claudia simone lobo avila da silva
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CLAUDIA SIMONE LOBO AVILA DA SILVA
PRECAUÇÃO E PREVENÇÃO NA ÓTICA DA DEFESA CIVIL
Rio de Janeiro
2014
Universidade Federal Fluminense
CLAUDIA SIMONE LOBO AVILA DA SILVA
PRECAUÇÃO A PREVENÇÃO NA ÓTICA DA DEFESA CIVIL
Artigo apresentado como exigência do Mestrado
de Defesa Civil à Universidade Federal
Fluminense – Curso de Mestrado de Defesa Civil
Orientador: prof. Fernando Cordeiro Barbosa.
Rio de Janeiro
2014
CLAUDIA SIMONE LOBO AVILA DA SILVA
PRECAUÇÃO A PREVENÇÃO NA ÓTICA DA DEFESA CIVIL
Artigo apresentado como exigência do Mestrado
de Defesa Civil à Universidade Federal
Fluminense – Curso de Mestrado de Defesa Civil
Orientador: prof. Fernando Cordeiro Barbosa.
Aprovada em
Banca Examinadora
_____________________________________________
Profª. Drª.
Universidade Federal Fluminense - UFF
_____________________________________________
Prof. Dr.
Centro Universitário de Volta Redonda - UNIFOA
_____________________________________________
Prof. Dr.
Universidade Federal Fluminense – UFF (Orientador)
Rio de Janeiro
2014
Claudia Lobo1
Orientador: prof. Fernando Cordeiro Barbosa2
RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de investigar e comparar a evolução dos
institutos da precaução e prevenção, apresentando a partir da crítica, patamares de reflexão,
se não para enfrentar o atual panorama legislativo de responsabilização e aplicabilidade
destes no trabalho desenvolvido pela Defesa civil, ao menos que conclua pela necessidade
de uma maior proteção. A sociedade de risco tem produzido ações de desenvolvimento que,
por vezes, conduzem a situações de descontrole quanto aos danos delas decorrentes. O
processo de responsabilização atualmente aplicado, centrado na existência do dano, quando
quase nada poderá ser feito, vem demonstrando forte despreparo dos profissionais e riscos
enfrentados pela falta de informação e preparo da sociedade e Defesa Civil, desafio a ser
enfrentado. Antes da possibilidade de degradação e danos deve-se construir um sistema em
que haja uma responsabilização adequada ao comando constitucional, que articule de um
lado esta mesma sociedade de risco e seus interesses e de outro o comportamento subjetivo
exigível ao agente, como exemplo histórico de desastres temos o caso Césio 137. Assim
não pretende esgotar o tema, mas, reiniciá-lo sob um novo paradigma de responsabilização.
Palavras-chave: Dano ambiental – Sociedade de Risco – Responsabilização – Democracia -
Intersubjetividade - Defesa Civil
ABSTRACT
This work was developed aiming at investigating and comparing the evolution of the
precaution and prevention institutes, showing from the critique levels of reflection, if not to
face the current legislative panorama of accountability and applicability in the work
developed by the Civil Defence, at least to conclude by the need for greater protection. The
risk society has been producing development actions which sometimes lead to lack of
control situations as to the damage arising therefrom. The accountability process currently
applied, centered on the existence of damage, when almost nothing can be done, is
demonstrating strong unpreparedness of the professionals and risks faced by the lack of
information and preparedness of the society and Civil Defence, a challenge to be faced.
Before the possibility of degradation and damage, it is necessary to build a system in which
there is a proper accountability to the constitutional command, which articulates on one
side this very risk society and its interests, and on the other side the subjective behavior
required from the agent,; as an historic example of disasters we have the Caesium 137 case.
1 Advogada, especialista em direito civil e processo civil, Professora de Direito Civil e de Direito Ambiental
da Universidade Estácio de Sá. 2 Doutor em Antropologia, professor do Programa de Pós-Graduação em Defesa e Segurança Civil - Mestrado
Profissional em Defesa e Segurança Civil da Universidade Federal Fluminense/ UFF
Accordingly, it is not intended to exhaust the subject, but restart it under a new
accountability paradigm.
Keywords: Environmental damage-Risk Society-Accountability-Democracy-
Intersubjectivity-Civil Defence
SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- Desenvolvimento; 2.1 A situação fática que norteia a análise;
2.2–Elementos: A modernização e a evolução na sociedade de risco; 2.3- Análise Jurídica;
2.3.1 Porque a questão envolve o elemento subjetivo; 2.3.2 As principais diferenças entre a
precaução e prevenção no contexto da defesa e segurança civil; 2.3.3 O sistema garantidor
que não garante; 2.4 - A hipótese de uma equação social de estabilização; 2.4.1 - O risco
como elemento imprescindível da responsabilização pela precaução; 2.4.2 - O Sistema do
Entendimento; 3- Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO
O final do século XX e início do século XXI levou a sociedade a refletir
sobre um novo sistema de responsabilização ambiental. A relação homem–meio passa a
fundamentar-se em um complexo sistema que considera todas as relações físicas, biológicas
e sociais. Agrega-se ao homem tudo o que se encontra ao seu redor e percebe-se uma
ampliação dos conceitos, é o caso da Defesa Civil que tem como objetivo ações
preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas destinadas a evitar ou minimizar os
desastres naturais e os incidentes tecnológicos, preservar o moral da população e
restabelecer a normalidade social.
O histórico da Defesa Civil no Brasil começa na Segunda Guerra
Mundial, tendo suas raízes ligadas às forças Armadas. Todavia, surge e sobressai a partir de
1960, vinte anos antes da Constituição atual, em consequência de uma grande enchente,
onde passa a atender às catástrofes locais, sem nenhuma normatização voltada para a
prevenção e muito antes das atuais orientações legislativas.
A tentativa de ampliar o aparato legal visava também a uma articulação e
resposta aos crescentes danos ambientais, consignados e visualizados pós-Conferência de
Estocolmo (1972), marco internacional de proteção ambiental.
Seguindo a linha do tempo, a proteção ambiental nacional é inaugurada a
partir da década de 1980, através da Lei nº 6938/81, com sua exigibilidade prévia de análise
de impacto e responsabilidade independente de culpa, sobretudo na forma dos artigos 9º e
14º § 1º. Ainda no meado de 1985, outro diploma vem em auxílio da lei e estabelece direito
substantivo público capaz de ampliar ainda mais essa dinâmica de defesa: a ação civil
pública, Lei nº7347/85. A partir de então, diversos complexos normativos surgem para a
atualização e consolidação destes.
Na realidade, a organização sistêmica da defesa civil no Brasil se deu pela
criação do Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), em 1988, sendo reorganizado em
agosto de 1993 e atualizado em 2005.
No mesmo passo, as relações jurídicas devem passar a contemplar essa
complexidade, e assim não foi diferente no direito pátrio. A partir da Constituição Federal
de 1988, além da colocação do direito ao meio ambiente como direito fundamental,
expande-se o conceito as presentes e futuras gerações, incorporando-se o conceito de
sustentabilidade. Esta também é uma vertente complexa e sistêmica, que, por um lado
considera o homem e seu meio e, por outro, estabelece diretrizes norteadoras da própria
ação do homem, tais como limite e necessidade.
Estas relações do homem com a natureza estão agora normatizadas em
toda a sua amplitude, através do movimento conhecido como a “Constitucionalização do
Direito”, a releitura de todo o ordenamento jurídico.
Para atender o compromisso firmado na Resolução 44/236, o Brasil
elaborou um plano nacional de redução de desastres para a década de 90 que estabelecia
metas e programas a serem alcançados até o ano 2.000 conhecido como Política Nacional
de Defesa Civil - PNDC estruturada em quatro pilares: prevenção, preparação, resposta e
reconstrução.
