cidades sul-americanas: assegurando um futuro urbano

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CIDADES SUL-AMERICANAS : ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 29404020 section portugues.indd 1 29404020 section portugues.indd 1 11/28/08 9:27:18 PM 11/28/08 9:27:18 PM

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Urban Age 2008 Newspaper (Portuguese)

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  • CIDADESSUL-AMERICANAS: ASSEGURANDOUM FUTURO URBANO

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  • 2 CIDADES SUL-AMERICANAS

    Urban Age uma organizao mundial sobre o futuro das cidades.

    Organizado pelo Cities Programme at the London School of Economics and Political Science and the Alfred Herrhausen Society, o Frum Internacional do Deutsche Bank.

    URBAN AGE CONTACT

    Cities ProgrammeThe London School of Economics and Political ScienceHoughton StreetLondon WC2A 2AEUnited Kingdom

    T +44 (0)20 7955 [email protected]

    Alfred Herrhausen SocietyDeutsche BankUnter den Linden 13/1510117 BerlinGermany

    T +49 (0)30 3407 [email protected]

    URBAN AGE AMRICA DO SULAo trazer o projeto Urban Age para So Paulo, a London School of Economics e a Alfred Herrhausen Society, Frum Internacional do Deutsche Bank, confrontam as realidades em mutao de uma das regies mais urbanizadas do mundo. Como as sete que a precederam, a oitava conferncia Urban Age aborda as condies sociais, econmicas e espaciais da Amrica do Sul urbana atravs de uma lente interdisciplinar, com foco nas questes interconectadas da proteo e segurana, mobilidade, mudanas climticas, governana, planejamento urbano e desenvolvimento.

    Dando continuidade anlise profunda de Nova Iorque, Xangai, Londres, Cidade do Mxico, Joanesburgo e Berlim compiladas no livro The Endless City (A Cidade sem Fim), publicado este ano o projeto Urban Age, em 2007, voltou suas atenes para cidades na ndia, e agora para So Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bogot e Lima. Em 2009, o foco recair sobre Istambul e sobre o desenvolvimento urbano no Sudeste da Europa. Em seguida, sero realizadas a Cpula Urbana e uma grande mostra em Berlim, em 2010.

    A conferncia Urban Age Amrica do Sul, em So Paulo, ser a maior e a mais complexa da srie, juntando 80 especialistas e lderes municipais de mais de 25 cidades de 14 pases. Ela complementa um ano de pesquisas e uma srie de workshops em Londres e So Paulo, bem como a coleta de informaes a partir do material inscrito para a segunda edio do Prmio Deutsche Bank Urban Age Award, criado em 2007 para reconhecer e celebrar as solues criativas para os desafi os que as cidades enfrentam. Trabalhando em estreita sintonia com acadmicos e parceiros institucionais, alm de palestrantes convidados do mundo todo para compartilhar as suas experincias com urbanismo, o projeto Urban Age oferece um espelho para refl etir os problemas e as oportunidades de So Paulo, em uma era de intensas mudanas sociais, polticas e econmicas.

    Ricky Burdett

    Director, Urban AgeLondon School of Economics and Political Science

    Wolfgang Nowak

    Managing DirectorAlfred Herrhausen Society Deutsche Bank

    SOURCES*Th e data illustrated in this section has been derived from various offi cial statistical sources, including the United Nations Statistics Division, Instituto Basileiro de Geografi a e Estatistica (Brazil), Departamento Administrativo Nacional de Estadistica (Colombia), Instituto Nacional de Estadistica y Censos (Argentina), Instituto Nacional de Estadistica e Informatica (Peru), Observatorio Urbano (Lima) and Ministerio de Desarrollo Urbano (Buenos Aires) as well as the individual ministries, departments and secretariats for each city, state and country. A complete list of data sources is available at www.urban-age.net

    SUMRIOCIDADES SUL-AMERICANASSINTONIZANDO AS CIDADES SUL-AMERICANAS 3Deyan Sudjic

    AS DIFERENTES ESPECIALIZAES DAS CIDADES GLOBAIS 4Saskia Sassen

    CONSTRUINDO ATIVOS TERRITORIAIS NA AMRICA DO SUL 7Jeroen Klink

    POLTICAS, PODER, CIDADES 9Enrique Pealosa

    O DNA DA MOBILIDADE NAS CIDADES 11Fabio Casiroli

    CIDADES E MUDANAS CLIMTICAS 12David Sattherwaite

    O PROBLEMA DA MUDANA CLIMTICA NA AMRICA LATINA 14Patricia Romero Lankao

    DO LIXO AO ESPAO PBLICO 15Stela Goldenstein

    ENGAJAMENTO SOCIAL NAS CIDADES LATINO-AMERICANAS 16Gareth Jones

    URBAN AGE DADOS URBANOSURBAN AGE RESUMO 19

    CIDADES DA AMRICA DO SUL 20

    SO PAULO 21

    RIO DE JANEIRO 22

    BUENOS AIRES 23

    BOGOT 24

    LIMA 25

    GOVERNO DAS CIDADES 26

    CIDADES E REGIES 29

    PEGADAS URBANAS 30

    DENSIDADE 32

    FORMA URBANA 34

    MOVIMENTANDO-SE NA CIDADE 36

    A FORA DE TRABALHO URBANO 40

    ESCALA METROPOLITANA EM SO PAULO 42Regina Meyer

    ENFOQUE EM SO PAULOPESQUISA DE CIDADES DA URBAN AGE 44Luci Oliveira e Ben Page

    NOVAS OPORTUNIDADES URBANAS 48 Raul Juste Lores

    A CIDADE MULTICULTURAL 50Jos de Souza Martins

    INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTE URBANO DE SO PAULO 52Ciro Biderman

    MOBILIDADE E POBREZA URBANA 53Alexandre Gomide

    MUNDOS SEPARADOS 54Teresa Caldeira

    ESPAOS SEGUROS EM SO PAULO 56Paula Miraglia

    IMPLEMENTANDO A MUDANA URBANA 59Nadia Somekh e Carlos Leite

    ANEXOSPRMIO DEUTSCHE BANK URBAN AGE

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL PROGRAMA A seo URBAN AGE DADOS DA CIDADE derivou-se de vrias fontes estatsticas ofi ciais, incluindo a United Nations Statistics Division, Instituto Basileiro

    de Geografi a e Estatistica (Brasil), Departamento Administrativo Nacional de Estadistica (Colombia), Instituto Nacional de Estadistica y Censos

    (Argentina), Instituto Nacional de Estadistica e Informatica (Peru), Observatorio Urbano (Lima) e Ministerio de Desarrollo Urbano (Buenos Aires)

    assim como os respectivos Ministrios, Departamentos e Secretarias de cada cidade, estado e pas. Fontes de dados completas disponveis

    no site: www.urban-age.net

    ISBN 978-0-85328-305-8

    Traduzido e impresso, na Imprensa O cial, por iniciativa do Governo do Estado de So Paulo

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  • ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 3

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL, DEZEMBRO 2008

    A Amrica Latina urbana uma coisa, mas a Amrica do Sul urbana outra coisa, bem diferente. A primeira dominada pela Cidade do Mxico, de longe a maior cidade das duas, com Miami fazendo o papel de sua outra suposta capital, apesar de situada off shore. Talvez por ser uma construo conceitual, Amrica do Sul se torna atraente aos olhos daqueles que torcem pelo Brasil. Esta fi na ressintonia geogrfi ca permite, ento, que a regio metropolitana de So Paulo (ou grande So Paulo) com seus 19 milhes de habitantes, reivindique sem pejo seu ttulo de lder inconteste, se no da Amrica Latina, ento pelo menos da Amrica do Sul, da qual indiscutivelmente a maior cidade.

    Mesmo se So Paulo, com todo seu dinamismo econmico, s vezes suspeite que fi ca atrs da Cidade do Mxico no apenas em tamanho, mas tambm em poder poltico e cultural ela est certamente bem na frente do Rio de Janeiro. Ao transferir a sede do governo, para estabelecer uma espcie de novo pas, com Braslia em seu corao geogrfi co, Juscelino Kubitschek, o maior patrocinador de Oscar Niemeyer, fez um enorme gesto poltico. Uma das conseqncias involuntrias foi que esta mudana alterou o equilbrio entre as duas maiores cidades do pas, em favor de So Paulo. O Rio atualmente um lugar onde as antigas e lnguidas embaixadas foram cercadas por favelas .

    Mas o sentimento de confi ana e auto-afi rmao que marcou a construo de Braslia aponta para uma condio muito diferente que as cidades sul-americanas possuem, sobretudo quando comparadas a outras, de outras regies, sobretudo s visitadas pela Urban Age. Comparadas com Xangai, com seu governo fortemente centralizado, as cidades da Amrica do Sul demonstram um nvel muito mais sofi sticado de empreendedorismo social e comprometimento cvico. Grupos de interesses ativos , religiosos, tnicos e polticos tanto nos distritos ricos quanto nas altamente organizadas favelas so independentes do governo central. A Amrica do Sul tem a boa experincia de iniciativas cvicas, que deram bons resultados. No Brasil, h o exemplo de Curitiba, e, alm dele, o trabalho feito por prefeitos reformistas em Bogot, numa rea metropolitana que, com seus oito milhes de pessoas, at mais relevante em termos de escala.

    Durante os ltimos dez anos, Bogot construiu mais de 50 escolas novas, o que representou um tangvel investimento em qualidade de vida, voltado aos habitantes mais pobres da cidade. Muito mais foi feito, e no apenas para reduzir as taxas de faltas s aulas, mas tambm para criar um sentido de incluso. Alm de um vasto programa de construo novas bibliotecas pblicas, Bogot inaugurou um impressionante sistema de transporte pblico, baseado em corredores de nibus, que foi muito bem sucedido, pois conseguiu persuadir os proprietrios a deixarem seus carros em casa. Bogot tambm enfrentou a criminalidade atravs de seu indiscutvel compromisso com a justia social, tendo conseguido reduzir suas taxas de homicdios, que, antes disso, costumavam ser assustadoras - alm de ter aumentado a taxa de alfabetizao em sua populao, predominantemente jovem. Bogot mostra a seus vizinhos o que pode ser feito quando existe vontade, organizao e racionalizao das prioridades.

    Na rede das cidades da Amrica do Sul, So Paulo certamente eclipsa Buenos Aires, que, apesar de sua arquitetura clssica do sculo dezenove e seus ares europeus, ainda precisa recuperar o equilbrio de seu apogeu dos anos 40. Os produtores rurais argentinos, ressentidos contra as polticas econmicas de seu governo, acenderam fogueiras de protesto, que, no ltimo inverno, deixaram Buenos Aires presa numa nuvem de fumaa sufocante.

