clÁssicos do terror como proposta de letramento...
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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS
HUMANAS, SOCIAIS E DA NATUREZA – PPGEN
ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL
CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE
LETRAMENTO LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE
AULA
DISSERTAÇÃO
LONDRINA
2015
ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL
CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE
LETRAMENTO LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE
AULA
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Humanas, do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Área de concentração: Fundamentos e Metodologias para o Ensino de Ciências Humanas. Orientador: Prof. Dr. Maurício Cesar Menon
LONDRINA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
CLÁSSICOS DO TERROR COMO PROPOSTA DE LETRAMENTO
LITERÁRIO: MACHADO E STEVENSON EM SALA DE AULA
por
ANIELI DE FÁTIMA MIGUEL
Esta Dissertação foi apresentada em 26 de junho de 2015 às 9 h como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências
Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas,
Sociais e da Natureza – PPGEN – da Universidade Tecnológica Federal do Paraná –
UTFPR – Campus Londrina. A candidata foi arguida pela Banca Examinadora
composta pelos professores abaixo assinados. Após deliberação, a Banca
Examinadora considerou o trabalho _________________.
______________________________
Dr. Maurício Cesar Menon (UTFPR)
Orientador
______________________________
Dr. Givan José Ferreira dos Santos
(UTFPR)
2º Titular
______________________________
Dr. Thiago Alves Valente
(UENP)
1º Titular
______________________________
Dra. Alessandra Dutra Coordenadora do Curso
UTFPR - Campus Londrina
*A Folha de Aprovação assinada encontra-se na Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza.
Ministério da Educação Universidade Tecnológica Federal do
Paraná Campus Londrina
Diretoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências Humanas, Sociais e da Natureza - PPGEN
A Deus, força maior, por me conceder sabedoria e me fortalecer nos momentos
de dificuldade.
À minha extraordinária mãe, que pelas noites em claro compartilhadas, pelo
apoio e incentivo incondicionais e pelos tantos ensinamentos, me inspirou a
sempre buscar novos desafios, questionar e superar meus próprios limites e
obter com isso, novas conquistas.
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas foram fundamentais para a concretização deste trabalho e
não há palavras que possam expressar a proporção de minha gratidão. Agradeço
primeiramente a Deus por ser minha fortaleza e me revigorar nos momentos de
cansaço e desânimo.
A minha família, por acreditar em mim e por me apoiar desde o ingresso na
graduação, a conclusão da especialização e a tão comemorada aprovação no
mestrado. A minha vó, pela companhia e pelos conselhos. A minha mãe, meu
alicerce, apoio incessante, por estar ao meu lado em todas as etapas, segurando
minha mão nos sorrisos e nas lágrimas. Obrigada pela dedicação, pelo amor, por ser
meu porto seguro e por ter despertado em mim o amor pelos estudos.
Agradeço imensamente ao Dr. Maurício Cesar Menon, meu sábio e
exemplar orientador, que além de guiar e acompanhar meus passos nessa trajetória,
com seu profissionalismo e competência, me inspirou a buscar o meu melhor,
demonstrando a importância de um bom professor para o êxito e motivação de seus
alunos. Obrigada pela atenção, responsabilidade, dedicação e por sempre estar
disposto a me atender, solucionar dúvidas e direcionar meus caminhos.
A coordenação e vice-coordenação do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza e a UTFPR - Londrina, por
oportunizarem a realização desse curso. Aos docentes do Programa, pelas aulas
ministradas com dedicação e empenho, as quais possibilitaram que eu aprendesse,
além dos conhecimentos e saberes inerentes às disciplinas, a humanidade que torna
a docência uma profissão desafiante, mas gratificante e motivadora. Obrigada pelos
tantos ensinamentos. Eles foram indispensáveis para minha formação e serão
essenciais para minha atuação profissional.
Aos professores da banca de qualificação e defesa, pela atenção, sugestões
e pelas fundamentais contribuições para o desenvolvimento de minha pesquisa.
Aos meus colegas de mestrado – turma de 2013, que percorreram comigo
essa trajetória acadêmica, vivenciando os mesmos desafios, partilhando ideias,
angústias, dúvidas, tornando com isso, a caminhada mais leve, doce, divertida e
proveitosa. Aos meus amigos Deived, Denise e Débora, pelos momentos vividos,
pela parceria, cumplicidade e pela convivência especial nesses dois anos de estudo.
Sendo o objeto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a
compreende se tornará não um especialista em análise literária, mas um
conhecedor do ser humano. Que melhor introdução à compreensão das
paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos
grandes escritores que se dedicaram a essa tarefa há milênios?
(TODOROV, Tzvetan, 2009, p.92-93).
RESUMO
MIGUEL, Anieli de Fátima. Clássicos do terror como proposta de letramento literário: Machado e Stevenson em sala de aula. 2015. 132 p. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Londrina, 2015.
Segundo os documentos oficiais que norteiam as práticas pedagógicas na rede básica, o ensino da literatura deve ser significativo e potencializar o uso da leitura e da escrita, tornando a experiência literária, um aprendizado que possibilita a reflexão, a crítica e o crescimento intelectual, que resultam da experiência estética. Frente a este pressuposto, o presente trabalho objetiva ressaltar a importância da leitura de obras clássicas, destacando sua imprescindibilidade enquanto patrimônio cultural que deve integrar o repertório dos aprendizes; destacar a imortalidade das obras de Machado de Assis e Stevenson, bem como defender a importância de privilegiar a abordagem sincrônica do texto literário e não apenas a dimensão cronológica, a qual limita o texto a uma visão meramente historiográfica. Portanto, foi elaborada uma proposta didática para o segundo ano do Ensino Médio, a qual tem como textos-base o conto machadiano “A causa secreta” (1886) e o romance O médico e o monstro (1886), de Robert Louis Stevenson, clássicos do terror. Como embasamento teórico foram utilizados os conceitos de Rildo Cosson, o qual discute o ensino de literatura, a importância da seleção de textos e propõe duas sequências: a básica e a expandida; Italo Calvino, que defende a imortalidade das obras clássicas; Antonio Candido, que salienta o papel humanizador da literatura como direito inalienável e incompressível, como também, Leyla Perrone-Moisés, para a qual, o cânone constitui um bem inigualável, que deve ser oportunizado aos educandos, independente da classe social ou dos desafios que possam surgir. Como metodologia, foi desenvolvida uma pesquisa-ação, de caráter qualitativo e bibliográfico. Por fim, as ações desenvolvidas mostram que o ensino de literatura deve abranger as obras clássicas e que a sequência expandida representa uma fecunda possibilidade para tornar o cânone uma realidade prática e não apenas uma recomendação que não se efetiva, de fato, nas aulas de Português.
Palavras-chave: Letramento literário. Clássicos. Ensino.
ABSTRACT
MIGUEL, Anieli de Fátima. Classic horror books as a proposal of literary literacy: Machado and Stevenson in the classroom. 2015. 132 p. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Humanas, Sociais e da Natureza, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Londrina, 2015.
According to the official documents that guide the pedagogical practices in the basic school system, the teaching of literature must be meaningful and enhance the use of reading and writing, making the literary experience a learning which enables reflection, critical and intellectual growth, that result from aesthetic experience. Given this assumption, the present study aims to highlight the importance of reading classical opus, showing its indispensability as a cultural heritage that must integrate the repertoire of learners; emphasize the immortality of Machado de Assis’s and Stevenson’s works, defending the importance to previlege the synchronic approach of the literary text and not only the chronological dimension, which limits the text to a merely historiographical vision. Therefore, a didactic proposal has been prepared for the second year of high school, which is based on Machado's tale The Secret Cause (1886) and the novel Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde (1886) by Robert Louis Stevenson, classics horror. As theoretical base the concepts of Rildo Cosson were used, which discuss the teaching of literature, the importance of selecting texts and his proposed sequences: the basic and the expanded; Italo Calvino, who defends the immortality of classical works; Antonio Candido, who emphasizes the humanizing role of literature as inalienable and incompressible rights, as well as Leyla Perrone-Moisés, for her, the canon is unparalleled well, what should be offered to students, regardless of social class or challenges that could arise in the reading route. As methodology, an action research of qualitative and bibliographical nature was developed. Finally, the taken actions show that the teaching of literature should cover the classics, and that the expanded sequence represents an opportunity to make the canon a practical reality and not just a recommendation that is not effective, in fact, in the Portuguese lessons.
Keywords: Literary literacy. Classics. Education.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9 2 MACHADO DE ASSIS E ROBERT LOUIS STEVENSON: SOB A ESFERA DE UM VASTO E INESTIMÁVEL LEGADO LITERÁRIO................................................................................................................12 2.1 MACHADO DE ASSIS: UM ESCRITOR ALÉM DE SEU TEMPO.......................12 2.1.1 Machado contista..............................................................................................16 2.1.2 Machado cronista..............................................................................................21 2.1.3 Machado poeta e teatrólogo..............................................................................22 2.1.4 Machado crítico literário....................................................................................22 2.1.5 Machado romancista.........................................................................................24 2.2 ROBERT LOUIS STEVENSON: HISTÓRIAS DE AVENTURA E MISTÉRIO NO CONTEXTO DA ERA VITORIANA................................................................................................................32 2.3 CLÁSSICOS: UM PATRIMÔNIO PERENE..........................................................39 3 LITERATURA E ENSINO.......................................................................................46 4 LETRAMENTO LITERÁRIO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO DOS CLÁSSICOS.................................................................................64 5 SEQUÊNCIA EXPANDIDA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE CLÁSSICOS DO TERROR....................................................................................................................74 6 RELATO DE APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA.................................108 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................122 REFERÊNCIAS........................................................................................................125 APÊNDICES.............................................................................................................131
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1 INTRODUÇÃO
Nas instituições de ensino, a literatura sofre, inevitavelmente, o processo de
escolarização, frente a isso, torna-se necessário que o docente estabeleça critérios
para a escolha de obras, dentre as quais o clássico deve ter espaço garantido, tendo
em vista sua imprescindibilidade para a formação cultural e humana dos educandos.
O letramento literário tem como meta tornar significativo o ensino de
literatura, mostrando aos alunos a obra através de seus diferentes contextos, desde
a época histórica de sua produção, até as teorias que dialogam com ela, a crítica, os
elementos estruturais e estéticos, a relação com o presente e com outras artes que
também representam a temática.
A sequência expandida proposta por Rildo Cosson amplia a percepção do
aluno acerca do texto, oferecendo-lhe uma gama de possibilidades para que ele
compreenda, interprete e realize uma leitura aprofundada, perpassando a biografia
do autor, os contextos nos quais ela está inserida, possibilitando o compartilhamento
de experiências, a socialização de impressões e a construção conjunta de sentidos.
Frente a isso, o clássico pode adquirir um novo significado nos bancos escolares,
deixando de ser considerado algo inatingível, para fazer parte da rotina e do
repertório dos estudantes de forma instigante, coerente e ampla.
O presente trabalho tem como objetivo discutir a importância de um ensino
de literatura que privilegie a leitura de textos clássicos, bem como abordar a
proposta de letramento literário como uma alternativa capaz de potencializar as
práticas pedagógicas no âmbito da literatura.
Nesse contexto, tendo como referência a sequência expandida sugerida pelo
teórico Rildo Cosson (2011), será apresentada uma proposta de trabalho com base
em dois textos clássicos que tematizam o terror e o mistério da dualidade da alma
humana: “A causa secreta” (1886), de Machado de Assis e O médico e o monstro
(1886), de Robert Louis Stevenson.
Considerando que o ensino de literatura, em muitos casos, se limita ao
ensino da historiografia e da apresentação de obras e autores de forma cronológica,
buscou-se discutir em que medida o letramento literário aplicado à sequência
expandida pode tornar a leitura de obras clássicas significativas para o aluno,
possibilitando que sejam explorados os seus vários contextos, interligando-as ao
presente e viabilizando a relação com outras representações da arte.
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Além das contribuições de Rildo Cosson sobre o letramento literário, a
proposta de abordagem sincrônica e a sugestão das sequências básica e expandida
para potencializar e tornar significativo o ensino da literatura, como embasamento
teórico foram utilizados os conceitos de Italo Calvino, autor de grande
representatividade no campo de discussão sobre o valor inestimável dos clássicos,
as ponderações de Antonio Candido, crítico literário brasileiro, que considera a
literatura um direito inalienável e um bem incompressível, que deve ser oferecido a
todos. Nesse sentido, para a fundamentação do trabalho também foram empregados
os conceitos de Leyla Perrone-Moisés, que defende a imortalidade dos clássicos e a
importância de privilegiá-los, considerando o legado cultural que representam.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa-ação de
caráter qualitativo, que consiste na pesquisa de livros, artigos e materiais relevantes
sobre o tema, os quais serão empregados para sustentar as ideias apresentadas no
trabalho. A pesquisa-ação objetiva uma transformação social, nesse caso, a
melhoria do ensino de literatura a fim de que o professor possa colocar em prática
uma metodologia que redimensione o estudo das obras, expandindo as abordagens
para viabilizar uma compreensão totalizante do texto.
A primeira seção consiste na introdução, que traz as informações a respeito
da estruturação e da forma como o trabalho está organizado. Na segunda seção
serão apresentadas informações sobre a vida e a obra de Machado de Assis e
Robert Louis Stevenson, enfatizando a importância desses autores e de suas
produções que se tornaram consagradas no tempo.
A terceira seção discute a importância dos clássicos, de sua permanência
no tempo, como também dos fatores que justificam a imortalidade desses textos na
história da humanidade. A quarta seção abordará a literatura na escola, os desafios
para o ensino, as práticas pedagógicas, as abordagens sincrônica e diacrônica, as
práticas tradicionais, os critérios para a seleção de textos, assim como as
características da sequência básica e expandida propostas por Rildo Cosson.
A quarta seção consiste na sequência expandida proposta para o segundo
ano do Ensino Médio, a qual tem como textos-base o conto “A causa secreta” (1886)
de Machado de Assis e o romance O médico e o monstro (1886), de Robert Louis
Stevenson. Na quinta seção será apresentado o relato da experiência de estágio, os
objetivos, materiais, justificativa e algumas das atividades desenvolvidas nas aulas.
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Por fim, serão apresentadas as considerações finais e as principais
conclusões.
Desenvolver um trabalho dessa natureza significa refletir sobre o papel da
literatura na escola, em seu potencial transformador e humanizador enquanto
elemento fundamental que pertence ao currículo e que é basilar para a formação
dos discentes. Nessa perspectiva, privilegiar a leitura de textos clássicos é
assegurar ao educando seu direito de gozar das inúmeras vantagens que o acesso
a obras imortais pode oferecer, desde o crescimento pessoal e intelectual, até o
aprimoramento das habilidades linguísticas e leitoras, a capacidade crítica, a
reflexão e a inserção na vasta dimensão de conhecimentos que compõem as obras
literárias. A sequência expandida formulada nesse trabalho trata-se de uma proposta
didática, ou seja, de um conjunto de possibilidades e sugestões de
encaminhamentos e atividades, que não se esgotam no que foi elaborado.
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2 MACHADO DE ASSIS E ROBERT LOUIS STEVENSON: SOB A ESFERA DE
UM VASTO E INESTIMÁVEL LEGADO LITERÁRIO
Neste capítulo serão apresentadas algumas informações acerca da vida, da
obra e da relevância das produções de dois escritores de grande representatividade
no campo da literatura: Joaquim Maria Machado de Assis e Robert Louis Stevenson.
2.1 MACHADO DE ASSIS: UM ESCRITOR ALÉM DE SEU TEMPO
1
Considerado nacionalmente um dos maiores escritores do século XIX,
Machado de Assis é um ícone da literatura. Sua criatividade, inventividade e olhar
crítico para a sociedade, aliados à apurada linguagem formal, o consagraram como
um escritor além de seu tempo e o perpetuaram na história da arte literária. A
grandiosidade da obra machadiana e sua importância para o legado cultural da
humanidade justificam a inserção e a importância da leitura de suas obras no
currículo escolar, como é possível verificar na tirinha acima.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839 no Morro
do Livramento – Rio de Janeiro. Primeiro filho do casal Francisco José de Assis,
pintor, e de Maria Leopoldina Machado de Assis, lavadeira. Francisco era mulato e
1 (Fonte: AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis: vida obra, curiosidades e bruxarias
literárias. Rio de Janeiro: Record: 2008, p.5).
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seus pais eram escravos que conseguiram a liberdade, já Maria Leopoldina era
branca, natural da Ilha de São Miguel, no arquipélago do Açores, que pertence a
Portugal. Ambos sabiam ler e escrever; dessa forma, pode ter sido a mãe de
Machado quem o alfabetizou ou então um padre da igreja Lampadosa, na Rua da
Constituição, próximo ao Morro do Livramento.
A infância de Machado foi marcada por várias perdas, em 1845, a irmã do
escritor morre aos quatro anos com varíola; quatro anos depois, em 18 de janeiro de
1849, sua mãe morre tuberculosa. Dez anos depois, seu pai casa-se novamente
com Maria Inês da Silva. Com a morte de Francisco em 1854, a criação de Machado
fica delegada a sua madrasta.
Castelo (2008, p. 6) destaca que Machado “circulou pela Gamboa, pela
Saúde, pela Praia Formosa, não foi muito além do Campo de Santana. Cresceu em
um Rio de Janeiro antigo, sujo e insalubre, uma cidade de 300 mil habitantes dos
quais quase a metade era de escravos”. Em meio a um ambiente hostil, em que a
expectativa média de vida era de trinta e quatro anos, a realidade e o contexto
histórico da época não indicavam grandes possibilidades para o futuro do pobre,
gago, mulato e epilético menino do Morro do Livramento.
Machado praticamente não teve educação formal, toda sua instrução foi
resultado das inúmeras leituras que buscava, necessidade essa que era suprida
com dificuldade, emprestando livros de colegas ricos. Um dos mistérios que rondam
a adolescência do escritor é como ele havia aprendido o Francês, que aos vinte
anos já dominava. Ainda menino, se tornou amigo de Madame Gallot, proprietária de
uma padaria na Rua São Luiz Gonzaga, com a qual falava em francês. Além disso,
com essa mesma idade ele já trabalhava como revisor de textos em importantes
periódicos.
Foi um menino de rua comum, feio, encabulado, desengonçado, que gostava de brincar com balões e de jogar sozinho. Era um menino frágil, os primeiros sinais da epilepsia, que o atormentou ao longo de sua vida, apareceram bem cedo. Ainda assim, a madrasta o empregou como caixeiro em uma papelaria. Depois de passar o dia no balcão da loja, ele era obrigado a estudar à noite, à luz de vela. Tentou, depois, trabalhar como vendedor, mas, gago e tímido, não teve sucesso. Tudo em Machado apontava para dentro, e não para fora (CASTELO, 2008, p. 6- 8).
Com uma clara tendência à introspecção, Machado foi um autodidata. Ainda
que sem frequentar instituições educacionais e sem ter recursos para comprar livros,
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é considerado um dos maiores gênios da literatura brasileira, o que desperta a
curiosidade de muitos, pois além de conhecer amplamente a Língua Portuguesa,
também dominava o francês e o inglês, fato que possibilitou a leitura de autores
britânicos e de grandes filósofos, como Arthur Schopenhauer (1788 – 1860), por
exemplo. A instrução de Machado, seu potencial de leitor e seu intelecto foram
pontos-chaves para a inserção do autor no meio social dos intelectuais da época, no
qual frequentavam grandes escritores e figuras públicas de grande notoriedade.
Com 17 anos, após a publicação de seu primeiro poema, Machado se torna
aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, dirigida por Manuel Antônio de Almeida,
contudo, em 1858, abandona o emprego para ser poeta, passando a integrar o
grupo literário A Marmota, fundada por Paula Brito.
Em 1860, colaborava com o Diário do Rio de Janeiro, dirigido por Quintino
Bacaiúva. Nesse jornal, até 1867 publicou crônicas sobre política, arte, literatura e o
cotidiano. Entre 1860 e 1865 colaborou com a Semana Ilustrada, assinando seus
artigos com pseudônimos como Dr. Semana. Também publicou contos no Jornal das
Famílias, sob o pseudônimo de Max, Job, Vítor de Paula e Lara. Um tempo depois,
torna-se colaborador no Diário do Rio, publicando vários textos literários.
Além de contista, cronista, romancista, poeta, teatrólogo e crítico literário,
Machado exerceu outras funções, ocupando também cargos públicos, o que lhe
rendeu certa estabilidade financeira. Foi tipógrafo, revisor, censor teatral, ajudante
do diretor de publicação do Diário Oficial, oficial de gabinete do Ministério da
Agricultura, diretor da Diretoria de Comércio da Secretaria de Estado dos Negócios
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, diretor geral da Viação e diretor geral de
Contabilidade do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas.
Candido (1970, p. 15) destaca algumas características da biografia
machadiana: “tipógrafo, repórter, funcionário modesto, finalmente alto funcionário, a
sua carreira foi plácida. A cor parece nunca ter sido motivo de desprestígio, e talvez
só tenha servido de contratempo num momento brevemente superado, quando
casou com uma senhora portuguesa”.
Ainda com a contrariedade da família da senhora portuguesa, em 12 de
novembro de 1869, o escritor se casa com Carolina Augusta Xavier de Novais, vinda
da cidade do Porto, em Portugal. Não tiveram filhos. O casamento de quase
quarenta anos termina com a morte dela no dia 20 de outubro de 1904, em função
de um tumor no intestino. A falta de Carolina causou grande abalo no escritor, o
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sofrimento pela perda da esposa é expresso no soneto “A Carolina”, redigido pelo
autor em 1906.
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
(ASSIS, Machado de. Relíquias da casa velha, 2006).
No dia 29 de setembro de 1908, aos 69 anos, Machado falece de um câncer
na boca, às 3h 45. Na casa encontravam-se Rodrigo Octavio, Raimundo Correia,
Mario de Alencar, José Veríssimo, Graça Aranha, Euclides da Cunha e Coelho Neto.
Segundo José Veríssimo, a última frase de Machado foi: - A vida é boa!
O cortejo que passou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro contou com a
presença de várias personalidades, dentre elas, Rui Barbosa, que discursou no
enterro.
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Os dados biográficos do autor são válidos para se conhecer os traços da
trajetória do menino que, sem condições para desfrutar de uma educação em
instituições de ensino formais, além de se tornar um ávido leitor e profundo
conhecedor da língua portuguesa, do inglês e do francês, consolida-se na tradição
da literatura brasileira, deixando um vasto legado cultural, imortalizado pela maestria
e inventividade com que produziu suas obras. Em 1897, funda a Academia Brasileira
de Letras, ocupando a cadeira de presidente até sua morte.
Sob o rapaz alegre e mais tarde o burguês comedido que procurava ajustar-se às manifestações exteriores, que passou convencionalmente pela vida, respeitando para ser respeitado, funcionava um escritor poderoso e atormentado, que recobria os seus livros com a cutícula do respeito humano e das boas maneiras para poder, debaixo dela, desmascarar, investigar, experimentar, descobrir o mundo da alma, rir da sociedade, expor algumas das componentes mais esquisitas da personalidade. Na razão inversa da sua prosa elegante e discreta, do seu tom humorístico e ao mesmo tempo acadêmico, avultam para o leitor atento as mais desmedidas surpresas (CANDIDO, 1970, p. 18).
Com a habilidade de desferir as maiores e mais tenazes críticas à sociedade
por meio da ironia e do escárnio, as obras machadianas revelam um escritor que
representou o sentimento íntimo ultrapassando o tempo e espaço, redimensionando,
assim, a produção literária da época. Machado deixou um legado inestimável,
perpetuou-se na história da literatura e se tornou referência nacional e internacional,
sendo integrado ao rol dos grandes escritores da literatura mundial, devido a
genialidade do que foi capaz de produzir.
Dessa forma, melhor que compreender a importância do autor no cenário
literário e cultural, é mergulhar na experiência que a leitura de suas obras pode
proporcionar, como afirma Candido (1970, p. 32): “o melhor que eu posso fazer é
aconselhar a cada um que esqueça o que eu disse, compendiando os críticos, e
abra diretamente os livros de Machado de Assis”.
2.1.1 MACHADO CONTISTA
A produção literária de Machado englobou diferentes gêneros, dentre os
quais o conto é um dos que se destacam. De acordo com o autor, “é gênero difícil, a
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despeito da sua aparente facilidade, e creio que essa aparência lhe faz mal,
afastando deles escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de
que ele é muitas vezes credor” (ASSIS, 2006, p. 806).
A maioria dos contos era publicada em revistas e jornais, no entanto nem
toda a produção deste gênero chegou ao conhecimento do público. Não se tem
precisão quanto ao número, mas o longo de sua vida estima-se que Machado de
Assis produziu cerca de duzentos contos, nem todos publicados em vida. O escritor
começou a publicar antes dos vinte anos, só cessando em 1907, um ano antes sua
morte.
No total, foram publicados sete livros de contos, respectivamente, Contos
fluminenses (1870), Histórias da meia-noite (1873), Papéis avulsos (1882), Histórias
sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899) e Relíquias da
casa velha (1906).
Segundo Aguiar (2008, p. 88), “Machado elegia o conto como domínio
privilegiado para contemplar temas ousados e para pôr em ação personagens que
ganhavam ali uma dimensão inusitada”. Os contos produzidos pelo autor exploram a
dimensão humana e social de uma forma desmistificadora e pessimista, seja através
da crueldade, da ironia, do questionamento da própria existência, ou do riso, que
esconde sérias verdades.
Um dos contos mais conhecidos e que exploram o tema da identidade é “O
espelho”. Nele, um moço humilde ganha o posto de Alferes da Guarda Nacional e
após isso vai passar uma temporada na casa de sua tia, que o exalta perante os
escravos, enaltecendo sua posição social e exigindo que eles o chamem de Senhor
Alferes. Na ausência dela, os escravos fogem e ele fica solitário na fazenda, o que o
faz olhar ao espelho e enxergar sua imagem dissolvida, ou seja, sua existência se
condicionava e dependia da exaltação das outras pessoas. A farda representa no
conto, a sociedade e o valor que ela dá ao posto de Alferes, uma vez que quando
ele a veste, sua imagem torna-se nítida novamente. Dessa forma,
A farda do Alferes era também a alma do Alferes, uma das duas que todo homem possui, segundo o narrador, porque manifesta o “ser através dos outros”, sem o qual nada somos. É claro que a força do conto não vem desta conclusão banal, aliás, enunciada expressamente pelo autor, conforme é seu hábito em tais casos. Vem da utilização admirável da farda simbólica e do espelho monumental no deserto da fazenda abandonada,
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construindo uma espécie de alegoria moderna das divisões da personalidade e da relatividade do ser (CANDIDO, 1970, p. 24).
Nesse conto, verifica-se que o autor propõe a existência de duas almas,
enfatizando a necessidade do homem em ser reconhecido, aceito e exaltado
socialmente, logo, sem o olhar do outro, a figura humana perde a identidade e não
se reconhece. Na história, a divisão da personalidade é representada pela metáfora
da farda, objeto que simboliza seu prestígio social, e do espelho, objeto que revela a
inconsistência de seu ser.
Outros títulos machadianos também abordaram as alegorias, os significados
implícitos e o tom moralizante, como é o caso de “Um apólogo”, “A igreja do diabo” e
“Adão e Eva”. Outras histórias que resgatam a vida social e a relação cruel entre os
indivíduos é “A cartomante”, “Conto de escola”, “O caso da vara”, “A causa secreta”.
Esse último é considerado por muitos, como um dos melhores contos do autor.
