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DIOGO L. MACHADO DE MELO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, CLÁUSULAS
ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
MESTRADO EM DIREITO CIVIL
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
2
DIOGO L. MACHADO DE MELO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS, CLÁUSULAS
ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito das Relações Sociais
(subárea de Direito Civil) sob orientação do
Professor Doutor RENAN LOTUFO.
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
3
Banca Examinadora
______________________________________________________
______________________________________________________
______________________________________________________
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Dedicatória
Ao amigo RENAN LOTUFO, como parte da (impossível) tarefa de retribuir o que
graciosamente recebi e aprendi. Por ter me mostrado que só quem ama é capaz de
ouvir e entender as estrelas, bem como a própria evolução e efetivação do direito.
À CELINA, por ter me ensinado, com seu jeito meigo e paciente, o que é amar e ser
amado, e por me permitir alcançar, ao seu lado, o sentido da felicidade a cada dia.
5
AGRADECIMENTOS
Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és
responsável pela rosa ...
SAINT-EXUPÉRY
Para falar a verdade, sempre gostei dos agradecimentos que constam das
dissertações, teses e livros. Querendo ou não, neles estão, de fato, a história do
autor, o seu percurso até a consagração (e por que não, as causas do insucesso...)
de seu árduo trabalho. Confesso que relutei em fazê-los aqui. Mas o medo de não
tornar público este gesto de carinho e de reconhecimento, por mais paradoxo que
pareça, me fez tomar coragem. Antes de agradecimento, deve o leitor considerar
estas palavras parte de uma oração que, humildemente, faço por ter conseguido
chegar ao fim de mais este trajeto.
Não poderia deixar de agradecer, em primeiro lugar, com o coração cheio de
alegria, aos meus queridos e adorados pais, José Horácio de Melo e Sandra Marina
Machado de Melo. Exemplos de educadores e advogados, a quem tudo devo,
especialmente, por terem me dado todas as condições de sair da minha pequenina
cidade e realizar um sonho: estudar Direito na PUC/SP.
Também não posso deixar de agradecer meus queridos irmãos mais velhos,
Matheus e Rodrigo, que em cada gesto e a cada palavra de incentivo dão sentido à
família que nos une.
Ao vovô Roberto, que infelizmente não está mais conosco. Mesmo
contrariando muitos de seus conselhos (afinal, não segui a carreira de médico),
sempre fui mais amado do que merecia, e ainda sou pela vovó Manoela. Aliás,
falando de avós, também agradeço ao saudoso Francisco Thomaz de Carvalho
Filho, uma das pessoas mais brilhantes que conheci em vida. A presença constante
de sua imagem em minha memória me faz acreditar que é possível realizar os
sonhos sonhados tantas e tantas vezes ao seu lado. Por não ter dito tudo o que
poderia enquanto ele esteve vivo, rendo-lhe esta singela homenagem, prova de que
a amizade também transcende a existência do ser humano. Desse contato, acabei
6
conhecendo seu filho, meu grande amigo (e compadre) Francisco Thomaz de
Carvalho Júnior (o Chico), a quem nutro profunda admiração e amizade. Aliás –
como ele sempre gosta de frisar – foi por indicação do Chico que comecei a
trabalhar, ainda como estagiário, no Renan Lotufo Advogados Associados.
Lembrando-me do escritório, hoje, já como advogado, não poderia deixar de
agradecer a todos que estiveram (e estão) comigo e que, de alguma forma,
ajudaram-me a dar cada passo, a crescer como estudante e como pessoa,
respeitando (silenciosamente) minhas graves limitações intelectuais. No escritório,
aprendi que o amor pelo Direito, a dedicação e o respeito ao próximo são condições
mínimas para o exercício da docência e da advocacia.
Por isso, agradeço a todos que passaram por ali, mas faço especial
agradecimento aos amigos Gilberto e Valéria. Foi com eles que passei grande parte
de minha vida profissional. Humildes funcionários, sempre me trataram com carinho
e me serviram com admirável dedicação, aturando pacientemente minhas rabugices
e manias, como fiéis ouvintes, em todo início do dia. Sem eles eu também não
estaria aqui.
Agradeço, ainda, pelo convívio com a amiga Maria Alice Zaratin Soares
Lotufo, exemplo de mulher, advogada, professora, minha confidente, incentivadora e
orientadora nas relações afetivas, suprindo a falta de minha mãe, que infelizmente
não pôde estar aqui durante todo o tempo. Agradeço também aos membros da
antiga formação do escritório, na pessoa de meus primeiros "chefes", Fernando
Sartori e Luciana Stocco Betiol, e hoje aos amigos Luiz Philipe Tavares Cardoso,
Juliana Maria Câmara e João Luís Zaratin Lotufo, pela paciência que tiveram comigo
na fase final deste trabalho.
Aos amigos Irineu Jorge Fava e Elcio Trujillo, ilustres magistrados, a quem
devo importante (e inesquecível) aprendizado, quando passei em estágio pela
Escola Paulista da Magistratura.
Ao professor Silvio Luís Ferreira da Rocha, pela oportunidade da primeira
monitoria em Direito Civil, enquanto aluno da graduação da PUC/SP.
Agradeço ao fraterno amigo e professor Cassio Scarpinella Bueno. Como
meu professor na graduação, foi o Cassio quem me inspirou, despertando em mim o
interesse pela docência, sendo o responsável pelo "empurrão inicial", confiando-me,
7
hoje, a honrosa posição de assistente em uma de suas Cadeiras da PUC/SP.
Cassio, de coração, muito obrigado.
Agradecimento especial à amiga Susete Gomes Barné, pelas palavras de
apoio no curso de mestrado da PUC/SP.
Por último, agradeço a todos os membros do Instituto de Direito Privado
(IDP), especialmente pela imprescindível companhia e amizade dos professores
Rafael Marinangelo, Giovanni Ettore Nanni, Marcelo Benacchio, Hamid Charaf Bdine
Júnior, Ragner Limongeli Vianna e Fernando Rodrigues Martins (Mineiro).
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RESUMO
O presente trabalho volta-se ao estudo e à sistematização apartada das cláusulas
contratuais gerais no âmbito do direito privado, fornecendo subsídios para maior
compreensão e melhor aplicação dos contratos por elas contidos.
Partindo da premissa civil-constitucional e da recente doutrina dos contratos, buscar-
se-á contextualizar, historicamente, o surgimento e a utilidade das cláusulas
contratuais gerais.
Em um segundo momento, serão apresentadas as características específicas das
cláusulas contratuais gerais, suas diferenças de institutos afins, bem como a
demonstração de sua natureza jurídica, o que legitimará as conclusões sobre os
limites e as particularidades do seu controle e de sua interpretação.
As cláusulas contratuais gerais não contam com regramento específico em nosso
país, mas têm sido objeto de leis especiais em diversos países. Partindo de
experiências estrangeiras, serão apresentadas formas de controle das cláusulas
contratuais gerais consideradas abusivas, tecendo-se comparação com os métodos
de repressões administrativa, judicial e legislativa existentes em nosso país, em
especial, no Código Civil.
Para melhor compreensão do fenômeno, de sua existência independente e anterior
aos contratos de adesão que serão formados, também será feito um estudo sobre a
formação dos contratos e do processo de inclusão das cláusulas contratuais gerais
em contratos individuais, sem deixar de apontar, ainda, os mecanismos de tutela
existentes em favor do aderente nesta fase.
Por fim, retomadas as premissas dos estudos, serão dados subsídios para
interpretação das cláusulas contratuais gerais que, pelo caráter geral, abstrato e
rígido, impõe soluções que ultrapassam os interesses individuais das partes
diretamente atingidas, merecendo, portanto, uma interpretação típica, peculiar,
dados estes que fornecerão respaldo para compreensão e aplicação dos artigos 423
e 424 do Código Civil.
9
ABSTRACT
The present work focuses the study and separate systematization of the general
contractual clauses in the field of private law, providing subsidies for a greater
understanding and better application of the contracts in which they are included.
From the civil-constitutional point of view, and according to the recent theory of
contracts, it will search to place the start and the usefulness of the general
contractual clauses inside a historical context.
Afterwards, the specific characteristics of the general contractual clauses, their
differences with similar principles, and the demonstration of its legal nature, which will
legitimate the conclusions on the limits and particularities of its control and
interpretation, will be presented.
Despite there is no specific regulation in our country, the general contractual clauses
have been the subject of special laws in several countries. Starting from foreign
experiences, ways for controlling the general contractual clauses considered as
abusive will be presented, comparing the methods for administrative, judicial and
legislative repression existing in our country, especially in the Civil Code.
For a better understanding of the phenomenon, its independent and prior existence
as regards the adhesion contracts which will be formed, a study on the contractual
formation and the process of including the general contractual clauses in individual
contracts will be performed, indicating further the mechanisms for protection existing
in favor of the adherent in this stage.
Finally, after retaking the premises of the study, subsidies for interpretation of the
general contractual clauses which, for its general, abstract and rigid character,
impose solutions transcending the individual interests of the directly affected parties,
and deserving therefore a typical, peculiar interpretation shall be given, data which
shall serve as basis for understanding and applying articles 423 and 424 of the Civil
Code.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13
PARTE I – ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL
DOS CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS GERAIS .........................................................................................16
1 Premissas metodológicas para o estudo do direito privado e das cláusulas
contratuais gerais .................................................................................................16
1.1 Introdução ....................................................................................................16
1.2 O direito público e o direito privado..............................................................17
1.2.1 O direito privado no curso da história: breves digressões .....................19
1.2.2 A chamada “publicização” do direito privado .........................................25
1.2.3 A crise da dicotomia público e privado ..................................................29
1.3 Lineamentos do direito civil constitucional ...................................................30
1.3.1 Rumos do direito privado e do direito civil constitucional.......................35
1.3.2 A utilidade da autonomia do direito privado...........................................35
1.3.3 O direito civil constitucional e o Código Civil de 2002............................39
1.4 O estágio atual da teoria geral dos contratos...............................................43
1.4.1 Os “novos” princípios do contrato..........................................................49
1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo
dos contratos ..................................................................................................55
1.5 Contexto histórico do surgimento das cláusulas contratuais gerais: a
massificação das relações contratuais...............................................................58
1.6 As cláusulas contratuais gerais. utilidade.....................................................69
PARTE II – AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS ...........................................75
2 Características das cláusulas contratuais gerais ................................................75
2.1 Nota preliminar. elucidação terminológica....................................................75
2.1.1 Razões do uso do nome “cláusulas contratuais gerais” ........................75
2.1.2. Cláusulas contratuais gerais e contrato de adesão. Distinção .............79
2.2 Conceito .......................................................................................................83
2.2.1 Conceito ................................................................................................84
2.2.2. Descrições legais das cláusulas contratuais gerais..............................87
11
2.3 Características essenciais das cláusulas contratuais gerais: unilateralidade,
predisposição, generalidade, abstração, rigidez ................................................90
2.3.1 Unilateralidade – observação necessária ..............................................90
2.3.2. Predisposição (pré-formulação, pré-formatação, pré-elaboração) .......94
2.3.3. Generalidade (e uniformidade) .............................................................96
2.3.4 Abstração (indeterminação).................................................................101
2.3.5 Rigidez.................................................................................................102
2.4 natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais.....................................104
2.4.1 Teoria normativista ..............................................................................105
2.4.2 Teoria contratualista ............................................................................107
2.4.3 Teoria eclética .....................................................................................109
2.5 Institutos afins – diferenças........................................................................115
2.6 Exemplos de incidência cláusulas contratuais gerais.................................118
3 As cláusulas contratuais gerais no direito estrangeiro .........................................122
3.1 Introdução ..................................................................................................122
3.2 Direito europeu. Antecedentes históricos da Diretiva n. 13,
de 05.04.1993............................................................................................122
3.3 Código Civil italiano....................................................................................125
3.4 AGB-Gesetz alemã e o BGB......................................................................126
3.5 Unfair Contracts Terms Act na Inglaterra ...................................................129
3.6 Loi sur la protection et l’information des consommateurs des produits et des
services e code de la consommation na frança ...............................................131
3.7 Suécia ........................................................................................................133
3.8 Standard contracts law em Israel ...............................................................134
3.9 Código Civil peruano..................................................................................135
3.10 Lei das cláusulas contratuais gerais de Portugal (Dec.-lei n. 446/1985)..136
2.11 Ley sobre condiciones generales de la contratación na Espanha (Lei n. 7,
de 13.04.1998) .................................................................................................137
PARTE III – CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002.....................140
4 Sistemas de controle das cláusulas contratuais gerais abusivas ....................140
4.1 Introdução ..................................................................................................140
4.2 Controle administrativo. características......................................................143
4.3 Controle judicial. características.................................................................145
4.4 Controle de conteúdo ou legislativo – características. ...............................152
12
4.5 Controle administrativo e controle judicial no direito brasileiro...................164
4.6 controle de conteúdo no Brasil – Parâmetros existentes no Código Civil de
2002 para caracterização das cláusulas abusivas e seu controle....................176
5 Considerações sobre o consenso e sobre a formação dos contratos no Código
Civil de 2002 ........................................................................................................198
5.1 Introdução ..................................................................................................198
5.2 Formas de expressão da manifestação da vontade...................................201
5.2.1 Declaração de vontade. Declarações verbais, escritas, simbólicas.....204
5.2.2 Declaração tácita e comportamento concludente. Silêncio .................207
5.2.3 Relações contratuais de fato. Observação necessária........................209
5.3 Formação dos contratos no Código Civil....................................................211
5.3.1 Consenso nos contratos entre ausentes .............................................219
5.3.2 Nota: consentimento no contrato de adesão .......................................222
5.3.3 Formação do contrato de adesão e das cláusulas contratuais gerais .223
5.4 O controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais na formação do
contrato de adesão ..........................................................................................227
6 Interpretação das cláusulas contratuais gerais.................................................235
6.1 Introdução ..................................................................................................235
6.2 Interpretação dos contratos. breves considerações...................................237
6.3 Aplicabilidade das regras de interpretação dos contratos às cláusulas
contratuais gerais.............................................................................................241
6.3.1. Interpretação das cláusulas contratuais gerais enquanto predispostas,
antes de estar inseridas em contratos individuais ........................................247
6.3.2 Interpretação das cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de
adesão. O art. 423 do Código Civil ...............................................................250
6.4 A boa-fé e a função social na interpretação das cláusulas contratuais
gerais .........................................................................................................261
CONCLUSÃO..........................................................................................................270
REFERÊNCIAS.......................................................................................................273
13
INTRODUÇÃO
Definitivamente, sistematizar um estudo sobre o tema cláusulas contratuais gerais
não é uma tarefa tranqüila. Há sempre o risco de se elaborar um trabalho
incompleto.
Exemplo disso é que, das poucas obras monográficas ou artigos existentes sobre o
tema, nenhuma delas optou pelo tratamento geral das cláusulas contratuais gerais:
ora se dá enfoque ao estudo dos sistemas de controle, ora da abusividade das
cláusulas contratuais gerais ou, ainda, no caso dos trabalhos estrangeiros, restringe-
se ao comentário das leis que regulam as cláusulas contratuais gerais em um dado
país. Nos trabalhos sobre os contratos de adesão, é dada ênfase à formação e ao
estudo dos contratos individuais, mas nenhuma atenção às cláusulas contratuais
gerais que os compõem.
O tema é extremamente rico e amplo, mas pouco explorado pela doutrina nacional.
Por isso, estando certo da dimensão do tema, aceitou-se o desafio de um estudo
geral das cláusulas contratuais gerais, tendo como parâmetro não o Código de
Defesa do Consumidor, mas as relações civis, empresariais e o Código Civil de
2002.
O presente trabalho volta-se, portanto, ao estudo de uma parte específica do direito
dos contratos ou, mais precisamente, das chamadas cláusulas contratuais gerais
(também denominada em doutrina como condições gerais dos contratos ou
condições gerais dos negócios), desde as origens dessa figura, de seu tratamento
no direito estrangeiro e o seu enquadramento no direito civil brasileiro.
As cláusulas contratuais gerais representam uma prática historicamente recente.
Apesar de encontrarmos na história exemplos remotos de sua utilização, sua
existência está intimamente ligada ao surgimento da sociedade industrializada e de
consumo, recebendo, por isso, forte resistência da doutrina clássica em aceitá-la,
acostumada com contratos parelhos, em que se exige prévia discussão, com estudo
focado exclusivamente no vínculo subjetivo (e exclusivo) das partes, abstraindo-se
completamente da dinâmica das relações sociais e do fato de que a relação
contratual também é fenômeno social, valor objetivo no qual as partes constituem,
extinguem ou modificam uma relação patrimonial própria.
14
Por essa razão, além da contextualização histórica das cláusulas contratuais gerais,
a primeira parte do trabalho (Parte I) volta-se, propositadamente, à fixação das
diretrizes civis-constitucionais para o estudo dos contratos, que permitirão a melhor
compreensão dos subsídios teóricos de interpretação e de caracterização das
cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas.
Por sua vez, a segunda parte do trabalho (Parte II) tem como enfoque o estudo das
cláusulas contratuais gerais propriamente ditas, suas notas características, sua
distinção com os contratos de adesão e institutos afins, sua natureza jurídica
(Capítulo 2). Ainda nessa parte, posteriormente, serão indicados os pontos básicos
do tratamento das cláusulas contratuais gerais na Comunidade Européia (Diretiva n.
13/1993), na Itália, bem como na Alemanha, Inglaterra, França, Suécia, Portugal,
Peru e Espanha (Capítulo 3), que, diferentemente do Brasil, contemplam um
tratamento legislativo específico sobre o tema, fornecendo importantes subsídios
para interpretação e aplicação do instituto em nosso sistema.
A terceira parte do estudo (Parte III) volta-se ao estudo da patologia das cláusulas
contratuais gerais, ou seja, da sua abusividade. Logo no Capítulo 4, serão
estudadas as características dos métodos de repressão administrativa, judicial e
legislativa das cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas existentes no
direito estrangeiro e, posteriormente, as características desses controles em nosso
país, dando especial atenção aos subsídios para contenção da abusividade
existentes no Código Civil de 2002 que, ao contrário do Código de Defesa do
Consumidor, não dispõe de um elenco de cláusulas consideradas abusivas.
O tema não tem interesse apenas teórico, uma vez que o Código Civil, que
consagrou expressamente nos seus artigos o princípio da boa-fé objetiva e da
função social do contrato, deixou de trazer um regramento sistemático para o
problema das cláusulas contratuais consideradas abusivas. Por isso o trabalho
busca cuidar do problema das cláusulas abusivas especificamente no Código Civil,
excluindo-se do tema do trabalho a regulação de clausulas abusivas feitas para a
proteção do consumidor, que recebem tratamento especial no Código de Defesa do
Consumidor.
Não se nega a possibilidade de influência recíproca entre Código Civil e Código de
Defesa do Consumidor e o modo como ela poderia se dar, mas esse é um tema que
necessita de trato exclusivo, que não cabe nas pretensões deste trabalho. O simples
15
tratar do tema especificamente no Código Civil pode ajudar, inclusive, em eventual
estudo comparado.
No Código Civil, o único artigo que trata, especificamente, do assunto é o art. 424,
pelo qual, nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. O que se
pretende demonstrar é como os princípios contratuais da boa-fé objetiva, da função
social e do equilíbrio contratual – que não está expresso no Código Civil – podem
ajudar no trato do tema das cláusulas contratuais gerais abusivas.
No Capítulo 5, será feito um estudo sobre a formação dos contratos e sobre o
consenso, permitindo o melhor estudo das cláusulas contratuais gerais na fase pré-
contratual, como também quando essas estiverem inseridas em contratos
individuais. Por fim, tendo sido fixada a noção da formação dos contratos e das
cláusulas, no último capítulo (Capítulo 6), será feito o estudo sobre o problema da
interpretação das cláusulas contratuais gerais e, mais uma vez, como a boa-fé e a
função social poderão fornecer diretrizes interpretativas para figura.
16
PARTE I
ASPECTOS ATUAIS DO DIREITO PRIVADO E DA TEORIA GERAL DOS
CONTRATOS. CONTEXTO HISTÓRICO E UTILIDADE DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS GERAIS
1
PREMISSAS METODOLÓGICAS PARA O ESTUDO DO DIREITO PRIVADO
E DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
1.1 INTRODUÇÃO
Durante séculos, o direito privado manteve-se intangível, no papel de sistematizar
regras sobre as atividades entre os entes privados, ao lado do direito público. No
curso da história contemporânea, por inúmeras razões que serão oportunamente
apontadas, esta dicotomia entre público e privado foi sendo relativizada, o que
motivou o surgimento de inúmeros estudos sobre um novo papel a cada um desses
ramos do direito.
Nesse contexto, surge o chamado direito civil constitucional, que altera o enfoque do
estudo do direito privado centralizado única e exclusivamente no Código Civil,
passando a ter como fonte de incidência direta a Constituição Federal, e que terá
especial importância na sua interpretação e no seu desenvolvimento.1
Indaga-se hoje sobre pertinência de uma configuração autônoma do direito privado
(e do próprio direito civil), exatamente pela preeminência do Texto Constitucional no
sistema jurídico e pelo fenômeno da publicização. Porém, em razão da incorporação
de inúmeros preceitos constitucionais pelo Código de 2002, questiona-se o próprio
caminho do direito civil constitucional nos dias de hoje. São inúmeros os trabalhos
dedicados às relações entre o direito constitucional e o direito civil e, de modo mais
amplo, sobre os caminhos a serem trilhados pelo direito privado. Como adverte J. J.
CANOTILHO, esses estudos, por vezes, denotam logo a matriz constitucionalista ou
civilista dos seus autores. Uns falam com arrogância sobre civilização do direito
constitucional e outros respondem com igual sobranceria da constitucionalização do
1 LARENZ, Karl. Derecho Civil – Parte General. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978. p.
96-97.
17
direito civil.2 O direito civil constitucional nunca esteve tão vigoroso e inabalável,
apesar das críticas infindáveis, servindo de importante vertente metodológica
indispensável para interpretação e aplicação das cláusulas contratuais gerais, razão
de ser deste trabalho.
1.2 O DIREITO PÚBLICO E O DIREITO PRIVADO
A distinção entre direito público e direito privado representa uma das mais antigas
dicotomias do Direito. Segundo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., tratando-se de
lugares comuns, essas noções também não são logicamente rigorosas, são apenas
pontos de orientação e organização coerentes da matéria, que envolvem, por isso
mesmo, disputas permanentes, suscitando teorias dogmáticas diversas, cujo intuito,
na verdade, é conseguir o domínio mais abrangente e coerente possível dos
problemas.3 Normalmente, essa distinção é feita pelos mais variados critérios, que,
na maioria das vezes, são controvertidos.4
2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Dogmática de direitos fundamentais e direito privado. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 339. Vale aqui as indagações sugeridas por ERIK FREDERICO GRANSTRUP: "Um sem-número de jovens civilistas – acompanhado de um número não tão pequeno de veteranos – tem experimentado as trilhas do direito civil constitucional, ocasionando a pergunta que intitula este trabalho. Indaga-se, por ocasião, se isto seria uma nova disciplina, uma nova especialidade, ou até se afirma, levianamente, que se estaria diante de mero modismo intelectual. Parece-nos que a curiosidade incitada pela pergunta, bem como a necessidade de dar resposta adequada às reações superficiais, são motivos suficientes para dedicar um esforço explicativo". GRANSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, 2006. p. 81.
3 FERRAZ, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao estudo do Direito – técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p. 131. Destaca ainda o autor: “A distinção entre o direito público e privado não é apenas um critério classificatório de ordenação dos critérios de distinção dos tipos normativos. Com sua ajuda pode-se, é verdade, classificar normas, com seus diferentes tipos, em dois grandes grupos. O interesse da classificação, porém, é mais extenso. A distinção permite uma sistematização, isto é, o estabelecimento de princípios teóricos, básicos para operar as normas, de um ou de outro grupo, ou seja, princípios diretores no trato com as normas, com as suas conseqüências, com as instituições que elas se referem, os elementos congregados em sua estrutura. Estes princípios decorrem, eles próprios, do modo como a dogmática concebe o direito público e privado. E este modo, não podendo ter o rigor de uma definição, é, de novo, tópico, resulta da utilização de lugares comuns, de pontos de vista formados historicamente e de aceitação geral”.
4 Ulpiano, em Roma, referiu pela primeira vez a distinção, ao apontar a existência de duas perspectivas possíveis para o estudo do direito: a primeira concernente ao modo de ser do Estado romano (normas sobre a organização política e religiosa do Estado), a segunda relativa aos interesses privados. Apesar de os romanos conhecerem, portanto, a distinção entre o público e o privado, ela só viria a adquirir grande interesse após o advento do Estado de Direito: “Até então, o direito privado evoluíra muito e constantemente, enquanto o direito público se mantinha como categoria de pouca relevância, seja porque este último flutuou demais (pense, por exemplo, na diferença radical entre as regras que regularam o poder político na Idade Média e no Absolutismo), seja porque encerrava pequeno arsenal de normas (no período absolutista, por exemplo, tudo se
18
PIETRO PERLINGIERI afirma que a unidade do fenômeno social e do ordenamento
jurídico exige o estudo de cada instituto nos seus aspectos ditos privatísticos e
publicísticos, mas destaca, como se verá, que essa dicotomia está em crise. Essa
distinção, que já os romanos tinham dificuldade em definir,5 consubstancia-se ora na
natureza pública do sujeito titular dos interesses, ora na natureza pública e privada
dos interesses,6 surgindo ainda os mais variados critérios para uma diferenciação.
Em famosa citação, NORBERTO BOBBIO reduz esses critérios a dois principais,
quais sejam, forma e matéria da relação jurídica. Segundo o mestre italiano, com
base na forma da relação jurídica, distinguem-se relações de “coordenação” entre
sujeitos de nível igual e relações de “subordinação” entre sujeitos de nível diferente,
em que um é superior e outro inferior: as relações de direito privado seriam
caracterizadas pela igualdade dos sujeitos e, portanto, seriam relações de
coordenação; as relações de direito público seriam caracterizadas pela desigualdade
dos sujeitos e, portanto, seriam relações de subordinação. Com base na “matéria”,
porém, que constitui o objeto da relação, distinguem-se os interesses ”individuais”,
que se referem a uma única pessoa, dos interesses “coletivos”, que se referem à
totalidade das pessoas, à coletividade. Levando em conta essa distinção, o direito
reduzia, em última análise, à regra de que o poder do Estado era ilimitado e devia ser acatado). A doutrina propôs diversos critérios; entre eles, o do sujeito e do interesse. Pelo primeiro, direito público é aquele que tem por sujeito o Estado, enquanto o privado é o que rege a vida dos particulares. Eu nada tenho contra esse critério, que define com razoável precisão o campo de aplicação do direito público. Mas não basta o jurista conhecer o campo de incidência do direito público, necessita, sobretudo saber das características dele. Caso contrário, de que adiantaria saber que o direito público é o que rege as relações envolvendo o direito privado? [...] De acordo com esse critério – o do interesse – seriam públicas as normas que tutelam interesses públicos e privadas as normas que regulam os interesses privados. Posto desse modo, há uma insuficiência séria nesse critério: ele não resolve o problema, apenas o transfere. Por ele, a dificuldade deixa de ser a diferença entre direito público e direito privado e se transfere para a distinção entre interesse público e privado. Realmente, sabendo que o direito público regula os interesses públicos, teremos que descobrir como apartá-los dos interesses privados! A doutrina, a partir daí, costuma se desviar, pondo-se a discutir, de acordo com a visão de cada pensador e se esquecendo completamente das normas jurídicas, o que é interesse público e o que é interesse privado: um dirá que interesse público é o que afeta toda a sociedade e não o indivíduo isoladamente, outro que o interesse público afeta preponderantemente a sociedade, embora possa interessar indiretamente ao indivíduo. Perceba, no entanto, que tais propostas de discriminação não partem de qualquer elemento sacado do direito positivo, mas sim de noções estranhas a ele; por isso, não têm serventia para a ciência do direito”. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do direito público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 129-130.
5 A base de toda a construção sobre a dicotomia entre direito público e privado advém do trecho de Ulpiano no Digesto (1.1.1.2): Publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem (Em tradução livre: O direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à polis ou civitas; o privado, à utilidade dos particulares).
6 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 53.
19
privado seria caracterizado pela proteção que oferece aos interesses privados e o
direito público, pela proteção oferecida aos interesses coletivos.7
Contudo, nem esses critérios não estão isentos de críticas. É cada vez mais visível
que nas relações jurídicas entre privados nem sempre as partes se encontram em
posição de igualdade, o que levou o direito a criar novos microssistemas justamente
para proteger a parte tida como hipossuficiente. E sabe-se que nem sempre o
Estado se relaciona com os sujeitos privados sob a forma de subordinação, pois,
percebendo sua incapacidade para atuar diretamente em todas as áreas em que
modernamente passa a intervir, cada vez mais o Estado transfere suas atividades à
iniciativa privada, mediante concessões, autorizações ou delegações de algumas de
suas funções, sendo que as relações que surgem entre os entes envolvidos são
presididas mais por um sentido de coordenação que propriamente por um de
subordinação.8 Assim, nessas breves linhas, percebe-se que a diferenciação não
pode mais ser feita aleatoriamente, pela simples eleição de critérios que nem
sempre representam a realidade, ganhando esta divisão mais ares de utilidade do
que, propriamente, de cientificidade.
1.2.1 O direito privado no curso da história: breves digressões
Segundo HANNAH ARENDT, a separação entre as esferas pública e privada é
caracterizada na cultura da Antiguidade de forma peculiar. A esfera privada
compreendia o reino da necessidade da atividade humana, cujo objetivo era atender
às exigências da própria condição animal do homem: alimentar-se, repousar,
procriar. A necessidade coage o homem e o obriga exercer um tipo de atividade
para sobreviver. A palavra “privado” tinha aqui o sentido de privus, ou seja, do que é
próprio, daquele âmbito em que o homem, submetido às necessidades da natureza,
buscava sua utilidade nos meios de sobrevivência. Nesse espaço, não havia
liberdade, pois todos, inclusive os senhores, estavam sob a coação da
necessidade.9
7 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasília: Ed. UNB, 1984. p.
83. 8 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 14, nota 5.
9 ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense/Edusp, 1981. p. 31.
20
Libertar-se dessa preeminente necessidade era privilégio de alguns: no curso da
história, percebe-se que apenas os cidadãos (cives) exerciam suas atividades no
âmbito da polis, da cidade. Particularmente, na Grécia Antiga, reunidos com os
iguais, participavam intensamente das grandes decisões envolvendo os interesses
da comunidade, havendo nessa época a interpenetração do público e do privado.
Em Roma, essas duas esferas são nitidamente separadas, já que havia pouca
participação direta dos cidadãos enquanto tais na esfera pública.10 Na Idade Média,
em razão da primazia da propriedade imobiliária sobre os demais institutos e da total
fragmentação das formações sociais, houve absorção do público pelo privado.
Nesse período, os senhores feudais exerciam verdadeira função pública sobre os
habitantes de seus feudos, estabelecendo regras obrigatórias, impondo e
arrecadando tributos, julgando seus servos e executando as suas decisões.
No início do século XVIII, ocorre a mais intensa divisão entre público e privado. O
direito público passa a ser visto como ramo do direito que disciplina as atividades do
Estado, sua estruturação e seu funcionamento, ao passo que o direito privado busca
a regulamentação, as relações entre os entes privados, que passa a ter todo o seu
arcabouço normativo nas grandes codificações. O direito privado ganha autonomia
no momento das grandes codificações civis, cujo marco, sem qualquer sombra de
dúvida, foi a Revolução Francesa. A Revolução tem como principal bandeira o
rompimento com a monarquia e a nobreza, com o clero e, além disso, é contra a
magistratura francesa. Segundo RENAN LOTUFO, o povo não mais aceitava que o
Direito favorecesse só a nobreza, porque, inexistindo um sistema de legislação
nacional, os juízes, sendo locais, sofriam a influência do seu meio e decidiam no
mais das vezes de acordo com a praxe e o costume, evidentemente favoráveis ao
status quo então vigente na França.11
Uma das razões que motivou a Revolução Francesa (e também a Revolução
Americana) ocorrida no último quartel do século XVIII, foi a total aversão à
intervenção do Estado nas relações entre os particulares, principalmente nas
relações econômicas. A Revolução Francesa insurgiu contra o Estado Absolutista,
10 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p.16
11 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 22.
21
no qual todo o poder estava concentrado nas mãos do soberano, e a nobreza
gozava de inúmeros benefícios em detrimento do restante da sociedade. No que
toca ao movimento americano, com a conquista da independência, tanto a
Declaração de Direitos da Virgínia quanto a Constituição norte-americana
consagraram como direito fundamental daquele povo a liberdade.
Em razão de tais circunstâncias, o revolucionário pleiteou a edição de uma nova
ordem jurídica. E assim, no caso da França, a nova Constituição francesa de três de
setembro de 1791 determinou que se elaborassem as novas leis, e essas deveriam
viger em todo o território nacional. Daí partiu-se para o trabalho de codificação,
sendo que, após tentativas frustradas, finalmente com Napoleão no poder, foi
promulgado o Código Civil francês.
A partir daquele momento, as demais legislações foram postas de lado. Toda a
França e também as nações vizinhas passaram a se centrar no Código Civil francês,
que refletiu em seu texto os princípios da Revolução (liberdade, fraternidade e
igualdade), focalizando dois outros valores fundamentais: propriedade e contrato. O
ideal revolucionário burguês de “garantir propriedade a todos” era realizado por meio
de contrato. Dessa forma, toda dogmática contratual foi construída, naquele período,
tendo como premissa a plena liberdade de contratar.
A liberdade era entendida como algo inato a todo ser humano, livre para contratar
como e com quem quiser.12 O direito privado passou a ser o centro dos interesses,
exatamente por representar o expurgo do Estado Absoluto.
Códigos surgiram por toda a Europa.13 Na Alemanha, o BGB (Bürgerliches
Gesetzbuch) nasceu para buscar a unificação do povo e da nação. O direito privado
12 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo
Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 22-23. 13 “O Code Civil exerce forte impacto em diversas legislações. Em primeiro lugar, nos países tocados
pela conquista napoleônica ou dos seus irmãos (Países Baixos, Itália, Espanha), ele afirmou-se ou serviu de modelo dos ulteriores códigos civis e comerciais, sobretudo na Itália (1865 a 1940), da Espanha, de Portugal, dos Estados latino-americanos, mesmo na Lousiana, este último caso servindo de testemunho digno de nota de codificação do tipo continental nos Estados Unidos da América; depois, na Bélgica, Luxemburgo, Holanda (por último em 1883); no fim do século XIX, com a derrocada do império otomano, também nos Bálcãs (Romênia 1865) e no Próximo Oriente (Egito, por volta de 1875/6). Ao lado do Code Civil a maior parte dos outros códigos napoleônicos foi adaptada integralmente com ligeiras adaptações. Só a pandectística e os dos modernos códigos da <família jurídica alemã> que daqui provieram (o BGB de 1900 e o ScwZGB de 1907/11) fizeram parar e eventualmente recuar a expansão do Code Civil, sobretudo na Europa do sueste (Hungria, Grécia, Turquia), no Extremo Oriente (China, Japão, Sião) e em alguns Estados sul-americanos. A Itália, pátria da ciência jurídica européia, constitui, neste plano, um caso especial. O Códice Civile
22
se emancipava e era visto como autêntico baluarte da liberdade burguesa,
relegando o direito constitucional a um segundo plano.14
Naquele tempo, o direito constitucional (ou outra manifestação do direito público)
não exercia qualquer influência sobre o direito privado, mas este, ao contrário, tinha
notável influência sobre o direito constitucional. O recurso aos conceitos do direito
privado eram indispensáveis para a formação do chamado direito constitucional, que
estava mais próximo de um direito político.15
Viu-se até aqui que o individualismo é o valor a ser prestigiado, como reação natural
ao período estamental que caracterizou a era medieval, em que o valor do indivíduo
estava ligado não a suas características e seus méritos pessoais, mas ao estamento
social em que estava integrado. Enquanto a liberdade dos antigos permitia ao
cidadão intervir no espaço público, a liberdade, nessa época, significa a livre
movimentação no espaço econômico-privado.
italiano de 1865, fruto do movimento de unificação nacional, foi essencialmente copiado do Code Civil, cuja moldura jurídica e política se aparentava expressamente a Itália unificada. Pelo contrário, a florescente civilística italiana juntamente com a pandectista alemã inclinava-se muitas vezes para uma interpretação e um desenvolvimento histórico-romanístico que ultrapassavam cada vez mais o tipo francês no sentido da orientação típica da pandectista. No Codice Civile de 1942 esta evolução rematou-se num certo sentido. No entanto, esta nova codificação manteve-se ainda a ligação com a tradição legislativa do rissorgimento e da unificação nacional. Então, a ligação do direito civil italiano com a família jurídica francesa é garantida pela comunidade latina e pela consciência política da Revolução Francesa, que se tornou também na primeira revolução italiana; a sua ligação com a família alemã é mantida pela influência sempre forte da ciência pandectista do séc. XIX”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 2. ed. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1980. p. 395.
14 Aponta FRANZ WIEACKER: “O positivismo da ciência jurídica do século XIX tinha, com a formação de um sistema fechado de direito privado e de uma teoria geral do direito civil, não apenas imposto pela primeira vez no direito positivo as exigências metodológicas do jusracionalismo, mas tinha ao mesmo tempo exprimido do ponto de vista espiritual a imagem jurídica da sociedade civil de seu tempo. O direito privado e a teoria geral do direito civil tornaram-se assim em modelos mesmo para as restantes disciplinas da ciência jurídica, nomeadamente para o direito penal e para o direito político”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 628.
15 Citando Laband e Otto Von Gierke, KONRAD HESSE aponta que: “En el ámbito del Derecho Político retornan numerosos conceptos cuya determinación científica se producido en el campo del Derecho Privado, pero que, de acuerdo con su esencia, no son conceptos del Derecho Privado, sino conceptos generales del Derecho. Sólo necesitan, en efecto, ser depurados de las notas distintivas especificadamente jurídico-privadas. Para in correcto entendimiento de esto último, la simple transposición de conceptos y reglas jurídico-civiles a las relaciones de Derecho Político ciertamente no resulta provechosa. La ciencia del Derecho Privado ha cobrado en líneas generales tanta ventaja sobre todas las demás disciplinas jurídicas que éstas no han de recatarse en aprender de su hermana mayor, con la actual situación de la literatura del Derecho Político, y especialmente del Derecho del Reich, es mucho menos de temer que termine resultando demasiado civilística a que sea ajurídica y se hunda al nivel de los comentarios políticos de ocasión. Sin duda, los conceptos generales del Derecho se han desarrollado prefentemente en el Derecho privado”. HESSE, Konrad.Derecho constitucional y derecho privado. Madrid: Civitas, 1995. p. 43.
23
A ideologia individualista do período pós-Revolução Francesa é bem explicada por
FÁBIO KONDER COMPARATO:16
[...] revolução, ao suprimir a dominação social fundada na propriedade da
terra, ao destruir os estamentos e abolir as corporações, acabou por
reduzir a sociedade civil a uma coleção de indivíduos abstratos,
perfeitamente isolados em seu egoísmo. Em lugar do solidarismo desigual
e forçado dos estamentos e das corporações de ofícios, criou-se a
liberdade individual fundada na vontade, da mesma forma que a filosofia
moderna substituíra a tirania da tradição pela liberdade da razão.
O êxito dessas revoluções culminou no estrondoso crescimento do comércio e da
atividade industrial, que resultou no período do liberalismo econômico, tão bem
ilustrado na célebre expressão laissez faire et laissez passer, le monde va de lui-
même, que orientou FRANÇOIS QUESNAY e os fisiocratas franceses do século
XVIII a guindarem a não-interferência do Estado como princípio basilar da economia.
Segundo EDWARD McNALL BURNS, a idéia do laissez faire compreendia noções
como a santidade da propriedade e os direitos do livre contrato e da livre produção.
Constituía-se na idéia de libertar a atividade econômica das restrições sufocantes
até então impostas pelo Estado.17
O intervencionismo estatal deveria ser mínimo. O papel do Estado, segundo ADAM
SMITH, seria o de apenas interferir para evitar a injustiça e a opressão, em prol do
progresso da educação e da proteção da saúde pública, e para a manutenção de
empresas necessárias, que nunca seriam instaladas pelo capital particular.18,19
16 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 128. 17 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. 3. ed. São Paulo: Ed. Globo, 1955. v. 2.
p. 595. 18 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. p. 596 19 Acerca dessa concepção liberal e individual no direito dos contratos, comenta ENZO ROPPO: “I
principi ideologici cui facciamo riferimento si possono ricondurre ad una sola idea: l`idea della libertà di contratto. In base ad essa, si affermava che la conclusione dei contratti, di ogni contratto, doveva essere una operazione assolutamente libera per i contraenti interessati: dovevano essere questi, nella loro individuale sovranità di giudizio e di scelta, a decidere se stipulare o non stipulare un certo contratto, a stabilire se concluderlo com questa o com quest`altra controparte, a determinare in piena autonomia il suo contenuto, obserendovi queste o quelle clausole, pattuendo questo o quel prezzo. I limiti ad una tale libertà si concepivano come esclusivemente negativi, come puri e semplici divieti”. ROPPO, Enzo. Il Contratto. Società editrice il Mulino, 1977. p. 31.
24
Portanto, no século XIX, o direito privado teve como premissas o individualismo e o
patrimonialismo, sendo a propriedade privada e a liberdade contratual símbolos
fundamentais dos direitos de igualdade e liberdade dos cidadãos.
O Brasil também foi influenciado pelo contexto mundial, favorecendo o
desenvolvimento e a emancipação do estudo do direito privado na sua ordem
interna. O Código Civil de 1916 nasceu fruto das doutrinas individualista e
voluntarista que, incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiram o
legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu nosso Código. Àquela
altura, o valor fundamental era a vontade individual.20
Cabia ao Código, do ponto de vista formal, prever a atuação dos sujeitos de direito
(contratante e proprietário) que nada mais queriam senão aniquilar os privilégios
feudais. Até então, não havia interferência do direito público no direito privado,
assumindo o Código Civil brasileiro o papel de estatuto único e monopolizador das
relações privadas.21
Durante o período que antecedeu a Constituição de 1988, pode se afirmar que no
Brasil todo o direito privado estava imbuído por essa filosofia patrimonialista e
individualista, tendo como único foco de incidência o Código Civil até então vigente.
Todo o direito de família, por exemplo, estava centrado única e exclusivamente na
figura do casamento, voltado em grande parte a questões patrimoniais daquele tipo
de família reconhecido. A propriedade, por sua vez, era considerada um direito
pleno, sendo definida como uma relação de dominação da pessoa sobre o bem, sem
intermediários, sob o prisma do direito subjetivo.22 O direito de contratar estava sob
20 Segundo GUSTAVO TEPEDINO: “Afirmava-se significativamente – e afirma-se ainda hoje nos
cursos jurídicos – que o Código Civil brasileiro, como os outros códigos de sua época, era a Constituição do direito privado. De fato, cuidava-se da garantia legal mais elevada quanto à disciplina das relações patrimoniais, resguardando-se contra a ingerência do Poder Público ou de particulares que dificultassem a circulação de riquezas. O direito público, por sua vez, não interferiria na esfera privada, assumindo o Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas. O Código almejava a completude, que justamente o deveria distinguir, no sentido de ser destinado a regular, através de situações-tipo, todas os possíveis centros de interesse jurídico de que o sujeito privado viesse a ser titular”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 2-3.
21 Dúvida não há de que a cultura francesa exerceu marcante influência em nosso país, sendo corrente o ensino da língua francesa nos cursos secundários e superiores. Essa influência, no campo do direito, fez com que sofrêssemos forte influência da escola da exegese, que leva o Código Civil ao centro das relações privadas. Nesse sentido, LOTUFO, Renan (Coord.). Apresentação. Direito civil constitucional. Caderno 1. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 8.
22 Previu o artigo 544 do Code Napoleon de 1804: “La proprieté le droit de jouir et disposer de choses de la manière le plus absolue”. No mesmo sentido, o art. 436 do Códice Civile de 1865: “La
25
a égide da autonomia da vontade, sendo que as partes estavam livres para
contratar, sendo vedada qualquer interferência estatal sobre esse direito individual.
Mas a estabilidade e a segurança, fielmente retratadas pelo Código Civil de 1916,
entraram em declínio na Europa na segunda metade do século XIX (Revolução
Industrial), declínio intensificado com a eclosão da Segunda Guerra Mundial,
tornando-se inevitável a necessidade de uma intervenção estatal cada vez mais
acentuada na economia, o que forçou o legislador na edição de leis extracodificadas,
atendendo às demandas contingentes, com o intuito de reequilibrar o quadro social
delineado pela consolidação de novas castas econômicas que, de certa forma,
representavam as situações de iniqüidade que a Revolução Francesa procurou
aniquilar.
A partir daí, a legislação codificada apresenta sinais de esgotamento, há crise em
seu instrumental teórico, sendo visível a vocação expansionista da legislação
especial. O excesso do liberalismo, manifestado pela preeminência do dogma da
vontade sobre todas as situações jurídicas, cede às exigências das ordens pública,
econômica e social, que passam a prevalecer sobre o individualismo, funcionando
como fatores limitadores da autonomia privada individual, no interesse geral da
coletividade.23
1.2.2 A chamada “publicização” do direito privado
O direito privado não ficou incólume ao processo de transformação econômica,
social e jurídica que se iniciou na Primeira Guerra Mundial, sendo certo, ao contrário,
o forte impacto sentido em suas estruturas.
De um lado, floresceram as idéias modernas de Estado, assumindo funções antes
deixadas à iniciativa privada. Se o chamado mundo da segurança – que caracterizou
a era das codificações e das constituições liberais – representou, de certa forma, o
primado do direito privado sobre o direito público, essa relação se inverte com o
advento do constitucionalismo social e do conseqüente intervencionismo estatal
mais acentuado, fruto das concepções do Welfare State.
proprietà e il diritto di godere e disporre della cosa nela maniera piú absoluta”. Sobre a nova configuração desses institutos, ver item 3.2 infra.
23 Sobre ordem pública econômica e ordem pública social como limitadoras da autonomia privada no interesse geral, ver: SAVATIER, Renè. La théorie des obligations en Droit Privè Économique. 4. ed. Paris: Dalloz, 1979. p. 116 e seguintes. (item 116).
26
Segundo NORBERTO BOBBIO:
[...] o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na
regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos infra-
estatais, ou seja, o caminho inverso ao da emancipação da sociedade civil
em relação ao Estado, emancipação essa que fora o resultado da
ascensão da classe burguesa. Com o declínio dos limites à ação do
Estado, foi ele aos poucos se reapropriando do espaço conquistado pela
sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência
extrema do Estado total.24
Para GUSTAVO TEPEDINO, nesse primeiro momento de intervenção estatal, o que
existiam eram leis emergenciais, que não alteraram a centralização e a
exclusividade do Código Civil na disciplina das relações de direito privado, situação
pouco a pouco alterada pela premente necessidade do Estado em contemporizar os
conflitos sociais emergentes.25
Surgem leis em caráter emergencial ou conjuntural, registrando-se assim um
segundo momento na história do direito privado: o código perde a natureza de
exclusividade sobre as relações privadas, tornando-se direito comum, aplicável aos
negócios jurídicos em geral. O legislador levou a cabo longa intervenção
assistencialista, que se corporifica a partir dos anos 1930, cuja expressão, na teoria
das obrigações, constitui-se o fenômeno do dirigismo contratual.
No final da Segunda Guerra Mundial ocorreu a redemocratização do mundo. Na
Europa, os regimes totalitários abriram caminho para a constitucionalização de
inúmeros direitos fundamentais. Com a vitória das Nações Unidas, foi elaborada a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, que passou a ser o grande centro
emanador de valores para todo o mundo, inclusive para o direito privado.26
24 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987, p. 25. Apud NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 22.
25 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 5. 26 Em outro trabalho, NORBERTO BOBBIO destaca a importância da Declaração dos Direitos do
Homem para todos os ordenamentos do mundo: “Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, com a propriedade sacre et inviolable , foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas; direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. [....] Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de
27
Lembra RENAN LOTUFO que quase todos os países do mundo, nesse período,
continuaram tendo os seus códigos, cujos textos eram anteriores a essa
remodelação trazida pelas constituições, sendo que:
[...] evidentemente que tais diferenças de datas importarão na exigência de
uma leitura diferenciada do direito privado. Muitas matérias relativas à
pessoa humana ascenderam, neste período, a nível Constitucional, sendo
necessário, portanto, uma ampla reforma de concepção do direito civil, bem
como toda uma reestruturação dos Códigos Civis.27
Cresceu na doutrina o entendimento de que o Estado deveria voltar a intervir nas
relações econômicas travadas entre particulares, visando assegurar o respeito aos
direitos fundamentais, garantir a existência de uma verdadeira igualdade, uma
igualdade substancial.
Definitivamente, o Código Civil perdeu seu papel de constituição de direito privado,
já que as constituições dos países passaram, paulatinamente, a definir
(expressamente) em seus textos princípios relacionados ao direito privado, antes
exclusivamente reservados ao Código Civil e ao império da vontade (função social
da propriedade, organização da família etc.), passando a integrar a ordem pública
constitucional.
Percebe-se, portanto, que a clássica noção de direito privado foi sendo, aos poucos,
superada. Defronte tantas alterações, direito privado e direito público tiveram seus
significados originários modificados: o direito privado deixou de ser,
necessariamente, o âmbito da vontade individual e o direito público não mais se
inspira na subordinação do cidadão.28
Outro fenômeno observado no direito privado foi que, ao lado dos códigos, as
legislações extravagantes tornaram-se mais freqüentes, retratando a intervenção do
legislador em uma nova realidade econômica e política no âmbito das relações
princípios fundamentais da conduta humana foi livre expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Ed. Campus, 1992. p. 18.
27 LOTUFO, Renan. Da oportunidade da codificação civil. In: SARLET, Ingo Wolgang. O novo Código Civil e a Constituição, 2003. p. 21.
28 MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. In: Revista de Direito Civil, São Paulo, RT, n. 65, p. 27, 1993.
28
privadas. Surge a “era dos estatutos”, em que o legislador retira da principal lei civil
setores inteiros da atividade privada, estabelecendo diplomas setoriais, cada um
deles com vocação universalizante, autônoma e própria, disciplinando
exaustivamente inteiras matérias extraídas da incidência do Código Civil (Estatuto
da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Locações
etc.).29 Percebe-se que o direito privado perde a cômoda unidade sistemática, e a
liberdade, paradigma de tempos anteriores, abre espaço para outro princípio
fundamental: a igualdade.30
29 Como destaca GUSTAVO TEPEDINO, esses “estatutos” possuem peculiares características: em
primeiro lugar, destaca que essas legislações são de “objetivos”, indo muito além do que a simples garantia de regras aplicáveis aos negócios, valendo-se muitas vezes de estabelecer as chamadas “cláusulas gerais”, afastando-se da “técnica regulamentar” do Código. Em segundo lugar, percebe-se que a linguagem passa a ser menos jurídica e mais setorial, atendendo as exigências específicas (ex.: questões de informática, novas operações contratuais) trazendo muitas vezes dificuldades para o intérprete. Em terceiro lugar, destaca que o legislador, além de reprimir ou coibir certas práticas indesejadas, adota uma técnica de incentivo de comportamento, para com isso atingir os objetivos propostos por tais leis, revelando um novo papel, o que Norberto Bobbio chamou de “a função promocional do direito”. Em quarto, destaca que o legislador não mais cinge-se em regular situações patrimoniais, sendo que na esteira do texto constitucional o legislador cada vez mais condiciona a proteção das situações contratuais ou situações jurídicas tradicionalmente disciplinadas sob a ótica exclusivamente patrimonial ao cumprimento de deveres não patrimoniais. E em quinto lugar, aponta que aquele legislador do Código Civil que legislava de maneira geral e abstrata, tendo em mira o cidadão comum, dá lugar a um legislador-negociador, com vocação para a contratação, que produz a normatização para determinados grupos (locador e locatário, fornecedores e consumidores etc.). TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. p. 8-9.
30 Repor a igualdade no centro da reflexão liberal foi uma das façanhas de JOHN RAWLS, professor da Universidade de Harvard, autor de uma das obras de filosofia política mais provocantes dos últimos 40 anos. RAWLS gastou cerca de 20 anos para desenvolver as idéias de Uma teoria da Justiça e mais 20 para debatê-las, mastigar as críticas e remontar sua concepção de sociedade bem ordenada. A idéia de uma sociedade pluralista bem ordenada exige, segundo o autor de Harvard, a noção de justiça como eqüidade (fairness), onde a idéia de promoção da igualdade ao lado da liberdade encontra-se tão bem explicada. RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. Brasília: Ed. UNB, 1981. p. 27 e ss. e 159-197.
29
1.2.3 A crise da dicotomia público e privado
Tem-se que a distinção entre direito público e direito privado, segundo alguns
autores, está em crise.31 Em uma sociedade como a atual, torna-se difícil
individualizar um interesse exclusivamente privado, autônomo, independente,
isolado do interesse público.
A interpenetração do direito público e do direito privado, como se viu, é um ponto
característico da sociedade contemporânea, a significar uma profunda alteração nas
relações entre cidadão e Estado.
[...] daí a inevitável alteração dos confins entre o direito público e o direito
privado, de tal sorte que a distinção deixa de ser qualitativa e passa a ser
meramente quantitativa, nem sempre se podendo definir qual exatamente é
o território do direito público e qual o território do direito privado.32
Mas há de se destacar que esse fenômeno não foi somente percebido pelos
privatistas, ao contrário do que se pensava. Como comenta ADILSON DALLARI,
essa interpenetração também é sentida pelos publicistas, que percebem a forte
influência do direito privado sobre certos institutos do direito público, até então vistos
como intocáveis:
[...] pode-se falar até numa equiparação entre Direito Público e o Direito
Privado, eliminado o preconceito decorrente de uma antiqüíssima tradição
privatística, no sentido de ser o direito privado um direito civil modificado,
diferente, excepcional. Com o reconhecimento de que o Direito Público tem
fundamentos e princípios próprios, autônomos, que nada têm a ver com o
Direito Privado, provavelmente ficará mais clara a percepção de que ambos
os campos do conhecimento e de atuação possuem raízes comuns, que
estão na teoria geral do direito.33
31 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed. Nápoles: Edizioni
Scientifiche italiane, 1994. p. 111. 32 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. 3. ed., p. 124. No mesmo sentido:
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. p. 19.
33 DALLARI, Adílson Abreu. Emancipação do direito público no Brasil. In: Perspectivas do direito público – estudos em homenagem a Miguel Seabra Fagundes. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 104. No mesmo sentido, ver: COUTO E SILVA, Almir. Os indivíduos e o Estado na realização das tarefas públicas. Revista de Direito Administrativo, São Paulo, RT, n. 209, 1999.
30
A grande questão nos dias atuais é saber se esta chamada “crise” possui o condão
de gerar o total aniquilamento do direito privado e, mais especificadamente, do
direito civil. A nosso ver, apesar dessa nova leitura, o direito privado se mantém
intacto e, pelo próprio comando constitucional, deve ser preservado, eis que a sua
tutela representa a própria tutela dos direitos individuais e a consecução prática dos
direitos fundamentais previstos no Texto Maior.
1.3 LINEAMENTOS DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
Apesar de ser um fenômeno indubitável no mundo contemporâneo, a incidência
direta do Texto Constitucional no direito privado nem sempre foi aceita no curso da
História. Como escrito, nos primórdios dos ordenamentos, era o direito privado quem
fundamentava e dava subsídios teóricos para aestruturação dos Estados políticos.
Foi o liberalismo, que formalmente reconhecia todos os seres humanos como
universalmente iguais, o responsável pelo fato de que, no campo jurídico,
Constituição e direito privado (Código Civil) caminharam durante um longo período
paralelamente, como mundos que não se tocavam senão sob o aspecto formal.
A história do fenômeno da constitucionalização do direito privado não pode ser
contada sem referência à história da Alemanha. KONRAD HESSE narra que
naquele país, desde o advento da Constituição de Weimar, de 1919, importantes
modificações foram sentidas na relação entre o direito privado e o direito
constitucional. Se antes o direito privado servia de fonte para o direito político, e as
barreiras entre direito privado e Constituição eram intransponíveis, o sentido de
incidência dessa relação foi alterado nesse período e assim permanece até os dias
atuais.34
A primeira parte daquela Constituição descrevia a estrutura política e as tarefas do
Reich (competência legislativa da Câmara Federal para legislar sobre o direito civil,
por exemplo), mas pela primeira vez trazia importantes matérias na sua segunda
parte: previu, naquela época, os direitos e as obrigações fundamentais dos alemães,
em especial o alcance e a eficácia das garantias dos institutos privados.
A propriedade, o matrimônio, a família, a garantia constitucional da liberdade
contratual no tráfico econômico – até então considerados apenas preceitos
34 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho Privado. p. 48.
31
programáticos, é bem verdade – vieram pela primeira vez estatuídos na
Constituição. Mas o importante é que, também pela primeira vez, uma Constituição
trouxe ao seu bojo normas de direito privado. Assim, desde a Constituição de
Weimar, a norma constitucional deixou de ser fonte exclusiva de direito público (que
regula forma de governo, sistema federativo, organização estatal etc.) para prever
também outras funções, como as relações entre os particulares.
Com o advento da Lei Fundamental da Alemanha, a primazia da Constituição sobre
as leis finalmente é reconhecida. Todavia, os fundamentos do direito privado não
são mais considerados intocáveis. Os direitos fundamentais,35 expressos pela Lei
Fundamental (que agora traz em um dos seus artigos a primazia da Constituição),
passam a ser imediatamente aplicáveis.36
A Lei Fundamental alemã, ao prever toda uma seção de direitos fundamentais
(inclusive com limitações e garantias aos institutos de direito privado), passa a incidir
em todos os âmbitos do Direito, mas em especial sobre o direito privado, sendo que
nenhuma prescrição jurídico-civil poderá estar em contradição com aqueles direitos
fundamentais, tendo de ser interpretados segundo seu espírito.37
Assim, no mundo moderno, percebe-se que, para garantir a aplicação do direito
privado, o papel da Constituição é de fundamental importância. É o degrau mais alto
do ordenamento jurídico. Todas as disposições devem a ela se sujeitar e respeitá-la.
As constituições da segunda metade do século XX deixam de ser documentos
meramente programáticos para se tornarem aplicáveis, direta e automaticamente.
Após a Segunda Guerra Mundial, inúmeros países incorporaram em suas
constituições direitos fundamentais. Dentre esses, inúmeros preceitos que eram até
35 O art. 1.º da Lei Fundamental contém um imperativo incondicionado: respeitar a dignidade da
pessoa humana e, no art. 2.º, atribui-se a cada qual o direito de desenvolver livremente a personalidade dentro de certos limites. Ambos princípios estão de acordo com o chamado personalismo ético no qual forma o fundamento ideológico do Código Civil alemão.
36 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.65. 37 Segundo KARL LARENZ, sem dúvida o mais notável civilista contemporâneo, já em sua época
sustentava que a Lei Fundamental da República da Alemanha tem especial importância na interpretação e desenvolvimento do direito privado, eis que esta não se limitou a regular a organização do Estado, mas também contém, na parte dos direitos fundamentais e em outras seções, princípios jurídicos gerais que vinculam os Tribunais eis que direito de vigência imediata. As leis ordinárias que estejam em contradição com o princípio de status constitucional carecem de validade, eis que não podem ser interpretados conforme a Constituição. E de acordo com isso, os Tribunais terão que retificar as interpretações anteriores em desconformidade com os princípios da constituição, e as próprias lacunas só poderão ser eliminadas de acordo com esta. LARENZ, Karl. Derecho civil – Parte General. p. 96-97.
32
então conhecidos como institutos tipicamente privados. Em razão dessas inovações
constitucionais, e por causa das diferenças de datas, tornou-se necessário que todo
o direito privado fosse lido não mais como antigamente, mas de maneira
diferenciada. Muitas matérias relativas à pessoa humana ascenderam, nesse
período, ao degrau Constitucional, sendo necessário, portanto, uma ampla reforma
de concepção do direito privado, bem como toda uma reestruturação dos códigos
civis.
Diante desse descompasso, os estudiosos do direito privado se viram obrigados a
uma nova empreitada, a um novo estudo, que muitos autores em diversas partes do
mundo chamaram de direito civil constitucional,38 pregando a inteligência do direito
civil e do direito privado, tendo como centro não mais o Código, mas a Constituição
dos respectivos países.
O fenômeno da constitucionalização do direito privado pode ser visto sob dois
enfoques. No primeiro deles, trata-se apenas da descrição do fato de que vários
institutos que tipicamente eram tratados apenas nos códigos privados (família,
propriedade etc.) passaram a ser disciplinados também nas constituições
contemporâneas. Numa segunda acepção, implica analisar as conseqüências, no
âmbito do direito privado, de determinados princípios constitucionais, especialmente
na área dos direitos fundamentais, individuais e sociais.39
Para o espanhol JOAQUÍN ARCE Y FLOREZ-VALDÉS, o direito civil constitucional
pode ser definido como:
[...] sistema de normas e princípios normativos institucionais integrados na
Constituição, relativos à proteção da própria pessoa e nas suas dimensões
fundamentais, familiar e patrimonial, na ordem de suas relações privadas
gerais, e concernentes àquelas outras matérias residualmente
consideradas civis, que têm por finalidade fixar as bases mais comuns e
abstratas da regulamentação de tais relações e matérias, as quais podem
38 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. Los principios generales del derecho y su formulación
constitucional. Madrid: Civitas, 1990; PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982; FRANGI, Marc. Constitution et droit privè: les droits individeels et les droits economiques. Paris : Economica, 1992 ; KAYSER, Pierre . La protection de la vie privée par le droit. 3. ed. Paris : Economica, 1998 ; BALDASSARE, Antonio. Diritti della Persona e Valori Costituzionali. Torino: G. Giappichelli Editore, 1995.
39 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p. 22.
33
ser eventualmente aplicadas de forma imediata ou podem servir de marco
de referência de vigência, validade, interpretação da normativa aplicável ou
de pauta para seu desenvolvimento.40
Para o catedrático da Universidade de Oviedo, o direito civil constitucional
apresenta-se não como uma parte do direito civil, mas como infra-estrutura do
mesmo, contribuindo para superar o fracionamento do saber jurídico, bem como de
alguns efeitos nocivos e secundários da dicotomia entre direito público e direito
privado, ressaltando a superioridade do ordenamento.41
Da mesma forma dos diversos países do mundo, a Constituição brasileira de 1988
passou a disciplinar diretamente matérias que até então tinham exclusivo tratamento
pela lei ordinária, muito particularmente por referir a matéria, até então, objeto de
regulação exclusiva do Código Civil de 1916. Pela primeira vez em nosso
ordenamento, uma Constituição da República trata, logo em sua primeira parte, em
seus primeiros títulos, dos chamados Princípios Fundamentais e dos Direitos e
Garantias Fundamentais, deixando as normas de organização político-estruturais em
segundo plano.42
Embora esse fato pareça algo irrelevante para muitos, os novos estudos da
civilística moderna não trataram tal dado como mero detalhe formal, mas como um
evidente atestado ideológico solidificado pelo constituinte originário, momento em
que deixou claro que os princípios fundamentais e os direitos inerentes à pessoa
humana deverão ser sempre antepostos (e nunca pospostos) às demais regras
constitucionais, precedendo às regras de organização do próprio Estado. Cumpre
relembrar o que expõe PENSOVECCHIO LI BASI, catedrático da Universidade de
Milão, para quem o interprete não deve esquecer que a Constituição contempla as
opções fundamentais de um dado sistema jurídico, devendo o intérprete atentar 40 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 178-179. 41 FLOREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 179. Da mesma forma para
PIETRO PERLINGIERI, que afirma que o direito civil constitucional não só se apresenta como um novo estágio, mas “quale resultato non solamente di una rilettura del codice civile e delle norme in genere alla lucce dei princípi costitucionali ai quali, com è noto, è riservato un rango superiore, ma anche del superamento della presunta contrapposizione tra norme giuridiche contenute nei codici e princípi politici contenuti nella Carta Costituzionale”. PERLINGIERI, Pietro. Scuole tendenze e metodi. Problemi del diritto civile. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 1989. p. 84.
42 Não é por mera coincidência que os direitos individuais, quando previstos nas Constituições brasileiras, vieram tratados somente nos artigos finais do texto. Somente em 1988 esses dispositivos foram antepostos aos artigos de estruturação do Estado, sendo um evidente atestado ideológico, mostrando que os direitos do ser humano não podem mais ser relegados ao segundo plano.
34
cuidadosamente para os valores políticos consagrados nos princípios fundamentais
nela esposados.43
Mesmo com muita resistência, a doutrina passou a aceitar a mudança de enfoque do
direito privado. O Código Civil deixa de ser o centro, passando para a Constituição à
condição de fonte propulsora de informações, sendo que os principais institutos do
direito privado (agora elevados ao status constitucional) deveriam ser revisitados
para a perfeita e adequada harmonização.44
Se o código mostrava-se incapaz de informar, com princípios estáveis, as regras
contidas nos diversos estatutos, não parece haver dúvida de que o Texto
Constitucional poderia fazê-lo, já que o constituinte, como foi dito, interveio (por meio
de princípios e normas) nas relações de direito privado, determinando os critérios
interpretativos de cada uma das leis especiais, recuperando-se, assim, o universo
desfeito, reunificando o sistema.
O direito privado pós-Constituição de 1988 passa a se desenvolver segundo os
critérios e princípios que a Constituição estatui.45 Não há duvidas de que a missão
do direito civil (e mais amplamente a do direito privado) reside na homologação ou
na concordância com os novos princípios constitucionais, o que não quer significar,
todavia, que seu futuro está em xeque ou, muito menos, que a Constituição bastará
para regular as relações jurídico-privadas. O que passou despercebido é que, nesse
contexto, o direito privado ganha força e uma vital capacidade renovadora dentro do
ordenamento, pelo que não poderá ser desconsiderado.