Importante, portanto, deixar registrado que, em princípio, o panorama
legal atende a uma vontade de proteger o meio ambiente e de responsabilizar o agente pelos
danos causados numa sociedade. Porém, o que se tem percebido é que o objetivo da lei não
vem obtendo êxito. Pelo contrário, na medida em que são criadas diversas leis, somam-se
as antigas novas agressões. Resta a dúvida sobre a motivação.
A ocorrência de importantes eventos, social e ambientalmente danosos,
como no exemplo utilizado no presente trabalho, o caso do Césio 137 (classificação
COBRADE 21210) tem levado a sociedade a se questionar quanto ao despreparo legislativo
e fragilidade, quando da ocorrência do dano ambiental, antes e após o fato. Amplia-se este
questionamento, perguntando-se porque não agir antes do dano. A codificação Brasileira de
desastres (COBRADE - 2012), em substituição à classificação dos desastres CODAR, até
então utilizada, foi elaborada a partir da classificação utilizada pelo Banco de Dados
Internacional de Desastres (EM-DAT) do Centro para Pesquisa de Epidemiologia de
desastres (CRED) e da organização Mundial de Saúde (OMS/ONU), com o propósito de
adequar a classificação Brasileira às normas Internacionais.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 A SITUAÇÃO FÁTICA QUE NORTEIA A ANÁLISE
O Brasil, apesar de diversas opções já avançadas na ciência, optou por um
modelo de desenvolvimento em que o risco da atividade tem sido a regra, a instalação
tecnológica, as armas de fogo, os esportes radicais, os meios de transporte, as usinas
nucleares ou as indústrias químicas, e mesmo o fumo. De fato, União, Estados e
Municípios visam à promoção de ações a partir da efetiva exploração destas atividades.
Estes procedimentos requerem tecnologias avançadíssimas e específicas,
e que muitas vezes sobrevém a dúvida sobre a real segurança das ações, sobretudo no que
tange a procedimentos ambientalmente nocivos. Assim, enorme é o risco destas e outras
atividades fruto do desenvolvimento sem estudo prévio destes riscos, da própria sociedade,
aumentando a possibilidade de que algo possa dar errado.
O melhor exemplo foi o ocorrido em Chernobyl em 26 de abril de1986,
ainda hoje considerado o pior acidente nuclear da história, tendo recebido a classificação
7(sete), nível máximo na escala da Agência Internacional de Energia Atômica. A radiação
que vazou do reator número 4 da usina de Chernobyl foi 200 vezes maior do que a das
bombas de Hiroshima e Nagasaki juntas. Cerca de 200.000 km² de terra foram
contaminados. A estimativa é de que cerca de 4 mil pessoas devam ter morrido de câncer
na Bielo-Rússia, Ucrânia e Rússia.
No Brasil, Goiânia, o acidente com o Césio-137, ocorrido em 13 de
setembro de 1987, foi o maior acidente radioativo do Brasil e o maior do mundo ocorrido
fora das usinas nucleares. Foi classificado como nível 5 (acidentes com consequências de
longo alcance) na Escala Internacional de Acidentes Nucleares, que vai de zero a sete, onde
o menor valor corresponde a um desvio, sem significação para segurança, enquanto no
outro extremo estão localizados os acidentes graves2 .
Uma cápsula contendo o césio foi encontrada nos escombros do Instituto
Goiano de Radioterapia e vendida a um ferro-velho. O brilho azul emitido pelo césio atraiu
a atenção de moradores da região que o passaram de mão em mão. Mais de 800 pessoas
foram contaminadas e pelo menos outras 200 morreram devido aos efeitos da radiação. As
manchetes, além de evidenciarem os danos ambientais, trazem um aspecto importante, e até
então despercebido dos analistas e dos operadores do direito em geral. Diz a manchete: “O
caso césio revela crime contra o povo"3.
A matéria pretende, sem sucesso, que o conteúdo jornalístico amplie sua
abrangência no sentido de trazer parâmetros legais em nível internacional, mas termina por
restringir-se ao panorama legal nacional. Feito o registro, detendo-se mais na matéria
jornalística e adotando o chamado inicial como parâmetro, o conteúdo segue na tentativa de
manter a visão preventiva da ação danosa, ex vi: “Os 20 anos da tragédia com o Césio 137,
em Goiânia, revelam, além do descaso do Estado com as vítimas, a ausência de um projeto
de tecnologia nuclear para o país.”4
Na mesma vertente, 25 anos após, e depois de, com novo acontecimento
de vazamento de Petróleo em Campos, RJ, o governo brasileiro comprometeu-se a elaborar
um Plano Nacional de Contingência (PNC), abrangendo todos os tipos de acidentes,
conforme noticiaram os jornais na época: "Legislação brasileira para lidar com vazamentos
é mais punitiva do que preventiva".
3 Manchete no Jornal A Nova Democracia, n.38
4 Conteúdo da chamada de primeira página do Jornal ONova democracia, n. 38.
Lembra ainda a notícia de 21/3/2012, Jornal O Globo, que dois anos após
o acidente na Bacia Petrolífera no Golfo do México, e 05 meses após o primeiro vazamento
da Chevron, o Brasil não conseguiu pôr em prática o seu Plano Nacional de Contingência
(PNC), e ainda hoje não é dada atenção à prevenção de acidentes. Mais adiante, afirmam os
jornalistas5: “A legislação concentra o seu foco na punição”.
No interior da matéria há o desenvolvimento de uma linha de raciocínio
muito interessante. Trata-se, conforme o título ”Depois do óleo derramado” 6, de breves
observações quanto à falta de uma legislação que atue na prevenção e na reparação de
danos. Expõe as fragilidades da indústria no país, que se apresenta como a mais nova
potência energética do mundo 7.
O Plano Nacional de Contingência deve prever outros casos, além dos
narrados na matéria, como os casos de vazamento nuclear, ocorridos em Goiânia. Fazendo
a ponte com outro país, mais avançado na questão nuclear, a notícia revela a fragilidade da
sociedade diante de tão importante assunto: “A empresa estatal japonesa, Power Reactor
and Nuclear Fuel Development (PNC), responsável por ter ocultado informações a respeito
de acidentes nucleares revelou que, desde o fim de 1994, houve 11 vazamentos de trítio
radioativo que não foram denunciados na usina onde ocorreu o acidente mais recente.
Segundo executivos da PNC, os acidentes não foram revelados porque as quantidades de
material radioativo liberadas ficaram abaixo do nível de risco mínimo, ou seja, aquele que a
direção seria obrigada legalmente a informar às autoridades. Entretanto, as autoridades do
distrito de Fukui suspeitam de outro acobertamento, pois alguns dos vazamentos fizeram
disparar alarmes automáticos.
O acordo entre a PNC e os governos locais diz que a usina precisa
informar todos os acidentes "graves", o que significa todos os acidentes que disparem os
alarmes automáticos. Comparativamente, o Brasil não possui um plano estruturado e “vê
uma reação desencontrada e sem firmeza de emergência” 8.
Ainda na mesma direção, o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura
– CBIE, empresa de Consultoria e Informação especializada em Serviços de Inteligência e
5 CARNEIRO Lucianne;NAIDIN, Hugo. Jornal O Globo de 21/03/2012, p. 19.
6IBIDEM.
7IBIDEM.
8IBIDEM.
Gestão de Negócios no mercado de energia, Adriano Pires, afirma que há defasagem na
legislação. Para o dirigente seria oportuno seguir o modelo americano, em que um fundo
financeiro deve lidar com os acidentes, com mecanismos de autofinanciamento, sendo que
a cada barril produzido, a empresa contribui com US$ 0,08 (oito centavos de dólar) para o
fundo, tratando-se de vazamento de petróleo. O fundo tem por objetivo a reparação de
danos9.
Também como participante de uma entrevista sobre o assunto, o
coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, professor
Emilio La Rovere, informa ter enviado em 2006, ao Ministério do Meio Ambiente, um
levantamento de experiências internacionais que podem auxiliar o Plano Nacional de
Contingências brasileiro a “sair do papel”. E informou ainda, que faltam medidas de
prevenção diante do aumento da exposição dos riscos frente à grande ampliação da
exploração e produção.
