chances do brasil no mercado de créditos de carbono

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O Protocolo de Kyoto é acordo inter- nacional sobre mudança do clima que ain- da não entrou em vigor. Ele prevê a redu- ção da emissão de gás carbônico como forma de diminuir o efeito estufa na at- mosfera. Emilio Lèbre La Rovere, profes- sor Adjunto IV do Programa de Planejamento Energético do COPPE/UFRJ e coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente, conce- deu uma entrevista à revista PCH Notícias & SHP News, onde esclarece como vai funcionar este mercado e as chances do Brasil no novo investimento. PCH Notícias: O Proinfa prevê que, em dez anos, as fontes renováveis de energia representem 10% da capacidade instalada no Brasil. O senhor acredita que os projetos que incentivem estas fontes renováveis terão direito ao certificado de carbono, apesar de a lei obrigar esta con- duta? La Rovere: De acordo com o protoco- lo de Kyoto, existem cenários de referên- cia. Se for entendido que o Proinfa já faria parte da linha de base, ele não teria direito na obtenção dos certificados de carbono. Acontece que o fato de existir a lei não implica que isto vai acontecer realmente na prática. É apenas uma lei para facilitar incentivos a fim de atingir um objetivo ou chegar o mais próximo possível dele. Mas, a aprovação desta lei não vai significar que o governo vai sair multando empre- sas que não aplicarem fontes alternativas de energia. Então, já existe um entendi- mento de que para julgar um cenário de referência, é necessário conhecimento setorial. PCH Notícias & SHP News: Como vai se processar, na prática, este mercado? La Rovere: As empresas vão prepa- rar seus projetos com o auxílio de asses- sorias técnicas especializadas e vão sub- meter a uma instância do país hospedeiro. No caso brasileiro, é a Comissão Interministerial do Clima que vai aprovar atestando que o projeto realmente reduz as emissões e também contribui para o desenvolvimento sustentável do país. Logicamente, quem deve dizer isto é o pró- prio país. Este projeto, já validado previamente por uma entidade independente, é enca- minhado ao Executive Boarn. O Executive se reúne, aprova e aí existe uma contabi- lidade. Neste momento, não haverá emis- são de certificados no papel, mas, será feita uma contabilidade eletrônica. Então, será avaliado para qual país será aprovei- tado o certificado. A delegação brasileira colocou na regula- mentação de Marraquechi que quem valida tem que ter conhecimento setorial e regional. É ne- cessário ter alguém que conheça do contexto para poder avaliar se aquele cenário de refe- rência é realmente válido ou se está havendo alguma forma de trapaça. PCH Notícias: A saída dos Estados Unidos comprometeu o processo? La Rovere: A saída dos Estados Unidos afetou este mercado. Existem algumas simula- ções que foram feitas sobre as quantidades de certificados de carbono que seriam necessári- as para atingir as metas dos países industriali- zados que indicam que com a saída dos Esta- dos Unidos baixou muito a demanda. Outras concessões foram feitas aos países do Anexo I, em Marraquechi, o que também diminuiu a demanda. Agora, quanto se pode traduzir de demanda para o Mecanismo de Desenvolvimen- to Limpo (MDL) ainda é uma variável incerta porque nós temos que ver o que os países do Anexo B vão fazer dentro de suas próprias fronteiras. A União Européia, por exemplo, é pressionada pela opinião pública e pelos movi- mentos ecologistas, a comprar de seus paí- ses. Além disso, é necessário saber quanto eles vão comprar da Rússia. Como a Rússia não é um país confiável e pode inundar o mer- cado de certificados, o preço da tonelada pode cair muito e vai ser muito fácil para os países industrializados cumprirem suas metas. Tam- bém é preciso saber quantos países vão se interessar por investir na Europa do Leste. Finalmente, vai chegar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e aí tem todos os países em desenvolvimento concorrendo uns com os outros. A minha visão é a de que os projetos do MDL vão se concentrar naqueles países em desenvolvimento para onde já vai o maior fluxo de investimento direto estrangeiro hoje, são os 12 bons alunos da classe, entre os quais estão incluídos o México, Coréia, China, Índia e Brasil. PCH Notícias: Então, neste primeiro momento os países da Europa não irão buscar seus certificados na América do Sul. La Rovere: O protocolo de Kyoto diz que os mecanismos de flexibilidade foram criados para apoiarem os esforços dos países do Anexo 1 a cumprirem suas cotas de forma complementar. Houve uma grande discussão em Marraquechi que tentou definir estes parâmetros do que vem a ser complementarmente. Mas, isto acabou não sendo aprovado e a única restrição que vão encontrar é a sua própria opinião pública inter- na. Existem ecologistas que ficam em alerta co- brando dos governos uma postura mais conse- qüente, sobretudo na Europa. PCH Notícias: De que forma o Brasil vai, de fato, se inserir no mercado? La Rovere: O Brasil está bem posicionado, mas, nesta primeira rodada, a demanda será muito pequena. A boa notícia é que quando o protocolo de Kyoto for rati- ficado, haverá um aprofundamento e as me- tas se tornarão cada vez mais rigorosas, conseqüentemente, a demanda por certifi- cados vai aumentar. Eu diria que assim como o aumento do efeito estufa envolve uma grande inércia e é um problema de longo prazo. Também a tradução disto em termos de mercado vai ter um início muito lento, mas, é um problema estrutural que veio para ficar e tende a crescer. Daí, a importância de sair à frente. As empresas que se prepararem em avanço levarão vantagem. PCH Notícias: As PCHs também terão chance neste mercado? La Rovere: As PCHs têm alguma chance, mas, não é o filet mignon. A quantidade de emissões carbono evitada por uma PCH é muito pequena. Claro que é uma hidroetrelicidade que poderá avançar futura- mente no Brasil. A melhor condição de a PCH candidatar a certificados de emissão de car- bono é em sistemas isolados e depende da região geo-elétrica que você está. Numa re- gião onde a geração térmica é preponderan- te, aí a PCH vai ter uma situação melhor. Se ela for substituir uma geração a óleo diesel, ocorre uma relação custo por tonelada de carbono evitado muito melhor, por exemplo. Chances do Brasil no mercado de créditos de carbono Evana Rosa Meio Ambiente O Brasil está bem posicionado, mas, na primeira rodada, a demanda será muito pequena Emilio Lèbre La Rovere 6