43 LI BASI, Pensovecchio. L´interpretazione delle Norme Costituzionali. Milão: Giuffrè, 1972. p. 62.
(Tradução livre). 44 Percebendo o fenômeno no direito privado francês, segundo BERTRAND MATHIEU, “la
constitutionnalisation du droit civil et la <<civilisation>> du droit constitutionnel sucitées par la jurisprudence du Conseil constitutionnel, développées par la doctrine, nécessitent aujourd’hui leurs prises em compte tant par lês avocats que par lês juges dans leur pratique quotidiennne. Qu’ils goûtent à ce vin nouveau!” MATHIEU, Bertrand. Droit constitutionnell et droit civil. Revue trimestrielle de droit civi, Paris, Sirey, p. 65, jan./mar. de 1994.
45 “La preminenza della Costituzione nella gerarchia delle fonti del diritto italiano ha un duplice significato. Da un primo punto di vista, la preminenza della Costituzione consiste nella funzione di legitimare i publici poteri ed anche di diciplinare la validità dell’attività legislativa. Da altro e più ampio punto de vista, la preminenza della Costituzione consiste nel fatto che essa esprime i princìpi dell’ordinamento giuridico, proclamando i diritti e i doveri fondamentali dei cittadini e dei gruppi sociali e delineando le strutture organizzative pubbliche. Perciò la Costituzione esprime la parte generale di tutto il diritto e cosi anche del diritto privato. Infatti le disposizioni circa i diritti e i doveri fondamentali dei cittadini e dei gruppi sociali non riguardano i solo i rapporti fra i cittadini e lo Stato, ma anche i rapporti dei cittadini fra loro”. TRIMARCHI, Pietro. Istitituzioni di diritto privato. 13. ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 26.
35
1.3.1 Rumos do direito privado e do direito civil constitucional
Na verdade, o objetivo deste capítulo não é só assentar as premissas metodológicas
do desenvolvimento de todo o trabalho, sendo pertinente também para afastar dois
preconceitos da dogmática privatística contemporânea. Alguns autores defendem a
inutilidade da autonomia dogmática do direito privado, sob o argumento de que todo
o ordenamento já se encontra publicizado ou constitucionalizado, não havendo mais
motivos científicos para preservar a dicotomia entre público-privado. Para outros, o
advento do Código Civil de 2002, bem como a incorporação dos princípios da
eticidade e da socialidade,46 tornaria o direito civil constitucional algo inútil.
1.3.2 A utilidade da autonomia do direito privado
Segundo alguns autores, a dicotomia entre direito público e direito privado está em
crise; para nós, no entanto, isso não quer dizer que sob os planos científico e
sistemático o direito privado não mereça um tratamento particularizado. E, ainda, se
existe efetivamente essa suposta “crise”, isso não pode significar que todos os
preceitos privados se encontram publicizados, eis que, se assim fosse, não haveria
crise, mas total superposição do direito público sobre o direito privado. 47 Essa noção
é de suma importância para uma correta compreensão do fenômeno das cláusulas
contratuais gerais, bem como dos sistemas de controle e de sua abusividade.
O tratamento autônomo do direito privado não se mostra em nenhum momento
incompatível com o chamado direito civil constitucional. O direito civil constitucional,
como metodologia nova e revolucionária, mais do que representante, simplesmente,
da reconstrução da base e da aplicação de todo o direito privado, deve ser visto
46 REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil. In: Novo Código Civil brasileiro. Estudo
comparativo com o Código Civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. 3. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 13.
47 Também é falsa a idéia de publicização do direito privado. Em ácida crítica a esse suposto fenômeno, são oportunas as palavras de MICHELE GIORGIANNI, professor emérito da Universidade de Roma: “assiste-se, assim, ao lento declínio da concepção, própria da publicística do final do século XIX, da supremacia do Direito Público sobre o Direito Privado, a qual cede a formulações menos extremadas ou mais agnósticas, enquanto se fazem cada vez mais insistentes e menos tímidas as tentativas de reavaliação da autonomia privada. Nisto, aliás, se deveria perceber uma ulterior contradição com o afirmado clima de ‘publicização’ do Direito Privado, se não se tratasse de dois fenômenos que se movem sobre dois planos diversos, como vimos acima. Em particular, aquela reavaliação da autonomia privada constitui simplesmente uma manifestação de alinhamento à reação generalizada contra o positivismo normativista”. GIORGIANNI, Michele. O direito privado e as suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, São Paulo, RT, v. 747, p. 55, jan. 1998.
36
ainda como um sistema jurídico articulado, que contém e limita, outrossim, a
extensão das normas públicas.48
Portanto, nem mesmo a chamada constitucionalização do direito privado implica a
absorção deste último pelo direito constitucional. Ao contrário, como bem menciona
JULIO CESAR RIVERA, citado por EUGÊNIO FACCHINI NETO:
[…] la creación de las normas de Derecho Privado debe estar enderezada
a hacer eficazes esos princípios estructurales: sistema de vida
democrático, forma republicana de gobierno, igualdad, libre desarrollo de
personalidad y solidaridad.49
Na medida em que se sustenta a publicização ou a existência de um direito
constitucional civil,50,51 o direito privado corre o risco de perder sua identidade. A
distinção do Direito em ramos, até mesmo para os críticos da dicotomia público e
privado, é salutar para a sua sistematização, pois permite o estabelecimento de
princípios teóricos, básico para a operação das normas de um ou de outro grupo.
O direito privado já não mais atende apenas à autodeterminação individual, mas
também não atende à justiça social, desenvolvendo-se agora em uma nova
dimensão. Isso significa que a utilidade da autonomia do direito privado está
48 BARROS DIAS, José Joaquim de. Direito civil constitucional. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Direito
civil constitucional. Caderno 3. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 53. 49 NETO, Eugênio Facchini. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado, p.46.
50 “A adjetivação atribuída ao direito civil, que se diz constitucionalizado, socializado, despatrimonializado se por um lado quer demonstrar apenas e tão-somente a necessidade de sua inserção no tecido normativo constitucional e na ordem pública sistematicamente considerada, preservando, evidentemente, a sua autonomia dogmática e conceitual, por outro lado poderia parecer desnecessária e até errônea. Se é o próprio direito civil que se altera, por que adjetivá-lo? Por que não apenas ter a coragem de alterar a dogmática, pura e simplesmente? Afinal, um direito civil adjetivado poderia suscitar a imprevisão de que ele próprio continua como antes, servindo os adjetivos para colorir, com elementos externos, categorias que, ao contrário do que se pretende, permaneceriam imutáveis. Há que se advertir, no entanto, desde logo, que os adjetivos não poderão significar a superposição de elementos exógenos do direito público sobre conceitos estratificados, mas uma interpenetração do direito público e direito privado, de tal maneira a se reelaborar a dogmática do direito civil”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil, p.22.
51 “Si, por el contrario, la expresión adoptada fuese la de <Derecho constitucional civil> se supondria, gramaticalmente hablando, que su contenido material lo recibe del <Derecho constitucional> y que lo <civil> arroja una connotación de complementariedad, delimitadora de aquél. Conceptualmente no es así. El Derecho civil constitucional es, ante todo, Derecho civil y, desde luego, no es Derecho constitucional, aunque figure integrado en la Constituición; de outra parte, no toda la Constitución constituye el obeto del Derecho constitucional. FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El derecho civil constitucional. p. 184.
37
acabada? Obviamente, não. O direito privado mantém sua vitalidade, devendo ser
considerado um setor jurídico próprio e irrenunciável, fundamental para preservação,
concretização e desenvolvimento da personalidade humana.
Mesmo com a mudança de enfoque, o direito privado não perde a sua autonomia
estrutural, mas, dentro dessa nova perspectiva constitucional, ganha força e
vitalidade para progredir em direção a um novo rumo.
Segundo KONRAD HESSE, duas são as razões de se considerar o direito privado
um setor autônomo e irrenunciável:
i) A personalidade do ser humano e o seu desenvolvimento pressupõem um
âmbito exclusivamente privado na vida de cada um, âmbito em que a pessoa
possa estar e permanecer incomunicável e tão fechado que autoridades não
possam nele interferir, sendo pressuposto fundamental da dignidade e da
liberdade. A tarefa do direito privado, assim, seria de defesa dessa
personalidade.
ii) É também preceito fundamental do Direito a autonomia privada e, em
particular, a forma de liberdade contratual. Esse é o aspecto ativo da
personalidade, âmbito em que a pessoa pode atuar de forma autônoma e
responsável, não sendo lícito convertê-la a simples meio para outros fins
sociais.52
Isso não significa que se deve resgatar o direito civil do século passado. Aqui, a
preservação tanto do direito público quanto do direito privado encontra suas
limitações no próprio sistema constitucional, que continua sendo o feixe de
incidência sobre as relações privadas autonomamente consideradas.
É dizer: o direito privado e o direito constitucional aparecem como partes
necessárias de uma ordem jurídica unitária que, reciprocamente, complementam-se,
apóiam-se e condicionam-se. O direito constitucional é de importância decisiva para
o direito privado, e vice-versa.
Segundo HESSE, o significado do direito constitucional para o direito privado
consiste nas insubstituíveis funções de garantia, orientação e impulso. Garantia – eis
que a Constituição preserva e resguarda importantes institutos jurídicos privados em
52 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 74-75.
38
seu corpo, protege-os da supressão ou do esvaziamento por meio de leis,
assegurando-os de lesões do Estado ou de outros particulares. Orientação – a
Constituição expressa mandatos (como igualdades entre homens e mulheres, entre
filhos etc,) que deverão ser seguidos por todos que se submeterem a uma
vicissitude da vida civil. Impulso – o direito constitucional reage muito mais rápido às
mudanças da realidade hoje, graças à amplitude e à abertura de suas normas, que
são mais aptas a receber e tomar conta das transformações dos pressupostos e das
exigências, isso tudo mais rapidamente que o próprio direito privado.
Dessa forma, nem tanto pela hierarquia normativa, mas também sob o aspecto
prático, o Texto Constitucional torna-se meio para o desenvolvimento do direito
privado.53
Para JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO:54
Mas, se a abertura aos dados constitucionais vem trazer um acréscimo de
legitimação à tomada de medidas de tutela e compensação, pouco ou nada
contribui para mitigar as incertezas de fixação do seu âmbito operativo. De
facto, ao fazer apelo às categorias ‘poder privado’ ou ‘poder social’, como
critério de delimitação de um regime especial de eficácia dos direitos,
liberdades e garantias nas relações entre particulares, a constitucionalística
reedita, ao seu nível, as mesmas imprecisão e indeterminação de que
vimos padeceridênticos tópicos distintivos aplicados em direito privado. [...].
Nenhuma questão de direito privado e, em especial, a dos limites da
liberdade contratual, se resolve automaticamente pela teoria da função de
tutela dos direitos fundamentais. Por ela, apenas se obtém uma base de
fundamentação para a admissibilidade e exigibilidade de medidas de
controlo da contratação privada, acompanhada por alguns vagos pontos de
apoio à tarefa de concretização das normas pelas quais a protecção deve
efectivar-se. [...] A conclusão a tirar é a de que, nem quanto ao âmbito da
previsão, nem quanto à estatuição, as normas de controlo dos contratos
privados estão predeterminadas a nível da Constituição. Que o
reconhecimento de certos direitos, liberdades e garantias importam o dever
constitucional de assegurar a sua efectividade, é absolutamente certo. Que
o cumprimento desse dever se manifesta também na promulgação de
medidas especiais de tutela, nos casos de típica disparidade de poder
53 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p. 83. 54 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003. p. 141-142.
39
negocial, não o é menos. A partir daí (a partir, exactamente, de onde
começam os concretos problemas de conformação dos interesses
privados) cessa o directo apoio que as normas constitucionais podem
prestar ao legislador ordinário.
Em resumo, as normas de direito privado também podem servir para a concretização
de imperativos de tutela de direitos fundamentais.55
Segundo KONRAD HESSE, não menos decisiva é a transcendência do direito
privado ao direito constitucional: em seu desenvolvimento diário, torna-se viável o
exercício efetivo dos direitos fundamentais previstos na Constituição, permitindo a
concretização de seu conteúdo e sentido, sendo que, sem as normas
regulamentares típicas do direito privado, não poderiam desenrolar nenhum papel ou
ter qualquer efeito. Além disso, o direito privado mostra-se importante para permitir o
desenvolvimento do ser humano esperado e desejado pela Lei Fundamental. O ser
humano livre e responsável só pode existir onde o ordenamento jurídico abre
possibilidades para autonomia de pensamento e de ação. E é exatamente ao direito
privado que cabe exercer essa função.56 Conclui-se, portanto, que não há “crise” e
muito menos declínio do direito privado. O direito civil (e, mais precisamente, o
direito privado sob a perspectiva civil-constitucional) só terá sentido se a autonomia
do direito privado for efetivamente reconhecida.
1.3.3 O direito civil constitucional e o Código Civil de 2002
Um segundo questionamento que se faz necessário é se a implantação de novos
preceitos fundamentais pela nova codificação civil e de dispositivos de caráter ético-
socializantes teriam feito com que o estudo do direito civil constitucional tivesse
perdido o significado.
Parece óbvio que a Constituição, em razão da preeminência hierárquica, sempre
incidirá sobre toda a legislação infraconstitucional, sob todo o ordenamento jurídico
nacional, bem como continuará sendo o feixe orientador, incidindo sobre as relações
privadas e tutelando os valores fundamentais.
Para o intérprete, bastaria o simples raciocínio descrito no parágrafo anterior para
concluir que a Constituição sempre incidirá sobre as relações de direito privado. A
55 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 34. 56 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. p.87-88.
40
Constituição ocupa o topo da hierarquia das normas, e tudo que contrariá-la deverá,
ao menos em tese, ser abolido do sistema.
Todavia, nunca é demais lembrar que a comunicabilidade entre a norma
constitucional e o direito privado é um fenômeno recente, que necessita a cada dia
ser consolidado pela Ciência e pelos estudiosos.
O Código Civil de 2002, por suas próprias raízes metodológicas e filosóficas
(eticidade, sociabilidade, operabilidade, atividade57), não tem objetivo de ser um
Código fechado. Está permeado por valores que vão ao encontro do puro liberalismo
e do individualismo exacerbado, exatamente como informado pela Constituição de
1988. É um Código que está imbuído daquilo que o professor MIGUEL REALE
achou por bem nomear de princípio da socialidade, que significa que todos os
valores do Código encontram um balanço entre o valor do indivíduo e valor da
sociedade. Não exacerba o social e, ao mesmo tempo, procura, em todas as regras,
não exacerbar o individualismo.
A socialidade, a despatrimonialização do direito privado e o ideal de justiça social
não nasceram com o Código Civil de 2002, mas dos fundamentos da República
Federativa do Brasil estabelecidos no Texto Constitucional. Se hoje o Código traz
em seu bojo inúmeros preceitos que também são encontrados na Constituição,
nunca é demais lembrar que muitos desses só foram incorporados depois de um
processo de adaptação do então Projeto de Código ao sistema constitucional
vigente.58
Não se quer aqui desqualificar o papel do Código Civil de 2002 na vida dos cidadãos
comuns. É bem verdade que um Código, tal como o vigente, apenas favorece a
realização dos preceitos constitucionais, servindo as cláusulas gerais de porta de
entrada para os valores constitucionais dispostos no ordenamento. Tudo isso,
57 Este quarto princípio é acrescentado por RENAN LOTUFO. 58 Na fase final de tramitação do então Projeto do Código Civil, em razão do descompasso entre
algumas regras do projeto e o Texto Constitucional o Congresso brasileiro editou, em 28 de janeiro de 2000, a Resolução n. 1 de 2000, que deu a seguinte redação ao art. 139-A, § 1º, de 1970-CN: “O relator do projeto na Casa em que se finalizar a sua tramitação no Congresso Nacional, antes de apresentar perante a Comissão respectiva seu parecer, encaminhará ao Presidente da Casa, relatório apontando as alterações necessárias para atualizar o texto do projeto em face das alterações legais aprovadas durante o curso de sua tramitação”. De maneira jamais vista no ordenamento jurídico brasileiro, foi conferido ao relator geral do Projeto do Código Civil a competência para fazer a adaptação constitucional da redação final do que já estava aprovado, portanto, submetido efetivamente ao devido processo legislativo. Se houvesse algum conflito com a Constituição de 1988, poderia o relator fazer a adaptação do texto do projeto de Código Civil.
41
porém, não quer dizer que o Código voltará a ser o centro do direito privado, eis que
sempre deverá estar em conformidade com o Texto Constitucional. Daí a
revitalização da importância do estudo do direito civil constitucional, que deverá
continuar fazendo a ligação entre a previsão normativa privada e a previsão
constitucional.59
Como lembrado por PIETRO PERLINGIERI, a codificação, por mais que contenha
cláusulas gerais ou que tenha intenções louváveis, jamais será suficiente para a
completa adequação do direito à realidade social e realidade normativa, concluindo
59 Um exemplo eloqüente e que mostra que a perspectiva civil-constitucional não pode ser
abandonada nem mesmo diante do novo Código Civil fica por conta da análise do art. 1.601, que pela primeira vez no sistema concede ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Vê-se que não é porque o aludido dispositivo está encartado dentro de um Código recheado de boas intenções, que reconhece expressamente em seu texto as outras entidades familiares, que propõe a igualdade entre os cônjuges e dos filhos que todos os dispositivos estarão em consonância com o Texto Constitucional. A análise civil-constitucional do instituto mostra-se necessária. E pela simples leitura do art. 1.601 se vê que o dispositivo não busca a proteção de ninguém, a não ser o próprio pai que vai se ver livre de suas obrigações, ver-se livre, por exemplo, dos alimentos que serão devidos por aquela filiação. Percebe-se que o dispositivo ora criticado prestigia o interesse patrimonial do até então “pai” em detrimento do interesse da dignidade que circunda a família. Rompe com toda sistemática da Constituição eis que, ao pretender regular matérias que vinham sendo disciplinadas pela nova ordem constitucional, retorna ao status patrimonialista e individualista até então vigente no Código de 1916. Se a expectativa era proteger a criança, com absoluta certeza, não é retirando a paternidade já reconhecida que tal objetivo será alcançado. Quando se fala da negatória de paternidade, o sentido de entidade de familiar e de personalidade deve ser levado em conta. Nos moldes do art. 1.601 do Código Civil de 2002, o que está se levando em conta é única e exclusivamente a proteção da personalidade do pai, sendo que as demais personalidades envolvidas (mãe, filho, por exemplo) foram ignoradas pelo legislador. Não se pode pensar em uma legislação sobre Direito de Família focando a proteção de uma única personalidade quando ela não é a única na relação jurídica em jogo. Família é pluralidade de direitos envolvidos, nos termos do art. 226 da Constituição Federal. Em seu âmbito, não se pode pensar em uma proteção exclusiva desse ou daquele direito, ainda mais de cunho eminentemente machista e preservadora das tradições do Código de 1916, que nada tem a ver, aliás, com a atual estrutura do Código de 2002.
No mais, é despropositado o argumento de que a possibilidade científica de um exame de DNA concebe a pessoa o direito de negar uma paternidade, direito esse sem qualquer limitação temporal, eterno. O que não foi levado em conta nesse raciocínio é a grande diferença que existe entre o direito de saber sua identidade genética e biológica e o direito de paternidade e de família. Dentro da família, o problema não é de biologia. O laço que une os personagens da relação familiar é a afeição.
Há uma profunda diferença entre paternidade biológica e afetiva, e o que a Constituição prestigia, como demonstrado, é a segunda. Não está se negando a importância da ciência até mesmo no seio familiar, como a questão dos transplantes, a necessidade de investigação genética para fins terapêuticos etc. Mas a importância biológica e de identidade genética está muito mais ligada ao direito de informação do que à aquisição de status de integrante de uma família. Maiores críticas ao artigo 1601 podem ser vistas no artigo “Questões pertinentes à investigação e à negatória de paternidade”, de autoria do Prof. RENAN LOTUFO. Nele, além das ácidas críticas ao tortuoso processo legislativo, o autor resgata a perspectiva civil-constitucional da Família, mesmo diante da nova filosofia do Código Civil de 2002. LOTUFO, Renan. Questões pertinentes à investigação e à negatória de paternidade. Revista Brasileira de Direito de Família – IBDFAM, São Paulo, Ed. Síntese, n. 8, p. 70-79, jan./fev./mar./ 2001.
42
o professor de Camerino que nunca foi tão importante que a perspectiva civil-
constitucional seja mantida pelos civilistas, para que esta adequação seja
efetivamente realizada.60 É dizer, em breves linhas: não é pelo fato de o Código Civil
de 2002 ter incorporado a atual filosofia constitucional que ele estará imune à
permanente confrontação de seu texto com o Texto Constitucional. Aliás, como bem
lembrado por HESSE, nos dias de hoje, as Constituições alterem-se com muito mais
freqüência do que as legislações privadas, sendo comum, portanto, o descompasso
ou a não-recepção constante das novas previsões constitucionais à antiga legislação
infraconstitucional. Logo, o importante papel do Direito Civil Constitucional é manter
acessa a perspectiva de sua teoria, mesmo diante de um Código que apresenta
importantes progressos em relação à sistemática anterior.
Para JUDITH MARTINS-COSTA, os códigos civis elaborados da segunda metade do
século XX em diante já não têm a pretensão de plenitude legislativa, são mais
modestos em relação aos seus congêneres oitocentistas. Segundo a professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a finalidade, hoje, de um
Código Civil, é menos regulativa e mais ordenatória, no sentido de pôr ordem,
ordenar as relações interprivadas segundo certas técnicas e valores postos como
diretrizes, garantias e direitos fundamentais pela Constituição, sendo que as
características culturalistas do Código Civil de 2002, em vez de representar o retorno
à posição de supremacia como no século XVIII, deverá apenas servir para viabilizar
a incessante comunicação e complementaridade intertextual com a Constituição e
com os direitos fundamentais.61
É dizer: se o estudo do direito civil constitucional não inibiu o aparecimento de
diversos códigos civis pelo mundo ou até mesmo debates sobre a reforma de
códigos tidos como tradicionais, não significa dizer que o efetivo surgimento de um
novo Código importará o final do seu estudo. Como conclui RENAN LOTUFO:
[...] nada será como antes, porque tudo será conforme os ditames da
Constituição Federal. Não há qualquer incompatibilidade com as
tendências do direito moderno, mas há perfeita compatibilidade com o ideal
60 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 81. 61 MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. p. 77.
43
de melhor distribuição de justiça, e uma melhor colocação do ser humano
dentro da sociedade e seu enfoque dentro do ordenamento.62
Assim, mesmo com a recente codificação, o direito civil constitucional mantém seu
papel fundamental de correlação da nova normativa com os direitos fundamentais
previstos na Constituição. Deve ser estudado como um sistema jurídico articulado,
que contém e limita, outrossim, a extensão das normas públicas. Mesmo diante das
inúmeras evoluções trazidas pelo Código Civil de 2002, o estudo do direito civil
constitucional mantém a vital importância para que a ligação entre os direitos
fundamentais e o Texto Constitucional seja feita de forma harmoniosa, atuando para
o preenchimento das cláusulas gerais e servindo de norte para a aplicação das
normas de direito privado.
Em nosso sentir, não é possível principiar o estudo das cláusulas contratuais gerais
sem partir da Constituição Federal, pois esta modificou completamente o alcance
dos conceitos usuais. E o direito civil constitucional, como exercício metodológico,
permite o constante renovar dos institutos típicos de direito privado.63
1.4 O ESTÁGIO ATUAL DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
O citado descompasso entre as previsões constitucionais e as previsões da
legislação ordinária também foi sentido no direito das obrigações, mais precisamente
no estudo dos contratos. A teoria geral dos contratos, tal como estudada sob a égide
do Código de 1916, não mais atendia às necessidades próprias da sociedade.64
62 LOTUFO, RENAN. Da oportunidade da codificação civil e a constituição. In: SARLET, Ingo
Wolfgang. O novo Código Civil e a Constituição. p. 30 63 Ver GRAMSTRUP, Erik Frederico. Um exercício de direito civil constitucional. In: Temas de
dissertação nos concursos da magistratura federal. Estudos em homenagem ao Professor Benedicto Celso Benício. São Paulo: Editora Federal, p. 84.
64 Representação clara desse descompasso entre a Constituição e a Teoria Geral dos Contratos são dados por NATALINO IRTI. Destaca o mestre italiano que nas relações de massa nem sempre os contratos são feitos por escrito. Muitas vezes a aceitação se dará pelas chamadas condutas sociais típicas (Karl Larenz). Muitas vezes os contratos de massa são feitos em “silêncio” ou “sem diálogo”, por coisas, imagens de coisas, palavras ditadas, pré-escritas e outros símbolos. Ironicamente, NATALINO IRTI, no artigo denominado “Scambi senza accordo” denomina o homem atual não mais como homo loquens, dada a perda da importância da palavra e sim homo videns, em face da importância das sensações e sentidos, do toque à visão para a realização de um contrato. O homem de hoje não utiliza mais a linguagem para concluir um contrato. Em eloqüente trecho, destaca o autor: “ la parola possiede un contenuto teoretico, che l’occhio non può avere: la parola offre, la cosa si offre, la parola evoca l´assente, la cosa è presente; la parola chiede di esser capita, la cosa di essere ricevuta nella percezione visiva. Ecco perchè dove la cosa o l’immagine dela cosa prendono il luogo della parola, si estingue il dialogo e regna il silenzio”. IRTI, Natalino.
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Como dito em linhas atrás, o ordenamento jurídico brasileiro, ao eleger como
fundamento da República Federativa a preservação da dignidade da pessoa
humana (CF, art.1º, III) deixou expresso que todo raciocínio jurídico deverá levar em
conta a tutela do ser humano.
Em cada caso concreto,65 o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o
vetor interpretativo, inclusive no direito privado, pelo qual o intérprete sempre deverá
se orientar em seu ofício. E, segundo ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “no
campo contratual, a dignidade humana, sob o ângulo da igualdade, também tem
concretização”.66
Há de ser observado que, além da dignidade da pessoa humana, a Constituição
Federal contempla, em seu art. 3º, inc. I, dentre outros objetivos da República
Federativa do Brasil, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Desse
dispositivo se extraem outros princípios fundamentais que, em um patamar mais
amplo, exercem influência estrutural na análise e no estudo dos contratos: a
liberdade, a justiça e a solidariedade social.
Das diversas interpretações que se extrai do conceito de liberdade previsto no art.
3º, inc. I, da CF, dentro dessa nova perspectiva de um direito civil franqueado à
incidência da Constituição no âmbito dos contratos, destaca-se a que é dada por
GIOVANNI ETTORE NANNI Ao tecer uma análise conjunta com o princípio da
dignidade da pessoa humana, este autor salienta que a liberdade estatuída na
Constituição não é mais aquela que confere aos contratantes a plena liberdade para
estabelecer o programa contratual. Há de se considerar também uma outra vertente,
a de que o:
Scambi senza accordo. : Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 2, p. 347-364, jun. 1998.
65 Dando um exemplo de concretude do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito dos contratos, cujo desrespeito, por si só, pode dar ensejo à resolução, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY traz o exemplo das chamadas “pegadinhas” dos quadros televisivos. Segundo o autor, em geral “tal quadro leva a exposição da pessoa ao ridículo, cujas circunstâncias, dependendo da hipótese concreta, podem perfeitamente significar atentado à dignidade da pessoa humana, por isso passível de vedação, mesmo que resulte, como sói acontecer, de ajuste entre o produtor do programa e sua vítima, portanto um contrato, mas dissociado de sua função social, o que é possível reconhecer inclusive mercê da iniciativa do Ministério Público, representante da sociedade, a quem o valor em tela é afeto”. GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 124.
66 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade humana. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 21.
45
[...] pleno exercício de um direito é atado à liberdade, razão pela qual é
inerente a qualquer negócio jurídico a garantia de liberação de seus
protagonistas. [...] é assegurado a qualquer pessoa o direito de
desvincular-se de uma relação jurídica, por aplicação do princípio
constitucional da liberdade. A forma usual desse fato é por meio do correto
cumprimento da obrigação, adimplemento e conseqüente quitação.
Todavia, em determinadas e excepcionais situações, quando plenamente
configurada anormalidade, ilegalidade ou inequívoco desequilíbrio no
negócio, é possível buscar a liberação, desde que seja preservada a
igualdade de sacrifícios entre as partes. 67
Quanto à justiça social, idéia trazida pelo mesmo dispositivo constitucional (CF, art.
3.º, I), segundo CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,68 é ela quem dá substrato à
chamada justiça contratual, na medida em que:
[...] impõe novo padrão de conduta das partes que transacionam e que,
também, determina e assegura o equilíbrio de suas prestações. Não se
espera, por identidade de motivos, que os contratantes possam agir de
forma desleal, que fujam de um padrão de retidão comportamental, ou que
possam contratar ou manter-se vinculados, tal como na origem, de maneira
excessivamente desequilibrada, o que, de resto, não seria leal nem
permitiria fosse o contrato visto como instrumento de cooperação e
colaboração entre as partes.
Já a solidariedade social também exerce especial papel dentro dos novos estudos
do direito civil. Sobre a importância da evolução do conceito de solidariedade no
curso da história do Direito Privado, sintetiza FRANZ WIEACKER que:
[...] tornou-se significativo da evolução do direito privado o facto de a
solidariedade social não se ter circunscrito à limitação dos direitos privados
pelo direito público, mas ter também começado a insinuar-se, através da
jurisprudência, na concepção das relações contratuais, intersubjectivas,
dos direitos patrimoniais e, sobretudo, do direito de propriedade, nas suas
relações com os outros particulares. Com isto, coloca-se ao sistema de
direito privado a questão de princípio de uma nova justificação das figuras
67 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 145. 68 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 33.
46
centrais do direito subjectivo, da autonomia privada, do contrato, da
propriedade e da liberdade de associação. 69
Para PIETRO PERLINGIERI, o solidarismo constitucional, mesmo em sua máxima
amplitude, e com todas as dificuldades de interpretação, deve se voltar à proteção
da pessoa. A solidariedade supera a individualidade, não se concebendo um
desenvolvimento superior àquele do pleno desenvolvimento do homem.70 Nesse
contexto, as relações privadas, tal como estudadas e reconhecidas em décadas ou
séculos anteriores, não deverão ficar limitadas ao olhar exclusivo e estático sobre as
partes envolvidas, e sim inseridas em um contexto mais amplo de direitos e
limitações, antes e após a sua extinção.71 Nos contratos, essa solidariedade
concebe o substrato genérico da chamada função social dos contratos.
Em comentário a um dispositivo similar na Constituição italiana (art. 2.o), MASSIMO
BIANCA72 expõe que a solidariedade social corresponde ao ideal do sistema,
exigindo que os contratos, ao lado de satisfazer a função individual, sirvam para
tornar os indivíduos substancialmente mais iguais. Mas a incidência da solidariedade
no âmbito dos contratos não pára por aí. Não se resume a um simples comando
genérico e exterior, tendo também repercussão interna na relação entre os
contratantes.
Sob o ponto de vista intrínseco, a mencionada solidariedade impõe um dever de
cooperação (un’attività di cooperazione73) entre os sujeitos contratantes, para impor
a todos deveres positivos de colaboração na efetivação do programa contratual.
Para DENIS MAZEAUD, a solidariedade entre credores e devedores deve significar
69 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. p. 719. 70 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalità costitucionale. p. 167 e 168. 71 “Desenha-se a conduta de solidariedade entre sujeitos de direito, aqui particularizando a figura dos
sujeitos contratantes, à atenção que deve ser dispensada, tanto na formação quanto na definição do negócio jurídico, no senso de ser imperiosa a colaboração entre eles, especialmente, mas não exclusivamente, no momento da execução contratual. Em uma expressão, a solidariedade constitucional é corretora das autonomias privadas envolvidas na relação jurídica, sem embargo de alguma outra função essencial ao próprio contrato.” NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2001. p. 179.
72 BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. Milão: Giuffrè, 1987. p. 33. 73 BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazione. v.1. Milão: Giuffrè, 1953. p. 16. No mesmo
sentido, v. BARCELONA, Pietro Diritto privato e società moderna. Napoli: Jovene Editore, 1996. p. 485-492 (“rapporti di cooperazione e l’obbligazione”).
47
a cooperação e a colaboração até mesmo como forma de evitar (ou ao menos
aliviar) a exclusão social e, com isso, preservar a dignidade da pessoa humana.74
Dentro dessas perspectivas, tem-se que o contrato não é e nem pode ser
considerado um instrumento de opressão e exploração. O abuso do mais forte sobre
o mais fraco produz um efeito anti-social. Devem ser garantidas aos contratantes as
condições mínimas de igualdade. Mas, ao contrário da impressão de alguns
civilistas,75 o contrato não morreu nem tende a desaparecer. O que mudaram foram
os paradigmas constitucionais e a filosofia do sistema, não podendo o direito
privado, repita-se, ficar alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade
econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos herdados das codificações civis
dos séculos passados.
Sintetizando as idéias expostas até agora: segundo análise sistemática do Texto
Constitucional, deve ser abolido das relações contratuais o exercício descomedido
da vontade. Não se fala mais em autonomia da vontade, mas em autonomia privada,
que deve ser entendida como o poder reconhecido pela ordem jurídica ao ser
humano, prévia e necessariamente qualificado como sujeito jurídico, de jurisdicizar a
sua atividade, realizando livremente negócios jurídicos e determinando os
respectivos efeitos.76
74 MAZEAUD, Denis. Loyautè, solidarieté, fraternité: la nouvelle devise contractuelle? L’avenir du
droit: mélanges en hommage à François Terré. Paris: PUF, 1999. p. 623. 75 Por exemplo, ver GILMORE, Grant. La morte del contratto. Milano: Giuffrè, 1988 (tradução de
Andrea Fusaro), com ensaio introdutório “Il contratto tra passato e avvenire”, de GUIDO ALPA, p. IX-XXVII.
76 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. p.11. A autonomia privada é dotada de poder normativo, limitada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o ordenamento estatal concede aos particulares uma esfera de poder para normatizarem, para realizarem a norma concretamente, estabelecendo regras entre si, as quais se obrigam, e o ordenamento reconhece a validade de tais regras, bem como a necessária observância a elas. A autonomia privada, como poder normativo, ou no melhor dizer, como potestade, concede aos particulares o poder de efetuar negócio jurídico, esse, a seu turno passa a criar uma norma que deverá ser observada pelos próprios sujeitos que o criaram. A autonomia privada é aquela que o sistema confere aos particulares como potestade, para criar a auto-regulação. Para LUIGI FERRI autonomia privada se caracteriza como poder normativo e o negócio jurídico como fonte normativa. FERRI, Luigi. La autonomia privada. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. p. 105. Luigi Ferri assinala ainda que a concepção do direito como vontade objetiva não exclui a idéia que a norma pode ser criada por sujeitos. A vontade subjetiva atua como matriz e no momento que o direito nasce é precisamente aquele no qual a norma se converte em tal separação de sua matriz, ou seja, no qual se conclui o processo de objetivação da vontade. (p. 137). A autonomia privada sofre restrições, e não poderia ser diferente. A autonomia privada não prevê uma liberdade absoluta, pois não existe liberdade contra o sistema do direito. Assim, à ela se impõem as restrições decorrentes do próprio ordenamento jurídico, que tem de ter univocidade, e por assim ser, a autonomia privada tem de ser exercida dentro dos limites da ordem pública e da observância aos valores e preceitos constitucionais. Para JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO (O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da
48
Os estudos contemporâneos sobre a estrutura do contrato fizeram que a definição
voluntarista se tornasse completamente superada, quando muito insuficiente para
defini-lo em seus atuais contornos. Em última análise, o contrato, hoje, ostenta não
só uma nova estrutura:
[...] como também, e ainda de maior relevância, novo papel a
desempenhar, nova função que o ordenamento, em maior ou menor
escala, e malgrado sem desconsiderar seu atributo de exercício de uma
liberdade individual, inafastável igualmente ao desenvolvimento da pessoa
humana, enquanto tal, lhe reserva para cumprir objetivos sociais eleitos
dentro do sistema.
Para MASSIMO BIANCA,77 a superação do dogma da vontade é, por assim dizer,
um resultado adquirido no próprio plano do direito positivo. A disciplina legislativa do
contrato, em alguns países, superou a excessiva valorização da vontade interna da
parte. O contrato não é valorado como um fenômeno psíquico nem como um
liberdade contratual, p. 236) a autonomia privada se revela por uma concedida reserva às partes para gerirem seus próprios interesses, longe da intervenção estatal. Significa o reconhecimento de um espaço de livre manifestação de um poder ordenante que não tem que prestar contas à entidade que o reconhece, a não ser as que respeitam à estrita observância dos seus limites de atuação. A autonomia privada é condição necessária à autodeterminação, que, constituindo um valor em si, em termos de realização da personalidade individual, é também um elemento imprescindível a uma ordem econômica que promove a eficiência na aplicação de recursos. Mas, mesmo nas zonas em que essa possibilidade é genuína, a autodeterminação não é o único valor em campo, tendo que conviver com outros valores que também estruturam normativamente a esfera das relações privada. A autonomia da vontade era vista numa concepção tipicamente voluntarista e individualista, que era coerente com um modelo econômico liberal e capitalista, no qual a liberdade de contratar era levada a extremos. A autonomia da vontade tinha no contrato seu principal instrumento, pois esse era o mecanismo de circulação da propriedade e das relações entre as partes, às quais se impunha uma igualdade formal, muitas vezes eqüidistante da realidade na qual se verificava uma flagrante desigualdade. Essa concepção foi superada na medida em que os valores constitucionais e as normas de ordem pública passaram a limitá-la, e como já afirmado, concedendo aos particulares uma esfera: a da autonomia privada. Assim, a autonomia da vontade passa a ser exercida dentro do âmbito da autonomia privada. A vontade continua a ser de extrema importância, mas não mais numa concepção liberal exacerbada. Há que se consignar a necessidade da preservação da autonomia da vontade dentro da autonomia privada, pois o contrato tem que ser auto-regulamentação, e nele tem de existir ao menos um mínimo de vontade.
77 BIANCA, Massimo. Diritto civile: il contrato. v. 3. p. 20. Sobre os efeitos de considerar o contrato como fato social, aborda FERNANDO NORONHA: “se um contrato deve ser consolidado como fato social, como temos insistido, então a sua real existência há de importar-se por si mesma, para poder ser invocada contra terceiros, e, às vezes, até para ser oposta por terceiros às próprias partes. Assim é que não só a violação de contrato por terceiro pode gerar a responsabilidade civil deste (como quando terceiro destrói a coisa que devia ser prestada, ou na figura da indução ao inadimplemento de negócio jurídico alheio), como também terceiros podem opor-se ao contrato, quando sejam por ele prejudicados o instituto da fraude contra terceiros é exemplo típico disto”. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 119.
49
simples acordo de vontades, mas como um fenômeno social,78 um valor objetivo no
qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação própria (patrimonial
ou não),79 sobre o qual recaem novos princípios e novas premissas, realçado em
novas bases constitucionais, exercendo um novo papel dentro da sociedade. A visão
do contrato como um instrumento de normação de relações sociais permite dar
relevo a aspectos estruturais e funcionais da realidade a ordenar. Segundo
JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO,80 analisar o contrato como instrumento de
normação das relações sociais, permite a ligação entre as partes e ganha então
novas tonalidades, que lhe são transmitidas pela sua inserção num determinado
campo objetivo de atividade, com as suas exigências próprias e as suas conexões
de sentido que ultrapassam a relação e o querer individuais.
1.4.1 Os “novos” princípios do contrato
Na visão clássica, herdada do século XIX, três eram os princípios fundantes da
disciplina do direito contratual: liberdade das partes (ou autonomia da vontade, a
designar a plena liberdade de contratar), o princípio da força obrigatória do contrato
(pacta sunt servanda) e o princípio da relatividade de seus efeitos. Todo o edifício do
contrato se assentava sobre a vontade individual, que era a razão de ser da sua
força obrigatória.
78 Nesse sentido, afirma RICARDO LORENZETTI que “O contrato atual não é um assunto individual,
mas que ‘tem passado a ser uma instituição social que não afeta somente os interesses dos contratantes. À sociedade, representada pelo Estado e outras entidades soberanas, atribui-se o controle de uma parte essencial do Direito Contratual”. LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Saraiva. p. 551. No mesmo sentido, ver NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 24
79 Esta é a síntese da definição encontrada em alguns Códigos do Mundo: Código Civil Francês: “Le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s'obligent, envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pas faire quelque chose.”; Código Civil de Quebec: “Le contrat est un accord de volonté, par lequel une ou plusieurs personnes s'obligent envers une ou plusieurs autres à exécuter une prestation.”; Código Civil Português: “Contrato é o acordo, por que duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma obrigação”; Código Civil italiano: “o contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas para constiuir, regular, ou extinguir entre estes uma relação jurídica patrimonial”; Código Civil Espanhol: “ El contrato existe desde que uma o varias personas consienten em obligarse, respecto de otra o otras, a dar alguna cosa o prestar algún servicio”; Digesto de Direito civil Inglês: “ un contrat est ine convention qui crée ou que est destinée à créer ine obligation juridique entre lês parties qui la concluent”; Código Civil Argentino: “Hay contrato cuando varias personas se ponen de acuerdo sobre una declaración de voluntad común, destinada a reglar sus derechos”; Código Civil Mexicano: “Contrato es un convenio por el que dos o más personas se transfiren algún derecho o contraen alguna obligación”; Outros Códigos evitaram definição (alemão, soviético, suíço, polonês).
80 RIBEIRO, Joaquim Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 18.
50
Diante das novas perspectivas do direito civil, muitos juristas sustentaram que tais
princípios não poderiam mais subsistir. Porém, refletindo sobre a principiologia do
novo direito contratual, ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,81 professor titular da
Universidade de São Paulo, explica que se vive hoje em um momento que ele
denomina de hipercomplexidade:
Os anteriores [princípios dos contratos] não devem ser considerados
abolidos pelos novos tempos, mas, certamente, deve-se dizer que viram
seu número aumentado pelos três novos princípios. Quais são esses novos
princípios? A boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função
social.
É dizer: a hipercomplexidade da atual teoria geral dos contratos é um fenômeno que
explica a conjugação e a congregação entre velhos e novos princípios, submetidos
ao programa constitucional, formatando um novo modelo de pensar o contrato.
Assim, a tarefa do intérprete será, portanto, conciliar os princípios clássicos de
índole liberal, com os princípios contemporâneos, de índole social e tutelar, num
equilíbrio o mais fiel possível ao compromisso que a esse respeito foi firmado na
arena constitucional.82
Assim, ao lado da força obrigatória dos contratos, da liberdade contratual e da
intangibilidade dos efeitos do contrato, são agregados outros três princípios para
harmonização e desenvolvimento da teoria contratual: boa-fé objetiva, equilíbrio
contratual e função social dos contratos, que serão fundamentais na limitação da
predisposição de cláusulas contratuais gerais, além da descoberta da abusividade
de sua utilização.
Conceituar a função social do contrato não é algo fácil, seja por sua vagueza, seja
pela equivocidade dos seus significados. Em trabalho específico sobre o tema, que
lhe rendeu, aliás, o grau de doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
81 Conforme sistematização de ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, “são três os princípios do
direito contratual que vêm do século passado, giram eles em torno da autonomia da vontade e assim se formulam: a) as partes podem convencionar o que querem, e como querem, dentro dos limites da lei – princípio da liberdade contratual lato sensu; b) o contrato faz lei entre as partes, pacta sunt servanda – princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais; c) o contrato somente vincula as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros – princípio da relatividade dos efeitos contratuais”. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do direito contratual e desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. Em Estudos e Pareceres de Direito Privado. p. 140.
82 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. p.111.
51
de São Paulo (PUCSP), CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY salienta que o
contorno primeiro, genérico e básico da função social do contrato está, antes de
tudo, na promoção daqueles objetivos do Estado Social, na eficácia dos valores
básicos do ordenamento, que deve servir para influenciar situações concretas de
preservação da dignidade e do solidarismo.83 Percebe ainda um aspecto extrínseco
(ou ultra partes) desse princípio, vertente pouco estudada em doutrina, e mitiga a
relatividade dos efeitos do contrato, não mais concebendo o seu estudo como algo
impermeável às relações sociais que o circundam.
Nessa acepção, expõe TERESA NEGREIROS84 que:
[...] o princípio da função social encontra fundamento constitucional no
princípio da solidariedade, a exigir que os contratantes e os terceiros
colaborem entre si, respeitando as situações jurídicas anteriormente
constituídas, ainda que as mesmas não sejam providas de eficácia real [...]
O estudo do princípio da função social do contrato visa verificar de que
modo se dá a interação entre tal princípio e o clássico princípio da
relatividade, que, em sentido oposto, postula o isolamento da relação
contratual, circunscrevendo seus efeitos aos contratantes.
O contrato, segundo a nova acepção da função social, não é visto como um átomo,
algo que somente interessa às partes, transcendendo sua finalidade também no
âmbito social, desde a sua concepção até após a sua conclusão. Lembra, neste
ponto, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,85 de que a expansão da oponibilidade
dos ajustes, por si só, já significa um complemento à sua força obrigatória:
[...] na medida em que garante, posto que diante de terceiros, a plena
eficácia do quanto contratado. Sem contar, ainda, no mínimo a
comunicação de deveres contratuais anexos ou garantias contratuais a
terceiro não contratante. Sempre, destarte, uma releitura que a função
83 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 123. 84 NEGREIROS, TERESA. Teoria do Contrato. p. 210. 85 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato, p. 134. Apesar de não ser o objeto do
presente estudo, o alargamento do conceito de oponibilidade do ajuste, vem se considerando integrar o que se convencionou chamar de tutela externa do crédito, que segundo CARLOS DA MOTA PINTO, citado por CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY e TERESA NEGREIROS, “significa a existência dum dever geral de abstenção de quaisquer terceiros, relativamente à obrigação concebida como valor patrimonial”.Por entender que a questão de responsabilidade do atravessador está fundada no dever geral de não lesar ou no abuso do direito, temática que foge o presente estudo, fica aqui apenas a menção, como nota das transformações do estudo da função social.
52
social impõe acerca da situação do terceiro em face de um contrato e
mesmo dos contratantes em face do terceiro.
A boa-fé objetiva, por sua vez, também é agregada aos novos estudos dos
contratos. Segundo KARL LARENZ, o personalismo ético, que eleva o respeito pela
dignidade pessoal de cada ser humano à categoria de imperativo moral supremo,
não seria suficiente para fundamentar uma ordem jurídica (ou as relações privadas)
se não interviesse também um elemento ético-social: e esse elemento indispensável
é a boa-fé. Uma sociedade na qual cada indivíduo desconfiasse do próximo seria
semelhante a um estado de guerra latente e, em vez da paz, dominaria a discórdia.86
Hoje não há mais dúvidas de que a boa-fé estudada nos contratos é a objetiva, um
standard, um dever imposto às partes para agirem de acordo com determinados
padrões (de correção, lisura, honestidade etc.) socialmente recomendados. É
denominada boa-fé, lealdade ou confiança,87 adjetivos que realçam o escopo desse
princípio: a tutela das legítimas expectativas da contraparte, para a garantia da
estabilidade e da segurança das transações.
É sempre bom lembrar que, no âmbito dos contratos, a boa-fé se traduz em três
comandos, três funções distintas e conjugadas:
i) função interpretativa (as partes devem proceder de acordo com a boa-fé
quando se trate de determinar o sentido das estipulações contidas em
determinado contrato);
ii) função de integração ou supletiva (amplia os deveres de comportamento
de credor e devedor) e 88
iii) função de controle (marca os limites dos direitos que o credor tem de
exercer contra o devedor).
86 LARENZ, Karl. Derecho Civil - Parte general. p. 58. 87 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136. 88 O segundo comando em que se desdobra o princípio da boa-fé (função supletiva ou de integração)
possui maior relevância para o estudo da responsabilidade pós-contratual. Segundo ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “a boa-fé não deve, como sucede correntemente, a ser citada apenas como mero arrimo verbal dos passos efectuados ou como simples meio de justificar, a nível de plausibilidade, uma solução baseada noutras latitudes [...]. Na busca de fórmulas concretizadoras está a fundamentação da c.p.p.f [responsabilidade pós-contratual] através da boa-fé. Como elementos mediadores, têm sido apontados: princípio da confiança, lealdade, protecção” MEZEZES CORDEIRO, Antonio. Da pós-eficácia das obrigações. In: Estudos de direito civil. v. I. Coimbra: Almedina, 1994. p. 168. Ver também TEPEDINO, Gustavo. Obrigações - estudos na perspectiva civil-constitucional. p. 35 e 36.
53
Segundo essa função supletiva, os direitos e deveres das partes não são, para cada
uma, apenas o de realizar a prestação estipulada no contrato ou, eventualmente,
cumprir os itens acrescidos por outros deveres previstos pelas partes e, ainda, os
estabelecidos nas leis supletivas ou imperativas, aplicáveis ao negócio celebrado. A
boa-fé, nesse sentido, impõe a observância de muitos outros deveres de conduta
que podem gerar, mesmo diante da extinção da prestação principal, uma
responsabilização pelo descumprimento por esses específicos deveres. Em sua
vertente supletiva, a boa-fé, além de integrar as lacunas do contrato, cria o que se
vem chamando de deveres jurídicos acessórios, laterais,89 instrumentais ou
secundários das obrigações e dos contratos.
Explicando esse desdobramento que a boa-fé traz ao âmbito das obrigações, explica
ANTUNES VARELLA que os chamados deveres principais são aqueles que definem
o núcleo, o tipo da relação, são aqueles que se traduzem na realização da prestação
debitória. Eles seriam, afinal, o débito da concepção clássica da obrigação (exemplo:
pagar o preço devido e entregar a coisa certa no processo de compra e venda;
ceder ao uso e pagar o aluguel no caso de locação).
Já os deveres secundários são aqueles destinados a preparar o cumprimento ou a
assegurar a perfeita execução da prestação principal. São aqueles dirigidos à
realização de prestações ainda específicas, estabelecidas no programa contratual,
mas diferentes da prestação principal (no caso da compra e venda, o dever do
vendedor de entregar ao comprador os documentos necessários ao registro
translativo; na locação, o dever do locatário de devolver o bem findo o prazo do
ajuste etc.).
Há ainda uma terceira modalidade de deveres no âmbito da relação obrigacional: os
chamados deveres laterais, essenciais ao correto processamento da relação
obrigacional em que a prestação se integra. Não diz respeito a prestação, principal
ou auxiliar. Antes, visam proteger a pessoa e os bens da outra parte contra riscos de
danos e, em geral, auxiliar a realização das finalidades da própria relação
obrigacional (no caso do contrato de compra e venda, seria o dever do vendedor de 89 Optarei, por recurso de método, pela nomenclatura deveres laterais, uma vez que a denominação
deveres acessórios pode dar ao leitor a falsa noção de que esses sejam deveres dependentes da prestação contratual principal, o que não é verdade. Alguns deveres não são autonomamente exigíveis enquanto outros independem da prestação principal, por exemplo, o dever de lealdade do empregador em relação a ex-empregada no sentido de informar a existência de um antigo vínculo contratual.
54
prestar assistência, caso o comprador precise de uma retificação dos dados do
registro imobiliário).90
São todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno obrigacional cujo escopo
não seja, diretamente, a realização ou a substituição da prestação, sendo possível
concluir, assim, que esses deveres estão presentes, em maior ou menor grau, no
conteúdo normativo das relações obrigacionais.91
São exemplos desses deveres, no âmbito dos contatos: deveres de informação, de
sigilo, de transparência, de cooperação, de confiança, de cuidado, de previdência,
de segurança, de prestar contas etc. FERNANDO NORONHA, apoiado nos
ensinamentos de MENEZES CORDEIRO,92 reduz a três genéricos deveres laterais
que sintetizariam os já mencionados:93 deveres de proteção (as partes, enquanto
perdure um fenômeno contratual, permanecem ligadas, cabendo evitar que, durante
esse fenômeno, sejam-lhes infligidos danos mútuos, pessoais ou em seu
patrimônio); esclarecimento (as partes estão obrigadas a, na vigência do contrato
que as une, informarem-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo,
de ocorrências que, com ele, tenham por certa a relação e, ainda, de todos os
efeitos que, da execução contratual, possam advir) e, por fim, de lealdade (obrigam
as partes a, na pendência contratual, absterem-se de comportamentos que possam
falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas
consignadas).
Dentre seu vasto plexo de atuação, sedimenta-se a idéia de que a boa-fé gera
inúmeros deveres de conduta, não podendo se estudar a relação obrigacional com
olhos voltados exclusivamente na prestação principal ou no vínculo.
A violação dos deveres laterais de conduta gera as mais diversas conseqüências. Às
vezes implica a invalidação94 do próprio negócio ou, até mesmo, a própria
responsabilidade pré-contratual (invocação da culpa in contrahendo), hipóteses que
90 VARELLA, João Matos Antunes. Das obrigações em geral. v. 1. Coimbra: Almedina, 10. ed., 2000.
p. 122 e 124. Os exemplos são de FERNANDO NORONHA. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 162.
91 FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 75.
92 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manoel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. v. 1. Coimbra: Almedina, 1984. p. 615-620.
93 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 160. 94 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p 163.
55
fogem, obviamente, do presente trabalho, mas que, reconhecidamente, possuem o
mesmo fundamento: a ofensa aos deveres gerados pela boa-fé.
Constata-se, portanto, que a concepção do contrato como fenômeno social, bem
como os princípios da função social como a boa-fé, dão novas bases à interpretação
dos contratos, permitindo a visualização dos novos deveres entre os contratantes,
viabilizando uma extensão e uma dimensão até então não concebidas pelos estudos
tradicionais, franqueando-se uma abertura até então ignorada.95
1.4.2 Obrigação como relação jurídica complexa. Relevância para o estudo dos
contratos
Uma última consideração merece ser feita antes de se adentrar ao estudo específico
das cláusulas contratuais gerais, que permitirá a melhor compreensão do fenômeno.
Durante muito tempo, o estudo do direito das obrigações ficou única e
exclusivamente centrado na estática observação dos sujeitos da relação, preso na
análise exclusiva do vínculo obrigacional, na relação entre crédito e débito entre as
partes. A relação jurídica obrigacional, como vimos, era vista como simples vínculo
jurídico entre o credor e o devedor, não se considerando as vicissitudes que
circundavam esta relação, muito menos os períodos anteriores e posteriores da sua
existência. Não se levava em conta a estrutura dinâmica da obrigação, que envolve
um conjunto de atos (atividades) para a concretização de determinado fim, ou, em
outras palavras, ao adimplemento do credor.
Concebia-se a noção de obrigação como vínculo jurídico por força do qual uma
pessoa ficava subordinada a outra, condicionada a dar, a fazer ou a não fazer
alguma coisa. A obrigação tinha uma única finalidade: a prestação, concebida como
único dever principal.
Em razão de todas as reflexões expostas nos itens anteriores, a doutrina começou a
questionar até que ponto a relação obrigacional poderia ser concebida dessa
maneira, centrada exclusivamente no vínculo. E, em razão de novas influências e de
95 “Os deveres secundários comportam tratamento que abranja toda a relação jurídica. Assim, podem
ser examinados durante o curso ou o desenvolvimento da relação jurídica, e, em certos casos, posteriormente ao adimplemento da obrigação principal. Consistem em indicações, atos de proteção, como o dever de afastar danos, atos de vigilância, da guarda de cooperação, de assistência”. SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 113.
56
transformações mundiais, KARL LARENZ, na Alemanha, apoiado nos estudos de
HERMAN STAUB e HENRICH SIBER, passou a defender, categoricamente, que o
espectro obrigacional deveria ser estudado como um todo, não de forma isolada,
mas como uma relação jurídica total.96
Na concepção clássica de relação obrigacional, tem-se apenas a sua moldura, seu
aspecto externo, definido exclusivamente pelos seus elementos: os sujeitos, o objeto
e o vínculo de sujeição que liga o devedor ao credor, o crédito e a dívida, sem
mencionar os múltiplos deveres, sujeições ou poderes que decorrem daquela
relação. Na metáfora usada por JUDITH MARTINS-COSTA,97 vista a relação
obrigacional dessa maneira, percebe-se que entre os sujeitos nada mais existe do
que o crédito e a dívida, como se os circundasse uma espécie de buraco negro, tal
qual o misterioso vazio que ameaça a camada de ozônio da terra.
A partir dessas constatações, a doutrina moderna passou a conceber a relação
obrigacional em sua dinâmica e sob o ponto de vista global. Alarga-se a abrangência
da relação obrigacional de uma simples prestação para considerar também todos os
deveres correlatos. Vista de tal maneira, a relação obrigacional engloba, além do
direito de crédito e do dever de prestar, outros elementos, como os deveres laterais.
Em suma, trata-se de uma relação obrigacional complexa.
Sob outro prisma, mas a significar o mesmo fenômeno, a relação obrigacional passa
a ser considerada também processo. Ou seja, percebeu-se que a relação
obrigacional era composta por uma sucessão de atos tendentes a um fim, qual seja,
a satisfação do interesse do credor, enfatizando, neste enfoque, o seu caráter
dinâmico, em que as várias fases que nascem nada mais são que fases para a
consecução do fim daquela relação, a ser considerado bem antes de quando a lei
fixa como formado o contrato.
Na obrigação entre o comprador e o vendedor de um automóvel, por exemplo, o
conteúdo exclusivo desta obrigação não são os deveres de pagar o preço e a
correspectiva entrega do bem. Há também os deveres secundários (guardar o
automóvel, deixar pronta a documentação) e os deveres laterais (informar sobre as
96 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. p. 37. 97 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999. p. 384.
57
condições de funcionamento daquele automóvel, sobre problemas constatados por
outros proprietários etc.).
Em um contrato de transporte de coisa (CC, arts. 743 e ss.), o objeto do contrato
não se resume ao transporte de um bem determinado em troca de determinada
remuneração (dever principal). Cabe ao contratante, em caso de exigência, fornecer
descrição detalhada sobre os bens a serem transportados (CC, art. 744, parágrafo
único – dever secundário). E ainda: em caso de alguma particularidade sobre
durabilidade, acondicionamento ou qualquer outro dado relevante que gere o perigo
de perecimento da coisa, o transportador deve ser informado, cumprindo-se, assim,
o dever lateral de informação gerado pela cláusula de boa-fé. Em caso de eventual
perecimento da coisa transportada, não basta ao julgador investigar o
descumprimento da obrigação principal (simples dever de transportar por parte da
transportadora ou, ainda, invocar a cláusula de incolumidade do bem transportado).
Tem ele o dever de avaliar toda a complexidade da relação, conforme foi apontada,
inclusive se a transportadora fora informada de determinada particularidade que
imporia, por exemplo, um acondicionamento especial da coisa, para só daí se avaliar
a imputação de eventual responsabilidade.
Sobre essa transição da estruturação da relação obrigacional, comenta MARIO
JULIO DE ALMEIDA COSTA:98
[...] a perspectiva da obrigação que se esgota no dever de prestar e no
correlato direito de exigir ou pretender a prestação corresponde à
orientação clássica, de fundo atomístico. Todavia, a doutrina moderna,
sobretudo por mérito dos autores alemães, evidenciou a estreiteza de tal
ponto de vista e a necessidade de superá-lo [...] Deste modo, numa
compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao
lado dos deveres de prestação – tanto deveres principais de prestação
como deveres secundários –, os deveres laterais (nebenpflichten), além de
direitos potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas, etc.
Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de
fim e constituem o conteúdo de uma relação de caráter unitário e funcional:
a relação obrigacional complexa, ainda designada relação obrigacional em
sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual.
98 COSTA, Mario Julio de Almeida. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina, 5. ed., 1999. p. 58.
58
No Brasil, a estruturação da relação obrigacional como um processo tem como seu
grande precursor CLÓVIS DO COUTO E SILVA, que em obra específica sobre o
tema,99 logo nas considerações iniciais, assevera que:
[...] a obrigação, vista como processo, compõe-se, em sentido largo, do
conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor.
Dogmaticamente, contudo, é indispensável distinguir os planos em que se
desenvolve e se adimple a obrigação. Os atos praticados pelo devedor,
bem assim como os realizados pelo credor, repercutem no mundo jurídico,
nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem,
atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos,
evidentemente, tendem a um fim. E é precisamente a finalidade que
determina a concepção da obrigação como processo.
Percebe-se, então, que as obrigações são compostas por relações jurídicas
complexas, dinâmicas, e que somente chegarão a um bom fim se contar com a
colaboração leal dos participantes, em cumprimento a todos os deveres impostos
pela boa-fé, e não aos exclusivos comandos da lei e das próprias partes. A estrutura
obrigacional complexa, com as características apontadas anteriormente, é uma
exigência da nova feição do direito civil constitucional, sendo que o contrato e as
relações nele inseridas não teriam o mínimo de efetividade se submetidos a uma
relação jurídica simples.100
1.5 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS: A
MASSIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
Se o surgimento das cláusulas contratuais gerais está atrelado ao surgimento do
contrato de adesão e às contratações em massa,101 podemos afirmar que estas têm
como origem as mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas no início e em
meados do século XIX. Nesse período, as evoluções tecnológicas e dos meios de
99 SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1976. p. 9
e 10. 100 NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. p. 149. 101 Vale, todavia, a advertência feita por EWOUD HONDIUS, que vê sinais do que seriam hoje as
cláusulas contratuais gerais nas formulae compiladas pelos pontífices romanos, nos módulos dos trabelliones medievais e nos usos de comerciantres do século XVII, que predispunham suas próprias cláusulas standard no campo dos seguros. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle condizioni generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo (Coord.). Le condizioni generali di contratto. Milão: Giuffrè, 1981. p. 407. Para outros, o surgimento das cláusulas contratuais estaria no invitatio ad offerendum, tema que será abordado no curso do trabalho.
59
produção ocorridas na Europa, com a chamada Revolução Industrial,102 refletiram-se
diretamente na transformação das formas clássicas de contratação, passando por
uma adequação às novas condições do mercado capitalista.
A chamada contratação em massa surgiu com a Revolução Industrial e se
desenvolveu com a conseqüente Revolução Comercial, que progressivamente
expandiu o comércio e os serviços de modo a abranger cada vez mais bens
destinados a mais pessoas colocadas a maior distância.
O aumento da produção industrial levou à maior circulação de mercadorias,
aumentando o consumo e a necessidade de meios financeiros para sustentá-la. Tais
transformações atingiram o contrato em sua substância, fazendo que ele deixasse
de ser um acordo de vontades fundado em uma discussão prévia.
Se, naquela época, os contratos eram dominados pelas idéias do liberalismo puro,
trazidas pelos ideais da Revolução Francesa, que tinham como base de sustentação
que todos os contraentes eram iguais, com o passar do tempo, com o crescimento
industrial e econômico aliado à total abstenção estatal na formação dos contratos,
percebeu-se que o dogma da igualdade dos contraentes não correspondia à
realidade, verificando-se que o contraente mais forte economicamente impunha o
que e como contratar. A vontade de uma das partes era apenas deduzida, quando
não forçada por contingências.
Cabe lembrar de que, até então, o contrato era tido como instrumento de
circulação de riquezas, constituindo-se em adequado e legítimo mecanismo para
que a classe burguesa, ascendente, tivesse à sua disposição um meio legal para
102 "Esta técnica de conclusão dos negócios [contrato standard] começa a afirmar-se, de modo
significativo – na prática dos mercados capitalistas – sobretudo na época subseqüente à Revolução Industrial do início do século dezenove. Na Europa desses anos, os progressos das técnicas produtivas, a descoberta de novas fontes de energia e a mais racional e intensa utilização das já conhecidas, a diferente organização do trabalho no interior das empresas, a crescente dimensão destas [e do volume dos capitais nelas empregues] atingem todos os sectores da economia com um impacto sem precedentes. E por reflexo directo destas transformações, cada um dos sectores conhece – em várias formas e medidas – a estandardização das relações contratuais que se desenrolam no seu seio. Delinear esta evolução de formas e técnicas de contratação significa, ao mesmo tempo, percorrer as vicissitudes de algumas das fundamentais <<instituições do capitalismo>>".Estandardizam-se os títulos de crédito que, pelo seu próprio papel de instrumentos de mobilização e multiplicação da riqueza, tendem, cada vez mais, a assumir vestes de títulos <<de massa>>" [...] "Rigidamente uniformes passam a ser as <<condições>> com que os bancos negociam com os seus clientes. E ainda, a introdução e a extensão das redes ferroviárias e das linhas de navegação a vapor – meios que inauguram a era dos transportes de massa – abrem ao fenómeno da contratação uniforme novos relevantíssimos sectores." ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 313.
60
obter da classe aristocrática, em decadência, a tradição do bem jurídico mais
importante para aquele sistema jurídico que era o real imobiliário. Naquela época,
estava consagrado o dogma da vontade, e o contrato havia sido definido como
instrumento de sua convalidação. A vontade individual seria a única fonte de todas
as obrigações jurídicas, sendo ela, por conseqüência, a única fonte de justiça. Sobre
o pensamento kantiano reinante na ocasião, explica de NORBERTO BOBBIO que:
“a aquisição de um direito pessoal só pode acontecer através da ação do outro, ou
seja, por meio de um acordo entre a minha vontade e a do outro, ou seja, pacto". 103
Sob o ideário liberal, durante os séculos XVIII e XIX, os juristas construíram os
princípios da liberdade contratual, da força obrigatória dos contratos e de seu efeito
relativo, decorrentes todos eles do contexto político e filosófico então em voga: a
autonomia da vontade. Assim, podiam as partes contratantes escolher o respectivo
parceiro contratual, estipulando o conteúdo do ajuste que viessem a firmar
(liberdade contratual); aquilo por elas deliberado passava a vinculá-las em definitivo
(força obrigatória dos contratos), não alcançando, contudo, terceiros, estranhos ao
pacto contratual (efeito relativo do contrato).
Até então, não era o Estado o fomentador das relações contratuais, mas o próprio
homem, revestido do direito subjetivo absoluto, tendo como pressuposto a igualdade
entre seus pares.
A Revolução Industrial, a fabricação em série, o investimento em poderosas técnicas
publicitárias de venda, o consumo em massa, levaram à dificuldade dos contratos de
se formarem paritariamente, com a discussão pelos contraentes de todas as
cláusulas contratuais.