Diante dos relatos acima, percebe-se que ainda hoje existem dificuldades
na aplicação das diretrizes Constitucionais e infraconstitucionais, principalmente nas
questões que envolvem a prevenção, punição, a informação e o preparo dos profissionais
responsáveis por questões que envolvem riscos ambientais, e neste caso, a Defesa Civil
ainda encontra dificuldade de aplicação das diretrizes quando foca suas ações baseadas no
pós- acidente.
A CNEN, Comissão Nacional de Energia Nuclear, responsável pela
segurança e fiscalização das atividades nucleares no Brasil, reagiu de forma improvisada,
no caso do Césio 137. Por exemplo, contratou trabalhadores para executar a
descontaminação do local sem nenhum preparo ou mesmo conhecimento do perigo que
corriam. E hoje, como seria sua atuação?
Em conclusão preliminar, pode-se afirmar que o acima exposto tem
ligação e assemelha-se a casos ocorridos no Brasil, com relação a acidentes nucleares.
Casos como estes devem envolver diversos níveis de conhecimento e de distintos agentes
sociais, opiniões de cientistas, pesquisadores, doutrinadores e operadores do direito, além
daqueles diretamente envolvidos nos eventos danosos. A questão envolve várias áreas,
9IBIDEM.
devendo haver uma interdisciplinaridade que articule estudiosos de distintas áreas do
conhecimento, possibilitando o intercâmbio de opiniões.
O que chama a atenção no debate neste tema é a constatação de que o
sistema legislativo pátrio não possui uma resposta adequada na temática da proteção
ambiental. E mais, as investigações ocorrem sempre a partir do dano, o que de certa forma
implica propostas de solução que estão diretamente articuladas a sua existência, tais como,
a busca da reparação, o seguro ambiental e a incriminação dos autores. Não se observa
uma resposta às possibilidades de atuação no campo da prevenção e da precaução. Nem
mesmo o denominado Plano de Contingência que se refere a uma atuação dos responsáveis
após o dano, inclui a preocupação com a prevenção.
Para melhor entender, e adequar o exemplo do Césio à análise que se
pretende, passa-se a dar sequência às reportagens e à pesquisa desenvolvida na dissertação
da professora Elaine Campos Pereira, em relação ao mesmo evento danoso, de forma a
compreender a evolução dos fatos e os desdobramentos jurídicos que vão sendo colocados
no caso cotidianamente, e que tende a reforçar as afirmações já verificadas.10
No dia 28 de setembro de 1987, a CNEN, que tem sede no Rio de Janeiro,
foi acionada pelas autoridades. O grupo de emergência da comissão era treinado para
atender acidentes em reatores nucleares. Uma cápsula de Césio-137 aberta em uma capital
brasileira era novidade.
Na época, o controle foi feito a partir da retirada dos materiais das áreas
que estavam contaminadas. Tudo foi embalado. Para armazenar os rejeitos, foram usados
tambores metálicos de 200 litros, caixas de um metro quadrado (mil litros) e até um
contêiner marítimo, devido à grande quantidade de material. Os recipientes passaram por
testes físicos e de resistência para garantir a segurança.
Inicialmente, os rejeitos foram estocados de forma provisória no mesmo
lugar onde hoje funciona a unidade da CNEN, no então recém criado município de Abadia
de Goiás, porém, de forma provisória, naquele momento. Controlado o acidente, feito um
10
PEREIRA, Elaine Campos. Risco e Vulnerabilidade Sócioambiental: o depósito definitivo de rejeitos
radioativos na percepção dos moradores de Abadia de Goiás. Dissertação (trabalho de conclusão de mestrado)
apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da
Universidade Federal de Goiás, 2005.
projeto a longo prazo, definiu-se o local onde os rejeitos seriam definitivamente
guardados.11
.
A sociedade foi surpreendida com a decisão da CNEN de provisoriamente
estocar os rejeitos na própria cidade, gerando revolta local. Percebe-se, diante das notícias
da época e mesmo hoje, a falta de esclarecimento dos profissionais que lidam com
substâncias altamente perigosas, como também da própria população.
Para melhor ilustrar a atuação dos agentes e os comandos das chefias
imediatas, é importante registrar o relato da moradora Francisca Pereira Cardoso Cruz, de
79 anos, que viveu de perto o drama dos moradores de Abadia:
Invadimos a BR-060 (rodovia que liga Goiânia a Abadia) e tentamos bloquear a
vinda do césio. Foi um presente de grego que recebemos naquela época. As
manifestações duraram uns três dias ou mais. Passamos a noite às margens da
BR, em vigília. Mas fomos surpreendidos porque para cada morador tinha o
dobro de policial e eles ficavam na porta das casas para nos vigiar. Lutei muito
para o césio não vir para a Abadia12
.
O depósito definitivo foi construído em 1997, mesmo ano em que foi
inaugurado o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO),
unidade da CNEN em Goiás. O local fica dentro do Parque Estadual Telma Ortegal, que
tem 1,6 milhões de metros quadrados. A estrutura que abriga os rejeitos foi projetada para
resistir 300 anos, intacta e preparada para desastres como tremor de terra e queda de avião.
O depósito do Césio-137 tornou-se, então, o único depósito de lixo radioativo definitivo do
Brasil13
.
As consequências e falta de informação ainda hoje se manifestam, seja na
saúde ou mesmo nas alterações sociais, comportamentais, ambientais, vividas pela
população.
Recentemente veiculou-se a seguinte notícia: “Veículo foi roubado com
selênio 75. Material que é usado em aparelhos de raio-x e soldas"
11
Matéria jornalística TV Anhanguera,13/09/2012, G1, GO. 12
IBIDEM 13
Princípio da Precaução – princípio 15; Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida também como ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra,
realizada entre 3 e 14 de junho de 1992, Rio de Janeiro.
Segundo a polícia, o roubo do material foi informado também à Comissão
Nacional de Energia Nuclear. “Em contato direto com a pele, a radiação é capaz de causar
danos em células e produzir mutações genéticas. Mas dificilmente ocorre o contato direto,
pois sua forma de transporte é em cápsulas blindadas”, explica Ellen Guimarães Dias,
presidente da Associação Brasileira de Química (ABQ- RJ)14
.
A empresa Arctest Serviços de Manutenção e Inspeção Industrial,
responsável pelo veículo, minimizou os riscos de contaminação. Segundo Mário de Boita,
supervisor de proteção radiológica, o produto radioativo estava dentro de uma caixa
metálica presa com cadeado no porta-malas do veículo. O que não impediu o seu furto e o
total desconhecimento da sociedade dos riscos provenientes de um possível manuseio
desta substância.
Até a presente data, estes são os fatos principais que norteiam a análise
que se pretende. De antemão, deve-se adiantar que a conclusão a que se chega é que, pelo
modelo de gestão de risco vigente na sociedade, se novos fatos surgirem, estes dificilmente
serão capazes de reverter a curva que se impõe há mais de duas décadas.
2.2 ELEMENTOS DA MODERNIZAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO NA SOCIEDADE DE
RISCO
Segundo Beck15
, os riscos evoluíram no século XX e possuem agora uma
nova arquitetura social e dinâmica política, que pode ser resumido em teses. Os riscos são
apresentados articulados com desenvolvimento de forças produtivas, que escapam à
percepção humana e atinge a todos, são invisíveis e em sua maioria produzem danos
irreversíveis; podem ser aumentados e diminuídos ou mesmo alterados e, assim podem ser
interpretados segundo processos sociais de definição. Melhor exemplo: radioatividade.
Há uma relação entre as situações sociais de ameaça e o incremento e
distribuição dos riscos. Todos ao final são atingidos, independentemente de classes sociais.