    O Brasil, com seu enorme tamanho e sua populao de mais de 180 milhes, tem um padro urbano diferente dos de seus vizinhos sul-americanos, como Argentina, Peru e Colmbia, cada um eles com sua cidade esmagadoramente dominante. Um em cada trs argentinos e peruanos mora na capital de seus pases, comparados com apenas um em cada nove brasileiros morando em So Paulo. O domnio exercido por Lima, no Peru, acabou por virtualmente destruir o sistema nacional de cidades, uma tendncia que no foi sequer afetada pelo desmantelamento do sistema de transportes pblicos de Lima no incio dos anos 90, aps a adoo, pelo governo, de uma das reformas neoliberais mais agressivas da Amrica do Sul. Devido singular situao fsica dessa cidade, circundada por montanhas e pelo mar, e ausncia de controles sobre o crescimento, Lima pode estar se desenvolvendo numa megacidade linear com 300 km de

    comprimento, invadindo as terras desrticas de baixo valor adjacentes, num insustentvel cenrio de um ambiente onde tanto o abastecimento de gua quanto o acesso aos transportes j se encontram em seus limites.

    So Paulo e Cidade do Mxico so modelos muito diferentes do que uma cidade pode ser. As razes da Cidade do Mxico remontam a seu antigo passado pr-colombiano. At o incio do sculo passado, So Paulo no passava de um pequeno entreposto colonial. Hoje, So Paulo a maior cidade de uma das mais importantes novas economias do mundo, que representa o B daquele conjunto desconfortavelmente chamado de BRIC, cujos outros membros so a ndia, a China e a Rssia.

    O Brasil tem o dcimo maior mercado do mundo, e uma bienal de artes com projeo global. O Produto Interno Bruto de So Paulo maior que US$ 10.000 por cabea, e a cidade conta com 30.000 milionrios. A economia brasileira ultrapassou a do Mxico, tendo sido agrupada junto com pases de desenvolvimento explosivo, tais como ndia e Rssia. Uma grande parte do poder econmico do Brasil pode ser atribuda ao extraordinrio crescimento de So Paulo, que explodiu em tamanho, partindo de apenas 240.000 pessoas nos primeiros anos do sculo passado. Apesar da reduo do ritmo de suas proezas econmicas, ela tem sido uma mquina de criar empregos, absorvendo ondas sucessivas de imigrantes, vindos tanto da Europa quanto do Japo, alm do empobrecido nordeste brasileiro. Por muitos parmetros, esta cidade um absoluto sucesso.

    Entretanto, um pas e uma cidade que no conseguem controlar a criminalidade. H um ano atrs, o Brasil se encontrou numa situao de incapacidade de confi ar em segurana area, e fi cou paralisado em decorrncia de restries ao trfego areo. Os clichs sobre So Paulo logo saltam vista. Esta cidade tem mais helicpteros particulares registrados em nome de seus cidados do que qualquer outra cidade do mundo. Seu sistema prisional est em permanente estado de insurgncia. Suas tribos de crianas de rua so brutalizadas tanto pelos criminosos quanto pela polcia. Tambm uma cidade cujo prefeito retomou os espaos pblicos, ao banir as propagandas em outdoors, desnudando os esqueletos dos cartazes e dos psteres, e revelando superfcies chamuscadas pelas sinalizaes de non desmanteladas. Tambm um centro de mdia que criou a telenovela, divulgando um tipo muito especfi co de cultura brasileira para as audincias do mundo todo.

    So Paulo a clssica segunda cidade, construda durante uma exploso industrial a partir de quase nada, com essa base industrial sendo o fator que torna a economia brasileira diferente. Ela progrediu muito alm dos ciclos de altos e baixos de uma economia baseada em recursos naturais, como ocorre com seus vizinhos. So Paulo poderia ter sido uma Manchester, uma Xangai, ou uma Chicago. Mas, ao passo que o Rio perdeu a vontade de trabalhar aps ter perdido para Braslia sua condio de capital do pas, So Paulo uma segunda cidade que se tornou a primeira. Sua infra-estrutura pode estar comprometida. Sua criminalidade um problema grande. Mas, como Joanesburgo, So Paulo tem vitalidade e energia para se manter em movimento. So Paulo uma autntica metrpole, com a diversidade racial que o comprova, com bairros japoneses, rabes, balcnicos e outros.

    Em termos arquitetnicos e urbanos, o Brasil ainda assombrado pelo esprito da notvel gerao que comeou por criar o grande monumento corbusiano do Rio: o Ministrio da Educao. O pas pode ter perdido as fantsticas qualidades de construo de monumentos de Oscar Niemeyer. O maravilhoso talento arquitetnico de Lina Bo Bardi, que veio da Itlia para So Paulo aps a 2a guerra mundial, ainda no foi superado por seus sucessores. Mas, pelas formas dos irmos Campana, So Paulo desenvolveu sua visibilidade como centro de design criativo.

    Em termos de urbanismo, a questo que enfrenta seria como abordar as desigualdades, e a natureza fraturada de seus servios pblicos. Se fi zer isso, pode at se tornar semelhante a Tquio, onde a prosperidade e a organizao superaram um padro igualmente aleatrio de crescimento estonteantemente rpido.

    SINTONIZANDO AS CIDADES SUL-AMERICANAS

    Construdo em 1953, o edifcio Copan, projeto de Oscar Niemeyer, no centro de So Paulo, o maior edifcio do Brasil e tem a maior rea til dentre todos os prdios residenciais do mundo.

    Mudando o foco da Urban Age para as tendncias de desenvolvimento na Amrica do Sul, Deyan Sudjic descreve os contornos das formas urbanas que esto dando o tom s narrativas polticas e econmicas da vida em So Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bogot e Lima.

    Deyan Sudjic Diretor do Design Museum de Londres. Sudjic foi crtico de design e arquitetura do jornal Th e Observer e j escreveu e publicou vrios livros sobre design, arquitetura e cidades.

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  • 4 CIDADES SUL-AMERICANAS

    O que se chama de economia global, no sentido de uma economia sem fronteiras, com hierarquias claras, no existe. A realidade consiste em um vasto nmero de circuitos globais muito caractersticos: alguns deles especializados, alguns de nvel mundial, alm de outros de carter mais regional. Os diferentes circuitos so compostos por grupos diferentes de pases e de cidades. Por exemplo, hoje em dia, Mumbai faz parte de um circuito global de incorporao imobiliria, que inclui empresas provenientes de cidades to diversas quanto Londres e Bogot. O comrcio global de commodities, no caso do caf, tem seus eixos principais em Nova Iorque e em So Paulo. Buenos Aires pertence a um circuito comercial global de commodities que tambm inclui Chicago e Mumbai. As commodities comercializadas globalmente ouro, manteiga, petrleo, caf, sementes de girassol so, em alguns casos, redistribudas e enviadas para grande nmero de destinos, independentemente dos respectivos pontos de origem. O atual colapso de grandes instituies fi nanceiras, por envolver conjuntos especfi cos de circuitos globais, no est afetando todas as cidades globais da mesma maneira.

    A proliferao desses circuitos decorre no apenas das foras econmicas globais. A migrao, o trabalho cultural e a luta, empreendida pela sociedade civil, para preservao dos direitos humanos, do meio ambiente e pela justia social, tambm acarretam tanto a formao quanto o desenvolvimento de circuitos globais. As ONGs esto, portanto, lutando pela proteo da fl oresta tropical em circuitos que incluem o Brasil e a Indonsia, os centros globais de mdia de Nova Iorque e Londres, e os locais onde esto estabelecidas as principais madeireiras e compradores de madeira, ou seja, cidades to diversas quanto Oslo, Londres e Tquio. O outro lado de todas essas tendncias a crescente urbanizao das redes globais.

    A adoo da perspectiva de uma dessas cidades revela a diversidade e a especifi cidade de sua localizao em alguns, ou em muitos, desses circuitos. Essas emergentes geografi as entre cidades comeam a funcionar como infra-estrutura para vrias formas de globalizao. A primeira etapa seria identifi car os circuitos globais especfi cos dos quais uma cidade faz parte. Eles variam conforme a cidade, dependendo das caractersticas especfi cas de cada uma, da mesma maneira que, em cada circuito, os grupos de cidades so diferentes. Isto

    mostra que as diferenas e caractersticas especiais das cidades so importantes, e que a concorrncia entre as cidades menor do que parece, ou seja, certa diviso global, ou regional, de funes, estaria desempenhando um papel mais importante do que parece.

    Por exemplo, as economias do conhecimento de So Paulo, Chicago e Xangai compartilham um longo histrico de prestao de servios para importantes setores da indstria pesada. Seus histricos econmicos nunca foram desenvolvidos, ou compartilhados, por outras cidades globais, tais como Nova Iorque e Londres. Dessas diferenas especializadas surge uma diviso global de funes. Assim sendo, uma siderrgica, mineradora ou fabricante de mquinas, desejando se tornar global, ir a So Paulo, Xangai ou Chicago para obter servios tais como assessoria jurdica, contbil e fi nanceira, alm de seguros, previses econmicas e outros servios especializados, e no ir a Nova Iorque ou Londres para obter esses servios altamente especializados.

    O reconhecimento do valor das diferenas ou caractersticas de especializao entre diferentes cidades e diferentes regies urbanas na economia global de hoje demonstra como a histria econmica aprofundada de um lugar infl uencia o tipo de economia do conhecimento que uma cidade, ou cidade-regio, termina por desenvolver. Isto contradiz o senso comum de que a globalizao homogeneza as economias. A variao dessa histria econmica aprofundada depende dos detalhes da economia de uma cidade ou regio. mais importante do que se pensa, e infl uencia e afeta fatores que no costumam ser facilmente reconhecidos. A globalizao homogeneza padres para administrar, para contabilizar, para construir distritos de escritrios modernos e assim por diante, mas ainda requer diversifi cao das capacidades econmicas.

    As capacidades de comercializar, fi nanciar, prestar servios e investir, em nvel global, precisam ser geradas: elas no so simplesmente um derivado do poder das empresas multinacionais e dos avanos nas telecomunicaes. A cidade global uma plataforma para produzir esses tipos de capacidades globais, mesmo quando isto exige grande nmero de empresas estrangeiras, neste caso em cidades to diversas quanto Pequim e Buenos Aires. Todas as maiores ou menores 70 cidades globais do mundo contribuem para a produo

    dessas capacidades em seus respectivos pases, funcionando, portanto, como pontes entre a economia nacional e a economia global. Nesta geografi a retifi cada e mltiplas cidades, a maioria das maiores 250.000 empresas multinacionais do mundo mantm suas sedes em seus pases de origem, independentemente do vasto nmero de fi liais, subsidirias ou empresas off shore que possam ter espalhadas pelo mundo, o que tambm ocorre com as multinacionais latino-americanas, com operaes que se expandem, tanto regional quanto globalmente. As mais de 1.200 empresas multinacionais estabelecidas no Brasil, que possui a maior concentrao delas na Amrica Latina, basicamente mantiveram suas sedes em seus respectivos pases, ainda que contando com forte concentrao e presena em So Paulo.