O enredo gira em torno de Fortunato, médico, homem bem estabelecido
socialmente, capitalista, conhecido pelas boas ações que pratica. Do outro lado há
Garcia, médico recém-formado que aceita o convite de Fortunato para abrir uma
Casa de Saúde e começa a observar o comportamento do mesmo, fato que lhe
chama a atenção. O ápice da história consiste no momento em que Garcia flagra
Fortunato torturando vagarosamente um rato, que mutila parte a parte, prolongando
sua dor e o sofrimento, pois não o mata de uma vez.
A causa secreta desse homem é o prazer que ele sente pelo sofrimento
alheio, fato que explica o porquê da feição de Fortunato transfigurar-se de plena
satisfação quando assistia no teatro, cenas regadas à violência, ou mesmo nas
cruéis e gratuitas bengaladas nos cachorros pelas ruas, a atenção especial em fazer
o curativo no corte de Gouvêa, a preferência pelos cáusticos e pela anatomia e
fisiologia animal.
Contudo, a satisfação com a dor alheia suplanta qualquer valor moral, pois
quando percebe que Garcia nutria por sua mulher um amor platônico, impedido de
concretizar-se pelas normas de conduta, isso não lhe causa ciúme, mas prazer, um
vasto prazer. Além disso, os minuciosos cuidados com a mulher em seu estado mais
crítico da tuberculose, igualmente evidenciam o prazer com que Fortunato bebeu
com extremo deleite as aflições da esposa.
19
Candido (1970, p. 28) faz a seguinte afirmação sobre o tema presente nesse
conto.
Pessoalmente, o que mais me atrai nos seus livros é um outro tema: a transformação do homem em objeto do homem, que é uma das maldições ligadas à falta de liberdade verdadeira, econômica e espiritual. Este tema é um dos demônios familiares da sua obra, desde as formas atenuadas do simples egoísmo até os extremos do sadismo.
O sadismo de Fortunato não é algo tênue, mas profundo, uma vez que não
apenas os animais se transformam em objetos de sua manipulação, mas os
homens: Maria Luísa, esposa condicionada às barbáries e imposições do marido;
Garcia, médico recém-formado, que mesmo conhecendo o lado monstruoso de
Fortunato, mantém a proximidade e permanece com a parceria na Casa de Saúde.
Dessa forma, Machado constrói e destaca o lado perverso das relações sociais, o
interesse mascarado, a subordinação e o indivíduo manipulado e usado como
instrumento pelo outro, tornando-se assim, agredido na mesma medida em que o
rato.
Não é difícil ver que, além de tudo o que vem no plano ostensivo, este sádico transformou virtualmente a mulher e o amigo num par amoroso inibido pelo escrúpulo, e com isso sofrendo constantemente; e que ambos se tornam o instrumento supremo do seu prazer monstruoso, da sua atitude de manipulação de que o rato é símbolo. O homem transformado em instrumento do homem, cai praticamente no nível do animal violentado. Neste nível é que encontramos Machado de Assis mais terrível e mais lúcido, estendendo para a organização das relações a sua mirada desmistificadora (CANDIDO, 1970, p. 31).
O tema da ambição pelo absoluto e da impossibilidade humana também
figurará nos contos machadianos, como é o caso de “Cantiga de esponsais”, “Trio
em lá menor” e “Um homem célebre”, que retrata a história de Pestana, um
reconhecido e famoso compositor de polcas, que ambiciona produzir peças eruditas,
mas que não obtém êxito. Em cada tentativa de compor uma sonata ou uma missa,
mesmo quando pressente uma inspiração divina, produz novamente uma polca, com
isso, “neste conto terrível sob a leveza aparente do humor, a impotência espiritual do
homem clama como no fundo de um ergástulo” (CANDIDO, 1970 p. 27).
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Outro que merece destaque é o conto “Pai contra mãe”, que explora o
processo de coisificação do homem, promovendo uma reflexão sobre o
comportamento humano e os horrores da escravidão. Cândido Neves, caçador de
escravos fugidos, por não ter condições financeiras, com muito pesar decide
entregar seu filho recém-nascido à Roda dos Enjeitados, lugar em que eram
entregues as crianças indesejadas, mas no caminho encontra Arminda, uma escrava
pela qual pagariam uma boa recompensa. Arminda apela para que ele não a
entregue, pois está grávida e teme pelos maus tratos, contudo, Cândido a entrega e
ela sofre um aborto por resistir e tentar livrar-se. Ao sair de lá, ele busca seu filho e
vai para casa. Com isso, para poupar uma criança, uma outra é sacrificada. Ao final
do conto, Cândido afirma que nem todas as crianças vingam, revelando que o
homem cria argumentos para mascarar e justificar suas atitudes mais vis e cruéis.
Perfis femininos também são retratados de modo singular nos contos de
Machado, esboçando a moral intocável da mulher do século XIX, com o toque
irônico e mordaz do autor. Nesse contexto, os mais conhecidos são “Uma senhora”,
“D. Benedita” e “Capítulo dos chapéus”. Sob o mesmo tom pungente, “Uns braços”,
“Missa do galo” e “Noite de almirante” expressam as ações disfarçadas, os
interesses escondidos e as vontades suprimidas pela moral, as quais resultam no
bloqueio do ato ou na dissimulação.
Ainda sobre o tema dos limites e do questionamento da totalidade da
ciência, destaca-se “O alienista” e também “Verba testamentária” e “Conto
alexandrino”, que representam o comportamento humano que foge à explicação de
qualquer teoria científica ou filosófica.
Nos contos de Machado é possível perceber “uma linguagem que não se
fecha no leitor, que provoca e adula o seu paladar; algumas histórias divertidas,
outras dramáticas, outras surpreendentes. Outras, ainda, exigindo leitura atenta, ou
mesmo mais de uma leitura” (AGUIAR, 2008, p. 86).
Os contos de Machado trazem uma reflexão sobre a sociedade da época, os
valores morais, os mistérios da alma humana e dos abismos da existência, portanto,
“de acordo com os olhos que o leem, Machado de Assis contista é um pouco de
documentarista da época, crítico de costumes, investigador de mistérios do espírito
e da existência” (AGUIAR, 2008, p. 85).
21
2.1.2 MACHADO CRONISTA
No âmbito da crônica, não há certeza sobre a quantidade que tenha
produzido, e assim como o conto, começou a redigi-las com vinte anos, escrevia-as
com intervalos e publicava-as em periódicos. A maioria das crônicas não possuía
título, apenas a data de publicação. A última crônica foi publicada em 11 de
novembro de 1900.
Sobre os temas abordados, “Machado parte do cotidiano para reflexões
amplas sobre o mundo, a espécie humana, ou outros assuntos de interesse
permanente, e outras, ainda, em que cria curiosas histórias” (AGUIAR, 2008, p. 82).
Nas suas crônicas vemos, mais do que em qualquer outro gênero, que ele praticou essa busca de comunicação com o público – essa tentativa de cortejar, atrair, de conquistar leitores. Curiosamente, nisso ele foi um inovador. A crônica brasileira, que hoje tanto nos diverte nas páginas dos jornais e revistas, teve em Machado de Assis um momento decisivo. A crônica no Brasil, em dada altura do século XIX, começou a se tornar literária. E Machado de Assis consolidou essa tendência – esta foi apenas mais uma das tantas subversões criativas que ele produziu em nossa literatura; Machado simplesmente cooptou, ou capturou, ou foi buscar a crônica para o domínio da Literatura (AGUIAR, 2008, p. 79-81).
Dentre as crônicas destacam-se “19.05.1888”, que de forma sarcástica traz
um questionamento sobre a liberdade dos escravos e seu futuro; “16.10.1892”, que
retrata a história de um cronista que embarca em um bonde puxado a burros e se
depara com um movido a eletricidade, a conversa entre os animais dos bondes e
todo o enredo suscita uma crítica e uma reflexão sobre a modernidade e o
progresso; “31.3.1895 – Conto-do-vigário” expressa com ironia, a esperteza dos
golpistas, fazendo uma referência ao país como a terra do conto-do-vigário; “31.05.
1896” consiste na história de internos que escapam de um hospício, confundindo-se
com as pessoas que circulavam pela rua, causando confusão no cronista; “31.05.
1896” revela a história de internos que escapam de um hospício, confundindo-se
com as pessoas que circulavam pela rua, causando confusão no cronista.
Por fim, uma das mais conhecidas é “16.6.1895 – O autor de si mesmo”,
crônica baseada em um crime macabro ocorrido em Porto Alegre, no qual os pais
matam o filho de dois anos, abandonando-o em uma estrebaria por três dias, o qual
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além da fome e da sede, padeceu com as chagas bicadas por galinhas. O caso cruel
causa repúdio no leitor, principalmente pelo autor retratá-lo de forma irônica. Um
trecho da crônica expressa a indignação do filho com o ato dos pais: - Que mal lhes
fiz eu antes, se não era nascido? Que banquete é este em que o convidado é que é
comido?"2
2.1.3 MACHADO POETA E TEATRÓLOGO
No domínio da poesia, foram publicados cinco livros: Crisálidas (1864),
Falenas (1870), Americanas (1875), Ocidentais (1901) e Poesias completas (1901).
No que tange ao teatro, Machado escreveu noves peças: Hoje avental
amanhã luva (1860), Desencantos (1861), O caminho da porta (1863), O protocolo
(1863), Quase ministro (1863), Os deuses de casaca (1866), Tu, só tu, puro amor
(1880), Lição de botânica (1906) e Não consultes médico (1906).
O autor escrevia peças teatrais desde os vinte e um anos, a maioria delas,
comédias. Também foi membro do Conservatório Nacional Brasileiro. Contudo, nem
todas as peças foram encenadas.
2.1.4 MACHADO CRÍTICO LITERÁRIO
Na esfera da crítica, destacam-se primeiramente o ensaio “Instinto de
nacionalidade” (1873). Nele, o autor, que era recriminado por alguns pelo fato de
não valorizar os elementos nacionais em suas obras, escreve esse ensaio propondo
uma reflexão sobre a forma como a literatura do Romantismo se apropriava do
indígena como ícone nacional, buscando na cor local uma independência da cultura
estrangeira, visando com isso, à construção de uma identidade nacional, liberta de
qualquer influência externa. Contraditoriamente, o índio representado no
2Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/machado8.htm
23
Romantismo brasileiro era caracterizado como herói inspirado nas clássicas
epopeias europeias.
Nesse sentido, o que Machado questiona é o perigo de se utilizar essa
tendência como um paradigma para a literatura, o que poderia empobrecê-la. Além
disso, antes de tomar como princípio norteador o repúdio a qualquer influência
externa, seria importante buscar um sentimento íntimo, um instinto de nacionalidade
que ultrapassasse o tempo e o local, sem deixar de representar a nação. De acordo
com ele
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas que não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e do seu país ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço (ASSIS, 1959, p. 33).
Percebe-se, portanto, que o autor reconhecia a necessidade de alimentar a
literatura com elementos da nação, mas tornar essa ideia um padrão absoluto,
poderia torná-la pobre. O escritor deveria ter como princípio a expressão de um
sentimento singular, individual, que sem abandonar a dimensão local, pudesse
abordar assuntos de diferentes tempos e diferentes espaços.
Além desse renomado ensaio, Machado, em 1878 escreve uma crítica à
obra O primo Basílio, de Eça de Queirós. Nesse comentário, que indica contradições
no comportamento da personagem Luísa, como também critica o realismo excessivo
e apelativo em certas cenas, colocando em discussão a estética da obra.
Contudo, o que o autor diz não é um julgamento negativo direcionado à
pessoa do escritor português ou a sua obra, mas “ao Realismo, ao qual Machado
achava que faltava sutileza e capacidade de construir tramas e cenas pela
insinuação e ambiguidade – e isso para ele era um crime de lesa-literatura”
(AGUIAR, 2008, p. 115).
Para Machado, a obra pecava na medida em que escancarava as cenas
cruamente para o leitor, não deixando nada subentendido, sugerido, insinuado ou
que permitisse uma interpretação ambígua, o que, em seu ponto de vista, na área da
literatura, constituía uma falha irreparável.
24
2.1.5 MACHADO ROMANCISTA
Se no conto, gênero no qual ele se destacou, já era possível identificar um
Machado de Assis ácido quanto as problemáticas sociais e um olhar desmistificado
para o homem, no romance reside o ápice do autor e o auge de sua produção. No
total, Machado publicou nove romances, respectivamente: Ressurreição (1872), A
mão e a luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878), Memórias Póstumas de Brás
Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e
Memorial de Aires (1908).
O primeiro romance, Ressurreição caracteriza o ingresso do autor no
Romantismo, uma vez que apresenta características dessa escola, inspiração que o
acompanhará até 1880. No entanto, nem só de características românticas é
constituído o enredo da história, como o amor, o sofrimento, as inúmeras
coincidências, a rejeição e a dor. Ressurreição, como o próprio escritor anuncia na
Advertência do livro, será um romance que retratará o confronto entre duas
personalidades diferentes, fato que insere o romance em uma dimensão psicológica.
Os romances A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia, que seguirão
parcialmente a estética do Romantismo, caracterizando, desta forma, o primeiro
momento da prosa machadiana. Os quatro primeiros romances não exprimem a
genialidade do autor, uma vez que é com a publicação dos próximos cinco que ele
se estabilizará como grande gênio da literatura, mostrando todo seu potencial
inovador, crítico e observador, dessa forma, “a questão, talvez não seja então a
fragilidade dos romances da Primeira Fase de Machado, mas a exuberância da
Segunda...” (AGUIAR, 2008, p. 98).
O romance que consagra o escritor é Memórias Póstumas de Brás Cubas,
publicado em 1881, constituindo uma quebra nos paradigmas literários até então
vigentes, com isso,
O livro crucial no tocante à apreensão em profundidade da experiência brasileira é Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance que assinala o início da obra madura de Machado. O aparecimento do romance parecia finalmente tirar a literatura brasileira do limbo, pois com ele Machado alcançava uma qualidade ímpar em condições aparentemente desfavoráveis, tendo como apoio apenas uma tradição romanesca local em progresso de constituição (OTSUKA, 2008, p. 48).
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A história errante e frustrada de Brás Cubas, um defunto autor, que ao
morrer torna-se um narrador isento de qualquer repreensão ou julgamento, podendo
sem nenhuma preocupação, criticar os vivos, escancara as relações por interesse, a
hipocrisia da sociedade, o adultério e outros assuntos que retratados de forma
irônica, desconstroem as convenções e provocam uma profunda reflexão sobre a
alma humana.
O humorismo ácido (a pena da galhofa e a tinta da melancolia), o amplo domínio da cultura e da história universais (da Bíblia a Voltaire, de Lucrécia Bórgia a Napoleão), as altas paragens metafísicas das reflexões sobre o mundo e sobre a alma humana, a agudeza nas observações psicológicas, o experimentalismo com as convenções literárias (a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre), a fantasia criadora (de que é o exemplo o famoso capítulo do delírio, sem falar, é claro, o requinte e a elegância clássica do estilo) (OTSUKA, 2008, p. 48-49).
Repleta de sarcasmo, de referências históricas e de reflexões sobre a
existência humana, as memórias narradas em primeira pessoa desestabilizam o
padrão de obras românticas até então publicadas pelo autor.
Memórias Póstumas de Brás Cubas consolida a carreira literária de
Machado de Assis, colocando-o em um patamar de gênio, que não só compreendeu
seu tempo, mas retratou-o de modo criativo, crítico e sarcástico, com a pena da
galhofa. A técnica do autor consistia em insinuar os fatos mais estarrecedores de
modo ingênuo, subvertendo a lógica social, sua normalidade e seus valores, “ou em
estabelecer um contraste entre a normalidade social dos fatos e a sua anormalidade
essencial; ou em sugerir, sob a aparência do contrário, que o ato excepcional é
normal, e anormal seria o ato corriqueiro. Aí está o motivo da sua modernidade”
(CANDIDO, 1970, p. 23).
O estilo, a linguagem, os recursos utilizados, muitos deles que
posteriormente farão parte de escolas literárias vindouras, como o Modernismo,
tornam Memórias Póstumas de Brás Cubas um retrato realista da sociedade, que
ora pelo deboche, ora pela fantasia, desmascara ironicamente as mazelas do
homem, a devassidão de espírito e a corrosão dos valores sociais. Percebe-se,
portanto, que essa obra é inventiva, seja pela elaboração e fragmentação dos
26
capítulos ou pela dimensão literária que atinge por romper os padrões e propor algo
extremamente novo na época.
Se a Primeira Fase é presa em um certo realismo cotidiano, em Memórias Póstumas de Brás Cubas esse defunto, que se ergue da tumba para contar sua história, já nos capítulos iniciais descreve seu delírio final, em que sobre às costas de um hipopótamo e dispara a atravessar as diferentes épocas. E por aí prossegue uma obra em tudo liberada e atrevida(AGUIAR, 2008, p. 100).
Por meio de uma observação apurada, os relatos póstumos do protagonista
exploram cinicamente temas universais, afrontam a moral e os costumes estimados
socialmente, conduzindo o leitor pela sarcástica e fragmentada trajetória de Brás
Cubas, a qual é composta por uma sequência de planos que não chegam a se
concretizar. Com uma vida na qual sempre exerceu o livre arbítrio, seja no
tratamento com os escravos, no gasto com prostitutas, no diploma obtido sem
dedicação, nos relacionamentos que mantém de acordo com seu interesse ou na
sua fugaz atuação como político, Brás Cubas encerra sua vida sem nada realizar,
inclusive o emplasto que inventaria, remédio anti-hipocondríaco que seria capaz de
sanar todas as doenças.
Em 1891 é publicado o romance Quincas Borba, uma obra que tematizará o
interesse, a ludibriação e a exploração, aliados ao princípio do Humanitismo, teoria
criada pelo filósofo Quincas Borba. O romance retratará a história de Rubião,
professor que herda de Quincas Borba sua herança sob a condição de cuidar de seu
cão, que era designado pelo mesmo nome do dono. Rubião, deslumbrado pelo
enriquecimento precoce e pelo estilo de vida da Corte, vai ao Rio de Janeiro e
encontra o casal Cristiano e Sofia Palha, que se aproximará dele para extorqui-lo.
Outro fato que facilita a exploração e a manipulação do professor é o amor que
sente por Sofia, a qual o alimenta na medida em que é conveniente para o casal.
Ao fim da narrativa, Rubião enlouquece, deixando Cristiano e Sofia com toda
sua fortuna. Pobre e sem lucidez, volta para Minas e morre junto com o cachorro
pensando que é Napoleão III. De acordo com Hansen (2008, p. 57)
Dos romances que escreveu desde Memórias póstumas de Brás Cubas, a representação de Quincas Borba é provavelmente a mais trágica de todas. Ela faz de Pedro Rubião de Alvarenga o pato a ser depenado e comido na
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alta sociedade carioca, pois Humanitas tem fome. Com as metáforas da loucura do personagem, que reproduzem as metáforas da ideologia da normalidade, o romance demonstra o que vem a ser na prática a teoria do Humanitismo exposta pelo filósofo Quincas Borba em Memórias Póstumas de Brás Cubas.
A decadência que culmina com a loucura e morte de Rubião comprova a
teoria filosófica de Quincas Borba, o Humanitismo, segundo a qual o mais forte e
mais inteligente serão os privilegiados e prevalecerão sobre os mais fracos.
Exatamente como ocorre no enredo, Rubião é explorado financeiramente pelo casal
que utiliza de malícia e esperteza para conseguir ascender socialmente e
financeiramente. A Rubião resta o desprezo de Sofia, a perda de sua herança, a
loucura e a morte, corroborando a teoria do amigo filósofo “ao vencido, o ódio ou a
compaixão; ao vencedor, as batatas” (ASSIS, 2009, p. 18). Portanto, no embate pela
sobrevivência, o mais forte vencerá.
Em um duelo com Memórias Póstumas de Brás Cubas, outra obra do autor
disputa a opinião dos críticos e da sociedade no quesito notoriedade, jogo com as
palavras, construção de labirintos discursivos e valor estético. O romance Dom
Casmurro, publicado em 1899 é um dos mais renomados e apreciados pelo público.
De acordo com Facioli (2008, p. 36) “talvez seja o livro mais estudado de toda a
literatura brasileira”.
Esse romance conta a história não inteiramente comprovada de um adultério. O narrador é o marido que se declara enganado. Velho e já viúvo – pois Capitu morrera na Suíça para onde fora levada por ele -, com saúde e “boa memória”, apelidado por outros, inclusive amigos, de Dom Casmurro, escreve o livro em que relata minuciosamente e longamente o namoro e casamento com Capitu, mais brevemente seu tempo de casado e muito mais brevemente ainda sua condição no momento em que escreve. Por todo o livro espalha um sem-número de suspeitas contra a ex-esposa, não apresenta provas decisivas e afirma que “a verossimilhança (...) é muita vez toda a verdade”. Tomar o verossímil como verdadeiro parece ser a astúcia que preside seu método de composição e escrita (FACIOLI, 2008, p. 39)
Perturbado pela ideia permanente da traição de Capitu, Bentinho destrói seu
casamento e vive atormentado. O extremo da desconfiança resulta no quase
envenenamento do filho Ezequiel, que segundo Bentinho, é filho de Escobar. A
habilidade no raciocínio matemático, os trejeitos e a semelhança física eram provas
que deflagravam o adultério de Capitu.
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Na velhice, Bento Santiago rememora os fatos de sua infância com a
mulher, os seus arrebatadores olhos de ressaca e sua dissimulação natural. A
lembrança do primeiro beijo, dos momentos de angústia e temor pela promessa da
mãe de torná-lo padre, os momentos vividos no seminário e o casamento são fatos
que perpassam a memória do casmurro narrador, retratando-as de forma
melancólica, saudosa e também assertiva em muitos casos.
Esse narrador é um advogado que, na velhice, reconta sua história com o
amargor de um homem traído, fato que torna questionável a forma absoluta com que
ele acusa e condena Capitu, uma vez que a história é narrada em primeira pessoa,
tem-se apenas o ponto de vista do narrador, que na velhice relembra os fatos,
buscando semelhanças, se atendo a detalhes reveladores, sugerindo o adultério nas
ações da esposa e do amigo, como também nos fatos do passado, buscando
retratar para o leitor uma Capitu dissimulada, tendenciosa a mentir, a enganar, uma
moça envolvente, que o manipulava e envolvia.
Mas o fato é que, dentro do universo machadeano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida. E concluímos que nesse romance, como noutras situações da sua obra, o real pode ser o que parece real (CANDIDO, 1970, p. 25).
Independente da veridicidade da traição de Capitu, tema que gera polêmica
pelas tantas pistas e arranjos linguísticos que Machado engendrou nesse romance,
o que vale ressaltar é que a aparência equivale à consumação do fato, pois a vida
de Bentinho se destrói. Capitu e Ezequiel morrem e ele se torna um velho casmurro,
imerso na eterna amargura das lembranças, revivendo o passado e lastimando-se
pela traição da mulher e do melhor amigo.
O quarto romance pertencente à segunda fase de Machado de Assis é Esaú
e Jacó, publicado em 1904 e que tem como narrador o conselheiro Aires,
personagem que figurará em seu último romance.
Produzido sob o pano de fundo histórico da transição do Brasil Império para
o Brasil República, a obra protagonizará a história de divergências e competições
entre Esaú e Jacó, representados pela oposição e pela disputa constante. Pedro é
monarquista conservador e Paulo, republicano, genioso e movido pelos impulsos.
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Flora é objeto de desejo dos dois irmãos, e sem conseguir optar por um deles, visto
que gosta dos dois, definha até a morte.
Esaú e Jacó tematizarão as disputas políticas personificadas no enredo pela
oposição entre os irreconciliáveis irmãos, que se opõem tanto na personalidade e
temperamento, quanto no posicionamento político.
Serei eu alguma coisa mais do que o ato que me exprime? Será a vida mais do que uma cadeia de opções? Num dos seus melhores romances, Esaú e Jacó, ele retoma, já no fim da carreira, este problema que pontilha a sua obra inteira. Retoma-o sob a forma simbólica da rivalidade permanente de dois irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, que representam invariavelmente a alternativa de qualquer ato. Um só faz o contrário do outro, e evidentemente as duas possibilidades são legítimas. Os irmãos agem e optam sem parar, porque são as alternativas opostas; mas ela, que deve identificar-se com uma ou com outra, se sentiria reduzida à metade se o fizesse e só a posse das duas metades a realizaria; isto é impossível, porque seria suprimir a própria lei do ato, que é a opção. Simbolicamente, Flora morre sem escolher (CANDIDO, 1970, p. 26).
Explorando a problemática das escolhas e das consequências do ato, Esaú
e Jacó, representam a rivalidade entre dois irmãos, dois polos opostos, que
disputam o amor de Flora, moça que no decorrer da narrativa não expressa
diretamente sua opinião, tratando os irmãos de forma semelhante. No entanto,
quando é submetida a necessidade de optar por um dos dois, morre sem fazer a
escolha. Com isso, é possível perceber que o romance explora também questões de
caráter existencial, no qual a decisão, as alternativas e o ato constituem dilemas e
geram conflitos, pois toda ação e opção geram uma consequência e eliminam as
outras possibilidades antes existentes.
O último romance de Machado de Assis, Memorial de Aires, foi publicado em
1908, mesmo ano de falecimento do autor. Muitos acreditam que ele tenha caráter
autobiográfico, pois apresenta muitos fatos que se assemelham à vida do escritor.
Produzido em forma de diário, dentre outros temas, a obra retrata a futilidade da elite
da época, como também os relacionamentos amorosos. O personagem principal
passa a maior parte do tempo a observar os fatos e as pessoas com as quais
conviveu e tinha proximidade: sua irmã Rita, o casal Aguiar, o Desembargador
Campo e Fidélia, sua sobrinha viúva, mulher pela qual o conselheiro se apaixona.
Não obstante, o narrador também relembra histórias, cita leituras e rememora fatos.
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É também o conselheiro Aires que narra esta história, sob a forma de diário – o que disfarça, ou dissimula, uma fragmentação narrativa não menos notável do que a de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Um diplomata aposentado, e meio que entediado tanto das pessoas quanto, e principalmente, das lidas sociais, mesmo se querendo imune ao amor, apaixona-se pela jovem viúva Fidélia (AGUIAR, 2008, p. 108).
Com um estilo diferente de suas obras anteriores, as quais eram repletas de
sarcasmo, ironia e profundo pessimismo, o último romance machadiano encerra a
carreira do autor com os relatos nostálgicos e melancólicos de Aires, que percebe o
passar do tempo, a finitude da vida e a velhice como parte da existência humana.
Frente à dimensão literária inovadora das obras machadianas, torna-se difícil
enquadrar Machado de Assis em uma escola literária. Inseri-lo em um período é
como limitar e não considerar o potencial transgressor e inventivo de sua produção,
que ficou marcada na história da arte literária. Em seu percurso como escritor,
Machado foi romântico, realista, naturalista, modernista, dentre outros.
Encaixar um escritor com uma produção tão arrebatadora e ampla com a de
Machado, é o mesmo que não reconhecer a amplitude de suas obras. Portanto, é
importante relativizar a inserção do autor nessa ou naquela escola literária, tendo em
vista que
Machado ora se reveste de uma camuflagem romântica, ora recorre à narrativa realista, invoca o fantástico, o delírio, a loucura, vale-se de experimentações na inusitada linguagem, combina técnica de romance, conto e prosa – e tudo o mais que lhe pareça apropriado para potencializar sua história, para entregá-la com sabor e malícia ao leitor. Chamá-lo de Realista é tentar domesticar sua genialidade. Gênio não tem rótulo, é gênio! Sua genialidade extrapola...Chamá-lo de Realista é não conseguir enxergar a extensão, o prodígio de sua genialidade (AGUIAR, 2008, p.115).