Registre-se que os riscos além de atingir a saúde humana, também o fazem em relação à
14
Matéria Jornalística no O Dia, dia 03/04/2012. 15
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. São Paulo: Editora 34, 2011, p. 27-28.
propriedade, ao lucro e à desapropriação ecológica. Melhor exemplo: fluxo de poluentes
que escapam à competência do Estado Nacional.
Os riscos da modernização são também um excelente negócio, um novo
estágio com sua expansão e mercantilização, sem limites, interminável, infinito, dada a sua
necessidade, passando a ser um reforço à lógica capitalista do desenvolvimento. Esta
mesma sociedade industrial produz as situações de ameaça e o potencial político da
sociedade de riscos.
As riquezas podem ser possuídas, porém, quanto aos riscos, são afetados.
Assim é preciso que os riscos sejam conhecidos, disseminando uma teoria sociológica
assumida pelo potencial político da sociedade de riscos.
Por fim há um forte ingrediente político dos riscos que são socialmente
reconhecidos, o que faz com que haja uma aproximação do público com o empresarial.
Passa a atingir não somente à saúde humana, mas os efeitos colaterais são sociais,
econômicos e, sobretudo, políticos. Melhor exemplo: o desmatamento e a perda de
mercado, a depreciação do capital. Trata-se, assim, do potencial político das catástrofes,
que é um estado de exceção e que pode tornar-se uma normalidade.
Conclui o autor que "o efeito social das definições de risco não depende,
portanto, de sua solidez científica." E explica: a constatação de risco e a modernização
devem ser analisadas sob o parâmetro do conhecimento científico. A alegação generalizada
tem levado a conclusões de insegurança científica. Assim, ingrediente importante a ser
contemplado diz respeito à ética, aproximando-se a filosofia, a cultura e a própria política.
Nesta linha de desenvolvimento das sociedades, os parâmetros teóricos
devem ser objetos de pesquisa, tanto nas concepções habermasianas, quanto nas sociedades
contemporâneas, seu desenvolvimento sócio, político, econômico e cultural, posto que o
risco produzido a partir deste desenvolvimento considera novas plataformas temáticas
transnacionais.
Para tanto, nesta releitura das sociedades, Beck16
, que toma como
referência em seus estudos a evolução e feitos da sociedade de risco, tem muito a contribuir
ao presente debate, de quem se tomam emprestadas as ideias norteadoras.
16
IBIDEM
De início, o autor conclui que o conceito de modernização contribui na
concepção da sociedade de risco:
Modernização significa o salto tecnológico de racionalização e a transformação
do trabalho e da organização, englobando para além disto muito mais: a mudança
de caracteres socais e de biografias padrão, dos estilos e formas de vida, das
estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação,
das concepções de realidade e das normas cognitivas.17
Da mesma forma que as sociedades industriais passaram anos a debater
como distribuir riquezas de forma desigual e ao mesmo tempo "legítima", a sociedade de
risco está centrada num novo paradigma: como é possível que as ameaças e riscos
produzidos a partir desta modernização sejam evitados ou minimizados, ou se inevitáveis
como efeitos colaterais, sejam redistribuídos de forma a não atingir o limite do aceitável?
Assim, além de tratar de libertar socialmente as pessoas através da
modernização e do desenvolvimento econômico social, há que se preocupar e refletir sobre
os efeitos desta modernização quanto aos riscos. A modernização passa a ser ao mesmo
tempo solução e problema. Na realidade, a tendência tem sido de que o emprego de
tecnologias se sobrepõe aos riscos apresentados considerando a relevância econômica, de
onde encerra um sistema de normas públicas que possa ser o único.
Importante considerar, nesta linha de análise, que ambas as sociedades,
industrial e de risco, possuem o mesmo paradigma a enfrentar sob óticas diferentes: a
desigualdade. E da mesma forma articulados pelo tema da modernização, nesta em posições
distintas, mas sempre em relação à riqueza produzida.
2.3. ANÁLISE JURÍDICA
Após o relato fático apresentado, bem como dos princípios constitutivos
da noção de sociedade de risco, passa-se ao mérito que se pretende ressaltar, tendo como
fio condutor a análise crítica da responsabilidade pelos danos ambientais.
Para melhor compreender a crítica que tenta esclarecer a
irresponsabilidade do Estado e da Sociedade em relação à proteção dos recursos naturais, é
17
IBIDEM
necessário o aprofundamento temático no processo de responsabilização, no conceito de
dano estrito, dano real e dano potencial, e no meio ambiente como um direito fundamental.
Assim, parece que o ponto de partida é a análise comportamental da
sociedade, e principalmente das instituições e dos profissionais diretamente ligados a
acidentes nucleares. Conceitualmente, a defesa civil caracteriza-se por um conjunto de
medidas permanentes que visam evitar, prevenir ou minimizar as consequências dos
eventos desastrosos e a socorrer e assistir as populações atingidas, preservando seu moral,
limitando os riscos e perdas materiais e restabelecendo o bem-estar social. São aspectos
subjetivos da ação do homem pertencente a uma sociedade de risco18
que vem sendo
construída aleatoriamente e que se pretende reinventar.
De início, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas, que o processo de
responsabilização inserido na legislação pátria tem o dano como seu requisito necessário.
Portanto, o agente somente será responsabilizado na hipótese de existência do dano, nas
diversas espécies de responsabilidades. Observa-se que na contramão do aparato legal, os
princípios que norteiam o direito ambiental exigem a atitude prévia e precavida do agente e,
para tanto, deve responder na inexistência do comportamento preventivo e precavido.
Assim, teoricamente, sem a devida atitude prévia exigida, a hipótese é de
responsabilização.
Especificamente em relação ao dano ambiental, duas características
marcantes têm sistematicamente abraçado discussões doutrinárias e jurisprudenciais: a
irreparabilidade e a quantificação do dano.
De longa data, questiona-se se é possível a resiliência, capacidade de um
sistema restabelecer seu equilíbrio após este ter sido rompido por um distúrbio, ou seja, sua
capacidade de recuperação. A doutrina (jurídica) é unânime19
ao concluir que, uma vez
atingido o meio ambiente com um dano, seria impossível o seu retorno ao status quo ante,
repristinação. Até mesmo as chamadas medidas mitigadoras, constantes nos estudos de
impacto ambiental, têm demonstrado, em sua maioria, ineficácia quanto ao
18
GUIVANT, Julia S. A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia. Estudos
Sociedade e Agricultura- Revista semestral de Ciências Sociais Aplicadas ao Estudo do Mundo Real.
v.16, p.95-112, abril/2001.
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/dezesseis/julia16.htm- Acesso: fev. 2013 19
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:Saraiva, 2004, p.
36. Também nesta posição MILARÉ, KISS, SADELEER, GODARD, VARELLA E MACHADO.
restabelecimento da lógica ambiental, podendo nascer uma nova e diferente cadeia no
ecossistema, mas biologicamente, o que se perdeu com o dano é irrecuperável. Há,
cientistas afirmam que à longo prazo, ha possibilidade de resiliência em matéria ambiental.
A diferença está baseada na capacidade de recuperação.
Por óbvio, parece que qualquer que seja a ação antrópica, sempre trará
algum impacto, podendo ser este absorvido ou não pelo meio ambiente, e este é o mérito do
comportamento subjetivo. A questão relevante é que, na defesa de um desenvolvimento,
busca-se a implementação de tecnologias por vezes inadequadas e que conduzem aos danos
ambientalmente não absorvidos. Nas áreas urbanas, essas distorções se repetem, ao largo
dos planejamentos estratégicos e dos instrumentos de controle, sempre por interesses de
empreendedores e financeiros.
Nesta sociedade de risco, não há outro caminho que não seja a
aproximação de proteção ao meio ambiente com a proteção à vida. A Defesa Civil assim
pode ser percebida com instituição estratégica para redução de riscos de desastres. Sua
funcionalidade está definida no Sistema Nacional de Defesa Civil, conforme Decreto nº
97.274, de 16.12.1988, uma de suas finalidades é o dever de prevenir e minimizar os efeitos
dos eventos desastrosos.