    Dentro de uma regio to vasta e diversifi cada como a Amrica Latina, fi cou recentemente claro que vrias cidades funcionam como eixos importantes, cada uma delas representando um conjunto diferente de especializaes e vantagens. Num primeiro grupo encontramos So Paulo, Cidade do Mxico e Santiago, e num segundo grupo Buenos Aires, Bogot, Caracas, Montevidu, Monterrey, Quito e Lima. Finalmente, existe uma economia Latino-Americana no espao global, incluindo cidades fora dessa regio geogrfi ca: Miami e Madri so proeminentes nesse espao. Por exemplo, os 20 principais bancos sediados na Amrica Central possuem cerca de 200 ligaes correspondentes com Miami, comparando com 35 ligaes com Nova Iorque. Numa extensa pesquisa entre empresas latino-americanas, perguntando qual seria a melhor cidade da Amrica Latina para negcios, a America Economia descobriu que as respostas freqentemente mencionavam Miami.

    O outro lado dessa dinmica que, para que se torne global, uma empresa precisa se plantar em muitas cidades, que funcionem como pontos de entrada para as economias dos respectivos pases. Essa funo de ligao crtica: os vrios circuitos que ligam as maiores e menores cidades globais so a

    AS DIFERENTES ESPECIALIZAES DAS CIDADES GLOBAIS Saskia Sassen descreve como as especializaes das cidades que participam da economia global acabaram sendo mal interpretadas e negligenciadas pela ateno

    concedida aos padres homogeneizados voltados aos novos ambientes de ponta.

    19 Fortaleza

    21 San Juan22 Medelln23 Puebla24 Recife25 San Jos26 Salvador27 Len28 Guayaquil29 Rosario30 Mendoza31 Crdoba32 Tijuana33 Jurez34 Caracas35 Santo Domingo36 Cali37 Quito38 Asuncin

    41 Santa Cruz42 La Paz

    40 Guatemala City39 San Salvador

    4 Mexico City3 Santiago2 Miami1 So Paulo

    5 Buenos Aires6 Monterrey7 Rio de Janeiro8 Bogot9 Lima

    10 Curitiba

    12 Quertaro11 Panama City

    13 Porto Alegre14 Belo Horizonte15 Guadalajara16 Florianpolis17 Brasilia18 Chihuahua

    20 Montevideo

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    PRINCIPAIS LUGARES PARA NEGCIOS NA AMRICA LATINA

    Esta lista classifi ca competitividade urbana como resultado de medies de vrios indicadores, comparando as capacidades das cidades latino-americanas para atrair e manter empresas, e para fazer negcios em suas cidades. Foi preparada por America Economia, e traz uma anlise, para cada cidade, das estruturas econmicas, vantagens geoestratgicas, disponibilidade de prestao de servios institucionais, capital humano e intelectual e servios para executivos.

    Os investimentos substanciais, tanto locais quanto estrangeiros, para revitalizao da margem de Puerto Madero, em Buenos Aires sob forma de hotis, restaurantes, lojas e complexos comerciais e residenciais continuaram, apesar da profunda crise do ano de 2001, que reduziu metade o Produto Nacional Bruto da Argentina.

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  • ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 5

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL, DEZEMBRO 2008

    infra-estrutura viva da economia global, indicando que as cidades no esto simplesmente competindo umas com as outras. Uma empresa global no quer fi car apenas numa cidade global, mesmo se esta for a melhor cidade do mundo. Ser desejvel trabalhar com grupos diferentes de cidades, mesmo em caso de desvantagens srias. Isto ajuda a explicar porque no existe nenhuma cidade global considerada perfeita. A atual fase global no funciona atravs de uma nica capital do imprio global, que contenha tudo.

    Um grande estudo empreendido pela MasterCard, abrangendo 75 cidades, classifi cou as melhores cidades do mundo para comrcio. Nenhuma delas fi cou em primeiro lugar em qualquer dos 100 fatores, e nenhuma obteve nota perfeita. Londres e Nova Iorque, as duas principais cidades globais, tiveram nota baixa em vrios aspectos e nenhuma delas fi cou entre as dez melhores nos quesitos comear ou fechar um negcio. Se considerarmos como de importncia crtica o indicador de acilidade para fechar negcios, parte do qual seria facilidade de entrar e de sair, Londres fi cou em 43o lugar e Nova Iorque fi cou em 56o. Talvez ainda mais surpreendentemente, Londres fi cou em 37o lugar em execuo de contratos e em 21o lugar em proteo a investidores. O primeiro lugar nessas trs variveis foi obtido por Cingapura. Menos surpreendente foi descobrir que Nova Iorque fi cou em 34o lugar no quesito qualidade de vida: sade e segurana. No Sul global, cidades como Mumbai e So Paulo obtiveram altas classifi caes em termos de servios econmicos e fi nanceiros, mas sua nota geral foi prejudicada por fatores relacionados com facilidade de fazer negcios e qualidade de vida, em decorrncia dos baixos nveis de bem-estar social afetando grandes segmentos das respectivas populaes.

    De maneira geral, So Paulo fi cou classifi cada num grupo mdio, composto por aproximadamente 20 cidades, lideradas por Dubai e com Shenzhen na lanterna. Esse grupo incluiu

    algumas das mais poderosas cidades do mundo. Esse poder tambm se baseia em vrias e mltiplas condies: cidades to diversas quanto Pequim, Mumbai, Tel Aviv, Moscou, Joanesburgo e Kuala Lumpur. Este grupo vai do 44o lugar ocupado por Dubai, com nota geral 47, ao 60o lugar obtido por Shenzhen, com nota geral de 40. As notas para as duas cidades principais foram 79 para Londres e 72 para Nova Iorque; logo em seguida vem Amsterd, com nota 60, e Madrid, com nota 59, respectivamente em 10o e 11o lugares dentre as melhores cidades globais para o comrcio.

    Algumas das notas baixas de So Paulo corresponderam a variveis macroeconmicas, tais como estrutura poltica e jurdica e estabilidade econmica. Cidades com nveis semelhantes desses dois indicadores, na Amrica do Sul, foram Bogot, Caracas e Buenos Aires, e fora da Amrica do Sul, Joanesburgo, Mumbai, Moscou, Budapeste e Istambul. Subdivises de indicadores, tais como obteno de licenas e registro de propriedades, correspondentes implantao, nas cidades, de leis e regulamentos nacionais capazes de exercer infl uncias positivas, apontam para uma considervel variao no desempenho. Em So Paulo essas leis e regulamentos quase no alteram as variveis macroeconmicas, tais como infl ao. Entretanto, Bogot, Buenos Aires e Caracas tiveram classifi cao bem melhor nessas subdivises de indicador, em comparao com variveis macroeconmicas puras, assinalando uma implantao mais bem-sucedida.

    Este desempenho urbano negativo tambm aparece atravs do indicador que mediu facilidade de fazer negcios, em que So Paulo se classifi cou consideravelmente abaixo de sua classifi cao geral no conjunto global de 75 cidades. Com Dubai acontece o oposto: em facilidade de fazer negcios ela teve classifi cao muito melhor que sua classifi cao geral. Quando os indicadores foram subdivididos, So Paulo fi cou abaixo de sua classifi cao geral no quesito abrir um negcio,

    empregar trabalhadores, fechar um negcio, servios bancrios e execuo de contratos. So Paulo fi cou, entretanto, acima de sua nota geral no quesito proteo a investidores, obteno de crdito, e facilidade de entrada e sada apesar de, neste ltimo, Caracas ter se sado melhor.

    A classifi cao de So Paulo, em 16o lugar no indicador centro fi nanceiro fi ca bem acima de sua classifi cao geral, alcanando o escalo mais alto da economia global; Tambm Santiago, Cidade do Mxico, Buenos Aires e Bogot obtiveram classifi caes mais altas no indicador centro fi nanceiro, comparadas com suas classifi caes gerais. As diferenas mais agudas foram encontradas para So Paulo e Buenos Aires. Em uma das subdivises de indicador, a classifi cao de So Paulo pula, e fi ca entre as dez primeiras classifi cadas: nmero total de contratos de derivativos em 7o lugar, e numero total de contratos de commodities em 9o lugar. Ficou tambm em 12o lugar no item instituies bancrias e fi nanceiras, em 20o lugar em empresas de ttulos e investimentos, em 23o lugar em operaes com aes. Sua classifi cao mais baixa na rea fi nanceira foi um 39o lugar em seguradoras, entretanto acima de sua classifi cao geral. Da mesma maneira, Buenos Aires fi cou entre as primeiras 20 cidades em relao a circuitos fi nanceiros especfi cos em 14o lugar no nmero de contratos com commodities e em 15o lugar no quesito valor de transaes com ttulos.

    Claramente, So Paulo um dos maiores centros fi nanceiros do mundo. Sua classifi cao geral, de 34,92 pontos, pode no evidenciar imediatamente este fato. Porm, mesmo os centros fi nanceiros classifi cados entre os primeiros tambm fi caram bem abaixo da nota mxima ou perfeita, que seria 100: A nota de Londres foi 67,44, a de Nova Iorque foi 54,60, a de Frankfurt foi 46,73, a de Seul foi 52,76, e a de Chicago foi 40,52, enquanto Dubai obteve uma nota de 24,74, Atlanta de 8, e Edimburgo de 2. Essas

    PRINCIPAIS CIDADES PARAO COMRCIO MUNDIAL

    ESTABILIDADE ECONMICA FACILIDADE DE NEGCIOS

    QUALIDADE DE VIDACENTRO FINANCEIRO

    0 10050

    ESTRUTURA POLTICA E LEGAL

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  • 6 CIDADES SUL-AMERICANAS

    classifi caes do indicador centro fi nanceiro so parcialmente funes de a) o enorme peso dos principais centros e b) a existncia de vrios tipos de circuitos fi nanceiros especializados (aes, commodities, derivativos, ttulos). Isto deixa at mesmo os centros signifi cativos, tais como Dubai e Edimburgo, com uma nota relativa muito baixa, contrastando, entretanto, com o fato de que Dubai, por exemplo, fi cou em primeiro lugar no quesito servios bancrios, juntamente com os primeiros 20 classifi cados, com exceo de Chicago com 41, por ter perdido todos os seus principais bancos, Seul com 57 e Tquio com 23.

    So Paulo obteve sua segunda nota mais alta, de 26, como centro de negcios. Sua maior nota foi para volume de incorporaes de imveis comerciais, onde fi cou em 4o lugar, logo abaixo de Shenzhen, que passou por uma fase de exploso na construo de imveis. Mesmo assim, os contrastes de So Paulo em suas classifi caes por subdivises de indicadores foram agudos, colocando-a em 49o lugar no quesito trfego areo em aeroporto internacional.

    Neste crescente nmero de cidades globais e respectivas diferenas, podemos ver a perspectiva mais ampla de uma mudana para um mundo multipolarizado. A perda das posies das cidades norte americanas, em comparao com a pesquisa de 2006, faz parte desse deslocamento: Los Angeles caiu do 10o para o 17o lugar, e Boston caiu do 12o para o 23o, enquanto as classifi caes das cidades europias e asiticas subiram, notavelmente a de Madri, que subiu do 17o para o 11o lugar. Essas mudanas adicionam contedo perda da posio dos Estados Unidos como o poderio econmico e militar dominante, mas no signifi ca que os Estados Unidos fi caram de repente mais pobres. Isto signifi ca que as posies das outras regies do mundo esto subindo, e que existem foras mltiplas e plurilocalizadas que esto infl uenciando tais variveis econmicas, polticas e culturais.