Compreender as obras de Machado de Assis é antes de tudo, apostar em
um mergulho desafiador nas emoções humanas, no lado obscuro dos sentimentos,
no que se mascara pelas aparências, no interesse latente que impulsiona as
relações, no acaso, nas escolhas, nas tragédias, no insondável universo das
possibilidades, dos fatos e das consequências, nas várias faces usadas pelo homem
em sociedade, seja ela cruel ou compassiva, verídica ou dissimulada, arrebatadora
ou tênue.
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A imersão nos textos machadianos é uma forma de conhecer o mundo, a
história, a humanidade e a si mesmo. Viajar pelos labirintos da linguagem
engendrados por um autor do século XIX, é perceber que a magnitude de sua obra
não a tornou estagnada no tempo, mas completamente passível de diálogo com a
atualidade. Ler as obras de Machado de Assis é, portanto, imergir na
atemporalidade de temas perpetuados na história da literatura e no patrimônio
cultural acumulado pela humanidade.
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2.2 ROBERT LOUIS STEVENSON: HISTÓRIAS DE AVENTURA E MISTÉRIO NO
CONTEXTO DA ERA VITORIANA
Robert Louis Balfour Stevenson nasceu no dia 13 de novembro de 1850 na
cidade de Edimburgo, capital da Escócia. Stevenson era filho único do casal Thomas
Stevenson e Margareth Isabella Balfour. Pelo fato de seu pai ser engenheiro civil
financeiramente estabilizado, esperava-se que ele seguisse a mesma carreira, no
entanto, aos 17 anos, ingressa na Universidade de Edimburgo para cursar Direito.
No período em que frequentava o curso, Stevenson já escrevia para o jornal
da faculdade, demonstrando sua tendência para a área das letras e a satisfação
pela escrita. Após concluir o curso de Direito, foi convidado para trabalhar na
Scottish Bar, uma associação escocesa de advogados, contudo o autor nunca
exerceu a profissão. Em 1873 muda-se para Londres, passando a frequentar salões
literários e se envolver mais profundamente com a literatura.
Em 1876, Stevenson conhece a norte-americana Fanny Vandegrift Osbourn,
onze anos mais velha que ele, separada e com dois filhos, com quem se casaria em
1880. Com uma saúde muito delicada, acometido por tuberculose e doenças
respiratórias, a vida do autor foi permeada por muitas viagens, as quais objetivavam
também a mudança para um clima mais favorável ao seu frágil estado de saúde.
Além disso, as viagens o inspiraram para a produção de muitas de suas obras, as
quais começaram a ser publicadas em revistas.
No ano de 1890, Stevenson e a família se estabilizaram em Samoa, conjunto
de ilhas no Sul do Pacífico, local em que faleceria em três de dezembro de 1894.
O escritor produziu não apenas romances, mas poemas, ensaios, contos e
também atuou como historiador. Contudo, é como romancista que ele se destaca,
principalmente com as obras A ilha do tesouro (1883), O estranho caso do Dr. Jekyll
e Mr. Hyde (1886) e Raptado (1886), produções que o consagraram no âmbito
literário.
A ilha do tesouro (1883) constitui-se em uma história de aventura, na qual o
astuto e destemido Jim Hawkins, após a morte de um marinheiro, encontra um baú
com um mapa de um grande e precioso tesouro. O enredo envolve mistério e
coragem, se tornando um clássico infanto-juvenil.
33
O raptado (1886) é uma obra narrada em primeira pessoa em forma de
diário pelo personagem David Balfour, um pobre jovem provinciano, que deixa a
casa dos pais para buscar a herança deixada por eles. Ao encontrar o tio Ebenezer
Balfour na capital da província, descobre que ele é um homem avarento e mal
intencionado. Com isso, Ebenezer arquiteta o rapto do sobrinho no navio Covenant,
local comandado pelo capitão, que trata violentamente os tripulantes, homens que
praticaram crimes ou eram foragidos da lei. O navio tem como destino as Carolinas,
local em que eles seriam vendidos na condição de escravos. Ao final da narrativa,
depois de enfrentar muitos desafios e aventuras, David consegue ganhar sua parte
na herança.
Essas duas obras citadas são essenciais na trajetória literária de Stevenson,
contudo, com a publicação de The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (1886) –
O estranho caso do Dr. Jekyll e de Mister Hyde ou O Médico e o Monstro, Stevenson
ganha ainda mais notoriedade no campo das letras. A obra, diferente das anteriores,
fará um retrato psicológico de dois emblemáticos personagens opostos quanto ao
temperamento, mas que residem na mesma pessoa. O enredo aborda a vida de Dr.
Jekyll, um médico bem conceituado na sociedade, o qual cria um poção feita por
meio da combinação de elementos químicos, que é capaz de dar vasão ao seu lado
mais obscuro, resultando na transformação de Hyde, sua face cruel e despudorada.
A obra foi produzida tendo como pano de fundo o contexto histórico da Era
Vitoriana (1837 – 1901), período em que o crescimento industrial, o desenvolvimento
científico as diferenças econômicas entre a burguesia e o proletariado eram latentes.
Nesse sentido, o clima obscuro das ruas de Londres, o medo, a insegurança, os
becos ofuscados pela neblina, o contraste entre as casas abastadas e as outras
paupérrimas, são elementos que compõem o cenário ideal para os crimes de Hyde.
De qualquer forma, o desenvolvimento da indústria inglesa parece ter começado com os interesses que as classes superiores nutriam pela ciência e pelas novas descobertas de então, em virtude dos quais essas classes se dispunham a arriscar seu dinheiro em invenções mecânicas e novos métodos de produção. Tantas foram as invenções à época, que se poderia creditar aos vitorianos o mérito de terem inventado a própria ideia de “invenção” (NETO, 2009, p. 166-167).
O crescimento da indústria e as invenções científicas foram elementos que
influenciaram a sociedade inglesa da época. O experimento de Dr. Jekyll revela a
34
esperança na ciência e em seu potencial de viabilizar soluções para o homem, no
caso da obra, para que o conflito entre os dois polos da personalidade de Dr. Jekyll
pudesse ser evitado e os dois opostos vivessem de forma independente.
Na obra, o ilustre Dr. Jekyll declara: “nasci em berço de ouro, com a boa
fortuna de ser dotado de excelentes talentos, inclinado naturalmente para o trabalho,
apreciador do respeito à sensatez e à bondade entre meus semelhantes”
(STEVENSON, 2013b, p. 81). Esse trecho da carta do médico evidencia o contexto
em que ele fora criado, ou seja, vindo de uma família de alto poder aquisitivo e
adepto da moral, do recato e da bondade, as circunstâncias indicavam para ele um
futuro brilhante, marcado pelo renome, pela aprovação da sociedade e pelas
benfeitorias. No entanto, por trás das cândidas atitudes do afamado Dr. Jekyll havia
uma personalidade avessa a todos os princípios de bondade, um lado devasso,
sombrio, atroz e assustador, ambos pertencentes ao médico, como ele mesmo
afirma: “embora eu fosse paradoxal, de forma alguma era hipócrita, minhas duas
naturezas eram reais dentro de mim” (STEVENSON, 2013b, p. 82).
Com base no desejo por dissociar essas duas personalidades, deixando-as
livres para atuarem de forma independente, o médico cria uma droga que ao ingeri-
la o transforma em Mr. Hyde, homem de aparência horrenda e causadora de
repúdio. Ao libertar Hyde das correntes morais atadas à Jekyll, o lado perverso e
cruel poderia exercer toda sua maldade, sem que isso pudesse afetar a imagem
honrosa do médico.
Livre das amarras éticas, Mr. Hyde dá vasão a todo seu ódio e brutalidade,
pisoteando cruelmente uma menina, assassinando a bengaladas Carew, dentre
outras atrocidades citadas na obra, as quais proporcionavam intenso prazer, como é
possível identificar no relato do médico “imediatamente o espírito do inferno
despertou em mim e enfureceu-me. Dominado por uma sensação de regozijo,
estraçalhei o corpo indefeso, saboreando o deleite de cada golpe” (STEVENSON,
2013b, p. 95).
Para Jekyll, a separação física de sua outra face, seria a solução para o
conflito que se instalava em conviver com ambas.
Se cada um deles pudesse, dizia mim mesmo, ao menos localizar-se numa identidade diferente, seria possível aliviar a vida de tudo o que era insuportável. O injusto tomaria seu próprio rumo, livre das aspirações e remorsos de seu gênero opressor, e o justo poderia andar com firmeza e segurança em seu caminho ascendente, fazendo as coisas boas nas quais
35
encontra seu prazer e não mais se expondo à desgraça e à penitência pelas mãos desse estranho mal (STEVENSON, 2013b, p. 83).
A droga criada por Henry Jekyll surtiu efeito temporariamente, no entanto, na
medida em que Hyde ganhava espaço nas ações, a transformação não mais ocorria
apenas sob o efeito da droga, mas involuntariamente. Ao não reprimir a
personalidade de Hyde, esta foi se fortalecendo, logo, o médico passou a não mais
ter o controle absoluto das transformações, fato que causou transtorno e
desestabilizou a saúde e a vida social de Jekyll.
Sob o perigo de a qualquer momento Hyde surgir contra sua vontade, o
médico decide por abolir o monstro, reprimindo-o novamente em seu interior.
Sim, dei preferência ao velho e descontente médico, rodeado de amigos e acalentador de honestas esperanças; e dei um resoluto adeus à liberdade, à relativa juventude, ao passo leve, às vibrações irrequietas e aos prazeres secretos de que me aproveitava quando disfarçado de Hyde (STEVENSON, 2013b, p. 93).
Ainda que as ações libertinas de Hyde proporcionassem a realização e a
satisfação dos prazeres mais secretos, a felicidade por dar vasão à irracionalidade, a
sensação de plenitude e de totalidade, Jekyll optou por reprimi-las, uma vez que a
descoberta dessa face cruel ocasionaria a destruição de sua reputação, o asco e
repúdio das pessoas. Em função disso, a personalidade que deveria ser mantida e
preservada era a do médico prestigiado pela sociedade, cercado de amigos e aceito
no meio social.
Por crer em seu poder de eliminar Hyde quando a ele fosse conveniente, Dr.
Jekyll decide por aprisionar para sempre o seu duplo, o desprezível Hyde. No
entanto, na medida em que o médico enfraquecia, o monstro se tornava forte e
atuante, fato que leva Jekyll a tomar incessantemente e em maiores doses a droga,
chegando a consumi-la em dose triplicada, o que em certo ponto, não é mais
suficiente para manter oculta a personalidade de Hyde, que começa a tomar conta e
se sobrepor a ele.
Porém, quando dormia, ou quando o efeito da droga passava, eu passava diretamente (pois as dores da transformação atenuavam-se cada dia) para um mundo de fantasia, repleto de imagens de terror, uma alma fervendo por ódios sem causa, e um corpo que não parecia forte o suficiente para conter
36
as energias enfurecidas da vida. Os poderes de Hyde apareciam ter aumentado a partir da enfermidade de Jekyll. E, certamente, o ódio que agora os separava era de igual medida em ambos os lados (STEVENSON, 2013b, p. 101).
Após verificar que Hyde progressivamente se apoderava de suas vontades,
suplantando o médico respeitado por seus amigos e demais pessoas da cidade, há
um conflito entre as duas personalidades, que lutam pelo predomínio das ações.
Jekyll sentia pavor em cogitar a possibilidade de sofrer as consequências pelos atos
do monstro que nele morava e perante a possibilidade de revelar à sociedade sua
face obscura e cruel, agora tentava aprisionar e extinguir o monstro que fazia parte
de sua natureza.
Ao constatar que não conseguia mais dominar sua transformação em Hyde,
ele lamenta como seria visto pela sociedade, deixando de ser um homem admirado
e respeitado para ser “uma presa dos homens, um fugitivo, um sem lar, um
assassino conhecido, um condenado à forca” (STEVENSON, 2013b, p. 98).
Sob o ar sombrio das ruas mal iluminadas de Londres, Stevenson oferece ao
leitor uma história que vai além da transformação de um médico em um temível
monstro. O autor retrata em seu famoso romance, o duplo, a dualidade do homem, o
bem e o mal inerentes ao indivíduo, discutindo igualmente a questão da essência e
da aparência no seio de uma sociedade moralista e ao mesmo tempo, hipócrita.
Na gélida Londres do final do século XIX, com seu ar contaminado pelos gases industriais e escurecido pela forte neblina, o aumento de epidemias e a expansão do submundo urbano dão margem a uma violência generalizada, criando no cidadão um sentimento de medo, que se alia aos mistérios da cidade e aos caminhos desconhecidos que o progresso científico tomava. Em meio a esse clima de perigo, Robert Louis Stevenson imortalizou esse cenário na história de O médico e o monstro, metaforizando nas figuras dos protagonistas Henry Jekyll e Edward Hyde a luta mítica entre as forças do Bem e do Mal, que movimentam a vida do homem e dão sentido a suas atitudes e posicionamentos (PINHEIRO, 2010, p. 2).
Ao utilizar uma linguagem sem rebuscamento, capaz de tragar e enredar o
leitor para o seio do mistério entre os dois personagens, o clima de terror e as
revelações feitas por meio de cartas, Stevenson retrata em sua obra o duelo trágico
entre o médico infeliz que busca a libertação de seu monstro interior, mas que perde
37
ao final o controle entre as duas identidades. Desse modo, é possível refletir sobre a
inerência do bem e o mal como faces indissociáveis da natureza humana.
A permanência e imortalidade de autores como Machado de Assis e Robert
Louis Stevenson justificam-se porque seus textos terão sempre algo a dizer, a
propor, a fazer refletir, a instigar o leitor e a provocá-lo a decifrar os enigmas,
preencher as lacunas e suscitar interrogações. São obras que mesmo sendo
produzidas em outro século, permanecem atuais e são passíveis de diálogo com o
leitor contemporâneo. Elas cativam pelo desafio, pela tradição embutida, pelos
tantos discursos que traz para si e pela dimensão estética, fatores que as tornaram
consagradas na arte literária e que, portanto, merecem ser exploradas e vivenciadas
por novos leitores, seja na escola ou em outros contextos.
um clássico é uma obra que venceu o fluir do tempo. Que subsistiu. Que, apesar da passagem dos anos, às vezes milênios, continua poderosa, intrigante, comovente. Fala de outra época, de uma outra maneira de ver o mundo, quando o tempo corria diferente; quando o tempo era algo diferente, assim como o Espírito Humano e o próprio mundo, por outro lado, vindo desse reino distante, trouxe para nós dramas, conflitos e dilemas que são a saga de nossa espécie na Terra. Que são universais. Modos (e com resultados) diferentes. Com significados, sintaxe e ritmo que expressam essas diferenças. Que são diferentes. Distanciados (nem por isso distantes) (AGUIAR, 2008, p. 23).
Ainda que a realidade histórica seja outra e que a linguagem, em alguns
casos, intimide pelo requinte formal, o clássico percorre intacto o passar dos anos,
décadas e séculos, pois é dotado de uma força motriz capaz de provocar as mais
diversas sensações humanas, de incitar, emocionar, questionar, comparar e
principalmente fazer refletir. Ler um clássico viabiliza o encontro com a humanidade,
trazendo consigo os diferentes contextos sociais, econômicos, políticos, religiosos,
históricos e culturais. Os clássicos constituem um vasto patrimônio da humanidade.
No caso do ilustre Machado de Assis
Há nele um “sentimento íntimo” da tal coisa de brasileiro, o qual está presente quando escreve sobre o Cosmo, o Planeta, o Ocidente, a História e toda a tradição de herdamos e reciclamos, neste lado de cá do Equador. Machado não é saudosista. Machado não é nacionalista. Nem colonizado. Machado é uma singularidade. Como todo ser brasileiro, nem integrado nem à parte do mundo desenvolvido. Uma singularidade, ainda, como todo
38
ser humano abaixo das estrelas, seja o Cruzeiro do Sul ou qualquer constelação dos céus boreais (AGUIAR, 2008, p. 22).
O clássico, portanto, não deve ser compreendido como um texto estagnado
no tempo, mas como uma produção que sempre terá algo a dizer, independente da
época, visto que o ato de leitura é, antes de tudo, uma relação dialógica entre o texto
e o leitor, em um processo mútuo de ampliação e renovação.
39
2.3 CLÁSSICOS: UM PATRIMÔNIO PERENE
A sociedade contemporânea valoriza o instantâneo, o efêmero e o atual. A
modernização e os impactos dos crescentes avanços na área da tecnologia
contribuíram para a configuração de um homem hipermoderno, individualista, nutrido
pelo consumo desenfreado e pelo anseio do que é considerado inédito e novo.
Sendo assim, essas transformações resultaram em um novo conjunto de valores
pautados na dinamização, na rapidez, na artificialidade e na superficialidade.
Alinhado a essa lógica, é possível afirmar que um dos elementos que conduz e
impulsiona o homem do século XXI é a noção de brevidade ou de instantâneo.
Vivemos para nós mesmos, sem nos preocuparmos com as nossas tradições e com a nossa posteridade, abandonando o sentido histórico – vivendo o presente, nada mais do que o presente, não mais em função do passado e do futuro. Ocorre um hiperinvestimento na esfera privada. O Eu, preocupação central de atenção e de interpretação, é um elemento constitutivo da personalidade deste indivíduo hipermoderno, tornando possível viver sem ideais, sem finalidades transcendentais (GONÇALVES, 2012, p. 330).
Com base nessa afirmação, percebe-se que no universo da
contemporaneidade as ações que exigem do homem tempo para refletir,
compreender e depreender sentidos estão em constante desprestígio e derrocada,
como a leitura, por exemplo, que consiste em uma atividade que requer atenção e
concentração para que se abstraiam significações, o que pressupõe um trabalho
intenso do intelecto. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil é realizada pelo
instituto Pró-Livro, com o apoio da ABRELIVROS, CBL- Câmara Brasileira do Livro -
e SNEL- Sindicato dos Editores de Livros. Ela é de abrangência nacional e tem
caráter quantitativo. Já foram realizadas três edições, em 2001, em 2008 e em 2011.
O objetivo é identificar os hábitos de leitura e obter informações para orientar a
criação de políticas públicas
De acordo com o site do Instituto Pró-Livro:
A pesquisa é única, em âmbito nacional, que tem por objetivo avaliar o comportamento leitor do brasileiro. É a contribuição do mercado editorial para, a partir de um amplo diagnóstico, estimular novas reflexões e decisões em torno de possíveis novas intervenções para melhorar os atuais
40
indicadores sobre o comportamento leitor da população. Seus resultados ajudarão o próprio IPL bem como outras instituições públicas e do mercado editorial a orientar suas ações. O estudo tornou-se uma referência quando se trata do comportamento leitor no país, desde seu lançamento em 2001. Seus resultados foram amplamente divulgados e orientaram estudos; projetos e a implantação de políticas públicas do livro e leitura no país (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015).
Os dados dessa pesquisa mostram que somente 24% dos brasileiros
cultivam o hábito da leitura, ao passo que 85% costumam ver TV, passar o tempo
com os amigos e buscar diversão on-line. Frente a isso, o acesso às redes sociais,
aos jogos interativos e a outras formas de entretenimento se sobrepõem ao hábito
de ler. Essa constatação demonstra que “o desafeto progressivo pela leitura é um
fenômeno internacionalmente reconhecido. Leitura exige tempo, atenção,
concentração, luxos ou esforços que não condizem com a vida cotidiana atual”
(PERRONE-MOISÉS, 1998, p.178).
A leitura no âmbito escolar pode ser concebida como uma atividade que
requer não apenas a decodificação do signo linguístico, mas a assimilação dos
sentidos, que exige a disposição de tempo, o exercício da reflexão e da atenção
para a abstração e a construção dos significados do texto. Dessa forma, em um
contexto social que privilegia a efemeridade e a rapidez, a leitura constitui-se como
uma ação que está em constante desvalorização, comparando-a a televisão ou ao
entretenimento na internet, por exemplo. Frente a isso, percebe-se que a abstração
e o esforço intelectual estão em descompasso com o ritmo frenético, fugaz e
superficial do homem hipermoderno.
O cenário evidenciado revela a apreciação do que é facilmente consumível e
o desprezo pelo que requer trabalho intelectual, exigindo tempo e reflexão. Nesse
sentido, em uma sociedade que preconiza o aqui e o agora, a (não) leitura de obras
clássicas evoca o questionamento sobre a permanência do cânone em um cenário
de desprestígio da leitura e de supervalorização da instantaneidade.
Italo Calvino (2007, p.12) define os clássicos como “aqueles livros que,
quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer; quando são lidos de fato mais se
revelam novos, inesperados, inéditos”. Os clássicos carregam consigo sentidos
atemporais, as grandes problemáticas humanas e os conflitos universais, portanto,
cada leitura se revela, de alguma forma, inédita. Além disso, “um clássico é um livro
que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. (...) que se configura como
41
equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs” (CALVINO, 2007, p.
11-13). O sentido de um clássico não se esgota com o tempo, para permanecer
através dos séculos, uma obra canônica3 carrega consigo a força da tradição, sua
representatividade não se limita à época de sua publicação, seu sucesso não é
efêmero, mas se perpetua na memória coletiva, inspira novas criações, surpreende
na forma e no conteúdo, na mensagem e na estrutura. Um clássico é assim definido
pela magnitude de sua composição, pela articulação entre o código e a mensagem e
por seu potencial de eternizar-se como elemento essencial ao legado cultural e
literário da humanidade. A amplitude das obras canônicas se dá pelo nível de
aprimoramento da linguagem e pelo conjunto de elaboração das ideias, dessa forma
são textos que integram o patrimônio cultural do homem aos quais, portanto, todos
deveriam ter acesso e desfrutar da alta experiência estética que a leitura deles é
capaz de proporcionar.
De acordo com Machado (2002, p.19), “a leitura dos clássicos justifica-se por
duas razões: é um direito e também uma forma de resistência”. No conjunto dos
direitos humanos, incluem-se aqueles relativos à moradia, alimentação, lazer,
educação e cultura; nesse sentido, a leitura dos clássicos é uma forma de assegurar
a efetivação do direito aos bens culturais acumulados historicamente. Além disso, a
leitura de uma obra canônica é em si mesma uma ação de resistência ao sistema de
classes e aos valores culturais e morais impostos, que segregam e permitem que
apenas uma pequena parcela da população tenha acesso ao patrimônio cultural.
Dessa forma, a experiência intelectual que a leitura dos clássicos possibilita é, de
fato, uma oposição às desigualdades sociais e a uma contestação dos valores
vigentes. Por sua imprescindibilidade na formação ética, crítica, cultural e social do
aluno,
O acesso à leitura e ao conhecimento da literatura é um direito desse cidadão em formação, porque a linguagem é o principal mediador entre o homem e o mundo. Se a escrita não é a única expressão da linguagem, é a mais prestigiada, a qual todos precisam ter trânsito livre, desembaraçado de preconceitos e dificuldade. Privar o indivíduo dessa relação com o universo da escrita e da leitura é formar um cidadão pela metade ou nem formá-lo, razão por que a presença e a circulação de objetos a serem lidos na sala de aula são tão importantes nessa faixa de estudos (ensino médio). (ZILBERMAN, 2010, p. 212).
3 Entende-se por canônicas as obras clássicas que, por sua originalidade e valor estético,
perpetuaram-se no universo literário.
42
Além disso, a imersão no universo da literatura permite a transcendência da
experiência estética, a refutação das normas estabelecidas e a catarse. Nessa
perspectiva, “do mesmo jeito que a gente tem de saber ler para não ficar à margem
da civilização, tem de conhecer minimamente o cânone” (MACHADO, 2002, p. 133).
Rildo Cosson (2011) aponta que o cânone, em geral, é recusado pelos
professores, por ser pouco atraente e apresentar vocabulário e sintaxe herméticos.
Uma obra clássica, contudo, pressupõe um arranjo vocabular elaborado e uma
estrutura refinada, condições que elevam o seu valor cultural, uma vez que sua
amplitude consiste na grandiosidade da dimensão estética, estrutural e temática. A
riqueza do vocabulário e as construções sintático-semânticas são desafios para o
intelecto humano, fato que ratifica a sofisticação linguística do cânone. Portanto, não
se trata de hermetismo, mas de provocação à inteligência. Em consonância com
essa afirmação, um estudo realizado no Reino Unido, na Universidade de Liverpool,
divulgado em janeiro de 2013, envolveu especialistas em literatura, psicologia e
ciência, os quais monitoraram a atividade cerebral de 30 voluntários, que leram
primeiramente trechos de obras clássicas, e, posteriormente, a tradução dessas
passagens para a linguagem coloquial.
De acordo com a publicação, os resultados mostram que a atividade do cérebro "dispara" quando o leitor encontra palavras incomuns ou frases com uma estrutura semântica complexa, mas não há reação quando o mesmo conteúdo é expresso em linguagem coloquial, com fórmulas de uso cotidiano. Esses estímulos se mantêm durante um tempo, potencializando a atenção do indivíduo (UOL, 2014).
O resultado do estudo comprova que o alto nível de elaboração linguística e
da complexidade vocabular de textos considerados clássicos estimula o cérebro,
evoca maior atenção e concentração, exige um leitor ativo, participativo, que use o
raciocínio para construir sentidos.
É comum que o prazer seja considerado um dos pré-requisitos para o
sucesso e a efetivação da leitura, nesse sentido, a leitura seria válida na medida em
que proporcionaria prazer ao leitor. Entretanto, a leitura de um clássico ultrapassa a
dimensão do prazer, primeiro porque constitui um desafio, segundo porque o prazer
final obtido pela abstração do sentido de um texto grandioso advém do deleite que
ela produz para o intelecto.
43
O prazer advindo da leitura de uma obra canônica é resultado da intensa
atividade mental, que objetiva assimilar, compreender e dar sentido às palavras, ao
conjunto de ideias e à construção completa da obra.
Harold Bloom, polêmico crítico literário e professor estadunidense nascido
em 1930, adota uma postura radical quanto à leitura do cânone, uma vez que
considera alguns escritores ícones absolutos no cenário literário, como
Shakespeare, por exemplo, desconsiderando, assim outros autores de grande
relevância no âmbito do cânone. No entanto, ainda que sua visão exclua importantes
escritores, em suas obras o clássico é considerado uma obra-prima de valor
inigualável, por isso, o mesmo afirma que a leitura do cânone é árdua, mas a
recompensa é grandiosa. Nessa perspectiva, “o valor estético surge da memória, e,
portanto, da dor, da dor de abrir mão de prazeres mais fáceis em favor de outros
muito mais difíceis” (BLOOM, 2010, p. 57). Um texto de uma dimensão menor, em
nível estético e estrutural, pouco desafia a atenção e o raciocínio.
Uma das razões que podem desencadear o repúdio pela leitura de livros
clássicos é a dificuldade que representa sua leitura, no entanto as grandes obras
são elevadas porque permitem a transcendência, porque requerem mais do que
uma leitura descompromissada e, principalmente, porque pressupõem leitores que
extrapolem a mera decodificação, e, com isso, penetrem no texto em seu nível
explícito e implícito, desvendando os mistérios e as articulações semânticas
expressas no constructo linguístico, fazendo inferências e atingindo o objetivo árduo,
mas sublime e prazeroso de depreender a significância de um cânone, frente a isso,
“o motivo mais marcante, mais autêntico, que nos leva a ler com seriedade o
cânone, é a busca de um sofrido prazer. A busca empreendida por um leitor encerra
prazer ainda maior” (BLOOM, 2001, p. 25).
Os clássicos, portanto, são talismãs, obras que marcaram a humanidade,
que são notórias devido a sua grande representatividade, permanecendo
significativas e independentes do tempo, uma vez que “não têm prazo de validade
nem perdem a garantia” (MACHADO, 2002, p. 22).