Ao abordar tal raciocínio no exemplo apresentado, verifica-se de pronto
que as tecnologias disponíveis não foram suficientes para evitar o dano. Começa aqui a
demonstração concreta de que este elemento subjetivo comportamental, ou seja, a ação do
agente é de fundamental importância para a questão ambiental, sem desejar ser, desde já,
conclusiva, mas ressaltando como ponto importante a ser retomado adiante.
2.3.1 – Por que a questão envolve o elemento subjetivo?
De fato, procede ao questionamento, sobretudo, em se tratando da espécie
de responsabilização da matéria em questão. Ocorrendo o dano ambiental, impõe-se sua
reparação, é o que determina a Carta Magna em seu artigo 225, §3º, bem como a Lei nº
6938/81, em seu artigo 14 § 1º, que acrescenta a inexistência de culpa na relação jurídica
obrigacional. Logo, volta-se aqui para o dano, objetivamente e a sua simples comprovação,
na melhor corrente20
, gera a obrigação de indenizar. Portanto, necessita-se do dano. Se
acrescentarmos a essa objetividade a dificuldade de resiliência e de reparação indenizatória,
chega-se à conclusão de que a simples existência do dano não deveria ser a condição
primeira exigível, mas sim o comportamento prévio precavido do agente, mas como
mensurá-lo, ou mesmo apontar a sua existência?
Novamente aproximando a temática da proteção ambiental e da defesa
civil e seus objetivos de estudar, definir e propor normas, planos e procedimentos que
visem à prevenção, socorro e assistência da população e recuperação de áreas, é possível
verificar a necessidade do mesmo comportamento prévio. Assim a gestão de risco
possibilita que as ameaças ou fatores adversos poderão sugerir obras e medidas de proteção
com o objetivo de prevenir ocorrências graves. E este é um comportamento exigível da
sociedade. Poderá ajudar, ainda, a promoção de campanhas educativas junto às
comunidades e estímulo ao seu envolvimento.
Na busca destes objetivos, quando do exame dos aspectos múltiplos que
envolvem a reparabilidade, seja o quantum indenizatório no caso da impossibilidade de se
tentar a resiliência, seja o dano à saúde humana ou mesmo o seu atingimento psicológico,
não há como quantificá-los.
Assim, nem sempre é possível calcular o dano ambiental, justamente em
virtude de sua irreparabilidade. Édis Milaré21
salienta que essa característica ficou mais
complexa com o advento da Lei nº 8.884/94 que, em seu art. 88, alterou o caput do art. 1º
da Lei nº 7.347/85, ensejando que também os danos morais coletivos sejam objeto das
ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais.
No caso concreto apresentado, há um quanto que pode até ser estimado,
mas sem qualquer parâmetro ou exatidão. E ainda, quais organismos vivos deveriam ser
repostos? Este ecossistema está inteiramente identificado e classificado? Dificilmente se
20
Conforme doutrinadores como Milaré, entende que a Constituição Federal impõe um sistema garantista, ao
passo que outros, como ToshioMukai, entendem que o sistema é de responsabilização objetiva. 21
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente – doutrina – jurisprudência – glossário.3.ed.. rev., atual. e ampl. -
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.671.
chegaria a uma conclusão. Em relação ao quantum indenizatório, como valorar as perdas?
Igualmente impossível.22
A legislação pátria, sem dúvida é bastante rigorosa na objetivação da
responsabilidade, incluindo-se aqui a espécie integral (de risco da atividade), mas sempre
nas situações de existência de dano. Não só no Brasil, mas em todo o mundo há a
exigibilidade do dano. Até mesmo a idéia do dano potencial, rechaçada pelos tribunais
brasileiros, é aceita em alguns países da Europa e Japão.
O ser humano, sujeito de direitos e obrigações para presentes e futuras
gerações, exige medidas comportamentais. Assim, para quem atua colocando em risco a
sociedade como um todo e seus interesses, a reação pode ser repressiva da lesão consumada
ou preventiva de uma consumação iminente. O que se espera é que com toda a
fundamentação legal existente, possa a precaução de forma efetiva vir a fundamentar uma
nova atitude do Estado e da Sociedade.
2.3.2 As principais diferenças entre a precaução e prevenção no contexto da defesa e
segurança civil
As definições sobre o princípio da precaução, que aparecem, que
aparecem inicialmente no direito internacional, indicam claramente que este princípio é
uma ferramenta de gestão de risco potencial.
O campo de aplicação era originalmente do domínio ambiental, mas em
seguida, após os problemas de sangue contaminados, esta metodologia de gestão passou a
ser implantada no universo da saúde pública, é atualmente um “dever de precaução” que se
faz necessário para os profissionais da saúde.
O princípio da precaução constitui um complemento necessário à gestão
de riscos, que só trata dos riscos já “revelados”. Este princípio restabelece a confiança,
estimula a pesquisa e facilita a transparência dos métodos de gestão. Todavia, ele apresenta
alguns inconvenientes: risco de desacelerar o efeito das decisões, mas, principalmente a
22
BARBOSA, Tania Mara Alves. A resposta a acidentes tecnológicos: o caso do acidente radioativo de
Goiânia. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Sociologia, da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, 2009.
aplicação do princípio da precaução apresenta um custo econômico elevado e risco de ser
utilizado excessivamente pelos tomadores de decisão.
Para a defesa e segurança civil torna-se importante frisar as diferenças
entre a precaução e prevenção, uma vez que a prevenção é um comportamento clássico e
antigo, ao passo que o princípio da precaução diz-se uma noção recente, segundo
DUFOUR:23
O princípio de precaução constitui uma ferramenta de gestão de
risco porque, trata-se de uma tomada de medidas visando a
prevenir o risco. Este princípio aparece então, como uma
Ferramenta de Gestão de Riscos Potenciais. Trata-se então de
tomar medidas para previnir uma possibilidade de risco.
A precaução e a prevenção são duas faces diferentes da prudência que se
colocam frente a situações quando há existência ou possibilidade de dano. Os princípios da
precaução e da prevenção norteiam toda a política de proteção ambiental e estão
relacionados às teorias de uma sociedade de risco. Estes preceitos deveriam fundamentar as
políticas de gestão de riscos e, sobretudo, estarem presentes nas propostas e nas ações da
Defesa Civil, por ser seu dever atuar nas situações de risco. A seguir apresenta-se como se
configuram esses princípios, a relação que mantêm com o contexto de atuação da Defesa
Civil e a vinculação dos mesmos com a jurisprudência nacional.
A precaução é de ordem hipotética de risco específico e fático, envolve
casos concretos relativos ao meio ambiente, evitando a atividade no caso de dúvida,
avaliando sempre o fato concreto que aconteceu ou está para acontecer. Nesse processo,
cumpre aferir em que medida é necessário evitar certa atividade ou acompanhar de perto os
movimentos de determinados equipamentos pelos responsáveis por seu manuseio. Seu
universo é incerto, exigindo ações particulares, avaliação de riscos, podendo haver ações
para diminuí-los, com base na comparação entre diversas possibilidades para se optar por
uma, de menor risco. Há, ainda, a possibilidade de se ter que optar por uma não ação,
baseado no grau de desequilíbrio em relação ao custo-benefício.
23
Dufour, Barbosa – Le príncipe de precaution, Epidémiologie ET santé animal, 2002, 41, 27-34.
Já a prevenção é de ordem abstrata e generalista, não reclamando a
presença de um fato, embora requeira um aparato legislativo protetivo, a funcionar como
estimulante negativo para a prática de agressões. Se as opiniões nacionais ou estrangeiras,
após inventário, concluírem pela possibilidade de haver dano denota-se a prevenção, ou
seja, há o que ser prevenido.