Como visto, na época contemporânea (final do século XIX e início do século XX),
iniciaram-se as primeiras idéias contrárias ao individualismo exagerado. A
intervenção do Estado passou a ser exigida para que fosse obtido o equilíbrio
contratual mínimo. Por isso, o contrato passa a sofrer limitações publicísticas. A
concepção oitocentista do contrato, focada no liberalismo exacerbado, abre espaço
para o estudo do contrato em sua concepção social e solidária com forte
interferência de um Estado garantista.
103 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. p. 108.
61
Nas explicações de PAULO NALIN:104
A exploração desacerbada, pelo liberalismo clássico, do exercício da
autonomia da vontade (liberdade contratual) entra em processo autofágico.
O homem contratante acabou no final do século passado e início do
presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja, a da
despersonalização das relações contratuais, em função de uma
preponderante massificação, voltada ao escoamento em larga escala, do
que se produzia nas recém-criadas industrias.
A realidade social, portanto, passou a reclamar por um novo paradigma para estudo
e compreensão dos contratos. O modelo teórico estabelecido outrora se mostrava
francamente inadequado em face da estandardização da economia, a qual terminou
por provocar um sério abalo na, até então, sólida e inabalável teoria contratual. A
moldura descrita pelo Code Civil francês (e de outros que o seguiram) já não
representava mais os fatos encontrados em sociedade, em que a liberdade
contratual não mais explicava a falta de liberdade em sentido material. Conclui
PAULO NALIN:105
Eis o caos do modelo clássico de contrato, emoldurado em um sistema
jurídico que não mais reflete a realidade fática, por força da abrupta
mudança da maneira de se contatar. Relevante dizer que a decadência da
clássica definição de contrato não se aplica a todas as modalidades
contratuais, por esta razão se fazendo, presente, ainda, o contrato paritário.
Por outro lado, é inegável a afirmação de que o contrato paritário, neste
tempo de relação de mercado, é a exceção, a partir do qual não se pode
pretender seja ele a âncora epistemológica de todo o entendimento sobre o
instituto.
Já não se via, com freqüência, parceiros contratuais firmando contratos gré a gré.
Cada vez mais as empresas passaram a estipular condições para serem utilizadas
numa quantidade indeterminada de operações de venda de mercadorias e,
posteriormente, de prestação de serviços.
A compreensão do contrato modificou-se perante a nova realidade política,
econômica, social e jurídica que foi se formando, adaptando-se à intensidade das
104 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 109. 105 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 111.
62
relações jurídicas, cada vez mais despersonalizadas, em face da produção em
grande escala.
Oportuno lembrar que esta evolução no modo de contratar era inevitável e até
propiciadora de inegáveis vantagens: simplificação, economia de tempo, redução de
custos nas transações, uniformização no tratamento dos clientes ou dos
fornecedores de uma mesma empresa. Mas ela trazia (e ainda traz) também as
desvantagens inerentes à supressão ou à redução da liberdade de negociação e a
não adaptação a interesses particulares, colocando uma das partes em condições
de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.
A ciência jurídica cedo se apercebeu da especificidade do fenômeno, que, no
princípio do século XX, recebeu o seu primeiro batismo doutrinário com o epíteto de
contratos de adesão, inventado pelo jurista francês RAYMOND SALEILLES, em seu
livro De la déclaration de volonté. Contribution à l'étude de l'acte juridique dans le
code civil alleman, de 1901.
Referindo-se à mesma situação, outros preferiam salientar, em vez dos limites de
negociação a que uma das partes está de fato sujeita, o conteúdo repetitivo dos
contratos formados, usando expressões como “contrato standard ou padronizado”,
"contratos-tipo” ou “contrato pré-redigido”.
A incidência da mesma idéia sobre um alvo diferente (em vez do resultado obtido, as
cláusulas a partir das quais os contratos se formam) gerou a expressão de origem
germânica cláusulas contratuais gerais (Allgemeine Geschäftsbedingungen),
introduzidas por LUDWIG RAISER, em 1935, e depois recebida na designação da lei
alemã (AGB-Gesetz, de 1976).106 Este é justamente o campo de incidência de nosso
trabalho.
Tem-se, portanto, que a relação jurídica contratual não é feita somente entre dois
sujeitos. Nos dias de hoje, o mais comum é exatamente o contrário: relações
jurídicas plúrimas, coletivas, difusas, massificadas. O modelo estático da compra e
venda, do bilateral e comutativo, é substituído por modelos complexos, múltiplos,
conexos, nos quais, em um dos pólos, pode ser encontrada uma variada gama de
sujeitos. Por isso, a massificação das relações negociais passou a exigir uma
106 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I – Conceito. Fontes. Formação. Coimbra: Almedina,
2003. p. 143, referindo-se ao livro Das recht der allgemeinen geschäftsbedingungen, de 1935. Traduz bedingungen por “cláusulas” e não “condições”.
63
abordagem do contrato diversa daquela dada pelos juristas do final do século XIX e
que serviram de norte para a maior parte de nossa legislação civil, em especial o
Código Civil de 1916.
Segundo ORLANDO GOMES,107 se no quadro tradicional do contrato as relações se
compunham de cláusulas postas pelas partes no momento em que exercem a
atividade criadora, nos dias de hoje, exige-se a sucessão de vínculos de conteúdo
uniforme; as cláusulas ou regras preexistem à sua constituição e merecem particular
análise dos estudiosos contemporâneos.
Para ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:108
Apesar de algumas declarações de princípios que acompanham a sua
publicação, o Código em vigor exprime, em grande parte, ainda uma
sociedade pré-industrial: apenas no domínio das obrigações –
designadamente no que toca à sua circulação – houve progresso mais
sensível. O fenómeno do relativo defasamento das codificações civis é
comum e surge apontado, com freqüência, na doutrina. Não se deve, daí,
retirar uma sua incapacidade para intervir: enquanto suportes da Ciência
do Direito, os códigos civis, desde que lhe sejam sensíveis, sofrem, no seu
aparente imobilismo, uma contínua evolução. [...] Deparamos com uma
desarticulação dos contratos, processada através de sucessivas massas
de regras, de filiação histórico-cultural diversa. Dentro deste panorama, a
parte atinente à formação foi, aparentemente, a mais causticada: pela sua
filiação jusracionalista e através do pandectismo, ela originou esquemas
conceptuais vigorosos, mas – fatalmente – desligados da efectiva realidade
humana e social implícita na contratação.
Uma advertência, contudo, deve ser feita. Há de ser observado que nem mesmo as
concepções sociais do contrato ou o surgimento dos microssistemas protetivos, com
previsão de intervenções voltadas para o interesse de categorias específicas
(consumidor, locatário, seguros, construção civil etc.), puderam ser considerados
fenômenos suficientes para se explicar ou conter as mutações do direito dos
contratos.
A sociedade de consumo massificada, a diversificação das relações sociais, a
insuficiência da atuação do Estado e o individualismo crescente proporcionam, na 107 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – Condição geral dos contratos. São Paulo: RT, 1972. p.
36. 108 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 594.
64
verdade, uma crise sociológica, denominada por muitos de pós-moderna.109 Tempos
de ceticismo quanto à capacidade da ciência do direito de dar respostas adequadas
e gerais aos problemas que perturbam a sociedade atual. Explica CLÁUDIA LIMA
MARQUES que:110
[para alguns] o pós-modernismo é uma crise de desconstrução, de
fragmentação, de indeterminação à procura de uma nova racionalidade, de
desregulamentação, e de deslegitimação de nossas instituições, de
desdogmatização do direito, para outros, é um fenômeno de pluralismo e
relativismo cultural arrebatador a influenciar o direito. Este fenômeno
aumenta a liberdade dos indivíduos, mas diminui o poder do racionalismo,
da crítica em geral, da evolução histórica e da verdade, também em nossa
ciência, o direito. Fenômeno contemporâneo à globalização e à perda da
individualidade moderna, assegura novos direitos individuais à diferença,
destaca os direitos humanos, mas aumenta o radicalismo e o
conservadorismo acrítico das linhas tradicionais. [...] Vivemos efetivamente
um momento de mudanças, não só legislativas, mas políticas e sociais. Os
europeus estão a denominar este momento de queda, rompimento ou
ruptura, de fim de uma era e de início de algo novo, ainda não identificado,
de pós-modernidade. Seria a crise da era moderna e de seus ideais
concretizados na Revolução Francesa, de liberdade, de igualdade e de
fraternidade, que não se realizaram para todos, nem são hoje considerados
realmente realizáveis. Momento em que se desconfia da força e suficiência
do direito para servir de paradigma à organização das sociedades
democráticas, atualmente em um capitalismo neoliberal bastante agressivo,
com fortes efeitos perversos e de exclusão social. Vivemos em um
momento de mudança também no estilo de vida, da acumulação de bens
materiais, passamos a acumulação de bens imateriais, dos contratos de
dar, para os contratos de fazer, do modelo imediatista da compra e venda
para um modelo duradouro da relação contratual, da contratação pessoal
direta para o automatismo da contratação à distância por meios eletrônicos,
da substituição, da terceirização, das parcerias fluidas e das privatizações,
de relações meramente privadas para as relações particulares de iminente
interesse social ou público.
109 Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, a base da expressão parece ter surgido na França, em
especial, na revista Droit et Societé. Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 155.
110 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 156.
65
Um dos elementos que contribuem para esta fase de suposta desestruturação
teórica é o avanço dos mercados111 e da globalização.
Se todo o direito contratual associa-se, de maneira íntima, a uma determinada
ordem de produção, é necessário, portanto, pensar a ordem de mercado no qual o
novo direito contratual vai se formando. Não se pode deixar de levar em conta quais
são as mudanças ocorridas nesta seara e em que medida estas vão afetar o regime
das relações contratuais.112
A expansão econômica do capitalismo e as correlativas transformações do modelo
social provocam sensíveis alterações com reflexos no papel do contrato na esfera
econômica. A aceleração do processo produtivo e o incremento geral das trocas,
com acesso cada vez mais alargado da população às relações de consumo, a
universalização do mercado, com sua progressiva extensão a todas as zonas da
vida social (incluindo cultura e lazer), e a empresarialização da atividade econômica
"são fatores que, paralela e conjugadamente, não só impulsionam um enórme
acréscimo do uso e da importância do instrumento contratual, como contribuem para
a sua mudança de fisionomia."113
A globalização é um fato histórico. A maioria dos países optou pelo modo capitalista
de produção, dando a sensação de que não seria mais necessária a manutenção
das propostas do Welfare State. Resultado da globalização e, com ela, da exigência
de competitividade e de flexibilidade dos mercados, a doutrina identifica, agora, um
movimento de desregulamentação estatal das relações contratuais, fruto mesmo do
próprio enfraquecimento, diante de formas mais fluidas de estruturação da
civilização, da noção de Estado como modelo de organização política. Acerca dessa
questão, explica CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,114 acreditando, todavia, no
espaço de atuação dos princípios welfaristas do contrato, dado o conteúdo de que
se revestem:
111 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti gra persona e mercato. Napoli: Ed. Scientifiche italiane,
2003; GRISI, Giuseppe. L’Autonomia privata: diritto dei contratti e disciplina costituzionale dell’economia. Milão: Giuffrè, 1999; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica.
112 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 49.
113 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 17-18.
114 GODOY, Cláudio Luiz. Função social do contrato. p. 11.
66
Especialmente no campo do direito econômico, assim, em particular,
quando se examinam os contratos, a pós-modernidade forja também uma
nova realidade jurídica. Veja-se que, ainda uma vez, conforme observação
de Ronaldo Porto Macedo Jr., no exato momento em que o sistema
econômico se altera na direção do que denomina especialização flexível,
em que se procura, no lugar da produção manufatureira de larga escala e
de massa, mesmo que de todo não abandonada, o oferecimento de um
produto com tecnologia e qualidade únicas, ainda dotado de serviço de
apoio ou assistência singular, destarte produzido em menor escala, as
relações contratuais – em regra, de conteúdo rígido e predeterminadas,
consumadas de forma instantânea, descontínua e regulamentadas por leis
intervencionistas, cedem às redes de contratos, já logo no contexto de uma
atividade produtiva caracterizada pela parceria e pela terceirização, bem
assim pelos contratos, mesmo ao nível final do consumo, e não só no
processo de produção, de longa duração (contratos relacionais), infensos à
rigidez de modelos e conteúdos preestabelecidos, dada a constante
atualização dos produtos e necessidade, por conseguinte, de constante
mutação e adaptação às contingências sobrevindas no seu interregno. Daí,
enfim, o questionamento da atualidade, ainda, de um modelo welfarista, a
que se atribui certa rigidez limitativa, intervencionista e regulamentadora
própria do processo produtivo de massa e de larga escala, compatíveis
com os contratos firmados de forma anônima, genérica e descontínua, mas
não com uma política produtiva globalizada, especializada e flexibilizada,
marcada por relações contratuais contínuas e de longa duração.
De fato, no Estado brasileiro, não podemos negar o jogo de forças existentes entre a
livre iniciativa e a justiça social (CF, art. 3.º, I e art. 170). Segundo PAULO NALIN,115
a união das transformações sociais, filosóficas e econômicas, motivadoras daquilo
que se convencionou chamar de pós-modernismo , gerando a superação do modelo
puramente social do contrato.
Portanto, a questão social deve ser considerada, conjuntamente, com o problema
econômico e jurídico. Diante desse cenário mundial, ensaiando uma possível (e
desejável) harmonização das posições, afirma MARCELO BENACCHIO,116 em
recente defesa do grau de doutorado na PUC/SP:
115 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. p. 123. 116 BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.
2005. Tese (Doutorado em Direito) – PUC/SP, São Paulo. p. 29.
67
A compreensão do contrato nesse início de século, flagrantemente, em
crise de paradigma, situa-se na busca de um equilíbrio entre uma
concepção solidária voltada à realização da dignidade da pessoa humana e
do bem comum e outra de eficiência econômica guiada pelas necessidades
do mercado, note-se que tanto um valor como outro estão presentes na
Constituição Federal, portanto, mesmo que se tivesse por socialmente mais
justo, em um país com tanta desigualdade como o nosso, eventualmente,
inclinar-se pelo modelo social, não podemos cerrar nosso pensamento à
realidade neoliberal econômica que nos cerca e sua influência na
legislação, políticas governamentais, quaisquer que sejam a orientação
paritária e, até mesmo, decisões judiciais; daí estar superada, senão
impossível, a aplicação do paradigma anterior – a concepção puramente
social do contrato, que passa a ser funcionalizada pelo aspecto econômico,
havendo mesmo uma aproximação entre a ciência jurídica e econômica
para o enquadramento teórico ora proposto. Não estamos a pregar a volta
do liberalismo, aliás, impossível em face de nossos valores constitucionais,
mas sim que a compreensão do contrato não pode negar a influência
econômica, constitucionalmente assegurada pelo modelo capitalista
abraçado pelo nosso Estado, de forma que a autodeterminação das
pessoas, associada à rapidez da informação e o desejo do consumo,
limitam, senão dificultam uma concepção puramente social.
Segundo o mesmo autor,117 o contrato hoje é dotado de maior reconhecimento da
autonomia privada, na busca de menor intervenção estatal, o que não significa,
adverte, ausência de intervenção heterônoma, típicas nas relações entre
fornecedores e consumidores, patrões e empregados etc. Todavia, nos contratos de
grande circulação, como entre empresas transacionais, em que, eventualmente, não
haja repercussão social (ou quando esta não for acentuada), a tendência será a de
uma interferência mínima, de uma não regulamentação heterônoma.118
Não se pretende, neste ponto, tratar detalhadamente de todas as questões
socioeconômicas relevantes ocorridas no século XX, mas tecer algumas
117 BENACCHIO, Marcelo. Responsabilidade Civil de terceiro por lesão à situação jurídica contratual.
p. 28. 118 Explicando as origens e as causas da heteronomia, comenta JUDITH MARTINS-COSTA: "No
estado contemporâneo, a ordem da autonomia veio a entrecruzar com a ordem da heteronomia, por conta, fundamentalmente: i) do reconhecimento, pelo Direito, da concreta diferença entre as pessoas; ii) da adoção de políticas públicas por meio de instrumentos jurídico-econômicos; e iii) a globalização da economia, com estabelecimento de inter-relações jurídicas em nível mundial". MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. São Paulo: Método, 2005. p. 132.
68
considerações que revelam, de alguma maneira, conseqüências nas estruturas
contratuais, especialmente no que diz respeito à formação e à nova conformação
dos contratos.
Com esta exposição, tem-se que não há como negar que os princípios welfaristas
dos contratos, fruto de recente conquista de nosso ordenamento,119 ainda possuem
grande espaço de atuação. Aliás, repita-se mais uma vez, a ordem jurídica brasileira
não é um sistema axiologicamente neutro, uma vez que o constituinte originário
expressou sua opção pelos princípios fundamentais, o que, por evidente, repercutirá
na interpretação das normas jurídicas privadas, fato ainda não descoberto pela
jurisprudência e por grande parte da doutrina.
Ao mesmo tempo, não podemos negar a influência da economia no
desenvolvimento e na interpretação do direito contratual. Isso não quer dizer que
estamos obrigados, a partir de então, a uma análise econômica do direito.120 O que
se pretende, com estas breves considerações, é apenas (e tão-somente), que seja
feita a consideração jurídica do econômico quando do estudo dos contratos, ainda
119 Vale aqui a advertência de PIETRO PERLINGIERI: "La storia tuttavia conferma che
l'istituzionalizzazione del mercato non può prescindere dall'assunzione di un garante sterno, sia esso la morale o il diritto; la società non è riducibile al mercato e alle sue sole regole; il diritto al quale spetta la regolamentazione della società, indica limiti e correttivi, dettati non soltanto dal perseguimento della ricchezza ma da valori e interessi diversi. In questo contesto la stessa iniziativa economica è stata configurata come l'adempimento di un dovere etico-religioso, cogliendo le basi culturali della non facile distinzione tra uomo e cittadino da un lato e produttore e consumatore dall'altro, tra solidarietà anche umana e civile e solidarietà soltanto economica e corporativa. Il <<buon diritto [...] non è quello che si pone all'esclusivo o prevalente servizio delle ragioni economiche ma quello che sa contrapporsi as esse, impedendo la mercantilizzazione della società e la identificazione (e l'saurimento) dei diritti civili e dei diritti umani naturali con quelli economici, siano essi di matrice proprietaria o imprenditoriale-contrattuale. [....] Il mercato vale per ciò che è, non semplicemente perché c'è esso merita un elogio debole ovvero condizionato senza confondere le ragioni economiche e gli argomenti etici: sono questi ultimi che meritano priorità e forniscono all'economia un fondamento etico che, nella concreta realtà storica, sappia coniugare efficienza economica e diritti umani, mercato e democrazia". PERLINGIERI, Pietro. Mercato, solidarietà e diritti umani. In: PERLINGIERI, Pietro. Il diritto dei contratti fra persona e mercato. p. 246 e 267.
120 Para PIETRO PERLINGIERI, "L'analisi economica del diritto, quale luogo di confronto tra diritto ed economia, comporta seri rischi quando: a) diventa la prospettiva esclusiva di lettura degli istituti giuridici e non riconosce i suoi limiti (in quanto la società non si esaurisce in rapporti economici o nella categoria della patrimonialità); b) trascura che ciò che è patrimonialmente conveniente non sempre risponde all'etica ed al rispetto della dignità della persona; c) non considera che efficienza e giustizia sono aspetti a volte conflittuali i quali vanno coordinati dal potere politico e rimessi alla sua decisione. Il rischio sta anche nell'saltazione dell'analisi economica del diritto come una moda della nouvelle vague, apprezzata e incoraggiata anche da qualche illustre maestro. [...] Il diritto è cultura, moderno strumento di promozione e di vita; esso non recepisce acriticamente contenuti e decisioni dei potere forti come operazione meccanica: chiunque interpreta la legge avverte che questa interpretazione non è né quantitativa, né matematica". PERLINGIERI, Pietro. Economia e diritto. In: Il diritto dei contratti fra persona e mercato. Napoli: Edizioni Scientifiche italiane, 2003. p. 273-274.
69
mais quando estamos diante das cláusulas contratuais gerais, intimamente ligadas à
exigência de plena utilização da capacidade produtiva empresarial, responsável por
assegurar a grande movimentação econômica,121 nacional e transacional.
1.6 AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS. UTILIDADE
Antes de se estudar a estrutura daquilo que se conhece por cláusulas contratuais
gerais, é preciso saber sua função e sua utilidade.122
As sociedades técnicas industriais caracterizam-se por uma acentuada integração. A
multiplicação exponencial das necessidades sociais precisa ser preenchida,
suscitando uma coordenação geral de esforços e, ao mesmo tempo, uma acentuada
circulação de bens e serviços.
Para MENEZES CORDEIRO:123
A idéia de tráfego negocial de massas permite entender, de modo
impressivo, o aumento da actividade jurídica. As pessoas celebram, no seu
dia-a-dia, inúmeros negócios de que dependem para uma coexistência
inteiramente desprovida de particulares imprevistos. As empresas, por seu
turno, concretizam as funções económicas que desenvolvem através de
um fluxo contínuo de actos cuja eficácia é a sua própria actividade. Em
termos psicológicos, sociológicos ou culturais, seria deslocado pretender
encontrar, na antecâmara de cada um dos incontáveis negócios
concretizados em cada momento, todo um processo de formação
minimamente desenvolvido. A realidade decorre de modo diferente: os
negócios formam-se e executam-se a um ritmo de todo incompatível com
um esquema negocial que faculte aos intervenientes um consciente
exercício das suas liberdades de celebração e de estipulação. [....] As
cláusulas contratuais gerais devem-se às necessidades de rapidez e de
normalização ligadas à moderna sociedade técnica, como foi referido. Não
há que perder tempo em negociações relativas a actos correntes, enquanto
as entidades que actuam com recurso às cláusulas devem, por razões que
121 Para GARCIA-AMIGO, "Las condiciones generales de los contratos son una manifestación típica
del Derecho de la economía moderna". GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1969. p. 13.
122 Valiosos são os ensinamentos de Norberto Bobbio: "In parole povere, coloro che si sono dedicati alla teoria generale del diritto si sono preoccupati molto di piú di sapere ,<<come il diritto sia fatto>> che <<a che cosa serva>>. La conseguenza è stata che l' analisi strutturale è stata condotta molto più a fondo dell'analisi funzionale". BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione, 2. ed. Milão: Edizioni di comunità, 1984. p. 63 (verso una teoria funzionalistica del diritto).
123 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 595 e 599.
70
se prendem com o seu funcionamento, conhecer de antemão o tipo de
vinculações a que vão ficar adstritas. Elas devem-se, ainda, à procura de
maiores lucros, generalizada pela concorrência.
Essas observações constam também da Exposição de Motivos do Decreto-Lei n.
446/1985, de 25 de outubro, que regulam as cláusulas contratuais gerais em
Portugal, coordenada por MÁRIO JULIO DE ALMEIDA COSTA,124 designado pelo
Ministro da Justiça daquele país para elaboração do citado corpo legislativo:
As sociedades técnicas e industrializadas da actualidade introduziram,
contudo, alterações de vulto nos parâmetros tradicionais da liberdade
contratual. A negociação privada, assente no postulado da igualdade
formal das partes, não corresponde muitas vezes, ou mesmo via de regra,
ao concreto da vida. Para além do seu nível atomístimo, a contratação
reveste-se de vectores colectivos que o direito deve tomar conta. O
comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram
contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A prática jurídico-
econômica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas
uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações
necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes
aspectos, as vantagens e as adstrições que lhes advêm do tráfico jurídico.
[...] As cláusulas contratuais gerais surgem como um instituto à sombra da
liberdade contratual. Numa perspectiva jurídica, ninguém é obrigado a
aderir a esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida
de relações concretas. [...] e, fazendo-o, exerce uma autonomia que o
direito reconhece e tutela. [...] Apresentam-se as cláusulas contratuais
como algo de necessário, que resulta das características e amplitude das
sociedades modernas. Em última análise, as padronizações negociais
favorecem o dinamismo do trafico jurídico, conduzindo a uma
racionalização ou normalização e uma eficácia benéficas aos próprios
consumidores.
Esta também é a constatação do civilista espanhol GARCIA-AMIGO,125 feita bem
antes da edição da lei portuguesa:
En nuestra opinión, este fenómeno de la producción en gran escala implica,
por parte de la empresa, dos impulsos o tendencias juridicas
124 Exposição de Motivos do Ministério da Justiça ao Decreto-Lei n. 466/85, de 25 de outubro de
1985, que institui o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais em Portugal. 125 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 14.
71
fundamentales: uno, socialmente saludable, a saber, la tendencia a
racionalizar todos sus medios y entre ellos los instrumentos técnicos
jurídicos de colocación de sus productos o servicios en el mercado –
queremos referirnos a la racionalización del contrato mediante la
prerredacción de condiciones generales permanentes y abstractas [...] Es
evidente que el nascimiento de las condiciones generales de los contratos
se deve a las exigencias que la moderna economía demanda a la
dogmática del contrato, como vehículo jurídico utilizado para el intercambio
de los bienes en una economía basada en la división del trabajo: ellas
representan un paso más en la evolución técnica de dicho instrumento
jurídico y corresponden a las necesidades económico sociales de nuestra
época.
A predeterminação do conteúdo contratual permite a racionalização e a conseqüente
redução dos custos de comercialização para a empresa, uniformização de
procedimentos no âmbito administrativo, com reflexo sobre o preço cobrado do
adquirente final (consumidor ou não), constituindo-se no aspecto positivo da
utilização de cláusulas contratuais gerais.
Na apresentação de sua coletânea sobre as cláusulas contratuais gerais, explicando
as características e os principais problemas a serem enfrentados pela doutrina em
relação ao tema, MASSIMO BIANCA,126 explica que:
La necessità di sottrarre alla contrattazione i rapporti di erogazione dei beni
e servizi è una fondamentale necessità di tutta l'attività impreditoriale, sia
essa o no a gestione capitalistica. L'uniformità di contenuto negoziale è
infatti uno degli imprescindibili pressuposti della programmazione
aziendale, la quale deve poter contare sulla previsione più esatta possibile
dei costi e dell'impegno richiesti dalle richiesti dalle prestazioni rese ai terzi.
Si aggiunga che la negoziazione del contenuto dei singoli rapporti non
sarebbe comunque compatibile con la certezza e speditezza richieste dai
contratti di massa. Nel dettare un regolamento contrattuale uniforme
l'impresa realizza quindi un 'imprescindibile esigenza di uniformità che è
legata alla stessa massificazione dei rapporti. In tal modo, tuttavia,
l'uniformità è raggiunta attraverso un regolamento unilaterale che utilizza la
forma del contratto sottraendosi a quel controllo che l'ordinamento aveva
tradizionalmente rimesso alle stesse parti interessate nel libero esercizio
della loro autonomia negoziale.
126 "Presentazione". Em Le Condizioni Generali di contratto. BIANCA, C. Massimo. t. 1. Milão: Giuffrè,
1979. p. VII.
72
A formulação das cláusulas contratuais gerais, como técnica de contratação em
massa, é resultante da realidade socioeconômica subjacente, fundada também em
causas de naturezas econômica e administrativa, próprias da organização
empresarial, a começar pela redução dos custos de negociação, economia de
tempo, dos meios etc. Além disso, a uniformização contratual impõe um limite à
iniciativa individual dos prepostos e auxiliares127 do empreendedor,128 impedindo
uma dispersão das cláusulas contratuais gerais, o que seria prejudicial à viabilidade
dos projetos em seu conjunto, bem como aos padrões da negociação. Aliás, como
observa JACQUES GUESTIN,129 a adesão é psicologicamente facilitada com a
apresentação de textos impressos.
Sem contar que as cláusulas contratuais representam importante coeficiente para a
fixação do preço uniforme dos bens e serviços, servindo de importante critério,
ainda, para criação de base de cálculo na estipulação, por exemplo, do prêmio e dos
benefícios de seguro130 etc. Em função da relação custo de produção e preço é que
as cláusulas contratuais são editadas, para se atingir, de forma plena, as finalidades
de lucro, razão de ser da própria atividade empresarial.
Na tentativa de catalogar os fatores econômico-sociais que motivam a criação e a
utilização das cláusulas contratuais gerais, PAULO LUIZ NETTO LÔBO131 chega à
seguinte enumeração:
[...] a) a explosão demográfica, que em cinqüenta anos fez crescer a
população mundial em níveis superiores aos dos últimos dois mil anos; b) a
acelerada urbanização e suas demandas de serviços; c) o gigantismo
empresarial e a concentração de capitais privados ou estatais; d) o
fornecimento de bens e serviços em grande escala; e) o consumo em
massa; f) a racionalização e a redução dos riscos das empresas em suas
relações com outras empresas e com o consumidor final; g) a
impossibilidade real de tratativas individuais entre o grande fornecedor e
127 VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. p. 222. 128 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. p. 143. 129 "L'adhésion est psychologiquement facilitée par l'utilisation de textes imprimés, qui paraissent de
ce fait intangibles, et par le sentiment d'une égalité de traitement, facilement confondue avec la justice".GHESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1996. p. 2.
130 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 33. 131 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 12.
73
todos os que necessitam dos bens e serviços; h) a desigualdade de poder
negocial (bargain power) entre a grande empresa e os que se encontram
em estado de necessidade na demanda dos bens e serviços
imprescindíveis à vida cotidiana ou de debilidade econômica, i) o uso
disseminado da computação – que exige rápido formalismo – nas relações
negociais; j) a utilização massiva de propaganda, nem sempre veraz,
através dos modernos meios de comunicação, induzindo necessidades de
consumo; l) a elevação da consciência jurídica no que se refere à tutela do
consumidor
As cláusulas contratuais, portanto, permitem a racionalização das atividades
empresariais, evitando a repetição de atos idênticos, propiciando a redução dos
custos e dos preços de bens e serviços disponibilizados ao público. Permitem a
simplificação (e a aceleração) da conclusão dos negócios, e ainda, sob o ponto de
vista do gestor predisponente, um maior controle dos riscos comuns nas relações de
mercado. Segundo alguns, se o direito não se adaptasse a essa realidade,
passando a exigir, tal como o modelo clássico, o prévio acordo para integralização
das cláusulas contratuais gerais nos contratos individuais, a economia e as próprias
relações sociais "entrariam em colapso."132
De toda sorte, no mais das vezes, emprega-se o expediente das cláusulas
contratuais gerais para obter, contratualmente, a exclusão de responsabilidade
quanto a vício ou defeito decorrente de produto ou serviço fornecidos, bem como a
transferência dos riscos do negócio para a outra parte aderente e a formação de
132 LOBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas, p. 18. Segundo
ÁGUILA-REAL, a utilização das cláusulas contratuais gerais responde a uma necessidade financeira das grandes, médias ou mesmo pequenas empresas, que por seu intermédio conseguem atingir uma série de finalidades, entre as quais: racionalização via estandardização das operações comerciais, com vistas à redução dos custos de celebração e regulação dos contratos; divisão das tarefas entre os membros da organização empresarial, facilitando a sua coordenação; cálculo antecipado dos custos de produção dos bens e serviços comercializados. Fixando em cláusulas contratuais gerais a regulação para todos os contratos que celebre, o conteúdo e os prazos de garantia que assume, as variações na qualidade dos produtos que admite ou os gastos e prestações acessórias que estão a cargo do vendedor, permite o cálculo antecipado os custos da produção de seus bens e serviços. ÁGUILA-REAL, Jesús Alfaro. Función económica y naturaleza jurídica de las condiciones generales de la contratación. In: MENÉNDEZ, Aurélio; LEÓN, Luis Díez-Picazo. Comentários a la ley sobre condiciones generales de la contratación. Madrid: Civitas, 2002. p. 76. Ver também ROPPO, Enzo. O contrato. p. 314-316 ("estes contratos constituem produto ineliminável da moderna organização da produção e dos mercados, na exacta medida em que funciona como decisivo factor de racionalização e de economicidade da actuação empresarial").
74
cartéis,133 legitimando a manipulação de preços sem causa antecedente – o que
revela seu lado negativo.
Não há como negar que as cláusulas gerais podem ser consideradas instrumento do
poder empresarial. Aliás, segundo alguns, a característica marcante das cláusulas
contratuais gerais é a desigualdade entre as partes.134
O utilizador das cláusulas contratuais gerais (denominado predisponente, pessoa
que faz a proposta nos seus termos ou que aceita quando elas as acompanhem)
goza, em regra, de larga superioridade econômica e científica em relação ao
aderente, sendo inevitável o abuso, que muitas vezes não consegue ser coibido,
pela falta de legislação específica, corroborada pelo pouco desenvolvimento
doutrinário acerca do tema, gerando, obviamente, certa insegurança. Muitas vezes,
no afã de se tutelar, a todo custo, o contraente mais fraco, o instituto é mal aplicado,
fechando os olhos, sem justificativa plausível, a características135 e às
especificidades das cláusulas contratuais gerais, como, por exemplo, a rigidez, a
abstração e a inalterabilidade por acordo, ignorando que a peculiaridade do
fenômeno impõe soluções que ultrapassam, na maioria das vezes, interesses
individuais das pessoas diretamente atingidas.
133 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 28 e 33. 134 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. p. 599. Segundo ENZO
ROPPO, "aqui, a origem das restrições à liberdade contratual radica, ao fim e ao cabo, no próprio princípio da liberdade contratual". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 318.
135 Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, "a formação tradicional do aplicador do direito conduz a uma atividade de interpretação jurídica que ignora a especificidade das condições gerais, aplicando-se indiscriminadamente o princípio pacta sunt servanda. A cláusula geral da boa-fé é escassamente valorizada. A situação apenas se modifica quando há legislação específica". LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 18.
75
PARTE II
AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
2
CARACTERÍSTICAS DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
2.1 NOTA PRELIMINAR. ELUCIDAÇÃO TERMINOLÓGICA
2.1.1 Razões do uso do nome “cláusulas contratuais gerais”
Antes de fixarmos um conceito, importante uma elucidação prévia, a legitimar a
escolha pela nomenclatura cláusulas contratuais gerais. Em alguns países, podemos
constatar variantes de nomenclatura. A lei alemã (Gesetz zur Regelung des Rechts
der Allgemeinen Geschäftsbedingungen – lei para regulamentação do regime das
condições gerais dos negócios ou, resumidamente, AGB – Gesetz), de 9 de
dezembro de 1976, que então regulava com exclusividade a matéria, foi traduzida
pelos autores portugueses e brasileiros como Regulamento das Condições Gerais
dos Negócios (a tradução literal de Geshäft seria, para alguns, sinônimo de
negócio). NELSON NERY JÚNIOR136 explica que:
A denominação dada pela Lei Alemã para o Regulamento das Condições
Gerais dos Negócios, de 9 de dezembro de 1976, encontra respaldo na
tradição que teve origem no trabalho de Ludwig Raiser, já mencionado. A
doutrina alemã toma o termo condição ("Bedigung") por cláusula, seguindo-
se a ela a literatura jurídica italiana, a teor do art. 1.341 do Código Civil
italiano, que acolheu a denominação condizioni generale di contratto para o
instituto aqui analisado.
Como veremos, as disposições da ABG-Gesetz foram incorporadas no Código Civil
alemão, nos §§ 305 a 310.
Por sua vez, dada a previsão do art. 1.341 do Código Civil de 1942, os autores
italianos preferem a expressão condições gerais dos contratos (condizioni generali di
contratto).
136 NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código
brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. São Paulo: Forense Universitária. p. 447.
76
Os autores portugueses utilizam a expressão cláusulas contratuais gerais, em
consonância com o nome da lei que as disciplinam (Decreto-lei n. 446/1985).
Os autores espanhóis empregam a expressão condiciones generales de contrato ou
condiciones generales de la contratación, tal como previsto na Lei 7, de 13 de abril
de 1998 (lei sobre as condições gerais da contratação – LCGC), que regula a
matéria.
Sobre a questão da nomenclatura, observou ORLANDO GOMES:137
A expressão condições gerais do contrato padece de impropriedade
técnica, tanto no emprego do substantivo como do adjetivo. O termo
técnico para designar qualquer proposição contratual é cláusula. Na
terminologia jurídica, o vocábulo condição tem significado peculiar, que se
não compadece com a acepção em que se acha empregado para nomear
o fenômeno da preconstituição unilateral do esquema do contrato. Do
mesmo modo é ambígua a qualificação dessas cláusulas. Não é a
generalidade que as distingue, mas a uniformidade. Reconhecendo a
inadequação da palavra, preferem alguns a expressão condições uniformes
de contrato.
De fato, no Direito brasileiro, o termo condição tem significação jurídica própria. Nos
termos do art. 121 do Código Civil, considera-se condição a cláusula que, derivando
exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a
evento futuro e incerto. Costuma-se caracterizar a condição como cláusula,
determinação acessória, em virtude da qual se estabelecem modificações à
vantagem criada pelo negócio jurídico. O evento, a que se refere a lei, é um
acontecimento qualquer, desde que seja futuro e incerto (futuridade e incerteza).
Pois, se o acontecimento não for futuro, não haverá condição, tanto quanto se for
certo ou impossível. É um acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia
do negócio jurídico.138 Ora, se o termo técnico para designar qualquer proposição
contratual é cláusula, entendemos como válida a crítica do termo condições gerais
dos contratos, não sendo apropriado falar-se em condição em substituição ao termo
cláusula.139
137 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 7. 138 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 343. 139 Segundo MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, evitou-se
também em Portugal o termo condição "que, na nomenclatura jurídica, tem um sentido
77
Há aqueles autores, como PAULO LUIZ NETTO LÔBO,140 que preferem o termo
condição, pois, ao denominá-las de cláusulas:
[...] as leis portuguesa e peruana não afastam a pretensa ambigüidade de
condições. Ao contrário, agravam-na, gerando confusão sentido tradicional
de cláusulas contratuais, isto é, dos dispositivos inseridos em contratos e
decorrentes de acordo de vontades ou de declarações concordes. Cláusula
supõe contrato; não pode antecedê-lo. Como parte supõe todo.
Ao mesmo tempo, não podemos confundir cláusulas contratuais gerais com as
cláusulas gerais. As cláusulas gerais representam uma técnica de legislar, pela qual
o legislador, com uma linguagem intencionalmente fluída e ampla extensão de seu
campo semântico, dirige-se ao juiz de modo a lhe conferir um mandato (ou
competência) para que, diante dos casos concretos, crie, complemente ou
desenvolva normas jurídicas.141
Segundo ALBERTO GOSSON JORGE JÚNIOR,142 as cláusulas gerais são normas
jurídicas dotadas de uma função peculiar, diferenciada das demais normas, por
carregarem uma amplitude semântica ou valorativa maior que a generalidade das
disposições normativas. Diferenciando as clausulas gerais das cláusulas contratuais
gerais, informa o autor que "as cláusulas gerais por nós estudadas, que se
caracterizam como normas legais dotadas de conteúdo polissêmico ou
valorativamente aberto, propondo todo um variado leque de interpretações a
desafiar a argúcia dos intérpretes".143
A técnica de legislar mediante cláusulas gerais opõe-se à casuística, casuística esta
entendida como a configuração da hipótese legal – enquanto somatório dos
pressupostos que condicionam a sua estatuição – que circunscreve particulares
grupos de casos na sua especificidade própria. Na cláusula geral há intencional
imprecisão dos termos da fattispécie que contém. Nelas, é usado em grau mínimo o
consagrado. Mas apropriada se mostra, pois, a palavra 'cláusula', tecnicamente correcta e tradicional para designar dispositivos inseridos em contratos ou a isso destinados". ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais – anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. Coimbra: Almedina, 1990. p. 18.
140 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 33. 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito civil. p. 303. 142 JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva,
2004. p. 22. 143 JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. p. 23.
78
princípio da tipicidade: dotadas de grande abertura semântica, não pretendem as
cláusulas dar resposta, precisamente, a todos os problemas da realidade, uma vez
que estas respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência.
Como técnica legislativa, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que
utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta,
fluída ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a
qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe mandato (competência) para que, à
vista dos casos concretos, crie, completamente ou desenvolva normas jurídicas.
Devem ser consideradas meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda não expressos
legislativamente, de standard, máximas de conduta, arquétipos de comportamento,
das normativas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas,
viabilizando a sistematização do ordenamento jurídico.144
144 Há diferença de grau entre as normas estabelecidas casuisticamente e as compreendidas em
cláusulas gerais no que concerne ao modo de estabelecimento (definição) da hipótese legal e da conseqüência que lhe é correlata, o que refletirá, na diferença metodológica concernente ao modo de raciocínio hábil a operar a sua aplicação. Diferenciam-se ainda das normas que caracterizam conceitos jurídicos indeterminados possuem uma diferença funcional: nas cláusulas gerais, a conseqüência jurídica só é formada à vista do caso concreto, sendo necessário precisar a hipótese e estabelecer as conseqüências conforme o instrumental oferecido pelo sistema (onde há, inclusive, cooperação da doutrina); nos conceitos jurídicos indeterminados, as conseqüências já estão estabelecidas de modo geral e abstrato no caso concreto. Os conceitos indeterminados podem referir-se a realidades fáticas ou a valores, e confusão entre esses conceitos e as cláusulas gerais cinge-se, evidentemente, aos conceitos indeterminados que refiram valores. A distinção, para KARL ENGISCH, seria de grau, e não de natureza. Afirma o autor: “De facto, as cláusulas gerais não possuem, do ponto de vista metodológico, qualquer estrutura própria. Elas não exigem processos de pensamento diferentes daqueles que são pedidos pelos conceitos indeterminados, os normativos e os discricionários. [...] O verdadeiro significado das cláusulas gerais reside no domínio da técnica legislativa. Graças à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, de modo ilacunar e com possibilidade de ajustamento, a uma conseqüência jurídica”. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gubenkian, 2001. p 233. JUDITH MARTINS-COSTA afirma que a diferença estaria no plano funcional, exigindo-se do juiz, na aplicação da cláusula geral, maior amplitude no exercício do seu poder criativo do juiz. E numa certa medida, afirma que o processo de pensamento das cláusulas gerais difere do processo de pensamento do conceito indeterminado. É que a vagueza semântica dos conceitos indeterminados permite alguma abertura a mudanças de valoração. O procedimento de aplicação da norma possuidora de conceito indeterminado, no entanto, seria o da subsunção, ao contrário do que ocorre com as cláusulas gerais. O juiz realizaria mera interpretação da norma para subsumir-lhe determinado fato: “Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar ao fato concreto o elemento (vago) indicado na fattispecie (devendo, pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie, averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais o envia a metanorma jurídica. Deverá, por fim, determinar também quais são os efeitos incidentes ao caso concreto, ou, se estes já vierem indicados, qual a graduação que lhes será conferida no caso concreto, à vista das possíveis soluções existentes no sistema”. MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no Direito Privado. p. 326. Assim, o magistrado ao aplicar uma cláusula geral terá o poder-
79
2.1.2. Cláusulas contratuais gerais e contrato de adesão. Distinção
Por último, para melhor precisar o conceito e evitar equívocos posteriores, parece-
nos conveniente separar a noção das cláusulas contratuais gerais dos contratos de
adesão,145 conceitos que muitas vezes são usados indiscriminadamente, tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência, como se os conceitos não fossem distintos.
ORLANDO GOMES, em sua obra monográfica dedicada ao tema, trata as duas
categorias como se fossem espécies do mesmo gênero, todavia, na mesma obra,
adverte que:146
dever de: 1.º) conferir o conteúdo da cláusula geral; 2º) verificar se a cláusula geral foi atendida no caso concreto; 3º) estabelecer as conseqüências em caso de descumprimento da cláusula geral, criando os deveres a serem cumpridos pelas partes para atender à cláusula geral.
145 Esta diferenciação é feita por M. GARCIA-AMIGO: "Nos interesa ante todo resaltar que no es lo mismo hablar de contratos por adhesión – entendiendo este concepto em el sentido originário y doctrinalmente clásico de la expresión – que de condiciones generales de los contratos – o, si se quiere, de contratos celebrados por adhesión a condiciones generales -. Em efecto, los contatos por adhesión se caracterizan fundamentalmente porque una de las partes intervinientes em el mismo no hace más que prestar su asentimiento a uma normativa de la relación contractual rígidamente, ya provenga de la Administración – caso, por ejemplo, de las concesiones de servicios públicos". [...] "Las condiciones generales, por el contrario, son formuladas siempre privadamente – em nuestro concepto – por uno de los contratantes o por la asociación o asociaciones em que se agrupan los futuros contratantes eventualmente o de forma permanente – o por un tercero – sin que importe el hecho de que a veces deban ser autorizadas o aprobadas (no constitutivamente) por la Administración - ; em todo caso, su rigidez no llega al extremo de que al momento de celebrarse el contrato singular em base a ellas no permitan la estipulación de condiciones particulares que las contradigan, las cuales, por su especialidad, prevalezcan sobre las primeras; y sin que el contrato singular con las condiciones generales prive a éstas de su verdadera esencia o naturaleza peculiar. Por tanto, el contrato por adhesión es más amplio, de um lado, que figura de las condiciones generales, mientras que es más limitado por outra parte; lo cual no impide que a veces coincidan, por ejemplo, em el supuesto de que el predisponente de condiciones generales no este dispuesto – y no modifique nunca hecho – sus condiciones generales al momento y por virtud de estipulaciones particulares em el negocio concreto. Pero aun en este supuesto de coincidencia, dichos conceptos se refieren a dos momentos lógica y cronológicamente diversos: las condiciones generales son redactadas previamente a la conclusión de los contratos o um número indefinido de ellos em base a las mismas; los contratos por adhesión, em cambio, son actos concretos que dan virtualidad jurídica normativa a las condiciones generales, ya redactadas, para cada relación contractual concreta y son perfectamente independientes de todos y cada uno de los demás contratos por adhesión que se celebren em base a las mismas condiciones generales". GARCIA AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 135-136). No mesmo sentido, CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA: "Um grande setor da doutrina, no continente europeu, com exclusão da França, especialmente a partir do segundo decênio do século, prefere a expressão condições gerais do contrato. Esta expressão incorre nas mesmas imprecisões da outra, que veio substituir, isto é, também focaliza apenas um dos lados da relação jurídica, o do fornecedor de produtos ou de serviços, chamando a atenção para um outro momento, embora o mais importante, o da gênese da relação contratual, bem como a problemática central do tema e da série de questões que em torno dele se suscitam, deixando de lado a declaração de aceitação do aderente e os problemas que lhe dizem respeito". MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 28.
146 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 4. Explica o autor que a doutrina francesa, no geral, não distingue as cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão (contrat d'adhesion), embora alguns autores se utilizem de ambas as expressões.
80
A figura jurídica nomeada contrato de adesão apresenta-se sob duplo
aspecto, conforme o ângulo de que seja focalizada. Considerada na
perspectiva da formulação das cláusulas por uma das partes, de modo
uniforme e abstrato, recebe a denominação de condições gerais dos
contratos e é analisada à luz dos princípios que definem a natureza desse
material jurídico. Encarada no plano da efetividade, quando toma corpo no
mundo da eficácia jurídica, é chamada contrato de adesão e examinada no
prisma do modo por que se formam as relações jurídicas bilaterais. A bem
dizer, a cumulação dos dois aspectos significa que se apresentam como
dois fenômenos lógica e cronologicamente diversos do mesmo fenômeno.
Em seu livro Contratos, por sua vez, deixa ainda mais claro que:147
A se considerar mais abrangente uma denominação sem o sentido restrito
de contrato de adesão, é preferível aceitar-se, apesar da impropriedade, a
de condições gerais do contrato, adotada nos Códigos e leis específicas e
divulgada em monografias. A tal ponto se difundida, que os autores já se
referem a essa figura pelas letras iniciais, as mesmas nas línguas
neolatinas, c.g.c. Nem por isso será despropositado conservar a expressão
contratos de adesão, de uso corrente na literatura jurídica, e bem
significativa do processo técnico de formação do vínculo de conteúdo
predeterminado.
Explica ainda ANTÓNIO PINTO MONTEIRO:148
Há, assim, que separar duas fases: a da elaboração das cláusulas, que
antecede e abstrai dos contratos que venham futuramente a celebrar-se, a
qual é uma fase estática, e a da celebração de cada contrato singular, isto
é, a fase em que se celebra efectivamente o contrato com alguém, que é a
fase dinâmica em que se constitui a relação contratual, em que se conclui o
contrato dito de adesão e que integra aquelas cláusulas. Estas duas fases
constituem dois momentos distintos do processo de contratação. E
originam diferentes designações para o mesmo fenômeno: com efeito,
contratos de adesão, condições gerais dos contratos, cláusulas contratuais
gerais, contratos "standard" etc. tem sido, como se sabe, a terminologia
utilizada em vários direitos para designar a mesma realidade. Pondo de
lado a distinção entre contratos de e por adesão – que poucos seguidores
tem tido –, a alternativa tem-se colocado entre as expressões contratos de
147 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999. p. 121. 148 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções.Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, ano 2, v. 7, p. 7-8, 2001.
81
adesão e cláusulas contratuais gerais (ou condições gerais dos contratos).
Ora, se é certo que se trata, freqüentemente, de designar de forma diversa
o mesmo processo, a verdade é que, em rigor, a fórmula contratos de
adesão é mais ampla, podendo não coincidir com a expressão cláusulas
contratuais gerais. Na verdade, em regra, o contrato de adesão é concluído
através de cláusulas contratuais gerais, mas pode acontecer que falte às
cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da
indeterminação) caso em que haverá contrato de adesão (estando
presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez)
sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são
previamente elaboradas, numa palavra, tendo em vista a celebração, no
futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão, mas tais contratos não
deixarão de o ser se faltarem às cláusulas pré-formuladas os requisitos da
generalidade e indeterminação.
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO:149
O contrato de adesão não contém apenas condições gerais. Pode haver
cláusulas negociadas ponto por ponto e outras partes que componham a
declaração comum das partes contratantes. As cláusulas datilografadas em
contrato impresso e padronizado são particulares e preferem às condições
gerais. [...] No contrato de adesão há um espaço, por menor que seja,
insuscetível à predisposição, ficando sob o regime comum do negócio
jurídico. [...] As condições gerais podem ser inseridas em contratos de
conteúdo negociado, e somente na parte relativa a elas pode ser o contrato
considerado de adesão. [...] O contrato de adesão não é geral. Gerais são
as condições às quais adere necessariamente.
A expressão contratos de adesão tem subjacente um modo particular de formação
de contratos – a obtenção do consenso por adesão. Por influência francesa, ainda
se fala em contrato de adesão, mas, a nosso sentir, a locução é imprópria, por
estarmos falando do conteúdo (contrato de compra e venda, de doação, de
sociedade etc.) e não do modo de celebração. Pensada inicialmente para contratos
padronizados formados por meio de cláusulas contratuais gerais, abrange, a rigor,
uma categoria mais ampla de contratos, porque aquela particularidade de formação
não é específica deles, verificando-se igualmente em alguns contratos
individualizados. Por isso optamos pela nomenclatura cláusula contratual geral (e
149 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38-41.
82
não cláusula geral contratual), evitando-se confusões terminológicas com o
fenômeno que abaixo será descrito.
A denominação unitária mais antiga (contrato de adesão) abrangente das duas
categorias, segundo abalizada doutrina,150 surgiu no começo do século, por obra de
RAYMOND SALEILLES, em obra intitulada De la declaration de la volonté.151
Contudo, como observado por PAULO LUIZ NETTO LOBO,152 o próprio SALEILLES
percebera a diferença em sua obra, declarando expressamente que o contrato de
adesão seria aquele que aderisse a condições gerais (que adhére aux conditions
générales).
A relação existente entre as cláusulas contratuais gerais e o contrato de adesão é,
respectivamente, de conteúdo e continente,153 ou seja, o contrato de adesão é o
instrumento que concretiza os efeitos das cláusulas contratuais gerais.
Não se trata de preciosismo diferenciar tais figuras. Em caráter exemplificativo, a
ilustrar a grande importância de tal distinção, cumpre consignar que, atualmente,
inúmeros autores europeus têm debatido sobre o campo de incidência da Diretiva
Européia 13/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os
consumidores, exatamente porque, segundo parte da doutrina, essa legislação
restringe seu âmbito aos contratos de adesão (e não às cláusulas contratuais gerais)
com os consumidores. Valerão, por exemplo, as soluções da lei portuguesa
(Decreto- lei n. 446/1985), tal como as soluções de todas as leis que disciplinam o
problema sob o prisma das cláusulas contratuais gerais, para todos os contratos de
adesão? Serão as normas consagradas em tais leis aplicáveis sempre que
estivermos diante de um contrato de adesão ou, tão-somente quando ele tiver sido
concluído com base em cláusulas contratuais gerais?
Explica, mais uma vez, ANTÓNIO PINTO MONTEIRO:154
150 LIMBACH, Francis. Le consentemente contractuel à l'épreuve des condition génerales - de l'utilité
du concept de déclaration de volonté. Paris: L.G.D.J., 2004. p. 4; GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 4; LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 20; CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão - e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex Editora S.A. p. 54; MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 17.
151 SALEILLES, Raymond. De la déclation de volonté. Paris: F. Pchon-Successeur, 1901. p. 229- 230. 152 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 30. 153 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 38. 154 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, p. 8-9.
83
Na verdade, em regra, o contrato de adesão é concluído através de
cláusulas contratuais gerais; mas pode acontecer que falte às cláusulas
pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da indeterminação), caso
em que haverá contrato de adesão estando presentes as características da
pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas
contratuais gerais. Estas últimas são previsamente elaboradas, numa
palavra, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que
serão de adesão – mas tais contratos não deixarão de o ser se faltarem às
cláusulas pré-formuladas os requisitos da generalidade e da
indeterminação. [...] a não identificação destas expressões constitui, desde
logo, um primeiro problema, particularmente sentido nos países como
Portugal e Alemanha, que, dispondo de legislação sobre cláusulas
contratuais gerais, têm de a estender a todos os contratos de adesão
quando o aderente for um consumidor, por força da Directiva comunitária
de 1993. [...] Devo chamar a atenção para que o problema não se restringe
às relações de consumo. Se é verdade que a protecção do consumidor
passa pelo controlo dos contratos de adesão, os problemas não devem, de
todo o modo, confundir-se nem identificar-se. Pois se é certo que a
necessidade de controlar tais contratos é maior quando a contraparte da
empresa for um consumidor, a verdade é que o problema é mais amplo,
não se esgota na protecção do consumidor, colocando-se também nas
relações contratuais entre empresários.
Por tais razões, optamos, logo no início, por apresentar a distinção das cláusulas
contratuais gerais dos contratos de adesão, permitindo o enfrentamento de uma
série de discussões propostas pela doutrina, discussões que, em grande parte, são
originadas da confusão de tais institutos, sem prejuízo de novas abordagens a
respeito dessa diferença no decorrer do trabalho.
2.2 CONCEITO155
155 Preferiu-se o termo "conceito", sem preocupação na sua distinção com o termo "definição" que,
segundo EROS GRAU, entre estes existe diferença: "os conceitos jurídicos, vimos, são expressados através de termos: o termo é o signo do conceito. Ora, porque esses termos são colhidos na linguagem natural, que é virtualmente ambígua e imprecisa, inúmeras vezes textos normativos operam a enunciação estipulativa de conceitos, ou seja, definem os seus respectivos termos. O que se tem referido por 'conceito estipulativo ou legal' corresponde, em regra, a uma definição, que o texto normativo contempla visando a superar a ambigüidade ou imprecisão do
84
2.2.1 Conceito
Do ponto de vista lógico, a ciência é uma construção conceitual. É um conjunto de
conceitos dispostos segundo certas conexões ideais, estruturados de acordo com
princípios ordenadores que os subordinam a uma unidade sistemática. Os
elementos conceituais não se justapõem, "mas se articulam, obedecendo a relações
lógico-formais de caráter necessário. A ciência é um sistema conceitual e, tanto mais
é o rigor científico de um conhecimento quanto mais acentuado é o seu aspecto
sistemático."156 O conceito tem, para que sua pretensão de validade seja efetiva,
uma base no plano da objetividade. Todos os planos da objetividade estão, em
princípio, abertos à conceituação. O conceito simplesmente "põe o objeto o que
significa, contrapõe o pensamento a algo que se apresenta com uma consciência
definida". O conceito não reproduz o objeto e com ele não se confunde. Como
observou LOURIVAL VILANOVA: 157
[...] a tarefa de desarticular o real em séries é cumprida pelo conceito. [...]
Esta província de objetos que se chama 'social' consta de fatos múltiplos
como os fatos políticos, econômicos, jurídicos, éticos, religiosos. Cada uma
destas categorias de fatos é objeto de disciplinas científicas particulares. O
social é o ponto de interseção no qual todos esses fatos diversos se unem.
O conceito jurídico capta algumas notas particularizantes de um objeto que se situa
no plano social, da interação, da convivência.158 Na verdade, os conceitos jurídicos
termo de certo conceito. A definição jurídica, pois - 'para os efeitos desta lei entende-se por [...]' - , é a explicitação do termo do conceito e não deve ser confundida com o conceito jurídico. Este é o signo de uma significação, expressado pela mediação do termo. A definição jurídica está referida ao termo, e não diretamente ao conceito; consubstancia – repita-se – uma explicitação do termo do conceito. Não fora virtualmente ambígua e imprecisa a linguagem jurídica, bastar-nos-iam os conceitos jurídicos, sendo prescindíveis as definições ou 'conceitos estipulativos ou legais'. Mas não é bem e apenas assim, contudo. Muitas vezes o ordenamento jurídico alberga conceitos que, embora diversos, são expressados por um mesmo termo. Nesta hipótese, sob o mesmo termo conceitual – o que torna ainda mais complexo e desafiador, para o intérprete, o problema da ambigüidade dos termos e expressões jurídicos – sob o mesmo termo conceitual, dizia eu, repousam, plasmados pelo ordenamento, distintos conceitos jurídicos. A distinção entre tais conceitos é evidente, visto que, embora destacados de um núcleo conceitual comum, as coisas, estados ou situações a que são aplicados sujeitam-se a diversos regimes jurídicos ou a diversas normas jurídicas". GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 224. No mesmo sentido, WARAT, Luis Alberto. Semiótica y derecho. Buenos Aires: Ediciones Eikón. p. 90-106.
156 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. v. 1. São Paulo: IBET, 2003. p. 4.
157 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In: Escritos Jurídicos e filosóficos. p.14 e 15. 158 Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 17 (Conceito Jurídico). São Paulo: Saraiva, 1977. p. 36.
85
não são referidos a objetos, mas sim a significações, produto de uma reflexão, de
uma suma de idéias.159
Ao descrever o fenômeno, CLÁUDIA LIMA MARQUES160 explica que se entende
como contratos submetidos às cláusulas gerais aqueles contratos, escritos "ou não
escritos", em que um contratante aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas pré-
elaboradas pelo outro contratante, de forma unilateral e uniforme, para um número
indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato
específico. Complementa a autora:161
Assim, condições gerais dos contratos (CONDGs) é aquela lista de
cláusulas contratuais pré-elaboradas unilateralmente para um número
múltiplo de contratos, a qual pode estar ou não inserida no documento
contratual e que um dos contratantes oferece para reger a relação
contratual no momento de sua celebração. Trata-se, portanto, de uma
técnica de pré-elaboração do conteúdo de futuros contratos.
Para MASSIMO BIANCA,162 em texto específico sobre o tema, as condições gerais
dos contratos são as cláusulas que um sujeito, o proponente, utiliza para regular
uniformemente as suas relações contratuais, se caracterizando, antes de tudo, pela
generalidade da cláusula predispostas.
Segundo LUIS DIEZ-PICAZO,163 por cláusulas contratuais gerais deve se entender o
conjunto de normas ou de regras, unilateralmente ditadas por uma empresa
mercantil ou industrial, ou por um grupo de empresas, a fim de que, por meio destas,
se regulamentem todas as operações e contratos que estas mesmas empresas ou
grupo de empresas celebrem em suas atividades comerciais.
159 GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. p. 214 160 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das
relações contratuais. p. 66. 161 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - o novo regime das
relações contratuais. p. 67. 162 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contrato. In: Realtà sociale ed effetività della norma -
scritti giuridici. v. 2, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 475.Esta é a mesma definição trazida pelo autor em Diritto civile - il contratto, p. 341/342 ("Le condizioni generali di contratto sono le clausule che un soggeto, il predisponente, utilizza per regolare uniformemente i suoi rapporti contrattuali. La nozione di condizioni generali si puntualizza anzitutto in relazione al caracttere generale delle clausule predisposte").
163 DIEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho patrimonal. Madrid: Editorial Tecnos, 1970. p. 236.
86
Mais sintético é o conceito dado por ALMENO DE SÁ:164
As cláusulas contratuais gerais nos surgem como estipulações
predispostas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma
generalidade de pessoas, para serem aceitas em bloco, sem negociação
individualizada ou possibilidade de alterações singulares.
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO:165
As condições gerais dos contratos constituem regulação contratual
predisposta unilateralmente e destinada a se integrar de modo uniforme,
compulsório e inalterável a cada contrato de adesão que vier a ser
concluído entre o predisponente e o respectivo aderente.
Para CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA:166
Podem assim definir-se cláusulas contratuais gerais como proposições
destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos
quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse
efeito, as pré-elaborou ou adaptou.
As cláusulas contratuais gerais, portanto, são estipulações redigidas, prévia e
unilateralmente, pelo proponente, para utilização reiterada em uma série
indeterminada de futuros contratos singulares, cujos destinatários limitar-se-ão a
aceitá-las em bloco, sem nenhuma possibilidade de alterar o seu conteúdo.
Visam "moldar a vontade"167 dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as
mesmas respeitam. Estes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as,
como destinatários, assumem posições negociais. São pré-elaboradas, existindo
disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha. Apresentam-se de maneira
generalizada, ou seja, podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como
proponentes, quer como destinatários. Apresentam-se rígidas, independentemente
de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações.
164 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2005. p. 212. 165 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 24. 166 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148. 167 Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais - anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.
87
Em suma, dos conceitos abordados, infere-se que as cláusulas contratuais gerais
ostentam as seguintes características: predisposição; unilateralidade; abstração e
inalterabilidade; aparecem, assim, como as características essenciais do conceito,
que serão estudadas e particularizadas adiante. Características que, de resto, não
devem ser tomadas como elementos autônomos ou isolados, mas sim como
parcelas de um todo: elas só ganham sentido na unidade conceitual, sendo certo
que todas, reciprocamente, implicam-se.
2.2.2. Descrições legais das cláusulas contratuais gerais
Em todo o mundo, podemos encontrar algumas disposições normativas específicas
que se preocuparam em conceituar as cláusulas contratuais gerais, fato que merece
ser colacionado no presente trabalho.
A lei alemã para o Regulamento das Condições Gerais dos Negócios (Gesetz zur
Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen - AGB-Gesetz), de
1976, no seu § 1.º conceitua as cláusulas contratuais gerais como "aquelas
condições previamente formuladas para uma série indeterminada de contratos, que
uma das partes propõe à outra, na conclusão de um contrato."168
A Lei das Cláusulas Contratuais Gerais de Portugal (Decreto-lei n. 446/1985, com as
alterações introduzidas pelo Decreto-lei n. 249/1999), logo no seu art. 1.º, conceitua
as cláusulas contratuais gerais:
1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação
individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,
respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em
contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o
destinatário não pode influenciar. 3 - O ônus da prova de que uma cláusula
contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre
quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.
A Lei de Israel (Standard contracts law, Lei n. 5.743/1982) define o contrato standard
como aquele em que as cláusulas contratuais foram predispostas por uma das
168 Hoje esta é a redação do § 305 (1) do BGB.
88
partes, para servir a uma série de contratos nos quais as pessoas não se encontram
identificadas, nem definidas, pela quantidade ou pela identidade.169
O Código Civil peruano, em seu art. 1.392, assinala que:
Las cláusulas generales de contratación son aquellas redactadas previa y
unilateralmente por una persona o entidad, en forma general y abstracta,
con el objeto de fijar el contenido normativo de una serie indefinida de
futuros contratos particulares, con elementos propios de ellos.
A Lei sobre as Condições Gerais da Contratação da Espanha (Lei n. 7, de 13 de
abril de 1998) também apresenta conceituação, em seu art. 1.º:170
[...] são condições gerais da contratação as cláusulas predispostas cuja
incorporação ao contrato seja imposta por uma das partes, com
independência de sua autoria material, de sua aparência externa, de sua
extensão e quaisquer outras circunstâncias, havendo sido redigidas com a
finalidade de ser incorporadas a uma pluralidade de contratos.
Apesar de tratar expressamente da matéria, o Código Civil italiano (arts. 1.341 e
1.342)171 não se preocupou em dar um conceito, mas, pela primeira vez em um
Código Civil, fixou as notas características do instituto, preocupando-se com a
conscientização do aderente quando de sua adoção. Mais recentemente, o Código
Civil de Quebec, na esteira do Direito francês, em que não há a preocupação em se
distinguir as expressões, em seu art. 1.379,172 regula, sob uma mesma epígrafe,
169 Art. 2 : “standard contract” as “the text of a contract, all or part of the conditions of which have been
determined in advance by one party in order to serve as conditions of many contracts between him and persons undefined as to number or identity".
170 "Son condiciones generales de la contratación las cláusulas predispuestas cuya incorporación al contrato sea impuesta por una de las partes, con independencia de la autoría material de las mismas, de su apariencia externa, de su extensión y de cualesquiera otras circunstancias, habiendo sido redactadas con la finalidad de ser incorporadas a una pluralidad de contratos".
171 "Art. 1.341 Condizioni generali di contratto Le condizioni generali di contratto predisposte da uno dei contraenti sono efficaci nei confronti dell'altro, se al momento della conclusione del contratto questi le ha conosciute o avrebbe dovuto conoscerle usando l'ordinaria diligenza (1.370, 2.211). In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1.229), facoltà di recedere dal contratto(1.373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro contraente decadenze (2.964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1.462), restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1.379, 2.557, 2.596), tacita proroga o rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc. Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".