    O recente crescimento das economias informais nas principais cidades globais da Amrica do Norte, da Europa Ocidental e, em menor escala, do Japo, levanta vrias questes sobre o que faria parte, ou no, das avanadas economias urbanas de nossos dias. Trs tendncias sugerem que a maior parte da informalidade encontrada hoje em dia est de fato ligada a caractersticas importantes do capitalismo urbano avanado. Uma delas seria a aguda emergncia e crescimento de economias informais nas principais cidades do hemisfrio norte. Em segundo lugar, a geralmente subestimada proliferao de uma economia informal composta por profi ssionais criativos artistas, arquitetos, designers, desenvolvedores de soft ware, organizadores de eventos, etc. trabalhando nessas cidades. Finalmente, os novos tipos de trabalho informal estariam, de fato, funcionando como o equivalente informal de uma desregulamentao formal das fi nanas, telecomunicaes e outros setores de ponta da economia, buscados sob a gide de fl exibilidade e inovao. A principal diferena que, enquanto a desregulamentao formal custa caro, e paga com impostos e com capital privado, a informalidade custa pouco e se apia basicamente sobre os prprios trabalhadores e empresas informais.

    Esta nova economia informal, de profi ssionais criativos, aumenta muito as oportunidades e os potenciais de redes de

    comunicao, permitindo que esses artistas e outros tipos de profi ssionais trabalhem, pelo menos em parte, na informalidade, permitindo-lhes tambm atuar nos interstcios dos espaos urbanos e organizacionais, freqentemente dominados por atores institucionais de grande porte, alm de permitindo livrar o trabalho criativo da institucionalizao. Nesse processo, esses profi ssionais contribuem para uma caracterstica muito especfi ca da nova economia urbana: seu carter inovador, e certo tipo de esprito de fronteira, fatos que tambm podem ser interpretados como reinveno da criatividade econmica urbana de Jane Jacobs.

    Condies semelhantes s das cidades globais do hemisfrio norte tambm podem estar produzindo um novo tipo de economia informal nas cidades globais do hemisfrio sul, incluindo uma economia profi ssional criativa informal. A emergncia desta ltima pode ser bem menos visvel do que no hemisfrio norte, pela parcial submerso dessa informalidade nas antigas economias informais que continuam a funcionar no sul global, mais como resultado da pobreza e da sobrevivncia do que das necessidades de setores econmicos avanados. 1

    Resumindo, a mesma reestruturao poltico-econmica que levou emergncia da nova economia urbana no fi nal dos anos 80 tambm contribuiu para a formao de novas economias informais. O declnio do complexo industrial, dominado pela fabricao, que caracterizou a maior parte do sculo vinte, e o surgimento de um novo complexo econmico, dominado pelos servios, forneceram o contexto geral dentro do qual precisamos colocar a informalidade, se tivermos que ir alm de uma mera descrio das instncias do trabalho informal.

    Portanto, apesar de muito ter sido comentado sobre a homogeneizao trazida pela economia global s economias nacionais, estes fatos urbanos apontam, de fato, para a direo oposta, ou seja: cidades diferentes tm caractersticas diferentes. Firmas e mercados globais, alm de empreendimentos culturais, querem estar em muitas cidades globais, porque cada uma dessas cidades expande suas respectivas plataformas globais de operaes, e tambm porque cada uma dessas cidades poderia representar um papel de ponte, entre o global e as especifi cidades das economias e sociedades nacionais, assinalando, alm disso, que cidades globais so construdas, desenvolvidas e concludas.

    As reconstrues e renovaes de reas centrais, que esto acontecendo em todas essas cidades, tanto em seus centros quanto nas periferias, ou em ambos, fazem parte deste novo papel econmico. A reconstruo de partes importantes dessas cidades, como plataformas para uma faixa de atividades e de fl uxos globais em rpido crescimento, desde econmicos at culturais e polticos, tambm explica porque a arquitetura, o projeto urbano e o planejamento urbano se tornaram mais importantes e mais visveis ao longo das duas ltimas dcadas, alm de tambm explicar a crescente competio pelo espao nessas cidades, e a emergncia de um novo tipo de poltica, baseada na cidadania.

    Um tema complexo, assunto de vrios debates, seriam as vantagens e desvantagens em relao textura social mais ampla dessas cidades e respectivos pases. Entretanto, o fato de que as fi rmas globais precisam das cidades, e de fato de grupos de cidades, deveria permitir que as lideranas polticas e empresariais, alm da sociedade civil, dessas cidades, pudessem negociar com as empresas globais, no sentido de obter maiores benefcios para suas respectivas cidades. Isto poderia levar a resultados positivos generalizados, se as classes governantes pudessem ver que essas funes econmicas globais poderiam se desenvolver melhor num contexto de uma classe mdia forte e prspera, ao invs de numa situao de desigualdade aguda e de polaridade, como existe entre grande parte das famlias. Por este exato motivo, as cidades globais europias foram mais bem sucedidas que as norte americanas.

    Como fi cou evidente na conferncia da Urban Age sobre a ndia, as tendncias das novas cidades globais emergentes do hemisfrio sul vivenciam as tendncias, agora familiares, do norte: nmero crescente de muito-ricos e de muito-pobres, juntamente com uma expanso das antigas classes mdias, empobrecidas. O que diminuir nessas cidades sero as classes mdias modestas e os setores econmicos de lucros modestos, que j tiveram importante presena nessas cidades, e constituem fatores crticos para a economia urbana, j que as respectivas rendas seriam, provavelmente, inteiramente gastas na economia da cidade. Sua presena representaria uma resistncia embutida s reformas espaciais e sociais das cidades, ao longo das classes sociais extremas. Finalmente, meu cenrio mais pessimista seria de que j existe a semente de um confl ito no prprio espao urbano, em parte devido supervalorizao e ao deslocamento, com as respectivas polticas de alocao de espaos. Em algumas cidades, como por exemplo, Nova Iorque e Los Angeles, isto se exprime como uma pequena criminalidade difusa, e com um aumento da violncia entre os desprivilegiados. Em outras cidades, tanto nas europias quanto nas Xangais emergentes, isto se expressa como novos tipos de racismo, que podem levar violncia fsica. Em outras, talvez So Paulo ou Rio de Janeiro, sua expresso mais extrema toma forma de guerra urbana espordica, incluindo a guerra nos espaos das prises.

    Em minha opinio, precisamos urgentemente inovar, na fronteira da governana urbana. As velhas tticas burocrticas no funcionam mais. Esta uma era urbana totalmente nova - com sua parcela de potenciais positivos e sua parcela de misrias. Nas cidades, nossos desafi os de governana se tornam concretos e urgentes. Os pases podem continuar a conversar, mas as lideranas urbanas precisam agir.

    Saskia Sassen Lynd Professor de Sociologia e membro do Comit sobre Pensamento Global da Universidade de Columbia, e autora de vrios artigos sobre assuntos relacionados globalizao e urbanizao. Seu ltimo livro publicado : Territory, Authority, Rights (Princeton University press 2008).

    CENTRO DE NEGCIOS SUBINDICADORES DE CLASSIFICAO

    BUSINESS CENTRE RANK

    CITY PORT CARGO TRAFFIC

    AIR PASSENGER AND AIRCRAFT

    TRAFFIC

    AIR CARGO TRAFFIC

    INTERNATIONAL AIR PASSENGER

    TRAFFIC

    5 STAR HOTELS

    COMMERCIAL REAL ESTATE

    DEVELOPMENT

    17 Madrid 46 12 40 11 4 1718 Milan 48 17 23 12 19 919 Beijing 63 15 17 32 13 3820 Atlanta 49 3 21 45 21 4421 Toronto 38 18 31 24 33 522 Osaka 16 36 18 37 59 1523 Dallas 39 6 20 61 61 6024 Sydney 17 31 24 40 26 3325 Shenzhen 4 53 25 75 69 2126 So Paulo 65 24 30 49 14 427 Istanbul 29 33 41 29 24 2928 Moscow 57 16 47 16 63 2029 Barcelona 12 27 63 22 37 4230 Houston 18 8 34 53 71 6831 Mumbai 36 39 29 54 12 36

    O ndice de Centros de Comrcio Mundial de 2008 compilado pela MasterCard rene 100 fatores que abrangem uma ampla gama de condies de fatores do nvel macro, por exemplo estruturas legal e poltica at particularidades sobre o quo fcil executar operaes de importao ou exportao; em quantos dias se pode abrir ou fechar uma empresa; e tambm a qualidade de vida e o reconhecimento global da cidade. Por exemplo, o ndice macro Centro de Negcios compilado a partir de seis nveis de subindicadores listados acima. impossvel mostrar todo o conjunto de dados e uns dos valores essenciais do estudo que a variao entre cidades de diversos indicadores e subindicadores, inclusive entre cidades que tm uma posio fi nal semelhante.

    CENTRO DE NEGCIOS

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  • ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 7

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL, DEZEMBRO 2008

    A trajetria do desenvolvimento do continente sul-americano na dcada de 1980 tem sido comumente interpretada pelos macro-economistas sob a ptica de a dcada perdida, especifi camente luz da crise da dvida externa e dos subseqentes programas de ajuste estrutural, bastante complicados. No entanto, pode-se alegar que a regio sofreu um segundo contratempo, talvez menos visvel, na dcada de 1990, do qual s recentemente vem tentando se recuperar. Mais especifi camente, enquanto muitos pases sul-americanos testemunhavam um intenso processo de ajuste scio-econmico, tecnolgico e regulatrio, com freqentes e dramticos impactos sobre as cidades e regies metropolitanas, houve uma surpreendente falta de um arcabouo institucional e jurdico, a um s tempo slido e transparente, que pudesse nortear as transformaes nas cidades-regies e reas metropolitanas da Amrica do Sul de forma sustentvel. O vcuo institucional nas reas metropolitanas foi ainda mais dramtico, se considerarmos o perfi l relativamente urbanizado do continente, no qual as regies com cidades grandes haviam freqentemente sido, em poca anterior, os plos ou centros espaciais das estratgias nacionais de substituio das importaes, e onde, at certo ponto, os problemas em escala nacional e metropolitana ou micro-regional tais como a excluso social, a degradao ambiental e a perda generalizada de competitividade tinham-se tornado cada vez mais interdependentes. Ademais, como j foi extensivamente analisado por estudiosos sul-americanos do desenvolvimento urbano, as cidades e cidades-regies do continente adentravam neste novo estgio do processo de internacionalizao sem que seus dfi cits histricos, no que tange ao acesso aos servios bsicos, terra e s fontes sustentveis e previsveis das fi nanas, tivessem sido minimamente equacionados; suspeitava-se, alis, que as disparidades em vrias reas metropolitanas da Amrica do Sul, de fato, tivessem aumentado durante boa parte da dcada de 1990.

