemplo anterior, cita-se o caso de um aluguel de um automvel em uma viagem. O
contratante, ao contratar o aluguel do carro para sua viagem, especifica que ir usufru-lo pelo
perodo de sete dias, tendo desta forma marco inicial e termo final da utilizao daquela coisa.
Repara-se neste exemplo que o objeto, de caracterstica temporria, no ser
substitudo por outro ao final do contrato, pois j cumpriu a finalidade pela qual foi
contratada.
Registre-se nestas alturas que ambas as terminologias at ento tratadas podem
aparentemente causar certo equvoco em seu emprego, muito embora sejam diferentes.
Quando se utiliza o termo provisrio supe-se que sobrevir algo definitivo. Enquanto no
emprego da palavra temporrio cogita-se que aquilo no ser substitudo por outro, mas sim
que ter tempo certo e determinado para cumprir sua funo. Em razo disso, conclui-se que
algo que temporrio pode ser definitivo, eis que no ser substitudo findo o tempo, ou
resolvida a coisa, cumprindo o fim a que se destina.
Em remate, resta abordar o significado da palavra definitivo. Para Aurlio
Buarque de Holanda Ferreira a rubrica tem vrios sin nimos, como decisivo, concludente,
terminante, absoluto.49
Ocorre que, para melhor compreenso, dar-se incio a explicao deste termo
paralelamente s noes de processo civil, para, a posteriori, sobressaltar a importncia dos
termos at ento destacados.
Conforme j salientado no captulo anterior, as tutelas jurisdicionais podem ser de
cognio sumria e de cognio exauriente. No caso da segunda, depois de ultrapassar todo o
processo de conhecimento, passando-se pela fase postulatria e a fase de saneamento, advir
uma sentena, que tender a extinguir o processo, com ou sem resoluo do mrito. Esta
deciso, que pe fim fase de conhecimento conhecida como deciso definitiva, haja vista
que o magistrado, prolator desta deciso, depois de exercer efetivo juzo de cognio, pelo
49
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 614.
39
qual exauriu a anlise de todos os meios de provas permitidos em direito, decide com base no
amplo acervo probatrio de que fez jus.
Cumpre observar, em linhas declarativas, que em determinadas situaes, a
deciso definitiva no precisar, necessariamente, passar pelo crivo de cognio exauriente.
Isto , haver casos em que, quando da propositura da ao e inaugurado o processo, este no
dever seguir adiante, como por exemplo, nos casos onde reste caracterizada a perempo, a
prescrio, a decadncia, entre outros aqueles onde ser resolvido o mrito, podendo-se, a
partir disso, ser proferida uma deciso definitiva sem o exerccio do juzo de cognio
exauriente.
este passo, retomando a anlise etimologia da palavra provisria, deve-se
assinalar que o ant nimo desta rubrica a palavra definitiva, que conforme bem explicado
em pargrafo anterior, a primeira definida por tudo aquilo que ser substitudo por algo,
enquanto a segunda conceituada como tudo aquilo que absoluto, tudo aquilo que pe fim,
e que no ser substitudo por algo.
O tema trazido pelo novo Cdigo de Processo Civil, sob a rubrica de tutelas
provisrias, tem um papel fundamental nas tutelas jurisdicionais, amparando aqueles que,
diante de situaes excepcionais, necessitam do provimento jurisdicional, devendo os
magistrados conceder, caso seja devido, tudo aquilo que os jurisdicionados pleitearem com
fins acautelatrios, satisfatrios e de evidncia do direito, em carter provisrio (ou seja,
enquanto no for substitudo por algo definitivo) mediante o cumprimento de certos
requisitos, sob a condio de que ao final do processo, ser substitudo por um provimento
definitivo.
Feitas estas consideraes acerca das distines em circulam a etimologia da
palavra integrante do enunciado das tutelas provisrias, passa a se ater a outra distino
pertinente, qual seja: a distino entre a tutela satisfativa e a tutela cautelar, ambas as espcies
do gnero tutelas de urgncia.
40
2.3 Tutela de Urgncia: distino entre as espcies, tutela satisfativa e tutela
cautelar
A distino destas duas espcies se mostra um pouco confusa. Percebe-se esta
desordenao principalmente na prtica, onde alguns acionam o poder judicirio em busca de
uma tutela cautelar, embora o objetivo daquele pleito no tenha o nimo de natureza cautelar,
e sim de satisfao, e assim, alternativamente.
Tanto se evidenciou a presena desta confuso que no dia 7 de maio do ano de
2002 foi editada a Lei n 10.444 que incluiu o 7o no art. 273
50, que tratava sobre a
fungibilidade do entre a antecipao dos efeitos da tutela para uma medida cautelar, caso
fosse cabvel tal substituio.
Em razo disso, assevera-se a necessidade de se dirimir tal equvoco to incidente
na prtica jurdica. Para isso, deve-se iniciar tal exposio com as noes do que vem a ser
uma tutela satisfativa.
Satisfao est atrelada ao sin nimo contentamento51
. Quando algum busca
algo que s poderia ter ao final do processo, em sede de deciso definitiva, para se satisfazer
do bem da vida pretendido, est diante de uma tutela antecipada. Torna-se mais evidente
ainda com o seguinte exemplo: quando se est em litgio a propriedade de um galo de gua,
o autor prope a ao com pedido de tutela satisfativa (tutela antecipada) para que possa
desfrutar de um copo de gua antecipadamente, pois corre risco de desidratao, e sem este,
estar sacrificando sua vida.
A concesso de um pedido de tutela antecipada faz com que satisfao seja
acelerada, podendo o titular daquele pedido ser beneficiado por um bem da vida que s
poderia se satisfazer quando da prolao da deciso definitiva.
Neste sentido, Humberto Theodoro Junior diz que a tutela antecipada:
[...] confere, provisoriamente, ao autor a garantia imediata das vantagens de
direito material para as quais se busca a tutela definitiva. Seu objeto,
50
Art. 273. O juiz poder, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela
pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequvoca, se convena da verossimilhana da
alegao e: 7o Se o autor, a ttulo de antecipao de tutela, requerer providncia de natureza cautelar,
poder o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em carter incidental
do processo ajuizado. 51
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Aurlio Sculo XXI: o dicionrio da lngua portuguesa. 3.
ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1822.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm#art2737http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm#art2737
41
portanto, se confunde, no todo ou em parte, com o objeto do pedido
principal. So efeitos da futura acolhida esperada desse pedido que a tutela
satisfativa de urgncia pode deferir provisoriamente parte.52
Entretanto, para que esta medida antecipatria seja deferida, o autor do pedido
dever demonstrar o preenchimento dos requisitos essenciais intrnsecos s tutelas de
urgncia. No presente tpico no ir se tratar destes requisitos, eis que com o advento da
unificao destes com os das tutelas cautelares, deve-se aprofundar a seu respeito em tpico
apartado.