172 "1.379 - Le contrat est d'adhésion lorsque les stipulations essentielles qu'il comporte ont été imposées par l'une des parties ou rédigées par elle, pour son compte ou suivant ses instructions, et qu'elles ne pouvaient être librement discutées. Tout contrat qui n'est pas d'adhésion est de gré à
89
tanto o contrato de adesão quanto as cláusulas contratuais gerais, apresentando, na
oportunidade, alguns traços característicos.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) também não trouxe
definição das cláusulas contratuais gerais, apenas o que vem a ser contrato de
adesão (art. 54173), perfilhando a tradição francesa, confundindo duas categorias
distintas e, nesse caso da legislação especial, restringindo sua incidência para as
relações de consumo, pressupondo a vulnerabilidade do consumidor. Foi a primeira
lei brasileira que regulou o contrato de adesão, definindo-o e fornecendo seu regime
jurídico e o método para sua interpretação.
O Código Civil brasileiro de 2002 não se preocupou em definir cláusulas contratuais
gerais, trazendo apenas uma tímida positivação sobre os contratosde adesão, em
apenas dois artigos (arts. 423 e 424174).
gré." Sobre os contratos de adesão, consultar ainda o Código Europeu dos Contratos, arts. 39, 40 e 41 (Analyse du texte contractuel et évaluation des éléments extrinsèques à l’acte – expressions ambiguës – expressions obscures); Código Civil de Quebec, art. 1432; Código Civil russo, art. 428; Código Civil alemão, § 305c.
173 "Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1.° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato; § 2.° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2.° do artigo anterior; § 3.° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor; § 4.° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão; § 5.° (Vetado)."
174 "Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".
90
2.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS:
UNILATERALIDADE, PREDISPOSIÇÃO, GENERALIDADE, ABSTRAÇÃO, RIGIDEZ
2.3.1 Unilateralidade – observação necessária
As cláusulas contratuais gerais, conforme o exposto, podem constituir o conteúdo de
contratos de adesão de puro direito privado, como também o conteúdo de contratos
de adesão em que colabora um elemento qualquer de direito público, incluindo-se
entre estes últimos os contratos administrativos e os celebrados por empresas
concessionárias de serviços públicos com os usuários de tais serviços.
Deixando de lado as cláusulas contratuais gerais que coincidem com normas legais
ou administrativas (que formam os contratos administrativos ou os regrados de
qualquer forma pela administração), as demais procedem todas da autonomia
privada, que pode se manifestar de diversas formas, que dão origem a classes
distintas de cláusulas contratuais gerais. Quanto à origem, elas podem ser
formuladas:175
(i) unilateralmente, o que dá origem a cláusulas contratuais gerais unilaterais
(einseitige Bedingungen), seja por uma só empresa, cláusulas contratuais
gerais particulares (einzelnen Bedingungen), seja por uma associação de
empresas, cláusulas contratuais gerais de grupo (Verbandsbedingungen);
(ii) bilateralmente, sempre mediante um contrato ou um acordo normativo
entre as duas categorias de interessados na relação contratual de que se
cuida, acordo este que pode ser obrigatório para todos os agrupados nas
associações que as estipulam: contratos normativos bilaterais e obrigatórios
(schuldrechtliche zweiseitige Normenverträge), como seria o caso dos
convênios coletivos de trabalho ou mediante acordo meramente diretivo ou
indicativo (zweiseitige Richtlinienverträge), cuja normativa necessita ser
aceita todas as vezes no contrato singular: tal é o caso de muitíssimas
cláusulas contratuais gerais na prática alemã – allgemeine deutsche
Spediteurbedingungen, Deutsche Einheitmietvertrag etc.;
(iii) desinteressadamente, por um terceiro que não tem interesses na relação
contratual de que se trate, dando origem a cláusulas contratuais gerais
175 GARCIA-AMICO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 143-144.
91
neutras (neutrale Bedingungen), como seria o caso das cláusulas contratuais
gerais redigidas por um mediador (Maklerbedingungen) ou por um notário etc.
Em resumo, quanto às origens da predisposição, as cláusulas contratuais gerais
podem ser efetivadas pelo próprio predisponente, por terceiros, pela administração
pública, por acordo entre as empresas.
Para o nosso estudo, interessam as cláusulas contratuais gerais elaboradas pelo
próprio predisponente, por uma empresa, grupo de empresas ou até mesmo por
terceiros, as quais virão a constituir o conteúdo de uma série indeterminada de
futuros contratos de adesão de direito privado. Excluiremos de nosso estudo as
cláusulas contratuais gerais predispostas pela administração pública.
O que precisa ficar bem claro é que, apesar da multiplicidade de origens, essa
predisposição será ato unilateral do predisponente.
A forma mais comum é aquela em que as cláusulas contratuais gerais são
materialmente criadas pelo próprio predisponente. Nesse caso, não é possível
verificar, com tanta nitidez, as fases de elaboração e de imposição de tais cláusulas,
ao contrário de quando elas são criadas por terceiros ou pela administração pública.
As grandes empresas costumam registrar, no Registro de Título de Documentos, as
cláusulas contratuais de que predispõem, fazendo a elas remissão quando da
celebração dos contratos individuais.
As cláusulas contratuais gerais também podem ser elaboradas por terceiros.
Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO:176
Em muitos setores, onde predominam os pequenos empreendimentos,
utilizam-se formulários, vendidos em papelarias, contendo condições gerais
(algumas abusivas). A adoção desses formulários, e o uso constante nas
relações negociais, caracteriza predisposição. Alguns formulários de
condições gerais têm recebido o patrocínio e a autoria de órgãos de
176 LÔBO, Paulo Luiz Netto. p. 72. Para ALMENO DE SÁ, as cláusulas contratuais gerais podem ser
elaboradas por terceiros, e não por um dos contraentes. No entanto, tal ocorrência não modifica a sua natureza de cláusula geral. SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 215-217. O mesmo autor entende que igualmente não altera a caracterização como cláusula contratual geral a complementação dos modelos de contrato, desde que não se ingresse no conteúdo material do contrato. Tampouco ocorre a desnaturação, para este autor, se forem efetuados contratos entre associações representativas de direitos coletivos, a estipulação de cláusulas efetivamente negociadas ou a existência das cláusulas contratuais gerais em segmento externo ao instrumento do contrato.
92
proteção do consumidor. Quando a utilização das cláusulas contratuais
gerais elaboradas por terceiros se dá em casos isolados, não há
predisposição.
Mas sobre esta questão, vale uma observação importante. Explica CLÁUDIA LIMA
MARQUES177 que as cláusulas devem ser elaboradas unilateralmente por um dos
contraentes, ou mesmo por terceiros, e são oferecidas à aceitação do outro. Quando
as cláusulas são formadas por um terceiro (tabelião, imobiliária, associação de
empresários etc.), para a doutrina portuguesa, o importante é a existência de
cláusulas contratuais gerais, independentemente de terem sido elaboradas pelo
proponente ou por terceiro. Já a doutrina alemã utiliza como critério o fato de o
terceiro ser neutro na relação contratual ou não. Segundo a autora, a primeira
solução é mais justa, porque ao Direito interessa a técnica de pré-elaboração
unilateral e de simples opção de aceitação para o outro contraente e não a ideologia
do elaborador das cláusulas contratuais gerais.
Comentando essa particularidade da doutrina portuguesa, em especial, o art. 2.º do
Decreto-lei n. 446/1985,178 MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA e ANTÓNIO
MENEZES CORDEIRO179 observam que a lei portuguesa se preocupa com a
existência efetiva de cláusulas contratuais gerais, atenta à necessidade de tutelar a
parte negocial fraca ou desfavorecida.
Constata-se, portanto, que as cláusulas gerais, na maioria das vezes, são
materialmente elaboradas pelo proponente. Mas existem casos em que o
proponente apenas se utiliza das cláusulas, elaboradas materialmente por terceiros.
Pode ocorrer de o verdadeiro autor material das cláusulas ser entidade ou pessoa
diversa. Nem por isso deixaremos de estar diante das cláusulas contratuais gerais.
Deve ficar claro, portanto, que quando falamos em unilateralidade não estamos
afirmando que só haverá cláusulas contratuais gerais se estas forem produzidas
materialmente pelo proponente. A autoria intelectual e material dessas cláusulas não 177 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 68. 178 "Art. 2.º – O artigo anterior abrange, salvo disposição em contrário, todas as cláusulas contratuais
gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros". Para o art. 1.1. da lei espanhola sobre as cláusulas contratuais gerais, a autoria material não é nota exclusiva para sua configuração.
179 ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais. Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 19.
93
corresponde ao critério distintivo. Seja quem for o mentor intelectual de tais
cláusulas, o fato é que estas são utilizadas e impostas pelo proponente sem
participação ou negociação do aderente no seu conteúdo. A predisposição é posta e
imposta, ou apenas imposta, pelo predisponente, não sendo objeto de acordo,
tratativa ou negociação prévia.
GÁRCIA AMIGO180 é mais flexível quanto à análise dessa característica,
ponderando que o aderente, no iter progressivo da formação das cláusulas
contratuais gerais, pode até ter algum tipo de participação (preenchimento do nome,
fixação de termos, local de pagamento etc.). Mas essa participação, por ser
extremamente limitada (quase nula), não tem o condão de caracterizar uma
bilateralidade.
Normalmente, a doutrina trata da característica da unilateralidade em conjunto com
a característica da predisposição. Por serem características distintas, optamos pelo
tratamento em separado. Aqui, o enfoque não é, ainda, o aspecto temporal, mas
quem é o responsável pela imposição dos clausulados do futuro contrato e se existe
ou não negociação na fixação de seu conteúdo.
As cláusulas contratuais gerais são fixadas e impostas exclusivamente por um dos
contratantes, o predisponente, e aceitas (ou não) pelo outro, o aderente. Fala-se em
unilateralidade porque cabe apenas a uma das partes, sem negociação com a outra,
estipular as cláusulas. Pouco importa, repita-se, a autoria intelectual de tais
cláusulas.
O fato de ter a sua elaboração submetida a outrem (advogado contratado pela
empresa, sindicato, notário etc.), portanto, não retira seu caráter de unilateralidade.
O que importa é a idealização do conjunto de clausulado e na sua imposição a outro
contratante, sem que este tenha qualquer tipo de participação ou ingerência na sua
configuração.
Esta característica já serviria para não enquadrar as cláusulas contratuais gerais nos
tradicionais quadros do contrato. Como afirma JOAQUIM DE SOUZA RIBEIRO:181
180 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 87 181 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 278.
94
Dito de maneira simplista, pode afirmar-se que esta tese é a expressão
radical, sem concessões, da idéia de que, estando a liberdade contratual
ao serviço da autodeterminação da pessoa, dela faz parte, como nota
essencial, a participação (ou possibilidade de participação) na modelação
do conteúdo do contrato. Aceitar, como manifestação genuína de liberdade
contratual, menos do que isso, equivaleria a despojá-lo do seu sentido e
valor, simultaneamente lhe retirando a sua base de legitimação.
Ocorre que, como observado pelo próprio autor, a liberdade negocial precisa ser
adaptada à nova realidade, em que falamos, propositadamente, em autonomia
privada e não mais em autonomia da vontade. Em alguns países,182 as cláusulas
contratuais gerais só se incorporarão no contrato se tiverem sido comunicadas ao
aderente e este acordar na sua inclusão. Além disso, não se nega a possibilidade de
controle posterior das cláusulas consideradas abusivas, mas, ainda que em novos
termos, permanece em doutrina a acentuação da unilateralidade das cláusulas
contratuais gerais.
2.3.2. Predisposição (pré-formulação, pré-formatação, pré-elaboração)
Como afirmado anteriormente, a predisposição não se confunde com a redação das
cláusulas contratuais gerais (que podem ser elaboradas pelo predisponente e por
terceiros). Ocorre a predisposição quando estas ingressam na atividade do
predisponente, tornando aplicáveis a todos os futuros contratos individuais. A
predisposição significa o ato de fazer existirjuridicamente as cláusulas contratuais
gerais e se revela de formas variadas (avisos, documentos, prospectos,
regulamentos, instruções etc.). Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,183 é "ato unilateral
não receptício" e que:
A função da predisposição é qualquer coisa de análogo à função da lei.
Consiste em fixar uma regra de comportamento (donde seu teor abstrato),
voltada a disciplinar o contrato, do qual derivam direitos e obrigações,
constituindo antecedente necessário de aplicação e concretização.
182 Por exemplo, § 2º do AGB-Gesetz. 183 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p 26 e 58.
95
CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA184 sintetiza esses elementos da predisposição e
ressalta a sua importância:
Predisposição unilateral inclui a idéia de pré-elaboração, isto é, de
elaboração anterior ao contrato, mas completa-a com mais duas idéias: a
iniciativa da elaboração (ou da adopção de cláusulas elaboradas por
outrem – cf. art. 2.º, in fine) é unilateral, porque cabe apenas a uma das
partes, sem prévia negociação com a outra, e é programada quanto à
intenção de inserir tais cláusulas em futuros contratos. Sem estes
complementos conceptuais entrariam também no âmbito do regime das
cláusulas contratuais gerais, por exemplo, aquelas que, em contrato
normativo, tenham sido acordadas pelas partes para uso em futuros
contratos.
Quando se fala que as cláusulas contratuais gerais são predispostas, significa dizer
que estas são organizadas ou redigidas previamente pelo proponente, a ser
oferecido ao aderente que, em momento posterior, aceitará ou não o futuro contrato.
São pré-redigidas antes do consenso, fixadas com anterioridade ao começo da fase
de negociação do contrato. Como se verá, as cláusulas contratuais gerais se
formam e existem juridicamente em momento anterior ao futuro contrato, e sua
formação não se confunde com a formação do contrato de adesão.
Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, a predisposição de cláusulas contratuais
gerais é conseqüência histórica da sociedade industrial.185 Na vida contemporânea,
contratos com essa característica são inúmeros. Afirma a autora que atualmente
existem quase que somente contratos nos quais o conteúdo vem determinado por
cláusulas contratuais gerais.
É possível entender essa característica como a elaboração prévia das cláusulas de
um contrato, anteriormente à sua celebração entre os contratantes. As cláusulas
contratuais gerais são elaboradas em momento anterior ao início da fase de
negociação (rectius: adesão) contratual.
Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES, não é necessário que tais cláusulas
contratuais, fixadas de antemão, sejam escritas em formulários contratuais ou em
outros documentos expostos ao público. As cláusulas são consideradas pré- 184 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I – Conceito. Fontes. Formação. p. 148. 185 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das
relações contratuais. p. 69.
96
elaboradas também quando estão arquivadas em um computador e impressas na
hora para o cliente, ou datilografadas segundo um formulário, "mesmo de memória
pelo advogado da empresa,"186 daí admitir que as cláusulas contratuais gerais sejam
"não escritas".
Como vimos, a redação antecipada das cláusulas deve ser efetuada por apenas
uma das partes, imposta de maneira unilateral, para que a outra apenas manifeste
sua aceitação a elas. Ademais, deve estar presente a intenção do contraente que
procede a tal elaboração de utilizar o modelo de contrato previamente redigido para
uma multiplicidade de contratos futuros. Trata-se da criação de uma base para
regular situações jurídicas posteriores com diversos parceiros contratantes. Equivale
a dizer que tais cláusulas são criadas para uma pluralidade de casos ou contratantes
supervenientes.
ALMENO DE SÁ187 complementa o assunto ao afirmar que basta a intenção
almejada, qual seja, a finalidade da pré-elaboração – a utilização das cláusulas
contratuais gerais para situações futuras – para se configurarem as condições
gerais. É irrelevante que tais circunstâncias venham a se concretizar ou não. Tal
observação corrobora com o nosso entendimento, no sentido de que, mesmo que as
cláusulas contratuais gerais não façam parte de nenhum contrato individual, estas
não podem ser tratadas como fatos sem relevância jurídica. Há cláusulas contratuais
gerais que chegam a ser registradas em Cartório de Registros de Títulos e
Documentos, viabilizando a conclusão de que, com a predisposição das cláusulas
contratuais gerais, reunidas as demais características, elas passam a ter existência
jurídica.
2.3.3. Generalidade (e uniformidade)
Só é possível compreender as cláusulas contratuais gerais se entendermos sua
dimensão coletiva. Só merecem qualificação de cláusulas contratuais gerais as
cláusulas que não têm como destinação uma contraparte determinada, não podendo
se apresentar com conformação moldada para uma concreta relação contratual,188
186 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das
relações contratuais. p. 67. 187 SÁ, Almeno de. Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas. p. 214-215. 188 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 447.
97
revestindo-se, por isso, de caráter geral e abstrato. A elaboração sem prévia
negociação individual só é um dado qualificante do fenômeno se houver a intenção
de utilização reiterada das cláusulas numa série de contratos que se projeta a
concluir. Quando há a generalidade, a unilateralidade e a predisposição também
ganham relevo diferenciador.
Como observa ANTEO GENOVESE,189 essa "vontade geral", uniformizadora do
conteúdo de uma multiplicidade de contratações futuras, é o elemento
especificamente distintivo das cláusulas contratuais gerais, porque não
compartilhado com qualquer outra manifestação e, ao mesmo tempo, determinante,
porque por ele se explicam os restantes, quer o modo de conformação (pré-
formulação), quer o modo de ingresso (por adesão, sem negociação) em cada
contrato singular.
A visão das "duas dimensões" é imprescindível para o estudo das cláusulas
contratuais gerais. Segundo JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO:190
Uma visão atomística, tomando como ponto de referência as relações inter
partes no quadro de cada negócio, não dá conta da natureza peculiar do
fenómeno das ccg, em reação a outras formas de manifestação do poder
contratual. Nesta óptica reducionista, o universo do discurso contém-se
necessariamente nos limites da esfera intersubjectiva, com tendência para
remeter para o domínio do juridicamente irrelevante os dados que não se
amoldam ao paradigma individualista do contrato. Exprimindo-se à escala
colectiva, de organização e adminstração de toda uma actividade jurídico-
económica, a prévia regulamentação da série, mais ou menos ampla, de
contatos a que ela vai dar lugar é desvalorizada como um elemento de
facto, do âmbito do puramente empírico ou sociológico, posto realize um
autónomo interesse de uniformização e obtenção de vantagens, não
confundível com o prosseguido por cada um dos actos singulares. [...]
Dimensão colectiva e dimensão individual subentendem-se
reciprocamente, estabelecendo entre si direcções de sentido cruzadas: se
a preformulação é um acto preparatório, finalizado à modelação do
conteúdo de uma pluralidade de contratos a celebrar, só atingindo o seu
objecto uniformizador com a efectiva inclusão das cláusulas em cada um
189 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão,
Giuffrè, 1961. p. 803. 190 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o
princípio da liberdade contratual. p. 452 - 454.
98
desses contratos, a padronização do conteúdo destes só se explica por
aquele momento genético, por resultar de uma matriz comum, situada fora,
e a montante, de cada relação singular. Ainda que a eficácia reguladora
das ccg tenha fundamento pactício, não dispensando a contratualidade, a
aceitação individual dos sujeitos a que se aplicam, ela constitui a
efectivação in actu de uma planificada ordenação englobante, pré-existente
a cada uma das relações a que se aplica. [...] Dimensão colectiva e
dimensão individual são movidas por lógicas distintas, se não, mesmo,
contraditórias, o que torna a compatibilização entre ambas altamente
problemáticas. Se atendermos preferencialmente à primeira, tenderemos a
dar relevo determinante aos interesses normalmente coenvolvidos naquele
tipo de operação; se olharmos mais para a segunda, é inevitável a
consideração das particularidades do caso concreto e do horizonte
individual dos sujeitos da relação. A resposta a este conflito de fundo cunha
decisivamente as intervenções legislativas nesta matéria, quer quanto à
seleção dos níveis e instrumentos materiais-processuais de controlo, quer
quanto aos critérios interpretativos e de apreciação de validade das
cláusulas.
As peculiaridades das cláusulas contratuais gerais impõem soluções que
ultrapassam o âmbito de interesses individuais diretamente envolvidos. É preciso,
portanto, tomarmos ciência da dimensão coletiva das cláusulas contratuais gerais,
sob pena de entendermos parcialmente o fenômeno.
As cláusulas contratuais gerais são destinadas a um número múltiplo de contratos, a
uma infinidade de operações de fornecimento de mercadorias e serviços e a uma
generalidade de pessoas, para serem aceitas em bloco, tornando-se eficazes na
medida em que são integradas, de modo uniforme, em um dado contrato de adesão.
A generalidade ou a uniformidade diz respeito à aplicação ou à utilização das
cláusulas contratuais gerais predispostas. Significa que tais clausulados se destinam
a uma pluralidade de contratos do mesmo tipo ou da mesma classe.
Explica FRANCESCO MESSINEO191 que:
Può, azitutto, volersi dire che la clausola è generale, perché si pone come
antitetica ala clausola <<especiale>>, o <<specifica>>, o <<particulare>>;
e, dall'antitesi, l'aggettivo trae significato di <<normale>>, o di <<usuale>>.
Ovvero, si vuol significare che una clausola è generale, quando sia
191 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. v. XXI, t. 1. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1973. p. 425.
99
congruente e applicabile a qualsiasi e a ciascuna figura di un dato tipo; può
dirsi, cioè, che la clausola è <<comune>> a tuta la serie dei contratti, aventi
un certo contenuto, e si potrà introdurla in ciascuno di essi.
Nas explicações de MASSIMO BIANCA:192
Il predisponente è di solito un impreditore che utiliza le clausole generale
per disciplinare in modo uniforme i rapporti di erogazione di beni e servizi
alla clientela. Il predisponente utiliza per regolare uniformemente i suoi
rapporti contrattuali. [...] La nozione di condizioni generali si puntualizza
anzitutto in relazione al carattere genrale delle clausole predisposte. [...] La
destinazione, si aggiunga, deve risultare obiettivamente dall'uso
generalizzato delle condizioni generali da parte del predisponente. Questo
carattere si evidenzia quando il predisponente si avvale di moduli o
formulari per disciplinare uniformemente i propri rapporti contrattuali. L'uso
occasionale di moduli o formulari predisposti per una disciplina contrattuale
uniforme esula invece dal fenomeno delle condizioni generali pur
rimanendo assoggetato alla disciplina delle clausole vessatorie.
As cláusulas contratuais gerais representam parte do fenômeno de contratação
uniformizada, estandardizada, daí o geral contido na nomenclatura. Inexistirá
cláusula geral contratual quando estivermos diante de clausulados voltados para
sujeitos determinados.
Há que ser salientado, todavia, que para alguns autores as cláusulas contratuais
gerais não perderão o caráter de generalidade se pré-formuladas para atender a
uma demanda específica dentro de uma unidade comercial, admitindo-se, neste
caso, a utilização de cláusulas contratuais gerais para um número determinado de
contratos. Por exemplo, quando uma empresa deseja se livrar do estoque de um
dado produto, pré-formulando as cláusulas contratuais gerais que regularão esse
número limitado de operações de venda.193
Essa ponderação também é feita por ALMENO DE SÁ:194
192 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed
effetività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 476. 193 Exemplo criado por EDUARDO MESSIAS GONÇALVES DE LYRA JÚNIOR. LYRA JÚNIOR,
Eduardo Messias Gonçalves. Contratos de Adesão e condições gerais dos contratos. Revista dos Tribunais, n. 828, p. 25, out./ 2004.
194 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 214-215.
100
Não interessa, todavia, saber se as cláusulas em jogo se aplicaram, de
facto, numa multiplicidade de casos; decisivo é tão só o propósito de sua
utilização numa série de negócios, assim se relevando fundamental, para
este efeito, a finalidade intencionada com a pré-elaboração. É suficiente,
deste modo, a intenção de usar as condições pré-formuladas em propostas
dirigidas a uma generalidade de pessoas, o que implica determinar se está
ou não projectada, ab initio, uma utilização múltipla. A mesma idéia se
aplica, para lá do utilizador, a entidades que elaboram ou recomendam
condições negociais gerais, como, por exemplo, associações de interesses,
pois também aí é bastante o desígnio da sua predisposição para uma
multiplicidade de negócios jurídicos, ainda que o utilizador concreto apenas
uma vez a elas tenha recorrido. Se o dono de uma fracção autónoma
recorre ao contrato-modelo elaborado por uma associação de proprietários
para concretizar a sua relação contratual de arrendamento com o inquilino,
estão presentes as características da pré-formulação e da generalidade.
Se, porém, forem predispostas certas condições negociais, não com o
intuito de uma múltipla utilização, antes apenas para integrarem um
contrato singular, já não estaremos perante cláusulas contratuais gerais.
Só assim deixará de ser se, por qualquer razão, tais condições passarem a
ser reiteradamente utilizadas em futuros contratos, pois nessa altura,
relativamente a estes contratos, o propósito da utilização plural tem
objectivamente de presumir-se. Em contrapartida, se dada empresa
elabora um primeiro projecto de contrato para ser subscrito por aquele
concreto primeiro cliente que lhe aparece, mas já com o desígnio de o
utilizar numa série de contratos futuros, estaremos sem dúvida perante
cláusulas contratuais gerais.
O que vale, portanto, é a intenção de utilizar as cláusulas pré-formuladas em
propostas dirigidas a uma generalidade de pessoas, não interessando, todavia,
saber se tais cláusulas serão aplicadas, de fato, a uma multiplicidade de relações.
O elemento da generalidade é expressamente encontrado no art. 7.2 da Diretiva
Européia n. 13/1993, que disciplina as cláusulas abusivas nos contratos celebrados
com consumidores, ao referir-se a "cláusulas contratuais redigidas com vista a uma
utilização generalizada".
Além de ser voltada a uma coletividade e ao público em geral, o alvo deve ser
indeterminado. E é preciso também que a cláusula seja abstrata, indeterminada. Tal
característica será objeto do tópico seguinte.
101
2.3.4 Abstração (indeterminação)
As cláusulas contratuais gerais são destinadas a um número não determinado de
utilizações. Explica MASSIMO BIANCA,195 com fundamento na jurisprudência
italiana, que: "Nella correta definizione giurisprudenziale le condizioni sono destinate
a regolare una serie indefinita di rapporti contrapponendose alle clausole
specificamente elaborate per singoli rapporti".
PAULO LUIZ NETTO LÔBO prefere a nomenclatura abstração196 porque as
cláusulas contratuais gerais, ao serem editadas, não regulam relações jurídicas
concretas. Os contratos individuais, pelos quais as cláusulas contratuais gerais
produzem efeitos concretos, permanecem sujeitos ao regime jurídico dos negócios
jurídicos.
Segundo ORLANDO GOMES, na generalidade insere-se a abstratividade, tomada a
expressão no sentido de que as mesmas cláusulas se repetem inexoravelmente no
conteúdo das relações concretas. O propósito de uniformidade não seria alcançado
se as cláusulas do esquema se exaurissem com sua aplicação. As cláusulas têm de
ser formuladas de modo abstrato, para que, ao elaborá-las, quem as redige não
pense no caso concreto, nem nos possíveis contratantes singulares: "o requisito de
abstratividade possui, portanto, dupla significação, a de inesgotabilidade e a de
abstração propriamente dita, no sentido de indeterminação e desconhecimento dos
destinatários".197
Todavia, há de se considerar que, em alguns casos, as cláusulas contratuais gerais
podem ser destinadas a uma pluralidade determinada de situações ou destinatários.
Nem por isso a característica de abstração estará de fora. Na maciça maioria dos
casos, seu criador ou utilizador tem o propósito de aplicá-las a uma série
indeterminada de relações jurídicas.
Segundo ALMENO DE SÁ,198 não é imprescindível que o texto predisposto tenha
sido concebido para um número indeterminado de utilizações. As cláusulas
contratuais gerais podem visar a uma pluralidade determinada de destinatários, já
195 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto. In: Realtà sociale ed effetività della norma. p.
477. 196 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 26. 197 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 11. 198 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p.215.
102
que "uso indeterminado", constante do conceito, não deixa de existir quando da
identificação de círculo de parceiros, efetivos ou potenciais, pelo utilizador das
cláusulas. O autor dá como exemplos os contratos de edição preparados por
determinada editora para concluir com cada um dos autores de uma obra coletiva;
os contratos predispostos por uma construtora referentes à alienação de frações
(identificadas) de um edifício recentemente construído; bem como dos concursos
públicos limitados a um número prefixado e identificado de concorrentes, ainda que
o contrato final venha a ser concretizado apenas com um deles.199
Assim, o caráter geral, abstrato e uniforme não é alterado quando as cláusulas
contratuais gerais são incorporadas aos contratos individuais. A relação originária
continua sendo entre o predisponente e a comunidade indeterminada de
destinatários.
2.3.5 Rigidez
As cláusulas contratuais gerais são elaboradas sem prévia negociação individual, de
tal modo que sejam recebidas em bloco por quem as subscreva ou as aceite. Os
intervenientes não têm possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo,
nelas, alterações.
Explica MESSINEO200 que da própria característica da generalidade é que se
deduzem, como conseqüência, a inderrogabilidade das cláusulas contratuais gerais,
sua uniformidade e, conseqüentemente, sua rigidez (ou não-flexibilidade).
Para ORLANDO GOMES,201 as cláusulas contratuais gerais são rígidas porque
devem ser uniformes, isto é, não seria possível, para quem as predetermina, admitir
alterações atribuindo-lhes uma flexibilidade que anularia seu intento e desfiguraria a
fattispecie: não se elaboram as cláusulas contratuais gerais senão para regular
uniformemente futuros e eventuais vínculos contratuais ou, em outras palavras,
tornar possível a pluralidade de contratações uniformes. Assim, a uniformidade 199 Tais observações levaram a alguns autores, como JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, a preferir a
nomenclatura generalidade ao invés de indeterminação. A indeterminação pode dar a idéia de que o instituto exige indeterminação do número e da identidade dos potenciais contratantes, o que a letra da lei não parece constituir obstáculo. O significado "multiplicidade" exprime-se melhor com a palavra "generalidade", menos marcada e mais neutra que "indeterminação". RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 447 e ss.
200 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 431. 201 GOMES, Orlando. Contrato de adesão – condições gerais dos contratos. p. 10.
103
(conseqüentemente, a rigidez) é uma exigência da racionalização da atividade
econômica que se propõe a se desenvolver. Admitir uma flexibilidade seria tornar
impraticável o exercício de uma dada atividade cujo destino é uma infinidade de
relações.
Em relação à imodificabilidade das cláusulas contratuais gerais, vale aqui a
colação de uma observação, feita por ALMENO DE SÁ:202 "No que
concerne ao vector da imodificabilidade, deve assinalar-se que os
contratos-modelo negociados entre associações representativa dos
interesses de ambos os lados de um certo sector económico não deixam
de ser formados por verdadeiras cláusulas contratuais gerais. Com efeito,
o evento da elaboração é, por si só, irrelevante para este efeito, sendo
certo que não se verifica, na hipótese, qualquer negociação das partes
efectivamente intervenientes na conclusão do acordo. Para determinarmos
se existe ou não imodificabilidade das cláusulas em análise importa
considerar as reais partes contratantes. A negociação a nível colectivo não
retira, portanto, ao contrato-modelo o seu caráter de acordo
estandardizado. Se as condições negociadas a nível associativo não se
tornam parte integrante do contrato, mas antes tal só pode verificar-se por
força de uma ulterior aceitação individualizada, então só relativamente a
este momento tem sentido discutir se as cláusulas foram ou não
negociadas. Deste modo, não é o recurso a condições-modelo
coletivamente negociadas que logra afastar a aplicação da lei: continuamos
perante verdadeiras cláusulas contratuais gerais."
As cláusulas contratuais gerais apresentam-se rígidas, independentemente de
obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações. Há de se
lembrar, todavia, que a inclusão dessas cláusulas é possível nos contratos de
adesão (como, por exemplo, § 1.º do art. 54 do CDC) e que, existindo juridicamente
as cláusulas contratuais gerais, são passíveis de controle ou de alteração pelos
órgãos legitimados na tutela de interesses meta-individuais (CDC, art. 82).
A característica da rigidez, no sentido de inalterabilidade, de mera possibilidade de
aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco, tem sido atenuada por algumas
legislações do mundo. Por exemplo, nos termos do art. 7.º do Decreto n. 446/1985
de Portugal, já alterado pela Diretiva n. 13/1993, da Comunidade Européia, o
aderente pode provocar a eliminação ou a modificação de alguma ou de algumas
202 SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. p. 216-217.
104
cláusulas, prevalecendo aquelas que tenham sido especialmente negociadas, sem
afastar, quanto às restantes, a natureza e o regime legal próprios das cláusulas
contratuais gerais. Percebe-se, portanto, que a rigidez não constitui requisito jurídico
essencial, mas uma característica tendencial, que passa a ser relativizada tendo em
vista a proteção dos contratantes mais fracos, presumidamente vulneráveis, que
aceitam um ou outro método de contratação de massa.
2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
A indagação sobre a natureza jurídica dos institutos é comum nos campos da
dogmática jurídica. Por meio da comparação com institutos conhecidos, a
determinação da natureza passa então a ser a identificação de uma grande
categoria jurídica em que se enquadre o instituto em análise. E não só por meio de
uma análise conceitual, a determinação da natureza jurídica de um instituto deverá
ser feita mediante a determinação dos seus efeitos. A categoria jurídica a que se
chegar deverá exprimir sinteticamente um regime positivamente estabelecido.203
Falar sobre a natureza jurídica de um dado instituto representa, a rigor, o esforço em
melhor sistematizar, no campo do Direito, um fenômeno que não parece estar
catalogado nas categorias tradicionalmente assentadas. É o que se pretende fazer
com as cláusulas contratuais gerais.
Sob perspectivas opostas, duas teses fundamentais se formaram acerca da
natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais:204 para primeira corrente, as
cláusulas contratuais gerais seriam identificáveis às normas jurídicas (natureza
normativa). Para uma segunda corrente, as cláusulas contratuais seriam o contrato
(natureza contratual). Tais construções partem da observação de que tal fenômeno
representa um desvio do esquema normal do contrato. No segundo grupo, situam-se
quantos entendem que esse desvio não sacrifica a natureza contratual das cláusulas
contratuais gerais. Todavia, no primeiro grupo, estão os que nele vêem tamanha
distorção que, embora não subtraia do campo negocial, o desfiguraria como
contrato. Falemos um pouco dessas teorias, sem a preocupação das subdivisões e
nuanças de cada uma. 203 ASCENSÃO, José de Oliveira. Natureza jurídica. Enciclopédia Saraiva do Direito. p. 96. 204 "Con riguardo alle condizioni generali di contratto si pone il problema teorico di fondo se esse
abbiano natura negoziane, e cioè siano riconducibili al contenuto dell'accordo contrattuale ovvero se abbiano natura normativa". BIANCA, Massimo. Diritto Civile - il contratto. v. 3. p. 342.
105
2.4.1 Teoria normativista
Os seguidores desta teoria sustentam que as cláusulas contratuais gerais seriam
equiparáveis à norma jurídica, devendo seu regime jurídico ser estruturado conforme
a lei. São vários os pontos de confluência entre a lei (em sentido material) e as
cláusulas contratuais gerais, quais sejam:205
i) dirigem-se à generalidade das pessoas não tendo destinatário unipessoal;
ii) não disciplinam uma situação concreta, determinada, mas situações
abstratas, hipotéticas, que, ao se concretizarem, provocam a eficácia da
respectiva norma;
iii) são predispostas, produzindo efeitos independentemente de
consentimento dos destinatários. O aderente fica vinculado às condições
gerais independentemente de seu consentimento, tal como ficaria em face de
normas supletivas destinadas a regular o negócio jurídico contratual à falta de
estipulação contrária pelos contratantes;
iv) normalmente tem vigência indeterminada;
v) a interpretação de seu conteúdo é uniforme, não varia de destinatário para
destinatário;
vi) devem respeitar o ato jurídico perfeito.
As doutrinas normativistas mais recentes tentam fundamentar a natureza normativa
das cláusulas contratuais gerais em sua equiparação a outras regulações emanadas
de instituições extra-estatais, cujo caráter vinculante resulta aparentemente difícil de
fundar no consentimento dos que a elas se submetem. A questão da vontade
unilateral, que para SALEILLES representava a justificativa para a não-aplicação do
regime contratual, já se encontra ultrapassado.
Alguns autores italianos, baseando-se na força vinculante de algumas cláusulas
contratuais gerais, sustentam a natureza normativa dessas cláusulas.
MASSIMO BIANCA206 afirma que as cláusulas contratuais gerais representam dado
da realidade normativa do ordenamento, considerando-as normas objetivas da
disciplina do contrato, originadas do poder normativo do predisponente. Segundo o
205 Relação idealizada por LÔBO, Paulo Luiz Netto . Condições gerais dos contratos e cláusulas
abusivas. p. 188. 206 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto, usi negoziali e principio di effetività. In: Realtà
sociale ed effetività della norma. p. 207.
106
autor italiano, somente tendo em mente essa visão será possível um controle
jurídico adequado:
Vorrei fare seguito a quanto è stato detto dall'amico Lipari e dall'amico
Perlingieri a proposito del principio di effetività. Principio che ho qui inteso
richiamare in termini semplici, cioè, in termini d'esigenza d'un rilevamento
del <<fenomeno>> normativo che concerne le c.g.c. Tali termini
indubbiamente prospettano anche l' accertamento della concreta
applicazione della legge scritta ma esigono, comunque, un' integrale
visione delle regole di ordine effetivamente operanti. [...] Se aderendo a
questa esigenza di cogliere il significato normativo reale che attiene
all'esperienza delle c.g.c. si dovesse arrivare a questo risultato, cioè a
prendere atto che in definitiva al di là della formula della legge c'è
veramente in potere regolamentare dell'impreditore (sia esso o no abusivo),
allora si potrebbe forse impostare più utilmente il problema della ricerca
degli strumenti per una più congrua regolamentazione di tale esperienza (e
non voglio dire semplicemente strumenti di tutela del contraente debole).[...]
In altri termini, se si prende atto di una dimensione delle c.g.c, che supera
la pattuizione dei singoli rapporti, allora si traterà di trovare su un altro piano
rimedi più efficaci: cioè non al livello sporadico delle decisioni che può
prendere il giudice nel caso concreto ma su un piano che si misuri
direttamente col potere regolamentare dll'impreditore.
Como dito, os atuais seguidores da tese normativa não se preocupam mais em
caracterizar a vontade. Mudaram radicalmente o enfoque, entendendo seus atuais
formuladores constituir a melhor fundamentação para o controle abstrato e para o
caráter objetivo que terminou predominando no direito das cláusulas contratuais
gerais. O grande problema (e que ainda motiva uma série de críticas) é que os
seguidores dessa corrente não levam em consideração a relação contratual
subjacente.
Defendendo a natureza normativa nas cláusulas contratuais gerais, mas negando
estas como fontes de direito, é a posição de MARIA CONSTANZA,207 professora de
Direito Civil da Universidade de Milão, em artigo publicado em uma das primeiras
coletâneas sobre o assunto, organizada por MASSIMO BIANCA:
207 COSTANZA, Maria. Natura normativa delle condizioni. In: BIANCA, C. Massimo. Le Condizioni
Generali di contratto. v. 1. Milão: Giuffrè, 1979. p. 159.
107
Piú che fenomeno contrattuale, dunque, le condizioni generali di contratto si
pongono come fatto normativo, come creazione di un ordinamento
giuridico, di una organizzazione di rapporti da parte di soggetti diversi da
quelli che instituzionalmente sono a ciò preposti: le emprese, o, piú in
generale, gli enti economici. Pertanto le c.g.c. representano un ordinamento
alternativo rispetto a quello legislativo, di produzione non statuale, ma
neppure di tipo individuale. Come le norme predisposte dallo Stato, esse,
infatti, sono dotate di un certo grado di astrattezza e di un potenziale di
utilizzabilità su vasta scala, ma d'altra parte non sono <<fonte di diritto>> se
non di fatto ed esclusivamente nell'ambito di operatività del soggetto che le
ha poste in essere. Del resto ciò è comprensibilie in un assetto pluralistico
come quello della società contemporanea, dove gra l'individuo e lo Stato
esiste l'ente colletivo, e dove di conseguenza sempre piú rapidamente si
sta ripercorrendo a ritroso il passaggio dallo <<status al contratto>>.
Assim, as cláusulas contratuais gerais emanariam do poder normativo do
predisponente. A autora observa, todavia, que no plano teórico permanece aberto o
problema da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais, se elas são
aplicações de um poder normativo privado ou da autonomia negocial, sendo que a
atenção da doutrina, revela MASSIMO BIANCA,208 voltou-se decisivamente para um
outro aspecto, qual seja, o da tutela do aderente. Qualquer que seja a solução dada
ao problema da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais, prevalece o
reconhecimento de que a posição do aderente não é tão protegida pelos tradicionais
remédios concedidos pela disciplina tradicional do contrato, o que, aliás, não poderia
ser diferente, uma vez que o aderente, por não ter a oportunidade de influir no
conteúdo do contrato quando da sua formação, acaba aderindo a cláusulas tidas
como abusivas, merecendo, portanto, a proteção da lei, o que vem ocorrendo com a
edição de novas normas de proteção do aderente, com as consubstanciadas nos
arts. 1.469-bis, 1.469-sexies do Código Civil italiano, introduzidos pela reforma
propugnada pela Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia. Mas, conclui o autor
italiano, limitar a considerar as cláusulas contratuais gerais como cláusula contratual
parece ser inadequado à realidade socioeconômica do fenômeno.
2.4.2 Teoria contratualista
208 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed
effetività della norma. Milão: Giuffrè, 2002. p. 531-546.
108
Os contratualistas, como a própria expressão revela, incluem as cláusulas
contratuais gerais na categoria dos contratos.
Valem-se da perspectiva unitária francesa: cláusula contratual geral e contrato de
adesão representam as duas faces do mesmo fenômeno. E, assim sendo, o ato de
adesão seria uma declaração de aceitar (aceitação), uma forma de consentimento,
não sendo a predisposição unilateral algo que descaracterizaria o contrato, já que é
comum um dos contratantes apresentar o instrumento do contrato pré-formulado ao
outro, que o aceita. Como cláusula contratual geral e contrato de adesão estão
umbilicalmente ligados, quando se fala de um deles está se falando da técnica
negocial do outro. Se o contrato de adesão é o veículo de implementação das
cláusulas contratuais gerais, a natureza jurídica deles se confundem.
Além disso, as cláusulas contratuais gerais não poderiam ser equiparadas à lei em
sentido estrito porque:209
i) a lei é editada por órgão público que detém titularidade de poder estatal e
competência legislativa, as cláusulas contratuais gerais são editadas por
quem exerce atividade econômica privada;
ii) a lei persegue a finalidade pública e o bem coletivo; as cláusulas
contratuais gerais perseguem finalidade privada;
iii) a lei incide (produz efeitos) sobre os fatos (suporte fático) e quando estes,
por ela mesma previstos, acontecem; as cláusulas contratuais gerais
dependem de integração a cada contrato individual para que produzam
efeitos concretos;
iv) a lei não precisa ser conhecida prévia e efetivamente para que possa ser
eficaz; a eficácia das cláusulas contratuais gerais depende do cumprimento
da prestação de meios de cognoscibilidade, por parte do predisponente;
v) o legislador não é parte interessada nos negócios jurídicos que à lei ficam
sujeitos, o predisponente é parte interessada em todos os contratos sujeitos a
cláusulas contratuais gerais;
vi) a lei (no Estado de Direito) assenta-se no princípio da igualdade; na
aplicação das cláusulas contratuais, favorece-se uma das partes (o aderente).
209 Observações de LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p.
189.
109
O raciocínio da corrente contratualista parte do fundamento de que a autonomia
categorial das cláusulas contratuais gerais seria incompatível com o negócio jurídico,
que já absorve satisfatoriamente tal figura. Não podem ser confundidos com normas
ou preceitos, eis que são simples cláusulas contratuais.
Depois de apurada análise da natureza jurídica das cláusulas contratuais gerais no
direito comparado,210conclui GARCIA AMIGO:211
Después de la exposición de cuanto antecede, la conclusión que se impone
es la de que en estado actual de nuestro Derecho positivo vigente, las
condiciones generales de contrato en todas sus manifestaciones no tienen
otro valor que el que les confiere el contrato de cuyo contenido normativo
forman parte - es decir, que aceptamos en toda su pureza y con todas sus
consecuencias la tesis contractual. Con ello quire significarse que antes de
ser contenido del consentimiento de las partes, las condiciones generales
no son nada juridicamente. [...] contrato es la única via posible para que los
particulares puedan autorregular sus proprias relaciones contractuales. [...]
Por todo ello, cabe concluir que las condiciones generales de los contrato
son un simple proyecto de lex contractus, y, como tal, no vinculante para
nadie.
Sendo contrato (ou parte dele), as cláusulas contratuais gerais deverão ser
interpretadas como os negócios jurídicos em geral (CC, art. 112), sendo o aderente
parte contratual concreta. Elas integram a oferta e seguem a sua sorte.
2.4.3 Teoria eclética
Talvez o chamado "recente retorno"212 dos adeptos da teoria normativista tenha
motivado o repensar da corrente contratualista, até então reconhecidamente
majoritária no direito comparado e brasileiro.
Para CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,213 todavia, não parece
correta a tese de que as cláusulas contratuais gerais constituam um tertium genus,
uma declaração negocial de natureza especial:
210 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. Madrid: Revista de Derecho
Privado, 1969. p. 100-131. 211 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 162-164. 212 RIZO, Vito. Condizioni generali del contratto e predisposizione normativa. Camerino: Scientifiche
italiane, 1983. p. 29-33.
110
[...] somos mais inclinados a crer, como já se viu, que as condições gerais,
uma vez emitidas e colocadas à disposição do público, isto é, levadas ao
conhecimento deste, por qualquer forma, integram uma proposta negocial,
do gênero de uma promessa irrevogável de contratar, gerando no aderente
um direito potestativo, de emitir a declaração de aceitação, não mais
podendo o estipulante eximir-se de contratar, naquelas condições
predispostas.
KARL LARENZ214 foi um dos grandes encorajadores da teoria normativista, mas
que, ao mesmo tempo, advertia que as cláusulas contratuais gerais não poderiam
ser consideradas verdadeiras normas jurídicas, abrindo caminhos para a adoção de
uma teoria eclética, sem qualquer tentação simplista que o ecletismo provoca. Para
o mestre alemão, as cláusulas contratuais gerais têm o caráter de normas, mas lhes
falta a eficácia normativa, a obrigatoriedade do direito objetivo, posto que nem
mesmo o empresário que as estabelece está facultado a criar direito:
Las condiciones generales de contratación no contienen una regulación
sólo para un caso concreto, sino para una generalidade de casos y para un
número indeterminado de negocios. Tienen, por lo tanto, el carácter de
normas. Pero les falta la validez normativa, la obligatoriedad del Derecho
objetivo, puesto que ni el empresario que las establece está facultado para
crear derecho, ni se trata de un derecho consutuedinario por faltarles el
requisito de la convicción jurídica predominante en la comunidad. Las
condiciones generales de contratación sólo adquieren vigencia, caso por
caso, cuando el cliente se somete a ellas. Mediante esta sumisión llegan
ser formalmente derecho contractual, que en el supuesto concreto
únicamente vincua a los contratantes, y ello en base a su acuerdo.
Pois bem. A tese normativa põe em relevo o ato de predisposição das cláusulas
contratuais gerais, a tese contratualista atribui relevo ao momento em que as
cláusulas contratuais gerais são integradas ao contrato. Percebendo a
complementabilidade das duas teorias, busca a teoria eclética uma solução fora dos
quadros parciais apresentados por elas.
213 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 152. 214 LARENZ, Karl. Derecho de obligaziones. v. 1 Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958.
p. 127.
111
O maior defensor da teoria eclética em nosso país é PAULO LUIZ NETTO LÔBO.
Ele explica as razões da confusão entre as teorias:215
A confusão que se fez entre contrato de adesão e condições gerais
embaralhou os critérios distintivos, contribuindo para a dúvida ainda hoje
reinante. O direito alemão ignorou o contrato de adesão, e atribuiu
exclusividade às condições gerais. O direito francês ignorou as condições
gerais e atribuiu exclusividade ao contrato de adesão. As duas figuras,
entretanto, são individuais e interdependentes. O contrato de adesão é
negócio jurídico contratual concreto que adere às condições gerais. O
contrato de adesão só existe a partir do acordo que unifica oferta e
aceitação. Não há qualquer diferença de natureza jurídica substancial entre
ele e o contrato regular. Não se pode falar em predisposição de contrato de
adesão. Não há controle abstrato ou concreto da validade e da eficácia do
contrato de adesão, mas das condições gerais que ele suporta. A validade
do contrato de adesão rege-se pelas regras comuns dos negócios jurídicos
(nulidade, anulabilidade, deficiência). Do conteúdo do contrato de adesão
destacam-se as condições gerais que estão sujeitas a regras próprias de
validade (são abusivas ou não), de eficácia (se foram juridicamente
integradas ao contrato de adesão) e de interpretação (interpretação típica).
No contrato de adesão, a oferta é oferta ao público (fornecimento de bem
ou serviço) e a aceitação ocorre quando o aderente se determina pela
declaração ou pela utilização do bem ou serviço. O aderente não adere ao
contrato de adesão, porque antes do acordo não há contrato. Tampouco
adere às condições gerais. Estas são eficazes quando integradas ao
contrato individual, licitamente, até mesmo quando o aderente desprová-
las. [...] não se deve, pois, confundir eficácia concreta das condições
gerais, em um determinado contrato, com sua existência. O contrato não
dá vida às condições gerais; individualiza a eficácia. Esta eficácia, apesar
de delimitada pela relação jurídica concreta que se formou, tem alcance e
conteúdo típicos, idênticos a todos os demais contratos que derivam ou
venham aderir às mesmas condições gerais. Mais uma vez, recordamos o
exemplo analógico das normas dispositivas, que dependem de omissão
(falta de negociação em contrário) dos contratantes para ser eficazes
(incidirem), sendo antes existentes e válidas. [...] Se as condições gerais
fossem inexistentes antes da integração ao contrato, como se explicaria o
controle preventivo abstrato que atua no plano de validade? Condições
gerais são invalidades antes de se integrarem a qualquer contrato. Como
se invalidaria o que é inexistente? Portanto, as condições gerais existem e 215 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 197.
112
são válidas ou inválidas (nulas) antes de sua integração aos contratos
individuais.
PONTES DE MIRANDA216 aproxima as cláusulas contratuais gerais da oferta ao
público. Segundo o autor:
Alguns negócios jurídicos bilaterais podem resultar de atitude ou de ato que
signifique manifestação de vontade do agente ou de outrem. As figuras
mais freqüentes são a das estradas de ferro, a dos ônibus ou dos bondes,
a das barcas e a dos outros transportes públicos. O problema é assaz
complexo e temos de evitar soluções apressadas que fornecem à
homogeneidade de construção o que é heterogêneo. A concepção mais
encontrável é a que considera o contrato de transporte como oferta ao
público, de modo que, em todos os casos, quem dêle se utiliza aceita.
Esta é a tese defendida por ANTEO GENOVESE.217 Em trabalho monográfico,
ocupa-se do exame das cláusulas contratuais na fase anterior à formação do
contrato, examinando se estas têm ou não natureza contratual. Para o autor, as
cláusulas contratuais gerais seriam uma declaração ao público, contendo a
expressão de uma vontade geral à medida que não só tendem a disciplinar
uniformemente uma pluralidade de negócios, endereçando a uma pluralidade de
sujeitos. Trata-se de uma declaração única, de caráter geral, não tendo o
predisponente que cuidar de dar a conhecer a cada interessado, por se tratar de
uma cognoscibilidade típica.
Com uma observação um pouco diferenciada, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA218
diz que:
Antes da inserção, as cláusulas contratuais gerais não são ainda parte do
contrato que se tem em vista e não é sequer certo que venham a ser
incluídas em algum contrato. Mas isto não implica que não tenham eficácia
jurídica. Em primeiro lugar, porque estão sujeitas a controlo jurisdicional
através da ação inibitória regulada pelos artigos 25 e seguintes. Em
segundo lugar, porque podem gerar a confiança dos destinatários quanto
aos seus aspectos favoráveis ou no sentido de que outras mais
216 PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado . t. 38. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p.
29. 217 GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam, 1954. p. 120 e ss. 218 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contrato I. Conceito. Fontes. Formação. 2. ed. p. 155.
113
desfavoráveis não serão predispostas. Podem, mesmo quando
correspondam à plenitude do projecto contratual, ter a natureza de
propostas ao público. Em qualquer caso, a elaboração e a publicação das
cláusulas contratuais gerais é facto juridicamente relevante enquanto acto
preparatório da formação de contratos. Em si mesmas as cláusulas
contratuais gerais têm a potencialidade para, sem transformação
intrínseca, se actualizarem como parte do conteído de futuros contratos.
São portanto sempre enunciados contratuais gerais, isto é, enunciados
negociais com vocação para se integrarem numa pluralidade de contratos.
Criticando esta posição, pondera PAULO LUIZ NETTO LÔBO,219 insistindo que a
confusão entre os conceitos adesão e cláusulas contratuais gerais pode gerar a
unificação de figuras distintas:
A oferta, embora constituindo negócio jurídico unilateral autônomo, tem
vida efêmera,220 pois destina-se a formar com aceitação o acordo que dá
existência ao contrato. Esta é sua raison d'être: fundir-se com outra
declaração, extinguindo-se para dar existência a outro ser jurídico. A oferta
pode incluir condição em sentido estrito, termos, encargos, que não se
confundem com as condições gerais. A oferta ao público, embora
destinando-se à coletividade, é sempre concreta; não é abstrata
(fornecimento de determinados bens ou serviços). As condições gerais não
estabelecem vínculo porque nada ofertam, não integram a oferta. A
integração apenas se dá ao contrato individual quando ele se conclui.
Podem não ser integradas se a prestação de meios objetivos de
cognoscibilidade não for cumprida, apesar de incorporadas ao instrumento
do contrato. A oferta já vincula quando emitida. As condições gerais não se
extinguem quando o contrato se conclui, quando há o acordo, ao contrário
da oferta. Se o objeto é ilícito, nulo é o contrato, ao passo que a nulidade
das condições gerais em princípio não afeta a validade do contrato. A
oferta no contrato de adesão é oferta ao público e o contrato de adesão é o
219 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 200. 220 Sobre a questão da duração da oferta ao público, cumpre colacionar os ensinamentos de DARCY
BESSONE: "a questão da duração da oferta ao público não é destituída de dificuldades (...) O termo final constitui outro problema. Vivante considera a proposta persistente durante o tempo estabelecido no anúncio, ou determinado pela natureza do negócio. A publicação da revogação, quando a oferta for sem prazo, operará em relação ao futuro, mas não a respeito dos atos praticados por confiança na proposta. Tratando-se de proposta que, por sua natureza, deva ser considerada permanente, vigorará, enquanto não for retirada. Vivante fala, com razão, no senso jurídico do público, que confia na oferta e conta com a sua execução, para justificar a responsabilidade de que o ofende, perturbando, maliciosamente, o mercado com ofertas que não queria ou não possa manter. É de acordo com esse senso jurídico que as circunstâncias deverão ser ponderadas". BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 140.
114
contrato onde se individualiza a eficácia das condições gerais. Essa
estreita interligação levou muitos a unificar as figuras.
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,221 as cláusulas contratuais gerais são editadas
para regular o contrato de adesão e, por isso, antecedem a oferta ao público, tendo,
portanto, função distinta. Assim, conclui que as cláusulas contratuais gerais são atos
normativos-negociais, ou atos mistos típicos, levando em consideração o caráter
heterônomo dessas, eis que:
Não faz sentido a contraposição condições gerais–contrato, porque um tipo
não afasta outro; complementam-se. As condições gerais aproximam-se
analogicamente das normas jurídicas dispositivas, mas não têm a mesma
natureza. Não têm o bônus da lei, mas o ônus: devem ter o sentido que
beneficie a coletividade destinatária e não a quem editou. Daí serem
interpretadas segundo valores típico-sociais e tendo em vista um aderente
típico, abstrato, abandonando-se qualquer pesquisa de intenção das
partes. [...] As condições gerais tanto têm natureza de atividade, sob a
perspectiva do predisponente (função parcialmente normativa), quanto de
ato, sob a perspectiva do aderente (função parcialmente negocial). Têm
uma dimensão individual e uma dimensão coletiva. [...] Em suma, as
condições gerais são dotadas de natureza mista típica de ato normativo e
ato negocial, de atividade e de ato, localizando-se entre a norma jurídica e
o negócio jurídico, como regulamento contratual abstrato que pressupõe
validade, eficácia e interpretação típicas. O direito das condições gerais
fundamenta-se, de um lado, no controle da atividade do predisponente e,
de outro, na defesa e favorecimento do aderente, tendo por finalidade o
justo equilíbrio de direitos e obrigações entre ambos.
Concordamos com essa posição, situando as cláusulas contratuais gerais no meio
do caminho entre a norma jurídica geral e o negócio jurídico contratual. De fato, as
cláusulas contratuais gerais não são normas jurídicas, mas é possível uma aplicação
analógica com estas.
Também não podemos afirmar que, antes da integração ao contrato, a cláusula
contratual geral tem natureza de negócio jurídico contratual, ou ainda afirmarmos
que, antes da formação do contrato de adesão, estas devem ser consideradas
221 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 201- 203.
115
inexistentes juridicamente. Antes de estarem inseridas nos contratos, elas podem
ser consideradas negócio jurídico unilateral.222
Atentos a esses detalhes, será possível entendermos o modo peculiar de
interpretação e de controle judicial das cláusulas contratuais gerais, que se
diferenciam, por tais razões, de um contrato individual, constituindo-se a melhor
fundamentação para o controle abstrato e para o caráter objetivo que hoje
predomina no direito das cláusulas contratuais gerais.
2.5 INSTITUTOS AFINS – DIFERENÇAS
As cláusulas contratuais gerais não se confundem com o contrato-tipo. Segundo o
art. 1.342 do Código Civil italiano,223 contrato-tipo é aquele que é concluído mediante
módulos ou formulários, podendo, por isso, levar a uma confusão com as cláusulas
contratuais gerais. 222 A definição de negócio jurídico, segundo AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio Jurídico -
existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 15, deve ser formulada do ponto de vista estrutural, ou seja, não deve se procurar saber como ele surge ou atua, mas o que ele é. Em concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide. A peculiaridade do negócio jurídico é que estando na dependência dos efeitos que foram manifestados como queridos, o direito, para realizar essa atribuição, exige que a declaração tenha uma série de requisitos, ou seja, que ela seja válida. Eis aí o plano da validade a se interpor entre existência e eficácia. Quando se fala em elemento do negócio jurídico, deve ser entendido tudo aquilo que compõe sua existência no campo do direito (p. 30). No âmbito do negócio jurídico temos i) elementos gerais, isto é, comuns a todos os negócios; ii) elementos categoriais, isto é, próprios de cada tipo de negócio; iii) elementos particulares, isto é, aqueles que existem em um negócio determinado, sem serem comuns a a todos ou certos tipos. Os elementos gerais são aqueles indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio: a forma (que a declaração toma), objeto (isto é, seu conteúdo), e as circunstâncias negociais (aquele "quid" que faz com que uma declaração de vontade seja vista socialmente, como destinada à produção de efeitos jurídicos). Há também os elementos gerais extrínsecos, que são o também indispensáveis: o agente, lugar e tempo. Partindo dessas noções, podemos defender que, enquanto não inserido em um contrato individual, as cláusulas contratuais gerais são negócio jurídico unilateral. Como explica SILVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA, "todo negócio jurídico exige, como elemento essencial, a exteriorização de vontade dirigida a provocar uma consequência jurídica, chamada vontade do negócio. O negócio jurídico unilateral conteria somente a declaração de vontade de uma parte, como o testamento e a promessa pública, enquanto o negócio jurídico bilateral, ou contrato, conteria declarações de vontade correlativas e recíprocas de duas ou mais partes. A oferta seria uma dessas declarações de vontade que, uma vez aceita, forma o contrato. Por isso a oferta é qualificada como uma declaração de vontade receptícia. A oferta é uma das duas declarações de vontade necessárias à formação dos contratos". ROCHA, Silvio Luís. A oferta no Codigo de defesa do consumidor. São Paulo: Lemos Editorial, 1997. p. 38-39. Ver ainda ROCHA, Silvio Luís. Curso avançado de direito civil. v. 3 São Paulo: RT, 2002. p. 78.
223 "Art. 1342 - Contratto concluso mediante moduli o formulari - Nei contratti conclusi mediante la sottoscrizione di moduli o formulari, predisposti per disciplinare in maniera uniforme determinati rapporti contrattuali, le clausole aggiunte al modulo o al formulario prevalgono su quelle del modulo o del formulario qualora siano incompatibili con esse, anche se queste ultime non sono state cancellate (1370). Si osserva inoltre la disposizione del secondo comma dell'articolo precedente".
116
Explica DARCY BESSONE:224 225
O contrato-tipo não é pactum de contrahendo, porque as partes não se
obrigam a contratar. É, antes, pactum de modo contrahendi, uma vez que
preestabelece conteúdo para os contratos que venham a querer concluir.
Distingue-se, pois, da promessa de contratar. [...] a principal diferença entre
o contrato tipo e o contrato de adesão é fornecida pela bilateralidade ou
unilateralidade de sua criação. O primeiro é formulado por acordo das
partes, como conteúdo prévio de eventuais contratos futuros, ao passo que
o segundo é elaborado por uma só das partes, cabendo à outra tão-
somente aderir ao contexto unilateralmente preparado.
FRANCESCO MESSINEO,226 por sua vez, faz algumas observações sobre o
contrato-tipo em contraposição com o contrato de adesão (composto por cláusulas
contratuais gerais), mas, no fim, reconhece não ser fácil a distinção entre tais
figuras:
il contratto-tipo è il frutto dell'opera concorde delle due parti (e, quindi, è
necessariamente noto ad entrambe, sì che nessuna dovrebbe restarne
pregiudicata, per ignoranza del su contenuto); e constituisce uno schema
concreto, che è destinato a disciplinare una serie di contratti [....]. Dal punto
di vista statistico, ocorre dire che, di regola, il contratto-tipo è bilaterale, in
quanto frutto di collaborazzione (preceduta da dibatti e a parità di
condizioni) gra le parti. [...] Non è agevole fissare la distinzione interna tra
contratto-tipo e contratto per adesione. Le due figure non si differenziano
sotto l'aspetto della ,,fissità>> del contenuto; come tali, ainzi, esse sono
analoghe e si contrappongono entrambe al contratto a contenuto variabile
[...] L'altra differenza – strutturale o formale – va risposta, probabilmente,
nel fatto che lo schema del contratto-tipo constituisce il risultato d'una
elaborazione del contenuto di esso, condotta – a parità di condizioni – dai
224 BESSONE, Darcy. Do contrato. Teoria Geral. p. 61. 225 Expondo o que seria o contrato-tipo, sem, contudo, apresentar uma distinção segura com as
cláusulas contratuais gerais, MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO: "Nos contratos-tipo a técnica de formação é análoga. É comum, hoje em dia, as partes recorrerem a fórmulas tipo, que servem de modelo para os contratos que pretendam concluir entre elas. Encontram-se impressas nas livrarias, nas bancas de revistas, à disposição de quem as queira utilizar. Formas prontas dos mais variados contratos, como, por exemplo, os contratos de locação. Podem ser elaborados pelas empresas ou pela Administração Pública, para servirem de modelos para futuros contratos." SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. São Paulo: Lex Editora S.A., 2000. p. 61.
226 MESSINEO, Francesco. Il contratto in genere. v. XXI, t. I. Milão: Giuffrè, 1973. p. 680 e 682.
117
raprresentanti delle due categoria di futuri contraente interessati; laddove lo
schema del contratto per adesione è elaborato sempre dalla sola parte, che
abbiamo designato como economicamente più forte e dove, quindi, vi ha
disparità di condizioni. Pertanto, se anche il contratto-tipo fosse elaborato, e
il suo contenuto fosse prestabilito, da una sola delle parti, esso
coinciderebbe con il contratto per adesione.
O contrato-tipo pode não ser predisposto unilateralmente, podendo as partes que o
utilizam consentir e negociar todos os seus termos. O contrato-tipo é padronizado,
mas não é imposto por uma parte à outra. A possibilidade de alteração, impossível
nas cláusulas contratuais gerais, caracteriza o contrato-tipo, que pode ser alterado
sem quebra de sua substância, pelas partes que o estabelecerem em declaração
comum.
Mas é errado pensar que o contrato-tipo é um modelo facultativo. Pode a lei ou ato
administrativo impor uma fórmula tipo de contrato. Exemplo que pode ser citado é a
exigência do art. 18, VI, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979),
que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada de "exemplar
de contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de
cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta
lei".
As cláusulas contratuais gerais também não podem ser confundidas com a
convenção coletiva ou com o acordo normativo,227 concluído entre entidades
representantes de categorias econômicas opostas e destinado a fixar um
regulamento uniforme e abstrato das relações jurídicas do setor, prevenindo ou
regulando conflitos de interesses. Por não serem unilateralmente predispostas, por
terem a função de regulamento de lei (não se destinando à integração de contratos),
227 Sobre a definição de "acordo", importa trazer a manifestação de EMILIO BETTI: “O negócio
(bilateral ou plurilateral) de interesses opostos ou divergentes é o contrato; pelo contrário, o negócio (sobretudo o plurilateral, mas também o bilateral), com interesses paralelos ou convergentes para um escopo comum, costuma qualificar-se como <<acordos>>, no sentido mais restrito que, doutrinariamente, se convencionou dar a este termo. Para compreender bem a distinção entre o contrato e acordo em sentido estrito, é preciso ter em conta a relatividade destas qualificações. << Contrato>> e <<acordo>> não designam categorias de negócios claramente antitéticas (que elas não são antitéticas, é logo demonstrado pela simples reflexão de que o acordo, no sentido lato, é o primeiro requisito do contrato: art. 1325, n. 1, do Cód. Civil)”. BETTI, Emilio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. t. II. Coimbra: Coimbra editora, Trad. Fernando de Miranda, 1969. p. 198.
118
por terem eficácia imediata e serem passíveis de negociação, não podem ser
confundidos com as cláusulas contratuais gerais.
RUY CIRNE LIMA,228 em curto parecer publicado na Revista de Direito Civil, explica
que os acordos normativos possuem conteúdo exclusivamente normativo, com
aplicação ao status que, pela submissão às mesmas normas, atribui ao co-
contratante.