Quanto à certeza científica, aqui abordada como elemento de fundamental
importância para a aplicação do princípio da precaução, deve ser recolocada na sua
amplitude e não aplicada exclusivamente em questões pontuais. Este princípio em sua
integralidade ainda terá um caminho árduo a percorrer, sobretudo na jurisprudência
nacional. Neste sentido, parece estar firmada a concretização da prevenção, o que é
importante, seja pela exigibilidade do próprio Estudo de Impacto às atividades de risco, seja
por seu abrigo no sistema legislativo nacional.
A questão da dúvida quanto aos danos, ou mesmo em relação aos
possíveis danos potenciais parece ainda distante de ser amadurecida. O próprio Estado não
vincula o ato administrativo a uma atitude precavida onde considere o recuo da decisão de
fazer quando persiste a dúvida dos efeitos danosos. Há uma hesitação sobre a decisão, pois
o dano potencial para a jurisprudência, não é dano, deixando-se advir sua efetivação para
buscar a reparação, o que pode ser irreversível.
Retornando ao exemplo apresentado e comparando aos conceitos
doutrinários e fundamentos legais apresentados, observa-se que a tônica é a possibilidade
de indenização civil quanto aos danos. Mas até que ponto este fato contribui para a reversão
do quadro de ações de risco, sobretudo em empresa que manipula vultosas quantias? 10
bilhões? 100 milhões? Que diferença faz, até mesmo e porque, conforme verificado, a
repristinação e o quantum a reparar são matérias de dificílima definição e abordagem,
quanto aos resultados a que se propõe.
Os fatos demonstram questões e conceitos que abordam sempre o tema do
dano. A própria legislação somente possibilita qualquer imputação ao agente na sua
ocorrência. Mas esta trajetória sabe-se como se inicia e quais são os resultados finais. A
simples observância no exemplo apresentado demonstra uma curva de responsabilização
que tende a irresponsabilidade.
Os paradigmas trazidos pela nova ordem constitucional e sua reflexão
apontam uma proteção integral e assim há um descompasso com o processo de
responsabilização vigente, apoiado na legislação. A intenção do legislador é que o agente
responda pelo dano havido, ou seja, se houver danos, responderá de forma objetiva sem
análise da culpa, em situações de risco.
Estas hipóteses aceitas e desenvolvidas na doutrina e praticadas na
jurisprudência não acompanham o que determina o princípio internacional da precaução,
consagrado em âmbito internacional através da edição como Princípio 15 da Conferência
Rio/92 24
.
Porém, o que de fato se exige, através dos princípios constitucionais,
tendo o direito a um meio ambiente de qualidade como ícone primeiro, é que o agente atue
de forma preventiva e precavida e isto se refere a um comportamento subjetivo,
internalizado a partir de um processo de socialização de regras de conduta e normas sociais,
adequados e condizentes com o espírito protetivo numa sociedade de risco.
Assim, a hipótese seria de que para o agente, ao não agir dentro dos
parâmetros exigíveis do princípio da prevenção e da precaução, haveria também uma
responsabilização. Caso não, impossível enquadrar a relação jurídico-obrigacional,
conforme determina o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil –
CRFB/88. Não se trata aqui de tão somente utilizar-se dos meios disponíveis para o melhor
resultado possível, pois este não é o sistema imposto. O que se espera deste comportamento
subjetivo é a garantia de que com determinado comportamento subjetivo previamente
estabelecido, o risco de ocorrer o dano é diminuto. E para estes procedimentos há a garantia
do agente de sua ocorrência como elemento garantidor.
Observe-se que no fato narrado as abordagens são inteiramente
descabidas neste sentido. Os responsáveis da CNEN trataram o evento danoso como falta
de cuidado do laboratório, se eximindo da sua própria responsabilidade de prevenção e
precaução. Ora, se há imprevisibilidade, a determinação obrigacional é que não faça.
Se para o direito penal o elemento culpa ou dolo é princípio lógico e de
substancial referência, para a responsabilização civil ambiental ocorre o oposto, e os
24
RIO 92, op. cit.
operadores permanecem utilizando um pelo outro por sua conveniência processual. Há que
ser afastada a tese patronal.
O que se espera é o não fazer diante da incerteza e, portanto, a hipótese é
de que poderá haver responsabilização quando não se atua conforme o esperado, mesmo
considerando a inexistência do dano real. A falta de atitude prévia poderia conduzir à
responsabilidade do agente e ainda, se há um dano potencial, porque não responsabilizar-se
o agente pela falta de atitude prévia?
2.3.3 O sistema garantidor que não garante
A primeira garantia do sistema remete à responsabilização objetiva
ou responsabilidade integral, centrada exclusivamente no dano, sem o nexo causal, tal
como afirma Édis Milaré25
. Desta forma, numa sociedade de risco, em existindo dano, há a
garantia de que este será reparado. Conforme já abordado, a crítica a este sistema é que em
havendo dano a reparabilidade e a represtinação impossibilitam tal garantia. Neste passo, os
tribunais vêm decidindo na exigibilidade do dano real de forma geral, afastando-se dos
princípios constitucionais que embasam a atuação precavida exigida em lei.
A outra garantia é de que o agente deve atuar fundado dentro do princípio
da precaução. Ao se examinar a natureza jurídica da precaução, há que se percorrer um
estreito caminho entre a norma jurídica e o princípio. O que se busca, ao final é a força e a
efetivação daquele princípio.
Alguns autores, como Roberto Andorno26
, em visão ilustrativa,
demonstram que se trata de um pleno exemplo de formação de uma regra de direito.
Portanto, o que mais se adapta à precaução é o seu enquadramento como um princípio
político-jurídico27
: é político, pois inspira a atuação governamental em medidas protetivas
da ação pública pró-sociedade; é jurídico, pois trata de força obrigatória em normas
jurídicas nacionais e internacionais, além do reconhecimento da própria jurisprudência,
sobretudo na Europa. Afirma o autor que as jurisdições internacionais são unânimes em
25
MILARÉ, Édis, op cit. p. 757. 26
MARTIN, Gilles. La naturedu príncipe de précaution,apud ANDORNO, op. cit., p. 11. 27
ANDORNO, Roberto. El principio de precaucion: um nuevo standard jurídico para la era
tecnológica.Buenos Aires:La Ley, 2000, p.11.
reconhecer no princípio da precaução um estatuto de regra de direito diretamente aplicável,
na ausência de regulamento particular.
Como consequência, decorre a conclusão de que somente poderá alcançar
esta amplitude se a sua eficácia estiver atrelada a uma responsabilização, conduzindo a um
valor jurídico geral. Assim, a garantia deveria estar no atuar precavido do agente. Mas este
processo de responsabilização/ garantidor fundado na precaução não possui respaldo legal
no direito pátrio. Aqui também o sistema é precário, pois apresenta um fundamento
constitucional, mas não concede meios de sua aplicação.
A análise deste elemento subjetivo comportamental do agente parece ser o
único caminho a percorrer que poderá trazer respostas para este processo de
responsabilização.
Tomando-se o exemplo, hoje a sociedade discute, opina e lamenta a
contaminação radioativa que ocorreu a partir de procedimentos desprecavidos. Mas a
hipótese poderia ser: se o procedimento garantidor não estivesse correto e não houvesse
danos, responderia o agente? Certamente que não, pois este elemento subjetivo é
comportamental e exige outra espécie de abordagem que não seja pelo aparato legal
objetivo.
Se há um risco a enfrentar, o encaminhamento deveria examinar se o
agente agiu de forma precavida. Alguns autores contribuem com o debate. Hans Jonas28
,
em 1980, formulou o princípio da responsabilidade, aprofundando-se no conceito de risco e
da necessidade da comunidade científica produzir conhecimentos de maneira responsável.
Já Gerd Winter29
inverte a abordagem em relação ao risco. A pergunta não seria se a
atuação do agente causaria dano, mas se é necessária a atuação arriscada do agente.