A transcendência da experiência estética e catártica do ato de ler um
clássico enriquece os horizontes culturais, evoca a reflexão sobre a sociedade e a
história e redimensiona a formação humana. Nesse sentido, Leyla Perrone-Moisés,
professora emérita da USP, que se dedicou à crítica literária e produziu vários
ensaios sobre a literatura, modernidade e crítica, considera as obras clássicas um
44
patrimônio inestimável e que deve ter seu lugar preservado na sociedade,
considerando seu valor cultural e formador, de acordo com ela, “a grande literatura
pode nos dar: ampliação do imaginário, encontro com o outro e autoconhecimento,
capacidade de impressão e de expressão, visão crítica do real, emoção estética,
felicidade da palavra que nos faltava e nos é dada” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.
214). A potencialidade dos clássicos, portanto, é imensurável e a apropriação desse
vasto legado literário é um direito inalienável.
Schopenhauer (2013, p. 133), filósofo alemão do século XIX postula a
supremacia do cânone em relação a outras obras menos sofisticadas; de acordo
com ele, os clássicos são textos que detêm o poder de formar e educar, não apenas
no sentido do acato às normas vigentes, mas de oposição e de visão crítica da
sociedade. Os elevados espíritos, autores dos cânones, são reverenciados e
merecem a notoriedade, visto que se destacam dos demais frente à magnitude
estética e formal de suas produções. Com isso, é essencial privilegiar os mestres
das grandiosas obras.
A fim de que nosso tempo destinado à leitura, que costuma ser escasso, seja voltado exclusivamente para as obras dos grandes espíritos de todos os tempos e povos , para os homens que se destacam em relação ao resto da humanidade e que são apontados como tais pela voz da notoriedade. Apenas esses espíritos educam e formam os demais. Quantos às obras ruins, nunca se lerá pouco quando se trata delas; quanto às boas, nunca elas serão lidas com freqüência excessiva (SCHOPENHAUER, 2013, p. 133).
O clássico, portanto, sempre terá algo a dizer à atual e às futuras gerações,
sua consagração no tempo, na cultura, na história e na tradição demonstram que
sua validade e seu vigor não se limitam ou se perdem no decorrer dos anos, mas se
revigoram e se tornam ainda mais significativos. A universalidade dos temas
abordados no cânone é responsável por torná-los perenes na tradição literária da
humanidade, o ciúme, a morte, o amor, os dilemas e conflitos, as tragédias, o
fantástico, o real, o fictício ilustram a representação da vida e do homem por meio da
criação estética. O cânone nos permite “encontrar algo que nos diga respeito, que
possa ser utilizado como base para avaliar, refletir, que pareça ser fruto de uma
natureza semelhante à nossa, e que seja livre da tirania do tempo” (BLOOM, 2001,
p. 18).
45
Embora as novas tecnologias e a modernidade tenham influenciado todos os
setores da sociedade, como a educação, o entretenimento e os meios de
comunicação, redimensionando o pensamento e as preferências do homem
contemporâneo, “sempre haverá (espera-se), leitores incessantes, que continuarão
a ler apesar da proliferação de novas tecnologias de distração” (BLOOM, 2001, p.
667). Logo, é possível afirmar que os clássicos permanecerão, independentemente
das mudanças. O cânone resiste à ação do tempo, seu poder de transformação é
incomensurável, seja em qualquer idade, de Machado de Assis a Monteiro Lobato,
de Homero a Shakespeare, o clássico teve, tem e terá o que dizer. Machado, (2002,
p. 135) ao citar diversas obras canônicas, corrobora que
Para qualquer idade, estes livros de que conversamos nestas páginas terão alguma coisa a dizer. Alguns deles, além disso, (e serão necessariamente diferentes para cada leitor), irão mais além. Terão o efeito de um relâmpago, subitamente iluminando tudo. Farão o leitor terminar a última página transformado. Para sempre diferente do que era quando começou a primeira. Difícil medir como e quanto. É uma navegação imprecisa. Mas uma experiência inigualável.
Bloom (2010, p. 680) espera “que os sobreviventes letrados colham as
recompensas que só a leitura canônica oferece”. As perspectivas evidenciam a
necessidade de desmistificar e leitura do cânone enquanto algo inacessível e
hermético. Os clássicos da literatura fazem parte do legado cultural e devem ser
valorizados em todos os âmbitos sociais, a fim de expandir ao máximo o número de
sobreviventes letrados. “A literatura ainda tem futuro, a biblioteca ainda não foi
destruída. E nós, leitores e escritores, estamos aqui para ler, eleger e prosseguir”
(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 215).
46
3 LITERATURA E ENSINO
Para que a leitura das obras clássicas deixe de se limitar apenas a uma
mínima parcela da sociedade, é indispensável que a escola desenvolva ações a fim
de disseminá-la e de tornar real o aproveitamento desse vasto patrimônio. Nela, a
literatura pode ultrapassar a mera escolarização e tornar-se viva e significativa para
os alunos. Contudo, para que se possa compreender o presente, é preciso entender
o passado. Machado (2002, p. 126) atenta para a “enormidade do risco que
corremos – em pouco tempo poderemos ter o pesadelo das gerações que não
conseguem entender a literatura atual porque não conhecem os clássicos que a
precederam”. A literatura é permeada por uma rede de conexões intertextuais,
sendo assim, a ampla compreensão do que é produzido na atualidade pressupõe o
entendimento da tradição e da literatura consagrada por seu valor estético.
As instituições de ensino devem privilegiar a diversidade de textos e
gêneros, porém é fundamental valorizar a leitura de obras canônicas, devido a sua
importância para a formação cultural e humana dos educandos. Frente a isso, “já
que a literatura implica a existência de leitores, sua sobrevivência como arte da
linguagem e atividade provida de valor próprio depende muito de sua manutenção
nos currículos escolares” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 190).
O sucesso ou o fracasso do ensino da literatura nas escolas é influenciado
por uma série de fatores, como as metodologias, abordagens e técnicas
empregadas, o acervo da biblioteca, as condições de trabalho docente, os critérios
que norteiam a seleção de obras e autores, a formação inicial e continuada do
professor, como também o aluno, que muitas vezes destoa do perfil ideal que se
espera de um educando, nesse sentido, a indisciplina e a falta de interesse
motivados por fatores externos e internos à escola, também influem no rendimento
da aula e nos resultados obtidos.
A bagagem de leitura do educador é um fator determinante para a forma
como ele conduzirá o trajeto de compreensão e apreensão crítica e reflexiva da obra
literária, sobretudo quando se trata do cânone, o qual dispõe de um vasto campo de
estudo e exploração dos múltiplos elementos semânticos, estilísticos, históricos,
estéticos e culturais. Para Cosson (2011, p. 23), “estamos diante da falência do
ensino da literatura. Seja em nome da ordem, da liberdade ou do prazer, o certo é
47
que a literatura não está sendo ensinada para garantir a função essencial de
construir e reconstruir a palavra que nos humaniza”. Os déficits no ensino da
literatura se justificam, parcialmente, pela falta da efetivação de uma metodologia
que dinamize e seja capaz de tornar acessível o texto ao aluno
“falta um objeto próprio do ensino. Falta a uns e a outros uma maneira de ensinar que, rompendo o círculo da reprodução ou da permissividade, que permita que a leitura literária seja exercida sem o abandono do prazer, mas com o compromisso de conhecimento que todo saber exige” (COSSON,
2011, p. 23).
A leitura literária envolve também a busca pelo prazer, mas, na escola,
realizá-la apenas com base nesse desígnio é rebaixá-la à mera ação lúdica, sem
objetivos para a construção de saberes mais aprofundados. Em sala de aula, as
obras devem ser lidas com a responsabilidade que a abstração do saber intrínseco
ao texto literário requer. Nesse sentido, é preciso que ela seja desenvolvida
enquanto elemento imprescindível ao currículo, e não como uma atividade
descompromissada e realizada apenas como entretenimento e identificação de
traços superficiais.
A sistematização, o compromisso, a seriedade e o uso de uma metodologia
eficaz são pilares essenciais para o êxito do ensino da literatura para além da
decodificação. Martins (2006, p. 91) ratifica essa ideia, visto que “ensinar literatura
não é apenas elencar uma série de textos ou autores e classificá-los num
determinado período literário, mas sim revelar ao aluno o caráter atemporal, bem
como a função simbólica e social da obra literária”. É fundamental que o professor
proporcione ao aluno o entendimento do texto enquanto emaranhado de vozes
sociais conflitantes, como retrato de uma época histórica e como representação
cultural.
Para organizar as atividades, o docente passa pelo crivo da seleção de
obras, as quais julga que serão mais produtivas e significativas. Rildo Cosson (2011,
p. 33), em Letramento Literário – Teoria e Prática, justifica o porquê da preferência
pelos textos canônicos:
Os professores parecem acreditar que há uma essencialidade literária nas obras canônicas que não pode ser questionada. Essas obras trazem um
48
ensinamento que transcende o tempo e o espaço e demandam uma profundidade de leitura fundamental para o homem que se quer letrado. É por isso que insistem na leitura do cânone e preocupam-se com o desconhecimento progressivo dele na formação do leitor.
As ponderações de Cosson (2011) revelam que os clássicos são eleitos
perante sua significância e pela importância para formação dos alunos. Tendo em
vista que a escola objetiva os letramentos múltiplos, sejam eles digitais, políticos ou
midiáticos, o letramento literário, com base em textos canônicos, amplia as
possibilidades de inserção dos educandos na sociedade, uma vez que esta
modalidade de letramento tem como meta garantir a efetivação do domínio da leitura
e da escrita (COSSON, 2011). A imersão no universo polissêmico da arte literária,
bem como os esforços empreendidos para a compreensão da mensagem e dos
sentidos do texto, acompanhados da mediação realizada pelo professor, que
explorará os elementos estruturais e semânticos, permitem o desenvolvimento da
criticidade, da reflexão e da alteridade, pois a leitura e o entendimento de um texto
clássico exigem que o aluno permeie diversos âmbitos da linguagem, relacionando
fatos, transitando por diferentes períodos históricos e culturais, posicionando-se
frente a temas diversos, ações efetivadas mediante as atividades que compõem o
letramento literário. Com isso, o aluno constrói bases essenciais para sua formação.
Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, os que considera prejudicial, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso, é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominantes (CANDIDO, 1995, p. 175).
A literatura é uma arte provocativa, pois representa o mundo e a sociedade
de forma plural. Além de estimular o senso crítico, aprimora as habilidades
linguísticas, inspira, permite o diálogo com outras épocas e provoca emoções
através de histórias reais ou fictícias. Por ter esse amplo potencial é que a literatura
tem seu espaço garantido no currículo e deve ser trabalhada de forma significativa.
49
Com isso, no decorrer de seu percurso na educação básica, os alunos poderão viver
a dialética dos problemas que fazem parte da humanidade, ampliando seus pontos
de vista, construindo novas possibilidades e abstraindo dessa arte, todos os
benefícios que ela pode proporcionar para o crescimento intelectual, social, afetivo e
humano.
No ensino médio, supostamente o jovem deveria ter acesso aos “clássicos” (nacionais ou não) e, paralelamente, à literatura que corre à margem do cânone, renovando-o, ou subvertendo-o, ampliando-o, seu repertório e refinando seu grau de compreensão e seu nível de exigência – e, noutra perspectiva, relativizando-o – como leitor (e, quem sabe, como produtor)” (DALVI, 2013, p. 74-75).
Aos alunos deve ser ofertada uma multiplicidade de textos, canônicos e não
canônicos, no entanto, um ensino que exclui o clássico não corresponde aos
desígnios pedagógicos, educacionais e formativos. Para que o discente seja capaz
de transitar pelos mais diferentes discursos, inferir, construir sentidos, associar
ideias, preencher lacunas e interpretar criticamente um texto, é fundamental inserir a
leitura de obras clássicas, a fim de ampliar os horizontes intelectuais, linguísticos e
culturais do educando. Na escola, a escolha de textos “não pode prescindir da
tradição, uma vez que é essa tradição que diz ao leitor que ele é parte de uma
comunidade e é para fazê-lo reconhecer-se como agente dentro dessa comunidade
que a literatura existe na escola” (COSSON, 2011, p. 104).
No contexto do ensino de literatura, os estabelecimentos educacionais ainda
mantêm abordagens e metodologias tradicionais, que utilizam o texto literário como
pretexto para o aprendizado de regras gramaticais. Nesse sentido, “a escola parece
ainda não ter conseguido se adaptar às exigências do mundo moderno, no que se
refere ao tratamento dado à literatura” (MARTINS, 2013, p. 101). As técnicas, o
trabalho, os valores, os avanços em diferentes áreas do conhecimento e outros
setores da sociedade são visíveis, porém as escolas ainda se assemelham aos
modelos arcaicos de ensino, nos quais há a resistência às mudanças e a
permanência de metodologias tradicionais e ultrapassadas. No que concerne ao
ensino de literatura, este ainda apresenta inúmeros déficits, “ao contrário do ensino
de língua – que, aos poucos, vai se renovando -, a literatura na escola resiste às
mudanças e se vê relegada a lugar secundário e sem força na formação das
50
crianças, dos adolescentes e dos jovens (DALVI; REZENDE; JOVER-FALEIROS,
2013, p. 9).
Martins (2006, p. 101) afirma que “no ensino médio, a literatura continua
sendo vítima de abordagens que privilegiam a história da literatura, na medida em
que parece haver uma supervalorização das características estéticas e estilísticas
presentes nos textos produzidos nos mais diversos períodos literários”. A fim de
superar as abordagens que discutem apenas os aspectos históricos da obra literária,
objetivando com isso a memorização de datas e autores, a perspectiva sincrônica
pressupõe um trabalho dialógico, no qual o professor viabilize o trânsito por
diferentes épocas históricas, resgatando temas, promovendo discussões e relações
com o presente, evocando a reflexão sobre a influência de diversos fatores na
semântica e na estrutura do texto, analisando a forma e o conteúdo, como também a
tríade autor-obra-público. Com isso, busca-se que o aluno possa compreender o
texto literário por meio de uma perspectiva ampla, associando-o à época histórica
em que foi produzido, à recepção do público, às escolas literárias, como também a
outras representações artísticas.
A abordagem diacrônica, pautada no estudo dos períodos históricos é
insuficiente, porém, se aliada ao viés sincrônico, pode permitir que o aluno seja
situado quanto à cronologia da obra, mas também contextualize-a em múltiplos
âmbitos, não limitando-a uma determinada época histórica. Desse modo,
É interessante trabalhar a literatura a partir de uma abordagem que considere, por um lado, a diacronia, ou seja, o estudo do texto literário por meio de uma perspectiva histórica que resgate as obras do passado, e, por outro lado, a sincronia, isto é, a análise da obra considerando as manifestações sociais e culturais do presente que influenciam a produção e a recepção do objeto literário (MARTINS, 2006, p. 90).
Em meio ao emaranhado de conteúdos curriculares que norteiam o ensino na
rede pública, a literatura exerce um papel fundamental na formação do educando,
não apenas para atender a uma necessidade que emerge dos testes seletivos para
o ingresso nas universidades, ou para a compreensão de uma escola literária, suas
características e autores expoentes. A literatura desempenha um papel intelectual e
afetivo (CANDIDO, 1970),visto que amplia o horizonte linguístico, histórico, cultural,
e, portanto, humano, do aprendiz; dessa forma, a vivência ficcional proporcionada
51
pelo contato com os conflitos atemporais do homem conduz à catarse, à reflexão, ao
aprimoramento do senso crítico e da sensibilidade.
A formação do leitor de literatura é uma das incumbências da escola contemporânea. Em que pesem os acirrados debates sobre o papel dela na formação de nossos cidadãos, poucos são refratários à ideia de que a literatura exerce influência positiva na vida de nossas crianças e de nossos jovens. Na esfera da escola, esse assunto ganha contornos mais definidos, uma vez que a leitura literária se converte em componente curricular (GONÇALVES, 2012, p. 17).
A experiência individual, coletiva ou compartilhada que tem como foco o
texto literário, além de enriquecer o repertório cultural dos alunos, une o particular ao
geral, efetiva o diálogo da tradição com o contemporâneo, viabiliza a análise da
forma e do conteúdo, expressa de forma única e independente as facetas sociais,
pois a arte literária, isenta do compromisso com o plausível e com o os modelos
eticamente padronizados, amalgama o possível ao fantástico, ao improvável, ao
rompimento dos códigos vigentes, esboçando, assim, a própria vida de um modo
único, vasto e sublime. Sendo assim, “a literatura concebida no sentido amplo a que
me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser
satisfeita e cuja satisfação constitui um direito”(CANDIDO, 1970, p.175).
Um olhar atento para a escola pública permite a identificação de vários
problemas que incidem em sua qualidade, os quais podem ser vistos na
infraestrutura das instituições, no conjunto de recursos e na própria organização e
características do sistema educacional. Salas de aula superlotadas, ausência de
recursos, a submissão do professor a cargas horárias exaustivas para uma melhor
remuneração são apenas alguns dos fatores que refletem no ensino de forma
negativa, o saldo resultante desta somatória é um ensino muitas vezes fracassado,
alunos desmotivados e com baixo rendimento.
A consequência da derrocada e de tantos déficits na educação pode ser
observada no índice de leitura, por exemplo, no qual o Brasil, no ano de 2012, em
um ranking de 65 países, ocupa a 55ª posição de acordo com os dados do Pisa –
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Além disso, em 2014, segundo
uma pesquisa desenvolvida pela OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), a qual utiliza como critérios a aprovação, as
estatísticas do PISA e o ingresso de alunos no ensino superior, em um total de 36
52
países, o Brasil está em 35º. Com base nestes dados, tornam-se evidentes as
lacunas no ensino da rede pública.
No âmbito da disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Médio, várias são
as problemáticas que envolvem o fazer docente: Como ensinar gramática de forma
contextualizada? Como desenvolver a habilidade de produzir textos de acordo com
as especificidades de cada gênero textual? Como ensinar literatura tendo em vista a
complexidade e abrangência de um romance, poema ou conto que são compostos
por uma infinidade de contextos que evocam a história, níveis lexicais, estrutura,
forma, estética e conteúdo?
Barthes (1979 apud Dalvi, 2013, p. 71) afirma que:
A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé, há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico (Robinson passa da natureza à cultura). Se, por não se que excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que deveria ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento literário.
O mergulho na compreensão e na experiência estética de uma obra literária
envolve uma rede de conhecimentos de diversas áreas, sendo, portanto, inviável
que a leitura superficial de um fragmento de um romance seja considerada uma
atividade de leitura literária. A complexidade e a vastidão de saberes que são
intrínsecos às produções literárias requerem que o professor, além de ser um leitor
por excelência, saiba levar seus alunos a adentrarem o texto, vivenciar a catarse,
compreender a rede de contextos sem a qual a obra não pode ser entendida em
plenitude.
Um dos fatores que pode influenciar o desprezo e a decisão por não
trabalhar literatura em sala de aula é a abrangência de saberes que a compõe.
Gonçalves (2012, p. 36) afirma que
Por muitas razões, a leitura em geral e a literária em particular, como atividades inerentes ao processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, foram sendo preteridas no cotidiano escolar. As consequências disso se refletem nos exames nacionais e internacionais de leitura, literária ou não em sala de aula, cujos resultados têm preocupado gestores dos sistemas educacionais, educadores e sociedade em geral.
53
O fato de a leitura literária requerer um arcabouço de leituras do professor,
assim como a necessidade de conhecer e dominar os aportes teórico-metodológicos
para um ensino significativo, pode ser uma das fortes razões para que a leitura
literária seja preterida no cotidiano escolar. O pouco acervo das escolas, as
condições da biblioteca, o número de alunos, a grade curricular, entre outros fatores,
não podem ser desconsiderados, porém, a formação do docente ainda é um fator
preponderante e que define a qualidade do ensino de literatura nas escolas.
A periodicidade é algo inerente à literatura quando esta faz parte do currículo
escolar, ou seja, as obras estão naturalmente inseridas em um determinado contexto
histórico de produção, logo, é fundamental conhecer as nuances desta história e
situar o discente no âmbito cronológico - diacrônico. Entretanto, limitar o ensino de
literatura ao aprendizado de dados da história da literatura é corromper e desvirtuar
a função humanizadora e formativa da mesma. O viés diacrônico deve integrar o
conjunto de atividades desenvolvidas, no entanto, não deve ser o foco das aulas.
Sobre isso, Rezende (2013, p. 102) aponta que “quando se pergunta aos
professores e aos licenciandos o que se ensina quando se ensina literatura,
ciosamente respondem que, de fato, não é literatura que se ensina, mas história da
literatura”.
Frente a isso, é preciso superar o ensino de literatura, que geralmente se
efetiva como historiografia literária, priorizando a perspectiva sincrônica, que
suplanta a cronologia, articulando o passado com o presente, associando às
diversas manifestações artísticas sobre a temática, tornando o texto literário uma
expressão viva, imbricada com outras representações, com outros autores e obras,
expandindo os horizontes dos alunos e permitindo que os mesmos percebam o texto
como algo dinâmico e significativo, não apenas como um fato estagnado em uma
história remota, distante e abstrata.
Gonçalves (2012, p. 19) cita alguns dos empecilhos no ensino de literatura;
Tanto a exiguidade de tempo implica imensas dificuldades para se conquistar o mínimo aprofundamento nas leituras e análises, ainda assim a partir de abordagens, pela mesma razão, fragmentadas e limitadas; quanto a rejeição de autores clássicos por parte significativa dos estudantes é sintoma de insuficiências na formação destes para mergulhos em textos mais sutis e sofisticados; como métodos mobilizados e justificados apenas pela exigência de provas e exames são também responsáveis pela verdadeira ojeriza de leitores em formação para com o texto literário.
54
O tempo para a efetivação das atividades de literatura literária é um dos
empecilhos para o professor, visto que um trabalho aprofundado exige tempo hábil
para ser realizado. Contudo, o autor acima denuncia também as abordagens
fragmentadas e limitadas, ou seja, o tempo é um fator, mas ainda que este fosse
satisfatório, caso a abordagem contemplasse apenas aspectos superficiais ou
historiográficos da literatura, o ensino continuaria com a mesma lacuna deflagrada.
A rejeição a textos clássicos também é identificada como uma consequência
das consecutivas falhas na formação dos alunos, visto que o estudo e leitura de um
texto clássico exigem em proporções diferentes, um ritmo de leitura que deveria ser
construído ao longo das séries, a fim de possibilitar a imersão em obras mais
sofisticadas
[...] em outras palavras, só se pode esperar proficiência de leitura satisfatória ao final do Ensino Médio caso as habilidades relativas a ela tenham sido desenvolvidas paciente e diligentemente em todas as séries do Ensino Fundamental, com seus respectivos conteúdos, entre os quais constam autores, temas, gêneros, estilos e contextos sociais e históricos. Isso assim se dá porque habilidades relacionadas à leitura literária se estruturam e desdobram progressivamente a partir de conquistas graduais, sucessivas e ininterruptas ao longo do tempo, só realizáveis no contato mesmo com as obras que as ensejam (GONÇALVES, 2012, p. 20).
A competência de leitura de diferentes obras literárias é ou deveria ser
construída gradualmente, perpassando diferentes níveis de dificuldade, com o
desígnio de viabilizar que o aluno atinja a maturidade leitora, que tornará possível
transitar por obras de diferentes gêneros, autores e complexidade, compreendendo-
as de forma crítica e desenvolvendo a habilidade de reflexão.
Uma das justificativas utilizadas para explicar e defender a literatura na
escola é sua importância para um bom desempenho no ENEM - Exame Nacional do
Ensino Médio - e para o ingresso em universidades, fato que não deixa de ter seu
valor, mas que não deve ser usado para explicar o porquê de se estudar literatura,
tendo em vista que a abrangência das reais justificativas ultrapassa qualquer
necessidade de acesso ao ensino superior.
É essencial que o professor enxergue na literatura seu papel transcendente
e humanizador; ao adotar essa concepção, o estudo distancia-se da noção de
cumprimento de obrigações escolares, para ser significativo, tocante e instigador
55
para o aprendiz. Formar leitores não é hostilizar a escolarização da literatura e todos
os processos metodológicos/didáticos pelos quais as obras passam ao adentrar as
salas de aula, mas tentar torná-los atraentes, evidenciando as múltiplas facetas e
enigmas do texto literário, bem como as estratégias para decifrá-los, ou seja, é
orientar o aluno e estimulá-lo a percorrer os caminhos da obra e a recompensadora
sensação que se obtém ao final do percurso.
O saldo será a ampliação das percepções e o crescimento pessoal e
intelectual. Nesse sentido, é necessário que a literatura englobe a escola e não que
a escola torne a literatura um fazer mecânico e superficial. A inversão das ações
resultaria na potencialização do ensino, rompendo com isso práticas incipientes.
Dentre estas práticas, Rezende (2013, p. 101) explica como as mesmas são
efetivadas em sala de aula:
Tendo, pois, o livro didático como apoio, o mais comum é que o professor configure nesse trabalho as mais diferentes estratégias: uma atividade oral de leitura de fragmentos pelos alunos, seguida por perguntas e respostas, sendo que estas já se encontram no manual do professor, ou seja, os alunos vão ter de ajustar às respostas elaboradas de antemão, que o próprio professor provavelmente tampouco saberia responder se não as tivesse ao alcance; cópia, no caderno, de trechos do livro e dos questionários para responder por escrito com o objetivo muitas vezes de manter os alunos quietos e ocupados; cópia do livro, na lousa, feita pelo professor para os alunos copiarem; pesquisa sobre autores e obras que os alunos fazem pela internet apenas baixando os arquivos (alguns professores os querem copiados a mão...); seminários sobre autores e obras cujo cronograma segue a linha do tempo da história da literatura nacional (REZENDE, 2013, p. 101).
Sendo as atividades acima consideradas usuais nas aulas, pode-se concluir
que as abordagens tradicionalmente usadas nas práticas docentes diárias estão
longe de atender aos desígnios de um ensino de literatura amplo e significativo. O
livro didático é um dos recursos que podem ser utilizados para o desenvolvimento
das atividades, mas o ensino não deve se esgotar nele, pois ainda que o material
seja bem elaborado em termos de diversidade de textos, de abordagem e de
práticas propostas, ele não pode ser o único instrumento, considerando suas
limitações e a amplitude de textos, atividades, recursos e outros materiais que
devem integrar as práticas de ensino. Evidencia-se, portanto, a necessidade de
mudanças no ensino de literatura
56
A escola é menos livre que a sociedade: lida com objetivos e conteúdos inseridos num currículo ou programa. A literatura que ali adentra está submetida a essas necessidades escolares, mas isso não significa que teorias e práticas sejam imutáveis. Ao contrário: a escola, assim como todo elemento de cultura, é histórica, e precisa mudar (REZENDE, 2013, p. 109).
Atividades como a aplicação de questionários descontextualizados, cópia de
trechos dos livros, cópia do livro na lousa, assim como pesquisas na internet (as
quais se restringem à mera cópia do conteúdo de sites de fontes diversas) e
seminários pautados apenas na cronologia literária são extremamente comuns no
cotidiano das escolas, quando não são as únicas tarefas executadas nas aulas de
“literatura”. Essas práticas são insuficientes para corroborar um ensino de literatura
significativo que dê suporte à ação de formar leitores capazes de ler obras de
diferentes naturezas. A pesquisa na internet, questões de interpretação, cópia de
informações relevantes e seminários são atividades que se tornam válidas a partir
do momento que integram um conjunto de práticas mais amplo e com metas
significativas, porém, se realizadas de modo descontextualizado e limitadas em si
mesmas, não representam possibilidades de promover um ensino consistente,
coerente e significativo da literatura.