PAULO LUIZ NETTO LÔBO229 dá como exemplo de convenção coletiva não só a
convenção coletiva de trabalho, mais comum nos dias de hoje, mas também a
convenção coletiva que disciplina a concessão comercial entre produtores e
distribuidores de veículos automotores de via terrestre, prevista na Lei n. 6.729/1979
que, no seu art. 17, determina que a convenção coletiva celebrada entre fabricantes
e concessionários, por intermédio de entidades representativas, terá força de lei por
ser aplicável também a quem dela não participou diretamente, desde que
pertencente a uma das categorias econômicas.
Há de se destacar, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 107,
introduz a possibilidade de convenção coletiva de consumo como meio de solução
de conflitos coletivos em que fornecedores e consumidores, por intermédio de suas
entidades representativas, estabelecem condições para certos elementos da relação
de consumo, de modo a atuarem nos contratos individuais ("meio de regular
condições"). Independem de integração contratual para produzirem efeitos.
2.6 EXEMPLOS DE INCIDÊNCIA CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
As cláusulas contratuais gerais são encontradas em diversos ramos de atividade,
recebendo a alcunha de "normas gerais" ou, como é mais comum, de "condições
gerais" e que, na maioria das vezes, são de difícil acesso aos destinatários da
aceitação.230
228 LIMA, Ruy Cirne. Contrato e acordo normativo. Revista de Direito Civil, São Paulo, RT, ano 7, n.
26, p. 179-180, out./dez. 1983. 229 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 44. 230 Na contratação do serviço de provedores de internet é comum a cláusula contratual no seguinte
sentido: "a aceitação total das condições, regras e normas descritas neste regulamento, assim como das disposições constantes nas 'condições gerais de contratação do serviço X banda larga’, no contrato da operadora, no plano participante escolhido, bem como das demais regras e condições contratuais aplicáveis". Em regra, estas cláusulas contratuais gerais não se encontram escritas em nenhum lugar do site. Nos bilhetes de passagem aérea, as transportadoras declaram
119
Em todas as atividades econômicas voltadas a uma infinidade de negócios
(instituição financeira, instituição de seguro e previdência, franquias, cartões de
crédito, vendas por mala direta, leasing, fornecimento público de luz, telefone, água,
gás, correios, transporte de pessoas e coisas etc.) o predisponente faz remissão às
cláusulas contratuais gerais que integrarão o contrato a ser celebrado. Em grande
parte das situações, são feitas restrições aos direitos dos aderentes, adaptando as
cláusulas em conformidade com a atividade desenvolvida, sem deixar de serem
feitas, aliás, referências aos artigos do Código de Defesa do Consumidor. Não é
possível catalogarmos todas as situações em que elas incidem, o que não impede,
todavia, de ilustrarmos algumas situações encontradas na prática em que a
juridicidade das cláusulas contratuais gerais são questionadas nos tribunais.
É muito comum nos depararmos com cartão-proposta de algum tipo de seguro,
impondo, sem que a maioria dos futuros segurados saiba, a outorga de procuração
ampla ao estipulante com "direito de agir em seu nome no cumprimento e na
alteração de todas as cláusulas gerais e especiais".
Essa disposição, com algumas variantes, também pode ser encontrada no contrato
de adesão referente à prestação dos serviços de distribuição de gás canalizado. No
Estado de São Paulo, por exemplo, no contrato oferecido pela Companhia de Gás
de São Paulo (CONGÁS), a cláusula nona dispõe expressamente caber à
predisponente dirimir toda e qualquer divergência oriunda do contrato, alterando-o,
caso necessário.
No mesmo contrato, podemos encontrar a cláusula geral que autoriza a
predisponente a suspender o fornecimento de gás, sem aviso prévio, por razões de
ordem técnica ou de segurança, e com aviso prévio, por falta de pagamento da
fatura de gás, depois de decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias para o segmento
residencial e 30 (trinta) dias para os demais segmentos (cláusula quinta).
Mais comum é a utilização das cláusulas contratuais gerais em licitações, apontando
as características do futuro contrato a ser celebrado.
que se reservam o direito de recusar o transporte de qualquer pessoa que tenha adquirido um bilhete em violação às leis aplicáveis ou a tarifas, "normas e regulamentos do transportador”. As normas e regulamentos do transportador não estão transcritos no bilhete.
120
Nos contratos de emissão e utilização de cartão de crédito, o aderente declara que
dará por reconhecida e aceita a exatidão da prestação de contas e da liquidez do
débito, se não reclamar num prazo determinado a partir do vencimento do extrato
mensal, sem qualquer ressalva para atraso de entrega do extrato, nomeando foro da
sede da administradora do cartão para dirimir as controvérsias entre o aderente e o
predisponente. Nas cláusulas contratuais gerais envolvendo serviços de cartão de
crédito, é comum a estipulação de multa de 100% por uso indevido do cartão. Nos
casos de seguro de automóveis, consta de algumas cláusulas contratuais gerais de
alguns contratos previsão de multa de 100% sobre o valor de franquia paga ao
segurado em caso de inexatidão de informações fornecidas no ato da contratação.
Nas cláusulas contratuais gerais de apólice de seguros de automóveis, por sinal, a
relação de danos não coberta pelo seguro deixa a impressão de restarem poucas
hipóteses de danos indenizáveis. No caso de cancelamento do contrato, o segurador
reterá, do prêmio recebido, uma parte proporcional ao tempo decorrido, para cobrir
"despesas operacionais".
Como afirmamos em linhas anteriores, nada impede que a autoria intelectual das
cláusulas contratuais gerais seja feita por um grupo de empresas. A título de
exemplo, podemos citar um acordo de acionistas entre fundos de investimentos por
meio do qual são estipuladas cláusulas contratuais gerais para investimento em
ações, aquisição de participações relevantes em empresas, bem como a aferição de
lucro para seus investidores, por intermédio de uma gestão influente e controlada,
pela venda dos ativos que compõem sua carteira por preços superiores àqueles
pelos quais os adquiriu, ao final do prazo de duração do fundo. Como afirma RENAN
LOTUFO,231 em parecer específico sobre esta questão, ainda que o regime jurídico
do fundo seja especial, e não regulado pelo nosso direito positivo à época da oferta
feita, tem-se que o negócio se originou sob a forma da invitatio ad oferendum, ou
seja, ofereceu-se a oportunidade de quem quiser vir a manifestar vontade no mesmo
sentido, mediante adesão ao que estava previamente fixado como causa final. O
que estava estabelecido são as cláusulas gerais, que não ficam submetidas à livre
negociação com os interessados em aderir ao contrato, o exercício de sua
231 Ver parecer do Professor RENAN LOTUFO, juntado na Ação judicial n. 2004.001.038.949-7, em
curso perante a 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro. Inédito.
121
autonomia privada fica limitado aos elementos concretos de sua identidade e do
valor que querem investir, pois o caso é de fundo de investimento especial.
Nas cláusulas contratuais gerais de shopping centers, na maioria das vezes
registradas em Cartórios de Títulos e Documentos, podemos encontrar, de forma
expressa, cláusula obrigando o aderente lojista a manter a loja aberta (ou fechada)
nos dias e horários estabelecidos pelos proprietários do shopping. Também pode ser
encontrada previsão autorizando o acesso dos funcionários do proprietário do
shopping aos livros contábeis e ao caixa do aderente, pelo tempo que julgarem
necessário, com o fim de controlar a atividade econômica, fiscalizando sua
compatibilidade com o restante dos negócios e as perspectivas econômicas daquele
empreendimento.
Os contratos de incorporação imobiliária também são precedidos do uso de
cláusulas contratuais gerais. Algumas dessas cláusulas autorizam o incorporador a
alterar, unilateralmente, o projeto apresentado ao adquirente. Também é comum que
algumas cláusulas transfiram os riscos e a responsabilidade do empreendimento
para o adquirente da unidade autônoma, ou cláusulas determinando a perda total ou
parcial das prestações pagas pelo adquirente da unidade autônoma.
Por enquanto, não cabe analisar se há ou não abusividade em tais situações. Aliás,
é importante dizer desde já que, ao contrário do que se pode pensar, com a
proliferação dos estudos consumeristas, é que nem todas as cláusulas contratuais
gerais são consideradas abusivas.
Outros exemplos de utilização das cláusulas contratuais gerais serão dados no
curso deste trabalho.
122
3
AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO
3.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo é destinado a tecer um panorama geral das legislações específicas
sobre as cláusulas contratuais gerais em diversas partes do mundo, sem prejuízo de
novas (e inevitáveis) abordagens acerca do direito estrangeiro no curso do trabalho,
em especial, no item sobre o controle das cláusulas contratuais gerais consideradas
abusivas. Frise-se, no mais, que a pretensão aqui não é o estudo pormenorizado de
direito comparado, mas sim apontar, ainda que brevemente, algumas das mais
importantes legislações sobre as cláusulas contratuais gerais ao redor do mundo.
3.2 DIREITO EUROPEU. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA DIRETIVA N. 13, DE 05.04.1993
De acordo com ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 232 durante o século XX, o
tratamento das cláusulas contratuais gerais se desenvolveu em quatro fases no
continente europeu.
Inicialmente, aplicavam-se regras gerais para se resolver os problemas advindos da
existência de cláusulas contratuais gerais nos contratos. A falta de uma legislação
específica passou a ser sentida, uma vez que as cláusulas contratuais gerais
definem uma maneira diferenciada de formação dos contratos.
Nesse primeiro período, conseguiu-se uma autonomização jurisprudencial que,
conjuntamente com o estudo doutrinário desenvolvido, que buscava soluções
adequadas ao regime próprio das cláusulas contratuais gerais, fez que o legislador
positivasse regras específicas para proteção dos contratantes. Destacaram-se
regras atinentes à exclusão de cláusulas não conhecidas pelo aderente e à
invalidação de cláusulas despropositadas, isto é, que estivessen fora da
normalidade e frustrassem os objetivos do negócio.
As cláusulas contratuais gerais passaram a sofrer regulação em pequena escala, o
que pode ser retratado pela positivação do art. 1.341 do Código Civil italiano,233
232 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português. I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed.
Coimbra: Almedina, 2005. p. 600.
123
insuficiente para tutelar os contratantes ou viabilizar seu conhecimento daquilo que
estava sendo contratado. Muitos contratos regidos por cláusulas contratuais gerais
se formavam por comportamentos concludentes, de forma que o conhecimento das
cláusulas pelo aderente nem sempre era possível. Ademais, ainda que se
reconheçam a inconveniência e os abusos de certas cláusulas predispostas, muitas
vezes o aderente pode preferir aceitá-las, seja por necessidade, seja por
conveniência, a fim de evitar conseqüências que possam se originar em razão de
sua discordância.
Assim, afigurou-se necessária a regulamentação do tema das cláusulas contratuais
gerais por uma legislação mais ampla, que se ocupasse não só da forma de
contratação, mas que passasse a cuidar do conteúdo dos contratos que as
contivessem.
Em 16 de novembro de 1976, foi adotada pela Comunidade Européia (Conselho da
Europa) a Resolução n. 47, que cuidou de condições gerais abusivas nas relações
de consumo e de formas de seu controle. Essa resolução serviu como estímulo ao
desenvolvimento de legislações que regulassem a matéria. Para esse diploma legal,
seriam cláusulas contratuais gerais abusivas aquelas que geram desequilíbrio de
direitos e obrigações que gerem prejuízo ao consumidor. Tais idéias serão
desenvolvidas no próximo capítulo.
233 De acordo com EWOUD H. HONDIUS a lei polonesa de obrigações, editada em 1933, foi a
primeira norma reguladora de condições gerais. HONDIUS, Ewoud H. Il controllo sulle condizioni generali nel diritto olandese. BIANCA, Massimo. (Coord.). Le condizioni generali di contratto. p. 407 e ss. Essa lei precedeu a previsão sobre condições gerais conferida pelo Código Civil italiano, de 1942, o qual foi o primeiro diploma codificado a tratar do assunto. GOMES, Orlando. Contrato de adesão. p. 131, noticia, ainda, a existência de previsão no Código Civil da Etiópia, de 1960, que, em seus artigos 3135, também tratou do tema. Esse código divide as cláusulas contratuais gerais em três espécies: i) condições gerais para contratos administrativos; ii) condições gerais para os contratos privados aprovados pela Administração Pública; iii) condições gerais para os contratos privados não aprovados pela Administração Pública. Este Código também é trabalhado por M. GARCIA-AMIGO, em seu Condiciones generales de los contratos. p. 53. Na esteira de outras legislações, nos Estados Unidos foi editado, em 1975, o “Magnusson-Moss Warrranty – Federal Trade Comission Improvement Act”, também chamado “Warranty Act”. À época, foi considerada um “bill of rights” dos consumidores. Buscou assegurar o direito à informação dos consumidores, possibilitado pelo emprego de vocabulário simplificado nas condições gerais, acessível a esse público. Além disso, o “Warranty Act” definiu formas de controle, adotando um sistema misto – administrativo e judicial, o primeiro exercido pela “Federal Trade Comission” e o segundo por meio de propositura de “class actions” (ação que visa a assegurar direitos difusos). O foco do “Warranty Act” são as cláusulas de garantia, tidas como instrumento contra condições gerais abusivas. Para tanto, além de prever o uso de uma linguagem clara na redação dessas cláusulas, elencou ainda um rol exemplificativo de cláusulas abusivas. As características das cláusulas contratuais gerais nos Estados Unidos serão retomados quando do estudo das cláusulas abusivas.
124
Por tal resolução, foi estabelecido que os Estados-membros deveriam criar
instrumentos legais efetivos contra cláusulas contratuais gerais abusivas inseridas
nas relações de consumo, de forma a prevenir sua introdução nos contratos,
principalmente quando ficasse evidente a impossibilidade de o consumidor influir no
seu conteúdo. Enfatize-se que o referido diploma legal pugnava para que fossem
instituídos meios que permitissem ao consumidor o conhecimento prévio das
cláusulas contratuais gerais.
Não havia na Resolução n. 47 formas bem definidas de controle, sistematizadas,
mas ela já fornecia subsídios para que ele acontecesse (como a existência de
procedimentos judiciais céleres e com valor acessível – no caso de controle
repressivo – e a criação de um órgão administrativo ou judiciário para evitar que a
inserção de cláusulas abusivas acontecesse – na hipótese de controle preventivo).
Essa resolução teve grande repercussão nos Estados-membros da Comunidade
Européia, que passaram a legislar, internamente, sobre o assunto.
Em um momento posterior, principalmente a partir da década de 1980, criou-se,
aliada à noção das cláusulas contratuais gerais, a idéia de tutela do consumidor. No
dizer de MENEZES CORDEIRO:
A tónica da generalidade, que primeiro justificara as intervenções
legislativas correctoras, veio a ceder espaço à da pré-formulação: trata-se
dum esquema indirecto destinado a proporcionar, dentro de cada contrato,
a sindicância directa à luz do Direito do consumo.234
Concretizando esse entendimento, foi editada a Diretiva n. 13, em 05 de abril de
1993, pela Comunidade Econômica Européia (CEE). Esse regulamento buscou: i)
uniformizar a legislação sobre cláusulas contratuais gerais nos países que compõe a
Comunidade, a fim de estimular a livre concorrência, já que as empresas passariam
a se comportar de acordo com um regramento mais unificado, o que facilitaria sua
atuação no mercado e ii) introduzir a temática dos direitos do consumidor, em razão
da sua hipossuficiência diante dos agentes econômicos. Assim, tendo em vista as
disparidades das legislações dos diversos Estados-membros e entendendo que eles
deveriam legislar no sentido de se evitar cláusulas abusivas, estabeleceu-se uma
234 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.
604.
125
diretiva mínima pela qual os Estados poderiam dispor mais, e não menos, do que ali
se declara.
Diversas críticas foram feitas às suas disposições. MENEZES CORDEIRO as
enumera.235 A primeira delas é que adotou a nomenclatura “cláusulas abusivas”,
perfilhada ao Direito francês. Ademais, misturou os conceitos das cláusulas
contratuais gerais com o dos contratos pré-formulados e com o de contratos de
adesão. A Diretiva comunitária relativa a cláusulas abusivas tem como alvo
cláusulas contratuais que não tenham sido objeto de negociação individual (art. 3º,
inc. I), independentemente de essas cláusulas merecerem ou não a qualificação de
cláusulas contratuais gerais, o que ocasionou inúmeros problemas de aceitação da
Diretiva, como em Portugal. A diretiva aplica-se, portanto, a todos os contratos de
adesão, abrangendo não só os contratos padronizados por cláusulas contratuais
gerais, como também contratos individualizados contendo cláusulas
especificadamente concebidas por uma das partes para a aplicação em determinado
contrato.
Para o autor português, esta diretiva usou conceitos, como o da boa-fé, que
demonstram uma dificuldade em serem aplicados uniformemente nos diversos
países componentes da comunidade. Apesar dessas críticas, entretanto, a Diretiva
n. 13/1993 influenciou as legislações no sentido de expandir seu alcance.
3.3 CÓDIGO CIVIL ITALIANO
O primeiro artigo que disciplinou o assunto no Código Civil italiano foi o art. 1.341,
que ainda aborda os critérios de eficácia e traz uma lista das cláusulas consideradas
abusivas, as quais não são nulas de pleno direito, e sim ineficazes. Poderão ser
tidas por eficazes se forem aprovadas por escrito, conforme a previsão do parágrafo
único do mesmo artigo. No entanto, verifica-se que, nesta parte, tal disposição do
Código Civil italiano conduz ao direito contratual comum. É trazida a idéia de
consentimento, própria dessa área de estudo.
PAULO LUIZ NETO LÔBO236 informa que houve um afastamento dessa disposição
literal da lei, negando validade à hipótese de aprovação por escrito quando as
235 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português I - Parte Geral, Tomo I, 3. ed. p.
605. 236 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 95.
126
circunstâncias do caso conduzirem à conclusão de que não havia, de forma efetiva,
esse conhecimento e a posterior aceitação. Essa previsão permitiu que as decisões
judiciais, nos primeiros anos de vigência desse código, favorecessem fortemente os
predisponentes, que eram protegidos pela “presunção legal de cognoscibilidade do
aderente”.237
O segundo artigo que regula a matéria é o art. 1.342, que cuida dos contratos feitos
com o uso de formulários (contratos-tipo), isto é, modelos predispostos para regular
contratos posteriormente celebrados de modo uniforme, cuja distinção já foi por nós
apresentada.
Em 1996, adaptando-se à Diretiva n. 13/1993, foi inserido o Capítulo XIV-bis ao
Código Civil italiano no Livro do Direito das Obrigações, criando-se os arts. 1.469-bis
(Clausole vessatorie nel contratto tra professionista e consumatore); 1.469-ter
(Accertamento della vessatorietà delle clausole); 1.469-quater (Forma e
interpretazione); 1.469-quinquies (Inefficacia); 1.469-sexies (Azione inibitoria)238. As
disposições da diretiva foram pura e simplesmente incorporadas ao novo texto legal
citado: definição da cláusula abusiva, critério para determinação da abusividade da
cláusula, enumeração taxativa das cláusulas que se presumem abusivas, deixando
o ônus da prova em contrário a cargo do estipulante das cláusulas contratuais
gerais.
3.4 AGB-GESETZ ALEMÃ E O BGB
A AGB-Gesetz (Lei sobre as condições gerais dos negócios da Alemanha), de 1976,
influenciou a criação de novas leis em diversos países, inclusive a edição da própria
Diretiva Européia. Essa repercussão deu-se inclusive no Brasil, no Código de
Defesa do Consumidor. No entanto, na reforma do BGB em 2001/2002, pela Lei de
Modernização do Direito das Obrigações, que teve como objetivo adaptar a lei
237 BIANCA, C. Massimo, em sentido contrário, defendendo a disposição do Código Civil italiano: “La
circostanza che l’aderente abbia effettiva conoscenza delle clausole vessatorie non gli consente comunque di discuterle. Le condizioni generali sono predisposte proprio per evitar ela negoziazione del contenuto del contratto e quindi, di regola, l’aderente no ha altra scelta che accettare o rifiutare il contratto cosi come esso è predisposto. Ma anche questa scelta è in realtà illusoria già per lê tendenze degli imprenditori del settore ad utilizzare teste analoghi di condizioni generali. Condizioni Generali di Contratto.Diritto comparato e straniero”, em “Realtá sociale ed effettività della norma”, Scritti Giuridici, volume secondo – “Obligazioni e Contratti Responsabilità”, t. II, Giuffrè Editore, 2002. p. 518.
238 Capo aggiunto dall'art.25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva 93/13/CEE .
127
nacional às novas estipulações de diretivas comunitárias, bem como harmonizar
previsões gerais e especiais em matéria de inadimplemento, a exemplo do que
ocorreu com a Lei Scrivener, na França, teve por bem transpor a matéria tratada
pela lei para um Código, mas agora não ao de consumo, mas a um código civil.
Nessa transposição, as disposições da AGB- Gesetz pouco foram modificadas.
MENEZES CORDEIRO,239 ao discorrer sobre a opção legislativa inicial pela inserção
do conteúdo da AGB-Gesetz em lei autônoma, e não no corpo do BGB, e só
posteriormente no código, afirma:
O AGBG fora adoptado como lei autónoma por duas razões: pelo respeito
que se decidiu tributar à velha concepção liberal do BGB e pela idéia de
que, no fundo, se trataria de mero diploma marginal, virado para uma franja
de contratos. O primeiro aspecto é reversível: o respeito pelo BGB
justificaria que o mesmo fosse mantido em vida, sendo actualizado. O
segundo foi refutado pelos factos: a grande maioria dos contratos passa,
hoje, por cláusulas contratuais gerais, de tal modo que, em termos
quantitativos, o próprio BGB acabaria por ser uma ‘lei franja’. Optou-se,
pois, pela integração do AGBG no BGB. Consubstancia-se uma solução
propugnada na altura, mas que não deixou de encontrar oposição; tratar-
se-ia de uma iniciativa-surpresa, totalmente inesperada; o AGBG nem seria
uma lei relativa a consumidores; não haveria, finalmente, qualquer défice
de aplicação.
A existência da cláusula geral da boa-fé permite que se estabeleça um controle de
cláusulas contratuais gerais baseado no sistema de cláusulas gerais, garantindo ao
julgador o poder de reconhecer a abusividade, ainda que as cláusulas contratuais
gerais não constem nas listas de cláusulas abusivas.240
239 CORDEIRO, António Menezes. Da modernização do Direito Civil. I – Aspectos Gerais. p. 120-121. 240 C. MASSIMO BIANCA, ao tratar das mudanças empreendidas pela “AGB-Gesetz”, discorre sobre
o § 9 desse diploma (hoje equivalente ao § 307, I: “Momento importante di questa riforma è l’ampiezza del richiamo al principio della buona fede. Questo principio è già fattivamente operante nell’ordinamento, ma il suo richiamo sta a sottolineare il riconoscimento attribuito al potere discrezionale del giudice nel valutare il rapporto secondo criteri di giustizia sostanziale al di là del contenuto del contratto”. BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero. In: Realtá sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 522.
128
Ocupou-se a legislação de tentar assegurar que o aderente pudesse conhecer as
condições gerais antes de externar o seu consentimento.241 Foram estabelecidas
ainda como regras condutoras da interpretação de cláusulas abusivas a prevalência
do acordo individual e a interpretatio contra stipulatorem.
Uma crítica que se faz à AGB-Gesetz (e hoje ao BGB) é a ausência de previsão de
um sistema de controle administrativo preventivo. Quanto ao controle preventivo,
são previstas ações inibitórias ou de retratação para quem, respectivamente, aplica
ou recomenda o emprego de cláusulas abusivas. Essas ações têm por objetivo elidir
a utilização de cláusulas contratuais gerais abusivas.
Não são acobertados os direitos das sucessões e das sociedades, bem como certos
tipos de fornecimento de serviços públicos e produtos. Estão excluídas também as
cláusulas contratuais gerais usadas por pessoa jurídica de direito público e por
comerciantes, se elas forem praticadas habitualmente por força do ramo da
atividade. Os direitos do trabalho, antes excluídos da proteção conferida pela ABG-
Gesetz, passaram a ser abarcados quando houve a sua transposição para o BGB.
Temos, portanto, que no Livro 2 (Direito das relações obrigacionais), Seção 2
(Configuração das relações obrigacionais mediante cláusulas contratuais gerais) do
Código Civil alemão, foram reguladas as previsões acerca desse tema, antes em lei
especial. No § 305, repete o BGB a definição do que vem a ser cláusulas contratuais
gerais. No § 305b, prescreve o Código sobre a prevalência dos acordos individuais
sobre o regramento genérico, em clara adesão ao disposto na Diretiva Européia. No
§ 307, tece explicações sobre o controle de conteúdo das cláusulas contratuais
gerais.
241 “La riforma tedesca si occupa anche dell’aspetto dei requisiti de inclusione delle clausole nel
contenuto del contratto, richiedendo che esse siano indicate espressamente dal predisponente o, se cio è particolarmente difficile, che esse siano rese chiaramente visibili nel luogo di conclusione del contratto. L’aderente deve comunque avere assicurata la possibilita (in zumutbarer Weise), e deve essere d’accordo su di esse. In tal modo, è stato affermato , la riforma tedesca avrebbe respinto il principio italiano dell’inclusione della clausula nel contratto in base al principio della sua << conoscibilità>> da parte dell’adererente. La riforma risponde allá specifica esigenza di tutela dei consumatori e, seguendo la tendenza rilevata in altre riforme, è destinata ai contratti in cui l’aderente no è um imprenditore nell’esercizio della sua attività professionale. Ache ai contratti fra imprenditori trova per altro applicazione la clausola generale che sancisce l’inefficacia delle clausole che pregiudicano sproporzionatamente l’aderente in contrasto col principio di buona fede”. BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero. In: Realtá sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 523.
129
No regramento da matéria hoje feito no BGB, foi definida como princípio basilar da
eficácia e da interpretação das cláusulas contratuais gerais a cláusula geral de boa-
fé, consignada no § 307, I, (equivalente ao § 9, 1, da AGB-Gesetz) do supracitado
diploma legal, sob o nomen juris Inhaltskontrolle (controle de conteúdo). O texto
desse parágrafo veda a estipulação de cláusulas que gerem ao aderente
desvantagem desarrazoada.
No § 308, estão enumeradas as cláusulas anuláveis, com a possibilidade de
valoração do julgador segundo o caso concreto, mantendo o que a doutrina
denomina de lista cinza. Já no § 309, traz o BGB o elenco das cláusulas proibidas,
sem possibilidade de valoração pelo magistrado, denominada lista negra. No § 310,
restringe o BGB o âmbito de aplicação das cláusulas contratuais gerais.
3.5 UNFAIR CONTRACTS TERMS ACT NA INGLATERRA
Na fase anterior à Diretiva Comunitária, existia na Inglaterra o Unfair Contract Terms
Act – UCTA, de 1977. Em período posterior, a Diretiva foi recepcionada pelo Unfair
terms on consumer Contracts regulations 1994, entrando em vigor em 1995.
A proteção contra as cláusulas contratuais gerais abusivas instalou-se na Inglaterra
de uma forma dúplice.
O primeiro mecanismo para evitar a sua incidência foi o controle por um órgão
administrativo (Director General of Fair Trading Office), que tem por função estimular
a adoção de condições não abusivas por associações profissionais de categoria e
empresas. Isso se faz pela indicação para que apliquem os chamados codes of
practice, que são modelos de regulação de contratos de uma forma leal e uma forma
de valoração do regulamento negocial adotado. Ao órgão administrativo compete
ainda fazer cessar práticas abusivas e pode agir como uma corte especial contra as
práticas comerciais restritivas (como a Restrictive Practices Court, mencionada no
Restrictive Practices Act, de 1956).
Verifica-se que o Unfair Contracts Terms Act (UCTA), de 1977, teve por finalidade
combater cláusulas abusivas, que eram objetivamente caracterizadas segundo
critérios definidos em lei até então atípicos no sistema da common law.
Enquanto não existia uma lei específica para tutela do consumidor, a UCTA conferia
atenção especial aos contratos de fornecimento ou venda de produtos, para uso dos
130
consumidores. Considerava inválidas cláusulas que excluam os predisponentes de
responsabilidade e dos riscos, ou que lhes possibilite alterar o conteúdo do contrato
ou recusar a prestação, a menos que sua inclusão atenda à razoabilidade.242
Nos arts. 15 a 25 do UCTA, estão definidos os critérios para se aferir a razoabilidade
das condições gerais, ou seja, a viabilidade ou não de serem inseridas no contrato.
O Anexo II do mesmo diploma descreve os fatores a serem considerados no teste
de razoabilidade: o poder de barganha dos contraentes (bargaining positions), o
atendimento das expectativas do aderente, a livre concordância do aderente às
condições gerais, se conhecia sua existência, se a exclusão da responsabilidade do
predisponente era razoável e praticável, se os produtos pedidos pelo aderente foram
adaptados por força de pedido especial. Entretanto, a jurisprudência tem decidido
caso a caso, com aplicação de outros parâmetros para aferir a razoabilidade.
O Unfair terms in consumer contracts regulations de 1994 teve por escopo fazer
atuar a Diretiva Comunitária n. 13/1993 dentro do ordenamento inglês. Logo nos
primeiros artigos (1.º e 2.º), está explicitado o âmbito de aplicação das Regulations
("aplicam-se a qualquer cláusula contida nos contratos celebrados entre um
vendedor ou fornecedor e um consumidor quando as referidas cláusulas não tenham
sido individualmente negociadas"). As cláusulas abusivas são tratadas no art. 4.º. Há
a repetição do disposto na diretiva, incorporando ao ordenamento jurídico inglês a
regra geral de abusividade ("cláusula abusiva quer dizer a que, contrária às
exigências da boa-fé, causa desequilíbrio significativo nos direitos e obrigações das
partes". Para verificar se uma cláusula satisfaz as exigências da boa-fé, haverá de
se ter em conta às matérias especificadas na Schedule 2 das Regulations, segundo
a qual, na avaliação da boa-fé, haverá de se ter em conta a força do poder de
barganha das partes, se o consumidor foi induzido a aceitar a cláusula, se os bens
ou os serviços foram vendidos ou prestado em razão de uma encomenda especial
do consumidor etc. No art. 6.º, são dispostas as regras sobre interpretação. No art.
242 BIANCA, C. Massimo. Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero, In: Realtá
sociale ed effettività della norma, Scritti Giuridici, volume secondo – Obligazioni e Contratti Responsabilità, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 520: “Per quanto riguarda lê dirette limitazioni all’autonomia conttratuale, dopo vari interventi legislativi, aventi oggetti più delimitati, si è giunti nel 1977 all’emanazione dell’ “Unfair Contract Terms Act”, riguardante in generale i contratti di cui è parte um consumatore o um aderente alle clausole generali scritte dalla controparte. Tale legge, tra l’altro, vieta le clausole di esonero da responsabilità in favore dell’imprenditore o predisponente, e quelle que gli attribuiscono la facoltà di variarei l contenuto del contratto o di rifiutare la prestazione, salvo che dette clausole soddisfino il requisito della ragionevolezza (reasonableness).
131
8.º, estão dispostas as regras para prevenção do uso continuado das cláusulas
abusivas.
Os efeitos de aplicação da UCTA diferem dos que derivam das Regulations de 1994.
Esta última faz previsão da aplicação de um test of fairness (aferição de
razoabilidade) com a conseqüente ineficácia da cláusula considerada abusiva. Ao
contrário, a UCTA de 1977 estabelece, sem mais, a ineficácia de algumas cláusulas
típicas, enquanto outras o são apenas se excederem o critério de razoabilidade.
Percebe-se, portanto, que na Inglaterra coexistem vários regimes legislativos
dispondo muitas vezes sobre as mesmas questões, pelo menos estreitamente
conexas e que operam de forma simultânea ou alternativa: o UCTA, as Regulations,
a Diretiva Comunitária e a common law.243 Ao que parece, as Regulations se
propõem a aplicar a Diretiva Comunitária como legislação nacional, enquanto a
common law, nas matérias em que a UCTA e as Regulations dizem respeito, servirá
de importante meio de integração de lacunas e não propriamente de regulação de
casos concretos a partir do que nesses diplomas está disposto.244
A UCTA refere-se, em especial, às cláusulas de exclusão e limitação de
responsabilidade, enquanto as Regulations se referem a todas as cláusulas de um
contrato. O UCTA se refere a todos os tipos de contrato, enquanto as Regulations se
referem apenas aos contratos padronizados, standards. O UCTA tutela tanto os
empreendedores quanto os consumidores, e Regulations, como foi dito, voltam-se
aos consumidores pessoas físicas.245
3.6 LOI SUR LA PROTECTION ET L’INFORMATION DES CONSOMMATEURS DES PRODUITS ET
DES SERVICES E CODE DE LA CONSOMMATION NA FRANÇA
A Lei n. 78-23, de 1978, também chamada Lei Scrivener, estipulou a proteção dos
consumidores contra as cláusulas abusivas. O conceito de cláusula abusiva nessa
lei incluía, além do desequilíbrio entre os contratantes, o abuso do poder econômico
(art. 35, Após 1978, foram promulgadas na França diversas leis posteriores tentando
regular a questão da abusividade e as relações de consumo. Os textos legislativos
243 ver BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom ("to an English lawyer the Unfair
Terms Directive was a curious mixture of the familiar and the strange"). p. 26. 244 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 209. 245 ALPA, Guido; ANDENAS, Mads. Fondamenti del diritto privato europeo. Giuffrè, 2005. p. 406-412.
132
eram numerosos, muitas vezes tratavam de matérias que não guardavam coerência
entre si. Em 1982, a então Ministra do Consumo, Mme. LALUMIÉRE, sensível a
esses problemas, criou uma comissão de reforma do direito do consumo. Os
trabalhos dessa comissão retomaram em 1989, sob o impulso da secretária de
Estado encarregada do consumo, Mme. NIERTZ, tendo sido apresentado um
segundo relatório em 1990. Esta Comissão propunha-se a substituir os textos legais
existentes por um código. Mas, diante da dificuldade de submeter ao parlamento um
texto de mais de 300 artigos, o governo francês optou por uma solução menos
ambiciosa, que foi a de compilar textos até então existentes, sem modificação. Em
26 de julho de 1993, procedendo à compliação dos textos legislativos existentes,
criou-se o Code de la Consommation na França, que ainda recebe severas críticas,
por causa da falta de coerência e por não ser considerado completo.
O conceito de cláusula abusiva passou a constar no art. L 132-1 do Code de la
Consommation. Em 1995 a redação desse artigo seria alterada pela Lei n. 95-96, a
qual inseriu nesse diploma legal as disposições da Diretiva n. 13/1993, da
Comunidade Econômica Européia.
Por essa última lei, o art. L 132-1 passou a ter a seguinte redação, no que tange ao
conceito de cláusula abusiva:
Dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels ou
consommateurs, sont abusives les clauses qui ont pour objet ou pour effet
de créer, au détriment du non-professionnel ou du consommateur, un
déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au contrat.
Portanto, segundo a legislação francesa, basta que haja desequilíbrio significativo
entre direitos e obrigações entre os contratantes, prejudicando o consumidor ou os
não-profissionais, para que a cláusula seja considerada abusiva.
Não foi incorporado ao conceito da redação atual do art. L 132-1 do Code de la
Consommation o elemento da boa-fé (art. 3, al. 1, da Diretiva n. 13/1993: en dépit de
l’exigence de bonne foi) o que seria motivado por uma busca de um conceito
objetivo de consumidor. Aplica-se o art. L 132-1, portanto, a todos os contratos,
desde que celebrados entre profissionais e não profissionais ou consumidores. Não
há exigência pela lei de que se trate de contratos de adesão ou com cláusulas
predispostas para que incida a proteção contra a abusividade.
133
Conforme as disposições inseridas no Code de la Consommation, no Livro I, Título
III, Seções I e II, três são as possíveis formas de controle das cláusulas abusivas,
concentrando-se suas atividades no controle administrativo. De um lado, há os
decretos do Conselho de Estado e, do outro, a atuação da Comissão de Cláusulas
Abusivas, que recebe a incumbência da legislação para elaborar listas de cláusulas
abusivas e recomendar às empresas que se abstenham de utilizá-las em seus
contratos. Essa Comissão, constituída de magistrados, juristas e representantes
classistas de empresários e consumidores, não tem qualquer poder de decisão;
recebe consultas e emite recomendações. O objetivo das recomendações é de
convidar os predisponentes a modificar ou suprimir de seus contratos as condições
abusivas e de informar os contratantes-consumidores.246 Voltaremos a abordar as
características dessa comissão quando da apresentação das características do
controle de conteúdo realizado na França.
3.7 SUÉCIA
Na Suécia, desde 1910, foram surgindo regras para proteção específica do
consumidor em razão do grande processo de industrialização naquele país. Esse
processo de positivação de regras se intensificou na década de 1960 e chegou ao
ápice em 1971, com a Lei de Cláusulas Contratuais Abusivas,247 a qual instituiu um
controle preventivo, que incide também sobre cláusulas individuais.
A proteção dada ao consumidor na Suécia se dá em três âmbitos, conforme explica
MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO:248
i) a proteção do consumidor em relação à publicação e à venda;
ii) a proteção do consumidor sobre as cláusulas contratuais gerais abusivas;
iii) vigilância dos produtos e informação do consumidor.
246 CALAIS-AULOY, Jean. Les clauses abusives en droit français. In: GHESTIN, Jacques. Les clauses
abusives dans les contrats types en France et en Europe. Paris: LGDJ, 1991. p. 117. 247 Nos países nórdicos (Finlândia, Noruega e Suécia), em 1976, foi inserida uma seção (seção 36),
introduzindo nesses países regras sobre contratos desleais (unfair contracts terms), aplicadas aoconsumidor. Esta Seção 36 também foi integrada na Finlância e na Noruega em 1982 e 1986, respectivamente. Ver WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: <http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf> Acesso em: 13 ago. 2006.
248 CAMARGO SOBRINHO, Mário de. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica. p. 112-113.
134
Além disso, existe na Suécia o Tribunal de Mercado, composto por consumidores e
representantes dos sindicatos, de trabalhadores do comércio e da indústria. Possui
tal órgão poderes para expedir mandados contra produtores. A atuação dele é
provocada pelo Ombudsman do Consumidor,249 que detém papel fiscalizatório, a fim
de averiguar a ocorrência de violação às leis de consumo. Antes, todavia, de
ingressar com manifestação junto ao Tribunal de Mercado, deve-se tentar
negociação com as empresas. O primeiro modelo de controle administrativo das
cláusulas contratuais gerais foi o sueco que, infelizmente, tem sido muito criticado e
não tem obtido o êxito que dele se esperava.250
A Diretiva n. 13/1993, da CEE, foi integrada ao ordenamento jurídico sueco pelo ato
de proteção ao consumidor (Consumer Protection Act) de 1994 que, em conjunto
com o Contracts Act Section 36, prescrevem regras para proteção dos aderentes
(consumidores ou não) contra as cláusulas consideradas abusivas.
3.8 STANDARD CONTRACTS LAW EM ISRAEL
A lei israelita, de 1982, tem como ponto marcante a criação do Tribunal Especial de
Contratos Standard, o qual substituiu um Conselho (Board) previsto por uma lei de
1964,251 o qual não atingiu os objetivos a que se prestava. Esse tribunal é composto
249 Conforme narra C. MASSIMO BIANCA: “Il sistema attuato nell’ordinamento svedese si fonda
principalmente sul controllo preventivo del Consumer Ombudsman, quale organo autônomo e quale direttore del National Board for Consumer Policies, e sul controllo giurisdizionale di uma speciale Corte del Mercato. Il Consumer Ombudsman há um complesso compito di verifica e di indirizzo dell’attività negoziale delle imprese che comporta, tra l’altro, um diretto intervento al fine di eliminare o modificare lê clausole che determinano um abusivo squilibrio delle posizioni contrattuali. Di fronte al persistente uso di clausole “eccesive” il Consumer Ombudsman nonchè anche associazioni di categoría possono adire la Corte del Mercato, la quale può interdire all’imprenditore di usare nel futuro e nei contratti analoghi clausole identiche o sostanzialmente identiche.Vários outros países além da Suécia, adotaram textos gerais, instituindo a figura do Ombudsman (órgão especial de amparo ao consumidor, que atende às reclamações dos consumidores, inclusive defendendo judicialmente ações dignas da proteção estatal), a saber: Noruega, 1972; Dinamarca, 1974, Finlândia, 1978, como, dentre os primeiros, o Japão (“Lei fundamental sobre proteção do consumidor”, 1968); o México (“Lei federal de proteção do consumidor, 5.2.1976); e a Áustria (“Lei de proteção do consumidor”, 1979).
250 WILHELMSSON, Thomas. A nordic perspective. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. p. 20.
251 C. MASSIMO BIANCA trata de algumas funções do “Board”, no regime da “Standard Contract Law” do ano de 1964: “Il controllo admministrativo è previsto relativamente alle condizioni generali onerose indicate nella stessa legge, ed è esercitato da uma specifica commissione, il Board, già prevista dalla Restrictive Trade Practices Law del 1959. Al Board possono ricorrere le imprese che intendono ottenere uma preventiva approvazione delle proprie condizioni generali e, per questa via, l’ulteriore insindacabilità delle condizioni stesse da parte dell’autorità giudiziaria. A seguito di um emendamento del 1969 il ricorso al Board può essere proposto dall’Attorney General e dalle legittimate associazoni di consumatori per ottenere la cancellazione delle condizioni
135
por juízes de carreira e membros da sociedade civil, sendo dois deles indicados pelo
Ministério da Justiça como representantes de associações de consumidores. Tem
como funções: i) controle preventivo abstrato; ii) controle judicial concreto. Quanto
ao primeiro, dá-se pela apresentação das cláusulas contratuais gerais ao órgão
judicial pelo predisponente, mas essa não é obrigatória, é uma opção deste. No
entanto, a aprovação garante sua validade pelo prazo de cinco anos e produz efeito
vinculante contra todos, inclusive o Tribunal. O segundo se faz pela invalidação ou
alteração das cláusulas contratuais gerais que conflitem com a lei, o que pode ser
pleiteado pelo Ministério Público, pelo Comissário de Proteção dos Consumidores,
por qualquer autoridade pública ou associação de consumidores.
A lei não faz referência à cláusula geral da boa-fé, porém o modelo adotado pela
verificação de vantagem indevida supre essa omissão.
Após definir condição (como sendo uma estipulação predefinida pelo predisponente
e integrada a um contrato standard), a lei conceitua sua abusividade como a
determinação de vantagem que prejudique direito do aderente. Também há a
enumeração de dez espécies de condições abusivas, sobre as quais incide uma
presunção de que causem desvantagem ao aderente.
3.9 CÓDIGO CIVIL PERUANO
O Código Civil do Peru, em vigor desde 1984, aborda, no livro em que cuida das
obrigações, dos temas “contratos de adesão” e “condições gerais dos contratos”. E
faz a distinção entre esses institutos.
Referido código não reconhece a validade de "condições gerais" que exonerem ou
limitem a responsabilidade, o que difere da maioria das legislações, que a
reconhecem em certas situações.
De acordo com esse diploma, os contratos atípicos podem conter "condições
gerais". No entanto, estas não terão validade nos contratos típicos, se conflitarem
com as normas próprias desses contratos, como nosso art. 424 do Código Civil de
2002. Segundo o diploma, as cláusulas contratuais podem ser de duas espécies:
aprovadas pela autoridade administrativas ou não.
abusive”.(“Condizioni Generali di Contratto II) Diritto comparato e straniero”, em “Realtá sociale ed effettività della norma”, Scritti Giuridici, volume secondo – “Obligazioni e Contratti Responsabilità”, Tomo II, Giuffrè Editore, 2002. p. 521).
136
As cláusulas contratuais gerais, submetidas à análise da autoridade e por ela
aprovadas, integram os contratos individuais. É o Poder Executivo quem define
quais tipos de fornecimento de bens ou serviços se sujeitam à aprovação prévia.
Prevê ainda o código que as partes podem optar pela não-integração de certas
cláusulas já aprovadas pela autoridade, isto é, que determinadas cláusulas
submetidas ao crivo da autoridade administrativa não integrem o contrato. Nessas
cláusulas, o consentimento do aderente é dispensável e obriga desde que o seu
comportamento social permita supor que houve a cognição, ainda que esta não
tenha, na realidade, se consolidado.
Diversamente ocorre com as cláusulas contratuais gerais não aprovadas pela
autoridade administrativa. Sua eficácia depende do conhecimento do aderente, o
que significa que tenha podido conhecer as cláusulas.
3.10 LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DE PORTUGAL (DECRETO-LEI N.
446/1985)
O Decreto-lei n. 446, de 1985, foi editado em Portugal para regular as cláusulas
contratuais gerais naquele país. É considerada norma bastante moderna e
detalhista, dividindo o tema em oito capítulos.
Essa norma definiu o princípio da boa-fé como critério essencial à validade ou não
das cláusulas contratuais gerais. É ele que vai nortear a análise das condições, para
se saber se são válidas ou abusivas, e, conseqüentemente, inválidas.
Definiram-se duas listas de cláusulas abusivas, uma para relações entre entes
empresariais e outra para relações com consumidores. Em cada uma delas existem
cláusulas absolutas e relativamente proibidas.
Em 31 de agosto de 1995 foi publicado o Decreto-lei n. 220/1995, que alterou o
Decreto para integrar a Diretiva n. 13/1993 em Portugal. Aproveitou o legislador para
modificar outras normas. Em 1999, a lei portuguesa foi alvo de novas modificações
(Decreto-lei n. 249/1999).
Para a lei portuguesa, são cláusulas contratuais gerais as elaboradas sem prévia
negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem,
respectivamente, a subscrever ou aceitar, bem como às cláusulas inseridas em
contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário
137
não pode influenciar. O ônus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou
de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda se beneficiar do
seu conteúdo.
Há também na lei o âmbito de sua incidência (art. 3.º), a forma de inclusão das
cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares (capítulo II), as regras sobre os
meios de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais (capítulo III), o
princípio geral para proibição das cláusulas contratuais gerais (boa-fé, art. 15), as
cláusulas absolutamente proibidas e relativamente proibidas para os empresários ou
entidades equiparadas (arts. 17 a 19); bem como as cláusulas absolutamente
proibidas ou relativamente proibidas para os consumidores finais (arts. 20 a 22). No
último capítulo (Capítulo VI), é feita previsão das disposições processuais no âmbito
das cláusulas contratuais gerais, com especial regulação para ação inibitória.
Segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,252 o Decreto-lei n. 249/1999, que alterou o
Decreto n. 446/1985, visou sanar um "diferendo com a Comissão Européia", já que
no entender desta o legislador português não teria transposto devidamente a
Diretiva n. 13/1993, que pretende abarcar todos os contratos de adesão (entre
profissionais e consumidores), ao passo que a lei portuguesa, sendo uma lei sobre
as cláusulas contratuais gerais, só se aplicaria, aparentemente, aos contratos de
adesão que tivessem por base cláusulas contratuais gerais.
3.11 LEY SOBRE CONDICIONES GENERALES DE LA CONTRATACIÓN NA ESPANHA (LEI N. 7,
DE 13.04.1998)
A primeira lei que tratou a matéria na Espanha foi a Lei n. 26/1984, que estabeleceu
normas reguladoras das condições gerais e consignou a sua obediência aos
princípios da boa-fé e do equilíbrio entre as prestações. Essa lei autorizava ainda a
exclusão de cláusulas abusivas de contratos de adesão, se estas infringissem os
supracitados princípios.
Em 1998, foi editada a Lei n. 7, que tinha por objetivo a transposição das regras
contidas na Diretiva n. 93-13, de 1993. Além disso, promoveu alterações na Lei n.
26/1984, incrementando os dispositivos relativos ao controle de conteúdo das
252 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. In: Revista Trimestral de direito civil. p. 25-26.
138
cláusulas contratuais gerais. Referida lei previu ainda o controle de inclusão e de
incorporação dessas cláusulas aos contratos.
À Lei n. 26, de 1984, foi acrescido o art. 10-bis, que conceitua cláusula abusiva
como a estipulação não negociada individualmente e que, em inobservância da boa-
fé, causem desequilíbrio importante entre as partes, em prejuízo do consumidor. A
definição é a mesma dada pela Diretiva n. 93-13, em seu art. 3.º, al.. 1 repete a
previsão dessa diretiva a lista exemplificativa de cláusulas abusivas, inserida no
mesmo art. 10-bis, acrescidas de outras que o legislador espanhol entendeu haver
importância em serem coibidas.
No Capítulo I da Lei n. 7/1998, encontramos as disposições gerais, fixando os
âmbitos objetivo e subjetivo da incidência da lei. No Capítulo II, são fixadas as
regras de não incorporação ou de nulidade das cláusulas contratuais gerais. O
Capítulo III dispõe sobre um interessante sistema de registro das cláusulas
contratuais gerais (a cargo do "Registrador de la propiedad y mercantil, conforme a
las normas de provisión previstas en la Ley Hipotecaria").253 Nos Capítulos V e VI
253 Por representar especificidades, colaciona na íntegra o artigo 11 da citada Lei, sobre o registro
das cláusulas contratuais gerais:
"Artículo 11. Registro de Condiciones Generales. 1. Se crea el Registro de Condiciones Generales de la Contratación, que estará a cargo de un Registrador de la Propiedad y Mercantil, conforme a las normas de provisión previstas en la Ley Hipotecaria. La organización del citado Registro se ajustará a las normas que se dicten reglamentariamente. 2. En dicho Registro podrán inscribirse las cláusulas contractuales que tengan el carácter de condiciones generales de la contratación con arreglo a lo dispuesto en la presente Ley, a cuyo efecto se presentarán para su depósito, por duplicado, los ejemplares, tipo o modelos en que se contengan, a, instancia de cualquier interesado, conforme a lo establecido en el apartado 8 del presente artículo. No obstante, el Gobierno, a propuesta conjunta del Ministerio de Justicia y del Departamento ministerial correspondiente, podrá imponer la inscripción obligatoria en el Registro de las condiciones generales en determinados sectores específicos de la contratación. 3. Serán objeto de anotación preventiva la interposición de las demandas ordinarias de nulidad o de declaración de no incorporación de cláusulas generales, así como las acciones colectivas de cesación, de retractación y declarativa previstas en el capitulo IV, así como las resoluciones judiciales que acuerden la suspensión cautelar de la eficacia de una condición general. Dichas anotaciones preventivas tendrán una vigencia de cuatro años a contar desde su fecha, siendo prorrogable hasta la terminación del procedimiento en virtud de mandamiento judicial de prórroga. 4. Serán objeto de inscripción las ejecutorias en se recojan sentencias firmes estimatorias de cualquiera de las acciones a que se refiere el apartado anterior. También podrán ser objeto de inscripción, cuando se acredite suficientemente al Registrador, la persistencia en la utilización de cláusulas declaradas judicialmente nulas. 5. El Registro de Condiciones Generales de la Contratación será público. 6. Todas las personas tienen derecho a conocer el contenido de los asientos registrales. 7. La publicidad de los asientos registrales se realizará bajo la responsabilidad y control profesional del Registrador. 8. La inscripción de las condiciones generales podrá solicitarse: a) Por el predisponente. b) Por el adherente y los legitimados para la acción colectiva, si consta la autorización en tal sentido del predisponente. En caso contrario, se estará al resultado de la acción declarativa. c) En caso de anotación de demanda o resolución judicial, en virtud del mismo mandamiento, que las incorporará. 9. El Registrador extenderá, en todo caso, el asiento solicitado,
139
são retomadas as questões relativas ao registro, regulando a publicidade das
sentenças, bem como as informações públicas sobre as cláusulas contratuais
gerais, que são fornecidas e disponibilizadas pelos notários e registradores. No
Capítulo IV, a lei espanhola detalha as regras sobre as ações coletivas de cesación,
retractación e declatativa das cláusulas contratuais gerais, cujas particularidades
serão explicadas no título seguinte. O Capítulo VII regula o regime sancionador pela
ruptura do sistema repressivo das cláusulas contratuais gerais ou pela continuidade
do uso das cláusulas consideradas abusivas.
Na Espanha, o controle das cláusulas denominadas abusivas não foi catalogado na
Lei sobre Condições Gerais da Contratação (LCGC), mas na Lei Geral para Defesa
dos Consumidores e Usuários (LGDCU), responsável pela integralização da Diretiva
n. 13/1993 da Comunidade Européia no ordenamento espanhol.
previa calificación de la concurrencia de requisitos establecidos. 10. Contra la actuación del Registrador podrán interponerse los recursos establecidos en la legislación hipotecaria.
140
PARTE III
CLÁUSULAS ABUSIVAS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
4
SISTEMAS DE CONTROLE 254 DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ABUSIVAS
4.1 INTRODUÇÃO
Para ENZO ROPPO,255 o problema das cláusulas contratuais gerais dos contratos é,
hoje, o problema do seu controle. Para o mestre italiano, a abusividade do uso das
cláusulas contratuais gerais (cláusulas abusivas) é efeito do progresso da sociedade
capitalista, resultante das regras da competitividade e da livre-concorrência,
conseqüência inevitável do fenômeno de massificação contratual. É precisamente
esta injustiça, característica do uso abusivo das cláusulas contratuais gerais, que
justifica a tentativa de sua regulamentação normativa. Trata-se de uma resposta do
direito a um problema econômico e social.
Como veremos, as cláusulas contratuais gerais que, eventualmente, destruam a
relação de equivalência pressuposta pelo princípio da justiça contratual deverão ser
controladas, objetivando a igualdade jurídica das partes. Constatada, muitas vezes,
a inoperância funcional da autonomia privada,256 o ordenamento institui medidas de
tutelas compensatórias a favor do contraente em situação de inferioridade, lançando
mão de instrumentos que intentam melhorar a autodeterminação das partes no
contrato.
255 Esta expressão tem assento em algumas legislações do mundo, como o § 8 da AGB-Gesetz,
sendo que por ela se refere a averiguação da conformidade dos termos das cláusulas contratuais gerais aos específicos limites traçados pelos diversos diplomas. Ainda que o termo "controle" tenha conquistado o seu recorte no direito administrativo, a propriedade do seu uso neste contexto pareceu-nos indiscutível, se tivermos presente que, nas suas múltiplas aplicações e significados, ele denota sempre a idéia de um juízo sobre a conformidade de um ato ou modelo, norma, princípio ou critério, além de ser expressão constantemente usada pelos livros especializados da matéria.
255 ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 548 e 552.
256 RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato - as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 441.
141
A denominação cláusula abusiva não é antiga. No Brasil e na lei, esta nomenclatura
foi legitimada com o advento do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, a noção
de abusividade já era conhecida, fruto das idéias trazidas pelas cláusulas leoninas e
pelas condições protestativas. Na noção que se tem de cláusulas abusivas, é levada
em consideração a idéia de grave desequilíbrio entre direitos e obrigações, de
quebra de relação de equivalência pressuposta na generalidade dos contratos
comutativos, construções que devem ser aprofundadas, dada à falta de previsão de
listas de cláusulas abusivas no Código Civil de 2002, que só poderá ser feito com o
auxílio dos princípios contratuais da boa-fé, da justiça contratual e da função social
dos contratos.
Podemos dizer, desde já, que cláusulas abusivas serão aquelas que desequilibram,
de maneira significativa, a relação de equivalência entre direitos e obrigações257 de
uma e outra parte, que pode motivar um controle preventivo e abstrato, como
também um controle individual e concreto.
O objetivo do trabalho é reforçar que o fenômeno das cláusulas contratuais gerais
abusivas não é exclusivo dos contratos de consumo, podendo aparecer também em
outros contratos. Daí a necessidade de se estudar os parâmetros existentes no
Código Civil de 2002 para essa caracterização.
São vários os métodos possíveis de controle das cláusulas contratuais gerais
consideradas abusivas, com vista à sua eliminação, sobretudo daquelas que se
insiram em contratos padronizados e de adesão.
Segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,258 os problemas eventualmente existentes
nas cláusulas contratuais gerais devem propiciar vias adequadas à sua solução.
Esses problemas são, fundamentalmente, de três ordens: no plano da formação do
contrato, é possível o aumento considerável do risco de o aderente desconhecer
257 Na doutrina italiana, é feita uma classificação das cláusulas abusivas entre cláusula abusiva
propriamente dita (em sentido estrito) e cláusula surpresa: As primeiras são as cláusulas de desequilíbrio, ou seja, são aquelas que desequilibram significativamente a relação de equivalência entre direitos e obrigações de uma e outra parte. As denominadas cláusula-supresa são aquelas que se escondem atrás de estipulações que defraudam os deveres de lealdade e colaboração pressupostos pela boa-fé, sujeitando o consumidor ao risco de se ver posto diante de situações diversas daquelas com que razoavelmente pudesse contar, legitimando um controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais. Apesar desta diferenciação não ter sido levada em conta para o desenvolvimento do trabalho, cabe menção de sua existência.
258 PINTO MONTEIRO, António. Contratos de Adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 10.
142
cláusulas que vão fazer parte do contrato; no plano do conteúdo, é possível a
inserção de cláusulas chamadas abusivas; no plano processual, mostra-se
inadequado e insuficiente o controle judiciário, que atua apenas a posteriori, a
depender da iniciativa processual do lesado, tendo efeitos circunscritos ao caso
concreto. Assim, comenta o civilista português que:
[...] um controlo eficaz terá de actuar em três direções: pela consagração
de medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir,
um efectivo e real acordo sobre todos os aspectos da regulamentação
contratual; pela proibição de cláusulas abusivas, e pela atribuição de
legitimidade processual activa a certas instituições (como o Ministério
Público) ou organizações (como as associações de defesa do consumidor)
para desencadearem um controlo preventivo (que além de permitir superar
a habitual inércia do aderente se mostra bem mais adequado à
generalidade e indeterminação que caracteriza este processo judicial), isto
é, um controlo sobre as "condições gerais" antes e independentemente de
já haver sido celebrado um qualquer contrato.
Temos, portanto, dois grupos de situações patológicas: por um lado, a celebração de
contratos singulares sem a observância de certas regras pré-negociais, aplicáveis
qualquer que seja seu conteúdo. Por outro lado, a celebração dos mesmos contratos
com um conteúdo que a lei vede.
Um dos primeiros autores a classificar os sistemas de controle das cláusulas
contratuais gerais foi ENZO ROPPO.259 Explica o autor italiano que o controle das
cláusulas abusivas pode ser confiado à lei, à administração, aos juízes e, por último,
às organizações de fornecedores e consumidores. Segundo ele, teremos, assim,
quatro sistemas de controle cogitáveis: legislativo (controle de conteúdo),
administrativo, judicial e voluntário.260 Alerta, todavia, que nenhum destes quatro
processos de controle é concebível na sua pureza, isto é, aplica-se com a exclusão
dos outros. Por exemplo, não se conceberia um controle judicial sem que
previamente a lei estabelecesse os termos em que eles pudessem ser feitos. Em
259 Em outro trabalho: ROPPO, Enzo. Contratti standard: autonomia e controlli nella disciplina delle
attività negoziali di impresa. Milão: Giuffrè, 1975. E no estudo: ROPPO, Enzo. Il contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. Bolonha: Il mulino, 1977. p. 551 e ss.
260 Segundo o autor, até então não havia sido dado valor autônomo ao controle voluntário. Este tem funcionado na Inglaterra, por meio dos Códigos de conduta, sujeitos a aprovação do Director of the Office of Fair Trading. No Brasil, seria equiparado à convenção coletiva de consumo, previsto no artigo 107 do CDC. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 552 e 554.
143
contrapartida, a lei, sozinha, seria inócua, se juízes e administração não zelassem
pela sua observância.
Quando falamos das restrições legais no período de formação dos contratos
contidos de cláusulas contratuais gerais, estaremos diante daquilo que a doutrina
denomina controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais. Por opção
metodológica, as características deste controle serão abordadas no Capítulo 5,
sobre a formação dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais.
Por outro lado, quando estamos diante de leis que disciplinam ou trazem listas
únicas de cláusulas consideradas nulas ou anuláveis, estaremos diante do que a
doutrina denomina controle de conteúdo (ou legislativo) das cláusulas contratuais
gerais. Fala-se em conteúdo porque, cumpridos os requisitos de incorporação e
inclusão de tais cláusulas, estas passam a formar o conteúdo do contrato, cabendo
desde já uma crítica, pois, como veremos, nada impede que haja um controle
legislativo preventivo e abstrato, sem que exista o conteúdo de um contrato a ser
considerado.
Parte das características e exemplos das listas de cláusulas proibidas foi vista no
capítulo sobre as cláusulas contratuais gerais no direito positivo estrangeiro e
nacional (Parte II), mas serão novamente abordadas neste capítulo.
Também como forma de tutela contratual do aderente temos aquela que se realiza
mediante o controle administrativo ou pela via judicial, sendo que, ambos os casos,
abstrato ou concreto, também serão objetos de estudo neste capítulo.
4.2 CONTROLE ADMINISTRATIVO. CARACTERÍSTICAS
O controle administrativo é aquele feito por entidades diferentes do Poder Judiciário,
fora da esfera de uma ação judicial. É identificado pelo simples fato da presença ou
da intervenção (não importa a que título) de um órgão ou de uma entidade da
administração pública.261
O controle administrativo preventivo abstrato tem como principal modelo o
Ombudsman do consumidor Sueco (Konsumentombudsman)262. Há também este
261 ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il
controllo sociale delle attività private. p. 541. 262 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 77. Segundo o
mesmo autor, essa é a primeira lei israelita destinada às cláusulas contratuais gerais. Datada de
144
controle na Inglaterra, por meio do Director General of Fair Trading Office, mas que
há muito tempo vinha sendo criticado pela insuficiência de sua atuação.263
Singulariza-se esse sistema pela aprovação prévia das cláusulas contratuais gerais
através da autoridade administrativa, em caráter abstrato, para que possam produzir
efeitos nos contratos individuais. O fornecedor de bens ou de serviços, que pretenda
utilizar cláusulas contratuais gerais terá de, antes, submetê-las ao juízo da validade
da autoridade administrativa, de cuja decisão favorável dependerá sua eficácia.
Poucos países são os que realizam o controle administrativo. O país que dá maior
valor a esta modalidade de controle das cláusulas contratuais gerais é a França.
Neste país, de um lado temos os decretos do Conselho de Estado e, do outro, a
atuação da Comissão de Cláusulas Abusivas,264 que recebe a incumbência por parte
da legislação de elaborar listas de cláusulas abusivas e recomendar às empresas
que se abstenham de utilizá-las em seus contratos. Essa Comissão, constituída de
magistrados, juristas e representantes classistas de empresários e consumidores,
não tem qualquer poder de decisão; apenas recebem consultas e emitem
recomendações. O objetivo das recomendações é o de convidar os predisponentes
1964, privilegiava o controle administrativo preventivo. Muito se escreveu comentando os avanços que ela introduziu. A realidade da aplicação, todavia, não correspondeu às expectativas que gerou. O controle abstrato se exercia através de um conselho (Board), mas dependia da iniciativa voluntária do predisponente em submeter ao Conselho as cláusulas contratuais gerais que pretendia utilizar. Somente cerca de sessenta contratos de adesão a cláusulas contratuais gerais foram apreciados durante os dezoito anos de vigência da lei. Os predisponentes preferiram a mais vantajosa e menos arriscada (para eles) via do litígio judiciário. A nova lei de 1982 criou um tribunal específico (Standard Contracts Tribunal) que atua por provocação dos interessados (predisponentes, Ministério Público, organizações de consumidores, autoridades públicas) com poderes para aprovar e invalidar cláusulas contratuais gerais, imunizando-as da intervenção posterior da Justiça Comum e decidindo em caráter abstrato. O controle judicial concreto, para invalidar cláusulas contratuais gerais já integradas a contratos, pode ser efetuado tanto pelo tribunal quanto pela Justiça Comum (incidental). A nova lei deu certo. Em menos de três anos de sua vigência, o tribunal já havia aprovado quase setenta contratos de adesão a cláusulas contratuais gerais. O tribunal adquiriu credibilidade, inclusive, por contar com magistrados de carreira e com representantes classistas de organizações de consumidores. Em alguns casos, a legislação determina a prévia aprovação, como ocorre com as cláusulas contratuais gerais dos cartões de crédito. Apesar das cautelas legais, as fraudes existem, pois as empresas aprovam certas cláusulas contratuais gerais e utilizam outras.
263 BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf
264 Segundo MÁRIO DE CAMARGO SOBRINHO, (o novo Código Civil Holandês (Burgerlijk Wetboek) faz previsão da formação, modificação e anulação de cláusulas contratuais gerais através de uma Comissão designada pelo Ministério da Justiça. A lei israelita de 1964, como já mencionado na nota anterior, também criou comissão mista (judicial e administrativa) que resolveria problemas das cláusulas contratuais gerais nas instâncias do empresário, permanecendo reservada a atuação judicial para os casos de recursos contra as soluções dessa Comissão. SOBRINHO, Mário Camargo de. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação específica.. p. 198.
145
a modificarem ou suprimirem as condições abusivas e de informar os contratantes-
consumidores. Voltaremos a abordar as características dessa Comissão quando
apresentarmos as características do controle de conteúdo realizado na França.
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,265 o controle administrativo preventivo
demonstrou ser um sistema de difícil implementação, de frágeis resultados, apesar
de a doutrina especializada considerá-lo o mais adequado à tutela do aderente. As
críticas ao sistema preventivo concentram-se no receio da burocratização excessiva
em prejuízo de atividades que se caracterizam por rápida mobilidade e adaptação.
Sem contar que, nem sempre os órgãos administrativos podem impor alguma coisa.
Na maioria das vezes, apenas recomendam a supressão de cláusulas contratuais
gerais. Como veremos adiante, não podemos negar a existência deste sistema de
controle também no Brasil.
4.3 CONTROLE JUDICIAL. CARACTERÍSTICAS
Apesar de esse não ser um estudo de direito processual civil, não poderíamos deixar
de mencionar que uma das modalidades importantes de controle das cláusulas
contratuais gerais abusivas é o chamado controle judicial. Nele, caberá ao Poder
Judiciário, no exercício da jurisdição (com força de coisa julgada, portanto) julgar a
validade e a eficácia das cláusulas contratuais gerais em cada caso. Representa a
projeção processual do controle de inclusão e do controle de conteúdo das cláusulas
contratuais gerais. Aqui, deixa-se ao juiz o poder de individualizar as cláusulas que
considera abusivas.