Assim procedendo, retira-se o fundamento da identificação do risco, cujo
cerne está centrado no campo político e técnico científico, para abrigar-se na razão final da
própria atividade: o bem-estar social da comunidade. Portanto há autores que trabalham o
conceito e seus mecanismos, mas seria preciso melhor categorizar a sociedade de risco e
28
JONAS, Hans. El principio de responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización tecnológica.
Barcelona: Herder, 1995, p. 38 29
WINTER, Gerd. As Facetas do Significado de Desenvolvimento Sustentável - Uma Análise Através do
Estado de Direito Ambiental. PALMA, 2011, p. 41-43
este comportamento subjetivo exigível. E neste aspecto o aparato legal e o comportamento
subjetivo da sociedade são insuficientes.
Assim, a garantia que está posta não responde como elemento garantidor
de proteção, posto que se por um lado ocorreu o dano, rompido estará todo o sistema
irreparável, por outro há um elemento subjetivo comportamental que até aqui não exigível
e que sem ele todo o sistema ficará exposto.
2.4 A HIPÓTESE DE UMA EQUAÇÃO SOCIAL DE ESTABILIZAÇÃO
O sistema jurídico de direitos e deveres apoia o indivíduo em sua
exigência quanto ao exercício de direitos. Porém, também traz ao horizonte um “comando
social” que determina que este mesmo indivíduo sujeito de direitos, em reação reflexiva,
deverá arcar com seu papel social por inteiro, o que impõe obrigações mínimas do que fazer
e como fazer. Esta é uma condição primeira, posto que, pela regra geral, a cada direito
caberá um dever.
Da mesma forma, nesta equação social, se o indivíduo faz jus a direitos
fundamentais, mais ainda, a mínimos sociais, há que se exigir a contraprestação social que
se traduz no comportamento mínimo subjetivo, ou dever social.
Mas onde está este “comando social” que assim determina? Quem o
legitima? O que faz com que o indivíduo entenda uma contraprestação como um
comportamento subjetivo exigível de parte de um todo?
A premissa que sustenta esta obrigatoriedade é de que cada indivíduo
deverá arcar com sua parte, fortalecendo instituições justas promovendo a estabilidade
social. Importante observar que as instituições injustas não podem impor obrigações, pois o
dever seria também natural de justiça.
Pelo que parece, o contraponto do exercício dos direitos fundamentais é
um comando normativo como dever comportamental imposto àqueles sujeitos de direitos,
pela construção do bem maior da coletividade. As limitações impostas a sua conduta de
forma fundamentada estão diretamente relacionadas à sobrevivência do grupo, e por
conseqüência do indivíduo.
Compreendido este dever comportamental, deve ser examinada a forma
de se fazer preponderá-lo na sociedade. Na realidade, poderia se afirmar que este
movimento na sociedade estaria articulado a partir do somatório de vontades individuais.
Mas a caracterização também poderá partir da idéia da ação coletiva que promoveria este
conjunto de vontades individuais. Kant30
, em sua obra sobre o Esclarecimento (Aufklärung)
aborda a libertação do homem e sua projeção para as decisões de razão autônoma. Afirma a
dificuldade de o homem fazer isto por si só e construir a sua liberdade. Conclui que será na
democracia que se construirá uma sociedade justa, a partir do conceito de uso público e de
uma opinião pública crítica.
Portanto, é conclusivo que haja um dever obrigacional exigível pela
sociedade e imposto ao homem que determina o agir integradamente com a coletividade
como condição para se ter o exercício de direitos fundamentais. É razoável que este dever
possa estar na interseção do campo do dever moral com o dever obrigacional.
A compartimentalização de ações e a retaliação deste dever centrada no
homem para o homem, não têm surtido os efeitos desejados, pois o que se verifica é a
prevalência do individualismo e do interesse particularizado. As tentativas de simples
normatização, portanto, esbarram na natureza do direito à vida de qualidade, o que se faz
refletir a possibilidade de um novo paradigma que reinvente este subjetivo comportamental
exigível.
2.4.1O risco como elemento imprescindível da responsabilização pela precaução
Qualquer sistema que se pretenda hábil a incorporar ações
comportamentais exigíveis em prol da sociedade deverá considerar a análise permanente do
risco. Ou seja, diante de situações que possam trazer uma única hipótese de dano, haverá a
adoção de um comportamento, que seria exigível, amparado numa análise estrutural do
risco. Assim, risco e responsabilidade do Estado e da Sociedade caminhariam juntos.
O que se tem percebido, em geral é que na medida em que as ameaças a
danos não se convertem em ações, diminuem ainda mais as medidas preventivas de
superação deste risco, o que aumenta a possibilidade de dano.
30
KANT, Immanuel. Textos Seletos. Rio de Janeiro: Vozes, p. 102.
A questão que deve ser abordada é o conceito de sociedade de risco e os
deveres dela decorrentes. Assim, sem esgotar o tema, pretende-se alinhavar duas frentes do
conhecimento, abrangendo conteúdos da Sociologia e da Filosofia de forma a alicerçar esta
relação social sobre o comportamento subjetivo ideal ou esperado.
De início, o processo de responsabilização voltado para a aplicabilidade
do princípio da precaução encontra perspectivas analíticas no enfoque da Teoria do Risco
de Ulrich Beck31
. O autor apresenta a necessidade de um desenvolvimento de ações
intersubjetivas calcada em negociações capazes de encontrar soluções para as ameaças
auto-infligidas. Exemplifica os problemas ambientais segundo tal pressuposto teórico, que
somente podem ser enfrentados a partir destas negociações. A ação intersubjetiva, na
hipótese, parte da comunhão da ameaça na sociedade do medo.
Neste ponto, parece que os estudos da teoria da sociedade de risco de
Beck32
ajudam na materialização da hipótese. Segundo o autor, os riscos, teriam um viés
democrático, afetando nações e classes sociais sem respeitar fronteiras de nenhum tipo.
Assim, devem se estabelecer regras e as bases em que são tomadas decisões, reinaugurando
o processo decisório, o que Beck passou a chamar de subpolítica33
, reconhecendo ainda a
ambiguidade e a ambivalência dos processos sociais como inevitáveis, sem se procurar
soluções definitivas34
.
Diante de situações de risco, democraticamente, há que se articular
Estado e Sociedade para que possam estar cientes dos riscos que precisam ser divididos e
administrados. Portanto, esta coletividade que de início parecia ser composta do somatório
de decisões individuais, passa a ter um papel protagonista na construção desta
intersubjetividade, o que de certa forma explica a sua influência e importância do indivíduo
no processo de construção das sociedades de risco.
O indivíduo nesta modernidade possui características ímpares, pois ao
mesmo tempo em que se configura por um processo de formação social não amparado em
31
BECK, op. cit. 32
IBIDEM, p. 58. 33
GUIVANT, Julia S.A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia,
Estudos Sociedade e Agricultura, 16, abril 2001: 95-112 1 34
BECK, op. cit.
certos aspectos pelas tradições, produz novas coletividades sócio culturais.35
. Esta liberdade
individual conviverá cada vez mais com riscos, e é neste aspecto que deve ser construído o
conceito de proteção integral que poderá incorporar o já identificado comportamento
subjetivo exigível.
Em sua proposta, Beck considera ainda a alternativa de formação de
fóruns de negociação que procurariam não só o difícil consenso, mas uma postura
individual que possibilitaria medidas de prevenção e de precaução, integrando e eliminando
conflitos ou perigos fora de controle.
Quais riscos que se deseja ou que se precisa correr? Esta é a análise
pontual do comportamento subjetivo exigível, observando-se a construção no coletivo e
para a coletividade. O autor afirma que a democratização dos riscos faz o diagnóstico da
sociedade de risco; por sua vez, a democratização das decisões, faz a sua profecia. Em
última análise, trata-se de um cenário de conflito global em torno dos riscos.
