citação para o projeto derrida

3
Citação para o projeto derrida É o que se vê, por exemplo, em Gramatologia, onde, talvez, possa-se encontrar o melhor exemplo de desconstrução do conceito de linguagem. É importante ressaltar, contudo, que não é o livro Gramatologia que desconstrói, pela aplicação de um suposto método desconstrutivo, o conceito de linguagem. O livro apenas responde à desconstrução da linguagem que já vem ocorrendo no mundo e tenta pensar o que resulta de novo para a experiência contemporânea em uma tal ocorrência. Esta, aliás, é uma marca reivindicada em todo texto de Derrida: a desconstrução é sempre uma ocorrência no mundo, e o chamado pensamento desconstrutivo será sempre uma tentativa de resposta do pensamento a tal ocorrência. No caso do conceito de linguagem, a sua desconstrução se faz coetânea à crescente proliferação iniciada já nas primeiras décadas do séc. 20 – a cibernética, informática, teorias lingüísticas, filosofias da linguagem, entre tantas outras formas do uso do termo “linguagem” que vão configurando as experiências determinantes da nossa contemporaneidade – Derrida percebe, nessa proliferação, que o conceito de linguagem escrita, até então considerada um mero apêndice, algo exterior à unidade essencial entre a voz, a “palavra falada” e o sentido, começa a se emancipar da sua posição secundária para se projetar para além do próprio conceito de linguagem. A escritura, diz Derrida na abertura de Gramatologia, começa a ultrapassar a extensão da linguagem. Ela não é mais, de acordo com a estrutura do conceito de linguagem, um signo secundário, decaído, mero “significante do significante”, posto que apenas o signo gráfico de um signo oral, este, sim, mais importante, já que diretamente relacionado ao sentido. O que Derrida percebe, com a crescente proliferação de linguagens, é que o lugar secundário da escritura se projeta como o próprio movimento ou jogo da linguagem: toda palavra é sempre “secundária” já que ela nunca pode alcançar, possuir, se unir à coisa à qual ela se refere, pois não há nada “em si” que ela pudesse alcançar; as coisas do mundo, e até o próprio mundo, não existem fora ou anteriormente ao movimento da escritura. Assim, sob a rubrica da escritura, não só a linguagem passa a ser pensada de um outro modo, mas também as coisas em geral. E aqui talvez possamos compreender melhor a relação entre a escritura e as coisas e em que medida se reivindica, com a escritura e para além do conceito de linguagem, uma incondicional responsabilidade em relação às coisas. É que se a estrutura do suplemento é que é originária, e o suplemento não se enraíza em solo ou fundamento algum; em outras palavras, como a estrutura referencial dos discursos não parte de algum ponto central ou inaugural – sempre houve estrutura referencial, até mesmo em referência a um hipotético ponto central ou inaugural –, isso quer dizer que nada, no universo de todas as coisas que nos chegam graças à linguagem, incluindo nós mesmos diante de nós mesmos, nada se mostra “enquanto tal”, malgrado a pretensão da linguagem; isto é, em sua presença nua e crua, anterior, autônoma, auto-idêntica, enfim, em sua verdade, naquilo que ela é etc. Poderíamos dizer que o “enquanto tal” de algo outra coisa não é senão o correlato de uma das intermináveis