    Ilustraremos este ponto com alguns exemplos. A Grande Santiago gera cerca de metade do PIB do Chile, enquanto que aproximadamente da populao do pas est concentrada nas cidades-regies de Santiago, Valparaso e Concepcin. Apesar de o modelo de desenvolvimento chileno ter sido reconhecido por suas conquistas em registrar crescimento com reduo de pobreza, Santiago vem enfrentando, cada vez mais, um rpido crescimento das reas perifricas (sprawl), a reduo da qualidade ambiental, a segregao scio-espacial e uma escalada nas disparidades intrametropolitanas. Os recentes trabalhos tericos sobre a evoluo espacial da Grande Santiago confi rmaram um padro (ps-moderno) de ocupao fragmentada do solo, privatizao de espaos pblicos e segregao scio-espacial, fato que se v refl etido na proliferao das comunidades fechadas (verticais e horizontais), em geral diretamente conectadas aos locais especfi cos de trabalho por rodovias (freqentemente fi nanciadas pelo setor privado), o surgimento de cidades completamente novas, bem como plos e distritos industriais, comerciais e tecnolgicos. Paralelamente, esta colcha de retalhos de cidades situa-se em um limbo institucional, particularmente considerando-se o fato de que o Chile no possui arranjos especfi cos para as reas e aglomeraes metropolitanas. Isso tudo ainda mais preocupante no caso de Santiago, especifi camente, onde a estrutura de governo fragmentada em trs provncias (uma delas, a prpria Santiago, que, por sua vez, subdivide-se em 32 municpios).

    Traando-se um paralelo, a aglomerao da Grande Buenos Aires que, ainda que no exista propriamente como organismo formal poltico e administrativo, vagamente defi nida como sendo constituda pela Cidade Autnoma de Buenos Aires e pelas 32 cidades que a circundam concentra aproximadamente a metade da produo do pas e de sua populao. Na dcada de 1990, a regio da cidade era o estgio central de um traumtico processo de reestruturao das cadeias produtivas e de desindustrializao. Na ausncia de estruturas claras de governana metropolitana, refl etida em um conjunto complexo e sobreposto de responsabilidades que eram distribudas entre uma provncia forte, a Cidade Autnoma federada de Buenos Aires, os governos locais perifricos e as instituies do governo nacional, mostrou-se ainda mais difcil desenvolverem-se estratgicas efetivas para lidar com as disparidades intrametropolitanas que cresciam intensamente, e gerando um padro de degradao ambiental. Assim sendo, no causou surpresa o fato de que, durante essa mesma dcada, a Grande Buenos Aires vivenciasse uma proliferao de comunidades fechadas nos subrbios, e um quadro de acentuada fragmentao scio-espacial da rea metropolitana.

    Segundo dados de 2003, a Grande Bogot, composta da cidade central (com 7 milhes de habitantes) e de 24 municpios em seu redor (resultando em um total populacional de cerca de 8,2 milhes de pessoas), concentrava aproximadamente 30% do PIB nacional (e 40% do PIB industrial nacional), e cerca de 1/5 da populao do pas. A abertura do regime comercial reforou a atratividade da regio, e seu papel como o principal motor da economia colombiana. Em 2010, espera-se que a cidade-regio atinja a marca dos 9,6 milhes de habitantes. Nos ltimos anos, o tradicional relacionamento polarizado entre a cidade central de Bogot e os municpios circunvizinhos deu lugar a um processo gradual de regionalizao da produo e do uso e ocupao do solo.

    Por essa razo, vrios municpios do entorno tm crescido bem mais rapidamente do que a prpria Bogot: a falta de espao fsico e os preos dos terrenos, relativamente mais altos, tambm induziram as indstrias a se estabelecerem, desde o incio, fora da cidade central, atraindo, assim, para reas como Sabana, subseqentes investimentos adicionais no setor tercirio e na infra-estrutura complementar. Este processo apenas fez aumentarem as chances de se desenvolver arranjos adequados para tratar dos muitos desafi os enfrentados pela regio: excluso scio-espacial (cerca de 40% da renda metropolitana da Grande Bogot est concentrado nas mos dos 7% da camada superior da populao), o rpido aumento dos nveis de poluio do Rio Bogot, o transporte intermunicipal de carga e de passageiros, bem como o planejamento do uso e ocupao do solo em reas ambientalmente sensveis. A Mesa Redonda Regional da Regio de Bogot-Cundinamarca, lanada em 2001 e que envolveu o governo nacional, o governo estadual de Cundinamarca, a prpria cidade de Bogot, bem como as 116 administraes municipais circunvizinhas e trs unidades especifi cas de conservao ambiental, foi uma abordagem inovadora, direcionada criao de uma poltica informal, e envolvendo vrios atores, para reunir e organizar um sistema metropolitano fragmentado. Contudo, avaliaes recentes feitas pelo Centro das Naes Unidas para o Desenvolvimento Regional, que tem apoiado o processo desde o incio, enfatizaram a necessidade de fortalecer esses mecanismos com arranjos mais formais.

    O cenrio brasileiro da dcada de 1990 no constituiu uma exceo a esse padro generalizado de intensa reestruturao scio-econmica nacional, aliado falta de um arcabouo institucional, fi nanceiro e gerencial, que pudesse nortear a elaborao de uma agenda estratgica para as reas metropolitanas. Uma agenda deste tipo teria estabelecido as principais prioridades para capturar as potenciais economias de aglomerao, por um lado, e reduzir os dfi cits sociais histricos nas reas metropolitanas, por outro. Como ocorreu em outros pases da regio, tal agenda no se cristalizou no Brasil. A escala metropolitana pode ter sido associada ao regime militar, que, de fato, dividia os recursos com base em uma lgica metropolitana autoritria, e isso talvez explique o motivo para que a questo da governana regional das cidades tivesse sido praticamente negligenciada pela Assemblia Nacional Constituinte de 1988, maciamente infl uenciada, como foi, pelos novos protagonistas, particularmente os prefeitos eleitos e os movimentos sociais. Estes atores promoveram uma agenda baseada na descentralizao e democratizao, que, de modo geral, negligenciou a questo da coordenao territorial intermunicipal e intersetorial.

    Assim sendo, durante essa dcada, So Paulo, corao industrial do Brasil, e mais especifi camente a regio do assim-chamado ABC Paulista (rotulada, s vezes, de a Detroit brasileira), que concentrava o grosso da indstria

    CONSTRUINDO ATIVOS TERRITORIAIS NA AMRICADO SUL

    Espera-se que o novo plano de gesto do lixo ajude a manter limpas as ruas do centro de Buenos Aires. Polticas no-coordenadas e fragmentadas de servios pblicos exceo da gesto de resduos slidos em toda a rea metropolitana tm parte da culpa pela degradao ambiental da Grande Buenos Aires.

    Neste panorama profundo das vrias formas de governana regional em toda

    a Amrica do Sul, Jeroen Klink analisa a capacidade institucional das reas metropolitanas de infl uenciar e reestruturar a economia urbana.

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  • 8 CIDADES SUL-AMERICANAS

    automobilstica do pas e uma parte substancial de seu plo petroqumico, teve que enfrentar as conseqncias negativas da mudana do regime macroeconmico brasileiro, sem qualquer estrutura consolidada de governana metropolitana. O governo nacional enfatizava uma estratgia de desregulamentao e recuo nas polticas industriais e tecnolgicas pr-ativas, ao passo que a reestruturao das grandes indstrias na regio causava altos ndices de desemprego e subemprego, aumento nos ndices de pobreza e de excluso scio-espacial. A especulao imobiliria e a falta de controle por parte dos governos municipais sobre os mercados imobilirios tambm desencadearam uma proliferao de favelas e assentamentos irregulares nos arredores da Regio Metropolitana de So Paulo, freqentemente em reas protegidas das bacias hidrogrfi cas e ambientalmente sensveis. Por ser uma regio altamente politizada, com ativa participao no processo de redemocratizao do pas, e contando com o protagonismo dos sindicatos trabalhistas e os movimentos sociais, uma resposta inovadora foi organizada pelos atores locais, que criaram, coletivamente, e negociaram a elaborao de um consrcio intermunicipal, uma Cmara Regional para o Planejamento Estratgico Participativo e uma Agncia de Desenvolvimento Econmico. No obstante o carter inovador das iniciativas e o apoio do empresariado s mesmas, h que se atentar para o fato de que, ao menos at recentemente, a baixa capacidade fi nanceira, o fraco reconhecimento institucional existente no federalismo fi scal brasileiro e a alta dependncia da liderana individual (particularmente do falecido Prefeito da cidade de Santo Andr, Celso Daniel, dos lderes dos sindicatos trabalhistas e do setor industrial em geral), mostraram ser os gargalos para o aumento da escala e da continuidade desse sistema informal de governana regional, e para replic-lo em outras regies metropolitanas.

    O vcuo institucional e poltico que circunda as regies metropolitanas conseguiu at afetar cidades que eram consideradas modelos de boa governana e planejamento urbano, no contexto sul-americano. Por exemplo, a cidade de Curitiba serviu amplamente como uma das boas prticas em termos de uma cidade sustentvel e bem-planejada, especialmente quanto sua capacidade de nortear o crescimento da cidade por meio de um modelo de transporte pblico fi nanceiramente acessvel e de boa qualidade, ligado a um bem-traado plano de uso e ocupao do solo. Os desdobramentos recentes demonstraram que este quadro j no to compatvel com a realidade da Grande Curitiba. Similarmente a outras experincias sul-americanas, o processo de metropolizao, refl etido em um padro cada vez mais denso de interdependncias funcionais entre a cidade central e seus arredores, revelou as defi cincias do modelo de Curitiba de maneira dolorosamente clara. Por exemplo, enquanto o desenvolvimento na zona leste foi proscrito pelo plano-diretor metropolitano de 1978 e sua recente atualizao, pois a regio concentra reas ambientalmente sensveis e bacias hidrogrfi cas, e fornece cerca de 70% do abastecimento urbano de gua, foi exatamente l que ocorreu o crescimento urbano. Parte desse distorcido padro de ocupao do solo poderia ser explicado pelos agressivos subsdios e incentivos fi scais que foram concedidos para atrair indstrias que estavam originalmente em regies com um custo de vida maior (particularmente no Estado de So Paulo). Paralelamente, o muito aclamado sistema integrado de transporte pblico de Curitiba no conseguiu fazer face ao rpido aumento nas viagens intermunicipais entre a cidade central e os arredores da regio metropolitana. Desde o fi nal da dcada de 1990, verifi cou-se um aumento exponencial nos congestionamentos e no uso do automvel.

    H que se reconhecer que os governos da Amrica do Sul esto crescentemente conscientes acerca da interdependncia entre o que ocorre em suas regies metropolitanas e o bem-estar nacional. O governo brasileiro, por exemplo, criou uma nova lei estrutural sobre consrcios intermunicipais, com o fi m de fortalecer a capacidade institucional e organizacional desses organismos. A lei permite, tambm, que as instituies um tanto desestruturadas de planejamento se transformem em organismos capazes de efetivamente implantar funes municipais, regionais e metropolitanas, tais como transporte, planejamento e gesto das bacias hidrogrfi cas, gesto dos resduos slidos e desenvolvimento econmico, entre outros. No entanto, as leis, por si s, no substituem a liderana poltica; um nmero extremamente pequeno de

    consrcios intermunicipais foi criado desde a promulgao da lei, provavelmente tambm luz de uma mentalidade de soma zero de alguns elementos da liderana local. Esta falta de uma viso estratgica representa um gargalo concreto ao avano em direo a um cenrio no qual os governos locais voluntariamente planejem, fi nanciem e implementem servios de interesse comum, com ou sem apoio estadual e nacional. Ironicamente, o consrcio intermunicipal da regio do ABC, mencionado acima, que demonstrou ser uma das iniciativas mais inovadoras na dcada de 1990 em governana regional, e que tambm serviu de exitoso lobby para a nova legislao federal sobre consrcios pblicos, at hoje ainda no adaptou sua estrutura jurdica e organizacional para poder utilizar o potencial oferecido pela lei.