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  • O Protocolo de Kyoto acordo inter-nacional sobre mudana do clima que ain-da no entrou em vigor. Ele prev a redu-o da emisso de gs carbnico comoforma de diminuir o efeito estufa na at-mosfera. Emilio Lbre La Rovere, profes-sor Adjunto IV do Programa dePlanejamento Energtico do COPPE/UFRJe coordenador do LaboratrioInterdisciplinar de Meio Ambiente, conce-deu uma entrevista revista PCH Notcias& SHP News, onde esclarece como vaifuncionar este mercado e as chances doBrasil no novo investimento.

    PCH Notcias: O Proinfa prev que,em dez anos, as fontes renovveis deenergia representem 10% da capacidadeinstalada no Brasil. O senhor acredita queos projetos que incentivem estas fontesrenovveis tero direito ao certificado decarbono, apesar de a lei obrigar esta con-duta?

    La Rovere: De acordo com o protoco-lo de Kyoto, existem cenrios de refern-cia. Se for entendido que o Proinfa j fariaparte da linha de base, ele no teria direitona obteno dos certificados de carbono.Acontece que o fato de existir a lei noimplica que isto vai acontecer realmentena prtica. apenas uma lei para facilitarincentivos a fim de atingir um objetivo ouchegar o mais prximo possvel dele. Mas,a aprovao desta lei no vai significarque o governo vai sair multando empre-sas que no aplicarem fontes alternativasde energia. Ento, j existe um entendi-mento de que para julgar um cenrio dereferncia, necessrio conhecimentosetorial.

    PCH Notcias & SHP News: Como vaise processar, na prtica, este mercado?

    La Rovere: As empresas vo prepa-rar seus projetos com o auxlio de asses-sorias tcnicas especializadas e vo sub-meter a uma instncia do pas hospedeiro.No caso brasileiro, a ComissoInterministerial do Clima que vai aprovaratestando que o projeto realmente reduzas emisses e tambm contribui para odesenvolvimento sustentvel do pas.Logicamente, quem deve dizer isto o pr-prio pas.

    Este projeto, j validado previamentepor uma entidade independente, enca-minhado ao Executive Boarn. O Executivese rene, aprova e a existe uma contabi-lidade. Neste momento, no haver emis-so de certificados no papel, mas, serfeita uma contabilidade eletrnica. Ento,ser avaliado para qual pas ser aprovei-

    tado o certificado.A delegao brasileira colocou na regula-

    mentao de Marraquechi que quem valida temque ter conhecimento setorial e regional. ne-cessrio ter algum que conhea do contextopara poder avaliar se aquele cenrio de refe-rncia realmente vlido ou se est havendoalguma forma de trapaa.

    PCH Notcias: A sada dos Estados Unidoscomprometeu o processo?

