cláudio manuel da costa

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Não permitiu o Céu que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, se prosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a Pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui entre a grossaria dos seus gênios, que menos pudera eu fazer que entregar-me ao ócio, e sepultar-me na ignorância! Que menos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios e no centro deles adorar a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas inspirava a harmonia dos versos. Turva, e feia, a corrente destes ribeiros, primeiro que arrebate as ideias de um Poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra, que lhes tem pervertido as cores. A desconsolação de não poder substabelecer aqui as delícias do Tejo, do Lima e do Mondego me fez entorpecer o engenho dentro do meu berço, mas nada bastou para deixar de confessar a seu respeito a maior paixão. Esta me persuadiu a invocar muitas vezes e a escrever a Fábula do Ribeirão do Carmo, rio o mais rico desta Capitania, que corre e dava o nome à Cidade Mariana, minha pátria, quando era Vila.

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Page 1: Cláudio Manuel da Costa

Não permitiu o Céu que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, seprosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a Pátria, que por espaço decinco anos havia deixado, aqui entre a grossaria dos seus gênios, que menospudera eu fazer que entregar-me ao ócio, e sepultar-me na ignorância! Quemenos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios e no centro deles adorara preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de todaa Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águasinspirava a harmonia dos versos. Turva, e feia, a corrente destes ribeiros, primeiroque arrebate as ideias de um Poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga deminerar a terra, que lhes tem pervertido as cores.

A desconsolação de não poder substabelecer aqui as delícias do Tejo, doLima e do Mondego me fez entorpecer o engenho dentro do meu berço, masnada bastou para deixar de confessar a seu respeito a maior paixão. Esta mepersuadiu a invocar muitas vezes e a escrever a Fábula do Ribeirão do Carmo, rioo mais rico desta Capitania, que corre e dava o nome à Cidade Mariana, minhapátria, quando era Vila.

Page 2: Cláudio Manuel da Costa

VII

Onde estou? Este sítio desconheço:Quem fez tão diferente aquele prado?Tudo outra natureza tem tomado,E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.

Uma fonte aqui houve; eu não me esqueçoDe estar a ela um dia reclinado;Ali em vale um monte está mudado:Quanto pode dos anos o progresso!

Árvores aqui vi tão florescentes,Que faziam perpétua a primavera:Nem troncos vejo agora decadentes.

Eu me engano: a região esta não era;Mas que venho a estranhar, se estão presentesMeus males, com que tudo degenera!

Page 3: Cláudio Manuel da Costa

Sol. Espaço. Vegetação.Os imóveis são colocados na cidade atrás do rendilhado de árvores.A natureza está inscrita no arrendamento. O pacto foi assinado com a natureza.

Le Corbusier, Os três estabelecimentos humanos

Page 4: Cláudio Manuel da Costa

LXII

Torno a ver-vos, ó montes; o destinoAqui me torna a pôr nestes oiteiros,Onde um tempo os gabões deixei grosseirosPelo traje da Corte, rico e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,Os meus fiéis, meus doces companheiros,Vendo correr os míseros vaqueirosAtrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,Que chega a ter mais preço, e mais valiaQue da Cidade o lisonjeiro encanto,

Aqui descanse a louca fantasia,E o que té agora se tornava em prantoSe converta em afetos de alegria.

Page 5: Cláudio Manuel da Costa

XCVIII

Destes penhascos fez a naturezaO berço em que nasci: oh! quem cuidaraQue entre penhas tão duras se criaraUma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigres, por empresaTomou logo render-me; ele declaraContra o meu coração guerra tão rara,Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,A que dava ocasião minha brandura,Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,Temei, penhas, temei, que Amor tirano,Onde há mais resistência, mais se apura.

Page 6: Cláudio Manuel da Costa

[...] a rebeldiaQue vês neste penhasco, essa dureza,Há de ceder aos golpes algum dia

[Soneto XLVII]

Que mal, ó Sílvio, foi tão penetrante,Que este penhasco imóvel de constânciaPôde abalar?

[Écloga XIII]

Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,Na muda solidão deste arvoredo,Comuniquei convosco o meu segredo

[Soneto LIX]

Sentado sobre o tosco de um penedo,Chorava Fido a sua desvantura

[Soneto XXII]

Page 7: Cláudio Manuel da Costa

Disse, e sobre a alta penhaErguendo-se, da fúria arrebatado,

No rio se despenha

[Écloga VII]

Comigo sepultadoEu choro o meu despenho

["Fábula"]

Mil vezes no despenhoMe lembra Alfeu rendido, e namorado;

A segui-lo me empenho;E me impede, não sei, se Amor, se o Fado

[Écloga X]

Page 8: Cláudio Manuel da Costa

Aqui te deixo, rústico cajado;QUe algum tempo, apesar do empenho cego,De ninguém, só de mim foste logrado

[Écloga XV]

Desempenha o teu gosto; mas, ó bela,Vê, lhe não guies a fortuna escuraPelos passos da minha desventura

[Écloga IX]

Page 9: Cláudio Manuel da Costa

A vós, canoras Ninfas, que no amadoBerço viveis do plácido Mondego,Que sois da minha lira doce emprego,Inda quando de vós mais apartado.

A vós do pátrio Rio em vão cantadoO sucesso infeliz eu vos entrego,E a vítima estrangeira, com que chego,Em seus braços acolha o vosso agrado.

Vede a história infeliz, que Amor ordena,Jamais de Fauno, ou de Pastor ouvida,Jamais cantada na silvestre avena.

Se ela vos desagrada, por sentida,Sabei que outra mais feia em minha penaSe vê entre estas serras escondida.

Page 10: Cláudio Manuel da Costa

Vendo inútil o empenhoDe render-lhe a fereza,

Busquei na minha indústria o meu despenho:Com ingrata destreza

Fiei de um roubo (oh! mísero delito!)A ventura de um bem, que era infinito.

[...]

Por mais desgraça minha,Dos tesouros preciosos

Chegou notícia, que eu roubado tinhaAos homens ambiciosos;

E crendo em mim riquezas tão estranhas,Me estão rasgando as míseras entranhas.

Polido o ferro duroNa abrasadora chama,

Sobre os meus ombros bate tão seguro,Que nem a dor que clama,

Nem o estéril desvelo da porfiaDesengana a ambiciosa tirania.

Page 11: Cláudio Manuel da Costa

Daqui vou descobrindoA fábrica eminente

De uma grande Cidade; aqui polindoA desgrenhada frente,

Maior espaço ocupo dilatado,Por dar mais desafogo a meu cuidado.

Competir não pertendoContigo, ó cristalino

Tejo, que mansamente vais correndo:Meu ingrato destino

Me nega a prateada majestade,Que os muros banha da maior Cidade.

As Ninfas generosas, Que em tuas praias giram,

Ó plácido Mondego, rigorosasDe ouvir-me se retiram,

Que de sangue a corrente turva, e feiaTeme Ericina, Aglaura e Deiopeia.

Page 12: Cláudio Manuel da Costa

Não se escuta a harmoniaDa temperada avena

Nas margens minhas, que a fatal porfiaDa humana sede ordena

Se atenda apenas o ruído horrendoDo tosco ferro, que me vai rompendo.

Porém se Apolo ingratoFoi causa deste enleio,

Que muito, que da Musa o belo tratoSe ausente de meu seio,

Se o Deus, que o temperado coro tece,Me foge, me castiga e me aborrece!

Enfim sou, qual te digo,O Ribeirão prezado;

De meus Engenhos a fortuna sigo:Comigo sepultado

Eu choro o meu despenho; eles sem curaChoram também a sua desventura.