Pode ser realizado em abstrato ou em concreto. O primeiro é um controle realizado
antes que as cláusulas contratuais gerais incorporem-se aos contratos singulares,
possuindo, pois, natureza preventiva. Tem como objeto suprimir cláusulas
contratuais gerais antes da sua incorporação nos contratos singulares, daí a
abstração deste controle judicial. É realizado para inibir a incorporação de cláusulas
abusivas em contratos singulares, sendo realizado, em regra, por meio de ações
coletivas, a serem propostas por entes legitimados.
Já o segundo controle judicial é incidental, verificado a posteriori, depois que os
contratos foram celebrados mediante a adesão às cláusulas contratuais
265 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 79.
146
predispostas. É realizado tendo como objeto contratos já celebrados, contidos por
cláusulas abusivas, tendo natureza repressiva, realizado pelos afetados por tais
cláusulas contratuais gerais mediante a propositura de ações judiciais. Os efeitos
das decisões nelas proferidas são, em regra, inter partes.
O estabelecimento de um procedimento de controle abstrato (abstraktes
Kontrollverfahren) foi uma das principais novidades introduzidas com a promulgação
da Lei Alemã AGB-Gesetz, em 1976. Durante a votação desta lei, várias propostas
derrotadas tentaram introduzir o controle administrativo.266 De certa forma, tentou-se
dar resposta à constatada insuficiência dos mecanismos de controle judicial
concreto, destinados a combater o emprego de cláusulas contratuais gerais
abusivas em ações judiciais. O § 18 da AGB-Gesetz autorizava a publicação do
dispositivo da sentença para a máxima publicidade destas decisões. As cláusulas
consideradas nulas também eram registradas (§ 20), podendo o Tribunal, em alguns
casos, comunicar em ofício o Bundeskartellant para inscrição e registro das
cláusulas abusivas, que deveria ser cancelado depois de vinte anos.
Em Portugal, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG 446/85, alterada pelos
Decretos n. 220/1995 e 249/1999 e 323/2001), além do controle judicial concreto, faz
previsão de um controle judicial abstrato das cláusulas contratuais gerais. De acordo
com os arts. 25 e 26 da Lei é possível a chamada ação inibitória, em que "as
cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, podem ser proibidas
por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos
singulares", sendo que: "A acção destinada a obter a condenação na abstenção do
uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada: a)
Por associações de defesa do consumidor dotadas de representatividade, no âmbito
previsto na legislação respectiva; b) Por associações sindicais, profissionais ou de
interesses econômicos legalmente constituídas, atuando no âmbito das suas
266 Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO, Um dos críticos do sistema da lei alemã diz que as normas
jurídicas estão sendo contrariadas pela ausência de eficácia social (efetividade) apropriada. As associações de consumidores que receberam legitimidade processual são subsidiadas pelo Estado, dispondo de orçamentos modestos para fazer frente às organizações empresariais poderosas que utilizam cláusulas contratuais gerais. Inexistiria pesquisa empírica que pudesse traçar o grau de resposta social às intenções da lei. Na maior parte dos casos, o conflito tem sido resolvido de forma amigável, individualmente, evitando-se a via judicial e restando sem solução os casos análogos. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos conratos e cláusulas abusivas. p. 82.
147
atribuições; c) Pelo Ministério Público, oficiosamente, por indicação do provedor de
Justiça ou quando entenda fundamentada a solicitação de qualquer interessado".
Comentando as linhas gerais do modelo de controle judicial português, ALMENO DE
SÁ267 salienta que:
A fiscalização das condições gerais processa-se, em primeiro lugar, na
forma de controlo incidental, isto é, no âmbito de um litígio referente a
cláusulas de um contrato concluído entre determinado utilizador e o seu
parceiro negocial [...] Ao lado deste tipo de fiscalização, funciona um
processo abstracto de controlo, destinado a erradicar do tráfico jurídico
condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão efectiva em
contratos singulares. Consagrou-se, com esta finalidade preventiva, o
sistema da acção inibitória: visa-se que os utilizadores de condições gerais
desrazoáveis ou injustas sejam condenados a absterem-se do seu uso ou
que as organizações de interesses que recomendem tais condições aos
seus membros ou associados sejam condenadas a abandonarem essa
recomendação. [...] Relativamente ao modelo anterior, trata-se de um
novum substancial, cujas características essenciais se traduzem no seu
carater colectivo, com a atribuição de legitimidade de iniciativa a
associações ou organizações de interesses, e na eficácia ultra partes da
decisão proferida no processo judicial.
Optou o legislador português, na esteira da lei alemã, por confiar a tarefa de
fiscalização preventiva das cláusulas contratuais gerais ao Poder Judiciário e não
aos órgãos administrativos. Transitada em julgado a ação inibitória, as cláusulas
contratuais gerais não poderão ser incluídas em contratos singulares, em que o
demandado venha a celebrar posteriormente. Se não for acatada a decisão judicial,
vindo o demandado a incluir, mais tarde, em um contrato singular, cláusulas
anteriormente proibidas em ação anterior, pode a contraparte invocar uma espécie
de declaração incidental de nulidade, invocando a decisão contida na decisão
inibitória.
Ficam, portanto, consagrados dois caminhos dirigidos a assegurar a tutela dos
interessados contra cláusulas contratuais gerais iníquas ou abusivas: para as
cláusulas já integradas em contratos singulares, é possível buscar a sua nulidade
267 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.ed. p. 77.
148
(art. 12) e, quanto às cláusulas ainda não integradas em contratos singulares,
recorre-se ao esquema da ação inibitória.268
Em Portugal, as cláusulas contratuais gerais são registradas. Por isso, nos termos
do art. 30 da LCGC, "a decisão que proíba as cláusulas contratuais gerais
especificará o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta
do seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta. A pedido
do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo
modo e durante o tempo que o tribunal determine" e, nos termos do art. 34, "Os
tribunais devem remeter, no prazo de 30 dias, ao serviço (de registro) previsto no
artigo seguinte, cópia das decisões transitadas em julgado que, por aplicação dos
princípios e das normas constantes do presente diploma, tenham proibido o uso ou a
recomendação de cláusulas contratuais gerais ou declarem a nulidade de cláusulas
inseridas em contratos singulares", permitindo uma maior difusão dos julgados.
Falando-se em registro das cláusulas contratuais gerais consideradas abusivas, é
importante mencionar que dentre vários aspectos relevantes que compõem a política
de controle e proteção dos consumidores dos Estados-membros da Comunidade
Européia, merece destaque a formação de uma base de dados, denominada base
CLAB,269 na qual consta o repertório de jurisprudência das cláusulas abusivas da
Comunidade Européia, aqui entendido jurisprudência como sendo qualquer
aplicação concreta da Diretiva n. 13/1993, CEE; logo, não é composta só por
decisões ou acordos judiciais, mas também por decisões administrativas, acordos
voluntários e decisões arbitrais. Em termos concretos, a União Européia adotou uma
base de dados, cujo conteúdo está na internet, disponibilizado por alguns critérios de
busca previamente dispostos (tipo de contrato, setor econômico, circunstâncias
contratuais mais corriqueiras etc). Tenta-se, assim, estabelecer um local comum
para que todos os Estados-membros adquiram uniformidade de decisões e de
práticas contratuais anti-abusivas.
Há também agora previsão da azione inibitoria no Código Civil italiano (CC, art.
1.469-sexies), destinada a combater a abusividade em abstrato da cláusula
268 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotações ao Decreto-lei n. 446/85. p. 56. 269 European Database on Case Law Concerning Unfair Contractual Terms. Disponível em:
http://ec.europa.eu/clab/index.htm e em: https://adns.cec.eu.int/CLAB/SilverStream/Pages/pgHomeCLAB.html.
149
contratual geral, inibindo seu uso.270 O legislador italiano, atento ao art. 7.º da
Diretiva Européia, optou também por uma forma de controle judicial preventivo e
abstrato das cláusulas contratuais gerais.
Na Espanha, a Lei sobre as Condições Gerais da Contratação (LCGC) também
disciplinou, no capítulo IV, o procedimento de controle abstrato das cláusulas
contratuais gerais, prescrevendo esta Lei três tipos de ações coletivas,271 previstas
no art. 12: i) a chamada ação declaratória (acción declarativa), que tem como
objetivo o reconhecimento de uma cláusula como contratual geral e,
conseqüentemente, imposição de sua inscrição no Registro de Cláusulas
Contratuais Gerais; ii) a ação de cessação (acción de cesación) e; iii) ação de
retratação (acción de retractación), que tem como objetivo o combate às cláusulas
contratuais gerais ilícitas e abusivas. A acción de cesación se destina a obter
sentença por meio da qual se condene o demandado a eliminar suas cláusulas
contratuais gerais reputadas nulas e a se abster de continuar a utilizá-las. Na acción
de retractación, pede-se que o demandado (utilizador das cláusulas contratuais
gerais) faça a retratação de sua recomendação de uso das cláusulas contratuais
gerais.
270 Segundo CRISTINA MENICHINO, a legitimação ativa desta ação não ficou exclusiva das
associações de consumidores, mas também foi conferida a camara de comércio, industria, artesanato e agricultura, bem como às associações profissionais. MENICHINO, Cristina. Clausole abusive nei contratti del consumatore: una comparazione tra il diritto italiano e brasiliano. In: NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade constitucional. Curitiba: Juruá, 2006. p. 230.
271 "Artículo 12. Acciones de cesación, retractación y declarativa. 1. Contra la utilización o la recomendación de utilización de condiciones generales que resulten contrarias a lo dispuesto en esta Ley, o en otras leyes imperativas o prohibitivas, podrán interponerse, respectivamente acciones de cesación y retractación. 2. La acción de cesación se dirige a obtener sentencia por medio de la cual se condene al demandado a eliminar de sus condiciones generales las que se reputen nulas y a abstenerse de utilizarlas en lo sucesivo. Declarada judicialmente la cesación, el actor podrá solicitar del demandado la devolución de las cantidades cobradas en su caso, con ocasión de cláusulas nulas, así como solicitar una indemnización por los daños y perjuicios causados. En caso de no avenirse a tal solicitud, podrá hacerse efectiva en trámite de ejecución de sentencia. 3. Por medio de la acción de retractación se insta la imposición al demandado, sea o no el predisponente, de la obligación de retractarse de la recomendación que haya efectuado de utilizar las cláusulas de condiciones generales que se consideren nulas y de abstenerse de seguir recomendándolas en el futuro, siempre que hayan sido efectivamente utilizadas por el predisponente en alguna ocasión. 4. La acción declarativa tendrá por objeto el reconocimiento de una cláusula como condición general de contratación e instar su inscripción únicamente cuando ésta sea obligatoria conforme al artículo 11.2, inciso final, de la presente Ley".
150
A legitimação ativa vem prevista no art. 16.272 O resultado dessas demandas
determinará273 a inscrição do resultado em um registro das cláusulas contratuais
gerais. Aliás, todo caso em que houver prosperado uma ação coletiva ou uma ação
individual de nulidade ou de não incorporação relativa às cláusulas contratuais
gerais, o juiz ordenará ao titular do Registro de Cláusulas Contratuais Gerais a
inscrição da sentença.274
Nessas linhas gerais sobre o sistema de controle judicial é importante mencionar
que este é combatido por estar limitado aos casos concretos, deixando à margem
muitas situações que, pela inércia dos lesados, violam a lei, favorecendo os abusos.
Os Tribunais, diz-se, demoram a decidir, tornando irrecuperáveis os múltiplos
prejuízos cometidos, alguns em grande escala. A derrota no Judiciário é um mal
menor para o predisponente, pelos ganhos e benefícios já obtidos.
Outro motivo levantado para considerá-lo um controle insuficiente é o fato de
alcançar, em regra, um número escasso de contratantes, muitas vezes sem atenção
à generalidade e abstração das próprias cláusulas contratuais gerais, não se
estendendo o controle à totalidade dos sujeitos suscetíveis de serem afetados pelo
272 "Las acciones previstas en el artículo 12 podrán ser ejercitadas por las siguientes entidades:1. Las
asociaciones o corporaciones de empresarios, profesionales y agricultores que estatutariamente tengan encomendada la defensa de los intereses de sus miembros. 2. Las Cámaras de Comercio, Industria y Navegación. 3. Las asociaciones de consumidores y usuarios que reúnan los requisitos establecidos en la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, o, en su caso, en la legislación autonómica en materia de defensa de los consumidores".
273 "Artículo 21. Publicación. El fallo de la sentencia dictada en el ejercicio de una acción colectiva, una vez firme, junto con el texto de la cláusula afectada, podrá publicarse por decisión judicial en el «Boletín Oficial del Registro Mercantil» o en un periódico de los de mayor circulación de la provincia correspondiente al Juzgado donde se hubiera dictado la sentencia, salvo que el Juez o Tribunal acuerde su publicación en ambos, con los gastos a cargo del demandado y condenado, para lo cual se le dará un plazo de quince días desde la notificación de la sentencia. Artículo 22. Inscripción en el Registro de Condiciones Generales. En todo caso en que hubiere prosperado una acción colectiva o una acción individual de nulidad o no incorporación relativa a condiciones generales, el Juez dictará mandamiento al titular del Registro de Condiciones Generales de la Contratación para la inscripción de la sentencia en el mismo".
274 "Artículo 23. Información. 1. Los Notarios y Registradores de la Propiedad y Mercantiles advertirán en el ámbito de sus respectivas competencias de la aplicabilidad de esta Ley, tanto en sus aspectos generales como en cada caso concreto sometido a su intervención. 2. Los Notarios, en el ejercicio profesional de su función pública, velarán por el cumplimiento, en los documentos que autoricen, de los requisitos de incorporación a que se refieren los artículos 5 y 7 de esta Ley. Igualmente advertirán de la obligatoriedad de la inscripción de las condiciones generales en los casos legalmente establecidos. 3. En todo caso, el Notario hará constar en el contrato el carácter de condiciones generales de las cláusulas que tengan esta naturaleza y que figuren previamente inscritas en el Registro de Condiciones Generales de la Contratación, o la manifestación en contrario de los contratantes. 4. Los Corredores de Comercio en el ámbito de sus competencias, conforme a los artículos 93 y 95 del Código de Comercio, informarán sobre la aplicación de esta Ley. "
151
abuso do predisponente na utilização das cláusulas contratuais gerais. Sem contar
que o reconhecimento da abusividade de uma cláusula, nem sempre, é tornado
público, já que nem todos os países possuem um sistema de registro de cláusulas
consideradas abusivas pelos Tribunais, relegando a tarefa de registro à doutrina e à
jurisprudência dos Tribunais.
Muitas vezes os juizes, desatentos à natureza das cláusulas contratuais gerais, no
afã de proteger o aderente, sem qualquer previsão legal ou administrativa,
consideram nula uma cláusula contratual geral pela abusividade, levando em conta
apenas o desequilíbrio econômico pessoal entre as partes que, como demonstramos
anteriormente (Parte II), é presumido nos casos de cláusula contratual geral. Daí a
importância de caracterizá-las e circunscrever seu regime. Nunca é demais lembrar
que nem todas as cláusulas contratuais gerais estarão sujeitas ao microssistema
protetivo das relações de consumo, como veremos a seguir.
A falta de uma política legislativa em direção de controle abstrato e homogêneo das
cláusulas contratuais gerais provoca sérias deficiências no controle judicial, podendo
gerar, inclusive, sérios prejuízos a uma efetiva tutela do contraente prejudicado por
alguma espécie de abusividade, como lembra MASSIMO BIANCA.275
O controle judicial concreto, por melhor que seja realizado, está dependente da
iniciativa processual do lesado, que normalmente evita expor-se a litígio judicial com
o predisponente empresário, dotado de meios e recursos superiores. O controle
judicial abstrato e preventivo, por sua vez, depende da eficiência e participação dos
órgãos legitimados.276
275 "Un'ulteriore critica è rivolta contro la capacità di giudici e dottori a farsi portatori di una politica del
diritto omogenea ed efficiente, e a valutare le conseguenze economiche dei loro giudizi, che in un'analisi economica di costi e benefici potrebbero anche dare alla fine un risultato negativo o potrebbero favorire certe imprese a dano di altre". BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 537.
276 Segundo ENZO ROPPO, em trabalho publicado em 1977, "gli strumenti del controllo giudiziale tuttavia non valgono di per sé soli ad integrare il complesso ed incisivo sistema di garanzie del pubblico che il diffondersi delle prassi di contrattazione standardizzata rende oramai indifferibile. Ed un consistente filone di letteratura provvede ad identificare gli elementi che determinano l'obiettiva insufficienza delle tecniche di intervento affidate alla giurisdizione. Tra questi elementi, due (riconducibili all'operare di altrettanti principi del diritto processuale, in tema rispettivamente di estensione della efficacia del giudicato e di iniziativa in ordine all'avvio del meccanismo processuale) devo segnalarsi in modo particolare:a) il controllo giudiziale opera solo con riferimento al singolo caso dedotto in lite (laddove per fronteggiare adequatamente un fenomeno per sua natura <<di massa>> come quello della contrattazione standardizzata, ocorrono interventi di portata ed efficacia quanto piú possibile generali, tecniche di raggio operativo quanto piú possibile ampio); b) il controllo giudiziale in linea di principio opera soltanto se l'aderente assuma
152
A tendência do direito encaminha-se para o abandono do controle judicial exclusivo
em favor de um sistema mais complexo e integrado, que combina a ação preventiva
da autoridade administrativa com o controle abstrato realizado pelos Tribunais.
4.4 CONTROLE DE CONTEÚDO OU LEGISLATIVO – CARACTERÍSTICAS.
Como vimos, a patologia das cláusulas contratuais gerais se configura nas
chamadas cláusulas abusivas. Sua nulidade não decorre de ilicitude, mas de
desconformidade com a justiça contratual.277
Chama-se de controle de conteúdo aquele feito por meio de previsões normativas
(gerais ou casuísticas) em que o legislador fixa os padrões legais das cláusulas
contratuais, enumerando aquelas que considerará absoluta ou relativamente
proibidas. Normalmente, os sistemas adotam dois critérios: um geral, através de
uma cláusula standard, e um específico, mediante o uso de um elenco de cláusulas
abusivas, tentando impor um controle ao conteúdo dos contratos a serem
formulados.
Os parâmetros legislativos de controle das cláusulas contratuais gerais estão cada
vez mais universalizados. De maneira geral, as listas de cláusulas proibidas são
muito próximas nas legislações que estão cuidando da matéria em todo o mundo. A
aproximação dos vários sistemas demonstra que o problema da abusividade das
cláusulas é comum e não respeita fronteiras nem ideologias.
O primeiro texto oficial aludindo a cláusulas abusivas é a Resolução n. 76-47, de 16
de dezembro de 1976, adotada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa.
Nesse mesmo ano, em 8 de abril, a Câmara de Comércio e Industria de Paris havia
aprovado um relatório sobre "As cláusulas abusivas nos contratos de consumo".278 A
primeira lei que consagrou a nova denominação foi a Lei francesa 23/1978, relativa à
proteção dos consumidores contra as cláusulas abusivas.
l'iniziativa (e il rischio) di un processo contro il predisponente. ROPPO, Enzo. I contratti standard e le tecniche del loro controlo. In: RODOTÀ, Stefano. Il controllo sociale delle attività private. p. 560.
277 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições Gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 5. 278 GUESTIN, Jacques. Les obligations, Le contrat. p. 483. Consta que no projeto constava "clauses
leonines" alterado para "clauses abusives".
153
A mais difundida designação das cláusulas (hoje) chamadas abusivas ainda é a de
cláusulas leoninas,279 mas outras denominações são encontradas na doutrina.
Algumas dessas cláusulas são assimiladas às condições potestativas, mas outras
denominações, mais ou menos correntes, tanto lá fora como aqui, eram as de
cláusulas iníquas, desleais, injustas (unfair clauses), onerosas, opressivas,
vexatórias (ex.: clausole vessatorie).
Foi o Código Civil italiano de 1942 o primeiro que tentou regulamentar o fenômeno
da contratação padronizada, enumerando no art. 1.341 nove espécies de cláusulas
que, segundo o preceito, "em todo caso não tem efeito, se não forem
especificamente aprovadas por escrito", em que a doutrina e jurisprudência italiana
passaram a chamá-las de clausole vessatorie.280
Fora da Itália, talvez tenha sido nos países da Common law, em especial nos
Estados Unidos, que há mais tempo se caracterizou uma figura similar à de cláusula
abusiva. Nos Estados Unidos era conhecida, desde há muito tempo, a noção de
unconscionable clause (cláusula exorbitante). O Uniform Commercial Code,
elaborado nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, fez previsão expressa
neste sentido, em sua Seção 2-302.281 O American Restatement of Contracts 2.ed.
(1979) ampliou o preceito, impondo, na Seção 205, o dever de agir in good faith and
fair dealing (de boa-fé e com conduta justa e correta). 279 Se atualmente cláusula abusiva é noção legal, ela não surgiu apenas com o reconhecimento
legislativo de sua existência. Cláusulas com essa natureza já eram sancionadas anteriormente, embora então se falasse em figuras como cláusulas potestativas e cláusulas leoninas. Falava-se em cláusulas potestativas para desiginar aquelas estipulações que davam a uma das partes a faculdade de modificar unilateralmente os termos do contrato, atentando o acordo de vontades (consensus). Nos termos do artigo 11, 2ª parte do Código Civil de 1916 (hoje artigo 122, 2ª parte, do Código Civil de 2002) poderia ser argüido a nulidade das cláusulas se sujeitassem o contrato "ao arbítrio de uma das partes". A velha cláusula leonina de tradição multissecular era expressiva até na referência ao que pressupõe de imposição do mais forte sobre o mais fraco.
280 "In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1229), facoltà di recedere dal contratto (1373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro contraente decadenze (2964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1462), restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti coi terzi (1379, 2557, 2596), tacita proroga o rinnovazione del contratto, clausole compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc. Civ. 6) alla competenza dell'autorità giudiziaria".
281 § 2-302. Unconscionable contract or Clause: (1) If the court as a matter of law finds the contract or any clause of the contract to have been unconscionable at the time it was made the court may refuse to enforce the contract, or it may enforce the remainder of the contract without the unconscionable clause, or it may so limit the application of any unconscionable clause as to avoid any unconscionable result. (2) When it is claimed or appears to the court that the contract or any clause thereof may be unconscionable the parties shall be afforded a reasonable opportunity to present evidence as to its commercial setting, purpose and effect to aid the court in making the determination.
154
A Diretiva da Comunitária Européia n. 13, de 1993, relativa às cláusulas abusivas
nos contratos celebrados com os consumidores, define cláusula abusiva: "uma
cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva
quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio
significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes
decorrentes do contrato", advertindo, todavia, que se concluirá que uma cláusula
não foi objeto de negociação individual "sempre que a mesma tenha sido redigida
previamente e, conseqüentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu
conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão". (art. 3.º). Há também
nesta Diretiva um anexo contendo uma lista indicativa de cláusulas que podem ser
consideradas abusivas.282
282 "Art. 3.º (3) O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser
consideradas abusivas [...] Anexo – Cláusulas previstas no n. 3 do artigo 3.º: 1. Cláusulas que têm como objectivo ou como efeito: a) Excluir ou limitar a responsabilidade legal do profissional em caso de morte de um consumidor ou danos corporais que tenha sofrido em resultado de um acto ou de uma omissão desse profissional; b) Excluir ou limitar de forma inadequada os direitos legais do consumidor em relação ao profissional ou a uma outra parte em caso de não execução total ou parcial ou de execução defeituosa pelo profissional de qualquer das obrigações contratuais, incluindo a possibilidade de compensar uma dívida para com o profissional através de qualquer caução existente; c) Prever um compromisso vinculativo por parte do consumidor, quando a execução das prestações do profissional está sujeita a uma condição cuja realização depende apenas da sua vontade; d) Permitir ao profissional reter montantes pagos pelo consumidor se este renunciar à celebração ou à execução do contrato, sem prever o direito de o consumidor receber do profissional uma indemnização de montante equivalente se for este a renunciar; e) Impor ao consumidor que não cumpra as suas obrigações uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado; f) Autorizar o profissional a rescindir o contrato de forma discricionária sem reconhecer essa faculdade ao consumidor, bem como permitir ao profissional reter os montantes pagos a título de prestações por ele ainda não realizadas quando é o próprio profissional que rescinde o contrato; g) Autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de duração indeterminada sem um pré-aviso razoável, excepto por motivo grave; h) Renovar automaticamente um contrato de duração determinada na falta de comunicação em contrário por parte do consumidor, quando a data limite fixada para comunicar essa vontade de não renovação do contrato por parte do consumidor for excessivamente distante da data do termo do contrato; i) Declarar verificada, de forma irrefragável, a adesão do consumidor a cláusulas que este não teve efectivamente oportunidade de conhecer antes da celebração do contrato; j) Autorizar o profissional a alterar unilateralmente os termos do contrato sem razão válida e especificada no mesmo; k) Autorizar o profissional a modificar unilateralmente sem razão válida algumas das características do produto a entregar ou do serviço a fornecer; l) Prever que o preço dos bens seja determinado na data da entrega ou conferir ao vendedor de bens ou ao fornecedor de serviços o direito de aumentar os respectivos preços, sem que em ambos os casos o consumidor disponha, por seu lado, de um direito que lhe permita romper o contrato se o preço final for excessivamente elevado em relação ao preço previsto à data da celebração do contrato; m) Facultar ao profissional o direito de decidir se a coisa entregue ou o serviço fornecido está em conformidade com as disposições do contrato ou conferir-lhe o direito exclusivo de interpretar qualquer cláusula do contrato; n) Restringir a obrigação, que cabe ao profissional, de respeitar os compromissos assumidos pelos seus mandatários, ou de condicionar os seus compromissos ao cumprimento de uma formalidade específica; o) Obrigar o consumidor a cumprir todas as suas obrigações, mesmo que o profissional não tenha cumprido as suas; p) Prever a possibilidade de cessão da posição contratual por parte do profissional, se esse facto for susceptível de originar uma diminuição das garantias para o consumidor, sem que este tenha dado o seu acordo; q) Suprimir ou entravar a
155
Na Alemanha, o controle das cláusulas contratuais gerais não está mais na lei
especial de 1976 (AGB-Gesetz), repetidamente mencionada por ser um corpo
legislativo de grande importância para o estudo e desenvolvimento do tema. Hoje a
matéria se encontra regulada no próprio Código Civil (BGB), recentemente alterado
pela Lei de Modernização do Direito das Obrigações de 1º de janeiro de 2002
(Gesetz zur Modernisierrung des Schuldrechts), que teve como objetivo integrar ao
Código as Diretivas Comunitárias e a multiplicidade de normas especiais até então
vigentes no ordenamento alemão.
Em relação à inserção das regras das cláusulas contratuais gerais no Código Civil
Alemão, explica ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:283
O AGBG foi transposto 'em bloco' para o BGB reformado. Pretendeu
manter-se incólume a base textual que possibilitara inúmeros afinamentos
doutrinários e jurisprudenciais. Foi acolhida a parte substantiva da lei,
tendo-se condensado, em 10, os seus 14 §§: §§ 305 a 310 do BGB, nova
versão. Os comentários já surgidos aos novos §§ 305 a 310 do BGB
mantêm o desenvolvimento do AGBG. Entre as (escassas) novidades
conta-se o seu alargamento ao contrato de trabalho.
Assim, a partir de então, o controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais do
contrato não está mais na lei especial, mas no próprio Código Civil Alemão.
Já na lei especial de 1976 (AGB-Gesetz), a boa-fé (§ 9) era considerada o critério
geral e residual de definição da cláusula abusiva. Quando a cláusula duvidosa não
correspondesse a nenhuma das cláusulas enumeradas nas listas da lei especial, o
controle deveria se operar com fundamento na boa-fé contratual objetiva, proibindo
as cláusulas que acarretem desvantagem ao aderente de maneira não razoável,
notadamente as que desprezavam os princípios gerais positivados nas leis ou
desnaturassem o próprio contrato. Esta previsão da lei especial ainda permanece,
agora transportada para o § 307 do BGB.284
possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando-o a submeter-se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo-lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante."
283 MENEZES CORDEIRO. António. Da modernização do Direito Civil. Aspectos gerais. p. 121. 284 "§ 307 - Controllo contenutistico: Le clausule delle condizioni generali di contratto sono inefficaci se
svantaggiano in modo inadequato la controparte dell'utilizzatore in contrasto con i dettami di bona fede. Uno
svantaggio inadeguato puó derivare anche dal fatto che la clausola non è chiara e comprensibile." ("§ 307
156
O AGB-Gesetz já estabelecia duas listas indicativas de cláusulas em que o
legislador reputava como abusiva. As cláusulas da primeira lista (§ 10, hoje
transportada para o § 308 do BGB) são as cláusulas suscetíveis de serem anuladas
pelo juiz, mediante análise da hipótese concreta285 (divieti di clausole con possibilità
di valutazione – Klauselverbote mit Wertungsmöglichkeit).
As cláusulas da segunda lista (§ 11, hoje transportada para o § 309 do BGB) são as
cláusulas consideradas nulas, assim entendidas sem que haja possibilidade de
ponderação e apreciação de circunstâncias pelo juiz (divieti di clausole senza
possibilità di valutazione – Klauselverbote ohne Wertungsmöglichkeit). Essas
hipóteses são consideradas pelo legislador presumidamente injustas pela própria
natureza, independentemente das circunstâncias fáticas, devendo, pois, ser
retiradas imediatamente de circulação. Enquanto acción de retractación as primeiras
são chamadas pela doutrina de lista cinza, estas são denominadas de lista negra de
cláusulas abusivas.286 Como veremos, inúmeras legislações copiaram o modelo
alemão, fazendo previsão de uma cláusula geral de abusividade, bem como listas de
cláusulas abusivas, admitindo maior ou menor ponderação no caso concreto.
Quando a cláusula duvidosa não corresponde a nenhuma das hipóteses descritas, o
controle será feito segundo a cláusula geral de boa-fé prevista no § 307 do BGB
(hoje Inhaltskontrolle e não mais Generalklausel como o § 9 da AGB-Gesetz), em
que o magistrado terá que avaliar, no caso concreto, a existência de desvantagem
excessiva.
Pouco tempo depois da AGB-Gesetz, na França, sobreveio a Lei 23, de 10 de
janeiro de 1978, conhecida pelos consumeristas como Lei Scrivener, (em
homenagem a secretária de Estado encarregada do consumo naquele Estado). Esta
lei foi incorporada ao Code de la consommation que, recentemente, foi modificado
Review of subject-matter - (1) Provisions in standard business terms are invalid if, contrary to the requirement of good faith, they place the contractual partner of the user at an unreasonable disadvantage. An unreasonable disadvantage may also result from the fact that the provision is not clear and comprehensible.").
285 Evita-se, aqui, a expressão "juízo de conveniência e oportunidade", próprio de juízo administrativo discricionário, que deve ser evitado quando do estudo dos atos jurisdicionais, evitando-se confusão de conceitos, em especial, com eventual arbitrariedade. O juiz não produz normas livremente. GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 52-53.
286 Entre outros ver MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. 3 ed. p. 627; PINTO MONTEIRO, António. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil. p. 16.
157
pela Lei n. 95/1996, transpondo para o ordenamento francês a Diretiva n. 13/1993
da Comunidade Européia.
Segundo JACQUES GUESTIN e ISABELLE MARCHESSAUX VAN MELLE,287 se
cláusula abusiva na França era definida como cláusulas impostas aos não-
profissionais ou consumidores mediante abuso do poder econômico e conferindo ao
estipulante uma vantagem excessiva (dois elementos, portanto: abuso do poder
econômico e vantagem excessiva), agora, em recente alteração (L. 132-1)288 serão
consideradas abusivas as cláusulas que têm por objeto criar, em detrimento do não
profissional ou consumidor, um desequilíbrio significativo entre as partes do contrato.
A nova definição suprimiu o elemento abuso de poder econômico, de difícil
comprovação.
O controle de conteúdo das cláusulas abusivas na França é extremamente
complexo, operando-se por meio de três listas.289 De um lado, os decretos do
Conselho de Estado, podendo determinar, mediante a expedição deses decretos, os
tipos de cláusulas que deverão ser vistas como abusivas no sentido da definição
287 GUESTIN, Jacques. Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits
européens. In: La protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. p. 52. Ver ainda MARQUES, Cláudia Lima. Nova lei francesa sobre defesa do consumidor - a transformação da diretiva comunitária sobre cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, n. 17, p. 353-364, 1996.
288 "Dans les contrats conclus entre professionnels et non-professionnels ou consommateurs, sont abusives les clauses qui ont pour objet ou pour effet de créer, au détriment du non-professionnel ou du consommateur, un déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au contrat."
289 [...] "Article 132.1: Des décrets en Conseil d'Etat, pris après avis de la commission instituée à l'article L. 132-2, peuvent déterminer des types de clauses qui doivent être regardées comme abusives au sens du premier alinéa. Une annexe au présent code comprend une liste indicative et non exhaustive de clauses qui peuvent être regardées comme abusives si elles satisfont aux conditions posées au premier alinéa. En cas de litige concernant un contrat comportant une telle clause, le demandeur n'est pas dispensé d'apporter la preuve du caractère abusif de cette clause. Ces dispositions sont applicables quels que soient la forme ou le support du contrat. Il en est ainsi notamment des bons de commande, factures, bons de garantie, bordereaux ou bons de livraison, billets ou tickets, contenant des stipulations négociées librement ou non ou des références à des conditions générales préétablies. Sans préjudice des règles d'interprétation prévues aux articles 1156 à 1161, 1163 et 1164 du code civil, le caractère abusif d'une clause s'apprécie en se référant, au moment de la conclusion du contrat, à toutes les circonstances qui entourent sa conclusion, de même qu'à toutes les autres clauses du contrat. Il s'apprécie également au regard de celles contenues dans un autre contrat lorsque la conclusion ou l'exécution de ces deux contrats dépendent juridiquement l'une de l'autre. Les clauses abusives sont réputées non écrites. L'appréciation du caractère abusif des clauses au sens du premier alinéa ne porte ni sur la définition de l'objet principal du contrat ni sur l'adéquation du prix ou de la rémunération au bien vendu ou au service offert pour autant que les clauses soient rédigées de façon claire et compréhensible. Le contrat restera applicable dans toutes ses dispositions autres que celles jugées abusives s'il peut subsister sans lesdites clauses. Les dispositions du présent article sont d'ordre public".
158
geral do art. 132-1, alínea 2, do Código de Consumo Francês, vinculando as partes
e os juízes. Esta lista é denominada pela doutrina francesa de liste grise290 (lista
cinza).
Além disso, um anexo, de 1995, fornece uma lista indicativa e não-exaustiva de
cláusulas que poderão ser consideradas como abusivas desde que preencham as
condições estabelecidas na primeira alínea (art. 132-1, 3). Esta lista é igual à lista da
Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia.
Por fim, uma Comissão de Cláusulas Abusivas é encarregada de investigar se os
modelos de convenções291 habitualmente propostos pelos profissionais e seus
contratantes não-profissionais ou consumidores, verificando se estas contêm (ou
não) cláusulas abusivas, expedindo recomendações (recommandations), em que
são declaradas séries de cláusulas abusivas.
No sistema Italiano, existem duas listas de cláusulas abusivas, além da cláusula
geral de abusividade292 e da enumeração da segunda parte do art. 1.341, do Código
Civil. Uma lista de cláusulas, também denominada lista cinza (lista grigia) em que se
presumem vexatórias (vessatorie), admitindo, contudo, prova em sentido
contrário.293 Em outra lista (lista nera),294 as cláusulas são consideradas ineficazes
290 "Les contrats d'adhésion et les clauses abusives en droit français et droits européens". Em La
protection de la partie faible dans les rapports contractuels - comparaisons franco-belges. Paris: L.G.D.J., 1996, p. 46.
291"Article 132-2: La commission des clauses abusives, placée auprès du ministre chargé de la consommation, connaît des modèles de conventions habituellement proposés par les professionnels à leurs contractants non professionnels ou consommateurs. Elle est chargée de rechercher si ces documents contiennent des clauses qui pourraient présenter un caractère abusif."
292 1469-bis (Capo aggiunto dall'art. 25, l. 6 febbraio 1996, n.52, in attuazione della direttiva 93/13/CEE): "vessatorie le clausole che, malgrado la buona fede, determinano a carico del consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obbblighi derivanti dal contratto". (Na verdade, o trecho "malgrado la buona fede" representa a tradução do artigo 3 da Diretiva 13/93).
293 1469-bis: (...) Si presumono clausole vessatorie fino a prova contraria le clausole che hanno per oggetto o per effetto di: 1) escludere o limitare la responsabilità del professionista in caso di morte o danno alla persona del consumatore, risultante da un fatto o da un'omissione del professionista; 2) escludere o limitare le azioni o i diritti del consumatore nei confronti del professionista o di un'altra parte in caso di inadempimento totale o parziale o di adempimento inesatto da parte del professionista; 3) escludere o limitare l'opponibilità da parte del consumatore della compensazione di un debito nei confronti del professionista con un credito vantato nei confronti di quest'ultimo; 4) prevedere un impegno definitivo del consumatore mentre l'esecuzione della prestazione del professionista è subordinata ad una condizione il cui adempimento dipende unicamente dalla sua volontà; 5) consentire al professionista di trattenere una somma di denaro versata dal consumatore se quest'ultimo non conclude il contratto o ne recede, senza prevedere il diritto del consumatore di esigere dal professionista, il doppio della somma corrisposta se è quest'ultimo a non concludere il contratto oppure a recedere; 6) imporre al consumatore, in caso di inadempimento o di ritardo nell'adempimento, il pagamento di una somma di denaro a titolo di
159
risarcimento, clausola penale o altro titolo equivalente d'importo manifestamente eccessivo; 7) riconoscere al solo professionista e non anche al consumatore la facoltà di recedere dal contratto, nonché consentire al professionista di trattenere anche solo in parte la somma versata dal consumatore a titolo di corrispettivo per prestazioni non ancora adempiute, quando sia il professionista a recedere dal contratto; 8) consentire al professionista di recedere da contratti a tempo indeterminato senza un ragionevole preavviso, tranne nel caso di giusta causa; 9) stabilire un termine eccessivamente anticipato rispetto alla scadenza del contratto per comunicare la disdetta al fine di evitare la tacita proroga o rinnovazione; 10) prevedere l'estensione dell'adesione del consumatore a clausole che non ha avuto la possibilità di conoscere prima della conclusione del contratto; 11) consentire al professionista di modificare unilateralmente le clausole del contratto, ovvero le caratteristiche del prodotto o del servizio da fornire, senza un giustificato motivo indicato nel contratto; 12) stabilire che il prezzo dei beni o dei servizi sia determinato al momento della consegna o della prestazione; 13) consentire al professionista di aumentare il prezzo del bene o del servizio senza che il consumatore possa recedere se il prezzo finale è eccessivamente elevato rispetto a quello originariamente convenuto; 14) riservare al professionista il potere di accertare la conformità del bene venduto o del servizio prestato a quello previsto nel contratto o conferirgli il diritto esclusivo d'interpretare una clausola qualsiasi del contratto; 15) limitare la responsabilità del professionista rispetto alle obbligazioni derivanti dai contratti stipulati in suo nome dai mandatari o subordinare l'adempimento delle suddette obbligazioni al rispetto di particolari formalità; 16) limitare o escludere l'opponibilità dell'eccezione d'inadempimento da parte del consumatore; 17) consentire al professionista di sostituire a sè un terzo nei rapporti derivanti dal contratto, anche nel caso di preventivo consenso del consumatore, qualora risulti diminuita la tutela dei diritti di quest'ultimo; 18) sancire a carico del consumatore decadenze, limitazioni della facoltà di opporre eccezioni, deroghe alla competenza dell'autorità giudiziaria, limitazioni all'allegazione di prove, inversioni o modificazioni dell'onere della prova, restrizioni alla libertà contrattuale nei rapporti con i terzi; 19) stabilire come sede del foro competente sulle controversie località diversa da quella di residenza o domicilio elettivo del consumatore; 20) prevedere l'alienazione di un diritto o l'assunzione di un obbligo come subordinati ad una condizione sospensiva dipendente dalla mera volontà del professionista a fronte di un'obbligazione immediatamente efficace del consumatore. 1469-ter. "Accertamento della vessatorietà delle clausole. La vessatorietà di una clausola è valutata tenendo conto della natura del bene o del servizio oggetto del contratto e facendo riferimento alle circostanze esistenti al momento della sua conclusione ed alle altre clausole del contratto medesimo o di un altro collegato o da cui dipende. La valutazione del carattere vessatorio della clausola non attiene alla determinazione dell'oggetto del contratto, né all'adeguatezza del corrispettivo dei beni e dei servizi, purché tali elementi siano individuati in modo chiaro e comprensibile. Non sono vessatorie le clausole che riproducono disposizioni di legge ovvero che siano riproduttive di disposizioni o attuative di principi contenuti in convenzioni internazionali delle quali siano parti contraenti tutti gli Stati membri dell'Unione europea o l'Unione europea. Non sono vessatorie le clausole o gli elementi di clausola che siano stati oggetto di trattativa individuale. Nel contratto concluso mediante sottoscrizione di moduli o formulari predisposti per disciplinare in maniera uniforme determinati rapporti contrattuali, incombe sul professionista l'onere di provare che le clausole, o gli elementi di clausola, malgrado siano dal medesimo unilateralmente predisposti, siano stati oggetto di specifica trattativa con il consumatore."
294 1469-quinquies. (...) Sono inefficaci le clausole che, quantunque oggetto di trattativa, abbiano per oggetto o per effetto di: 1) escludere o limitare la responsabilità del professionista in caso di morte o danno alla persona del consumatore, risultante da un fatto o da un'omissione del professionista; 2) escludere o limitare le azioni del consumatore nei confronti del professionista o di un'altra parte in caso di inadempimento totale o parziale, o di adempimento inesatto da parte del professionista; 3) prevedere l'adesione del consumatore come estesa a clausole che non ha avuto, di fatto la possibilità di conoscere prima della conclusione del contratto. L'inefficacia opera soltanto a vantaggio del consumatore e può essere rilevata d'ufficio dal giudice. Il venditore ha diritto di regresso nei confronti del fornitore per i danni che ha subito in conseguenza della declaratoria d'inefficacia delle clausole dichiarate abusive. E' inefficace ogni clausola contrattuale che, prevedendo l'applicabilità al contratto di una legislazione di un Paese extracomunitario, abbia l'effetto di privare il consumatore della protezione assicurata dal presente articolo, laddove il contratto presenti un collegamento più stretto con il territorio di uno stato membro dell'Unione europea.
160
mesmo se objeto de tratativa. Importante: a sanção pela estipulação de cláusula
abusiva na Itália é a ineficácia.295
Na Espanha, o controle de conteúdo das cláusulas denominadas abusivas não foi
catalogado na Lei sobre Condições Gerais da Contratação (LCGC), mas na Lei
Geral para Defesa dos Consumidores e Usuários (LGDCU), por força da
integralização da Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia. Na exposição de
motivos da própria Lei sobre Condições Gerais da Contratação,296 o legislador deixa
claro que, apesar do catálogo de cláusulas abusivas em uma lei especial, nada
impede que haja abusividade entre os não-consumidores. No art. 10 bis (e anexo)297
295 MENICHINO, Cristina. Clausole abusive nei contratti del consumatore:una comparazione tra il
diritto italiano e brasiliano. In: NALIN, Paulo (Coord.). A autonomia privada na legalidade constitucional. p. 234. (1469-quinquies. Inefficacia. Le clausole considerate vessatorie ai sensi degli articoli 1469-bis e 1469-ter sono inefficaci mentre il contratto rimane efficace per il resto).
296 Segundo consta da Exposição de Motivos da própria Lei 7/98 (Lei sobre Condições Gerais da Contratação): "Esto no quiere decir que en las condiciones generales entre profesionales no pueda existir abuso de una posición dominante. Pero tal concepto se sujetará a las normas generales de nulidad contractual. Es decir, nada impide que también judicialmente pueda declararse la nulidad de una condición general que sea abusiva cuando sea contraria a la buena fe y cause un desequilibrio importante entre los derechos y obligaciones de las partes, incluso aunque se trate de contratos entre profesionales o empresarios. Pero habrá de tener en cuenta en cada caso las características específicas de la contratación entre empresas. En este sentido, sólo cuando exista un consumidor frente a un profesional es cuando operan plenamente la lista de cláusulas contractuales abusivas recogidas en la Ley, en concreto en la disposición adicional primera de la Ley 26/1984, de 19 de julio, General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios, que ahora se introduce. De conformidad con la Directiva transpuesta, el consumidor protegido será no sólo el destinatario final de los bienes y servicios objeto del contrato, sino cualquier persona que actúe con un propósito ajeno a su actividad profesional. En el artículo 10 bis y en la disposición adicional primera de la misma Ley, que lo desarrolla, se han recogido las cláusulas declaradas nulas por la Directiva y además las que con arreglo a nuestro Derecho se han considerado claramente abusivas".
297 "Lei 26/1984 (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios) Artículo 10 bis. 1. Se considerarán cláusulas abusivas todas aquellas estipulaciones no negociadas individualmente que en contra de las exigencias de la buena fe causen, en perjuicio del consumidor, un desequilibrio importante de los derechos y obligaciones de las partes que se deriven del contrato. En todo caso se considerarán cláusulas abusivas los supuestos de estipulaciones que se relacionan en la disposición adicional de la presente Ley. El hecho de que ciertos elementos de una cláusula o que una cláusula aislada se hayan negociado individualmente no excluirá la aplicación de este artículo al resto del contrato. El profesional que afirme que una determinada cláusula ha sido negociada individualmente, asumirá la carga de la prueba. El carácter abusivo de una cláusula se apreciará teniendo en cuenta la naturaleza de los bienes o servicios objeto del contrato y considerando todas las circunstancias concurrentes en el momento de su celebración, así como todas las demás cláusulas del contrato o de otro del que éste dependa. 2. Serán nulas de pleno derecho y se tendrán por no puestas las cláusulas, condiciones y estipulaciones en las que se aprecie el carácter abusivo. La parte del contrato afectada por la nulidad se integrará con arreglo a lo dispuesto por el artículo 1258 del Código Civil. A estos efectos, el Juez que declara la nulidad de dichas cláusulas integrará el contrato y dispondrá de facultades moderadoras respecto de los derechos y obligaciones de las partes, cuando subsista el contrato, y de las consecuencias de su ineficacia en caso de perjuicio apreciable para el consumidor o usuario. Sólo cuando las cláusulas subsistentes determinen una situación no equitativa en la posición de las partes que no pueda ser subsanada podrá declarar la ineficacia del contrato.
161
3. Las normas de protección de los consumidores frente a las cláusulas abusivas serán aplicables, cualquiera que sea la Ley que las partes hayan elegido para regir el contrato, en los términos previstos en el artículo 5 del Convenio de Roma de 1980, sobre la Ley aplicable a las obligaciones contractuales". (Disposición adicional primera. Cláusulas abusivas):
A los efectos previstos en el artículo 10 bis, tendrán el carácter de abusivas al menos las cláusulas o estipulaciones siguientes: I. Vinculación del contrato a la voluntad del profesional. 1.ª Las cláusulas que reserven al profesional que contrata con el consumidor un plazo excesivamente largo o insuficientemente determinado para aceptar o rechazar una oferta contractual o satisfacer la prestación debida, así como las que prevean la prórroga automática de un contrato de duración determinada si el consumidor no se manifiesta en contra, fijando una fecha límite que no permita de manera efectiva al consumidor manifestar su voluntad de no prorrogarlo. 2.ª La reserva a favor del profesional de facultades de interpretación o modificación unilateral del contrato sin motivos válidos especificados en el mismo, así como la de resolver anticipadamente un contrato con plazo determinado si al consumidor no se le reconoce la misma facultad o la de resolver en un plazo desproporcionadamente breve o si previa notificación con antelación razonable un contrato por tiempo indefinido, salvo por incumplimiento del contrato o por motivos graves que alteren las circunstancias que motivaron la celebración del mismo. En los contratos referidos a servicios financieros lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de las cláusulas por las que el prestador de servicios se reserve la facultad de modificar sin previo aviso el tipo de interés adeudado por el consumidor o al consumidor, así como el importe de otros gastos relacionados con los servicios financieros, cuando aquéllos se encuentren adaptados a un índice, siempre que se trate de índices legales y se describa el modo de variación del tipo, o en otros casos de razón válida, a condición de que el profesional esté obligado a informar de ello en el más breve plazo a los otros contratantes y éstos puedan resolver inmediatamente el contrato. Igualmente podrán modificarse unilateralmente las condiciones de un contrato de duración indeterminada, siempre que el prestador de servicios financiero esté obligado a informar al consumidor can antelación razonable y éste tenga la facultad de resolver el contrato, o, en su caso, rescindir unilateralmente sin previo aviso en el supuesto de razón válida, a condición de que el profesional informe de ello inmediatamente a los demás contratantes. 3.ª La vinculación incondicionada del consumidor al contrato aun cuando el profesional no hubiera cumplido con sus obligaciones, o la imposición de una indemnización desproporcionadamente alta, al consumidor que no cumpla sus obligaciones. 4.ª La supeditación a una condición cuya realización dependa únicamente de la voluntad del profesional para el cumplimiento de las prestaciones, cuando al consumidor se le haya exigido un compromiso firme. 5.ª La consignación de fechas de entrega meramente indicativas condicionadas a la voluntad del profesional. 6.ª La exclusión o limitación de la obligación del profesional de respetar los acuerdos o compromisos adquiridos por sus mandatarios o representantes o supeditar sus compromisos al cumplimiento de determinadas formalidades. 7.ª La estipulación del precio en el momento de la entrega del bien o servicio, o la facultad del profesional para aumentar el precio final sobre el convenido, sin que en ambos casos existan razones objetivas o sin reconocer al consumidor el derecho a rescindir el contrato si el precio final resultare muy superior al inicialmente estipulado. Lo establecido en el párrafo anterior se entenderá sin perjuicio de la adaptación de precios a un índice, siempre que sean legales y que en ellos se describa explícitamente el modo de variación del precio. 8.ª La concesión al profesional del derecho a determinar si el bien o servicio se ajusta a lo estipulado en el contrato. II. Privación de derechos básicos del consumidor. 9.ª La exclusión o limitación de forma inadecuada de los derechos legales del consumidor por incumplimiento total o parcial o cumplimiento defectuoso del profesional. En particular las cláusulas que modifiquen, en perjuicio del consumidor, las normas legales sobre vicios ocultos, salvo que se limiten a reemplazar la obligación de saneamiento por la de reparación o sustitución de la cosa objeto del contrato, siempre que no conlleve dicha reparación o sustitución gasto alguno para el consumidor y no excluyan o limiten los derechos de éste a la indemnización de los daños y perjuicios ocasionados por los vicios y al saneamiento conforme a las normas legales en el caso de que la reparación o sustitución no fueran posibles o resultasen insatisfactorias. 10. La exclusión o limitación de responsabilidad del profesional en el cumplimiento del contrato, por los daños o por la muerte o lesiones causados al consumidor debidos a una acción u omisión por parte de aquél, o la liberación de responsabilidad por cesión del contrato a tercero, sin consentimiento del deudor, si puede engendrar merma de las garantías de éste. 11. La privación o restricción al consumidor de las facultades de compensación de créditos, así como de la de retención o consignación. 12. La limitación o exclusión de forma inadecuada de la facultad
162
da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Usuários, estão prescritas as
cláusulas abusivas.
Como já dissemos, o The Unfair Terms in Consumer Contracts Regulations em 1994
introduziu no ordenamento inglês a Diretiva n. 93/1913, do Conselho das
Comunidades Européias. Estas regulations não estão confinadas as exemption
clauses. O test of unfairness, de acordo com a Reg. 4, em conformidade com o art.
3.º da Diretiva européia, coloca como limitador a boa-fé (good faith)298.
Por sua vez, em Portugal, o Decreto-lei n. 446/1985 estabelece o controle de
conteúdo no Capítulo V ("Cláusulas contratuais gerais proibidas") sendo que a
Seção I trata do controle das cláusulas contratuais gerais nas "relações entre
empresários ou entidades equiparadas.”299 Já a Seção II é reservada à disciplina do
controle de conteúdo nas "relações com consumidores finais.”300
Em ambas as seções há duas listas (exemplificativas) contendo cláusulas
absolutamente proibidas301 (arts. 18 e 21) e cláusulas relativamente302 proibidas
(arts. 19 e 22). Na Seção I, há a previsão de o princípio geral de controle de
conteúdo das cláusulas contratuais gerais (art. 15), com a seguinte previsão: "são
proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé".
Percebe-se, portanto, que o legislador português adotou o modelo alemão, também
enumerando uma série de cláusulas que proíbe em termos absolutos, ao lado de
outras, cuja proibição é relativa. O sistema é completado com a consagração de
uma cláusula geral, assente na boa-fé. Mas há uma novidade: em termos claros,
separam-se as relações entre empresários ou entidades equiparadas, das relações
com consumidores finais, dedicando, a cada uma delas, uma seção própria. A
del consumidor de resolver el contrato por incumplimiento del profesional. 13. La imposición de renuncias a la entrega de documento acreditativo de la operación. 14. La imposición de renuncias o limitación de los derechos del consumidor."
298 BRADGATE, Robert. Experience in the United Kingdom. The integration of Directive 93/13 into the national legal sistems. Disponível em: <http://ec.europa.eu/consumers/cons_int/safe_shop/unf_cont_terms/event29_01.pdf>
299 "Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção".
300 "Nas relações com consumidores finais e, genericamente, em todas as não abrangidas pelo artigo 15.º aplicam-se as proibições da secção anterior e as constantes desta secção."
301 São proibidas em termos absolutos, não permitem a valoração judicial. 302 Permitem ao tribunal a sua apreciação em cada caso concreto, ainda que segundo um modelo
objetivo. Permitem uma valoração judicial.
163
importância desta distinção, segundo ANTÓNIO PINTO MONTEIRO,303 é que,
enquanto nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, as cláusulas
absolutas ou relativamente proibidas são apenas as que constam, respectivamente,
dos arts. 18 e 19, nas relações com consumidores finais; além dessas cláusulas, são
igualmente proibidas, de modo absoluto ou apenas relativo, as que constam dos
arts. 21 e 22. Ou seja, tratando-se de relações com consumidores finais, são
proibidas tanto as cláusulas indicadas na Seção III, como as cláusulas proibidas da
Seção II.
Sobre a previsão do art. 15 (cláusula geral de boa-fé) no direito português, vale
colacionar as críticas de J. OLIVEIRA ASCENSÃO:304
Por que se recorreu então à cláusula geral da boa-fé, que parece tão
afastada desta problemática? Por razões que só se compreendem à luz da
ordem jurídica alemã, de onde esta consideração do tema é derivada. Aí,
doutrina e jurisprudência procuraram, antes de haver qualquer previsão
legal da matéria das cláusulas contratuais gerais, um princípio no qual
fosse possível amparar o controle destas cláusulas. Tendo oscilado entre a
boa-fé e os bons costumes, acabaram por se fixar na cláusula geral de
boa-fé. Com isto alteraram o sentido normal da boa-fé, empurrando-a para
uma função de controle objetivo do conteúdo de certas cláusulas que não
estava no âmbito normal do princípio. Mas as razões pragmáticas e a
escassez de alternativas levaram a esta opção. Conseqüentemente,
quando a lei alemã (AGB Gesetz) surgiu, havia um largo trabalho
doutrinário, assente na boa-fé, que ficou legalmente consolidado. Por isso,
o princípio geral elegido para reger a proibição de cláusulas gerais,
atendendo ao conteúdo destas, foi o princípio da boa-fé. (...) E olhando a
cláusula por si, há que reconhecer que ela não explica nada. Antes passa
ao lado da questão a resolver. O que estava em causa era determinar
quando é que uma cláusula geral não pode ser admitida, por implicar um
desequilíbrio intolerável, em detrimento do destinatário. É uma questão
puramente objetiva, em que se pondera o conteúdo das prestações. O
recurso à boa-fé não adianta. Nada esclarece sobre a desproporção, ou o
grau de desproporção, que deve existir para que a situação se torne
juridicamente intolerável. E esse é que é o problema verdadeiro. Não
custas acreditar que tenha sido ainda por influência da orientação alemã 303 MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, Padma, v. 7, p. 15, jul./set. 2001. 304 ASCENSÃO, J. Oliveira. Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa-fé. Revista
Forense, p. 110-111.
164
que a previsão da boa-fé foi introduzida na diretriz sobre cláusulas
abusivas."
A grande crítica da doutrina portuguesa a respeito deste tema fica por conta da
convocação do princípio da boa-fé, sem que seja indicada, de forma expressa, uma
medida que marque o seu sentido,305 cabendo à jurisprudência a fixação de seu
alcance.306 Em Portugal, a sanção para aposição de uma cláusula abusiva é a da
nulidade da cláusula, podendo ser argüida a qualquer tempo, pelos legitimados a
ação inibitória, pelo contratante prejudicado, podendo, ainda, ser declarada de ofício
se for o caso.
4.5 CONTROLE ADMINISTRATIVO E CONTROLE JUDICIAL NO DIREITO BRASILEIRO
Em relação ao controle administrativo e controle judicial das cláusulas contratuais
gerais dirigidas aos consumidores, o texto legislativo de referência é o Código de
Defesa do Consumidor. Na redação aprovada pelo Congresso Nacional, o CDC
brasileiro optava por um sistema misto, atribuindo-se o controle administrativo
abstrato preventivo ao Ministério Público, sem prejuízo do controle judicial concreto.
O Presidente da República, ao sancionar a lei, vetou todos os dispositivos que
cuidavam do controle preventivo das cláusulas contratuais gerais e das cláusulas
abusivas (CDC, arts. 51, § 3.º, 54, § 5.º, e 83, parágrafo único), eliminando esse
importante meio de efetividade da tutela legal do contratante-consumidor.
O art. 51, § 3.º, estabelecia que o Ministério Público poderia efetuar, mediante
inquérito civil,307 o controle administrativo abstrato das cláusulas contratuais gerais,
cuja decisão teria caráter geral. O § 5.º do art. 54 do CDC, por sua vez, determinava
305 Nesse sentido, SÁ, Almeno. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2.
ed. p. 36. 306A Diretiva Européia n. 13/1993, reiteradamente citada neste trabalho, estabelece somente as
regras mínimas, deixando aos Estados-membros a possibilidade de, no respeito pelo Tratado CEE, assegurarem um nível de proteção mais elevado do consumidor através de disposições nacionais mais rigorosas que a presente diretiva. De acordo com tais regras mínimas, são três as referências usadas para caracterizar a abusividade: a não negociação do contrato, a boa-fé e o desequilíbrio. Fora de contratos padronizados e de adesão, a decretação de abusividade fica a critério dos legisladores nacionais. A referência apenas à boa-fé e não também ao princípio da justiça contratual compreende-se, porque na tradição germânica, que influenciou fortemente a Diretiva, não é dado relevo autônomo ao segundo.
307 No inquérito civil o Ministério Público pode arregimentar documentos, informações, ouvir os interessados, a fim de formar sua opinião sobre a existência ou não de cláusula abusiva em determinado contrato de consumo. Há que se lembrar que o inquérito civil é ato privativo do membro do Ministério Público, não dispondo os outros órgãos legitimados do mesmo instrumento de controle.
165
a remessa do formulário-padrão ao Ministério Público, para se efetivar o controle. O
parágrafo único do art. 83 admitia o controle preventivo abstrato de caráter judicial
por meio de ação promovida pelo Ministério Público, por entidade estatal, por
associação civil de defesa do consumidor ou por qualquer outro interessado.
Para PAULO LUIZ NETTO LÔBO,308 após os vetos, não se pode cogitar do controle
administrativo preventivo abstrato das cláusulas contratuais gerais, o que significa
lamentável recuo diante da tendência mundial e significativa barreira à efetividade da
proteção legal dos interesses difusos dos contratantes-consumidores. Mas admite o
autor, posição que concordamos, que possa ser explorada amplamente a
competência do Ministério Público para promover um controle administrativo
preventivo, através da feitura de inquéritos civis, preparatórios da ação civil pública,
por força do que lhe atribui a Constituição, nos arts. 127 e 129, III, e a Lei n. 7.347,
de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), com as alterações
introduzidas pelo próprio Código de Defesa do Consumidor.309
Partindo da premissa de que o chamado controle administrativo é aquele que ocorre
fora da esfera judiciária, realizado pelas autoridades administrativas, há que ser
lembrado que o controle administrativo das cláusulas contratuais gerais não se
resume a atuação do Ministério Público. Alguns órgãos poderão exercer um poder
de fiscalização e regulamentação (por meio de decretos, portarias e outros atos
administrativos) dirigido ao estabelecimento de padrões para que os administrados
possam exercer uma atividade controlada e fiscalizada pelo Poder Público.
Isso ocorre, por exemplo, por intermédio dos PROCONs, atuando na defesa dos
consumidores. No setor de seguros, que deve obedecer às normas traçadas pela
308 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 81. 309 Segundo NELSON NERY JÚNIOR, o veto constante do CDC não tem nenhum efeito prático, pois
continuam em vigor as disposições sobre o inquérito civil, poderoso instrumento de prevenção e de composição de conflitos de consumo, que continuará sendo utilizado pelo Ministério Público no desempenho de seus deveres institucionais, o que era feito bem antes da edição do CDC, na cidade de São Paulo, instaurava inquérito civil para apuração da existência de cláusulas abusivas em formulários utilizados para escola de línguas da capital, a fim de se evitar a propositura de ação civil pública contra tais escolas. NERY JR., Nelson. Da proteção contratual. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). Código brasileiro de Defesa do Consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 455. Esta é a mesma posição de ARRUDA ALVIM, segundo o qual "nem pelo fato de ter havido esse veto, deixa de ser suscetível de utilização o inquérito civil, menos com vistas a dele fazer nascer uma 'decisão' do Ministério Público, o que desconheceria frontalmente o núcleo do veto, mas com vistas à tentativa de um acordo , que, fracassado, poderá levar à propositura de ação pelo Ministério Público". ARRUDA ALVIM, J. M. Cláusulas Abusivas e seu controle no direito brasileiro". Revista de Direito do Consumidor, n. 20, p. 277, 1996.
166
SUSEP (Superintendência de Seguros Privados)310 e com as atividades bancárias,
que sofrem o controle do Banco Central do Brasil (BACEN). É comum também, vale
lembrar, a edição de Portarias contendo listas de cláusulas abusivas311 pela
Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão do Ministério da Justiça, com o
objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Sem contar a
atuação das Agências Reguladoras (ANEEL, ANATEL, ANP, ANS, ANTT, ANVISA),
verdadeiras autarquias especiais, detentoras de poder regulamentar, com a
competência para fiscalizar a atuação dos particulares em diversos setores de
atividades (setores de telefonia, execução de serviços de petróleo, setor de saúde
etc.) que, de certa forma, têm exercido influência312 sobre os contratos celebrados
mediante o oferecimento de cláusulas contratuais gerais.
Mesmo fora das relações de consumo, podemos vislumbrar na atuação da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), instituída pela Lei n. 6.385/1976, exercício
de controle sobre eventuais cláusulas contratuais gerais,313 não diretamente
310 A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência
privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A., as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida Provisória n. 1.940-17, de 06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada.
311 Ver Portarias n. 4/98, 3/99, 3/01, 5/02, 7/03 da Secretaria de Direito Econômico. 312 A título exemplificativo, em 27 de julho de 2006, foi veiculado pela imprensa (Revista Consultor
Jurídico) que o TJ/SP vetou aumento de 46,1% em plano de saúde. A Golden Cross só pode aumentar a mensalidade em 11,75% – percentual permitido pela Agência Nacional de Saúde – e não em 46,1% no plano de saúde coletivo da Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo. O entendimento foi do desembargador Paulo Eduardo Razuk, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele aplicou o percentual fixado pela ANS para não comprometer o equilíbrio financeiro do contrato. A Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo alegou que o funcionário pode ser penalizado com um reajuste maior do que teria se contratasse o plano de saúde individualmente. “Desta maneira, o benefício passa a ser ônus, o que não se pode permitir”, afirmou a advogada Joanna Paes de Barros, do escritório Emerenciano Baggio e Associados, que representou a entidade. Para o desembargador, o aumento das mensalidades traria risco à saúde, principalmente para as pessoas idosas que deixariam de pagar o plano por conta do aumento abusivo. Assim, ele determinou que a Golden Cross emita novos boletos para pagamento das mensalidades, com o reajuste autorizado pela ANS. A multa diária, em caso de descumprimento, é de R$ 300.