    Como mencionamos acima, os movimentos sociais e as organizaes no-governamentais, apesar de nem sempre terem uma perspectiva metropolitana, tiveram sucesso ao pressionar os governos pedindo por transparncia e efi ccia nos sistemas de governana nas cidades-regio da Amrica do Sul. Neste sentido, a legislao brasileira, inovadora e progressista, sobre o assim-chamado Estatuto da Cidade, um exemplo paradigmtico; sua elaborao e aprovao, em 2001, pode ser considerada resultado direto de mais de uma dcada de mobilizao poltica por movimentos de moradia, urbanistas, intelectuais e associaes de profi ssionais liberais, direcionados a melhorar e democratizar o funcionamento do mercado imobilirio. A legislao propiciou a gerao de novos planos-diretores municipais que incorporam uma srie de instrumentos zoneamento especial de interesse social, outorga onerosa, impostos progressivos sobre terrenos vazios e outros que, ao menos em teoria, aumentam a alavancagem dos governos locais sobre o funcionamento do mercado de terra nas cidades. Entretanto, o instrumento ainda ter que fornecer uma soluo concreta para o dilema do uso e ocupao do solo no-coordenada e fragmentada no mbito metropolitano. Na realidade, a lei no traz em seu bojo um mecanismo para a coordenao de planos-diretores

    municipais individuais; assim sendo, na prtica, o arcabouo de regulao que norteia a maior parte do mercado imobilirio nas regies metropolitanas brasileiras pode ser caracterizado como uma espcie de colcha de retalhos de planos-diretores, elaborados com base em diferentes critrios e metodologias, sem incorporar uma viso mais estratgica sobre o desenvolvimento sustentvel das reas metropolitanas como tal.

    Esta talvez seja uma das principais lies que emergem do intenso processo de reestruturao urbana e econmica das ltimas duas dcadas nessas cidades-regies. Os ocasionais sucessos melhoraram a governana das reas metropolitanas, envolvendo a inovao do setor pblico, a descentralizao e a mobilizao dos protagonistas no-governamentais. Ao mesmo tempo, preciso admitir que os desafi os para reduzir, sistematicamente, a excluso scio-espacial, regular e organizar os mercados imobilirios fragmentados e especulativos, bem como confrontar a degradao ambiental, o quadro de intensas disparidades intra-metropolitanas e a perda da competitividade econmica, continuam grandes. De fato, ao que tudo indica, a descentralizao e a democratizao da dcada de 1990 representaram os primeiros passos do que pode ser considerado um processo coletivo de aprendizado, que apenas se iniciou. Neste sentido, tanto o padro fragmentado de regionalismo funcional da Grande Buenos Aires, os intensos confl itos entre a cidade-plo de Curitiba e as cidades do entorno metropolitano sobre a gesto, o fi nanciamento e a organizao de determinados servios, a Mesa Redonda Regional de Bogot-Cundinamarca e, por ltimo, a difi culdade enfrentada na regio do ABC, na So Paulo Metropolitana, para transformar a sua estrutura jurdica num consrcio pblico regional que se benefi cie da nova legislao federal estrutural, so, efetivamente, diferentes lados deste complexo e multifacetado processo coletivo de aprendizado.

    Os governos nacionais e estaduais deveriam estimular a negociao e a mobilizao desses pactos territoriais que visam a criao coletiva de bens pblicos nas reas metropolitanas. Afi nal, a complexidade scio-econmica e poltica, bem como a riqueza das cidades-regies e reas metropolitanas, que nos permitem ir alm da dicotomia abstrata e macro-econmica do controle da infl ao versus crescimento, que, de fato, tanto fez encolher o debate sobre o desenvolvimento futuro dos pases sul-americanos.

    Conjunto habitacional com casas novas, em concreto e tijolo, na Rocinha, a maior favela do Brasil, localizada em um morro no Rio de Janeiro, praticamente construdo por mutiro. Mesmo assim, o saneamento bsico e a infra-estrutura so melhores do que na maioria das favelas do pas, graas sistemtica interveno da comunidade.

    Jeroen Klink o Coordenador do Ncleo de Cincias, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal da Regio do ABC, em So Paulo. Anteriormente, Klink foi Secretrio Municipal de Desenvolvimento Econmico, de Santo Andr.

    O grosso dos mercados brasileiros de

    terrenos urbanos guiado por uma colcha

    de retalhos de planos-diretores... Sem

    incorporar uma viso mais estratgica

    sobre o desenvolvimento sustentvel das

    reas metropolitanas como tal.

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  • ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 9

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL, DEZEMBRO 2008

    No existe uma forma cientfi ca ou tecnicamente correta ou incorreta de se construir uma cidade. Defi nir o que faz uma cidade boa mais uma questo do corao e da alma do que da engenharia. mais prximo da arte do que da cincia. Ainda que, apesar da natureza subjetiva do urbanismo, um governo tenha que adotar uma viso e promov-la, tomar decises, construir, defi nir regras e aplic-las preciso no somente conceber uma cidade, mas tambm torn-la real. Se uma boa cidade uma obra de arte coletiva da sociedade, ento seu governo atua como o maestro da obra, e muitas vezes tambm como seu compositor.

    Urbanismo tem a ver com decises da comunidade e da sociedade, executadas atravs de alguma forma de governo. No possvel deixar a cargo da iniciativa privada se deveriam existir caladas, e qual deveria ser sua largura, ou a altura que os prdios deveriam ter, se deveria ou no haver parques e, no caso afi rmativo, onde e que tamanho deveriam ter, ou se deveria haver uma mistura de edifcios residenciais e comerciais. O fato de que a interveno governamental essencial, aliado realidade de que h mltiplos projetos possveis para uma cidade, faz do urbanismo um dos poucos campos ideolgicos remanescentes.

    Nos ambientes urbanos reais, o conceito de Adam Smith de que os indivduos em busca de seu prprio benefcio promovem benefcios para a sociedade como um todo no sempre vlido. Um empreendedor pode querer construir um edifcio alto em meio a uma vizinhana de casas que alcanam no mximo trs andares; e tambm uma deciso individual lgica uma pessoa ir de casa para o trabalho no conforto de seu carro particular, ainda que se todos os moradores de uma grande cidade fi zessem o mesmo, o resultado seria um congestionamento de trnsito. Deveria o proprietrio de uma rea rural prxima de uma cidade poder fazer o que quer que ele queira com ela, incluindo, por exemplo, construir nela um condomnio fechado de baixa densidade longe do alcance do transporte pblico? Como deveria o escasso espao de circulao viria ser distribudo entre pedestres, bicicletas, nibus e automveis? Aparentemente o transporte pblico deveria ser priorizado em relao aos automveis particulares na alocao do espao virio, se a democracia e o bem pblico tivessem que prevalecer.

    H pelo menos dois tipos de eqidade que podemos perseguir de forma realista em nosso tempo: o primeiro eqidade na qualidade de vida, especialmente para as crianas. Todas as crianas deveriam ter as mesmas oportunidades de desenvolver seu potencial e de serem felizes, ter acesso a espaos verdes e reas recreativas, a bibliotecas e orla de guas. O segundo tipo de eqidade ainda ao nosso alcance tornar verdadeiramente efetivo o princpio de que o bem pblico deve prevalecer sobre o interesse privado. O primeiro artigo em qualquer constituio estabelece que todos os cidados so iguais perante a lei. Conseqentemente, algumas estabelecem explicitamente que o bem pblico deve prevalecer sobre o interesse privado. Nas cidades, os interesses de uns poucos indivduos muitas vezes entram em confl ito com aqueles da comunidade como um todo. papel da poltica e das instituies governamentais administrar esses confl itos e encontrar formas de promover a incluso e a justia social.

    De acordo com as Naes Unidas, haver cerca de 2,8 bilhes de novos habitantes nas cidades dos pases em desenvolvimento ao longo dos prximos 40 anos. Porm, o crescimento dessas cidades ser maior do que o proporcional ao seu crescimento populacional pelas seguintes razes: as famlias tero menos membros, e portanto mais moradias sero necessrias para abrigar a mesma quantidade de pessoas; maior desenvolvimento econmico signifi ca que as edifi caes institucionais ocuparo uma maior parcela do espao da cidade; e as pessoas precisaro de casas maiores quando sua renda aumentar. nas cidades dos pases em desenvolvimento que muitos dos principais desafi os urbanos e ambientais esto concentrados neste sculo. E questes de eqidade e de incluso so especialmente importantes nelas, na medida em que suas sociedades so altamente desiguais. Desigualdade e excluso podem ser ainda mais dolorosas de que a pobreza,

    mas a forma com que criamos e organizamos as cidades pode ser um poderoso instrumento para a construo da eqidade e da justia social.

    O espao pblico dedicado aos pedestres pode oferecer meios para uma sociedade mais inclusiva. Durante o horrio do expediente, o mais importante executivo e o empregado mais humilde podem estar igualmente satisfeitos ou insatisfeitos; no espao pblico ambos convivem com seus colegas e executam o seu trabalho. somente durante seu tempo de lazer que um abismo separa suas qualidades de vida. O executivo, de renda mais alta, vai para sua casa normalmente grande, provavelmente com um jardim, tem acesso a clubes esportivos, casas de campo, restaurantes, atividades culturais caras e viagens para o exterior. O indivduo de renda baixa vive com seus fi lhos em uma moradia bastante pequena, e a nica alternativa televiso para seu entretenimento nas horas livres o espao pblico acessvel aos pedestres. Caladas, ciclovias, praas, parques, calades, orlas e instalaes esportivas mostram respeito pela dignidade humana e pelo menos comeam a compensar a desigualdade em outras reas.

    O acesso a reas verdes talvez seja a mais formidvel barreira incluso, no somente agora, mas tambm no futuro. At recentemente, muito poucos acreditavam que o pobre possuiria refrigeradores, telefones fi xos, quanto menos celulares, televisores coloridos, lavadoras de roupas ou equipamentos de som sofi sticados, e tudo isso est se tornando bastante comum mesmo nos lares de baixa renda dos pases em desenvolvimento. Cidados de baixa renda tero em breve acesso a computadores e a uma variada gama de aparelhos eletrnicos. O que no tero acesso a reas verdes e a instalaes esportivas a menos que as autoridades ajam agora. Negligenciar a aquisio e a garantia de espaos abertos hoje no algo que poder ser revertido facilmente no futuro. Seria extremamente difcil comprar e demolir centenas de edifi caes a fi m de se criar reas verdes. E a falta dessas reas afeta sobremaneira a qualidade de vida e a incluso e, em resultado, a legitimidade da organizao social. Alm do espao pblico bsico para o pedestre, que deveria ser encontrado em toda a cidade, uma boa cidade deveria ter pelo menos um, e idealmente vrios, grandes

    espaos pblicos. Isso signifi ca dizer espaos de qualidade tal que mesmo os mais abastados membros da sociedade no deixassem de freqent-los.