Refletir sobre os encaminhamentos pedagógicos no ensino de literatura
requer repensar os critérios usados para a escolha das obras, visto que a grade
curricular, o tempo escasso e outros fatores exigem que o professor planeje com
coerência e destreza os caminhos que vai percorrer e as metas que pretende atingir.
Dalvi (2013, p. 78) propõe dez teses para o trabalho com o texto literário e a terceira
versa sobre
[...] a qualidade literária (ela mesma sempre submetida a questionamentos) como critério primeiro para a escolha de textos a serem lidos: os textos literários lidos e estudados na disciplina de português na escola devem ser escolhidos tendo em consideração o desenvolvimento linguístico, psicológico, cognitivo, cultural e estético dos alunos, mas devem ser sempre textos de qualidade literária, isto é, textos ímpares pela criatividade, pela inovação e pelo risco na utilização da língua e das formas, pela densidade, pela originalidade, pela riqueza e pela sedução dos mundos representados, pela preocupação com o humano, pela possibilidade de leitura aberta – uma leitura literária que não desafie, instigue, provoque não merece o investimento do precioso tempo escolar.
No momento de escolha das obras, o professor deve avaliar e considerar
diversas questões, como a faixa etária, a viabilidade de realização da leitura em
57
classe ou extraclasse e o tempo necessário para o desenvolvimento das atividades.
Contudo, um dos parâmetros fundamentais para a seleção deve ser a qualidade
literária da obra, ou seja, reconsiderar e questionar a validade de inserir determinada
obra no conjunto de atividades do planejamento. Frente a isso, torna-se evidente a
necessidade de priorizar aquelas produções ímpares pela forma e pelo conteúdo,
pela permanência, pela originalidade e pela vastidão de possibilidades que
engendram. Há uma infinidade de produções literárias e autores, portanto cabe ao
professor, enquanto leitor e educador, eleger as que possibilitarão o crescimento
intelectual, humano e único, advindo da experiência estética. Nesse sentido, Rouxel
(2013, p. 24) salienta que “é importante propor obras das quais eles extrairão um
ganho simultaneamente ético e estético, obras cujo conteúdo existencial deixe
marcas”.
Frente a essa ponderação, a inserção de obras clássicas, se bem
direcionadas e orientadas adequadamente pelo professor, pode ressignificar o papel
da leitura na escola e gradativamente suprir as lacunas que o ensino historiográfico
da literatura tem deixado no cenário da educação na rede pública.
Um dos termos sobre o qual muito se tem ouvido falar no que tange aos
documentos oficiais e orientações para as práticas de ensino é a democracia. Fala-
se demasiadamente em democratizar o ensino, ou seja, romper com as posturas
arbitrárias, de imposição e de segregação, com o objetivo de que a escola propicie
uma formação com base nos princípios da equidade, acolhendo as diferenças e
valorizando a pluralidade cultural e os conhecimentos de mundo trazidos pelo aluno.
No entanto, o conceito de democratização do ensino, no âmbito da literatura e das
práticas docentes concernentes a ela, em alguns casos, tem sido compreendido
como a necessidade de não ultrapassar os conhecimentos que já fazem parte da
realidade do aluno. Nessa linha de raciocínio, o professor não poderia escolher
textos ou obras que não fizessem parte do repertório cultural dos aprendizes, sob a
pena de segregar o aluno e praticar uma violência a seus valores e saberes
adquiridos previamente. A opção por obras clássicas seria, portanto, arriscada por
estar distante da realidade dos discentes e não fazer parte de seu cotidiano, das
tradições familiares, do vocabulário, dos temas e do nível de complexidade aos
quais estes estariam habituados.
Porém, não incluir a leitura de textos clássicos sob a justificativa de
democratizar o ensino constitui, sem dúvida, uma contradição. Se o objetivo da
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democratização do ensino é viabilizar a igualdade de oportunidades, a diminuição
das injustiças sociais e a construção de uma escola que propicie a inserção do aluno
nos mais diferentes âmbitos sociais, privar os discentes do contato com obras
canônicas é fortalecer a desigualdade, pois as obras canônicas, um dos mais ricos
patrimônios culturais da humanidade, continuariam a pertencer somente a uma
pequena parcela da sociedade, àqueles que nasceram em uma família letrada, que
desde a mais tenra infância foram estimulados a ler e a apreciar a literatura, que
frequentaram escolas que exigiram o estudo e a leitura de clássicos e que, portanto,
desfrutam do direito a eles, o qual deveria se estender a toda a população,
independente da classe social.
É esse um dos papéis da escola pública, democratizar, tornar acessível a
todos, os bens culturais, expandir os horizontes, mostrar outras possibilidades,
inserir o desafio, ou seja, acrescentar e não apenas condicionar-se ou contentar-se
com os conhecimentos que já são comuns ao aluno. Perrone-Moisés (1996, p. 22)
defende que “truísmo por truísmo, lembremos que o objetivo de qualquer ensino
deve ser o de elevar e ampliar”.
O repertório do aluno, seus conhecimentos prévios, vivências e experiências
devem ser valorizados na aula, entretanto, isso não pode ser usado como parâmetro
que exclui a possibilidade de propor atividades e leituras desafiadoras.
A pretensa democratização do ensino, como nivelação baseada na “realidade dos alunos”, redunda em injustiça social. Oferecer aos alunos apenas aquilo que já consta em seu repertório é subestimar sua capacidade de ampliar esse repertório. Qualquer que seja a extração social do aluno, sua inteligência lhe permite a aprendizagem da leitura literária (PERRONE-MOISES, 1996, p.28).
Torna-se inviável e infundado, portanto, usar o argumento da
democratização do ensino para refutar a opção por obras clássicas nas aulas de
literatura, uma vez que a experiência única de leitura, a apreciação da
universalidade e imortalidade dos temas, a beleza da linguagem, a decifração dos
enigmas, o mergulho nos obstáculos, a superação dos limites, o desenvolvimento
intelectual e todos os outros benefícios provindos da imersão no universo literário e,
em especial, em textos canônicos, é uma das formas mais genuínas de tornar a
escola um espaço profícuo e democratizante, permitindo que todos os alunos que
tenham acesso ao ensino possam gozar de um direito que, em muitos casos,
59
apenas na escola, pode ser assegurado. Sobre a escolha das obras a serem
trabalhadas, Perrone-Moisés (1996, p. 22) indica que:
É preciso refletir sobre o repertório de autores e obras que deve constar nos currículos. A excessiva preocupação com o “contexto social” e a “identidade”, que aparece em todos os documentos do MEC, assim como o temor de um “elitismo” que caracterizaria o ensino dos textos “canônicos”, deu origem a uma desconfiança com relação a esses textos “canônicos” no ensino secundário. Cavou-se, assim, um buraco entre o secundário anticanônico e os programas canônicos dos vestibulares. O resultado é o artificialismo dos estudos literários nos cursinhos, baseados muitas vezes em resumos de “grandes” obras de apreciações gerais a respeito delas.
A reflexão sobre a validade das obras que integrarão as aulas de literatura
deve ser constante. O professor não deve privilegiar apenas a leitura de textos
clássicos, mas não inseri-los nas aulas é o mesmo que não cumprir os objetivos que
se pretende atingir no âmbito do ensino da linguagem e da educação de modo
amplo. Optar por obras canônicas no planejamento das aulas não é assumir uma
postura elitista, mas ampliar as possibilidades de acesso a uma cultura que
geralmente é restrita à elite.
Um texto clássico, por seu requinte formal na linguagem, riqueza vocabular e
por seu arranjo semântico-estrutural, pode causar estranhamento e repúdio por
parte dos alunos, que podem enxergar nessas características do cânone, obstáculos
e desmotivação para a leitura. Esse fato reitera a importância da formação docente,
visto que é a partir dela e das ações metodológicas do professor que os
encaminhamentos da aula serão desenvolvidos e que esses obstáculos poderão ou
não ser superados com o auxílio, orientações e intermediações para a compreensão
significativa das obras.
A existência de empecilhos, como a construção e manutenção do repertório
de leitura do professor, pré-requisito para o ensino, a elaboração de um
planejamento rico em termos de obras e autores e tempo hábil para as atividades,
unidos a outros fatores, como as orientações de documentos oficiais que acabam
direcionando para uma supervalorização do aluno e de sua realidade (na qual a
exigência da leitura de um clássico seria uma violência à cultura do mesmo),
resultam na rejeição do cânone. À medida que a escola – o professor -, em muitos
casos, rejeita o clássico, em contrapartida os vestibulares exigem listas de obras
60
para o processo seletivo, nas quais há, predominantemente, a presença de textos
clássicos, criando um paradoxo que culmina na superficialidade das abordagens, no
estudo limitado aos resumos retirados da internet e na mutilação de obras que
mereciam ser compreendidas em sua magnitude:
Ora, o ensino da literatura, de qualquer nacionalidade, não é elitista, mas democratizante. O livro ainda é o objeto cultural mais barato e acessível, e o texto do Dom Quixote ou de Dom Casmurro é o mesmo, num volume encadernado em papel bíblia ou num exemplar de banca de jornal. Além disso, sem o ensino específico da leitura literária, haveria uma contradição entre as louváveis iniciativas governamentais e as diretrizes oficiais para o ensino: o paradoxo da criação de bibliotecas sem que a escola se preocupe em formar leitores. Se os leitores de literatura constituem uma elite, esta é aberta a todos os alfabetizados, cabendo aos professores apenas mostrar o objeto sob a melhor luz (PERRONE-MOISES, 1996, p. 28).
Seja pela parca formação do professor ou pelas inúmeras falhas do sistema
de ensino, os leitores de literatura ainda constituem uma elite que não se estende a
todos os alfabetizados, e a escola, por sua função social, deveria ampliar a extensão
desta elite e agir em prol da formação de leitores que leiam Best- Sellers, mas que
igualmente sejam apresentados a obras canônicas e possam apreciá-las ou não.
O trato com o texto canônico exige raciocínio, decifração, inferências e
análise, processos desencadeados em leituras de alto valor estético, sendo assim, a
complexidade de uma obra é consequência de sua grandiosidade, pois esta evoca o
intelecto, acarreta processos mentais mais elaborados e minuciosos que exigem um
leitor ativo, que não apenas decodifica, mas infere e decifra os enigmas,
compreende as entrelinhas, identifica a sutileza de um enunciado irônico,
compreende o conjunto total da obra e que, além disso, percebe a junção da forma
com o conteúdo e o modo como ambos estão aliados na construção da obra. Com
isso, “ensinar literatura é ensinar a ler textos complexos, o argumento de que se
devem oferecer ao aluno apenas textos ao seu alcance, ou oriundos do seu
ambiente social, é um paternalismo e um menosprezo da capacidade dos jovens”
(PERRONE-MOISÉS, 1996, p. 347).
Não propor a leitura do clássico é subestimar a capacidade do aluno e não
priorizar seu desenvolvimento enquanto educando. O texto erudito possui seu valor
inestimável e, enquanto bem cultural, deve ser desfrutado por todos,
independentemente da classe social. Para Antonio Candido (1970, p. 186): “para
61
que a literatura chamada erudita deixe de ser privilégio de pequenos grupos, é
preciso que a organização da sociedade seja feita de maneira a garantir uma
distribuição equitativa dos bens”. Frente a isso, é fundamental repensar os critérios
para a escolha das obras e reconhecer a importância dos clássicos como garantia
de direitos incompressíveis e como uma forma de divisão igualitária de bens. Nessa
perspectiva, a palavra democracia, que significa o poder nas mãos do povo, precisa
ser revista antes de ser empregada como justificativa para a rejeição às obras
canônicas, a fim de evitar a prática de professores de literatura que
desejando ser democráticos, privam os alunos dos textos “difíceis”, supostamente elitistas. Talvez o subversivo, hoje, seja ensinar os “autores canônicos” (Dante, Cervantes, Shakespeare, Goethe, Balzac, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade...), porque a literatura de massa está disponível aos alunos sem que eles precisem de “introdução”, e as informações superficiais sobre a realidade contemporânea estão em todos os jornais e televisões, ou na internet (PERRONE-MOISES, 2005, p. 29).
Considerando a superficialidade e a instantaneidade das informações
veiculadas, a rapidez da comunicação e a lógica frenética e incipiente que
predomina na forma de viver e se relacionar que estão presentes e caracterizam a
contemporaneidade, talvez seja subversão propor a leitura de textos considerados
complexos, grandiosos e desafiadores, tendo em vista intelectos habituados a
fugacidade.
O jovem aprendiz deve colecionar experiências de leitura que o desafiem e,
que, portanto, o conduzam ao crescimento intelectual, obtido por meio do deleite
árduo, porém, compensador, de um clássico. De acordo com Bloom (2010, p. 45-
46), “o texto está aí não para dar prazer, mas o elevado desprazer ou prazer mais
difícil que um texto menor não dará”.
Cosson (2011, p.21) aponta que o professor tende a “recusar os textos
canônicos por considerá-los pouco atraentes, seja pelo hermetismo do vocabulário e
da sintaxe, seja pela temática antiga que pouco interessa aos alunos de hoje.”
Ainda que as dificuldades se sobreponham, é essencial que o professor
preconize a leitura dos clássicos, visto que eles carregam consigo o legado da
tradição. As obras canônicas são bens culturais que não se restringem e não se
validam pelo tempo cronológico em que foram produzidas, mas pelos porquês de
62
sua permanência e consagração na memória, na história e na cultura da sociedade.
Ler um clássico é apropriar-se de um valor cultural eternizado pela arte literária, a
mensagem nunca está integralmente lida, o sentido não se esvazia, tampouco se
torna inexistente pela ação do tempo, esses livros “quando são lidos de fato mais se
revelam novos, inesperados, inéditos” (CALVINO, 2007, p.12).
O acesso aos clássicos é um direito do educando, e no ambiente escolar,
deve ser garantido através do trabalho pedagógico do professor, a fim de provocar a
inteligência do aprendiz, lançar-lhe desafios e ajudá-lo a superá-los. Primar pelo
trabalho com o cânone é imprescindível quando se objetiva a formação de leitores
críticos, logo, para que se realize a abstração dos sentidos do clássico, é preciso
questionar os valores, estremecer as certezas, instigar a busca por respostas, incitar
a descoberta dos sentidos.
No cenário dos autores clássicos, Machado de Assis ocupa um espaço
privilegiado no rol de escritores de grande amplitude literária, tendo em vista sua
originalidade, genialidade e importância para a literatura brasileira. As obras de
Machado devem integrar o repertório de leitura dos educandos no Ensino
Fundamental II,e, sobretudo, no Ensino Médio, modalidade escolar que abrange o
estudo mais aprofundado dos períodos literários e dos grandes nomes da literatura.
No entanto, devido a uma série de fatores, é comum que não seja solicitada a leitura
integral das obras machadianas, o que conduz a uma grande perda para o aluno
que, ao ser privado de ler integralmente o texto, deixa de experienciar os percalços e
as recompensas da imersão no cânone. Dalvi (2013, p. 83) afirma que é preciso
“evitar mutilar os textos e as obras: procurar sempre trabalhar com textos integrais e,
se possível, em seus diferentes modos de publicação”.
As narrativas de Machado de Assis, “ainda que escritas no século XIX,
podem provocar o diálogo com leitores contemporâneos, porque transpõem uma
dimensão do humano que transcende um tempo e um espaço determinados”
(SARAIVA, 2007, p.173-174). Nessa perspectiva, os significados dos textos
machadianos ultrapassam o tempo e são pertinentes à contemporaneidade, uma
vez que os grandes conflitos humanos, como o amor, a morte, o ciúme, a hipocrisia
e a dualidade da alma, foram e permanecem atuais.
O modelo de sequência didática proposta por Rildo Cosson (2011)
pressupõe o diálogo com diferentes textos, a fim de que o aluno tenha uma visão
abrangente do texto literário e das temáticas envolvidas. Além dos contos de
63
Machado de Assis, uma das obras que integram as atividades que serão
desenvolvidas na sequência é O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson,
texto que será utilizado para ampliar a abordagem realizada com o conto “A causa
secreta”, a fim de expandir as discussões sobre os mistérios e segredos da alma
humana. De acordo com Machado (2002, p. 96), esta obra é “um mergulho na
duplicação mental de cada um, um questionamento da capacidade humana de
domar seus monstros, portanto, uma verdadeira obra-prima. Stevenson é um dos
autores mais escrupulosos, mais inventivos e mais apaixonados de toda a literatura”.
As atividades que compõem a sequência didática estão ancoradas no
pressuposto de que a leitura literária de textos canônicos é fundamental para a
formação ampla do aluno. Frente a essas ponderações:
A recepção da força estética nos possibilita aprender a falar de nós mesmos e a suportar a nós mesmos. A verdadeira utilidade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero a Dante, é aumentar o nosso próprio eu crescente. Ler a fundo o cânone não nos fará uma pessoa melhor ou pior, um cidadão mais útil ou nocivo. Tudo que o cânone pode nos trazer é o uso correto de nossa solidão, essa solidão cuja forma final é nosso confronto com nossa mortalidade (BLOOM, 2010. p. 45-46).
A justificativa para a leitura de textos clássicos é a expansão dos próprios
horizontes humanos, seja pelo crescimento obtido pela penosa tarefa de superar os
desafios de um vocabulário refinado, seja pela sensação sublime de imergir nas
entrelinhas de uma trama imortalizada na história da humanidade, o cânone
representa a democratização do conhecimento e, na escola, a possibilidade de
vivenciar e possibilitar ao outro o deleite de adentrar a dimensão estética e colher
dela todos os benefícios e vantagens possíveis.
64
4 LETRAMENTO LITERÁRIO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA COMO ESTRATÉGIA
DE ENSINO DOS CLÁSSICOS
No âmbito do ensino de literatura, usualmente as práticas mais recorrentes
são as de identificação de escolas literárias com base nas características de cada
uma, a apresentação dos autores mais representativos das estéticas e suas
principais obras. Cosson (2011, p. 21) aponta que “no ensino médio, o ensino de
literatura limita-se à literatura brasileira, ou melhor, à história da literatura brasileira,
usualmente na sua forma mais indigente, quase como apenas uma cronologia
literária”. Não raramente as práticas de literatura desenvolvidas no Ensino Médio
ocupam-se da verificação dos traços de cada escola literária, acrescentando a isso,
aulas expositivas que abordam dados históricos e autores considerados mais
relevantes.
O ensino de literatura, de acordo com o que postulam as Diretrizes
Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa do Paraná, publicadas em 2008, deve
ser abordado de forma diferente. Nesse documento que orienta as práticas docentes
na área de Língua Portuguesa, encontra-se a seguinte ponderação
Sugere-se, nestas Diretrizes, que o ensino de literatura seja pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, visto que essas teorias buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática da leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a literatura em sua dimensão estética (DCE’S, 2008, p. 58).
A Estética da Recepção, elaborada por Hans Robert Jauss em 1994, é
embasada em sete teses: a relação leitor- texto, na qual o leitor dialoga com a obra
e a atualiza quando lê; o saber prévio do leitor, que consiste da reação particular de
cada um ao ler o texto; o horizonte de expectativas, ou seja, a forma como a obra foi
recebida pelo público em diferentes épocas; a relação dialógica do texto, na qual a
obra pode ser considerada uma resposta a um questionamento do leitor; o enfoque
diacrônico, que consiste no contexto em que a obra foi produzida; e por fim, o corte
sincrônico, por meio do qual o aspecto histórico é visto na atualidade e o caráter
65
emancipatório da obra literária, visto que a experiência estética vivenciada na leitura
possbilita ao aluno a atuação em diferentes contextos sociais.
A Teoria do Efeito, proposta por Wolfgang Iser em 1996 é inspirada na
Estética da Recepção e tem como base três conceitos fundamentais: a do leitor
implícito, as estruturas de apelo e os vazios do texto. A primeira se refere a uma
previsão que o autor faria a respeito de seu leitor ideal, a segunda consiste nas
lacunas deixadas pelo autor, ou seja, nas pistas que o direcionariam para uma
interpretação coerente; a terceira representa os vazios do texto, os quais seriam
preenchidos conforme a bagagem de mundo dos educandos, suas experiências,
valores, ideais, entre outros.
Ambas as teorias sugeridas nas Diretrizes não esgotam o texto em sua
escola literária ou na historiografia da literatura, mas apontam para uma abordagem
que tem como foco o leitor, a recepção do texto, a construção de interpretações, o
mergulho pelos arranjos linguísticos, as práticas sociais e o diálogo da obra com o
presente.
A alfabetização, antiga meta da educação, não é mais suficiente para
abranger a totalidade das demandas sociais, é preciso que os alunos não apenas
saibam ler e escrever, mas fazer um uso prático e significativo dessas duas
habilidades em contextos exteriores à escola.
Na atualidade, um termo que tem se destacado nas discussões sobre o
papel da leitura e da escrita é o letramento. Esse termo surgiu na segunda metade
da década de 80 na área da Educação e dos estudos linguísticos. Esta palavra
nasce para dar um novo significado às práticas que envolvem o ler e o escrever,
dessa forma, o objetivo do processo educativo não se esgota na alfabetização, que
se resume ao saber ler e escrever, mas na apropriação que o aprendiz faz da leitura
e da escrita e em seu uso nos diferentes espaços sociais.
A sociedade exige do educando muito mais do que a mera decodificação da
palavra escrita, é necessário saber utilizá-la para o preenchimento de um formulário,
interpretação de uma conta de luz ou bula de remédio e compreensão da função de
diferentes gêneros textuais4 e seus elementos composicionais. Kleiman (1995, p. 19)
4 Segundo Marcuschi (2005, p. 19), gêneros textuais são “entidades sócio-discursivas e formas de
ação social incontornáveis de qualquer situação comunicativa”. Exemplos: ensaio escolar, seminário, cartaz, carta, bilhete, notícia, e-mail etc.
66
define letramento como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para
objetivos específicos”. Portanto, ser alfabetizado não é o mesmo que ser letrado,
uma vez que o indivíduo pode conhecer o sistema alfabético e decodificá-lo, mas
isso não equivale ao efetivo envolvimento em práticas sociais de escrita. Soares
(2005, p. 46) elenca algumas situações que indicam pessoas não letradas
não leem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações em um catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio.
O letramento, com base nessa ponderação, pode ser definido como o uso
social da leitura e da escrita. Perante essa necessidade, uma das metas que devem
integrar os objetivos das instituições de ensino é capacitar os alunos para que eles
possam atuar em diferentes esferas sociais, fazendo o uso da leitura e da escrita,
seja para compreender o humor de uma charge ou para produzir uma dissertação
argumentativa em um teste seletivo.
O letramento é muito mais que alfabetização, é um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham em nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2005, p. 44).
Existem diversos tipos de letramento, como o escolar, o digital, o midiático, o
político e o literário, cada qual com suas características próprias, porém, este último
tem como elemento central o texto literário e os encaminhamentos dados a ele nas
práticas de ensino. De acordo com Cosson (2011, p. 12), ele
possui uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária, o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola.
67
O letramento literário consiste em ampliar a papel da literatura na escola e
enriquecer a abordagem metodológica utilizada em sala de aula, desta forma,
caracteriza-se por motivar o aluno a aceitar o desafio da leitura e imergir nas
múltiplas dimensões do texto. Essa modalidade de letramento objetiva a formação
de leitores que reconheçam e leiam os gêneros literários e que também consigam
dialogar com a obra, compreender seu significado, estabelecer comparações com
outras representações da arte, desenvolver seu potencial enquanto leitor, que
observa, reflete, critica e constrói opiniões. O letramento literário permite que os
alunos desfrutem de todos os benefícios oriundos do aprimoramento da habilidade
leitora.
Na perspectiva do letramento literário, o foco não é somente a aquisição de habilidades de ler gêneros literários, mas o aprendizado da compreensão e da ressignificação desses textos, através da motivação de quem ensina e de quem aprende. A literatura precisa de um processo de “escolarização”, mas não de forma descaracterizada e negada sua função social. Nesse sentido, o letramento literário é uma estratégia metodológica no direcionamento, fortalecimento e ampliação da educação literária oferecida aos alunos a fim de torná-los leitores proficientes, dentro e fora do contexto escolar; noutras palavras, é o uso social da literatura (SILVA; SILVEIRA, 2013, p. 93-94).
Com base na afirmação acima, compreende-se que o letramento literário
permeia a realidade da escola, pois afeta a metodologia, as técnicas de ensino e a
forma como as obras são abordadas em sala de aula, como também os outros
tantos contextos sociais, pois neles o aluno poderá se inserir, transitar e gozar de
todos os benefícios e vantagens de um leitor proficiente.
A literatura enquanto exploração sensível do mundo por meio das palavras,
que se organizam sintaticamente e poeticamente e produzem ao final, um resultado
catártico, de aceitação ou de negação, pode permitir que o aluno desenvolva
amplamente as habilidades de leitura e escrita, possibilitando múltiplas práticas
sociais.
Interpretar um texto verbal e não verbal, comparar discursos, compreender a
ironia de um enunciado, ter sensibilidade estética para interpretar um poema, uma
música, uma peça teatral ou uma tela, identificar intertextualidades, ideias e
contextos implícitos são ações que podem resultar das práticas de letramento
literário realizadas na escola, as quais podem garantir a inserção social do educando
em vários contextos (familiar, escolar, acadêmico, político, profissional, social, entre
68
outros). Frente a isso, “podemos acatar o conceito de letramento nos estudos
literários, propondo a noção de letramento literário enquanto o conjunto de práticas
sociais que usam a escrita literária” (ZAPPONE, 2008, p. 29).
Rildo Cosson (2011), em sua obra Letramento Literário: teoria e prática
(2011), argumenta sobre os déficits no ensino da literatura, geralmente restrito à
periodização. Além de discorrer sobre isso, aponta para a importância do letramento
literário, sugerindo sequências didáticas que objetivam tornar o ensino da literatura
mais significativo: a sequência básica e a expandida.
A primeira é composta por quatro etapas: motivação, introdução, leitura e
interpretação. A motivação é o momento de preparação do aluno para a leitura do
texto, nessa etapa o professor instigará o aprendiz, aguçando sua curiosidade,
construindo expectativas a respeito do texto e despertando sua atenção para a obra.
Todas as atividades que serão desenvolvidas posteriormente dependem da
motivação que é dada para o assunto. Ela pode ser feita por meio da apresentação
de imagens, vídeos, questionamentos orais, músicas, produções de texto, situações-
problemas, entre outros. Essa etapa dependerá da criatividade do professor, que a
planejará considerando o trabalho que objetiva realizar com o texto literário.
Na introdução, serão apresentados o autor e a obra, porém, a explicação
sobre o autor não deve se esgotar em uma aula expositiva com informações
biográficas, é importante lembrar que
a leitura não pretende reconstruir a intenção do autor ao escrever aquela obra, mas aquilo que está dito para o leitor. A biografia do autor é um entre outros contextos que acompanham o texto. No momento da introdução é suficiente que se forneçam informações básicas sobre o autor, e se possível, ligadas àquele texto (COSSON, 2011, p. 60).
Na apresentação da obra, é necessário que o professor explicite a
importância dela naquele momento, argumentando com isso, o porquê de tê-la
escolhido. Nessa etapa, o docente deve apresentá-la fisicamente, se ela estiver na
biblioteca, é interessante levar os alunos para que eles a retirem de lá, caso seja
uma cópia, eles podem manusear o livro original do professor, observando a capa, a
orelha, a contracapa e outras partes físicas. Além disso, podem ser sugeridas
algumas ideias e suposições a respeito da história, as quais serão comprovadas ou
não após a leitura. O professor também pode chamar a atenção para o prefácio e
69
estimular a curiosidade, ampliando as expectativas em relação ao texto, ainda que o
estudo detalhado do prefácio seja realizado em outras etapas da sequência. A
introdução não deve ser muito extensa, visto que o objetivo é que o aluno a receba
de forma agradável e positiva. Cosson (2011, p. 61) cita algumas características de
uma boa introdução: “seleção criteriosa dos elementos que serão explorados, ênfase
em determinados aspectos dos textos e a necessidade de deixar que o aluno faça
por si próprio”.