Upload: guilherme-rodrigues

Post on 21-Dec-2015

1 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

de ccccc cxxxx xxxxxxx xxxxx xxxxxxx

TRANSCRIPT

Page 1: Citação Para o Projeto Derrida

Citação para o projeto derridaÉ o que se vê, por exemplo, em Gramatologia, onde, talvez, possa-se encontrar o melhor exemplo de desconstrução do conceito de linguagem. É importante ressaltar, contudo, que não é o livro Gramatologia que desconstrói, pela aplicação de um suposto método desconstrutivo, o conceito de linguagem. O livro apenas responde à desconstrução da linguagem que já vem ocorrendo no mundo e tenta pensar o que resulta de novo para a experiência contemporânea em uma tal ocorrência. Esta, aliás, é uma marca reivindicada em todo texto de Derrida: a desconstrução é sempre uma ocorrência no mundo, e o chamado pensamento desconstrutivo será sempre uma tentativa de resposta do pensamento a tal ocorrência. No caso do conceito de linguagem, a sua desconstrução se faz coetânea à crescente proliferação iniciada já nas primeiras décadas do séc. 20 – a cibernética, informática, teorias lingüísticas, filosofias da linguagem, entre tantas outras formas do uso do termo “linguagem” que vão configurando as experiências determinantes da nossa contemporaneidade – Derrida percebe, nessa proliferação, que o conceito de linguagem escrita, até então considerada um mero apêndice, algo exterior à unidade essencial entre a voz, a “palavra falada” e o sentido, começa a se emancipar da sua posição secundária para se projetar para além do próprio conceito de linguagem. A escritura, diz Derrida na abertura de Gramatologia, começa a ultrapassar a extensão da linguagem. Ela não é mais, de acordo com a estrutura do conceito de linguagem, um signo secundário, decaído, mero “significante do significante”, posto que apenas o signo gráfico de um signo oral, este, sim, mais importante, já que diretamente relacionado ao sentido. O que Derrida percebe, com a crescente proliferação de linguagens, é que o lugar secundário da escritura se projeta como o próprio movimento ou jogo da linguagem: toda palavra é sempre “secundária” já que ela nunca pode alcançar, possuir, se unir à coisa à qual ela se refere, pois não há nada “em si” que ela pudesse alcançar; as coisas do mundo, e até o próprio mundo, não existem fora ou anteriormente ao movimento da escritura.Assim, sob a rubrica da escritura, não só a linguagem passa a ser pensada de um outro modo, mas também as coisas em geral. E aqui talvez possamos compreender melhor a relação entre a escritura e as coisas e em que medida se reivindica, com a escritura e para além do conceito de linguagem, uma incondicional responsabilidade em relação às coisas. É que se a estrutura do suplemento é que é originária, e o suplemento não se enraíza em solo ou fundamento algum; em outras palavras, como a estrutura referencial dos discursos não parte de algum ponto central ou inaugural – sempre houve estrutura referencial, até mesmo em referência a um hipotético ponto central ou inaugural –, isso quer dizer que nada, no universo de todas as coisas que nos chegam graças à linguagem, incluindo nós mesmos diante de nós mesmos, nada se mostra “enquanto tal”, malgrado a pretensão da linguagem; isto é, em sua presença nua e crua, anterior, autônoma, auto-idêntica, enfim, em sua verdade, naquilo que ela é etc. Poderíamos dizer que o “enquanto tal” de algo outra coisa não é senão o correlato de uma das intermináveis denegações da linguagem. A chamada responsabilidade incondicional, que é uma exigência infinita de se responder com o pensamento ao que a língua promete, mas não pode cumprir, ou seja, o revelar das coisas, essa responsabilidade se insere nessa dissimetria da linguagem – agora entendida como escritura – no âmbito de sua máxima tensão. É que sempre que alguma coisa (um objeto, uma cultura, uma obra, uma pessoa etc.), em sua singularidade, deixa-se representar no enquanto tal de sua verdade, o infinitamente irredutível de sua própria singularidade sofre, nesse momento, uma redução à lógica do discurso que, ao mesmo tempo, revela-lhe e toma posse de sua verdade enquanto tal, universalizando, tornando transmissível, familiar, previsível, o que é único. É assim que toda revelação já é também uma traição à coisa revelada. Não se trata de um acidente de percurso, algo que se possa evitar ou consertar, mas da dissimetria estrutural da própria linguagem à qual ela se volta e se revolta, nisso, constituindo a sua irredutível afirmatividade e incondicional abertura ao devir. Lugar originário da promessa, não da promessa não cumprida, mas da promessa anterior à toda promessa, abertura a toda promessa, apesar de tudo, a escritura tudo atravessa e a ela se entrega, talvez, por amor e tremor, o pensador desconstrutor.(http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/desconstrucao-e-incondicional-responsabilidade/).