    La Rovere: A sada dos Estados Unidosafetou este mercado. Existem algumas simula-es que foram feitas sobre as quantidades decertificados de carbono que seriam necessri-as para atingir as metas dos pases industriali-zados que indicam que com a sada dos Esta-dos Unidos baixou muito a demanda. Outrasconcesses foram feitas aos pases do AnexoI, em Marraquechi, o que tambm diminuiu ademanda. Agora, quanto se pode traduzir dedemanda para o Mecanismo de Desenvolvimen-to Limpo (MDL) ainda uma varivel incertaporque ns temos que ver o que os pases doAnexo B vo fazer dentro de suas prpriasfronteiras. A Unio Europia, por exemplo, pressionada pela opinio pblica e pelos movi-mentos ecologistas, a comprar de seus pa-ses. Alm disso, necessrio saber quantoeles vo comprar da Rssia. Como a Rssiano um pas confivel e pode inundar o mer-cado de certificados, o preo da tonelada podecair muito e vai ser muito fcil para os pasesindustrializados cumprirem suas metas. Tam-bm preciso saber quantos pases vo seinteressar por investir na Europa do Leste.

    Finalmente, vai chegar o Mecanismo deDesenvolvimento Limpo (MDL) e a tem todosos pases em desenvolvimento concorrendouns com os outros. A minha viso a de queos projetos do MDL vo se concentrar naquelespases em desenvolvimento para onde j vai omaior fluxo de investimento direto estrangeirohoje, so os 12 bons alunos da classe, entreos quais esto includos o Mxico, Coria, China,ndia e Brasil.

    PCH Notcias: Ento, neste primeiromomento os pases da Europa no iro buscarseus certificados na Amrica do Sul.

    La Rovere: O protocolo de Kyoto diz que osmecanismos de flexibilidade foram criados paraapoiarem os esforos dos pases do Anexo 1 acumprirem suas cotas de forma complementar.Houve uma grande discusso em Marraquechique tentou definir estes parmetros do que vema ser complementarmente. Mas, isto acabou nosendo aprovado e a nica restrio que voencontrar a sua prpria opinio pblica inter-na. Existem ecologistas que ficam em alerta co-brando dos governos uma postura mais conse-qente, sobretudo na Europa.

    PCH Notcias: De que forma o Brasil vai,de fato, se inserir no mercado?

    La Rovere: O Brasil est bemposicionado, mas, nesta primeira rodada, ademanda ser muito pequena. A boa notcia que quando o protocolo de Kyoto for rati-ficado, haver um aprofundamento e as me-tas se tornaro cada vez mais rigorosas,conseqentemente, a demanda por certifi-cados vai aumentar. Eu diria que assim comoo aumento do efeito estufa envolve umagrande inrcia e um problema de longoprazo. Tambm a traduo disto em termosde mercado vai ter um incio muito lento, mas, um problema estrutural que veio para ficare tende a crescer. Da, a importncia de sair frente. As empresas que se prepararemem avano levaro vantagem.

    PCH Notcias: As PCHs tambm terochance neste mercado?

    La Rovere: As PCHs tm alguma chance,mas, no o filet mignon. A quantidade deemisses carbono evitada por uma PCH muito pequena. Claro que umahidroetrelicidade que poder avanar futura-mente no Brasil. A melhor condio de a PCHcandidatar a certificados de emisso de car-bono em sistemas isolados e depende daregio geo-eltrica que voc est. Numa re-gio onde a gerao trmica preponderan-te, a a PCH vai ter uma situao melhor. Seela for substituir uma gerao a leo diesel,ocorre uma relao custo por tonelada decarbono evitado muito melhor, por exemplo.

    Chances do Brasil no mercadode crditos de carbono

    Evana Rosa

    Meio Ambiente

    O Brasil est bemposicionado, mas, na primeirarodada, a demanda ser muitopequena

    Emilio Lbre La Rovere

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  • The Kyoto Protocol na internationalagreement about climate change, previewsbetween the nations a reduction in theemission of atmospheric carbon as a wayof reducing global warming in theatmosphere, but still did not enter in force.Emilio Lebre La Rovere teacher of the energyplanning program- PPE of the FederalUniversity of Rio de Janeiro UFRJ andcoordinator of the InterdisciplinaryLaboratory of Environment- LIMA concededan interview to the magazine PCH Notticiasand SHP News, where he makes clear howthis new market will work and the chancesof Brazil in this new investment.

    PCH Notcias & SHP News: Proinfapreviews that in 10 years renewable energysources will represent 10% of the installedcapacity in Brazil. Do you believe theprojects that involve renewable energy willbe eligible for the carbon certificatesconsidering that the law obliges thisconduct?