A terceira etapa da sequência básica consiste no acompanhamento do
processo de leitura, uma vez que não basta solicitá-la aos alunos e não verificar
como esse processo está sendo desenvolvido por eles, pois “a leitura escolar
precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e esse
objetivo não deve ser perdido de vista” (COSSON, 2011, p. 62).
Quando o professor pede a leitura de obras inteiras, ela deve ser feita na
casa dos alunos ou em ambientes específicos para isso, como a biblioteca, por
exemplo. Depois de negociar com os discentes o período suficiente para que todos
tenham lido a obra, é preciso marcar intervalos (no máximo três) para que o docente
dialogue com a turma, verifique as dificuldades, faça intervenções, observe o ritmo
de leitura de cada aprendiz e o andamento da atividade. Dessa forma, o intervalo é
uma forma de diagnosticar o processo de compreensão, como também “resolver
problemas ligados ao vocabulário e à estrutura composicional do texto, entre outras
dificuldades ligadas à decifração” (COSSON, 2011, p. 64). Frente a isso, os
intervalos são pausas que auxiliam o aluno no processo de leitura, pois envolvem as
expectativas em relação ao texto e nesse momento, os obstáculos podem ser
superados com a ajuda do professor.
A quarta etapa é a interpretação, composta por dois momentos: um interior e
um exterior. O momento interior é individual, íntimo e pode ser considerado o
encontro do texto com o leitor, portanto é caracterizado pela leitura de todos os
capítulos da obra, abrangendo a totalidade do livro. Justamente por representar o
diálogo da obra com o leitor, essa etapa não pode ser substituída pela leitura de
resumos ou por outras intervenções pedagógicas.
Ao término da leitura é comum que o aluno queira compartilhar a experiência
estética com alguém: amigos, colegas, professores etc. Esse compartilhamento de
interpretação é o momento externo, no qual o discente ampliará sua compreensão
individual, enriquecendo os horizontes da leitura e socializando o que aprendeu e
70
vivenciou por meio do texto. De acordo com Cosson (2011, p. 66), “as atividades de
interpretação, devem ter como princípio a externalização da leitura, isto é, seu
registro. Esse registro vai variar de acordo com o tipo de texto, a idade do aluno e a
série escolar, entre outros aspectos”.
Na interpretação podem ser realizadas várias atividades, como a produção
de textos de gêneros diversos, dramatizações, escolha de músicas, júri simulado,
ilustrações, dentre outras. Caso o professor opte pela produção textual, esta deve
ser devidamente orientada pelo docente, que explicitará os elementos que compõem
o gênero textual solicitado, o processo de escrita, como também a refacção. O
fundamental nesta etapa é oportunizar a socialização e a externalização do que foi
lido, estabelecendo um diálogo entre o aluno e a comunidade escolar. De acordo
com os objetivos, planejamento docente e a série escolar, o professor pode propor
múltiplas atividades, as quais permitirão o registro de impressões e a troca de
experiências.
Com o objetivo de atender a demanda dos professores do ensino médio e
oferecer também um ensino sobre a literatura, a sequência expandida abarca uma
análise mais aprofundada do texto, constituindo-se das seguintes etapas: motivação,
introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização (teórica, histórica,
estilística, poética, crítica, presentificadora e temática), segunda interpretação e
expansão.
A motivação, a introdução e a leitura seguem o que já foi descrito na
sequência básica. A primeira interpretação tem como foco a apreensão global do
texto, a observação do título e o impacto que ele causa, desse modo, sem que haja
restrições quanto à forma, como atividade os mesmos poderão redigir um
depoimento para registrar as impressões preliminares, o que acharam e pensaram
acerca da obra. Sugere-se que essa atividade deve ser feita em sala ou ao menos
iniciada nela.
Ela deve ser vista, por alunos e professor, como o momento de resposta à obra, o momento em que, tendo sido concluída a leitura física, o leitor sente a necessidade de dizer algo a respeito do que leu, de expressar o que sentiu em relação às personagens e àquele mundo feito de papel. A disponibilização de uma aula para essa atividade sinaliza, para o aluno, a importância que sua leitura individual tem dentro do processo de letramento literário. É por isso que o aluno precisa ser livre para escrever o que desejar dentro dos limites dados (COSSON, 2011, p. 84).
71
Na primeira interpretação, o professor deve interferir o mínimo possível, a
fim de que o aluno tenha liberdade para expressar seu ponto de vista e sua
apreciação. Por ser uma atividade que exige liberdade e uma posição do discente,
ela deve feita individualmente. O professor poderá pedir a refacção do texto e as
devidas adequações, sem perder de vista a valorização e o respeito pelo que o
aluno produziu.
É comum nas aulas de literatura que a noção de contextualização se limite à
explicação do contexto histórico em que a obra foi produzida, explicitando as ideias
importantes para a compreensão do texto. No entanto, essa abordagem pode se
tornar falha uma vez que tende a generalizar a explicação. É importante que a
contextualização represente para o aluno “o movimento de ler a obra dentro do seu
contexto, ou melhor, que o contexto da obra é aquilo que ela traz consigo, que a
torna inteligível para mim enquanto leitor” (COSSON, 2011, p. 86).
A sequência expandida engloba sete contextualizações para promover um
estudo aprofundado do texto, com base em análise de vários contextos que
permeiam a obra. Sugere-se que ela seja feita por meio de pesquisas que
posteriormente serão apresentadas para a turma em forma de seminários, debates,
ensaios, apresentação de slides, dramatizações, entre outros.
A contextualização teórica busca explicitar as ideias que sustentam a obra,
contudo o foco não é esboçar uma história das ideias, mas salientar a importância
desses conceitos no conjunto da obra. A contextualização histórica consiste em
apresentar a época ou período em que ela foi publicada. O professor não deve se
limitar à explicação e dados históricos e à sequência de acontecimentos, mas
abarcar a dimensão histórica que faz parte da obra como representação e/ou como
produção, associando o texto à sociedade que o originou. Nessa etapa podem ser
feitas atividades biográficas, que contemplem a vida e obra do escritor, como
também editoriais, envolvendo a situação de produção na época.
A contextualização estilística se refere aos conhecimentos tradicionais da
literatura, ou seja, nos estilos de época e nos períodos literários, porém o trabalho
não se restringe à mera explicação das características das escolas, tampouco à
identificação delas nas obras, visto que “são as obras que informam os períodos e
não o inverso” (COSSON, 2011, p. 87). É fundamental tornar claro para o aluno que
uma obra não se associa totalmente à escola literária, mas que ambas dialogam e
se alimentam de forma recíproca.
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A contextualização poética diz respeito à estruturação e composição da
obra. Nessa etapa, são abordados os elementos da narrativa (personagens, tempo,
espaço, foco narrativo, enredo, tipo de narrador etc), as figuras de linguagem e as
características do gênero textual em questão. Entretanto, as atividades não se
devem se restringir a verificação desses elementos, mas buscar compreender de
que modo a obra se estrutura e como ela está organizada, observando a arranjo
interno do texto.
Na contextualização crítica, o professor mostrará aos alunos a recepção da
obra, seja pela crítica ou pela história de sua edição. Como material, poderão ser
utilizadas as informações do prefácio, da capa, informações retiradas de notícias de
jornal, entre outros. No caso de obras clássicas, há bastante material em manuais,
livros didáticos e guias de leitura.
O confronto de leituras no tempo e no espaço é um diálogo poderoso no processo de letramento literário. Ele nos dá a dimensão do tempo e do leitor que as obras carregam consigo no universo da cultura. São elos de uma corrente que vai se ampliando e se transformando a cada novo leitor que a ela se acrescenta (COSSON, 2011, p. 88).
Ao entrar em contato com outras leituras, com opiniões, reflexões e
apreciações, amplia-se a perspectiva da obra, enriquecendo a compreensão dos
alunos e possibilitando novas abordagens para o texto. A contextualização
presentificadora procura chamar a atenção do aluno e estabelecer relações da obra
com o presente ou com alguma atualidade. O aluno buscará na sociedade atual,
algo que se identifique com o texto que leu; caberá ao professor orientar e
acompanhar as atividades para evitar relações superficiais.
A contextualização temática envolve o tema e sua repercussão na obra,
nesse sentido, o tema deve ser explorado com base no texto e não de forma
independente, caso isso aconteça, a obra deixa de ser o foco do trabalho. Por conta
dessa possibilidade, o professor deve estabelecer os limites rigorosamente, a fim de
que não haja fuga do tema no contexto da obra. Além disso, é possível ampliar as
atividades com a temática, permitindo o diálogo com outras áreas e disciplinas.
A segunda interpretação visa ao aprofundamento da primeira interpretação,
mantém uma ligação direta com a contextualização e tem como objetivo explorar e
fazer um estudo aprofundado de um dos aspectos da obra, portanto ela “pode ser
73
centrada sobre uma personagem, um tema, um traço estilístico, uma
correspondência com questões contemporâneas, questões históricas, outras
leituras, e assim por diante” (COSSON, 2011, p. 92). Considerando que as
contextualizações são realizadas em grupo, a segunda interpretação pode ser feita
individualmente ou em duplas, evitando grupos com três alunos ou mais. Essa etapa
deve ser finalizada com o registro que evidencie a leitura aprofundada do texto,
dessa maneira, podem ser feitos ensaios, cartazes, seminários ou exposições que
viabilizem o compartilhamento da leitura.
A expansão, última etapa da sequência expandida, centra-se no
estabelecimento de relações com outras obras e textos. Os alunos podem buscar
diálogos da obra com textos que a precederam, são atuais ou posteriores a ela. O
professor pode apresentar outras obras e pedir para que os discentes busquem a
intertextualidade, contudo, nesse caso, é necessário ter repertório para se obtenha
êxito nas relações textuais. A atividade pode consistir no diálogo de duas obras ou
até mais. Por fim, é fundamental que o resultado dessa etapa seja registrado pelos
aprendizes e, de preferência, divulgado para toda a escola.
A sequência expandida permite a potencialização do ensino, uma vez que
inclui e analisa múltiplos aspectos essenciais para uma apreensão ampla da obra,
porém é importante destacar que, para a efetivação satisfatória das etapas, é
fundamental o planejamento e também a amplitude do repertório de leituras do
professor, fator importante para a efetivação da proposta do letramento literário.
No que tange à avaliação, o professor poderá considerar a autoavaliação, os
intervalos de leitura, as discussões, os registros de interpretação, as atividades da
segunda interpretação, o registro da expansão e a verificação se o aluno
demonstrou aprofundamento da leitura, considerando, desta forma, os aspectos
quantitativos e qualitativos.
74
5 SEQUÊNCIA EXPANDIDA: UMA PROPOSTA A PARTIR DE CLÁSSICOS DO
TERROR
Tema: Da crueldade à duplicidade da alma humana: uma proposta a partir dos
clássicos.
Ano escolar proposto para desenvolvimento da sequência: 2º ano do Ensino
Médio.
Número de aulas previsto para aplicação: 35 aulas.
Textos escolhidos para a sequência:
“A Causa Secreta” (Machado de Assis) -(Várias Histórias, 1896)
O Médico e o Monstro (Robert Louis Stevenson, 1886)
“O espelho” (Machado de Assis) – (Papéis Avulsos, 1882)
“Não sei quantas almas tenho” (Fernando Pessoa) - (Poemas de Álvaro de
Campos, 1993)
Outros materiais escolhidos para a sequência:
Filme “A causa secreta” (Sergio Bianchi, Versátil, 1994.)
Trechos do filme “O incrível Hulk” (Louis Leterrier, Marvel, 2008)
“A Causa Secreta” em história em quadrinhos. (Francisco S.Vilachã, Escala
Educacional, 2006)
“O Médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Fiona Macdonald,
Companhia Editora Nacional, 2009)
“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Luciana Garcia, Prumo –
GraphicChillers, 2011)
“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos. (Carl Bowen, On Line
Editora, 2009)
Filme “Gladiador” (Ridley Scott, Columbia Pictures do Brasil, 2000).
Imagens. Links:
http://wwwlaotrahistoria.blogspot.com.br/2011/05/los-gladiadores-en-
roma.html
http://www.taringa.net/posts/imagenes/5212137/Gladiadores-de-roma.html.
http://www.sobreavida.com.br/2011/08/30/as-varias-mascaras-que-utilizamos-
para-esconder-o-amor
75
http://sesi.webensino.com.br/sistema/webensino/aulas/repository_data//SESIe
duca/ENS_FUN/ENS_FUN_F08_PORT/368_POR_ENS_FUN_F08_10/leitura_de_m
undo.html
https://melgrosscartoons.files.wordpress.com/2010/11/mascara1.jpg
Música “Máscara” – Pitty (Admirável Chip Novo, 2003).
Música “Dr. Jekyll & Mr. Hyde” (Petra, Jekyll and Hyde, 2003).
Animações baseadas na obra O médico e o monstro:
https://www.youtube.com/watch?v=dcqmvGVH9c0
https://www.youtube.com/watch?v=erxmBdDYTeo
Objetivos
Geral
Possibilitar que os alunos desenvolvam um aprendizado significativo da literatura por
meio de textos clássicos que abordam a temática do terror.
Específicos
1- Refletir sobre o tema da duplicidade da alma humana através de textos literários
clássicos.
2- Analisar a junção da forma e do conteúdo na construção do valor estético dos
textos.
3- Compreender a contemporaneidade do tema retratado.
4- Associar o texto original a outras formas de representação artística relacionadas à
temática.
5- Produzir uma dissertação escolar, apreciando, associando e comparando as
obras estudadas.
Motivação
De acordo com os objetivos do professor, poderão ser desenvolvidas
diferentes atividades para a motivação, englobando materiais diversos (áudios,
vídeos, imagens, textos, histórias em quadrinhos, dinâmicas, dentre outros). Na
sequência, serão expostas algumas possibilidades e sugestões para a realização
76
dessa etapa. Uma delas é a apresentação da música “Máscara”, da cantora Pitty e
Dr. Jekyll & Hyde, da banda Petra.
Máscara
Diga, quem você é me diga
Me fale sobre a sua estrada
Me conte sobre a sua vida
Tira, a máscara que cobre o seu rosto
Se mostre e eu descubro se eu gosto
Do seu verdadeiro jeito de ser
Ninguém merece ser só mais um bonitinho
Nem transparecer consciente inconsequente
Sem se preocupar em ser, adulto ou criança
O importante é ser você, mesmo que seja, estranho
Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro
Mesmo que seja, estranho, seja você, mesmo que seja
Tira, a máscara que cobre o seu rosto
Se mostre e eu descubro se eu gosto
Do seu verdadeiro jeito de ser
Ninguém merece ser só mais um bonitinho
Nem transparecer consciente inconsequente
Sem se preocupar em ser, adulto ou criança
O importante é ser você, mesmo que seja, estranho
Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro
Mesmo que seja, estranho, seja você, mesmo que seja
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Meu cabelo não é igual
A sua roupa não é igual
Ao meu tamanho não é igual
Ao seu caráter não é igual
Não é igual, não é igual
Não é igual
I hadenoughof it
But I don'tcare
I hadenoughof it
But I don'tcare
Diga, quem você é me diga
Me fale sobre a sua estrada
Me conte sobre a sua vida
E o importante é ser você, mesmo que seja, estranho
Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro
Mesmo que seja, estranho
Seja você, mesmo que seja bizarro bizarro, bizarro
Mesmo que seja estranho.
Fonte: http://letras.mus.br/pitty/80314/
Jekyll & Hyde
I have a secret that I let nobody see
An evil shadow that's been hanging over me
My alter ego that I try to hold at bay
But despite my good intentions he could always get away
He does the things that I don't want to do
Sometimes I feel like Jekyll and Hyde
Two men are fighting a war inside
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I have a secret that I let nobody see
It's like a split personality
And the one I feed is the one who lives
The one I starve will be the one who gives
He won't do things that I know I should do
Sometimes I feel like Jekyll and Hyde
Two Men are fighting a war inside
One gives, one takes, I have to decide
Sometimes I feel like... Jekyll and Hyde
I need somebody to rescue me
when personalities clash
I know which person I want to be
With no defiance, just God-reliance
Jekyll & Hyde (tradução)
Eu tenho um segredo que eu não deixo ninguém ver
Uma sombra má que está pendurada em mim
Meu outro ego que tento controlar
Mas apesar das minhas boas intenções,
ele sempre poderia fugir de mim
Ele faz as coisas que eu não quero fazer
às vezes me sinto como Jekyll e Hyde
Dois homens lutando uma guerra interior
Eu tenho um segredo que eu não deixo ninguém ver
É como se fosse uma personalidade dividida
E a que eu alimento é aquela que vive
Aquela que eu não alimento é a que doa
Ele não fará coisas que eu sei que deveria fazer
Às vezes me sinto como Jekyll e Hyde
Dois homens lutando uma guerra interior
Um dá, outro toma, Eu tenho que decidir
às vezes me sinto como... Jekyll e Hyde
79
Eu preciso de alguém para me resgatar
quando as personalidades se chocam
Eu sei que tipo de pessoa eu quero ser
sem contrariar, apenas dependendo de Deus.
Fonte: http://www.vagalume.com.br/petra/jekyll-hyde.html#ixzz3Sfbvurx4
O professor questionará os alunos sobre o tema da música Máscara e qual o
significado que a palavra máscara assume na canção. Os alunos serão
questionados sobre as diversas faces – máscaras – do homem e se é possível que
haja uma personalidade integralmente boa ou integralmente má. Dessa forma, serão
propostas as seguintes indagações oralmente:
-Em que medida é possível afirmar que o homem usa máscaras?
-Por que uma das faces da personalidade tem de se manter oculta sobre máscaras?
-Existem pessoas totalmente boas ou totalmente más?
-Com base em quais critérios/valores a sociedade julga a índole do homem como
boa e má?
-Quais seriam os riscos/penalidade de viver sem nenhuma “máscara”, evidenciando
e dando vazão a todos os instintos e desejos da alma humana?
Depois de discutir as respostas com os alunos, será proposta a leitura da
letra da música Dr. Jekyll & Mr. Hyde, da banda Petra. Após ouvi-la e observar a
tradução, serão feitas as seguintes perguntas em atividade impressa:
1- Quais seriam os segredos que deveriam permanecer ocultos?
2- Como a relação entre o bem e o mal é expressa na música?
3- No embate entre a face boa e a má, qual se sobrepõe?
4- Explique o seguinte trecho “é como se eu fosse uma personalidade dividida e a
que eu alimento é aquela que vive, aquela que eu não alimento é a que doa”.
5- Na música são citados os nomes Jekyll & Hyde, você conhece ou já ouviu falar
esses nomes? Caso não, pesquise e justifique o porquê da referência a esses
personagens no contexto da música.
Os alunos terão vinte e cinco minutos para responder as questões, as quais
poderão ser feitas em duplas. Depois disso, as respostas serão socializadas para
80
os colegas, que poderão complementá-las ou contestá-las. Após essas perguntas,
os alunos farão a leitura do texto abaixo.
Um dia as máscaras caem.
As máscaras costumam sugerir metamorfoses em curso, portanto, ao
esconder um rosto, exacerbam outra personalidade. No ato de esvaziar a figura do
ator, revestem-se logo de uma nova personagem. De certa forma poderíamos
afirmar que tanto no oriente como no ocidente, independente de sua mística ou
simbolismos, a máscara indica a presença de processos transformacionais. Seus
significados são inerentemente apreendidos pelos povos, pois a máscara exclui o
pensamento racional.
Há gente que nasce com a propensão de matar. Outros se ocupam em
fertilizar a vida por onde passam. Haverá o gene da maldade? Pesquisas se
multiplicam, embora certos estudiosos afirmem que determinados cromossomas ou
sua má formação contribuam para danosos desvios de conduta.
Persona é um termo de origem latina, nome de uma máscara usada pelos
atores na antiguidade. Jung empregou esta expressão visando demonstrar como
uma pessoa adapta-se ao mundo; é sua máscara, sua maneira de ser que a conduz
socialmente. Importa advertir, no entanto, quando alguém se identifica somente com
a persona e se esquece de valores constitutivos de sua personalidade, tende a ficar
frio e vazio. Como um balão de gás. Uma embalagem sem conteúdo. Um
significante sem o significado.
Fonte: http://www.revistabula.com/561-um-dia-as-mascaras-caem/
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Imagem 1 – Máscaras representando a dualidade humana (2015). Fonte:www.melgrosscartoons.files.wordpress.com
Imagem 2 – Personalidade tripartida (2015) Fonte: www.sobreavida.com.br
O texto “Um dia as máscaras caem” trata da transformação humana e da
máscara enquanto elemento que caracteriza a metamorfose. Portanto, ela surge da
necessidade de ocultar uma personalidade não aceita socialmente. Além da
82
discussão sobre a possiblidade de existir um gene da maldade, conclui-se
destacando que o indivíduo que vive apenas com a máscara que se adapta ao que é
aceito socialmente, pode se tornar vazio e perder sua essência.
Para complementar a compreensão do texto, após ouvir dos alunos seus
comentários e interpretações iniciais sobre as ilustrações e o texto, o professor
poderá fazer a análise da primeira imagem, ressaltando a oposição entre a
expressão da máscara e o os sentimentos que estão por trás dela, no primeiro caso,
o pavor e o medo escondidos sob uma máscara que esboça um ar de naturalidade;
no segundo, o ódio mascado por uma face afetuosa e terna; no terceiro, a perversão
e a maldade mascaradas por uma face triste e melancólica. Desta forma, o docente
explicará aos alunos que a máscara representa sentimentos e personalidades
ocultos, os quais podem não ser aceitos moralmente pela sociedade.
A segunda imagem ilustra uma face tripartida, expressando
respectivamente, a alegria, o delírio e a tristeza. O professor pode chamar a atenção
dos alunos para que eles observem o conflito causado por tantas emoções e
sentimentos, visto que a figura representa as múltiplas faces do ser humano e os
transtornos causados pela confluência de tantas personalidades.
Após isso, os alunos lerão o poema Não sei quantas almas tenho, de
Fernando Pessoa.
Não sei quantas almas tenho
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
83
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: “Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
PESSOA, Fernando. Novas Poesias Inéditas. Lisboa: Ática, 1993, p. 48.
O professor recolherá oralmente as impressões iniciais dos alunos sobre o
poema e discutirá o tema das múltiplas almas que o ser humano possui segundo
afirma o poeta. O docente frisará para os alunos a forma como o eu lírico do poema
se enxerga como ser inacabado e em constante mudança.
Feito isso, o professor apresentará as seguintes ilustrações para os alunos,
questionando se eles já viram estas imagens, se sabem o que foram os gladiadores
e qual era a função deles no Império Romano.
84
Figura 3 – Gladiador após luta. Fonte: http://wwwlaotrahistoria.blogspot.com.br (2015).
Figura 4 – Gladiadores de Roma. Fonte: www.taringa.net (2015).
85
Após as respostas, o professor passará um trecho do filme Gladiador
(Columbia Pictures do Brasil, 2000) a fim de que os alunos observem como era feito
o combate, a forma como os gladiadores se enfrentavam, a utilização das máscaras,
a reação do público perante o confronto, como também a maneira como o Imperador
conduzia as lutas. Depois disso, o docente lerá para os alunos o seguinte texto
informativo:
Gladiadores
O Gladiador era um escravo lutador na Roma Antiga. O termo utilizado para
definir os escravos que eram forçados a lutar por suas vidas no antigo Império
Romano é proveniente de uma espada que utilizavam em combate, o gládio. Os
primeiros registros existentes sobre lutas de gladiadores em Roma são datados de
286 a.C.. Sabe-se, contudo, que foi um esporte inventado pelos etruscos.
Em Roma, a luta dos gladiadores fez muito sucesso, era atividade muito
atrativa para o grande público. Combatentes se enfrentavam na arena e a luta só
terminava quando um deles morria, ficava desarmado ou sem poder combater.
Havia um responsável por presidir a luta que determinava se o derrotado deveria
morrer ou não, e o povo influenciava muito nessa decisão. Normalmente a
manifestação popular era expressa apontando a mão fechada com o polegar para
baixo, o que significava que o povo desejava a morte do derrotado. Entretanto nem
sempre a morte era desejada e a posição oposta do indicador ou a mão fechada
levantada do ar indicava que o derrotado poderia ficar vivo.
Por muitos séculos, os gladiadores lutaram entre si ou contra animais
ferozes para entreter os romanos. Foi construída uma arena especial para esse tipo
de espetáculo, o Coliseu, que tem em suas ruínas, hoje, um dos principais pontos
turísticos da Itália. Os lutadores eram prisioneiros de guerra, escravos e autores de
crimes graves. E, para satisfazer o fetiche de alguns imperadores, mulheres e anões
também lutavam.
Fonte: http://www.infoescola.com/civilizacao-romana/gladiador/
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O professor perguntará aos alunos o que eles compreenderam a respeito do
texto, explicando algo que porventura não tenha ficado claro. Depois disso, o
docente passará na lousa os seguintes questionamentos, que deverão ser
respondidos em duplas. Os alunos terão trinta e cinco minutos para respondê-las. A
correção será iniciada com cada dupla socializando suas respostas para a turma. O
professor fará os comentários complementares, que julgar necessários.
1-Por que as lutas dos gladiadores eram tão populares e foram adotadas como
estratégia política na época?
2- Por que um espetáculo regado à violência e que culminaria com a morte de uma
das pessoas atraía tantas pessoas ao Coliseu, proporcionava-lhes divertimento e as
mantinha entretidas?
3- Qual sentimento humano levaria a população a assistir e deleitar-se com o
sofrimento alheio?
4- O prazer pela dor alheia também pode ser identificado na atualidade? De que
forma?
5- É possível verificar que os gladiadores também usavam máscaras. O que elas
representavam naquela época?
6- No contexto dos gladiadores, de que forma a máscara pode ser compreendida
como uma segunda personalidade? Qual seria o objetivo de manter a identidade do
gladiador encoberta e oculta?
Após isso, por meio de projetor multimídia será apresentada para os alunos
a imagem abaixo. O professor explorará com os discentes os elementos da imagem,
como o que possivelmente representaria o olhar do personagem no primeiro
quadrinho (Garcia), o que ele estaria cogitando a respeito da cena que presenciava,
assim como o olhar do personagem do segundo quadrinho (Fortunato) e o que
pretendia fazer com o rato. Serão registradas na lousa a participação e as
suposições dos alunos acerca da imagem e das possíveis causas que justificariam
as ações dos personagens.
87
Imagem 5 – Garcia observa Fortunato mutilando o rato. Fonte: A causa secreta em história em quadrinhos. Escala Educacional (2006, p. 30).
Depois disso, para complementar a abordagem do suspense e do terror da imagem,
o professor passará um pequeno trecho de aproximadamente dois minutos, do filme
“A causa secreta”, de Sergio Bianchi. A cena será a dos preparativos para a
mutilação do rato. O objetivo é motivar a leitura do conto.
Imagem 6 – Trecho do filme A causa secreta.
Fonte: Versátil (1994).
88
Imagem 7 – Trecho do filme A causa secreta.
Fonte: Versátil (1994).
Após isso, será solicitado que os alunos leiam o conto “A causa secreta”, de
Machado de Assis, para a próxima aula.