313 A Lei que criou a CVM (6.385/1976) e a Lei das Sociedades por Ações (6.404/1976) disciplinaram o funcionamento do mercado de valores mobiliários e a atuação de seus protagonistas, assim classificados, as companhias abertas, os intermediários financeiros e os investidores, além de outros cuja atividade gira em torno desse universo principal. A CVM tem poderes para disciplinar, normatizar e fiscalizar a atuação dos diversos integrantes do mercado. Seu poder normatizador abrange todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários. Cabe à CVM, entre outras, disciplinar as seguintes matérias: registro de companhias abertas; registro de distribuições de valores mobiliários; credenciamento de auditores independentes e administradores de carteiras de valores mobiliários; organização, funcionamento e operações das bolsas de valores; negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; administração de carteiras e a
167
relativas aos valores mobiliários negociados (que, aliás, não possuem natureza
custódia de valores mobiliários; suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou autorizações; suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores; O sistema de registro gera, na verdade, um fluxo permanente de informações ao investidor. Essas informações, fornecidas periodicamente por todas as companhias abertas, podem ser financeiras e, portanto, condicionadas a normas de natureza contábil, ou apenas referirem-se a fatos relevantes da vida das empresas. Entende-se como fato relevante, aquele evento que possa influir na decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pela companhia. A CVM não exerce julgamento de valor em relação à qualquer informação divulgada pelas companhias. Zela, entretanto, pela sua regularidade e confiabilidade e, para tanto, normatiza e persegue a sua padronização. A atividade de credenciamento da CVM é realizada com base em padrões pré-estabelecidos pela Autarquia que permitem avaliar a capacidade de projetos a serem implantados. A Lei atribui à CVM competência para apurar, julgar e punir irregularidades eventualmente cometidas no mercado. Diante de qualquer suspeita a CVM pode iniciar um inquérito administrativo, através do qual, recolhe informações, toma depoimentos e reúne provas com vistas a identificar claramente o responsável por práticas ilegais, oferecendo-lhe, a partir da acusação, amplo direito de defesa. O Colegiado tem poderes para julgar e punir o faltoso. As penalidades que a CVM pode atribuir vão desde a simples advertência até a inabilitação para o exercício de atividades no mercado, passando pelas multas pecuniárias. A CVM mantém, ainda, uma estrutura especificamente destinada a prestar orientação aos investidores ou acolher denúncias e sugestões por eles formuladas. Quando solicitada, a CVM pode atuar em qualquer processo judicial que envolva o mercado de valores mobiliários, oferecendo provas ou juntando pareceres. Nesses casos, a CVM atua como "amicus curiae" assessorando a decisão da Justiça. Em termos de política de atuação, a Comissão persegue seus objetivos através da indução de comportamento, da auto-regulação e da auto-disciplina, intervindo efetivamente, nas atividades de mercado, quando este tipo de procedimento não se mostrar eficaz.No que diz respeito à definição de políticas ou normas voltadas para o desenvolvimento dos negócios com valores mobiliários, a CVM procura junto a instituições de mercado, do governo ou entidades de classe, suscitar a discussão de problemas, promover o estudo de alternativas e adotar iniciativas, de forma que qualquer alteração das práticas vigentes seja feita com suficiente embasamento técnico e, institucionalmente, possa ser assimilada com facilidade, como expressão de um desejo comum.A atividade de fiscalização da CVM realiza-se pelo acompanhamento da veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam e aos valores mobiliários negociados. Dessa forma, podem ser efetuadas inspeções destinadas à apuração de fatos específicos sobre o desempenho das empresas e dos negócios com valores mobiliários. De acordo com a lei que a criou, a Comissão de Valores Mobiliários exercerá suas funções, a fim de: assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas. Ver PAPINI, Roberto. Sociedade Anônima e Mercado de Valores Mobiliários. 2 ed.; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 2. Valores mobiliários são instrumentos de captação de recursos, para o financiamento da empresa, explorada pela sociedade anônima que os emite, e representam, para quem os subscreve ou adquire, uma alternativa de investimento. Alguns autores dão aos valores imobiliários a natureza de títulos de crédito. Na verdade, o titular do valor mobiliário é credor da sociedade anônima emitente, o titular do valor mobiliário não tem, perante a sociedade emissora, nenhum direito creditício (ex. como é o caso do Commercial Paper, mas em outras, como acontece no caso do bônus de subscrição). Em se tratando de valores mobiliários, como as ações, a gama de direitos conferidos ao acionista é muito mais extensa, compreende não só o crédito pelos dividendos ou juros sobre o capital próprio, mas também os direitos de fiscalizar e, por vezes, intervir na administração da empresa. Assim, afirma que, nem sempre os valores mobiliários asseguram direitos creditícios, não atendendo ao primeiro requisito dos títulos de crédito".
168
contratual) mas sobre eventual contrato entre empresas e antes do oferecimento de
valores mobiliários ao público, dispostas a oferecer algo ao mercado. A nosso ver, a
própria exigência de registro na CVM para negociar em bolsa e balcão já é, por si
só, uma espécie de controle administrativo das cláusulas gerais da negociação em
bolsa.
Também não poderíamos ignorar, a priori, eventual intervenção (preventiva ou
repressiva) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)314 para, por
exemplo, coibir ato danoso à concorrência praticado por algum agente econômico ou
empresa predisponente, que, por exemplo, em eventual contrato de distribuição,315
estabeleça cláusulas contratuais gerais prejudiciais ou restritivas ao mercado.316
314 O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, criado em 1962 e transformado, em
1994, em Autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, tem suas atribuições previstas na Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Ele tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo. O CADE é a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial. Assim, após receber os pareceres das duas secretarias (Seae e SDE) o CADE tem a tarefa de julgar os processos. O órgão desempenha, a princípio, três papéis: 1. Preventivo; 2. Repressivo e 3. Educativo. O papel preventivo corresponde basicamente à análise dos atos de concentração, ou seja, à análise das fusões, incorporações e associações de qualquer espécie entre agentes econômicos. Este papel está previsto nos artigos 54 e seguintes da Lei n. 8.884/1994. Os atos de concentração não são ilícitos anticoncorrenciais, mas negócios jurídicos privados entre empresas. Contudo, deve o CADE, nos termos do artigo 54 da Lei n. 8.884/1994, analisar os efeitos desses negócios, em particular, nos casos em que há a possibilidade de criação de prejuízos ou restrições à livre concorrência, que a lei antitruste supõe ocorrer em situações de concentração econômica acima de 20% do mercado de bem ou serviço analisado, ou quando uma das empresas possui, no mínimo, quatrocentos milhões de faturamento bruto. Caso o negócio seja danoso à concorrência, o CADE tem o poder de impor obrigações – de fazer e de não-fazer – às empresas como condição para a sua aprovação, determinar a alienação total ou parcial dos ativos envolvidos (máquinas, fábricas, marcas, etc.), ou alteração nos contratos. O papel repressivo corresponde à análise das condutas anticoncorrenciais. Essas condutas anticoncorrenciais estão previstas nos artigos 20 e seguintes da Lei n. 8.884/1994 e na Resolução n. 20 do CADE, de forma mais detalhada e didática. Neste caso, o CADE tem o papel de reprimir práticas infrativas à ordem econômica, tais como: cartéis, vendas casadas, preços predatórios, acordos de exclusividade, dentre outras. É importante ressaltar que a existência de estruturas concentradas de mercado (monopólios, oligopólios), em si, não é ilegal do ponto de vista antitruste. O que ocorre é que nestes há maior probabilidade de exercício de poder de mercado e, portanto, maior a ameaça potencial de condutas anticoncorrenciais. Tais mercados devem ser mais atentamente monitorados pelos órgãos responsáveis pela preservação da livre concorrência, sejam eles regulados ou não.
315 Segundo PAULA A. FORGIONI, contrato de distribuição é "bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração, que encerra um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e de revenda e assumindo obrigações voltadas à satisfação das exigências do sistema de distribuição do qual participa". FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. São Paulo: RT, 2006. p. 116. A autora cita interessante exemplo em que o CADE atuou para dirimir se era possível o agente econômico, (editoras) através de cláusulas contratuais gerais, estipular o preço de revenda das livrarias. (p. 171).
316 A Lei n. 8.884/1994 também estabelece hipóteses de controle pelo CADE em atos e contratos nos seguintes termos: "Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de
169
No Brasil, o controle judicial das cláusulas contratuais gerais pode ser feito mediante
ação autônoma, proposta com esta finalidade, por diversos interessados. Em
primeiro lugar, para expurgar as cláusulas consideradas abusivas, estão legitimados
os consumidores lesados, por meio de ação individual autônoma. Depois, estará o
Ministério Público, que pode recorrer a juízo não só na hipótese do art. 51, § 4.º 317
do CDC, como por meio da ação coletiva prevista no art. 82 do CDC, e ainda por
meio da ação civil pública. Em terceiro lugar, o controle judicial pode ser provocado
pelas outras entidades legitimadas, ao lado do Ministério Público, para a defesa de
interesses ou direitos difusos ou coletivos (CDC, arts. 81 e 82): associações de
consumidores, União, os Estados e Municípios, e ainda órgãos oficiais criados para
defesa de consumidores (ex.: PROCONs).
Aliás, uma das mais significativas inovações do direito processual, para tornar o
direito do consumidor efetivamente realizável, é a ação civil pública (e congêneres:
class action, ação inibitória, association claim), em que os legitimados a agir não
postulam direitos ou interesses individuais nem de terceiros, mas os interesses
comunitários, difusos, subjetivamente indetermináveis. A eficácia erga omnes da
decisão judicial constitui outro avanço. Em sede de cláusulas contratuais gerais, o
controle judicial, antes circunscrito ao episódico controle do ato, assumiu a função
de controle da predisposição, conseqüentemente, da atividade jurídica do
predisponente em sua complexidade. Por certo, esse conjunto de controles não
impede que a lesão aos direitos do aderente prossiga.
Portanto, o controle judicial poderá ser sucessivo como também preventivo. Afinal,
nos termos do art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, a lei não poderá excluir do
Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito. Apesar do veto ao parágrafo
qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade. § 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições: I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados".
317 A solicitação a que se refere o § 4.º do art. 51 não é vinculativa para o Ministério Público, não sendo esta condição de procedibilidade, podendo o Ministério Público promover estas ações independentemente de solicitação.
170
único do art. 83 do CDC,318 não ficou vedado o controle abstrato de cláusulas
inseridas em reais contratos de consumo, com a proibição de sua inserção em
futuros contratos, o que não deixa de ser forma de controle preventivo.
Como explica KAZUO WATANABE,319 talvez o uso da expressão “controle abstrato”
tenha assustado o Executivo. A expressão completa é controle abstrato e
preventivo, o que significa que a tutela processual prevista somente poderá ser
postulada em relação a determinado contrato que um fornecedor esteja em vias de
ofertar ou mesmo já tenha ofertado ao público. O escopo do processo preventivo
será a proteção de todos os consumidores coletivamente considerados e que ainda
não tenham concluído qualquer contrato com o fornecedor. Assim, o âmbito de
controle exercitável pelos órgãos legitimados abrange não só as cláusulas de
contratos já concluídos mediante adesão dos consumidores a cláusulas contratuais
gerais, como também os formulários em que estão as cláusulas contratuais gerais e
que se transformarão em futuros contratos de adesão.
Esse controle, como já dito, pode ser promovido por outros órgãos legitimados, e
não só as associações de proteção aos consumidores. Vale frisar novamente que,
sendo o CADE autarquia legitimada para propositura de ações civis públicas para
defesa da ordem econômica e da livre concorrência (LACP, art. 5.º, II), não podemos
deixar de mencionar a possibilidade de controle judicial das cláusulas contratuais
gerais que envolvam esta matéria, por iniciativa deste órgão.320
Importante lembrarmos que, apesar de não existirem regras específicas regulando o
controle judicial abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais (tal como nos
casos em que são dirigidas aos potenciais consumidores), existe no Brasil, ainda
que para restritas hipóteses, a possibilidade desta modalidade de controle para as
relações de não-consumo. Se imaginarmos o CADE, na qualidade de autor de ação
civil pública, ingressando com ação contra uma rede de supermercados ou uma
determinada distribuidora de produtos, acusando-a de praticar preços abaixo do
custo, em prejuízo da livre concorrência, pedindo ao juízo a alteração de suas
318 O parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Nele continha o seguinte preceito: "poderá ser
ajuizada, pelos legitimados no artigo anterior ou por qualquer interessado ação visando o controle abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais".
319 WATANABE, kazuo. Disposições Gerais. In: Código brasileiro de Defesa do Consumidor - comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 748.
320 Sobre as formas de intervenções do CADE, ver SCARPINELLA BUENO, Cassio. Amicus curiae no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 321-335.
171
práticas comerciais, a conseqüência desta demanda pode ser a alteração de
cláusulas contratuais gerais que ainda não foram inseridas em um contrato
empresarial. Não haveria, nesse caso, benefícios diretos ao consumidor, sendo
esses, quando muito, apenas indiretos. Nada impede, em tese, que uma dada
associação (de representantes comerciais, distribuidores etc.) ingresse com ação
civil pública (LACP, art. 5.º, II), para que seja impedida inserção de uma cláusula
contratual geral em suas transações comerciais por representar ofensivo à ordem
econômica e a concorrência.
O controle judicial (e administrativo) das cláusulas contratuais gerais deveria
obedecer as suas características, em especial, a abstração, rigidez e uniformidade.
Afinal, se o direito processual é informado pelas peculiaridades do direito material, o
controle judicial das cláusulas contratuais gerais não pode ser feito tendo em conta,
tão-somente, os aspectos pessoais e individuais do futuro contraente.
Essas peculiaridades do direito material levaram o professor KAZUO WATANABE,321
em parecer inédito, a concluir que as ações individuais que veiculem a mesma
pretensão da ação coletiva ou de uma outra ação individual com o mesmo escopo
são inadmissíveis por significarem um bis in idem, que poderá dar origem a conflitos
práticos, e não apenas lógicos, de julgados, o que o nosso ordenamento jurídico não
tolera (daí, os institutos da litispendência e da coisa julgada). Segundo o
processualista, muitos erros têm sido cometidos na práxis forense pela desatenção
dos operadores do direito às peculiaridades da relação jurídica material em face da
qual é deduzido o pedido de tutela jurisdicional, como a inadmissível fragmentação
de um conflito coletivo em múltiplas demandas coletivas, quando seria admissível
uma só, ou senão a propositura de demandas pseudoindividuais fundadas em
relação jurídica substancial de natureza incindível. Um caso paradigmático desses
equívocos na atualidade, que vem causando enormes embaraços a nossa Justiça, é
o pertinente às tarifas de assinatura telefônica. Em um só Juizado Especial Cível da
Capital de São Paulo, foram distribuídas mais trinta mil demandas individuais dessa
espécie que, em nosso sentir, na conformidade das ponderações a seguir
desenvolvidas, são demandas pseudoindividuais.
321 WATANABE, Kazuo. Relação entre demanda coletiva e demandas individuais. In: PELLEGRINI,
Ada; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords). Direito Processual Coletivo em perspectiva e Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, a ser publicado em breve pela DPJ Editora.
172
Sobre os problemas causados por um controle judicial individual precipitado, sem a
percepção da dimensão das cláusulas contratuais gerais, orienta-nos KAZUO
WATANABE para a importância do controle administrativo e judicial abstrato,322
como sendo aquele que melhor responde às necessidades do direito material
envolvido, cuja transcrição se mostra elucidativa:
Em todo o Estado de São Paulo, há mais de 130.000 feitos dessa natureza,
que são idênticos aos ajuizados, aos milhares, em vários outros Estados da
Federação. Analisando o caso sob o ângulo da legitimação “ad causam”,
afirma FLÁVIO LUIZ YARSHELL, com todo o acerto, que, “se o que se
pretende é, de alguma forma, alterar a regulação a cargo da agência, então
parece não ser lícito impor provimento jurisdicional pretendido sem a
presença daquele que será diretamente afetado pela modificação de um
dado estado jurídico”. Anota que todos os agentes econômicos sujeitos à
regulação em dado segmento econômico deveriam figurar no pólo passivo
“porque todos eles – destinatários que são de regulação ditada por
determinada agência – compõem uma relação jurídica incindível: não seria
possível alterar a regulação para um sem alterar para todos.” (Grifo nosso.)
(LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Brevíssimas reflexões a
propósito da legitimidade passiva nas ações civis públicas envolvendo
atividades sujeitas à regulação. In: Tutela Coletiva. Atlas, 2006, p. 112). A
análise do regime jurídico a que está submetida concessão do serviço de
telecomunicações é fundamental para o assentamento da correta
conclusão a respeito da questão em estudo. [...] Após a flexibilização do
monopólio estatal da exploração dos serviços públicos de
telecomunicações, manteve o Estado o poder regulatório do setor, tendo
sido criada para esse fim, pela Lei n. 9.472/1997, a Agência Nacional de
Telecomunicações – ANATEL. A participação da iniciativa privada na
322 Vale citar a existência do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, que traz
disposições específicas a respeito desse importante e controvertido tema. Assim dispõe o seu art. 6.º: “Relação entre demanda coletiva e ações individuais – A demanda coletiva não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 12 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual”. [...] § 3.º – “O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da parte, após instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico”.§ 4.º – “Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.”
173
exploração dos serviços de telecomunicações é feita mediante autorização,
concessão ou permissão. [...] O contrato de concessão deve indicar,
conforme dispõem os arts. 93, n. VII, e 103, § 3.º, as tarifas a serem
cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão. À Agência
(ANATEL) foi atribuída a competência para “estabelecer a estrutura tarifária
para cada modalidade de serviço” (art. 103, caput) e a incumbência de
“controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços
prestados no regime público” (art. 19, n. VII). Significa isto que as
concessionárias de serviços de telecomunicações estão submetidas a uma
política regulatória a cargo da ANATEL – Agência Nacional de
Telecomunicações, inclusive no tocante à fixação de tarifas. A estrutura
tarifária é fixada no próprio contrato de concessão, celebrado pelas
Concessionárias com a ANATEL. Essa estrutura tarifária deve ser aplicada
de modo uniforme em relação a todos os usuários e, sem que a respeito
dela haja decisão da ANATEL, não poderá ser feita qualquer alteração por
iniciativa da Concessionária. Qualquer modificação na cesta tarifária, como
a exclusão da tarifa de assinatura, como é pretendido nas ações coletivas e
nas demandas pseudoindividuais acima mencionadas, afetará
profundamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de
concessão, que é um dos direitos básicos da Concessionária e sem esse
equilíbrio estará irremediavelmente comprometido o cumprimento das
várias obrigações e metas estabelecidas no contrato de concessão. Os
contratos celebrados com os usuários, de prestação de serviço telefônico,
são umbilicalmente ligados ao contrato de concessão, devendo observar as
condições neste estabelecidas pelo Estado, não assistindo à
Concessionária o direito de estabelecer qualquer regra de sua livre
escolha, mormente em matéria de tarifas. [...] Pela natureza unitária e
incindível e pelas peculiaridades já mencionadas do contrato de
concessão, qualquer modificação na estrutura de tarifas, inclusive por
decisão do Judiciário, somente poderá ser feita de modo global e uniforme
para todos os usuários. Jamais de forma individual e diversificada, com a
exclusão de uma tarifa em relação apenas a alguns usuários e sua
manutenção em relação aos demais. [...] A obrigatoriedade de tratamento
igualitário dos usuários resulta não somente das próprias peculiaridades, já
mencionadas, do contrato de concessão, como também de preceitos legais
expressos que disciplinam a prestação do serviço de telecomunicação
(arts. 106 e 107 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472/1997) [...]
Dispõe o art. 106: “A concessionária poderá cobrar tarifa inferior à fixada
desde que a redução se baseie em critério objetivo e favoreça
indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico”. E
174
o art. 107 assim soa: “Os descontos de tarifa somente serão admitidos
quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições,
precisas e isonômicas, para sua fruição”. [...] Resulta de todas essas
considerações que qualquer demanda judicial, seja coletiva ou individual,
que tenha por objeto a impugnação da estrutura tarifária fixada pelo Estado
no exercício do seu poder regulatório, somente poderá veicular pretensão
global, que beneficie todos os usuários, de modo uniforme e isonômico,
uma vez que a estrutura tarifária, como visto, deve ter natureza unitária
para todas as partes que figuram no contrato de concessão e nos contratos
de prestação de serviços de telefonia. Uma ação coletiva seria mais
apropriada para essa finalidade. As ações individuais, acaso fossem
admissíveis, e não o são, devem ser decididas de modo global, atingindo
todos os usuários, em razão da natureza incindível da relação jurídica
substancial. Todas elas, na verdade, buscam a tutela de posições
individuais que “se inserem homogeneamente na situação global” (na
expressão de BARBOSA MOREIRA, v. citação supra), de modo que a
decisão deve ser do mesmo teor para todos que se encontrem na mesma
situação jurídico-substancial, o que significa que uma só demanda seria
suficiente para a proteção da totalidade de usuários. Essas ações
individuais são similares às ações individuais movidas por um ou alguns
acionistas para a anulação de deliberação assemblear ou à ação individual
movida por uma vítima contra a poluição ambiental praticada por uma
indústria. E não teria aplicação a regra expressa no art. 104 do Código de
Defesa do Consumidor, pois, a relação jurídica substancial que integra o
objeto litigioso do processo é de natureza unitária e incindível, sendo
inadmissível sua atomização em pretensões individuais referidas a um
ponto da situação global (v.g.,estrutura tarifária) em que deve haver
necessariamente a inserção uniforme de todos usuários, sob pena de
impossibilidade de subsistência da própria relação global. A solução que
seria mais apropriada, em nosso sentir, na conformidade das ponderações
acima desenvolvidas, seria a proibição de demandas individuais referidas a
uma relação jurídica global incindível. Porém, a suspensão dos processos
individuais poderá, em termos práticos, produzir efeitos bem próximos da
proibição, se efetivamente for aplicada pelo juiz da causa. A importância do
dispositivo está em procurar disciplinar uma situação que, na atualidade,
em virtude da inexistência de uma regra explícita, está provocando
embaraços enormes à Justiça, com repetição absurda de demandas
coletivas e também de pseudo-demandas individuais, cuja admissão, muito
ao contrário de representar uma garantia de acesso à justiça, está se
constituindo em verdadeira denegação da justiça pela reprodução, em
175
vários juízos do país, de contradição prática de julgados, que se traduzem
num inadmissível tratamento discriminatório dos usuários dos serviços de
telecomunicação.
Repita-se, mais uma vez, que o controle abstrato e homogêneo das cláusulas
contratuais gerais é o que se apresenta mais eficaz e o que melhor atende as suas
peculiaridades, mas que, infelizmente, tem se restringido à tutela do consumidor.
Talvez o conhecimento da dimensão e da repercussão social, jurídico e econômica
das cláusulas contratuais gerais seja útil para, por meio de uma nova leitura dos
mecanismos processuais conhecidos, seja permitido um controle judicial mais efetivo
e consectâneo das especificidades do instituto.
Portanto, para fins deste trabalho, importante mencionar que o controle judicial
preventivo (abstrato) é feito, quase que em sua maioria, na defesa da
vulnerabilidade dos consumidores, o que não quer dizer que os contratos entre não-
consumidores não possam ser alvo de tutela preventiva e coletiva. Assim, sempre
que for admitido pela legislação, os órgãos fiscalizadores das atividades controladas
pelo Poder Público poderão exercer o controle administrativo ou judicial preventivo
das cláusulas contratuais gerais.
De toda forma, podemos concluir que o sistema brasileiro aproximou-se, assim, do
sistema alemão da AGB-Gesetz, cuja maior crítica reside na ausência de um
controle preventivo administrativo.
Por último, apesar das sugestões de lege ferenda propugnado pela doutrina,323 não
há um sistema de registro das cláusulas consideradas abusivas pelo judiciário.
Quando muito, temos apenas disponível no site dos Tribunais um acervo on-line de
jurisprudência, com os mais variados assuntos. As serventias extrajudiciais, salvo
algumas hipóteses restritas,324 ainda não atuam no registro do modelo das cláusulas
contratuais gerais, não havendo entre estes e o Ministério Público um canal de
comunicação para combate de cláusulas potencialmente abusivas.
323 SOBRINHO, Mário de Camargo. Contrato de adesão e a necessidade de uma legislação
específica. p. 207. 324 Exemplo que pode ser citado é a exigência do art. 18, inc. VI da Lei de Parcelamento do Solo
urbano (Lei n. 6.766/79), que subordina o registro do loteamento ou desmembramento à juntada de "exemplar de contrato-padrão de promessa de venda ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta lei".
176
4.6 CONTROLE DE CONTEÚDO NO BRASIL – PARÂMETROS EXISTENTES NO CÓDIGO CIVIL DE
2002 PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS E SEU CONTROLE
Para as relações de consumo, o controle de conteúdo das cláusulas contratuais
gerais está disciplinado no Capítulo VI, Título I, do CDC, mais precisamente, nos
arts. 51 e 53. Apesar de não ser um trabalho voltado à análise do Código de Defesa
do Consumidor (mas sim do Código Civil), não podemos ignorar essa importante
regulação. A proteção contra cláusulas consideradas abusivas, no Brasil, é
considerada um dos direitos fundamentais dos consumidores (CDC, art. 6.º, IV).
No Código de Defesa do Consumidor, não temos duas listas, mas apenas uma única
lista exemplificativa, enumerando cláusulas consideradas abusivas (lista negra),
prevista no art. 51.325 Diferentemente da previsão de outros países, não se admite
prova contrária da abusividade. O caput do artigo citado é peremptório: estas
cláusulas serão nulas de pleno direito.
325 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V – (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. Outra norma importante norma de controle de conteúdo disposta no CDC é o § 1.º, que se presume exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2.° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3.° (Vetado). § 4.° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
177
Dentro desse elenco de cláusulas abusivas, podemos encontrar o inciso IV, do art.
51. Da mesma forma que o atual § 307 do BGB, temos no Brasil um critério geral326
de abusividade, considerando como abusivas as cláusulas que estabeleçam
"obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em
desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade".
Esse critério geral de controle de conteúdo deve ser levado a cabo quando se
estiver diante de uma situação concreta insuscetível de ser enquadrada em qualquer
uma das hipóteses de cláusulas abusivas enumeradas pelo mesmo artigo. E
segundo o legislador, as 15 (quinze) hipóteses de cláusulas abusivas são
consideradas, ex lege, nulas de pleno direito.
Segundo ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO:327
O rol de cláusulas abusivas, no art. 51 do CDC, tem bem o espírito de
ecletismo, próprio do direito brasileiro. Admitiu, como fundamento dos
vários incisos, tanto a explicação francesa de abusividade, que é a de
desequilíbrio entre direitos e deveres (incs. IX, X, XI e XIII), quanto a
alemã, de boa-fé (incs. IV e VIII) não se limitando, de resto, às duas
orientações (inc. XIV). Quanto ao seu sistema, o CDC foi também dúplice:
não ficou numa dicção que, à moda de cláusula geral, abarcasse toda e
qualquer hipótese, nem optou por soluções tópicas, com a enumeração
exaustiva de cláusulas abusivas. O art. 51 fez as duas coisas: trouxe lista
de cláusulas abusivas e inciso genérico. Essa solução mista tem, por sua
vez, a nosso ver, dupla vantagem: resolve problemas concretos (com a
lista) e dá ao juiz arma para modificar cláusulas abusivas não previstas
(inciso genérico).
O que deve ser salientado nesse trabalho é que o controle de conteúdo das
cláusulas abusivas também existirá fora dos contratos de consumo, fato que tem
326 Evita-se aqui a denominação cláusula geral, por entender que o preceito normativo é caso de
conceito jurídico indeterminado. Nestas, o legislador se limita a reportar, ao fato concreto, o elemento vago indicado na fattispecie, individualizando a hipótese abstratamente posta, cujos efeitos foram predeterminados legislativamente. São normas cujo grau de vagueza existe, mas é mínimo, implicando ao juiz somente o poder de estabelcer o significado do enunciado normativo. A consequência normativa está prevista no art. 51, caput: a cláusula será nula de pleno direito. Neste sentido ver MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. p. 296-348 (a linguagem e as funções das cláusulas gerais); JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. p. 4; MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 1175-1176.
327 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A relação jurídica resultante do contrato para operacionalização e realização de sorteios não é relação de consumo. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 233.
178
passado despercebido com a salutar expansão dos estudos de direito do
consumidor. O controle da abusividade de uma cláusula inserida em um contrato
individual decorre da aplicação de princípios gerais do sistema, não representando
fenômeno restrito às relações de consumo, sendo viável o seu reconhecimento em
todo e qualquer contrato.
Não se nega, nem se afirma, a possibilidade de influência recíproca entre o Código
Civil e o Código de Defesa do Consumidor, e o modo como ela pode se dar, mas
esse é um tema que necessita de trato exclusivo, que não caberia nas pretensões
desse trabalho.
O fato é que a difusão das cláusulas contratuais gerais forçou o legislador das
relações de consumo a regulamentar, nos arts. 51 e 53, as cláusulas abusivas,
baseando-se nas previsões estrangeiras nesse sentido. Mas, se as cláusulas
contratuais gerais não são privativas às relações de consumo, a sua abusividade
também não o é.
Na verdade, se observarmos corretamente, o Código Civil de 2002 apresenta uma
norma expressa sobre cláusula abusiva, que é o art. 424. Este dispositivo em nada
contraria os dispositivos do CDC, ao contrário, reforça-os, como conclui CLÁUDIA
LIMA MARQUES, em estudo sobre possíveis diálogos entre o CDC e o Código Civil
de 2002.328
Temos que lembrar que o modelo brasileiro é sui generis. Temos dois Códigos
separados e autônomos, com normas especiais (e cláusulas gerais) especiais que
se voltam para a proteção do consumidor, presumindo-o vulnerável e definido de
forma especial. Segundo previsão Constitucional (CF, art. 5.º, XXXII, 170, V, e art.
48 do ADCT), quis que o CDC fosse voltado para as relações entre consumidores e
328 "Para apresentar este diálogo novo no sistema de direito brasileiro, quero concentrar-me um pouco
no fenômeno do combate às cláusulas abusivas. Isto porque o novo Código Civil unitário de 2002, de forma expressa, em seu art. 422, obriga a todos os contratantes (leigos e profissionais) a guardar na conclusão e na execução dos contratos os princípios da probidade e da boa-fé. Da mesma forma, o Código novo limita a liberdade contratual geral à função social do contrato (art. 421) assim como traz normas sobre o controle (art. 424) e a interpretação dos contratos de adesão (art. 423) entre "civis" e entre "empresários" (art. 966 e seguintes do CC/2002). Mas, em verdade, na parte geral dos contratos, o CC/2002 traz apenas uma norma sobre cláusulas abusivas, o art. 424, que em nada colide ou conflita com os arts. 51, 53 e 54, do CDC, ao contrário reforça o mesmo espírito [...] Logo, conclui-se que não há conflito possível entre o art. 424 e as normas do CDC, há na verdade diálogo neste sistema plural. MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Codigo de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 - convergências e assimetrias. São Paulo: RT. p. 47.
179
fornecedores, e não o Código Civil. E como lembra CLÁUDIA LIMA MARQUES,329
não há conflito real entre essas leis, somente antinomias, em sua maior parte
aparentes e não reais, que podem ser resolvidas com o uso da aplicação ordenada,
subsidiária e especial do CDC e do Código Civil de 2002:
[...] útil, pois, é a idéia de diálogo das fontes, diálogo que significa a
aplicação simultânea, coordenada e sistemática destas duas leis principais
e coexistentes no Direito Privado brasileiro. Três serão, em resumo, os
diálogos entre o CC/2002 e o CDC: o diálogo sistemático de coerência, o
diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em
antinomias (reais ou aparentes) e diálogo de coordenação e adaptação
sistemática.
Ou seja, quis a Constituição que fosse dado tratamento diferenciado aos diferentes,
o que vem concretizado nas leis especiais (ex.: CDC), mas nem por isso
concluiremos que os iguais, submetidos à regulação do Código Civil, estarão
desprotegidos.
Portanto, fora dos contratos de consumo,330 nas mais variadas atividades (e que
também envolvem o oferecimento de cláusulas contratuais gerais), as cláusulas
abusivas também poderão ser detectadas e, por isso, de alguma forma controladas.
Cite-se, por oportuno, o enunciado n. 172 da III Jornada do Conselho da Justiça
Federal, que sobre o art. 424 do Código Civil diz:
As cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas relações jurídicas
de consumo. Dessa forma, é possível a identificação de cláusulas abusivas
em contratos civis comuns, como, por exemplo, aquela estampada no art.
424 do Código Civil de 2002.
Nos contratos celebrados entre empresas e seus fornecedores rurais, em contratos
empresariais (celebrados entre empresas e com finalidade empresarial, nos moldes 329 MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o
Código Civil de 2002. In: Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 – convergências e assimetrias. p. 81.
330 Questão interessante, mas que foge do objeto e dos limites deste trabalho, é saber se é aplicável a definição do art. 54 do CDC às relações entre não consumidores, expandindo aquela definição. Concordamos com a conclusão de CLÁUDIA LIMA MARQUES, para quem a definição do que é um contrato de adesão entre empresários será outra, que não a do art. 54 do CDC. Não que a definição legal do microssistema não seja usada no caso, mas tão somente para afirmar que o caso é diferente. MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Codigo de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 - convergências e assimetrias. p. 48.
180
dos arts. 966 e 981 e seguintes do CC, ou seja, não sendo uma dessas a
destinatária final), existirão cláusulas contratuais gerais e, potencialmente, poderão
existir cláusulas abusivas. Entre empresas, poderemos ter o clássico contrato de
compra e venda, até certas figuras tidas como modernas, como os contratos de
distribuição, de franquia, de faturização etc.331 Em alguns contratos de locação de
imóveis para fins comerciais, como nos de shopping centers, vimos que este
assumirá, na maioria das vezes, características padronizadas específicas, podendo
estar contido por cláusulas contratuais gerais que coloquem uma das partes em
situação iníqua, de profundo desequilíbrio, contrariando o preceito da justiça
contratual. Daí a utilidade de uma noção geral de abusividade, segundo os preceitos
gerais dispersos pelo Código Civil.
Em resumo, onde existir cláusula marcada pela posição de força, de superioridade
de uma das partes contratantes, impondo um desequilíbrio contratual, de vantagens
e riscos, estaremos diante de uma cláusula (contratual geral ou não) abusiva, que a
ordem jurídica corrige ou, antes, deverá impedir.332
Nos contratos de distribuição, por exemplo, são conhecidas as cláusulas contratuais
gerais que impõem aos distribuidores o compromisso de adquirirem uma quota
mínima mensal do produto, ou compras de estoques de reposição,
independentemente de haverem ou não conseguido escoar a quantidade
anteriormente adquirida. Nestes contratos, de resto, os distribuidores ficam à mercê
dos concedentes, sem que haja um critério lógico para legitimação desta exploração.
Um critério para o controle normativo para tais previsões precisa ser demonstrado e
efetuado, sob pena de se legitimar a insegurança jurídica, admitindo o prosperar de
relações abusivas.
As cláusulas contratuais gerais, como vimos, nunca chegaram a ser acolhidas
expressamente pelo direito positivo brasileiro. Regras que lhe são especificamente
dirigidas noutras ordens jurídicas, até então são impensáveis no Brasil. Mas nem por
331 A franquia consiste no licenciamento do uso da marca, acompanhada de assistência
mercadológica, fonecimento de know how etc. O contrato de franquia liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade, sem que, contudo, a essas estejam ligadas por vínculo de subordinação. Na faturização, há a venda do faturamento, ou negociação de créditos, pela sua transferência para uma dada empresa, que assume o risco do seu não pagamento. Ver FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 104.
332 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 49.
181
isso estas deixam de estar ínsitas na disciplina dos contratos de adesão, tal como
participam da listagem das cláusulas abusivas, se o seu conteúdo for abusivo.
Mesmo explorando todas as potencialidades de expansão das previsões legais, não
é possível chegar, sem dificuldades, a um sistema integrado na disciplina das
cláusulas abusivas. O sistema civil – que não o do consumidor – está ainda por
completar. Mas não podemos olvidar que em toda e qualquer relação contratual,
mesmo onde não haja presunção de vulnerabilidade, mercê de sua submissão aos
princípios gerais do sistema, poderá ser configurada a abusividade que reclame o
controle das cláusulas que a denotem.
Para CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY,333 cláusula abusiva é:
[...] essencialmente aquela que vem marcada pela unilateralidade que é
resultado da posição de força, de superioridade de uma das partes
contratantes, impondo um desequilíbrio contratual, de vantagens e riscos,
que a ordem jurídica corrige ou, antes, impede. Seu fundamento, hoje,
menos que no abuso de direito e na explicitude da lei, está ligado à
exigência de que as contratações decorram de um comportamento leal e
de cooperação entre os contraentes. Ou seja, relacionam-se boa-fé
objetiva e justiça contratual de tal arte que o comportamento solidário seja
o pressuposto necessário para uma contratação justa, que, de seu torno,
não se compadece com a previsão de resultado desigual por conta da
desigualdade substancial das partes.
Se não temos definição no Código do que vem a ser cláusula abusiva, temos que
socorrer às cláusulas gerais de controle existentes em nosso país, bem como em
legislações de diversos países, enumeradas acima. Sem a pretensão de
formularmos uma definição exaustiva, é possível concluir que uma cláusula
contratual será considerada abusiva quando, ainda que abstratamente predispostas,
sejam tendentes a criar direitos e obrigações considerados iníquos,
desproporcionais, que promovam desvantagem exagerada a uma das partes,
fenômenos incompatíveis com os princípios da boa-fé, do equilíbrio e da função
social dos contratos.
Quais são, portanto, os parâmetros de controle de conteúdo contidos no Código Civil
de 2002, para tutela de tais situações?
333 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49.
182
Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da
boa-fé (CC, art. 113). Aliás, a boa-fé é um dos elementos de validade do negócio
jurídico, como bem salienta RENAN LOTUFO334 em comentários ao art. 104 do
Código Civil. Cabe lembrar, ainda, que nos termos do art. 122 do Código Civil, está
vedado em nosso sistema a pura potestatividade,335 ou seja, aqueles negócios em
que haja condição fazendo depender a eficácia do ajuste à vontade exclusiva de
uma das partes, dada a configuração de claro abuso da posição contratual.
O princípio da boa-fé, mais do que qualquer outro, caracteriza-se pela sua
multifuncionalidade. Desempenha funções normativas de concretização reguladora,
de integração e também de delimitação. Pelos critérios da boa-fé, alçamos a
indicação precisa dos modos corretos de efetuar a prestação e de exigir o seu
cumprimento, preenchemos integrativamente, com deveres secundários e deveres
laterais, o conteúdo vinculativo da relação. Por ele, demarcamos certos limites ao
exercício legítimo de um poder formalmente reconhecido pela ordem jurídica. No
quadro de uma dada estrutura de posições negociais voluntariamente assumidas na
consecução de certos interesses, a boa-fé determina o programa obrigacional apto a
realizá-los do modo normativamente adequado.
Assim como em outros ordenamentos, no Brasil, a boa-fé também exercerá
importante papel no controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais abusivas.
334"Mas, no âmbito do Direito contemporâneo há um elemento, que deve sempre estar presente, a
boa-fé. A boa-fé há que reger o mundo do negócio jurídico. Portanto, desde o início da formação da vontade, é necessário que a boa-fé esteja presente, que se mantenha na sequência, ou seja, mesmo depois de emitida a declaração e a recepção, e permaneça até depois da execução do próprio negócio. A boa-fé aqui referida é a que se denomina de boa-fé objetiva. LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 284.
335 Em comentários ao art. 122, expõe RENAN LOTUFO que: "Cabe observar que parte da doutrina divide as condições ilícitas em: a) Condições ilícitas propriamente ditas – contrárias à ordem publica e às normas jurídicas cogentes que inclusive punem a existência de tal comportamento (ex.: prometo a alguém dinheiro se roubar outra pessoa); b) Condições imorais – são as contrárias aos bons costumes, salientando que a moralidade ou imoralidade serão verificadas segundo o caso concreto nos colocado à frente; c) Condições impossíveis – física ou juridicamente impossíveis; d) Condições puramente potestativas – a doutrina divide a condição potestativa em: pura, simples e mista. A condição potestativa é pura quando é estabelecida exclusivamente pelo arbítrio de uma parte (ex: vendo minha casa se gostares de Maria), como vemos na segunda parte do art. 122. Estas são vedadas pelo prescrito no presente artigo. A condição potestativa é mista quando depende da vontade das partes que figuram no negócio jurídico. A potestativa é simples quando o fato depende da vontade da pessoa, mas não só da pessoa. Para sua caracterização concorrem certas circunstâncias. A condição potestativa enseja muita dúvida na aplicação prática pelos leigos, em razão do disposto na última parte do art. 122, porque a interpretação desprovida dos recursos da hermenêutica leva a afirmar que há uma condição potestativa proibida por lei, quando não se trata de potestativa pura, mas sim de potestativa mista.". LOTUFO, Renan. Código Civil comentado. p. 347.
183
A doutrina coloca como questão fundamental se a referência à boa-fé, na cláusula
geral de controle, remete para uma apreciação da conduta do utilizador ou fixa um
parâmetro exclusivamente atinente ao conteúdo das cláusulas. Trata-se de saber se
a contrariedade à boa-fé é uma componente adicional do juízo de abusividade, a
somar ao desequilíbrio do conteúdo, ou se, pelo contrário, basta o conteúdo
significativamente desequilibrado para que, sem mais, a cláusula deva ser
considerada abusiva. Para se apreciar o caráter abusivo da estipulação bastará
proceder a uma valoração do seu conteúdo ou, mais do que isso, é também
necessário emitir uma apreciação negativa do utilizador?
A vingar a segunda hipótese, a cláusula geral de controle, com base na boa-fé,
conteria dois critérios autônomos, de aplicação cumulativa: só seria ineficaz, nula ou
anulável a estipulação cujo conteúdo ineqüitativo resultasse de um comportamento
abusivo do utilizador. Sendo assim, não seria afastando as circunstâncias atinentes
à relação singular e ao seu processo formativo que justificariam um conteúdo
desequilibrado, em termos de se ajuizar a cláusula como não contrária à boa-fé.
Averiguar se há um prejuízo desproporcional ou um desequilíbrio significativo,
implica, a nosso ver, uma apreciação puramente objetiva, identificando e medindo os
efeitos vantajosos e desvantajosos que a cláusula provoca.
Mas se assim é, poderá se entender que seria inútil uma referência expressa à boa-
fé também para se fixar parâmetros atinentes ao conteúdo. Só situando a referência
em outro campo normativo, o da regulação e valoração de condutas, se preservaria
a sua autonomia como critério de controle.
Se concebermos a proibição de certos conteúdos como uma concretização dos
ditames da boa-fé, de acordo com o modelo explicativo traçado anteriormente, o
princípio atuaria aqui como uma dupla face: em restrição direta à liberdade
contratual, por um lado, e como padrão de condutas negociais, por outro.
Impor-se-ia, nesta ótica, um duplo controle, ou um controle em dois momentos
sucessivos, distintos um do outro: apurar-se-ia, em primeiro lugar, se o conteúdo é
significativamente desequilibrado, para depois se ajuizar se tal conteúdo viola a boa-
fé.
No ordenamento alemão, predominou quase unanimemente uma concepção
objetivista de controle. Tal refletiu-se na sistemática da AGB-Gesetz, que apresenta
184
como uma das suas características marcantes e inovadoras a separação nítida entre
o controle de inclusão e o controle de conteúdo. Por controle de conteúdo, aqui,
deveria se entender controle exclusivamente dos termos contratuais, em si mesmos,
sem atender a variáveis que não lhes dissessem respeito.
Mas há que ser observado que o preenchimento do critério de valoração do
conteúdo não pode ser desligado do critério de intervenção, isto é, das razões que
aqui o legitimam. A boa-fé faz ponte entre ambos: a rígida predeterminação
unilateral dos termos do contrato justifica restrições à liberdade de sua conformação,
de modo que os interesses desprovidos de tutela autônoma não sejam seriamente
lesados.
Segundo JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO,336 as exigências da boa-fé, aqui, se
referem ao conteúdo do contrato. Tendo um alcance multifacetado, o princípio,
nessa sua específica valência normativa, e sem prejuízo de todas as suas outras
projeções funcionais, constitui-se também, nesse âmbito, como fundamento
normativo e critério de restrições à liberdade de fixação do conteúdo, traduzindo-se
em proibições de afastamento, para lá de certa medida, dos parâmetros de uma
equilibrada composição de interesses. A boa-fé impõe que o predisponente exercite
o seu poder unilateral sem sacrificar, além do razoável, os interesses do aderente.
Será a boa-fé, de igual modo, que orientará a valoração do conteúdo, para formação
de um juízo quanto à observância desse comando normativo e, logo, quanto à
eficácia da cláusula. Em vez de atuar como padrão de conduta, dentro de um quadro
de uma relação já constituída, modelando integrativa e restritivamente os
procedimentos a adotar, a boa-fé incidirá antes, já sobre a conformação das
estipulações que se propõem determinar o conteúdo contratual, independentemente
da conduta objetiva do utilizador, traçando limites concretos que ele deverá
imperativamente observar, como condição de validade das cláusulas que pretende
pôr em vigor.
A conclusão a tirar é a de que o princípio geral de proibição de cláusulas contrárias à
boa-fé se desdobra num dúplice e diferenciado critério de valoração: uma delas se
integra num dos círculos funcionais comuns do princípio, traduzindo-se na violação
de expectativas geradas pelo processo de relacionamento e pelos efeitos práticos
336 RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato - as cláusulas contratuais e o princípio da
liberdade contratual. p. 406 e ss.
185
normais do tipo contratual escolhido. A nulidade das cláusulas não se pretende com
o seu conteúdo intrínseco, mas com a divergência entre ele e o horizonte de
representações e de expectativas do aderente quanto às conseqüências vinculativas
do contrato. Mas cabe também aquela função que é mais marcante no regime
próprio dos contratos de adesão, que é a consideração da boa-fé como fundamento
de limites à liberdade de estipulação. Quando estamos diante do controle abstrato,
não há qualquer espaço para a tutela de expectativas. Por isso o controle abstrato é,
sempre, um controle objetivo de conteúdo das cláusulas contratuais predispostas,
em si mesma e à luz do tipo contratual que se inserem.
Contrariamente aos direitos alemão e português, em que a cláusula geral de
controle de conteúdo dos contratos de adesão é de aplicação uniforme a todos os
contratos de adesão, quer o aderente seja ou não um consumidor, no Direito
brasileiro teremos regimes diferenciados para as relações de consumo e para as
relações que não possuem essa natureza, aplicando-se a esses casos as regras do
Código Civil de 2002.
Diferentemente do CDC, o Código Civil não possui uma cláusula geral de controle
de conteúdo específica para os contratos de adesão e para as cláusulas contratuais
gerais. Mas está positivado o princípio da boa-fé, que dá conteúdo a várias cláusulas
gerais, em especial aquela prevista no art. 422, prescrevendo que os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução,
os princípios da probidade e boa-fé. Essa cláusula geral tem um alcance genérico,
abarcando também as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão,
exercendo importante papel na tutela dos contraentes em situação contratual
objetivamente inibidora da defesa de interesses próprios.
Assim, mesmo não contando com uma cláusula geral de controle de conteúdo dos
contratos de adesão, os arts. 113 e 422 do Código Civil permitem a conclusão de
que a obrigação de guardar a boa-fé, no âmbito das cláusulas gerais e dos contratos
de adesão, importa em não aproveitar abusivamente a iniciativa de formulação
unilateral do conteúdo das cláusulas gerais para obter vantagens exageradas, em
lesão significativa dos interesses da contraparte.
Mas não é só: todos os contratos deverão atender uma função social. A liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social dos contratos (CC,
art. 421), ou seja, o contrato não se limita a revestir passivamente a operação
186
econômica de um véu legal de per si não significativo, mas deve orientar as
operações econômicas de forma a atender os princípios básicos de nossa
sociedade: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; a eqüidade; a solidariedade e a produção de riquezas (CF, arts. 1.º e 3.º).
Toda vez que a operação econômica revestida pelo contrato violar um desses
objetivos, tem-se que ele não cumpre sua função social. Muitas vezes o contrato
pode ter um objeto lícito, apenas raramente a imoralidade ou a finalidade escusa
mostram sua face; a convenção é irrepreensível na aparência; só o fim
cuidadosamente escondido revela-se imoral quando é conhecido. Para a apreciação
do cumprimento pelo contrato, de sua função social, não pode o juiz ter em mente
apenas o objeto, mas, sobretudo o fim visado pelas partes, o que pode ser denotado
de suas próprias condutas.
A função social do contrato, nas palavras de ANTONIO JUNQUEIRA DE
AZEVEDO337 é:
[...] preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social
harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade
quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas. A idéia de
função social do contrato está claramente determinada pela Constituição,
ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre
iniciativa (art. 1.°, inciso IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição
de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes,
desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem
importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da
Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro [...].
A função social atua sempre quando estejam presentes interesses metaindividuais
mas, também, interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana, bem
como ultra partes, emanando efeitos sobre terceiros não integrantes da relação
contratual.338 Para fins desse trabalho, importa consignar que a função social,
prevista no art. 421 do Código Civil, desempenha papel análogo ao desempenhado
337 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação
do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 142.
338 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 137; LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002. p. 52-53.
187
pelo art. 51 do CDC, podendo o magistrado, avaliadas e sopesadas as
circunstâncias do caso, determinar a nulificação das cláusulas contratuais abusivas,
inclusive para o efeito de formar, pregressivamente, catálogos de abusividade.339
Há de ser lembrado, ainda, que nosso Código coíbe o abuso do direito (CC, art.
187),340 determinando ser abusivo o ato do titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes. Segundo PAULA A. FORGIONI,341 abuso de direito
pode concretizar-se mediante o abuso de dependência econômica, desde que o
exercício das prerrogativas contratuais seja contrário ao seu "fim econômico" ou à
"boa-fé".
Sobre a possibilidade de abuso de direito nos contratos de distribuição, comenta a
professora associada de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP:
Nos casos dos contratos de distribuição, o fim econômico das cláusulas
que asseguram ao fornecedor direitos em relação à sua rede de
distribuição deve ser entendido como o aumento do grau de eficiência
jurídica global do escoamento da produção, sem a injusta exploração dos
revendedores. Igualmente, a boa-fé que alude o texto do Código diz
339 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. p. 167. 340 Nem todos os autores aceitam a invocação da teoria do abuso de direito para qualificação e
controle das cláusulas abusivas. De fato, quando se fala em cláusulas abusivas, está se atuando sobre a liberdade de conformação de conteúdos contratuais, que desempenha função distinta da proibição do abuso do direito. Esta última asserção parece ser contrariada pela quase universal qualificação como cláusulas abusivas, daquelas estipulações que são contidas por inadmissíveis, em razão de seu conteúdo. Com origem na ordem jurídica francesa, o termo vulgarizou-se. O abuso de que aqui se trata não se enquadra no contexto dogmático do abuso do direito. De fato, porque está em causa a determinação limitativa do conteúdo do contrato, não de restrições ao exercício de posições dele derivadas! Não se visa fixar um limite à disciricionariedade de atuação do agente dentro de uma relação já eficazmente constituída, mas antes, traçar limites a respeitar para a sua válida constituição. Não pode, pois, negar-se que a boa-fé intervém como norma de validade, não como princípio definidor de comportamentos negociais. E o juízo de validade é, neste domínio, um puro juízo de compatibilidade entre a normação privada e o sistema jurídico em que ela visa integrar-se. Assim, há que se advertir que controle de conteúdo não é o mesmo que controle de exercício de um direito. A sua incidência se dá antes, é prévia a este, pois o que se procura é verificar se a cláusula, nas circunstâncias concretas da relação, representa uma ilegitimidade de conduta, sancionada pelo abuso de direito. Ver, sobre esta questão, RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do Contrato - As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 500.
341 FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 428.
188
respeito àquela objetiva, que aumenta o grau de confiança e coíbe a
frustração da legítima expectativa. 342
Poderão existir contratos padronizados por cláusulas contratuais gerais nas relações
interempresariais (ex.: franquia, distribuição, faturização etc.), ou seja, cláusulas
estipuladas sem que haja prévia negociação sobre o conteúdo contratual,
unilateralmente predispostas, gerais e abstratas, marcadas por uma rigidez,
podendo justificar a investigação sobre sua invalidade por abusividade. O fato de
não ser uma relação de consumo, tal como preconizada pelo CDC, não significa que
não se poderá invocar as normas previstas no Código Civil. Se as cláusulas
contratuais gerais forem ofensivas à boa-fé objetiva, ou ao princípio da função social
dos contratos, ou ainda, se representarem alguma espécie de abuso de direito,343 o
controle de conteúdo de tais cláusulas estará justificado.
Esse ideal de justiça contratual pode ser aferido também quando o legislador vedou
a prática do ato jurídico lesionário (CC, art. 157, c/c o art. 171, ll) ou se admite possa
o magistrado reduzir eqüitativamente a pena convencional estipulada pelos
contratantes, quando parte da obrigação principal tiver sido adimplida pelo devedor,
ou quando a penalidade se mostrar excessiva, em vista da natureza e finalidade do
negócio (CC, art. 413).
Não é suficiente que o contrato seja precedido de cláusulas contratuais gerais para
que cláusula supostamente abusiva seja considerada nula. Também não basta o
desequilíbrio econômico entre as partes para se considerar a abusividade de uma
cláusula. O que se pode discutir é a ausência de um equilíbrio entre direitos e
deveres de uma e outra parte, permitindo, por isso, que se questione a existência de
uma justiça substancial.
342 Há que ser lembrado, ainda, que está presente na legislação de defesa da concorrência, quando
se proíbe, no bojo da Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994, a imposição de preços excessivos, ou o aumento injustificado do preço de bens ou serviços (art. 21, XXIV).
343 O abuso de direito, caso represente ato atentatório à boa-fé, pode ser invalidado. Em parecer sobre esta questão, RENAN LOTUFO concluiu que caberia "invalidação da deliberação da assembléia, por ter ocorrido desrespeito a requisito de validade, boa-fé, com restauração da proporcionalidade dos cargos e liberdade da indicação direta dos cargos e liberdade da indicação direta dos ocupantes de mandato representativo da M." Ou seja, o abuso do direito não é somente ato ilícito (art. 187, CC), podendo ter repercussões, ainda que indiretas, no âmbito de validade dos negócios. (Ver Parecer, Processo Judicial n. 583.00.2006.163.669-0, em curso na 33ª Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, inédito).
189
A questão sobre o equilíbrio contratual e os parâmetros para sua investigação
quando da formação de um contrato (precedido por cláusulas contratuais gerais)
merece também uma observação apartada.
Há diversas formas pelas quais o princípio do equilíbrio contratual é identificado.
Mesmo que haja divergências em sua conceituação, a doutrina não deixa de
reconhecê-lo. Alguns entendem nem ser o equilíbrio um princípio autônomo, mas
incluso no campo da boa-fé objetiva. Outros tratam do equilíbrio econômico entre
prestação e contraprestação. Há ainda os que se referem a equilíbrio de direitos e
deveres, vantagens e desvantagens, ônus e riscos. Também quanto ao combate de
cláusulas abusivas, em situações de extrema desigualdade ou vulnerabilidade, se
menciona equilíbrio contratual. E há, por fim, os que enxergam na solidariedade
social, a chave para se entender o equilíbrio contratual. As condições econômicas
pessoais de cada parte não são levadas em cotejo para essa investigação.
Ao discorrer sobre o equilíbrio contratual, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY
expõe o pensamento de que em virtude da desigualdade intrínseca de determinadas
relações contratuais, exige-se um modelo que corrija tal desequilíbrio, imposto por
inspiração solidarista.344 Ressalta também que, por incidir sobre situações que o
justo, o equilíbrio, a equação contratual se faz diretamente afetada, deve ser
concebido como princípio autônomo, interpenetrado, contudo, com os demais
princípios.345
Com base nos ensinamentos de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO,346 CLÁUDIO
LUIZ BUENO DE GODOY propõe, para o trato das cláusulas abusivas, um
relacionamento entre equilíbrio contratual e boa-fé objetiva:347
Evidente que a desigualdade pode existir nos contratos, bastando recordar
os contratos gratuitos. O problema está em que essa desigualdade precisa
ter sido livre e conscientemente querida. A cláusula ou as cláusulas que a
344 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 31. 345 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 32. 346 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. v. 1. p. 649-660. 347 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 49. Para alguns autores, o núcleo
da cláusula geral de boa-fé, para fins de controle de conteúdo das cláusulas contratuais gerais abusivas, é a causação de um prejuízo desproporcional ao aderente, como resultado do conteúdo ineqüitativo da estipulação, oferecendo-se como índice de qualidicação e padrão e medida do desequilíbrio relevante. Para aqueles que acreditam que o equilíbrio é decorrência automática da boa-fé, as cláusulas abusivas são-no porque gravosamente ineqüitativas, sem mais, porque significativamente desequilibradoras das posições contratuais.
190
induzem precisam ter sido desejadas, realmente ajustadas, entabuladas na
exata conformidade, inclusive, com a natureza do contrato que se
consuma. E isso se presume incorrer nas relações de consumo em que
haja imposição de condições gerais, decerto que não por presunção, mas
pode de fato incorrer também nos ajustes que não envolvam um trato
consumerista. [...] A boa-fé e, acrescentamos nós, a justiça contratual, não
admitem prejuízos graves, inflingidos por via contratual, salva a presença
de animus donandi ou similar.348
CLÁUDIA LIMA MARQUES,349 por exemplo, não vê o equilíbrio contratual como
princípio autônomo, mas decorrência da boa-fé objetiva. Aliás, enquanto vigente, o
AGB Alemão não fazia previsão de equilíbrio em sua redação, tão somente de boa-
fé, o que foi mantido no atual BGB.
FERNANDO NORONHA,350 por sua vez, distingue equivalência entre prestação e
contraprestação e distribuição eqüitativa de ônus e riscos. O primeiro remonta à
teoria escolástica do justum pretium: fundamento da figura da lesão nos contratos
durante a Idade Média. Tal teoria foi desvalorizada, no decorrer da história,
principalmente em virtude do liberalismo. Contudo, citando LARENZ, o autor
esclarece que esse princípio permaneceu subjacente a vários artigos do Código Civil
de 1916, como os que limitam o valor da cláusula penal, ou dão ao juiz poder de
reduzi-lo. Já a distribuição eqüitativa (ou justa) de ônus e riscos visa à repartição
equilibrada de benefícios e encargos entre as partes e é vislumbrado,
principalmente, nos contratos de adesão, nas chamadas cláusulas abusivas que
colocam o consumidor em desvantagem exagerada.
Não cabe a esse trabalho apontar a mais (ou menos) correta corrente. Aliás, pode-
se dizer que nenhuma dessas formas de visão do princípio é a priori, certa ou
348 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. p. 51. 349 “A boa-fé objetiva valoriza os interesses legítimos que levam cada uma das partes a contratar, e
assim, o direito passa a valorizar, igualmente e de forma renovada, o nexo entre as prestações, sua interdependência, isto é, o sinalagma contratual (nexum). Da mesma forma, ao visualizar, sob influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por conseqüência, o equilíbrio intrínseco da relação em sua totalidade e redefine-se o que é razoável em matéria de concessões do contraente mais fraco”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p. 241. Observa ainda a autora que não havia no AGBG da Alemanha menção expressa sobre o equilíbrio contratual. Esta noção foi desenvolvida pela jurisprudência como incluída no princípio da boa-fé.
350 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. p. 222-223.
191
errada. Revelam, na verdade, algum conteúdo, ou aspecto de equilíbrio,
equivalência, na relação contratual. Além disso, algumas delas revelam mais
concepções de sociedade, ou fenômenos sociais, do que propriamente um princípio
claro, com aplicabilidade definida.
ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO351 esclarece que no tocante ao conteúdo do
equilíbrio contratual, há dois aspectos a serem tratados. Um deles é o equilíbrio
econômico entre prestação e contraprestação. O outro é o equilíbrio de direitos e
deveres contratuais. Na lesão, por exemplo, a figura é relacionada a desequilíbrio
econômico entre prestação e contraprestação, no momento de conclusão do
contrato. Já as cláusulas abusivas estão ligadas, em princípio, ao desequilíbrio entre
direitos e deveres. Em regra, os contratos devem garantir um critério paritário de
distribuição dos bens, devendo as prestações de um e de outro contratante,
supondo interdependentes, guardarem entre si um nível de razoável
proporcionalidade.352 A predisposição unilateral e a generalidade antecedente da
cláusula contratual geral não é um obstáculo para um controle que garanta um
equilíbrio entre os contratantes.353 Uma vez demonstrada a exagerada discrepância
entre as obrigações assumidas por cada contratante, será passível o controle das
cláusulas contratuais gerais aderidas aos contratos individuais.
Vale uma última observação em relação ao equilíbrio contratual como mecanismo de
controle das cláusulas contratuais gerais. Qualquer contrato possui sua particular
lógica econômica.354 Quando inserida em um contrato individualizado, o
351 “Até mesmo no direito brasileiro, em que há confusão entre desequilíbrio econômico e
desequilíbrio de direitos e deveres, as duas hipóteses, in concreto, não podem ser tratadas da mesma forma”. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A lesão como vício do negócio jurídico. A lesão entre comerciantes. Formalidades pré-contratuais. Proibição de venire contra factum proprium e ratificação de atos anuláveis. Resolução ou revisão por fatos supervenientes. Excessiva onerosidade, base do negócio e impossibilidade da prestação (parecer). In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 116.
352 Observação feita por NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos paradigmas. p. 166. 353 Certamente, la singola clausola gravosa per l'aderente puó comportare per qut'ultimo un
particulare vantaggio, ma si tratta allora di vedere se all'interno del rapporto contrattuale il relativo regolamento ritrovi un suo complessivo equilibrio rendendo giustificata la clausola nell'economia del contratto. L'idea che le clausole vessatorie comportino sempre una corrispondente agevolazione a favore degli aderenti non ha invece alcun riscontro nell'esperienza. La tensione verso un equilibrio contrattuale è attivata dalla contrattazione su un piano di parità, mentre la predisposizione unilaterale del regolamento contratuale non è spinta ad un contemperamento dei contrapposti interessi. BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 536.
354 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto - tutela dell'aderente. In: Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 539.
192
desequilíbrio propiciado pelas cláusulas contratuais gerais não poderá mais ser
avaliado em abstrato, mas no contexto daquele dado contrato. Entendemos, todavia,
que nem por isso o magistrado estará desobrigado de considerar, em seu juízo, o
contexto anterior à inserção da cláusula ao contrato individual, bem como o contexto
global que motiva e que sustenta a existência jurídica daquelas cláusulas contratuais
gerais.
Mais uma vez tomando como exemplo as peculiaridades do contrato de distribuição.
Na análise da abusividade, não se pode prestigiar uma solução sem a observância
da fluência das relações do mercado e a eficiência do sistema de distribuição. O
ganho global (e não individual, derivado de comportamento egoísta ou oportunista)
também deve ser cotejado na investigação de eventual desequilíbrio.355 Em resumo,
no momento do exercício do controle sobre uma atividade que envolva o
oferecimento de cláusulas contratuais gerais, mesmo diante de um contrato
individual, deve ser sempre lembrado que estas cláusulas não são oferecidas para
um exclusivo contrato, mas para uma infinidade destes, interligados por uma mesma
causa jurídico-econômica.
Estas questões serão retomadas no Capítulo 6, sobre interpretação. Antes, três
últimas observações merecem ser feitas antes de concluírrmos o presente
capítulo.356
Primeiro, importante lembrar que, enquanto que no CDC há a presunção da
vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4.º, I), nas relações de não-consumo, a
abusividade das cláusulas contratuais gerais não poderá ser presumida, como faz o
art. 51, caput, do CDC. Ao contrário, haverá uma presunção de não abusividade,
355 FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. p. 433. A professora cita interessante julgado
paradigma (de 1974), hoje comum em nossos Tribunais, em que um posto de bandeira branca ingressou em juízo para forçar a empresa AGIP a continuar a lhe fornecer combustível, devendo ser declarada abusiva a prática de se fornecer combustível exclusivamente a postos de sua bandeira. Não haveria novidade nenhuma se o Tribunal alemão apenas julgasse improcedente a demanda. A curiosidade fica por conta de o Tribunal ter investigado minuciosamente as atividades da fornecedora, e concluísse que esta não poderia fornecer para outros postos de gasolina senão os de sua bandeira, considerando fato relevante a queda de 30% das vendas da AGIP pela falta de combustível no mercado daquela época e a possibilidade de, em caso de procedência, viabilizar a ruptura e ruína daquela fornecedora de combustível e do sistema de distribuição. (p. 435).
356 A AGBG dava importante orientação para se descobrir a desproporção: "na dúvida, é de considerar um prejuízo desproporcionado quando uma disposição: 1. seja inconciliável com princípios fundamentais da regulação legal e que se entendeu não acordar, 2. limite de tal modo direitos ou deveres que resultem da natureza do contrato que a obtenção do escopo contratual seja posta em perigo". Ver MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656.
193
cabendo a parte interessada a sua prova. O modo de contratar por adesão não
conhece fronteiras, invadindo não apenas o dia-a-dia do consumidor, mas,
igualmente, as relações negociais entre empresários. O problema da contratação
estandardizada não se esgota na proteção ao consumidor, embora a necessidade
de proteção se apresente maior quando a contraparte da empresa possa ser
enquadrada daquela figura.
Os efeitos do controle das cláusulas contratuais gerais, em um contrato específico,
também merecem ser mencionados. Ao que parece, o CDC estabelece apenas duas
alternativas para o contrato com alguma cláusula contratual geral considerada
abusiva (CDC, art. 51, § 2.º): ou a validade daquele com extirpação desta cláusula,
ou nulidade quando esta não seja extirpável.
Para nós, o Código Civil preconiza uma terceira solução, perfeitamente de acordo
com o sistema legal, que seria a eliminação da abusividade da cláusula pela
redução desta a limites razoáveis e justos. Em diversos dispositivos do Código, é
oferecida esta solução (CC, art. 157, § 2.º; art. 317, art. 413; art. 442, art. 452, art.
479 etc.).
O Código Civil de 2002 pouco nos orienta sobre o controle de conteúdo das
cláusulas contratuais gerais abusivas. Mas, ao que parece, o legislador deixou
expressa a conseqüência da utilização de cláusulas contratuais gerais proibidas,
pois, prescreve o seu art. 424, que são nulas as cláusulas que estipulem renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Mesmo assim,
entendemos que não está afastada a possibilidade de se manter o contrato com a
adequação da cláusula contratual geral, observado, sempre, as características
econômico-jurídicas deste fenômeno.
A título exemplificativo, cite-se que, no plano das relações comerciais internacionais,
os princípios UNIDROIT estabelecem a possibilidade de invalidação de um contrato
ou cláusula individual desde que ao tempo de sua conclusão aquele ou esta
outorguem, injustificadamente, uma vantagem excessiva a uma das partes em
detrimento da outra (art. 3.10); alternativamente e mediante manifestação do
interessado, permite-se, outrossim, a possibilidade de adequação da estipulação
contratual inválida, de modo a adequá-la às práticas comerciais razoáveis, justas.
Nosso Código não está em dissonância, portanto, com as previsões do comércio
internacional.