    Uma ciclovia protegida em uma cidade de um pas em desenvolvimento um smbolo poderoso, e mostra que um cidado em uma bicicleta de 30 dlares to importante quanto outro em um automvel de 30 mil dlares. Uma ciclovia protegida ao longo de cada rua no uma instalao arquitetnica bonita, mas um direito democrtico bsico a no ser que algum acredite que somente aqueles com acesso a automveis tm direito mobilidade em segurana. Caladas em bom estado e ciclovias mostram respeito pela dignidade humana, independentemente do nvel do desenvolvimento econmico de uma sociedade. Muitos cidados em sociedades economicamente avanadas no podem dirigir, ou porque so muito jovens ou muito velhos, ou porque so portadores de necessidades especiais. Uma cidade democrtica deve ser planejada para os mais vulnerveis de seus habitantes.

    na questo dos transportes que os governos tm mais dramaticamente falhado em atender aos princpios democrticos nas cidades dos pases em desenvolvimento. H uma luta pelo escasso espao virio travada entre automveis e transporte pblico, pedestres e ciclistas, e h uma batalha por verbas pblicas travada entre proprietrios de automveis que reclamam maior infra-estrutura viria e os cidados de baixa renda que reivindicam escolas, sistemas de esgoto, moradias, parques e outras infra-estruturas bsicas. A minoria de proprietrios de automveis geralmente tem maior infl uncia poltica, e, em conseqncia, direciona o investimento pblico para a infra-estrutura viria destinada a reduzir os engarrafamentos de horrios de pico, em detrimento das necessidades da populao carente. A malha viria urbana e rural ignora ou d pouca ateno necessidade de infra-estrutura dos pedestres e ciclistas.

    No h um nvel natural do uso do carro em uma cidade. A administrao de cidades maduras como Paris, Nova Iorque, Tquio, Berlim ou Londres, explcita ou implicitamente defi niram h longo tempo que, independentemente das condies de trfego, nenhuma outra infra-estrutura viria seria construda em suas reas centrais. Os recursos seriam concentrados no transporte pblico. Se os governos de Manhattan ou de Paris tivessem construdo mais e maiores ruas ou avenidas, haveria maior uso do carro naquelas cidades. Por outro lado, se seus governos tivessem construdo menos vias, ou mais estreitas, o uso do carro teria diminudo por l. Em resumo, a quantidade de infra-estrutura disponvel que determina o nvel de uso do carro.

    Os governos das cidades menos avanadas relutam em tomar a deciso inevitvel: no construir mais infra-estrutura viria na cidade construda. Os recursos sero concentrados no em autopistas novas ou mais largas, mas na criao, expanso e melhoria do transporte pblico. Dali em diante, o uso dos automveis deve ser explicitamente restrito por meio

    POLTICAS, PODER, CIDADES

    Iniciativas para melhorar bairros informais de rpido crescimento de Bogot criaram novos espaos pblicos e ao mesmo tempo melhoraram os servios e a infra-estrutura de transporte da rea.

    Em um trecho do livro The Endless City, Enrique Pealosa descreve a necessidade urgente de os governos criarem espaos pblicos e cidades socialmente inclusivas e bem planejadas.

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  • 10 CIDADES SUL-AMERICANAS

    de dispositivos como restries de uso com base no nmero das placas, pedgios, limitaes ao estacionamento, ou, implicitamente, com o trfego pesado. Muitas cidades avanadas assistiram batalhas travadas por moradores famosos contra projetos de autopistas urbanas. Uma das mais clebres a luta de Jane Jacobs contra uma via expressa projetada para atravessar a parte baixa de Manhattan (Lower Manhattan). Na maioria das cidades avanadas de hoje, a poltica de transportes realmente signifi ca encontrar meios para conseguir nveis mais baixos de uso do carro e maior utilizao do transporte pblico, maior circulao de bicicletas e de pedestres. Nas cidades dos pases em desenvolvimento, a poltica de transportes ainda signifi ca majoritariamente o oposto: como facilitar o maior uso dos carros. Nas sociedades dos pases em desenvolvimento, onde menos de 50% das famlias no possui um automvel, possuir um tido como um certifi cado visvel de pertencimento aos altos escales da sociedade. As pessoas das faixas de renda mais alta nas sociedades menos desenvolvidas e altamente desiguais tendem a enxergar o uso do transporte pblico, lado a lado com cidados de renda mais baixa, como uma afronta sua posio na sociedade. Embora utilizem com prazer o transporte pblico quando viajam para pases mais adiantados, raramente dele se aproximam em seus prprios pases.

    Um governo que se preocupa com a qualidade de vida urbana deve abster-se de tentar reduzir os engarrafamentos atravs de investimentos em novas e maiores vias e concentrar-se na criao e na melhoria do transporte de massa e infra-estrutura para pedestres e bicicletas.

    Isso devido em parte ao fato de que uma cidade que abre demasiado espao para os rpidos automveis torna-se menos humanizada e perde qualidade de vida, mas tambm porque os investimentos em infra-estrutura viria que benefi ciam principalmente os cidados de renda mais alta redirecionam as verbas pblicas, retirando-as de escolas, parques, habitao e muitas outras necessidades. Os mais vulnerveis membros da sociedade, como os pobres, os idosos, as crianas e as pessoas com necessidades especiais, normalmente no tm conscincia de seus interesses e de seus direitos, e no tm muita infl uncia poltica. Um governo democrtico deve atuar em seu nome e confrontar as minorias poderosas em seu favor. Precisa convencer mesmo os grupos das faixas de renda mais elevada de que as restries ao uso dos carros tambm os benefi ciaro no longo prazo. Mas, no fi nal das contas, precisa exercer o seu poder de deciso para implementar essa viso, independentemente do seu custo poltico.

    Uma fonte comum de desigualdade a diviso das cidades ou das regies metropolitanas em inmeros, s vezes dezenas de municpios. Foras de mercado sem controle externo criam uma situao na qual os bairros caros destinados aos cidados mais ricos atraem incorporaes similares de alto padro sua volta. As terras no entorno das incorporaes destinadas ao pblico de renda elevada tendem a ser caras, e normalmente bairros de baixo padro no sero estabelecidos ali. A recproca tambm verdadeira: uma incorporao de alto padro normalmente no ser estabelecida prxima a outra destinada populao de baixa renda.

    Uma cidade rica e grande tem tanto grupos de baixa renda como de alta renda. Os grupos de renda mais alta recolhem

    impostos que atendem s necessidades dos grupos de renda mais baixa. Pagam altos impostos, e com freqncia nem mesmo utilizam muitos dos servios oferecidos pela cidade: utilizam servios de sade particular e suas crianas freqentam creches e escolas particulares. Os municpios onde moram cidados de renda mais baixa tm maior dependncia dos servios sociais fornecidos pelo governo, ainda que no tenham a possibilidade de arrecadar os fundos necessrios para mant-los. O resultado a desigualdade. A extrao direta de fundos das prefeituras mais ricas para transferi-los para aquelas de arrecadao mais baixa no resolve o problema: est provado que aqueles que gastam fundos que no foram gerados por si prprios tendem a faz-lo de forma inefi ciente. Para piorar as coisas, os cidados mais pobres com nveis de educao mais baixos tendem a ser presas fceis para os polticos demagogos e corruptos.

    Ao mesmo tempo em que pode haver razes histricas para a existncia de inmeros municpios no mbito de uma cidade, uma vez que sejam parte de uma grande e moderna regio metropolitana, h poucas justifi cativas para tanto. A maioria dos cidados cruza limites municipais sem se darem conta do fato, exceto, naturalmente, quando o absurdo de tal subdiviso poltica to extremo que o transporte pblico tenha que dar meia volta quando atinge o limite de seu municpio, como o caso em So Paulo. O planejamento de longo prazo tambm se torna mais complicado quando tais subdivises existem. Mesmo a construo de uma importante artria viria ou de uma via frrea se torna problemtica. Quando diferentes partidos polticos controlam municpios diferentes, mais problemas surgem, como tem sido o caso da Cidade do Mxico. Despesas burocrticas de muitos municpios pequenos so mais altas do que aquelas de municpios maiores, e com freqncia o nvel de competncia profi ssional mais baixo nos municpios menores.

    Por esses motivos, o Canad fundiu quase mil municpios ao longo da ltima dcada, alcanando maior justia social, despesas burocrticas mais baixas e melhor planejamento de longo prazo. Em Joanesburgo, vrios municpios foram tambm fundidos no fi nal do regime do apartheid, a fi m de se conseguir maior eqidade. Os cidados de renda mais alta tendem a se opor a essas fuses, porque uma parte de sua verba ter que ser subseqentemente redistribuda para as reas ocupadas pelos habitantes de menor renda. Muitos polticos desses municpios tambm so contra porque

    poderiam acabar em situao de inelegibilidade, ou simplesmente porque prefi ram ser, como diz o ditado, a cabea de um gato em vez de serem a cauda de um leo.

    As inovaes so sempre difceis de serem implementadas. O status quo mantido com o apoio da maioria, enquanto as idias de mudanas comeam com somente uma minoria por detrs deles. O governo precisa agir em nome da maioria e em nome dos membros mais vulnerveis da sociedade, mas ele tambm precisa agir em nome das futuras geraes. No possvel para os governos oferecer bens individuais para todos os cidados, porm possvel oferecer bens e servios pblicos de qualidade: escolas, bibliotecas, transporte e reas verdes. Alm disso, uma vez que os cidados alcanam um certo nvel de renda, torna-se mais fcil melhorar o bem-estar atravs de bens pblicos do que atravs de bens particulares: uma sala de espetculos, uma rea verde, uma orla.

    A desigualdade permeia tudo nossa volta de forma to penetrante que difcil diferenciar o que inevitvel ou desigualdade tolervel daquilo que poderia ou deveria ser modifi cado. Da perspectiva atual, parece que as mudanas sociais conquistadas pela Revoluo Francesa eram bvias, quase naturais, posto que as injustias corrigidas por ela eram muito fl agrantes. Entretanto, tais injustias no eram consideradas fl agrantes, no eram nem mesmo evidentes antes daquele momento na histria. Da mesma forma, com freqncia no temos conscincia dos muitos casos nossa volta nos quais o bem pblico no prevalece sobre o interesse privado. Investimentos em viadutos que visam minimizar os congestionamentos de trnsito que afl igem os grupos das faixas de renda mais altas parecem normais. A populao pobre da mesma cidade pode carecer de escolas ou de saneamento bsico, algumas vezes at mesmo de gua tratada, enquanto espaos privativos de lazer, ruas sem caladas e vias expressas urbanas so vistas por toda parte. Se fssemos verdadeiramente rigorosos na aplicao da prevalncia do bem pblico, as cidades dos pases em desenvolvimento proibiriam o uso de automveis particulares durante os horrios de pico. Somente uma minoria seria afetada. Os deslocamentos da maioria das pessoas tomariam menos tempo, e haveria menor poluio atmosfrica. Redues na construo e manuteno da malha viria liberariam verbas do oramento pblico para melhor atender s necessidades das maiorias de baixa renda.