Page 2: Citação Para o Projeto Derrida

Mas isso não quer dizer que a desconstrução seja uma mera repetição ou uma simples versão francesa do projeto heideggeriano. Atravessada por muitas outras influências, notadamente o pensamento de Nietzsche, a psicanálise, uma certa literatura, a lingüística e o pensamento do outro em Levinas, a leitura derridiana de Heidegger assume um estilo inteiramente diverso e envereda por caminhos muito distintos daqueles percorridos pelo filósofo alemão. Apesar de uma certa identificação com a suspeita heideggeriana de que a evidência do sentido guarda em si o impensado de sua proveniência, essa última foi pensada por Derrida de uma forma muito diferente. É que, para Derrida, o conceito jamais poderá ser restituído ou mesmo orientar-se em direção à sua origem, ao seu momento inaugural, ao seu solo, ambiência ou contexto próprio. Poder contar, de uma forma ou de outra, com a presença dessas coisas – solo, ambiente, contexto originário etc. – e, assim, com a possibilidade de uma devida retomada das mesmas, vale dizer, e para dizê-lo numa só palavra, poder contar com apresença e a retomada da origem é manter-se no pressuposto por excelência de toda metafísica. E Heidegger, nesse sentido, estaria ainda preso a um tal pressuposto, apesar de sua potente crítica da metafísica.Em contraste, ao invés de encarnar a idéia de uma desmontagem com o intuito de liberar aquilo que, tendo sua origem ocultada, esquecida, acha-se impedido de ir ao encontro do que lhe é próprio, o alvo da desconstrução derridiana é a idéia mesma ou a ilusão de uma presença, de “algo” – a idéia, o espírito, a razão, a história etc. – que pode e deve ser retomado para a realização do que é ou deveria ser. Daí o uso derridiano da expressão “desconstrução da metafísica da presença”, que não constitui malquerença alguma em relação às coisas, muito menos algum tipo de pregação em favor do nada. Ao contrário, é por uma responsabilidade incondicional em relação às coisas que a desconstrução não abre mão de pensar o que quer que seja sem denegar o que ela acolhe e toma como um princípio; ou seja, toda “origem” nunca é “original”, pois ela é desde sempre suplementada por uma palavra, um termo, um conceito, enfim, por todo um discurso. Exemplo: o que é a “consciência” independentemente dos inúmeros discursos – psicanalíticos, filosóficos, científicos, jurídico-políticos – sobre a consciência? Ou seja, a consciência, longe de ser uma coisa primeira, separada, anterior a toda e qualquer palavra que a ela venha se adicionar posteriormente, como um suplemento, encontra-se, ao contrário, já e desde sempre intencionada em algum tipo de discurso que a ela se refere. Desse modo, a desconstrução parte sempre do princípio de que essa estrutura do suplemento é que é original ou originária, e não a presença nua e crua de alguma coisa, anterior à sua suplementação pelo conceito. Suplemento, aqui, não significa qualquer operação de referência que, num segundo momento, venha a se adicionar ou repetir, na sua ausência, o que já existia antes. Para darmos um outro exemplo, dessa vez apoiados em uma ilustração bem humorada do próprio Derrida1: ninguém nunca viu um “eu” andando por aí e, não obstante, sem que ninguém o tenha visto antes, o tempo todo há referências ao “eu” através das inúmeras formas de discurso. Isso quer dizer, em outras palavras, que a repetição, a estrutura referencial do suplemento, nunca foi um momento segundo, mas, desde sempre, primeiro.É assim que a expressão derridiana “desconstrução da metafísica da presença” não se restringe às pretensões da filosofia, mas, antes, à pretensão da linguagem em geral. Pode-se dizer que a expressão diz respeito a uma relação, sempre tensa, com a pretensão da linguagem de presentificar o que nela se encontra referido, ou seja, de se supor ela mesma, a linguagem, isenta de qualquer seleção e interpretação.