Quanto à aplicação do princípio da precaução, haverá dificuldades para se
construir alicerces quando se enfrenta os projetos desenvolvimentistas, o risco e a
exigibilidade de conduta precavida, sobretudo na jurisprudência.
Neste sentido, parece estar firmado o que Habermas desenvolve como
teoria da sociedade, o agir comunicativo orientado pelo entendimento36
, como a
permanente tensão entre faticidade e validade que se opera de forma intersubjetiva num
conjunto de ações que materializariam procedimentos de precaução e de prevenção. Tal
perspectiva analítica será desenvolvida a seguir.
2.4.2 O sistema do entendimento
O agir comunicativo fundamentaria a exigibilidade da intersubjetividade
na inserção do comando normativo de responsabilização pela ausência de procedimentos
precavidos, ou seja, aplicando-se a temática da democracia desenvolvida por Jünger
35
WESTPHAL, Vera Herweg. A Individualização em Ulrich Beck: análise da sociedade contemporânea.
Doi: 10.5212/Emancipacão.v.10i2.419433 36
HABERMAS ,Jüngen.Consciência moral e agir comunicativo. Tradução de Guido de A. de Almeida. Rio
de Janeiro: tempo Brasileiro, 2003, p.143.
Habermas37
poderia ser construída e incorporada à vontade social de exigir esta atitude
preventiva e precavida. Desta forma, seria desenvolvido o conteúdo normativo, deslocando-
se do eixo da eticidade para a base validativa da análise da ação. Com a aplicação da teoria
do discurso sobregras de argumentação38
, propõe-se o exercício de direitos intersubjetivos
para a formação da vontade política, fugindo da exclusividade da conduta ética dos
cidadãos.
Em estreita síntese, seria o cruzamento destas bases do conhecimento,
sociológica (BECK) e filosófica (HABERMAS), que se conformaria um processo coletivo
de exigibilidade de procedimentos individuais cabíveis na adoção da efetiva proteção ao
bem de uso comum do povo, como direito fundamental. Em princípio, parece que o agir
comunicativo se somaria aos procedimentos sociológicos exigíveis e apontados pela
sociedade de risco.
Dentre estes procedimentos estão àqueles vinculados ao comando
normativo, internacionalmente reconhecido como princípio protetivo da precaução.
Assim, em Habermas, busca-se reconstruir a autocompreensão entre
pretensões normativas democrático-constitucionais e a facticidade de seu contexto social.
Parte-se dos direitos dos indivíduos, a que se tem que contemplar uns aos outros, regulando
a vida social de forma legítima, o que caberia ao direito positivo. Há assim, uma tensão
entre facticidade e validade que permeia o sistema dos direitos.
A construção do consenso, e da intercompreensão acontece em termos
gerais, através de um processo cultural específico que ocorre a partir de seu aspecto geral,
onde um horizonte de conhecimentos pré-interpretados e pressuposições culturais
promovem a estabilidade necessária das regiões específicas na interação entre os
indivíduos. Ou seja, aquilo que gera a diferença e promove a individualização deve ser
articulado enquanto processo de consensualização, interpretado pelo o que lhes são comuns
previamente e talvez seja isto que vá promover a legitimação necessária.
Contudo, há outro elemento a acrescentar e que possui fundamental
importância nesta breve análise: o bem e uso comum a ser protegido - o bem estar social.
Até aqui, não foi possível deixar explicitado que tal bem possui características particulares
37
IDEM. Direito e Democracia – entre facticidade e validade. Tradução de Flávio bento Siebeneichler, Rio
de Janeiro: TempoModerno, 1997. 38
HABERMAS ,op. cit. ,p.143.
e que devem ser consideradas e incorporadas ao processo de legitimação. É possível que
estas características nasçam a partir do sistema obrigacional de direitos e deveres impostos
enquanto direito humano fundamental. Ou seja, é de todos, porém todos devem zelar por
ele.
É uma idéia de movimento da sociedade e somente isto poderá gerar
energia para a engrenagem obrigacional se efetivar. Pois bem, é conclusivo que este
sistema obrigacional somente poderá obter sua validade se efetuado a partir da ideia do
consenso, bem apresentada tanto por Habermas como por Beck. Seria a forma de explicar
como este comando protetivo, originado num sistema positivo obtém sua legitimidade.
Cabe aqui a observação, a partir das luzes em Kant39
, desta consciência
coletiva que é o uso público do bem e traduz-se na própria libertação, alcançando-se o
esclarecimento lentamente, através das revoluções silenciosas. Prisioneira como está do
próprio modelo de desenvolvimento, somente deslocando-se o eixo da razão para a
construção intersubjetiva, tem-se a chance de alcançar pela liberdade esta conduta exigível
de proteção. Novamente, percebe-se um movimento social por direitos e para resguardar
direitos ao uso do bem comum ao povo, impondo a todos o dever de proteção. Caso não se
efetive, continuaria o estado de heteronomia, prisioneiros do modelo escolhido,
exterminando, por consequência, aquilo que mais se precisa: a vida.
Portanto, a exigibilidade do que se pretende como contraprestação social
deverá ser legitimamente construída a partir do consenso, decisão esta individual a partir da
legitimidade coletiva que abrigará as possibilidades ético-existenciais.
Por fim cabe observar que não se pretende aqui, a partir de pressupostos e
considerações, uma vez mais, delinear normativas absolutas que possam dar forma a esta
contraprestação social, como comportamento subjetivo exigível. Se assim fosse, seria mais
uma tentativa frustrante de interferência autoritária nos processos sociais, carente de
legitimidade perante a sociedade.
3 CONSIDERAÇÔES FINAIS
39
KANT, op. cit., p.. 102.
O presente trabalho tem a pretensão de, a partir de um exemplo fático que
tem como base um acidente social e ambiental, possibilitar a reflexão sobre o sistema de
responsabilização e sua operacionalização. Demonstra, ainda, que as garantias
constitucionais a um ambiente de qualidade estão distantes exatamente devido a um
processo de responsabilização que não se presta ao que se propõe.
O exemplo fático bem demonstra que há uma curva perversa de
desinformação à sociedade, inteligentemente trabalhada pelos operadores do direito e que
ao longo do tempo foi se esvaindo até cair no esquecimento da impunidade.
Diante de tais fatos, onde estão as incongruências? Numa
responsabilização que recai verticalmente sobre a exigibilidade do dano, na ausência de um
efetivo sistema preventivo e precavido e, sobretudo, na ausência de compreensão de um
sistema obrigacional que efetiva um movimento democrático de responsabilização. O
indivíduo, protagonista deste sistema obrigacional, jamais compreenderá tal sistema se não
se colocar dentro dele, tanto como credor, quanto como devedor a um ambiente de
qualidade. Há aqui uma exigibilidade de um comportamento subjetivo que se pretende
preventivo, precavido e que se impõe, mas que deve “nascer” como um movimento da
sociedade.
Observe-se que esta afirmativa vale tanto para o operador de um
equipamento radiológico como para o presidente da empresa responsável pela fiscalização
de equipamentos que contêm substâncias sob sua responsabilidade. Todos são igualmente
responsáveis, diz o comando subjetivo exigível. Esta atitude preventiva e precavida deve
ser o alicerce maior da responsabilização, é o que se deve à sociedade.
Portanto, o caminho a seguir do exercício pleno do direito fundamental a
uma vida de qualidade deve considerar o equilíbrio dinâmico da equação social. O
rompimento do estado de individualização poderá ser contraposto à busca do consenso
como ferramenta democrática de construção da necessária ambiência social ao que se adota
como contraprestação.
É possível que o senso comum de ajuda e a interdependência entre os
indivíduos de uma sociedade sejam ferramentas preciosas no enfrentamento deste processo
de individualização, firmando-se a partir de regras essenciais para a vida em sociedade,
caracterizando o conceito de solidariedade social.
REFERÊNCIAS
ALEXY, R. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
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