Introdução
O professor questionará os alunos acerca de seus conhecimentos sobre
Machado de Assis. Feito isso, o docente apresentará o autor e alguns dados
biográficos, a importância do escritor e de suas principais obras. A aula será
realizada no laboratório de informática. Os alunos acessarão diversos sites e
visualizarão vídeos sobre a biografia de Machado de Assis, imagens, árvore
genealógica, curiosidades, principais romances, contos, entre outras informações. O
professor orientará os alunos para que eles busquem informações biográficas que
enfatizem o conto lido, se possível. Os vídeos, imagens e informações dos sites
serão vistos e intercalados com a explicação do professor, que frisará a importância
e representatividade desse conto machadiano e por que o escolheu.
Será apresentada também a obra física, que faz parte do livro de contos
intitulado Várias Histórias (1896). Os alunos poderão manuseá-la, observar a capa,
o projeto gráfico, as imagens e localizar o conto no livro. O professor poderá indagar
89
os alunos sobre o possível enredo do texto, suscitando suposições e expectativas a
respeito dele.
Leitura
Pela obra em questão ser um conto, a leitura pode ser feita na casa dos
alunos, dessa forma não é necessário fazer intervalos para o acompanhamento do
processo.
Primeira interpretação
Nessa etapa, os alunos deverão apresentar suas impressões gerais sobre o
conto lido, assim como as dificuldades, curiosidades, indagações e questionamentos
acerca do texto. Para tanto, deverá ser feita, individualmente, a produção de um
relato de experiência de leitura, no qual o aluno dará sua opinião acerca do texto,
citando seu ponto de vista, aspectos positivos e negativos. Os alunos entregarão as
produções ao professor e se organizarão em um círculo para compartilhar e
socializar a experiência estética por meio da oralidade, ampliando, com isso, sua
compreensão individual.
Para motivar os alunos a lerem a obra O médico e o monstro, o professor
passará dois vídeos de animações diferentes que estabelecem diálogo ou são
baseados na obra. O primeiro deles é uma versão do desenho Pernalonga.
90
Imagem 8 – Pernalonga – O médico e o monstro (2014) Fonte: www.youtube.com
91
A outra é uma animação feita em 2007.
Imagem 9 –Transformação do médico em monstro (2007) Fonte: www.youtube.com
O professor questionará os alunos sobre as semelhanças e diferenças entre
os dois vídeos e de que forma se dá a transformação e a mudança de
comportamento dos personagens. Para tanto, deverão ser seguidos os seguintes
parâmetros para a comparação: características do personagem antes e depois da
transformação (Dr. Jekyll), espaço em que ela ocorre e a atmosfera de terror e
mistério em cada vídeo. A leitura da obra será feita extraclasse e os alunos terão
quinze dias para isso.
Contextualização
Para dar início às atividades de contextualização, o professor dividirá os
alunos em trios. Cada grupo ficará responsável por realizar as contextualizações do
92
conto “A causa secreta” e do romance O médico e o Monstro, através de pesquisas
em livros, manuais, sites da internet, almanaques e revistas. Para isso, o professor
explicará aos alunos a importância de buscar sites mais confiáveis, indicar a fonte
das pesquisas, como também discutir as informações com o grupo, selecioná-las e
parafraseá-las para o seminário. Durante as apresentações dos alunos, o professor
fará intervenções a fim de aprofundar a abordagem realizada pelos educandos,
ressaltando pontos que não foram explorados. Na sequência, seguem algumas
sugestões de atividades e de aspectos que podem ser abordados pelo professor
para a realização das contextualizações. É fundamental frisar que o foco será
sempre o texto literário, portanto, cabe ao docente selecionar as informações e
textos que enriquecerão a discussão a respeito da obra e que poderão contribuir
para a construção de uma compreensão aprofundada e significativa da mesma.
Contextualização teórica
Para a contextualização teórica, com base na teoria da psicanálise, o
professor explicará o conceito das três faces de Freud, segundo a qual o ser
humano e suas ações seriam guiados pelo Id (instinto animal e primitivo), Ego e
Superego (civilização e repressão dos desejos mais obscuros). Será feita a
articulação entre a teoria e o romance de Stevenson e o conto machadiano. Para
explicar a teoria freudiana, poderá ser utilizado o texto abaixo:
Id, Ego e Superego
São as três estruturas do aparelho mental, segundo o psiquiatra austríaco
Sigmund Freud. Cada uma delas cuidaria de algum aspecto da nossa personalidade
e regeria nossa interação com outras pessoas. Ele apresentou essa teoria em 1923,
no texto O Ego e o Id. Freud foi um revolucionário: ele acreditava que pacientes com
distúrbios psicológicos eram capazes de lidar melhor com seus conflitos
conversando com o terapeuta. Ele propôs ainda a interpretação de sonhos e a livre
associação como métodos para acessar camadas mais profundas da mente e
buscar ali a cura.
93
O Ego
Comandada pelo “princípio da realidade”, essa parte é aquela que
mostramos aos outros. Fortalecido pela razão, o ego está “preso” entre os desejos
do id (tentando encontrar um jeito adequado de realizá-los) e as regras ditadas pelo
superego.
O Id
É a parte de nossa psique responsável pelos nossos impulsos mais
primitivos: as paixões, a libido, a agressividade... O id (“isso” em alemão) está
conosco desde que nascemos e é norteado pelo “princípio do prazer”, mas seus
desejos são frequentemente reprimidos.
O Superego
Também chamado de “ideal do ego”, tem a função de conter os impulsos do
id. Suas regras sociais e morais não nascem com a gente: nós a aprendemos na
sociedade para que possamos conviver nela corretamente.
Fonte: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-ego-id-e-superego
No caso da obra O médico e o monstro, Dr. Jekyll representa o Ego, ou seja,
um médico respeitado pela sociedade, que, no entanto sofre com a repressão de
seus instintos mais sórdidos. Já Mr. Hyde age de acordo com Id, pois dá vasão aos
instintos mais primitivos e busca pela satisfação dos desejos e pelo prazer. O
Superego é o elemento que tenta conciliar as ações do médico e do monstro, de
acordo com as condutas moralmente aceitas pela sociedade. Contudo, na busca
pelo controle dos impulsos, gera-se o conflito entre as duas personalidades.
No conto “A causa secreta”, o Ego é a representação de Fortunato, homem
de boa reputação, com status social elevado e conhecido pelas boas ações. O Id
expressa a causa secreta desse afamado médico que cuida com especial atenção
dos cáusticos, ou seja, o lado perverso, o prazer pelo sofrimento alheio, a
94
manipulação de homens e animais. Por fim, é por meio do Superego, que Fortunato
mascara sua crueldade sob vários pretextos para manter as aparências, sua posição
social e não quebrar as normas de conduta aceitas pelos demais.
Contextualização histórica
Para a contextualização histórica, os alunos pesquisarão o contexto histórico
em que as obras foram produzidas. No conto “A causa secreta”, será analisada a
época do Segundo Reinado (1840 a 1889), enfocando a forma como as camadas
sociais eram divididas na época e o poder de manipulação exercido pela elite,
especialmente na segunda metade do século XIX. O professor poderá também ler e
discutir oralmente com os alunos, o texto abaixo, que traz algumas informações
sobre o contexto histórico de produção do conto, complementando as pesquisas
feitas por eles.
Para entender bem o conto é preciso tomar em consideração o contexto
histórico brasileiro do século XIX, (principalmente na segunda metade deste século)
época em que o conto foi escrito. O autor Machado de Assis viveu em uma
sociedade escravocrata, em que a burguesia procurava imitar valores europeus,
mas que ao mesmo tempo passava por grandes transformações, como por exemplo
uma total mudança no sistema político: o país decretou o fim do Império e instaurou
a República em novembro de 1889 .
No Brasil, as ideias cientificistas vindas da Europa – principalmente da
França que era na época o modelo a ser seguido – se tornavam populares na classe
intelectual. Testemunhamos neste período grandes progressos na área da ciência.
Foi inaugurado em 1852 na cidade do Rio de Janeiro o Hospício de Pedro II, então
sede da Corte Imperial. Foi o marco institucional fundador do alienismo brasileiro.
Foi o primeiro manicômio ao sul da linha do Equador, primeiro hospício da América
Latina e principal realização pública do Império no período, que despontou como um
símbolo de modernidade do Império brasileiro. O hospício desempenha dois papéis:
primeiramente o de mostrar que o Brasil, assim como a Europa se dedicava a
95
ciência e também para provar que o país poderia também produzir loucos. Os
médicos Manoel Olavo Loureiro TeixeiraI e Fernando A. de Cunha Ramos escrevem
num artigo intitulado As origens do alienismo no Brasil: dois artigos pioneiros sobre o
Hospício de Pedro II que exibir um asilo de alienados, em meados do século XIX,
era a prova cabal da modernidade científica e tecnológica de uma nação.
Neste contexto de alienação, temos a publicação em 1882 do conto “O
alienista” onde Machado faz uma clara crítica a ciência e a sociedade – no caso, de
Itajaí – que apesar de ter sido aprisionada no manicômio pelo médico enquanto
ainda vivo, o enterrou “com muita pompa e rara solenidade” na ocasião de sua
morte. Temos uma relação extremamente próxima entre o saber e o poder que
serão trabalhadas mais profundamente nos finais do século XX por Michel Foucault.
Em História da Loucura, Foucault defende, entre outras ideias, que a medicina
construiu e constrói seu saber por “acumulação” de dados e utiliza seu saber para
exercer seu poder sobre o outro.
Coincidência ou não, o conto que trataremos aqui tem como personagens
principais dois médicos que são sócios e amigos: Fortunato e Garcia.
Fonte: https://webculturaecomunicacao.wordpress.com/2015/03/26/analise-do-conto-
a-causa-secreta-de-machado-de-assis/
Para a contextualização histórica da obra O médico e o monstro, o professor
explicará como era caracterizada a Era Vitoriana, destacando principalmente o
contraste entre a classe do proletariado e da elite, os avanços nas pesquisas e
experiências científicas, a sociedade moralista da época, o êxodo rural, reflexo da
Revolução Industrial, o caos do espaço urbano, a violência e os crimes comuns na
época. Para complementar a explicação, o professor poderá utilizar os textos abaixo.
O PROGRESSO TECNOLÓGICO: A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Em 1837, uma jovem de 18 anos foi coroada rainha da Inglaterra. Com
apenas 1,47 de altura a rainha Vitoria marcaria sua época como uma das gigantes
da monarquia britânica. Entre junho de 1837 a janeiro de 1901 o império britânico,
sob o seu reinado, expandiria seus limites e se apoiaria na Revolução Industrial para
elevar o padrão de vida da classe media. Nestes 63 anos de reinado a Inglaterra
96
registrou um crescimento demográfico assustador, passando de 16,8 milhões para
30,5 milhões num período entre 1851 a 1901. Esse crescimento assustador, em
parte ocasionado pelo progresso tecnológico, ocasionou verdadeiros desastres
urbanos como epidemias, expansão da pobreza e da violência. Londres emergiu
como a grande metrópole europeia, marcada pelo contraste entre a opulência dos
mais ricos e a extrema miséria dos mais pobres. Essa concentração assustadora de
necessidade e prosperidade industrial fez de Londres uma singularidade absoluta
entre as metrópoles europeias.
A gigantesca cidade permanecia imersa numa nevoa sulfurosa proveniente
das chaminés industriais. As ruas cobertas de sujeira e estrume de cavalos, o asfalto
impregnado por uma substancia negra que lembrava a graxa de sapato, os prédios
cobertos por uma fina camada de fuligem. Essa era a imagem da grande metrópole
moderna, industrializada e em rápido crescimento.
A região de maior concentração demográfica se localizava no norte do país:
as áreas em torno das cidades de Manchester, Bradford, Preston e Liverpool eram
conhecidas como verdadeiros formigueiros humanos. A região era dominada por
minas de carvão e apresentava concentração demográfica de 150 a 300 habitantes
por quilometro quadrado (referentes ao ano de 1801). Algumas cidades como
Londres, Birmingham, Bristol, Gloucester, Nottingham, Sheffield, Exeter e Newcastle
também apresentava o mesmo índice demográfico.
Em uma de suas viagens ao complexo industrial de Birmingham a jovem, e
ainda adolescente, princesa Vitoria deixou registrado o que viu: “Os homens,
mulheres e crianças, o campo e as casas são todos escuros. O campo está
desolado em toda parte. O carvão em toda parte e a grama toda arruinada e negra”.
A sociedade era extremamente moralista e machista. O homem dominava o
mercado de trabalho e a mulher via seu papel relegado ao de funcionária doméstica.
Não havia espaço para posturas radicais quanto à estrutura padrão do lar.
Fonte: http://cafe-musain.blogspot.com.br/2014/07/o-progresso-tecnologico-
revolucao.html
97
Durante o século XIX, o desenvolvimento científico foi muito significativo.
Havia uma esperança generalizada de que o progresso da ciência equivalia ao
progresso da própria sociedade, que as novas descobertas ajudariam a melhorar o
mundo. Não foi bem assim, mas temos descobertas e invenções muito importantes
nesse período. A própria máquina a vapor permitiu não só o desenvolvimento das
fábricas, mas também dos trens, ajudando a encurtar as distâncias e facilitando o
transporte de pessoas e mercadorias. Também foram criados o telégrafo e o
telefone, que permitiram a transmissão de informação à distância em tempo real
pela primeira vez. Isso sem falar na lâmpada e até no primeiro fogão elétrico, além
dos automóveis, das máquinas fotográficas e dos protótipos do rádio, para citar
alguns exemplos. Os cientistas se ocupavam também de observar a natureza e seu
funcionamento (Darwin era um legítimo vitoriano), mas não era só isso. A
desigualdade social também se torna objeto de estudo e começam a surgir
pensadores que questionam a organização da sociedade e a distribuição de
riquezas, propondo formas alternativas; é o caso do socialismo.
Fonte: http://diariosanacronicos.com/blog/essa-tal-era-vitoriana/
Contextualização estilística
Para contextualização estilística, os alunos pesquisarão as características
do Realismo/Naturalismo no Brasil e do Realismo inglês. Após os alunos
compartilharem as informações da pesquisa através de seminário, o professor
retomará as características dos dois períodos, buscando estabelecer um diálogo
entre as obras e os períodos, salientando a superioridade das mesmas em
detrimento desta ou daquela escola literária.
Como atividade, o professor selecionará trechos das obras para analisar
junto aos alunos em sala, discutindo, verificando e problematizando as
características do Realismo/Naturalismo em cada um dos textos. Essa atividade
poderá ser feita em duas aulas.
98
Contextualização poética
Para a contextualização poética, o professor explorará com os alunos alguns
elementos da estrutura das obras e os elementos da narrativa.Será explicada a
técnica literária intitulada in media res.
In media Res
Expressão latina que significa "no meio das coisas". Técnica narrativa
literária que consiste em relatar os acontecimentos da história, não pelo seu início
(ab ovo ou ab initio), mas pelo momento crucial e pelo meio da ação, como forma de
cativar a atenção do leitor. Para além disso, esta técnica permite suprimir incidentes
desagradáveis e atenuar os intervalos entre os acontecimentos que, muitas vezes,
perturbam a continuidade da ação. A expressão in medias res surge, pela primeira
vez, na Arte Poética (linhas 148-150) de Horácio (65 a. C-8 a. C.).
Fonte: Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora,
2003-2015. [consult. 2015-04-26 15:44:13]. Disponível na Internet:
http://www.infopedia.pt/$in-medias-res.
Essa técnica narrativa literária aparece logo no início do conto, quando é
possível observar com detalhes, a descrição de uma cena que desperta a
curiosidade do leitor e que será compreendida posteriormente com o avanço da
história.
Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas; Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luísa, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada. Tinham falado do dia, que estivera excelente, - de Catumbi, onde morava o casal Fortunato, e de uma casa de saúde, que adiante se explicará. Como os três personagens aqui presentes estão agora mortos e enterrados, tempo é de contar a história sem rebuço (ASSIS, 2003, p. 56).
Serão explicados também os capítulos do romance O médico e o Monstro e
o que cada título quer dizer.
99
1 - A história da porta Nesse capítulo há a descrição de Mr.
Utterson, advogado de Henry Jekyll. O
advogado costuma passear aos
domingos com seu amigo Richard
Enfield, certo dia, caminhando por uma
rua com muitas lojas que indicam
prosperidade, há uma porta que chama
a atenção porque destoa desse clima.
Enfield relata um caso que presenciara
há um tempo. Um homem pisoteara
cruelmente uma criança e quando
exigem que ele repare o que fez, ele
entra pela tal porta e sai com um cheque
assinado por Henry Jekyll, respeitado
médico londrino. Para a surpresa de
todos, o cheque não era falsificado.
2 - A procura por Mr. Hyde Utterson preocupado com o que
descobrira, retira de seu cofre o
testamento de Jekyll e descobre que na
ausência ou desaparecimento dele,
todos os seus bens seriam de Mr. Hyde.
Utterson vai até a casa de Lanyon e fala
sobre o comportamento estranho de
Jekyll, mas não obtém nenhuma
informação importante. Utterson passa a
visitar frequentemente o local da porta a
procura de Hyde. Uma noite, ele o
encontra e fica estarrecido com sua
aparência, que lhe causa grande
repugnância.
3 - O Dr. Jekyll estava bem tranquilo Em um jantar na casa do Dr. Jekyll,
Utterson o interroga a respeito de sua
relação com Hyde e sobre o testamento.
100
Jekyll diz que a situação é complicada e
que não pode explicar, mas garante que
ele pode fazer Hyde sumir quando
quiser.
4 - O caso do assassinato de Carew Na rua e com a presença de várias
pessoas, Hyde assassina cruelmente Sir
Danvers Carew. Utterson ajuda na
investigação e na busca por Hyde.
5 - O incidente da carta Utterson vai à casa de Jekyll falar-lhe
sobre o assassinato e quem o havia
cometido. Jekyll fica estagnado e mostra
uma carta supostamente escrita por
Hyde, na qual ele diz que não é
necessário cuidar de sua segurança,
pois ele tinha meios confiáveis para
escapar. Guest, especialista em
caligrafia, reconhece a semelhança entre
a letra de Hyde e de Jekyll, o que leva
Utterson a desconfiar que Jekyll é o
assassino de Carew.
6 - O notável incidente do Dr. Lanyon Hyde desaparece como se nunca tivesse
existido. Lanyon está abatido, com uma
aparência terrível e declara que está
condenado a morte por conta de um
grande choque do qual nunca irá se
recuperar.
7 - O incidente à janela Em um domingo, Utterson e Enfield
passeiam novamente e relembram a
história da porta, citando o nome de
Jekyll. Ao passar pela sua casa,
observa-se que ele está à janela. Os
dois cavalheiros o convidam para o
passeio, e ele, como se ouvisse um
101
brado ameaçador vindo de dentro da
casa, muda o semblante e fecha a
janela. Isso perturba Enfield e Utterson.
8 - A última noite Em uma noite, Poole vai até a casa de
Utterson chamá-lo, pois suspeitava que
Dr. Jekyll havia sido assassinado.
Depois de arrombar a porta de seu
gabinete, encontraram Edward Hyde
ainda se contorcendo no chão e com
roupas grandes demais para seu corpo;
pareciam ser do médico. Utterson pensa
ser um suicídio. Ao chegar a casa, lê as
duas cartas: a de Lanyon e de Jekyll.
9 - A narrativa do Dr. Lanyon Nesse capítulo é esclarecido que Jekyll
e Hyde são a mesma pessoa e que a
transformação ocorre por meio de uma
mistura química. Lanyon presencia a
transformação e pela infâmia moral,
morre em poucos dias.
10 - O relato completo de Henry Jekyll
sobre o caso
Jekyll narra a história unindo todas as
partes já contadas, que o leitor
conhecera por meio de fragmentos.
Além disso, serão analisados: narrador, enredo, tempo, espaço,
personagens, conflito, clímax, desfecho, tipo de discurso (direto, indireto ou indireto
livre) e elementos composicionais do gênero conto e romance. Será feito um círculo
e o professor explicará esses elementos da narrativa, revisando brevemente no que
consiste cada um deles e posteriormente, analisando-os com base na obra. Não
obstante, poderão ser realizadas as seguintes atividades:
1 - O que levou Dr. Jekyll a entrar em crise após alcançar o sucesso de suas
experiências?
2 - Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afirmações sobre O
médico e o monstro:
102
( ) Dr. Jekyll não tinha a alma atormentada porque conseguia controlar seus
experimentos com total segurança, respeitando os limites éticos da investigação
científica convencional.
( ) Os personagens Dr. Jekyll e Sr. Hyde podem ser considerados um harmônico
caso de duplicidade: suas características são exatamente as mesmas e constituem
exemplos de comportamentos virtuosos.
( ) Os conflitos internos do perturbado Dr. Jekyll acabam por conduzi-lo ao suicídio,
após inúmeros tormentos e inquietações.
3 - Em O médico e o monstro, a narração se divide entre os testemunhos de
diversas personagens. Associe as colunas abaixo e identifique os diferentes
narradores que participam da história:
( 1 ) Sr. Utterson
( 2 ) Sr. Enfield
( 3 ) Dr. Lanyon
( 4 ) Dr. Jekyll
( ) A última parte da novela, deixa um depoimento destinado ao Sr. Utterson,
revelando os antecedentes de suas experiências e as inquietações que
atormentaram sua alma.
( ) No início da história, relata ao Sr. Utterson um estranho episódio de violência
envolvendo o Sr. Hyde e uma criança. Suas observações são o ponto de partida das
investigações do Sr. Utterson.
( ) É o narrador central da história e empreende uma longa busca para tentar
decifrar o enigma escondido por trás da identidade do Sr. Hyde.
( ) Testemunha das experiências desenvolvidas por Dr. Jekyll, morre devido ao
abalo causado pela visão da metamorfose do monstro/cientista. Seu longo
depoimento possibilita ao Sr. Utterson solucionar o mistério acerca da identidade
obscura do Sr. Hyde.
4 - Com base nos personagens da obra O médico e o monstro, associe as duas
colunas:
1. Dr. Henry Jekyll
103
2. Sr. Hyde
3. Sr. Utterson
4. Dr. Lanyon
5. Sr. Richard Enfield
6. Poole
7. Mr. Guest
8. Sir Danvers Carew
( ) Mordomo de Dr. Jekyll que, por ocupar a posição mais alta na hierarquia de
criados da casa, tinha um contato maior com as estranhas transformações sofridas
pelo patrão.
( ) Advogado austero que passa a investigar a enigmática identidade do Sr. Hyde,
terminando por solucionar o mistério por meio de depoimentos dos indivíduos
envolvidos no caso.
( ) Duplo monstruoso e perverso que emergiu da interioridade de Dr. Jekyll a partir
dos experimentos realizados com uma estranha poção.
( ) Membro ilustre do Parlamento que foi assassinado pelo Sr. Hyde e cuja morte
alcançou enorme repercussão na sociedade londrina.
( ) Médico ambicioso que se propôs investigar as contradições da natureza humana,
mas acabou perdendo o controle sobre a própria experiência.
( ) Principal auxiliar do Sr. Utterson, tinha enorme habilidade para o estudo de
caligrafias e conseguiu identificar semelhanças entre as letras de Dr. Jekyll e do Sr.
Hyde.
( ) Médico que testemunhou a transformação do Sr. Hyde em Dr. Jekyll e morreu
em função do abalo emocional sofrido ao presenciar a terrível experiência.
( ) Parente do Sr. Utterson, com quem o advogado realizava caminhadas semanais
e que primeiro chamou a atenção para o estranho comportamento do Sr. Hyde.
Contextualização crítica
A contextualização crítica abrange a recepção da obra pela crítica, dessa
forma, os alunos buscarão textos diferentes que contenham críticas sobre as obras.
O professor também poderá levar alguns textos que apresentem críticas sobre as
obras. Os textos serão lidos pelos alunos e o docente explicará a repercussão da
104
obra por meio de textos e citações. Os discentes poderão comentar e argumentar se
concordam ou não com a opinião contida nas críticas. Caso seja verificada a
escassez de textos, o professor poderá desenvolver outras dinâmicas nesta etapa,
como solicitar aos alunos que eles elaborem um pequeno texto com seu ponto de
vista sobre as obras (dessa forma eles serão a própria crítica) ou que entrevistem
outros professores que conheçam as obras e que possam expressar sua opinião
acerca delas. Os trechos abaixo também podem ser utilizados:
“Representa o ápice do contista Machado de Assis, não apenas pelo
domínio do gênero, como também pela unidade imprimida à coletânea. Por trás do
tema comum da perversão universal, há um constante diálogo entre escritor e leitor.
A atmosfera perversa do volume pressupõe profundo conhecimento da psicologia do
leitor e discute a tendência de entregar-se à manipulação de suas emoções, como
sujeito e objeto dessa perversão universal”.
(CURVELLO, Mario. 1982, p. 461)
“Escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson e publicado pela primeira vez
em 1886, O médico e o monstro foi um sucesso imediato e ainda é um dos livros
mais lidos em todo mundo. O clássico acompanha a investigação do advogado
Gabriel John Utterson sobre as estranhas ocorrências entre seu velho amigo Dr
Henry Jekyll e Edward Hyde. Desde seu lançamento a popularidade do livro é tanta
que ele se tornou uma obra essencial sobre a dualidade da natureza humana, de
forma que foi adaptado inúmeras vezes para diversos formatos que vão desde os
quadrinhos até o cinema”.
(Rai, 2011)
105
Contextualização presentificadora
A contextualização presentificadora, que aborda a atualidade do texto, será
realizada em grupos. Os alunos deverão associar a obra a algo do presente. Para
isso, através de pesquisa em livros, internet e os próprios conhecimentos de mundo
dos aprendizes, cada grupo montará um cartaz com imagens e textos que
representem a atualidade da obra. Os cartazes serão fixados na sala e cada grupo
fará a explicação de seu trabalho para a turma.
Contextualização temática
Para a contextualização temática, os alunos deverão pesquisar imagens
sobre a dualidade humana, sem deixar de lado a forma como ela foi retratada no
conto, para isso, o professor estabelecerá limites a fim de a temática não seja
abordada em detrimento do texto. Eles poderão buscar em revistas e sites, imagens
e textos que representem essa temática. Para a divulgação deste trabalho, será feita
uma exposição, na qual cada grupo exibirá, por meio de slides, as ilustrações que
encontraram.
Segunda interpretação
Para realizar a segunda Interpretação, os alunos deverão ler e analisar as
adaptações em histórias em quadrinhos das obras O médico e o monstro, em três
versões diferentes e A causa secreta, buscando verificar as escolhas linguísticas, as
diferenças quanto ao vocabulário empregado, as cores, a expressividade das
imagens e a forma como o enredo se constrói na HQ e na versão original.
Considerando que as versões em história em quadrinhos são adaptações da obra
original, os alunos poderão registrar por escrito essas diferenças e montar um
quadro comparativo por meio de cartazes, observando a linguagem, os recursos
visuais e a fidelidade do enredo em vista do romance. Após a montagem do quadro,
cada aluno fará um texto de opinião sobre a versão de que mais gostou. Os textos
serão corrigidos pelo professor e serão refeitos com base nas correções.
106
Expansão
Para a etapa da expansão, os alunos deverão assistir ao filme A causa
secreta, de Sergio Bianchi, observando a forma como o tema da indiferença à dor
alheia se aplica aos dias atuais e o modo como o recurso visual altera a percepção
da crueldade e do prazer pelo sofrimento alheio. Além disso, o professor poderá
chamar a atenção para a abordagem temática presente no filme, o qual expressa a
indiferença do homem frente às desigualdades sociais e ao descaso com os
hospitais públicos, dentre outros.