    A maior parte das discusses e decises que envolvem polticas pblicas, tais como aquelas relacionadas macroeconomia, tm vida curta. Mesmo os mais transcendentais eventos polticos com freqncia no afetam as vidas das pessoas tanto quanto se pensa. Sob o risco de parecer sacrlego, pode-se dizer, por exemplo, que irrelevante para o modo de vida das pessoas de hoje em dia se, na maioria dos pases, as revolues ou guerras por sua independncia tivessem ocorrido 100 anos antes ou depois da data em que na verdade ocorreram. Por outro lado, o modo como as cidades so construdas , em grande medida, determinante para a qualidade de vida de seus cidados durante centenas de anos.

    Transformaes importantes incluem o aclamado sistema de nibus de trfego rpido TransMilenio, com seus corredores exclusivos (esquerda) que traz moradores das reas mais distantes para o centro da cidade (centro), assim como a criao de novas escolas e bibliotecas (direita). Centenas de novos parques e passagens para pedestres foram criadas, fazendo do circuito de ciclovias de Bogot um dos mais extensos do mundo.

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    Enrique Pealosa, prefeito de Bogot (1998-2001), um estrategista urbano que presta consultoria para cidades. Consultor Internacional Snior do Institute for Transportation and Development Policy.

    Um governo que se preocupa com a

    qualidade de vida urbana deve abster-se

    de tentar reduzir os engarrafamentos

    atravs de investimentos em novas e

    maiores vias e concentrar-se na criao

    e na melhoria do transporte de massa e

    infra-estrutura para pedestres e bicicletas.

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  • ASSEGURANDO UM FUTURO URBANO 11

    CONFERNCIA URBAN AGE AMRICA DO SUL, DEZEMBRO 2008

    A conexo entre transporte e excluso social est no cerne do debate sobre polticas pblicas que tratam do futuro das cidades. Porm, embora a reduo no consumo de energia e nas emisses de carbono atravs de uma malha de transporte mais sustentvel esteja sendo compreendida e implementada em diferentes regies urbanas do mundo, as conexes entre forma urbana, infra-estrutura de transportes e bem-estar social requerem uma anlise mais profunda. Compreender a mobilidade nas cidades apia-se marcadamente em modelos deterministas de engenharia. Esses modelos tendem a se basear em uma viso bastante rgida, sincronica e esttica das cidades, em que se assumem padres de movimentao iguais para todos os consumidores. Ao invs disso, a mobilidade urbana pode ser abordada como uma cincia malevel, que permite que escalas mltiplas e horrios do dia sejam compreendidos atravs de um conjunto de ferramentas de modelagem simples que so na realidade mapas de acesso baseados em horrios que no requerem tcnicas caras e no consumem muito tempo.

    A experincia de uma cidade moderna muda de acordo com o horrio do dia e do modo de transporte empregado para se ter acesso s provises urbanas primrias da cidade empregos, lojas, lazer, e outros usos sociais e comunitrios essenciais. O tempo, em oposio distncia, talvez seja uma varivel mais apropriada para se avaliar a funcionalidade urbana. Em primeiro lugar, precisamos chegar a um consenso em relao a um tempo de viagem mdio que seja aceitvel para a maioria dos trabalhadores que vm de longe para o trabalho (commuters). Pesquisas sugerem que 45 minutos para cada trajeto, ou um total de uma hora e meia por dia, seria um intervalo de tempo razovel para a maioria das pessoas terem acesso a uma gama de funes urbanas primrias a partir de seu ponto de partida. Embora a escolha de qualquer nmero possa ser contestada e considerada controversa, o nmero nos d um ponto de referncia com o qual comparar e avaliar o tempo gasto por moradores das cidades em seus deslocamentos dirios.

    Para melhor compreender a relao entre a forma urbana e os padres de mobilidade, foram acompanhados os tempos de trajeto para diferentes meios de transporte (transportes coletivos ou carros particulares) em doze megalpoles globais incluindo So Paulo, Los Angeles, Londres e Tquio a fi m de se identifi car o tempo necessrio para chegar ao trabalho, sair noite, ir s compras, assistir a um evento esportivo ou ir para a faculdade. Os achados mostraram resultados espantosamente diferentes para diferentes meios de transporte e para diferentes horrios do dia e atividades realizadas.

    Os diagramas abaixo indicam os mapas de acesso cidade do lazer, ilustrando viagens realizadas em horrio noturno, comeando em um ponto de partida selecionado at um ponto central em cada cidade, onde estejam localizados os teatros, cinemas ou outros locais de lazer. Os mapas de cima mostram a distncia que uma pessoa pode percorrer em 45 minutos (em verde) ou em 90 minutos (em amarelo) quando se deslocando de carro, ao passo que os mapas de baixo indicam a distncia que se pode percorrer usando o transporte pblico.

    O que realmente salta aos olhos a fora de cidades como Londres e Tquio, que mantm extensas malhas de transporte integradas e plenamente operacionais mesmo alm do horrio tradicional de expediente. Nessas cidades, os mapas de acesso basicamente cobrem a mesma rea tanto para motoristas como para usurios do transporte pblico. Uma grande porcentagem da populao consegue chegar aos distritos de lazer da cidade em at 45 minutos, seja utilizando o prprio carro ou utilizando uma combinao de nibus, trem e metr. Bogot mostra um padro integrado semelhante aps a implementao do sistema de corredores de nibus TransMilenio, que transporta 25% de todos os commuters diariamente e que proporcionou uma reduo no tempo das viagens em 30%, nas emisses de carbono em 40% e nos acidentes de trnsito em 90%. No extremo oposto temos as cidades de Los Angeles e So Paulo, onde uma rea muito menor acessvel por transporte coletivo, comparado

    ao acesso utilizando o carro. Em Los Angeles, o nmero de pessoas que vivem a menos de 45 minutos de carro de Rodeo Drive 27 vezes maior do que o nmero de pessoas que podem chegar l em 45 minutos utilizando o transporte pblico (2,7 milhes contra 100 mil pessoas).

    As concluses a que se pode chegar com esses estudos confi rmam que um sistema de transporte pblico com base em nibus e trens, que se estenda por uma ampla rea urbana, fundamental para a oferta de acesso ao trabalho, ao lazer, s compras e a quaisquer outras funes primrias da cidade para a maioria de seus cidados. Em Los Angeles, por exemplo, menos de 20% da populao da regio metropolitana usam o transporte pblico para ir trabalhar um caso claro de excluso social ao passo que em Tquio ainda a maior regio metropolitana do mundo, com 35 milhes de habitantes 78% da populao utiliza a rede de transporte pblico para se locomover diariamente. Muitas das reas mais carentes de Joanesburgo no dispem sequer de um servio de transporte pblico limitado, e em conseqncia, o acesso ao trabalho torna-se extremamente difcil para aqueles que dele mais necessitam um padro evidente em muitas cidades sul-americanas, onde longos deslocamentos para o trabalho podem superar trs horas por dia.

    Em ltima instncia, os resultados sugerem que as malhas de transporte pblico existentes deveriam ser utilizadas mais intensamente, levando-se em considerao as necessidades dos diferentes grupos de usurios em diferentes momentos do dia. Por exemplo, enquanto Londres tem uma malha extensa e bem estabelecida de nibus, trem e metr, sua efi cincia perde com o fato de que seu sistema de trens e metr fecha meia-noite, forando muitos a usarem os prprios carros para ter acesso ao entretenimento noturno. Entretanto, embora esses estudos apontem para a necessidade de os legisladores levarem em conta o planejamento do transporte baseado em horrios do dia, as regies metropolitanas em crescimento, como o caso de So Paulo, Buenos Aires, Lima e Rio de Janeiro, precisam investir em um coquetel integrado de medidas, que incluam melhorias na conectividade do transporte regional, implementao de um sistema de nibus expressos (Bus Rapid Transit BRT), corredores reservados para o transporte coletivo, ciclovias, e ainda a introduo de polticas de gerenciamento de trfego, tais como o rodzio de veculos por placa e pedgios urbanos. Somente com uma abordagem holstica dos transportes, os legisladores urbanos podero comear a oferecer solues sustentveis a seus cidados.

    Fabio Casiroli professor visitante da DPA Milan Polytechnic. fundador e presidente da Systematica, empresa de consultoria sobre planejamento e transporte urbanos, e autor de Khrnopolis, Accessible City, Feasiblecity.

    O DNA DA MOBILIDADE NAS CIDADESEm uma nova metodologia de modelagem urbana, Fabio Casiroli identifi ca como desenvolver opes sustentveis de transporte para sistemas urbanos complexos.

    SO PAULO LONDON

    Trafalgar Square Rodeo Drive Praa de S

    Praa de S Rodeo Drive Trafalgar Square

    TOKYOLOS ANGELES

    PERCURSO POR CARRO

    PERCURSO POR TRANSPORTE PBLICO

    Imperial Palace

    Imperial Palace

    29404020 section portugues.indd 1129404020 section portugues.indd 11 11/28/08 9:28:22 PM11/28/08 9:28:22 PM

  • 12 CIDADES SUL-AMERICANAS

    As cidades so freqentemente acusadas de contribuir desproporcionalmente para as mudanas climticas globais. Por exemplo, muitas fontes, incluindo as agncias das Naes Unidas e a Iniciativa Clinton sobre o Clima, declararam que as cidades respondem por 75 a 80 por cento de todos os gases do efeito estufa decorrentes das atividades humanas. Entretanto, o nmero verdadeiro parece ser aproximadamente 40 por cento. Das 60 por cento das emisses geradas fora das cidades, grande parte vem das atividades de agricultura e desmatamento, com muito do resto vindo da indstria pesada, usinas de gerao de energia movidas a combustveis fsseis e de pessoas ricas, com alto nvel de consumo, que moram em reas rurais ou em centros urbanos pequenos demais para serem classifi cados como cidades.

    De fato, muitas cidades combinam boa qualidade de vida com nveis relativamente baixos de emisso de gases do efeito estufa por pessoa. No existe um confl ito inerente entre um mundo cada vez mais urbanizado e a reduo das emisses de gases do efeito estufa. Chamar as cidades de focos do problema freqentemente signifi ca que est sendo dada excessiva ateno mitigao das alteraes climticas (reduo das emisses de gases de efeito estufa), especialmente em pases de baixa renda, e no est sendo dada ateno sufi ciente adaptao (minimizar os impactos nocivos das mudanas climticas). Com certeza, as atividades de planejamento, gesto e governana das cidades deveriam desempenhar um papel central na reduo das emisses de gases do efeito estufa no mundo todo, o que tambm representaria um papel central na proteo das populaes contra enchentes, tempestades, ondas de calor e outros impactos que seriam causados pelas mudanas climticas sobre as cidades - conseqncias que tm recebido pouqussima ateno.

    A principal fonte das emisses de gases do efeito estufa nas