    La Rovere: According to the Kyotoprotocol there are reference scenarios. If itis understood that the Proinfa is already partof the baseline, it would not have the rightfor obtaining carbon certificates. Howeverthe fact that there exists a law does not meanthis will actually happen in practice. It iswhat the anglosaxons call the With for Think.You fix a desirable objective. It is a law tofacilitate incentives directed to achievingan objective or getting the nearest possibleto it. But, the fact of approving this law willnot mean that the government will go outfining companies that do not applyrenewable sources of energy. So therealready exists an understanding that to judgea reference scenario, a sectorial knowledgeis necessary.

    PCH Notcias & SHP News: In practice,how will this market be processed?

    La Rovere: The companies will preparetheir projects with the help of specializedtechnical accessories and will submit to anassessment of the guest country. In thebrazilian case it is the interministerialcomission of climate that will approve,ensuring that the project really reducesemissions and also contributes tosustainable development in Brazil. Logicallythat it is the actuall country that has to saythis.

    This project already validatedpreviously by an independent entity- thevalidation must be made by specialists andforwarded to an executive board. The

    executive board meets, approves and afterexists an accounting. In this moment therewill be no emission of certificates in paper,but there will be an eletronic accounting.After it will be judged to which country thecertificate will benefit. The braziliandelegation placed in the Marraquechiregulamentation that who valiates needs tohave sectorial and regional knowledge. It isnecessary to have someone that knowsabout the context to be able to assess ifthat reference scenario os really valid or ifthere is being some kid of cheating.

    PCH Notcias & SHP News: Do youthink the leaving of the United Statesdissapointed the process?

    La Rovere: The leaving of the UnitedStates affected this market. There are a fewsimulations that were made about thequantities of carbon certificates that wouldbe necessary to meet the goals of theindustrialized countries that indicate thatwith the leaving of the U.S.A the demanddecreased a lot. Other concessions were

    made to the countries of anex I inMarraquechi, allowing for example theaccounting of some carbon in agriculturalactivities and in soil use change activities,what also decreased the demand. Now howmuch can be translated in demand to theClean Development Mechanism (MDL) isstill a uncertain variable because we haveto see what the anex B countries wil do withintheir own boundaries. The European unionfor example is pressurized by publicopinion and by their actual ecologicalmovements to buy from their own countries.Secondly it is also important to know howmuch they will buy from Russia. Given thatRussia is not a very trusty country and hencecould flood the market with certificates, theprice of the tonne could go down a lot and itwill be very easy for the industrializedcountries to comply with their targets. Thirdlyit is necessary to know how many countrieswill want ot invest in East Europe. Finallywill come the Clean DevelopmentMechanism and we will have all thedeveloping countries fighting against eachother. My vision is that the CDM projectswill concentrate in these developing

    countries to which the greatest ammount offoreign investment already goes today,meaning the 12 developing countries thatare the good students of the class. IncludingMexico, Correa, China, India and Brazil.

    PCH Notcias & SHP News: So youbelieve that in the first round the Europeancountries will not be searching forcertificates in South America.

    La Rovere: The Kyoto protocol statesthat the flexibility mechanisms were createdto complementarily and in a subsiduary way,aid in the efforts of the countries of Anex Iin meeting their quotas.

    There was a big discussion inMarraquesh that tried to define theseparameters of what comes to becomplementarily and in a subsiduary way.But this ended up not being approved andthe only restriction that will be found is theirown public opinion. There are ecologistslooking to charge the fovernment a moreconsequent posture, above all in Euriope.

    PCH Notcias & SHP News: In whatform will Brazil in fact be inserted in themarket?

    La Rovere: Brazil is very wellpositioned, however in this first round thedemand will be very small. The good newsis that when the Kyoto protocol becomesratified there will be a deepening and eachtime more rigorous goals, consequntly thedemand for certificates will rise. I wouldsay that in the same way that the globalwarming problem involves a great inertiaand is a long term problem. Also thetranslation of this into a market will have avery slow beginning, but is a structuralproblem that has come to stay and tends togrow. Therefore the importance to go out infront. The companies that get prepared inadvance wil take advantage.

    PCH Notcias & SHP News: The SHPswill also have a chance in this market?

    La Rovere: The SHPs have a goodchance but the are not the minced beaf.The quantity of greenhouse gas emissionsavoided by a SHP is very small. Of courseit is a form of hydro power that couldadvance a lot in Brazil. The best conditionfor a SHP to become a candidate foreligibility for a carbon market certificate isin isolated systems, depending of the geo-electric system that you are. In a regionwhere the thermo generation ispredominant, than the SHP will have a bettersituation. If it substitutes a diesel oilgeneration, there is a cost per tonne relationof the amount of atmosferic carbon avoidedthat is much better.

    The chances of Brazil in thecarbon credits market

    Trad. Felipe Moreton Chohfi

    Environment

    Brazil is very wellpositioned, but, in the firstround the demand will bevery small

    Emilio Lbre La Rovere

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