Também será passado um vídeo sobre a minissérie Dupla Identidade
transmitida pela rede Globo em 2014, a qual retrata a dupla personalidade de Edu,
um assassino em série, que aparentemente é um atraente e inteligente advogado
que estuda psicologia. A minissérie tem como tema a música Two Faced Mask. O
professor explorará o enredo da minissérie e a letra da música, utilizando a
minissérie para promover uma discussão em sala sobre o tema do duplo.
Por fim, será feita a leitura do conto “O espelho” (1882), de Machado de
Assis. Após a leitura, o professor buscará, junto aos alunos, estabelecer paralelos
entre este conto e os demais textos estudados, discutindo, principalmente o tema da
essência versus aparência e da possível existência de duas almas (uma interior e
outra exterior). Para isso, eles deverão observar de que forma o duplo se caracteriza
no texto, o modo como o personagem lida com suas duas representações
identitárias (a que se alimenta da admiração alheia e do prestígio social e a que
representa o seu eu verdadeiro, humilde, vazio, opaco e incômodo). Com base
107
nisso, os alunos deverão tentar buscar nas outras obras lidas como o duplo é
retratado e qual é a atitude dos personagens frente ao conflito entre as faces
opostas que se confrontam.
Será fundamental que os alunos observem que neste conto a duplicação do
ser se dá pela metáfora do espelho, objeto que representa a divisão do ser em
almas/personalidades diferentes e oscilantes e da farda como símbolo de seu
prestígio social.
Avaliação
A avaliação será contínua e englobará a realização de todas as atividades
desenvolvidas no decorrer da sequência (discussões, produções escritas e orais,
exercícios, participação na aula, leitura das obras, dentre outros).
Como tarefa final, os discentes farão a produção de um texto dissertativo-
argumentativo sobre a temática da duplicidade da alma humana, comparando as
obras estudadas. Para a elaboração da dissertação, os alunos deverão seguir os
elementos composicionais deste gênero textual, assim como obedecer aos critérios
da norma padrão da Língua Portuguesa, criatividade, coerência e coesão. No que
tange aos critérios para a correção da produção, será avaliado se o aluno foi capaz
de elaborar um texto explicitando com clareza que compreendeu as obras
estudadas, se demonstrou uma leitura aprofundada das mesmas, se conseguiu
traçar paralelos e distinguir de que forma o tema da dualidade da alma humana foi
retratado de forma diferente nas obras e, por fim, se foi capaz de se posicionar
criticamente frente aos textos, demonstrando seu ponto de vista. As dissertações
serão corrigidas e disponibilizadas no mural do colégio.
108
6 RELATO DE APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA EXPANDIDA
O estágio de docência foi realizado em um colégio estadual localizado no
Paraná. Trata-se de uma adaptação da sequência expandida aplicada em uma
turma de nono ano do Ensino Fundamental II. O presente capítulo não apresentará
uma análise dos dados e da recepção da sequência, mas o relato e a descrição
dessa aplicação e das atividades.
Textos escolhidos para a sequência:
- “A Causa Secreta” (Machado de Assis) - (Várias Histórias, 1886).
-“O médico e o Monstro” em história em quadrinhos (Stevenson - Carl Bowen,
OnLine Editora, 2005).
Outros materiais escolhidos para a sequência:
Trechos do filme “A causa secreta” (Sergio Bianchi, Versátil, 1994).
Trechos do filme “O incrível Hulk” (Louis Leterrier, Marvel, 2008).
Música “Máscara” – Pitty (Admirável Chip Novo, 2003).
Música “Dr. Jekyll & Mr. Hyde” (Petra, Jekyll and Hyde, 2003).
Música “Metamorfose ambulante” (Raul Seixas, Krig – há, Bandolo!, 1973).
Filme “O enfermeiro” (Versátil e Fraha, 1999).
OBJETIVOS
Ampliar a competência linguístico-discursiva, desenvolvendo a leitura, a
escrita, a análise linguística e a oralidade;
Refletir sobre o tema da duplicidade da alma humana através de textos
literários clássicos, despertando a sensibilidade estética;
Analisar a junção da forma e do conteúdo na construção do valor estético dos
textos.
Compreender a contemporaneidade do tema retratado.
109
Associar o texto original a outras formas de representação artística
relacionadas à temática.
Produzir uma dissertação-argumentativa, apreciando, associando e
comparando as obras estudadas.
JUSTIFICATIVA
Experienciar a leitura de obras clássicas no contexto da escola pública
equivale a assegurar os direitos humanos dos educandos. A literatura enquanto
vasta representação do homem e da sociedade, que integra igualmente o belo e o
bizarro, o trivial e o fantástico, o bem e o mal, a conversão e a perversão, deve ter
seu espaço garantido nas aulas de Língua Portuguesa. Não apenas por desenvolver
as competências linguísticas dos discentes ou cumprir as metas de um currículo pré-
estabelecido, mas por dar significado e extrair da subjetividade o prazer estético, por
oportunizar reconhecer-se no outro e também refutá-lo, por questionar a própria
existência e vivenciar todos os dilemas, dramas e fatos que circundam a
humanidade deste os tempos mais remotos.
Nesse sentido, a leitura, compreensão, apreciação e imersão nas infindáveis
tessituras de uma obra literária, possibilitam o desenvolvimento da criticidade e da
reflexão, bem como a ampliação do vocabulário e dos horizontes culturais, logo, se o
professor constrói um percurso de leitura, planejado, bem fundamentado e coerente
do ponto de vista da forma e do conteúdo, o texto deixará de ser visto somente
como um emaranhado de signos linguísticos, para ser compreendido como vasto e
profícuo terreno no qual confrontam-se vozes e emergem ideias, teorias, diálogos e
referências.
A escolha por obras clássicas corrobora os ideais de democracia
preconizados nos documentos oficiais e no discurso que circunda a educação, visto
que democratizar é ampliar o acesso aos bens culturais, muitas vezes e por diversos
fatores, restritos a apenas uma parcela da população. O renomado crítico literário
brasileiro Antonio Candido afirma que os clássicos
Ultrapassam a barreira da estratificação social e de certo modo podem redimir as distâncias impostas pela desigualdade econômica, pois têm a capacidade de interessar a todos e, portanto devem ser levados ao maior número. O Fausto, o Dom Quixote, Os lusíadas, Machado de Assis podem
110
ser fruídos em todos os níveis e seriam fatores inestimáveis de afinamento pessoal, se a nossa sociedade iníqua não segregasse as camadas, impedindo a difusão dos produtos culturais eruditos e confinando o povo a apenas uma parte da cultura, a chamada popular (CANDIDO, 1995, p. 189-190).
O clássico, sem dúvida, é um desafio, pois sua perpetuação no tempo indica
a grandiosidade da obra. No entanto, para que essas obras sejam lidas e apreciadas
por um número cada vez maior de estudantes, o professor deve priorizá-las em seu
planejamento e buscar estratégias para um ensino significativo. Além disso, é
preciso reconhecer que o ato de ensinar não significa apenas atender aos horizontes
e à realidade já verificada, mas ampliar o que já se tem, propor o novo, o diferente,
sair da zona de conforto do intelecto, e construir, com isso, aprendizagens
significativas capazes de promover o crescimento.
MOTIVAÇÃO
Antes de dar início à motivação, os alunos foram informados do conjunto de
atividades que seriam desenvolvidas, bem como dos objetivos das aulas. Tendo em
vista que a aula motivacional consistiria na discussão acerca da letra de uma
música, o rádio já havia sido levado antecipadamente para a sala de aula. Foi
solicitado que os alunos fizessem um círculo para ouvir a música “Máscara”, da
cantora Pitty, nesse sentido, foi distribuída uma cópia da letra da música para cada
um. Após ouvi-la duas vezes, foram lançadas as seguintes indagações: Em que
medida é possível afirmar que o homem usa máscaras? Por que uma das faces da
personalidade tem de se manter oculta sobre máscaras? Existem pessoas
totalmente boas ou totalmente más? Com base em quais critérios/valores a
sociedade julga a índole do homem como boa e má? Quais seriam os
riscos/penalidade de viver sem nenhuma “máscara”, evidenciando e dando vazão a
todos os instintos e desejos da alma humana?
Os alunos socializaram suas respostas com a turma e após isso foi proposta
a leitura da letra da música Dr. Jekyll & Mr Hyde, da banda Petra. Após ouvi-la e
observar a tradução, foram feitas as seguintes perguntas em atividade impressa:
1- Quais seriam os segredos que deveriam permanecer ocultos?
2- Como a relação entre o bem e o mal é expressa na música?
111
3- No embate entre a face boa e a má, qual se sobrepõe?
4- Explique o seguinte trecho “É como se eu fosse uma personalidade dividida e a
que eu alimento é aquela que vive, aquela que eu não alimento é a que doa”.
5- Na música são citados os nomes Jekyll & Hyde, você conhece ou já ouviu falar
esses nomes? Caso não, pesquise e justifique o porquê da referência a esses
personagens no contexto da música.
Aos alunos foram dados vinte e cinco minutos para responder as questões,
que poderiam ser respondidas em duplas. Após o tempo estipulado, o professor
indicava um dos alunos para socializar suas respostas e os demais poderiam
complementá-la, contrastá-la ou defendê-la. Sobre a questão de número 5, apenas
um dos alunos já havia ouvido falar sobre os personagens, mas não soube
apresentar muitas informações, desta forma, os alunos utilizaram os celulares com
internet para fazer uma pesquisa rápida. Nem todos conseguiram realizar o acesso,
no entanto, os que obtiveram êxito, compartilharam com os demais. Depois de
encontrar informações de diferentes sites, estas foram socializadas com os colegas
e com a professora.
INTRODUÇÃO
Para introduzir o assunto, a professora explicou brevemente sobre a obra O
médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, como também o conto “A causa
secreta”, de Machado de Assis. Portanto, os alunos manusearam o livro de contos
Várias Histórias, no qual está inserido o conto, como também a obra O médico e o
Monstro, em uma versão em história em quadrinhos. Para complementar a
introdução, tendo em vista que já foi frisado o tema da dualidade da alma humana
nas obras, foram passados para os alunos alguns trechos do filme O incrível Hulk,
enfatizando os momentos de transformação. Os alunos foram questionados sobre a
forma como o personagem lida com as duas personalidades e como é o
comportamento dele antes e depois da transformação. Para tanto, foram enfocadas
as cenas do personagem Bruce antes e depois de transformar-se no incrível Hulk.
Para finalizar essa atividade, foi ressaltado que um dos traços da face obscura eram
a crueldade e a violência, aspectos que configuravam o lado negro da personalidade
de Bruce Banner.
112
LEITURA
A leitura do conto A causa secreta foi realizada em sala de aula e durou em
média uma hora e meia para que todos a concluíssem. Vários dicionários foram
disponibilizados para alunos que sentissem a necessidade de utilizá-lo.
PRIMEIRA INTERPRETAÇÃO
Depois de concluir a leitura, os alunos fizeram um círculo e expuseram seus
comentários gerais acerca do conto, apreciações, dúvidas, questionamentos,
impressões iniciais e etc. A maioria dos comentários feitos pelos discentes enfatizou
as cenas de tortura do rato e a personalidade cruel de Fortunato. Muitos alunos
questionaram a respeito do início do conto, momento em que foi explicada a técnica
literária in media res, que consiste na história que não começa no início da narrativa.
De modo geral, os alunos compreenderam o enredo da história e demonstraram
perplexidade frente aos atos de Fortunato. Como registro dessa etapa, os alunos
produziram um relato de experiência de leitura, enfatizando alguns aspectos do texto
e a apreciação socializada com a turma.
A fim de discutir a temática do conto através de outra perspectiva, a
professora leu um texto que fornecia uma explicação biológica para o prazer em ver
a dor e o sofrimento alheio. Depois de discutir o texto com os alunos, foram
passadas no quadro as seguintes questões: 1 - Cite duas passagens do conto nas
quais torna-se nítido o comportamento sádico de Fortunato. 2 – Como Fortunato
reagiu frente à morte de Maria Luísa? Qual foi a reação de Garcia ao presenciar a
mutilação do rato? O que o comportamento do médico demonstra? Depois de
corrigir essas questões oralmente, foi proposta a realização de uma atividade
(palavras cruzadas) sobre o conto lido.
113
Depois de corrigir a atividade, os alunos foram até o laboratório de informática
e a professora fez uma breve explicação sobre a obra O médico e o Monstro. Na
sequência os discentes fizeram o download obra em história em quadrinhos. A
leitura foi realizada no próprio laboratório.
114
CONTEXTUALIZAÇÃO
As contextualizações foram realizadas através de pesquisas, desta forma, foi
explicado aos alunos como essa atividade deveria ser desenvolvida e como os
resultados seriam expostos em sala por meio de seminário. Em duplas, as
informações encontradas e selecionadas nas pesquisas foram socializadas em sala,
e de acordo com as apresentações, a professora fazia intervenções a fim de
enriquecer e complementar o seminário.
1 Contextualização Histórica:
Para a contextualização histórica referente ao conto “A causa secreta”, os
alunos pesquisaram a realidade do Segundo Reinado, suas características e
principais acontecimentos. Um dos pontos percebidos pelos alunos foi a escravidão
e a pirâmide social da época, na qual o poder concentrava-se nas mãos da elite. Na
contextualização histórica sobre a obra O médico e o Monstro, foram frisados os
seguintes fatos: a era vitoriana, o avanço da ciência e de experimentos científicos,
êxodo rural e Revolução Industrial, poluição, o caos urbano e altos índices de
criminalidade, fato que motivou a criação da Scotland Yard em 1829, como é
possível identificar no romance e na versão em história em quadrinhos lida pelos
alunos. Para isso, foi enfatizada a seguinte parte da história em quadrinhos:
115
2 Contextualização Estilística:
Para a contextualização estilística os alunos realizaram pesquisas sobre o
Realismo-Naturalismo no Brasil (A causa secreta) e sobre o Realismo inglês (O
médico e o monstro). Tendo em vista que os alunos pertenciam a uma turma de
nono ano do Ensino Fundamental – Séries Finais, a contextualização estilística que
engloba as escolas literárias, foi feita com a ajuda do professor, que orientou as
pesquisas, ajudou na seleção de informações e na realização do seminário,
acrescentando dados e colaborando na explicação dos discentes.
Com o apoio docente, os alunos associaram as características das escolas
literárias às obras, buscando estabelecer algum tipo de relação entre elas. Alguns
alunos apresentaram dificuldade em fazer essa associação entre o a escola e a
obra, mas a docente fez as intervenções necessárias. Durante as exposições dos
alunos, que variaram entre explanações orais e cartazes, a professora explicou a
importância de conhecer o período literário no qual se enquadram as obras, porém,
foi frisado que este “pertencimento” é relativo, visto que existem textos que
apresentam traços de outros períodos e poderiam se enquadrar, portanto, em
diversas escolas.
3 Contextualização Poética:
As atividades para a contextualização poética não consistiram em pesquisas
no laboratório de informática, mas na análise da estrutura das obras e dos
elementos da narrativa. Portanto, foi feita uma atividade para a identificação e
exploração dos seguintes elementos do conto: enredo, conflito, clímax,
personagens, tempo, espaço, desfecho, foco narrativo, tipo de discurso e elementos
do gênero textual conto e romance. Sobre o romance O médico e o monstro em
história em quadrinhos, foram analisados os mesmos elementos, como também os
títulos dos capítulos e o quadro de apresentação dos personagens que consta no
início da HQ, o qual foi explorado para auxiliar na caracterização física e psicológica
dos mesmos.
116
4 Contextualização Crítica:
Para a contextualização crítica, os alunos buscaram em livros, sites e
revistas, textos de diferentes autorias que apresentassem uma visão crítica das
obras, portanto, foram encontradas citações e trechos, contudo, devido a dificuldade
em encontrar materiais para essa contextualização, a professora sugeriu que os
alunos dialogassem com uma das professoras de Língua Portuguesa do colégio e
registrassem por escrito sua apreciação sobre os textos. Ao final deste registro, os
alunos também fariam um comentário crítico, expressando sua opinião devidamente
fundamentada acerca delas. A exposição dos resultados foi muito interessante,
principalmente pela forma como as professoras participaram e pelo modo como os
discentes se posicionaram frente às obras, complementando o que foi dito pelas
docentes.
5 Contextualização Presentificadora:
Para a atividade de contextualização presentificadora, os alunos deveriam
levar para a sala de aula materiais, imagens ou vídeos que retratassem o tema da
117
dualidade da alma humana, buscando associar as obras a algo do presente. Foi
bastante diversificado o material trazido pelos alunos, alguns associaram à
minissérie exibida na rede Globo, intitulada Dupla Identidade, outros associaram ao
personagem Máscara dos desenhos animados, como também ao personagem
Frankenstein e ao filme O professor aloprado.
SEGUNDA INTERPRETAÇÃO
Para realizar a segunda interpretação, a professora propôs a leitura e
análise da música “Metamorfose ambulante”, de Raul Seixas. A partir dela, eles
fizeram uma pequena reflexão sobre a complexidade da alma humana, pensando a
mudança como algo necessário e benéfico para que o ser humano viva em
sociedade e se adapte ao mundo. Para isso, foi respondida a seguinte pergunta:
A abordagem da música é semelhante ou oposta a da obra O médico e o
Monstro? Quais aspectos da duplicidade da alma humana podem ser identificados?
Depois disso, foram propostas as seguintes atividades:
1 - O que levou Dr. Jekyll a entrar em crise após alcançar o sucesso de suas
experiências?
2 - Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para as seguintes afirmações sobre O
médico e o monstro:
( ) Dr. Jekyll não tinha a alma atormentada porque conseguia controlar seus
experimentos com total segurança, respeitando os limites éticos da investigação
científica convencional.
( ) Os personagens Dr. Jekyll e Sr. Hyde podem ser considerados um harmônico
caso de duplicidade: suas características são exatamente as mesmas e constituem
exemplos de comportamentos virtuosos.
( ) Em O médico e o monstro os conflitos internos do perturbado Dr. Jekyll acabam
por conduzi-lo ao suicídio, após inúmeros tormentos e inquietações.
118
3 - Em O médico e o monstro, a narração se divide entre os testemunhos de
diversas personagens. Associe as colunas abaixo e identifique os diferentes
narradores que participam da história:
( 1 ) Sr. Utterson
( 2 ) Sr. Enfield
( 3 ) Dr. Lanyon
( 4 ) Dr. Jekyll
( ) Na última parte da novela, deixa um depoimento destinado ao Sr. Utterson,
revelando os antecedentes de suas experiências e as inquietações que
atormentaram sua alma.
( ) No início da história, relata ao Sr. Utterson um estranho episódio de violência
envolvendo o Sr. Hyde e uma criança. Suas observações são o ponto de partida das
investigações do Sr. Utterson.
( ) É o narrador central da história e empreende uma longa busca para tentar decifrar
o enigma escondido por trás da identidade do Sr. Hyde.
( ) Testemunha das experiências desenvolvidas por Dr. Jekyll, morre devido ao
abalo causado pela visão da metamorfose do monstro/cientista. Seu longo
depoimento possibilita ao Sr. Utterson solucionar o mistério acerca da identidade
obscura do Sr. Hyde.
4- Com base nos personagens da obra, associe corretamente as colunas abaixo.
119
Fonte:http://hotsites.editorasaraiva.com.br/classicossaraiva/capa_27/suplemento.pdf
120
EXPANSÃO
Para a expansão, foram passados alguns trechos do filme “A causa secreta”,
como também o filme “O enfermeiro”, baseado no conto homônimo de Machado de
Assis. Foi explicada aos alunos a diferença de abordagem dos filmes, no primeiro há
a representação da insensibilidade frente ao sofrimento alheio – hospitais, ruas e
marginalizados, já no segundo, temos uma adaptação fílmica muito fiel ao conto, no
qual o personagem do coronel Felisberto sente demasiado prazer na humilhação e
no sofrimento de seus enfermeiros. De acordo com o que foram passados os
trechos, a professora fazia pausas para fazer pequenas explicações e chamar a
atenção para determinadas partes que explicitavam o tema do prazer pelo
sofrimento e também as possíveis faces duplas do ser humano representadas nos
filmes.
AVALIAÇÃO
A avaliação levou em conta todas as atividades desenvolvidas no decorrer
do estágio, nesse sentido pode-se considerar que ela foi de caráter contínuo e
formativo. Foram avaliadas a participação dos alunos nas discussões propostas, a
realização e o desenvolvimento dos exercícios. Além disso, como produção final, foi
solicitado um ensaio escolar sobre a temática da dualidade da alma humana, para
isso, os discentes associaram e apreciaram as duas obras lidas, contrastando-as,
relacionando-as e dando seu ponto de vista sobre as mesmas. Para tanto, antes da
produção, foram explicados os objetivos, o público e a estrutura que o texto deveria
seguir, enfatizando os elementos composicionais deste gênero, como também os
critérios para a correção.
121
RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES SOBRE A REALIZAÇÃO DO ESTÁGIO.
De modo geral, os resultados da aplicação do estágio foram satisfatórios.
Houve alguns empecilhos, como a conexão da internet nos laboratórios, fato que
comprometeu parcialmente as aulas que requeriam o acesso a sites de pesquisas,
como também o download de arquivos em PDF – história em quadrinhos. Além
disso, a atividade de produção textual exigiu mais aulas do que o previsto na
sequência, pois a refacção dos textos, adequações, modificações e reescrita foram
procedimentos minuciosos e, portanto, demorados.
A leitura das obras selecionadas evoca a reflexão sobre o eterno duelo
entre o bem e mal no cerne da personalidade humana, que oscilante, por natureza,
transita entre a piedade e a maldade, a aparência e a essência, os desejos e as
convenções. A aplicação da sequência de atividades que incluiu tecnologias, textos,
imagens, músicas e vídeos, demonstrou que o clássico constitui uma rica fonte para
o trabalho de letramento nas escolas, independente da série.
Na medida em que o professor estabelece o diálogo da obra com outras
representações da atualidade, explica os diferentes contextos nos quais ela se
insere e abre espaço para que ele participe ativamente da construção de sentidos do
texto, o clássico torna-se um terreno fértil para a ampliação das competências
linguísticas e discursivas, humanizando e tornando mais significativo o ensino de
Língua Portuguesa e Literatura.
O estágio permitiu vivenciar a aplicação da sequência, refletir sobre
melhorias, sobre a possível inserção de novos materiais, adaptação de atividades,
como também planejar estratégias para sanar as lacunas que em alguns momentos
dificultaram a execução das aulas. Frente a isso, os resultados corroboram a
afirmação de que o cânone pode e deve ter seu espaço na sala de aula, cabe ao
professor estabelecer metas e trajetórias que ampliem a abordagem do texto
literário, interligando-o com outros materiais, textos e recursos diversos, tornando,
assim, o percurso pelo universo literário, um caminho repleto de novas descobertas,
de autoconhecimento e de crescimento humano e intelectual, permitindo que os
educandos usufruam, dessa forma, de todas as vantagens que dele se pode extrair.
122
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fausto, o Dom Quixote, Os lusíadas, Machado de Assis podem ser fruídos em todos os
níveis e seriam fatores inestimáveis de afinamento pessoal, se a nossa sociedade iníqua
não segregasse as camadas, impedindo a difusão dos produtos culturais eruditos e
confinando o povo a apenas uma parte da cultura, a chamada popular (CANDIDO, 1995,
p. 190).
Os clássicos são obras que venceram a passagem do tempo, que resistiram
ao transcorrer das décadas, não perecendo, uma vez que sua essência é única,
sublime e atemporal. Essas são obras ambivalentes, na medida em que esboçam
um retrato do passado, mas que igualmente possibilitam pensar e refletir sobre o
presente, transportando-as então à atualidade.
O conto “A causa secreta” e o romance O médico e o monstro são obras que
se tornaram conhecidas pelo seu valor estético, pelas reflexões que proporcionam,
pela profundidade psicológica dos personagens, pela crítica à sociedade, pela
construção linguística e, principalmente, por abordarem um tema que atinge todos
os indivíduos, desde as épocas mais remotas até a contemporaneidade: o bem e o
mal inerentes ao ser humano. Ainda que tratados de forma diferente nos dois textos,
pois em Stevenson tem-se um único personagem bipartido pela ingestão de uma
droga; e em Machado, dois personagens – Fortunato e Garcia, as obras evocam
uma profunda e ampla reflexão sobre um tema atemporal intrínseco a todos os
indivíduos.
O lado monstruoso de ambos suscita os abismos e mistérios da natureza
humana, a face dupla, a dissimulação, as ações movidas pelo interesse e a
preocupação com a manutenção da moral valorizada pela sociedade. Dessa forma,
são textos que viabilizam amplos debates, que evocam a discussão sobre os
segredos profundos que habitam a alma do homem, sobre os monstros mascarados
por atitudes benevolentes e o duelo entre a essência e a aparência.
Em uma sociedade em que os bens culturais não são desfrutados de modo
igualitário por toda a população, a escola tem o dever de propiciar aos educandos o
mergulho na leitura de obras clássicas. Os desafios poderão surgir, mas podem ser
superados com a realização de um trabalho que vise à experiência de leitura como
123
momento individual e coletivo, em que o aluno não é apenas receptor, mas sujeito
ativo na construção de sentidos.
O clássico perpetuou-se na história em função de seu alto valor estético na
forma e no conteúdo. Na escola, local em que se objetiva o desenvolvimento
intelectual, reflexivo e crítico do aluno, a leitura de obras canônicas representa uma
fecunda possibilidade para a ampliação cultural e linguística dos discentes,
permitindo, assim, que eles tenham acesso a um patrimônio cultural reverenciado e
louvado por gerações de leitores que se curvaram a beleza e ao requinte de sua
construção.
Assim como em outras disciplinas, em Língua Portuguesa, o ensino de
literatura muitas vezes é marcado por práticas tradicionais, que enfatizam apenas a
história literária, as escolas, autores e principais obras, construindo, com isso, um
painel fragmentado e superficial, no qual textos que mereciam ser estudados e
analisados em profundidade, acabam na condição de meros apêndices da história.
Dentre os outros tipos de letramento, também importantes na escola, o
literário assume um papel fundamental: potencializar o uso da leitura e da escrita por
meio da literatura. Portanto, para que essa modalidade de letramento seja praticada
efetivamente em sala de aula, a sequência básica e a expandida constituem uma
rica alternativa para a abordagem da obra.
A sequência expandida contempla o leitor como agente ativo, promovendo a
motivação para a leitura, a introdução para a familiarização do aluno com a obra, a
leitura com intervalos para dialogar com o professor, a liberdade para discutir com os
colegas as impressões sobre o texto, dúvidas e apreciações. Não obstante, permite
também um estudo dos contextos que permeiam a obra (teórica, histórica, estilística,
poética, crítica, presentificadora e temática), com isso, a leitura assume novos
significados porque um leque de conhecimentos fundamentais para a compreensão
aprofundada do texto se abre para o discente, contemplando várias dimensões
intrínsecas ao conjunto da obra, das influências e dos conceitos importantes para
compreendê-la.
Machado de Assis e Stevenson podem e devem ser lidos na escola, assim
como outros tantos cânones da literatura nacional e mundial. Nesse contexto, a
proposta metodológica da sequência expandida é uma ferramenta capaz de dar
novos rumos para as aulas de literatura, e em especial, àquelas dedicadas ao
estudo de textos clássicos, geralmente atrelados à falsa ideia de serem inatingíveis,
124
distantes e ultrapassados. Os próprios alunos, ao término da experiência de leitura,
poderão comprovar a falácia dessas ideias apreciando a transcendência, a
magnitude e a atemporalidade das mesmas.
125
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APÊNDICES APÊNDICE A – Relato de experiência de leitura produzido pelo aluno A, durante a aplicação da sequência expandida
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APÊNDICE B – Ensaio escolar produzido pelo aluno B, durante a aplicação da sequência expandida