194
Deve ser lembrado, ainda para justificar a manutenção dos negócios, que o Código
Civil de 2002 está também ancorado no princípio da conservação do negócio
jurídico, o qual estabelece a manutenção da atividade negocial para a consecução
do fim prático perseguido pelos envolvidos,357 como explica RENAN LOTUFO, em
comentários ao art. 170 do Código Civil, sobre a conversão dos negócios jurídicos,
que reflete bem esta questão no Código.
Verifica-se que a grande questão que se põe quando da análise dos problemas
decorrentes da contratação por adesão e cláusulas contratuais gerais prende-se ao
controle do conteúdo contratual quando o aderente não seja um destinatário final
dos produtos e serviços que lhe sejam fornecidos, ou melhor, quando ele não se
enquadre na figura descrita pelo caput do art. 2.º do CDC.
Por tais razões, entendemos não ser possível, a priori, afirmar categoricamente que
a manifesta injustiça do conteúdo das cláusulas contratuais gerais levará à situação
de invalidade ou de ineficácia de uma cláusula, sendo este ainda um movimento a
ser perseguido pelo direito positivo, tornando-se inviável uma resposta imediata para
tal questão, sem o cotejo de numerosas situações. Cabe-nos, no entanto,
observarmos as diretrizes do Código.
A nulidade, anulabilidade e ineficácia das cláusulas seguem os mesmos critérios das
invalidades do negócio. Mas a posição por esta ou aquela sanção dependerá de
confrontação em cada caso concreto. E mesmo assim, se o caso for previsto como
de nulidade, mas a sanção se mostrar exagerada em relação ao caso concreto,
sempre deve ser viabilizada a manutenção de todo o negócio.
Aliás, esta foi uma das críticas colacionadas por CUSTÓDIO DA PIEDADE
UBALDINO MIRANDA,358 atendo-se às peculiaridades do Código Civil, que objetiva
a manutenção dos negócios, bem como das cláusulas contratuais gerais, abstratas e
genéricas:
Que dizer do sistema de nulidades, estabelecido pelo legislador nacional
para as cláusulas abusivas? A pergunta é pertinente, especialmente tendo-
se em vista o tipo de sanções estabelecido pelas legislações até aqui
examinadas, mais precisamente a italiana e a alemã, e que é a ineficácia
da cláusula abusiva. Um argumento que pode ser lembrado para não se
357 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 471. 358 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino Miranda. Contrato de adesão. p. 218.
195
admitir a nulidade é que, podendo ela ser alegada por qualquer
interessado, inclusive pelo próprio estipulante das condições gerais,
certamente importaria num inadmissível venire contra factum proprium.
Nem se diga que deveria ter-se estabelecido uma nulidade relativa, porque
esta é determinada em benefício de certas pessoas, daquelas mesmo para
a proteção de cujos interesses foi estabelecida foi estabelecida a
anulabilidade, ao contrário das nulidades absolutas que são ditadas em
função de um interesse público. Ora, a nulidade das cláusulas abusivas
inseridas nas condições gerais, especialmente se tiver em conta as
cláusulas negociais gerais são estatuídas para reger uma série
indeterminada de relações jurídicas, decorre de um interesse público, do
interesse geral da contratação e não do interesse particular ou individual de
quem quer que seja, inclusive do aderente. A solução seria, ou considerar-
se a cláusula ineficaz, a pedido do aderente prejudicado, isto é, privá-la de
efeito em relação a ele, ou estabelecer-se uma nulidade que poderia ser
alegada apenas pelos órgãos encarregados de promover o controle
preventivo ou judicial da cláusula, a começar pelo MP.
Por último, ainda que o critério a ser adotado para o controle das cláusulas
contratuais gerais estabelecidas entre empresários deva ser um pouco mais flexível,
com vistas às peculiaridades de cada caso concreto, não existe uma razão plausível,
de outra sorte, para simplesmente subtrairmos esta modalidade de relação jurídica
do controle dos órgãos jurisdicionais. Vimos que também nas relações comerciais
existe a possibilidade do desequilíbrio, da existência de uma parte contratual mais
frágil, que não consegue influir sobre as cláusulas contratuais gerais pré-formuladas
pela outra, podendo existir um conseqüente desequilíbrio entre direitos e deveres. O
conhecimento das particularidades e vicissitudes de cada tipo de relação jurídica, e
a observância das cláusulas gerais de controle presentes no Código Civil de 2002
permitem um maior aproveitamento do eventual controle judicial.359
359 Esta é uma das críticas de MASSIMO BIANCA ao sistema de controle judicial italiano: "Una prima
critica muove dal bilancio deludente della nostra passata esperienza, che ha mostrato un'efficienza ridotta del controllo giudiziario. La mancanza di un principio ordinatore su cui fondare tale controllo e il difficile emergere della consapevolezza a che i contratti con i consumatori debbono essere governati da regole diverse da quelle tradizionali, concorrebbero a catterizare uno stile italiano che non ha inciso sulla prassi contrattuale delle imprese. Questo rilievo coglie una sicura realtà, rappresentata del l'estrema cautela dei nostri giudici nell'avvalersi delle clausole generali previste dal nostro codice in materia contrattuale. Tale atteggiamento trova almeno in parte spiegazione nella forma di una tradizione di non intervento ancora alimentata in dottrina con l'invocazione del principio della intangibilità della volontà contrattuale. Per superare questo atteggiamento giurisprudenziale appare tuttavi idonea una previsione normativa che investa specificamente il giudice del compito di valutare l'abusività delle condizioni generali di contratto alla streua dei
196
As peculiaridades das relações jurídicas deverão ser levadas em conta. Tomemos
como exemplo a cláusula de não indenizar. Enquanto o CDC, o art. 51, I, prescreve
como nulas de pleno direito as cláusulas que impossibilitem, exonerem ou atenuem
a responsabilidade do fornecedor, não podemos ter o mesmo raciocínio nas
relações privadas em geral.
Como consignado por ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO,360 são nulas as
cláusulas de não indenizar que i) exonerem o agente em caso de dolo; ii) vão
diretamente contra norma cogente, iii) isentam de indenização o contratante em
caso de inadimplemento da obrigação principal ou, iv) interessem diretamente à vida
e à integridade física das pessoas. No primeiro caso, admitir validade dessas
situações seria dar uma autorização para delingüir, sendo que a nulidade das
segundas decorre do art. 166, II e VII do CC/2002. A nulidade da terceira hipótese
decorre da proibição das condições puramente protestativas (CC, art. 122) e a
nulidade das últimas resultam da Constituição Federal. Assim, da mesma forma,
seriam lícitas as cláusulas de não indenizar que não ofendam a nenhum princípio de
ordem pública, ou a obrigação afastada pela cláusula não é da essência do contrato.
Segundo o professor titular de Direito Civil da USP, se a cláusula de não-indenizar
não se subsume a nenhuma das quatro hipóteses descritas, não há que se falar em
nulidade nem abusividade de tais disposições, observando, portanto, a diferença de
tratamento do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
Mas, do mesmo modo que os aderentes consumidores, os empresários que não
estejam agindo dentro de seu campo de atuação apresentam unequal bargaining
power em face do predisponente, quando lhes sejam submetidas cláusulas
contratuais gerais para aceitação.
Sempre que uma das partes do contrato possa, por si própria, derrogar as normas
dispositivas, especialmente aquelas que integram a disciplina do respectivo tipo
contratual, isto significa que a ela se confere a possibilidade de dar ao seu interesse
um aspecto e uma organização diversa do que tenha o legislador, em caráter médio,
entendido como équo e racionaI, de repartir os ônus, riscos, sacrifícios e vantagens
principi di equità e di corretezza". BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto – tutela dell'aderente. Em Realtà Sociale ed effetività della norma. p. 536.
360 Cláusula cruzada de não indenizar (corss-waiver of liability), ou cláusula de não-indenizar com eficácia para ambos os contratantes. Renúncia ao direito de indenização. Promessa de fato de terceiro. Estipulação em favor de terceiro. In: Estudos e pareceres de Direito Privado. p. 201.
197
contratuais de uma maneira diversa daquela tida pelo legislador como abstratamente
justa; de atribuir ao outro contraente sacrifícios e riscos maiores que aqueles que ao
legislador tenha parecido correto acometer-lhe; de atribuir a si próprio lucros e
vantagens superiores àquelas que na avaliação do legislador se representariam
devidas na hipótese.
Isso vale tanto para as relações jurídicas estabelecidas entre fornecedores e
consumidores como para as relações comerciais que os fornecedores formalizem
entre si, quando submetidas a cláusulas contratuais gerais impostas por uma das
partes contratantes a outra. Em ambas as situações, há que respeitar o princípio do
equilíbrio contratual. Em ambas as hipóteses se combaterão as situações ofensivas
à justiça contratual, de iniqüidade e de desvantagem exagerada, resguardada,
todavia, as particularidades de cada tipo de relação jurídica.
Entendemos, portanto, que a tutela do aderente tanto pode ser efetuada pelo Código
de Defesa do Consumidor como pelos princípios e regras consagrados no Código
Civil. Um equilíbrio, de modo que um dos contratantes não aufira, em face do outro,
vantagem manifestamente excessiva (em relação aos direitos e deveres contratuais)
respondendo ao ideal de justiça contratual que permeia nosso ordenamento jurídico.
198
5
CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONSENSO E SOBRE A FORMAÇÃO DOS
CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
5.1 INTRODUÇÃO
Não podemos falar das cláusulas contratuais gerais, de sua existência juridicamente
independente sem saber como se formam os contratos. Daí a necessidade de um
capítulo próprio, em que seja abordada, ainda que brevemente, a formação dos
contratos individuais, o que contribuirá para uma maior compreensão do tema.
Tratar de consenso contratual significa tratar de vontades que se convergem para a
criação de uma norma individual e concreta: o contrato. Com o consenso há a
criação de uma norma, que nascendo já não mais pertence às partes que passam a
se obrigar sobre o que convergiram. Os criadores se curvam à criatura.Como bem
lembra RENAN LOTUFO361 “não basta que haja vontade, é preciso que o sujeito de
direito torne sua vontade cognoscível objetivamente, melhor, que seja conhecida
pelos destinatários para que possa produzir efeitos”.
Portanto, a externação da vontade requer o uso de uma linguagem. Nesse sentido,
importante traçar algumas linhas acerca da linguagem contratual e a forma de
expressão do consenso.
Para ENZO ROPPO,362 o processo de formação do contrato como correspondência
de atos humanos a um modelo legal – a questão de saber se um contrato se formou
ou não fica reduzida à questão de verificar se determinados fatos da esfera
psicofísica do sujeito (as “vontades” dos contratantes, devidamente manifestadas e
fundidas numa unidade) geraram um certo fenômeno (o “consenso” contratual) do
qual o contrato constitua justamente o “produto mecânico”.
Por sua vez, PAULO DA MOTA PINTO363 afirma que:
A necessidade de uma qualquer manifestação exterior para se poder
afirmar a existência de um negócio jurídico é ponto que não parece que
possa ser razoavelmente contestado. O direito só pode contar com
361 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 283. 362 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 90-91. 363 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente
no negócio jurídico. Coimbra: Livraria Almedina, 1995. p. 439.
199
realidades exteriores quer como momentos constitutivos dos factos a que
atende, quer, tão-só, como elementos probatórios, indícios, de factos
internos, não objectivos, com relevância jurídica.
Essa necessária manifestação exterior remete à linguagem envolvida para a
manifestação da vontade.
GREGORIO ROBLES,364 ao tratar da teoria comunicacional do direito, não restringe
texto ao texto escrito; considerando também o texto não escrito, manifestado
oralmente, porém suscetível de transcrição. Igualmente deve ser considerado texto a
linguagem simbólica – dos sinais – que apesar de não verbalizada pode ser
verbalizada por aquele que domina o significado dos símbolos. Além destes, há as
obras humanas resultantes de uma ação criativa que também transmitem uma
mensagem, apesar de ser subjetiva. Para o autor, o direito se manifesta na vida
social dos homens primordialmente como um sistema de comunicação que
possibilita a sua organização, permitindo o intercâmbio e a regulação das ações.
Como sistema de comunicação, o direito é linguagem, ou em outras palavras, o
direito é texto.
Corroborando o pensamento, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA afirma:365
A percepção sensorial (necessária quer para a recepção presencial quer
para a captação de comunicações à distância) constitui capacidade
exclusiva das pessoas físicas. Mas – não se esqueça – o conhecimento
efectivo, mesmo em relação a pessoas jurídicas, depende sempre, em
última análise, da interpretação de sinais recebidos pela vista, pelo ouvido
ou por outro sentido de uma pessoa natural. Importa por isso delimitar o
círculo de pessoas físicas cujo poder de recepção serve como modo de
extensão do poder de recepção de outras pessoas.
Dessa forma, o sujeito da interpretação e da compreensão pode ser o sujeito
considerado isoladamente, mas também o sujeito social, o grupo, a sociedade,
sendo possível falar em uma interpretação individual e uma interpretação coletiva ou
social da mesma realidade. Esta última estabelece uma compreensão dominante da
realidade.
364 ROBLES, Gregorio. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito.
Barueri: Manole, 2005 (prólogo). 365 ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos l – Conceitos. Fontes. Formação. 2. ed. p. 97.
200
Portanto, texto não é apenas o texto escrito, mas qualquer realidade suscetível de
interpretação. Pode-se afirmar, portanto, que toda realidade humana e,
conseqüentemente, toda realidade social, é um texto enquanto se apresenta como
algo que temos que ler e interpretar para poder compreender.
As palavras-chave da filosofia hermenêutica são ler, interpretar e compreender. A
teoria comunicacional assume o caráter lingüístico do direito e, conciliando o método
analítico com o hermenêutico, tem como escopo investigar os diferentes discursos
que se produzem em seu âmbito. Para entender uma realidade social, primeiro é
necessário realizar uma leitura dessa realidade, de forma a desvendar seus signos,
sua linguagem; posteriormente, interpretar, descobrir o sentido dessa realidade com
a finalidade de poder compreendê-lo.
Segundo CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY:366
[...] interpretar um contrato, com efeito, significa buscar apreender o
alcance não da vontade de cada qual dos contratantes, mas sim do
consenso de ambos, do que tenha sido sua intenção comum, objetivada no
ajuste. Portanto, procura-se a vontade contratual.
A vontade contratual pode ser manifestada de diversas formas, desde a linguagem
advinda do comportamento expressivo até às estritamente formais.
Em qualquer tipo de contrato seja o dito consensual, os reais, os formais, os
solenes, sempre haverá de ter uma convergência de vontades, uma linguagem
expressiva, dentre outros requisitos, para que se crie o programa contratual.
Todavia, nem sempre é fácil se delimitar tal linguagem, justamente porque essa
linguagem tem de exercer uma função de declaração de vontade é que ela ganha
contornos especiais. A linguagem para ser hábil a formar o contrato pelo consenso
tem que externar a vontade das partes.
Como ensina RENAN LOTUFO:367
A declaração é uma manifestação de vontade em prol da validade do novo
negócio jurídico, mesmo quando veiculada por um ato de comunicação
social, visto que o que se pretende é estabelecer uma nova norma que
366 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. p. 76. 367 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 290.
201
incidirá sobre os próprios iminentes. Não se reduz, pois, a um ato de
comunicação, mas é também um ato de realização.
Importa destacar que o homem sempre buscou externar a sua vontade, apesar dos
limites de linguagem e dos sistemas políticos e econômicos.
A maneira como se realiza o consenso, como a vontade das partes é manifestada e
reconhecida pelos seus interlocutores, sofreu alterações no curso da história,
principalmente em razão da evolução do homem.
5.2 FORMAS DE EXPRESSÃO DA MANIFESTAÇÃO DA VONTADE
Sempre que se reporta ao consenso ou ao acordo de vontades, ao contrato, remete-
se à linguagem escrita, àquilo que está no papel, mas não se pode deixar de
perceber que desde os tempos antigos o comportamento expressivo das partes, que
também é uma forma de linguagem como já visto, também é uma expressão do
encontro de vontades.
Ao tratar da evolução das formas contratuais CLÓVIS BEVILACQUA368 relata que:
Os primeiros contratos foram naturalmente permutas, trocas de objectos
por objectos, como já nol-o dissera o jurista Paulus. [...]. Essas primeiras
permutas, versando sempre sobre objectos moveis; fructas, animaes,
utensilios, remontam a epochas longinquas: à epocha quartenaria, quando
começaram a ser ensaiadas a divisão do trabalho e a troca de serviços,
multiplicando o poder de acção das sociedades incipientes. Com a era
neollithica, aumenta a indústria e, com ella, as relações commerciaes se
amiudam exigindo um grande número de convenções.Como se
executariam essas convenções, não é asado affirmar, sendo conjecturas
possiveis mas inverificaveis quaesquer que se aventurem. Não creio,
porém, que os primeiros contractos se fizessem por uma espécie de guerra
como se imagina d’Aguano, que é levado a pensar assim pelo que ainda
hoje praticam os nubianos. O que é exacto e o que o uso de realisar
contractos perante exercitos nos faz acreditar é que todo o grupo se
considerava solidário com os pactuantes, assistindo ao acto e mostrando-
se prompto a correr em defeza dos seus. O que se pode ainda
deprehender da presença dos dois exercitos na celebração das permutas e
compras é que os rudes traficantes de outrora eram, a princípio,
acompanhados por toda a tribu a que pertenciam, sempre que
368 BEVILACQUA, Clovis. Direito das obrigações. São Paulo: Officina Dois Mundos, 1896. p. 47.
202
emprehendiam suas excursões mercantis, e, mais tarde por fortes
contingentes armados, para não serem facilmente esbulhados. O direito
que, a esse tempo, se isolasse da força material estaria muito arriscado a
succumbir imediatamente. Ainda hoje, em muitos paizes, as viagens se
realisam por caravanas preparadas para defenderem, com as armas, os
haveres que transportam. Mas não constitue, por certo, esse apparato um
revestimento, uma forma para os contractos. Adiantando-nos um pouco no
evoluir dos direitos obrigacionaes, encontraremos entre os povos barbaros
variadas formas de effectuar permutas que é embaraçoso, si não
impossível, descobrir os elos de um desdobramento progressivo, como nol-
os ostentam periodos posteriores, principalmente o que é representado
pelo direito romano. Letourneau nos refere muitos modos de contratar
usados por povos incultos, dentre os quaes destacarei alguns que me
parecem mais elucidativos. Na Colombia russa, o extrangeiro vinha
depositar, na orla do mar, as mercadorias que desejava vender, e retirava-
se em seguida. O indígena, por seu turno, quando os estranhos
desertavam a praia, trazia os objectos que possuia e julgava equivalentes,
collocava-os ao lado das mercadorias offertadas e retirava-se. Voltava o
estrangeiro, e, si convinha-lhe a troca, carregava os objectos do indigena
abandonando os seus; si, porém, não lhe pareciam de valor sufficiente a
equipararem-se com as suas mercadorias, affastava-se novamente,
deixando tudo em seu logar, para que o indígena viesse acrescentar
alguma coisa ao preço oferecido. Si não chegavam a um accordo, cada
qual retirava-se para o seu lado, conduzindo o que lhe
pertencia.Similhantemente praticavam no Novo Mexico os hespanhoes e
os indios, pendurando em cruzes fincadas à margem do caminho as
mercadorias que desejavam permutar. Na Australia, existem individuos
consagrados ao commercio, cujos cordões umbelicaes são trocados
previamente, como para significar que esses individuos se prendem, por
laços de parentesco, a tribu com a qual vão commerciar, e, portanto, são
garantes da boa fé que deve presidir às negociações com ella realisadas.
[...] Em epocha ulterior apparecem formalidades, reaes ou symbolicas,
essenciaes ou accessorias, tendentes a assegurar a manifestação da
vontade. [...].
O referido autor continua sua explanação cuidando da evolução da teoria jurídica
obrigacional, reportando-se ainda à evolução dos contratos relatando que também
para os romanos, a figura mais antiga de contrato é o da troca, que era um contrato
real e concluído em um só momento.
203
É com a compra e venda, denominada no antigo direito romano de mancipatio, a
designar transferência de propriedade, que se apresenta a forma jurídica exclusiva
de um contrato e servirá para todos os contratos bilaterais reais, únicos possíveis
então, e que constituem o primeiro grau da evolução obrigacional, segundo o
esquema de IHERING.
Em seguida, aparece uma forma contratual de obrigação de prestação futura, que
são os contratos unilateralmente reais, que faz nascer o vínculo obrigacional da
conjunção coligante da promessa com a prestação, que na verdade, era o
empréstimo.
A seguir ingressam outras figuras de contrato: o depósito, o comodato, a doação por
mortis causa, a doação modal, e ainda vieram se enquadrar nessa categoria de
contratos unilateralmente reais os inominados, que no Direito romano são sempre de
natureza real.
A promessa recíproca se afirma como elemento fundamental do contrato,
dispensando a base de uma prestação prévia, tal avanço é alcançado pelos
contratos consensuais, sendo que se incluem três tipos na classe dos bilateralmente
promissórios: a compra e venda, a locação e a sociedade.
Num outro estágio já aparece o mandato, iniciando a classe dos contratos que se
perfazem com a afirmação da promessa por só uma das partes, que IHERING
classificou como unilateralmente promissórios.
Com o desaparecimento do nexum e com o enfraquecimento dos dois contratos
formais: litteratum obligatio e a estipulatio, surgiu a necessidade de constatar-se a
obrigação por meio epistolar no qual o devedor conhecesse o seu débito.
Aduz ainda CLÓVIS BEVILACQUA que o direito primitivo, olhando somente o
formalismo solene com que reveste as ações humanas para a sanção legal, não se
preocupa nem com o erro, nem com a lesão, com a violência ou com o dolo. Mas o
direito pretoriano foi aos poucos introduzindo novos elementos, até transformá-la na
teoria clássica das obrigações como foram transmitidas nas compilações de
JUSTINIANO.
Também no direito germânico o formalismo vai perdendo força, e com o contato dos
dois sistemas jurídicos, o processo de simplificação tomou mais vigor, apesar da
ação regressiva do direito feudal.
204
Conclui o autor que a constituição das sociedades modernas, a descoberta da
América e a criação das novas indústrias, dentre outros, fizeram nascer novas
figuras de contratos, bem como novos aspectos de obrigações, mas essas criações
entraram no organismo jurídico das obrigações sem perturbá-lo, sem revolucioná-lo,
sendo necessária apenas a adequação à estrutura já existente.
As lições de CLÓVIS BEVILACQUA são relevantes para o presente trabalho, pois
demonstram como o comportamento expressivo foi vital para os contratos nas
épocas mais distantes, e por mais que esses contratos tenham a característica de
serem reais, visto que a entrega da coisa ou troca de coisas, já que os primeiros
contratos eram as permutas, integravam o contrato, há que se destacar que as
partes tinham que concordar acerca da troca para que ela se consolidasse, ou seja,
elas tinham que convergir quanto ao objeto e quantidade da troca, ocorrendo o
consenso para então ocorrer a entrega recíproca dos objetos permutados.
Demonstra ainda, essa rápida incursão histórica, que o homem, ser social, sempre
buscou a interlocução e ao interagir se fez capaz de estabelecer relações sociais e
jurídicas.
Desde os primórdios tem-se que o homem sempre buscou manifestar sua vontade e
como procurou o acordo de vontades, o consenso, quando era de seu interesse.
5.2.1 Declaração de vontade. Declarações verbais, escritas, simbólicas
A declaração de vontade é uma manifestação consciente de vontade, emitida por
um sujeito de direito, que a declara perante um destinatário certo, ou perante uma
coletividade presente, ou, ainda, perante destinatário certo ou coletividade ausentes,
mas alcançáveis por meio desta, com a qual se objetiva atingir determinado efeito
jurídico.369
Para ser válida, a declaração de vontade do contratante deve ser direcionada ao
conteúdo real do contrato, atenta ao fim que o direciona a realizar o negócio. Já que,
a mera vontade não manifestada é apenas um desejo na mente do homem, sendo,
dessa forma, incapaz de gerar efeitos no mundo jurídico.370
369 LOTUFO, Renan. Código civil comentado: parte geral. p. 289. 370 O negócio jurídico não pode ser reduzido à declaração de vontade. Como observa PAULO DA
MOTA PINTO, para quem “a distinção entre negócio jurídico e a declaração negocial reflete-se praticamente na necessidade, para a formação do negócio jurídico, de outros atos além das
205
O direito pátrio previu no art. 107 do Código Civil que a validade da declaração de
vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir.
MASSIMO BIANCA371 afirma que o contrato é validamente estipulado mediante
acordo expresso ou mediante acordo tácito. Em geral, a declaração se aperfeiçoa
com a emissão e externada por meio objetivamente perceptível. Ressalta ainda que
conforme a indicação da doutrina alemã a declaração de vontade caracteriza
especificamente o elemento da intencionalidade do ato como declaração em
confronto com o destinatário.
Analisando o meio empregado para emanação das declarações de vontade, a
doutrina as distingue em verbais, escritas e simbólicas.
As declarações verbais são aqueles que decorrem da palavra falada e recepcionada
pela parte para a qual se destina. Importante ressaltar que a distância entre as
partes e o meio utilizado para a transmissão da palavra são completamente
irrelevantes, bastando que, pronunciada, a palavra seja recepcionada e entendida
pelo destinatário.
ORLANDO GOMES337722 considera uma declaração como escrita quando a palavra é
expressa de:
[...] forma manuscrita, datilografada ou impressa, salientando que, para que
a vontade declarada por escrito seja tida como autêntica, é necessária a
assinatura do declarante, assinatura esta que pode ser autógrafa ou
hológrafa, permitindo, em alguns casos, sua substituição pela impressão
digital do declarante.
declarações de vontade, necessidade essa que é posta em relevo quando se define o primeiro como fato jurídico voluntário 'cujo elemento essencial' é integrado por uma ou mais declarações.”. MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. p. 447. Continua o autor sua explanação aduzindo que "A declaração pode ser definida a partir de diversos pontos de vista, nomeadamente tendo em conta o fim prosseguido pelo seu autor, o evento realizado pelo acto, ou o modo de acção". Ainda nessa discussão, Renan Lotufo articula que: "ao analisar a declaração de vontade fá-lo primeiro do ponto de vista da vontade, para depois distinguir a vontade da declaração. A vis cognoscitiva: nihil volitum nisi praecognitum (força do conhecimento: nenhuma vontade sem prévio conhecimento), e a vis appetitiva (força do apetite): desejo". O autor arremata a discussão ao afirmar que “do exame dos confrontos doutrinários e da análise da estrutura do negócio jurídico pode-se chegar a admitir a declaração como preceito”. LOTUFO, Renan. Código civil comentado. Parte Geral. p. 290.
371 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 213. Observa o autor que, nos casos que a lei exige a forma expressa, é controverso se é possível admitir uma manifestação tácita de vontade.
372 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 50.
206
Quando a declaração for emanada por gestos ou sinais, como a mímica ou o sinal
feito por um licitante em um leilão, ela será tida como simbólica. Dependendo do
momento de manifestação de cada uma dessas declarações, elas receberão uma
denominação própria e estarão submetidas a regras específicas direcionadas à
formação da relação ou vínculo contratual. PAULO DA MOTA PINTO373 ao discorrer
acerca dos elementos para a delimitação da declaração negocial, quando trata do
problema jurídico (e não psicológico, sociológico, filosófico ou lingüístico), afirma
que:
A noção de declaração negocial deve ser determinada a partir da sua
relevância prático-normativa. Não parecem juridicamente convincentes,
portanto, as tentativas de a formular pelo recurso directo aos resultados
obtidos por uma ciência auxiliar, isto é, considerando decisivas as
conclusões sobre o que, psicologicamente é uma declaração de vontade,
relativas ao que, numa perspectiva sociológica, pode ser considerada como
uma vinculação declarativa, ou, ainda, por uma análise filosófico-lingüística
do acto produtor de efeitos jurídico-negociais. Como já Julius Binder
salientou, o problema da declaração de vontade não é filosófico ou
psicológico (e também não, diríamos, sociológico ou analítico-linguístico),
mas antes “exclusivamente uma questão da ciência do direito positivo”. [...]
Em face dessa dificuldade de princípio, que assenta na autonomia da
declaração jurídico negocial e da sua dogmática (em última análise, na
própria autonomia valorativa do Direito), as mais pertinentes considerações
sociológicas, filosóficas, semióticas, linguísticas ou de outro tipo, podem
perder parte significativa de seu peso. E, mais precisamente, podem não
ser suficientes para fundar uma teoria da declaração negocial (isto, já para
não falar do referido desvio psicologístico, cuja crítica está feita). O
problema da declaração de vontade e do negócio jurídico é, como se disse,
jurídico-normativo, e não pura e simplesmente teórico. Não está em causa
uma pretensão de conhecimento (de verdade) teórico, mas de validade
prática (de justiça, num sentido amplo) da respectiva regulamentação. Não
podem assim ser aceitas tentativas de resolver as questões jurídicas
fundamentais, como a da atendibilidade da vontade ou de elementos
objectivos, através do recurso directo a perspectivas de outras ciências. Os
dados de disciplinas auxiliares são importantes – eventualmente mesmo
indispensáveis – para aferir a adequação da regulamentação ao seu
“domínio normativo”, condicionando esta “lógica das coisas”, em certa
373 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da Mota. Declaração tácita e comportamento concludente
no negócio jurídico. p. 162 e ss.
207
medida, o espaço de liberdade do legislador. [...] Os contributos que se
procurem obter noutras ciências carecem, portanto, de uma tradução ao
nível jurídico-normativo e dogmático, através do correspondente trabalho
doutrinal (pois que é essa uma das suas tarefas específicas), mostrando
como a regulamentação respectiva se pode adequar a esses dados.
Sem dúvida, o autor português coloca a grande questão a ser enfrentada, baseado,
sobretudo, no ordenamento jurídico português e em consonância com o objeto
central de sua obra que é a declaração tácita e o comportamento concludente no
negócio jurídico. Entretanto, essa questão deve ser também enfrentada por nós, já
que o comportamento expressivo, concludente, em qualquer situação, sempre
importará em uma interpretação de atos, sendo ainda necessário transformá-lo ou
transportar de uma linguagem simbólica para uma linguagem verbalizada,
declarativa, apta e hábil para formar o programa contratual.
5.2.2 Declaração tácita e comportamento concludente. Silêncio
Conforme exposto, o modo mais comum de manifestação exterior da vontade é a
linguagem escrita ou falada. Na maioria dos casos os contratos são concluídos
dessa maneira. Entretanto, pode ocorrer que um contrato se conclua onde a vontade
se manifeste por sinais diferentes da linguagem escrita ou falada.
ENZO ROPPO374 relata que em algumas regiões camponesas italianas, a venda de
gado só se efetiva quando as partes apertam as mãos de uma maneira determinada.
Um aceno de cabeça pode significar também um pronunciamento “sim”. Nesses
casos, a vontade de contratar é expressa, uma vez que o sinal é intencionalmente
utilizado, é imediatamente dirigido a comunicar à outra parte aquele determinado
sentido volitivo.
Aduz ainda o mesmo autor que há outros casos em que a vontade de concluir um
contrato não é comunicada mediante uma declaração, mas resulta de outros
comportamentos do sujeito. Fala-se em manifestação tácita de vontade. LUIZ
EDSON FACHIN,375 sobre vontade de concludência e o valor jurídico do
comportamento, salienta que:
374 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 93. 375 FACHIN, Luiz Edson. Aggiornamento do direito civil brasileiro a confiança negocial. Disponível em:
<http://www.uel.br/cesa/dir/pos/publicacoes/publuizf.html.> Acesso em: 11 de julho de 2006.
208
Assentado que a expressão do consentimento não exige necessariamente,
forma, a concludência de um comportamento permite deduzir certo sentido
ou conteúdo negocial, sendo legítimo falar-se em negócio jurídico por
comportamento concludente. Desse modo, conforme Carlos Alberto da
MOTA PINTO 'a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a
dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso, seja
forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente
social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”. A regra é essa: na
falta de imposição, essa “liberdade de eleição formal” aí se apresenta. [...].
Não é mister que o contraente faça declaração formal, por meio da palavra
escrita ou falada, pois será suficiente que se possa traduzir o seu querer
por uma atitude inequívoca e induvidosa (RT, 160:140; RF 106:305). [...]
Na presença de negócio jurídico por comportamento concludente trata-se
daqueles “casos em que a vontade de concluir um contrato não é
comunicada mediante uma declaração de tal gênero, mas resulta de outros
comportamentos do sujeito: fala-se, a este propósito, numa manifestação
tácita de vontade” (ROPPO, Enzo. O contrato. p. 94). É inegável, no
entanto, que os fatos concludentes não se confundem com a declaração
inferida, como acentua muito bem o professor Paulo da MOTA PINTO,
evitando-se aí “uma confusão entre a base para a inferência de um
significado e o resultado.
O Código Civil brasileiro 376 ao imprimir a regra geral da liberdade das formas
permitiu também a declaração tácita e o comportamento expressivo ou concludente
como formas de exteriorização da vontade que gera o consenso, pois são aptas a
alcançarem a esfera do destinatário, apesar de ter suprimido o disposto no art. 1.079
do Código Civil de 1916 que pregava a hipótese de aceitação tácita, nos casos em
que a lei não exigisse que fosse expressa. Conclui-se, portanto, com PAULO DA
MOTA PINTO377 que na realidade, é certo que uma declaração “tácita”, realizada
através de comportamentos concludentes, pode igualmente chegar à esfera do
destinatário, bastando para isso que se tornem conhecidos ou sejam recebidos os
fatos concludentes.
376 O Código Civil português, no art. 217 positivou a diferença entre a declaração expressa e a tácita
da seguinte forma: (Declaração expressa e declaração tácita) 1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. 2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
377 MOTA PINTO, Paulo Cardoso Correia da. Declaração tácita e comportamento concludente no negócio jurídico. p. 737.
209
Cumpre ressaltar que o silêncio não pode ser confundido com a manifestação tácita
ou implícita, ou ainda com o comportamento concludente. Isso porque, o silêncio
corresponde à abstenção completa, tanto de palavras como de atos ou fatos. Porém,
em se caracterizando o denominado silêncio circunstanciado ou qualificado, pode
ser admitido como manifestação de vontade, devendo o consentimento ser inferido
do comportamento omissivo da parte. O que se obtém, assim, é uma presunção de
vontade. Conforme dispõe o art. 111 do Código Civil, “o silêncio importa anuência,
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa.”
Segundo MASSIMO BIANCA378 o silêncio, por si só, não exprime nenhum consenso
e não impõe um ônus ou dever ao sujeito. A intenção negocial só deve ser
considerada, como dito, se aliada ao complexivo e circunstancial comportamento do
sujeito, vinda a exprimir o significado do consenso e decorrente de expressa
previsão pela parte ou pela lei, concluindo que o silêncio pode ter relevância por
uma expressa previsão das partes ou da lei.
5.2.3 Relações contratuais de fato. Observação necessária
Nos dias de hoje, dada a complexidade das relações sociais, há total abstração da
capacidade dos agentes e da intenção dos figurantes, imputando-se conseqüências
assemelhadas aos contratos. Menores, loucos, impossibilitados de consentir
necessitam transportar-se, comprar, alimentar-se. Como vimos, inúmeras obrigações
nascem e se extinguem, sem que haja qualquer manifestação expressa ou
declaração de vontade encaminhada para esse fim.
Não é incomum que, na vida cotidiana, um incapaz pratique um ato sem que isso
seja eivado de nulidade ou deixado de produzir a correlata obrigação. Procurando
explicar estas situações, a doutrina construiu a teoria das relações contratuais de
fato, com larga aceitação na Alemanha.379 Segundo a doutrina, tais fenômenos não
seriam contrato, mas relações protocontratuais, em que o Direito atribuiria efeitos
idênticos aos contratos.
378 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 214. 379 PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de direito privado. p. 32.
210
Todavia, para KARL LARENZ,380 estas situações deveriam ser aproximadas ao
regime contratual. Nestas situações, o que existe são condutas socialmente típicas,
com um consentimento fictício, mantendo-se tais relações no modelo contratual.
380 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. v. 1. Madrid: Editorial Revista de Direito Privado, 1958.
p. 58-61. (II. Obligaciones derivadas de conducta social típica (“relaciones contractuales de hecho”) – EI moderno tráfico en masa trae consigo que en algunos casos, de acuerdo con la concepción del tráfico, se asuman deberes, nazcan obligaciones, sin que se emitan decIaraciones de voluntad encaminadas a tal fino. En lugar de las declaraciones surge la oferta pública, y de hecho de una prestación y la aceptación de hecho de esta prestación por el que toma parte en el tráfico. Ambas, la oferta pública de hecho y la aceptación de 'hecho de la prestación, no suponen (a falta de la correspondiente conciencia de declaración) declaraciones de voluntad, pero sí implican una conducta que por su significado social típico tiene los mismos efectos jurídicos; que la actuación jurídica negocial. Tal es. p. ej., el caso de la utilización del tranvía, del autobús, de una balsa o de un vehículo análogo del transporte público. Es ficticio el considerar, como se intentó antes, que la marcha del tranvía encierra una oferta idéntica y continuada para concluir contratos de transporte, cuya aceptación reside en el hecho de tomar el tranvía. EI que utiliza el tranvía está, según el criterio del tráfico, obligado al pago del precio del trayecto según Ia tarifa y tiene derecho a ser transportado de acuerdo con las condiciones de la tarifa, sin tener en cuenta si su intención consistía eu emitir una declaración de voluntad de tal contenido, si tiene o no capacidad negocial, e incluso si conoce o no la tarifa. EI suponer que concurre, en tales casos, la conclusión de un contrato encuentra, a mi juicio, un obstáculo en el hecho de que quien utiliza un medio cualquiera del transporte público no está desde luego en la situación de aquel a quien se ha hecho una oferta actual, y que sólo ha de pensar si ha de aceptarla, rechazarla o acaso ha de hacer una contraproposición. Se encuentra más bien en la situación general de toda persona que toma parte en el tráfico y piensa si ha de hacer uso de un medio de transporte está al servicio de todos. Si hace uso de ese medio de transporte, entonces en la consecuencia jurídica de su modo de obrar reside el que con ello haya nacido una relación jurídica, un contrato de transporte, y no porque esa consecuencia jurídica se haya querido o declarado, sino porque, de acuerdo con los puntos vista generales del tráfico, su conducta está indudablemente unida esa consecuencia. No podrá alegar la excepción de que creía que el transporte era gratuito, impugnando así su declaración por eror, o la de que es limitadamente capaz y su represente legal no estaba conforme en que utilizase el tranvía. La admisibilidad de tales objeciones no se ajustarían a la esencia cuestión, a su significado social típico. En el estado de nuestros días, que se ha impuesto en general la misión de crear aquellas condiciones que en una era técnica deben concurrir para que la convivencia humana sea posible en espacio limitado, se explotan numerosas empresas de suministro de servicios por instituciones de carácter jurídico-público o por Corporaciones, en especial por entidades de carácter municipal, y bajo formas del Derecho público. Tal ocurre con los ferrocarriles, el correo, el servicio de limpiezas, el suministro de agua, etc. En tales casos la utilización de las correspondientes instalaciones se produce de acuerdo con los preceptos de carácter jurídico-público, y no en armonía con las normas privadas; las “exacciones" (precios de tarifa) a pagar podrán ser exigidas por el procedimiento de apremio, y aun cuando antes se estimaba admisible la competencia de los tribunales ordinarios para las divergencias derivadas, p. ej., de una relación de uso del teléfono, RG consideraba como "contrato de Derecho público" (RGZ, 155, 334), deberá sostenerse actualmente la competencia de la Administración. Pero aún hoy ocurre que en muchos casos los servicios de agua, gas y electricidad, así como algunas empresas de transporte, se explotan por sociedades de carácter privado (con intervención o no del Estado), y en tales casos no hay razón alguna para considerar según el Derecho público las relaciones de uso que deriven de aquellos servicios (3). Por el contrario, nacen en tales casos relaciones de suministro a las que habrán de aplicarse directamente, y no por vía de analogía, las normas del Derecho privado relativas a los contratos correspondientes. En este punto no cabe hacer una diferencia sobre si en el caso concreto se concluye un contrato, en que, p. ej., el usuario dirige a la empresa de gas o de electricidad una solicitud de conexión y ésta acepta dicha solicitud, o bien si, no mediante declaración alguna (ni siquiera tácita), se produce de hecho una utilización accesible a todos. Incluso en el segundo caso nace una relación obligatoria, sobre cuya ejecución han de aplicarse las normas sobre obligaciones contractuales (contratos de suministros), mientras que por el contrario son inaplicables los preceptos sobre conclusión de negocios jurídicos y
211
O tema ainda não se encontra pacificado em doutrina, restando muito a ser
esclarecido. Mas é possível apontar que nas relações contratuais de fato, não há
aceitação nem conhecimento, mas simples condutas fáticas a que se atribuem
efeitos jurídicos. Ao contrário, as cláusulas contratuais gerais se voltam à
individualização contratual, por meio das quais produzem efeitos, embora seja
irrelevante o consentimento do aderente exigindo-se, todavia, o conhecimento prévio
do aderente. O contrato de adesão, composto por cláusulas contratuais gerais, se
forma por oferta e aceitação.
5.3 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS NO CÓDIGO CIVIL
A questão da determinação exata do momento de formação do vínculo contratual é
matéria de singular importância dentro do tema proposto e, em conseqüência,
merece maior aprofundamento em seu estudo.
A fundamental necessidade de se verificar com precisão o momento de formação do
contrato encontra amparo, entre outros motivos, na necessidade de se determinar o
instante em que começa a ser eficaz o contrato, ou em que momento o programa
contratual começa a incidir na esfera jurídica das partes, tal como por estas
preconizado.
contratos. Trátase, por consiguiente, en estas "relaciones de obligación derivadas de conducta social típica" de relaciones jurídicas que intrínsecamente han de considerarse según el Derecho de obligaciones, a pesar de que su nacimiento no exige la existencia de un contrato. G. Haupt fué el primero que reconoció la peculiaridad de estas relaciones proponiendo para ellas la denominación de "relaciones contractuales de hecho"; pero entendemos que esta denominación no es muy afortunada, ya que induce a la conclusión de que al propio tiempo se trata de procesos extrajurídicos. No cabe, naturalmente, hablar siquiera de esto; lo que ocurre es que lo que atribuye significado jurídico a estos procesos no es la voluntad jurídica negocial de los participantes, sino la valoración jurídica que obtienen en el tráfico por suponer una conducta social típica. El reconocimiento de tales relaciones obligatorias, que intrínsecamente han de ser consideradas según el Derecho contractual, está en la misma línea de los "'hechos típicos de declaración con efectos normativos." (p. ej., el silencio a la carta de confirmación en el tráfico mercantil) (4), en que tampoco depende la cuestión de si en el caso concreto concurren los requisitos para la existencia declaración de voluntad válida. En los casos concretos no puede, evidentemente, habIarse de "supuestos de decIaración", entendidos en su significado típico, sino únicamente de determinada en el tráfico. Concretamente se trata de la aceptación de una prestación que está a disposición de todos en las condiciones de la tarifa. No es aconsejable extender a otros supuestos de los ya señaIados la categoría de las obligaciones derivadas de conducta social, típica, ya que entonces sería muy difícil la delimitación, y con ello habrían de considerarse justificadas las objeciones hechas por H. LEHMANN contra la doctrina de Haupt. Ahora bien, Limitándose a la aceptación tácita de una prestación de suministro accesible a todos (en determinadas circunstancias), esta categoría es imprescindible para explicar teóricamente, sin ficciones los fenómenos del tráfico actual".
212
Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:381
O problema da formação do contrato que sofre controvérsia entre os
autores, deve ser resolvido com a fixação do momento em que se dá a
conjugação ou o acordo das vontades. No instante em que estas,
manifestadas segundo a forma livre ou determinada, conforme o caso,
justaponham-se ou coincidam, ou se encontrem, nesse momento nasce o
contrato.
Como já manifestado, o contrato exige que haja o consenso. Se não houver o
consenso, a obrigação contratual não nasce. Para ENZO ROPPO,382 numa
perspectiva realista, o juízo sobre se um contrato se formou ou não constitui o
resultado de uma qualificação de determinados comportamentos humanos, operada
por normas jurídicas. A formação do contrato consiste num processo, isto é, uma
seqüência de atos e comportamentos humanos, coordenados em si mesmos,
segundo o modelo pré-fixado convencionalmente.
Segundo MASSIMO BIANCA383 o principal esquema de formação do contrato é
aquele que se articula na proposta e na aceitação, que manifestam a vontade
contratual das partes. E por isso elas devem ter o requisito fundamental da
idoneidade e expressarem o consenso constitutivo do contrato.
O contrato é o resultado de uma série de momentos ou fases, que às vezes se
interpenetram, mas que em detida análise perfeitamente se destacam: negociações
preliminares, proposta e aceitação. Negociações preliminares são as conversações
prévias, sondagens e eventuais trocas de minutas.
Lembra MENEZES CORDEIRO384 que a formação do negócio jurídico opera em um
nível de acentuada abstração, a sua formação implica atividades de complexidade
muito variável: em concreto, um negócio pode ocorrer de imediato, através de um
simples assentimento ou, pelo contrário, implicar complexas atividades
preparatórias. Importante, portanto, que a doutrina civil recupere a idéia de processo
e a idéia de dinamicidade das técnicas de contratação para explicar a formação
deste negócio jurídico. Descreve o autor português: 381 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3 Contratos. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 36. 382 ROPO, Enzo. O contrato. p. 90-91. 383 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 218. 384 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. I, t. I. 3. ed. p. 489.
213
Em moldes descritivos, a formação cabal de um contrato minimamente
complexo apresenta a seguinte seqüência: obtenção de informações,
borrão de projecto de contrato, aplicação hipotética de contrato,
concretização de critérios de decisão, superação de conflitos objectivos,
negociações contratuais, instrução e aconselhamento, elaboração do
documento contratual.
De tais negociações não surgem relações individuais típicas de contrato, são
negociações com responsabilidade social.
As negociações preliminares são relações que impõem determinados deveres de
conduta, tais como boa-fé, lealdade, confiança, os quais rompidos podem gerar a
responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo). No período pré-contratual,
independentemente da posterior celebração de um contrato válido, as partes
deveriam, desde logo, observar certos deveres por a lei assim exigir; desde a fase
preparatória, as partes devem respeitar os deveres de lealdade, de informação e de
confiança advindos da boa-fé, sob pena de serem responsabilizados pela quebra de
tais deveres.
Para CARLYLE POPP,385 a principal característica desta fase de negociações
preliminares é a não obrigatoriedade, argumentando ainda que:
Isto porque realizar negociações é um direito concedido pelo ordenamento,
de natureza constitucional, que autoriza a livre celebração de negócios
jurídicos. Optar pela celebração ou não é um direito que assiste a cada um
dos negociantes. Este direito volta-se a dizer, é cada vez mais limitado,
limitação esta diretamente proporcional ao incremento da boa-fé objetiva
nas relações jurídicas. Não celebrar o negócio jurídico é um direito que
assiste ao tratante, desde que aja dentro dos limites da boa-fé e não viole a
confiança alheia.
O momento seguinte é o oferecimento da proposta que já traz força vinculante,
conforme estabelecido no art. 427 do Código Civil: “A proposta de contrato obriga o
proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou
das circunstâncias do caso.”
385 POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá,
2003. p. 230.
214
A declaração inicial, que visa a suscitar o contrato, chama-se proposta ou oferta.
Quem a emite é denominado proponente ou policitante.
A declaração que lhe segue, indo ao seu encontro, chama-se aceitação,
designando-se aceitante (ou oblato) o seu declarante.
Considera-se policitação ou proposta, a declaração inicial emanada do policitante,
ou proponente, na qual este manifesta sua intenção de se vincular com a outra
parte. O policitante é aquele que suscita a formação do contrato por intermédio de
uma declaração unilateral de vontade que, salvo disposição em contrário, tem por
característica fundamental vinculá-lo aos termos da proposta por ele feita.
Note-se que a policitação ou proposta, também chamada de oferta, há de conter
todos os elementos essenciais do negócio jurídico proposto, de forma que deve ser
séria, completa, precisa e inequívoca, de tal sorte que a simples aceitação basta à
conclusão do negócio e, conseqüentemente, à formação do vínculo contratual.
Assim expõe Orlando Gomes:338866
[...] Deve, por conseguinte, ser completa, precisa, inequívoca e
determinada, quer nos pontos principais quer nos secundários que forem
importantes, pois um contrato só se tem por celebrado quando as partes
houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas
tenha julgado necessário o acordo.
Complementando, expõe MENEZES CORDEIRO:387
A proposta contratual, para o ser efectivamente, deve reunir três requisitos
essenciais, apontados nas diversas obras de doutrina: deve ser completa,
deve revelar uma intenção inequívoca de contratar, deve revestir a forma
requerida para o negócio jurídico em jogo.
A proposta é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa para
aquele (pessoa ou grupo) com quem deseja contratar.
Importante observar que a proposta há de ser dirigida a uma pessoa determinada ou
determinável. Mesmo nos casos das propostas ad incertam personam ou ad incertas
personas, dirigidas ao público ou a determinada parcela de pessoas, a parte
386 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 58. 387 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. I, t. I. 3. ed. p. 552.
215
destinatária da oferta se torna determinada quando ocorre a aceitação. Assim, ainda
que incerta a pessoa a quem se dirige a proposta, ela há de ser determinável. Nos
dizeres de DARCY BESSONE,338888 a proposta “não é dirigida à massa anônima, mas
a cada um do público".
O Código Civil disciplinou a oferta ao público no art. 429389 – a oferta ao público
equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o
contrário resultar das circunstâncias ou do uso – admitindo ainda a sua
revogabilidade (parágrafo único).
Como observado acima, em regra, a policitação implica na sua obrigatoriedade,
conforme estatuído no art. 427 do Código Civil, pois cria no oblato a convicção do
contrato em perspectiva, com todas as suas conseqüências e tem ainda por escopo
assegurar a estabilidade das relações sociais. A proposta carrega consigo o impulso
decisivo para a celebração do contrato, exprimindo uma declaração de vontade
definitiva, o que a difere das negociações preliminares, que carecem de tal
característica.390
Tem-se, portanto, que a vinculação do proponente ou do fornecedor é a regra em
nosso ordenamento jurídico, admitindo-se, entretanto, as exceções previstas nos
arts. 427, segunda parte, e 428 e incisos, todos do Código Civil.391 A proposta não
tem força absoluta, gerando direitos e obrigações típicos do contrato, pois se assim
fosse iria se igualar ao próprio contrato.
A oblação ou aceitação é a aquiescência a uma proposta. É a declaração de
vontade que vai ao encontro da proposta, manifestando a concordância da parte
aceitante, também chamada de oblato, em aderir aos termos ofertados pelo
388 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 135. 389 No Código de Defesa do Consumidor, a oferta ao público está disciplinada no art. 35. 390 Conforme Caio Mário da Silva Pereira, citando CARRARA, os pontos de distinção entre proposta e
negociações preliminares: A) a proposta é um elemento de formação contratual; as negociações não são. B) a proposta tem efeito jurídico específico; as negociações não têm. C) a proposta é um negócio jurídico; as negociações não são. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 41.
391 "Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente."
216
policitante. Com a oblação, desde que feita dentro de determinado prazo, completa-
se a formação da relação contratual, obrigando o proponente a cumprir sua oferta.
A aceitação pode ser expressa ou tácita, salvo nos contratos solenes, devendo
ainda ser oportuna, ou seja, que tenha sido formulada dentro do prazo concedido
pelo policitante.
Ocorre aceitação tácita nas circunstâncias previstas no art. 432 do Código Civil, que
determina: "se o negócio for daqueles, em que se não costuma a aceitação
expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato,
não chegando a tempo a recusa", valendo-se nesse ponto, do disposto acerca da
declaração tácita e do comportamento concludente.
Nesse sentido, afirma DARCY BESSONE:339922
As leis da lógica – acrescenta – mais do que as normas jurídicas,
conferem-lhe eficácia, dada a incompatibilidade entre os fatos e a uma
vontade diversa daquela que deles resulta. Diz-se, então, que é tácita a
manifestação quando a vontade deva ser inferida de atos ou fatos que não
comportem outra explicação.
Para que a aceitação seja considerada como tal, é imprescindível que ela
corresponda a uma adesão integral à proposta, nos moldes em que foi formulada.
As duas declarações de vontade devem ser coincidentes para que o contrato se
forme.
Do contrário, não há consenso, há dissenso. No dizer de ORLANDO GOMES:339933
Se divergem ou não se ajustam perfeitamente, há dissenso. A divergência
pode manifestar-se em relação a pontos essenciais ou secundários. No
primeiro caso, ocorre dissenso manifesto e, à evidência, o contrato não se
forma, por necessário que o desacordo se dê em relação a condições
decisivas do contrato. Se ocorre relativamente ao conteúdo das
estipulações, ou à sua interpretação, dissenso não há. Do dissenso
manifesto distingue-se o dissenso oculto, no qual proponente e aceitante
pensam ter concordado sobre proposições em relação às quais realmente
discordavam. O dissenso manifesto importa a formação do contrato; o
392 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117. 393 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 65-66.
217
dissenso oculto determina a sua invalidade, atingindo, como terá sido o
consentimento, pelo vício do erro.
Em diversos negócios é comum a efetivação pela outra parte de uma
contraproposta, nesses casos se aplica a regra do art. 431 do nosso Diploma Civil,
onde é estabelecido que: “A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou
modificações, importará nova proposta..””
Havendo disparidade, no caso de o oblato oferecer sua aceitação parcial, sem se
submeter a todos os requisitos ofertados pelo proponente, a aceitação será, na
verdade, uma nova proposta, passando o oblato para a condição de proponente. Por
outro lado, havendo oferta alternativa, o oblato deverá ter o cuidado de indicar, em
sua aceitação, qual a de sua escolha. Não procedendo assim, poderá o proponente
considerar como aceita qualquer uma das alternativas ofertadas. Convém ressaltar
que existem duas hipóteses em que a oblação poderá deixar de gerar o
aperfeiçoamento do contrato, desvinculando o ofertante do cumprimento de sua
proposta.
A primeira delas, segundo o art. 430 do Código Civil, ocorre quando a aceitação é
oportuna, porém, por circunstâncias imprevistas contrárias à vontade do oblato,
chega ao conhecimento do proponente fora do prazo estabelecido na proposta.
Neste caso, o policitante, se não quiser levar adiante o negócio, deverá comunicar
imediatamente ao oblato o ocorrido, sob pena de responder por perdas e danos.
A outra hipótese na qual a aceitação não tem o condão de efetivar o negócio jurídico
refere-se aos casos onde ocorre a devida retratação por parte do oblato. De fato,
consoante o dispõe o art. 433 do Código Civil, inexistirá a aceitação se, antes dela
ou juntamente com ela, chegar ao proponente a retratação do aceitante. Trata-se do
arrependimento do oblato em ter aceitado a proposta do policitante. Para que a
recusa seja efetiva, é mister que haja total obediência ao prazo consignado no texto
legal supracitado, caso contrário, chegando a retratação tardiamente ao
conhecimento do proponente, o aceitante continuará vinculado ao contrato. Em
suma, pode-se dizer que com a aceitação, por meio da subscrição pelos
contratantes no documento final, a proposta se extingue, dando lugar à formação do
contrato.
218
A formação de todo contrato se baseia no consenso. Conforme mencionado, o
consenso é um dos elementos intrínsecos do contrato, revelador do acordo de
vontades, exprimindo a formação do negócio jurídico bilateral.
Com o acordo de vontades – consenso – forma-se o contrato. De fato, a
convergência volitiva é suficiente para criar um contrato válido, uma vez que, em
regra, não se exige forma especial para sua constituição, e mesmo que exista essa
forma especial não exclui o consenso, antes o prestigia, dando-lhe formatos ou
solenidades especiais. Entretanto, como regra geral, o simples consentimento é
suficiente para validar e tornar perfeita a relação contratual.
Segundo DARCY BESSONE,339944 “a manifestação da vontade não depende de
formalidades extrínsecas, podendo verificar-se por qualquer meio apto a revelá-la”.
Para MASSIMO BIANCA,395 o acordo pode ser definido como o recíproco consenso
das partes em comando ao programa contratual, ou seja, em ordem à constituição,
modificação ou extinção de uma relação jurídica patrimonial. Segundo o referido
autor, o acordo integra a fattispecie contratual, pois é fato no qual se identifica o
contrato. Assim, o contrato é concluído (e nasce) quando se aperfeiçoa o acordo
entre as partes. O acordo é um fenômeno da vida social disciplinado pelo direito. A
constatação da conclusão do contrato ocorre quando há a constatação de um fato e
a sua correspondência à regra que se condiciona à relevância jurídica.
Para ENZO ROPPO396 o contrato é um negócio bilateral, sendo necessário que
existam pelo menos duas partes e que cada uma delas exprima sua vontade de
sujeitar-se àquele determinado regulamento das recíprocas relações patrimoniais,
que resulta do conjunto de cláusulas contratuais. É necessário, em concreto, que
uma parte proponha aquele determinado regulamento e a outra parte aceite. O
contrato se forma precisamente quando essa proposta e aceitação se encontram,
dando lugar àquilo que se conhece por consenso contratual.
Sintetizando o posicionamento até então explanado sobre o consenso na formação
dos contratos: não é necessário que os contratantes façam uma declaração formal,
por meio da palavra escrita ou falada, pois é suficiente, como já argumentado, que
se possa traduzir o seu querer por uma atitude inequívoca, evidente e certa, de 394 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 117. 395 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 159 e ss. 396 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 73
219
modo expresso, quando os contraentes se utilizam de qualquer veículo para
exteriorizar sua vontade, seja verbalmente, usando palavra falada, em qualquer
suporte físico inclusive o eletrônico, ou ainda que seja por mímica.
5.3.1 Consenso nos contratos entre ausentes
O consenso pode se dar entre ausentes. É certo questionar a mantença de tal
distinção, pois frente os progressos tecnológicos, pessoas separadas por oceanos
podem efetuar tratativas como se estivessem frente a frente. DARCY BESSONE397
com fundamento em MARGHIERI, contesta a exatidão dessas expressões,
propondo uma outra distinção, de maior interesse prático, baseada na
simultaneidade, ou não, das declarações e de sua percepção pelas partes a que
foram dirigidas.
Todavia, apesar da procedência das críticas, cumpre colacionar alguns aspectos
relevantes de tal distinção.
Para os contratos entre presentes não existe lapso temporal entre a proposta e o
aceite e, por isso, tem-se a formação do vínculo contratual instantaneamente, uma
vez que à parte é dada a possibilidade de conhecer a declaração de vontade da
outra no instante em que esta é emitida. Havendo a união coincidente de vontade
dos contratantes, perfeito e acabado estará o contrato, em razão do consenso.
Vale anotar que CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA398 aduz que quanto aos
contratos efetuados por telefone, o legislador pátrio pronunciou-se pela teoria
preconizada por GABBA, abarcando o critério da distância loci que acaso separa os
contratantes como elemento informativo, e adotando a possibilidade de direta
comunicação entre eles.
Em relação aos contratos realizados entre ausentes, dentre os quais se destacam
aqueles por correspondência epistolar ou telegráfica e os celebrados via e-mail,399
resta claro que o proponente não pode pretender resposta instantânea. Nesses
397 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 150. 398 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 42 e ss. Conforme o citado
autor, Gabba preconiza a relevância da circunstância temporal, entendendo que o que tem significação para a solução do problema (se a via telefônica revela formação de contratos entre presentes ou entre ausentes) é o fato de os contratantes, embora não se vejam, poderem comunicar-se diretamente, ouvir-se mutuamente, propor e aceitar imediatamente. E como tudo isso é possível, o contrato é inter praesentes.
399 Nesse caso, quando a aceitação não é manifestada instantaneamente.
220
casos, a espera se faz necessária, pois será o tempo necessário para que a oferta
seja recebida pelo oblato, ponderada e a ela dada resposta. Não existe um prazo
certo, mas um certo prazo (chamado de prazo moral) visto que variável com o vulto
do negócio envolvido.400
Um ponto relevante para a doutrina, quanto aos contratos entre ausentes, refere-se
a precisar em que momento o contrato é formado. Para tal questão, destacam-se
quatro sistemas principais, a saber:401
i) sistema da cognição (ou informação) – considera-se o contrato concluído
quando o proponente toma conhecimento da aceitação de sua proposta. O
inconveniente desta teoria resulta do fato de ela dificultar a determinação do
exato momento em que o contrato se formou, pois fica ao arbítrio do ofertante
procrastiná-lo.
ii) sistema da agnição (ou declaração) – o contrato se forma no momento em
que o destinatário da oferta formula a declaração de aceitação, subdividindo-
se em três subespécies:
a) declaração propriamente dita (ou simples aceitação): considera-se
formado no momento em que o aceitante declara a vontade de aceitar
a proposta. A comunicação da aceitação não constitui requisito de
perfeição do contrato. Critica-se essa teoria por ela também dificultar a
determinação do exato momento em que o contrato se forma, pois fica
ao arbítrio do aceitante concluir e desfazer ocontrato.
b) expedição: a celebração do contrato se opera quando a
comunicação da aceitação, tais como carta, telegrama, é expedida.
Considera-se formado no envio da aceitação.
c) recepção: o momento do aperfeiçoamento do contrato é aquele em
que o ofertante recebe a resposta à sua proposta, mesmo que não a
leia.
Dentre elas, recebem maior relevância a teoria da expedição e a teoria da recepção,
subespécies da teoria da agnição.
400 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 43. 401 Entre outros ver BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 151.
221
A teoria da expedição, conforme CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA402 é a melhor,
embora não seja perfeita, pois evita o arbítrio dos contratantes e reduz ao mínimo a
álea de ficar uma declaração de vontade, prenhe de efeitos, na incerteza de quando
se produziu. De outro lado, afasta dúvidas de natureza probatória, pois que a
expedição da resposta se reveste de ato material que a depreende do
agente.ORLANDO GOMES403 esclarece que de acordo com a teoria da recepção:
[...] o contrato só se forma quando o proponente recebe a resposta do
aceitante, não é necessário tenha conhecimento do seu conteúdo,
bastando que esteja em condições de conhecê-la, por ter chegado a seu
destino. A teoria da recepção pode ser considerada variante do sistema da
cognição, uma vez que a lei presuma a recepção. No momento em que a
declaração chega ao destinatário.
Note-se que, para a subteoria da recepção, não é exigido que o proponente tenha
conhecimento do conteúdo da correspondência, mas apenas que este a tenha
efetivamente recebido. Pelo que se percebe, a lei presume, com a simples recepção,
que o ofertante tem o conhecimento do teor da declaração de vontade expedida pelo
oblato. Quanto ao ordenamento pátrio, o Código Civil reporta-se no artigo 434 à
teoria da expedição, ao prescrever que os contratos entre ausentes tornam-se
perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto (...).
Todavia, como observa DARCY BESSONE404 ao se verificar o que dispõe o art. 433
– considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao
proponente a retratação do aceitante – percebe-se um ecletismo e uma incoerência,
pois se o contrato se forma com a expedição da aceitação, não seria possível a
retratação desta, mas a rescisão do contrato, já formado.
Também no art. 430 há a previsão da recepção da aceitação pelo proponente. O
Código Civil adotou, portanto, a teoria da agnição, na subteoria da expedição, ainda
que de forma mitigada, pois, como dito, não a manteve em sua integridade:405
Na verdade, recusando efeito à expedição se tiver havido retratação
oportuna, ou se a resposta não chegar ao conhecimento do proponente no
402 PEREIRA, Caio. Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 47. 403 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. p. 69. 404 BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. p. 153. 405 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. p. 48.
222
prazo, desfigura a teoria da expedição, admitindo um pouco a da recepção
e um pouco a da informação, o que é um mal, já que a imprecisão
doutrinária na fixação do conceito perturba a boa aplicação dos princípios.
[...] Estamos em que o Código Civil proclamando a regra, segundo a qual
os contratos entre ausentes se formam com a expedição da resposta (art.
434), aderiu à teoria, que perfurou das exceções mencionadas.
O Código Civil aceitou a teoria da agnição ou da declaração em sua segunda
modalidade, isto é, da expedição, por ser considerada pela maioria dos juristas e
das legislações, como a alemã e a suíça, a mais correta e a que melhor atende às
necessidades da vida e à natureza das coisas. Contudo, a mesma autora ao
ponderar o disposto no art. 433, conclui que se pode afirmar que o vínculo contratual
se torna obrigatório, em nosso direito, no momento da expedição da aceitação, salvo
algumas exceções, quando se aplica a subteoria da recepção.
5.3.2 Nota: consentimento no contrato de adesão
Após uma tentativa frustrada de se construir uma nova dogmática e nova categoria
jurídica, sustentando uma suposta inexistência de consentimento nos contratos de
adesão,406 percebeu-se que não existiriam justificativas para a qualificação de uma
nova categoria jurídica. Sem necessidade de maiores digressões a respeito, tem-se
que os contratos de adesão são contratos, sendo que a adesão seria, em resumo,
forma de expressão da vontade negocial, que não nega, nem mesmo desvirtua, a
natureza contratual do vínculo jurídico a ser formado. Trata-se de um contrato no
qual o consentimento se manifesta de modo diferente.
406 LIMBACH, Francis. Le consentement contractuel à l’épreuve des conditions générales. p. 83-84
("L’ancienne doctrine relative au contrat d’adhésion comptait un certain nombre de partisans il y a encore une trentaine d’année. Il convient de citer surtout la thèse de M. Berlioz intitulée «Le contrat d’adhésion ». Dans cet ouvrage, l’auteur propose une systématique qui, tout en admettant le principe de la formation d’un contrat, fait place à certaines idées de filiation anticontractualiste. [...] Il étudie la conclusion d’un contrat d’adhésion non pas en tant que rencontre de volontés par le jeu d’une offre e d’une accpetation et conteste que la «stipulation» et l’ «adhésion» aient une nature commune. La première constituerait une volonté «permanente, inaltérable et dont l’existence dépasse celle du contrat». En revanche, la seconde serait «temporaire et limitée au contrat», étant définie comme «un acte par lequel la partie contractante qui sait que l’autre se soumettre por cette transaction aux termes et conditions de cette stipulation». Au lieu de déterminer les conditions dans lesquelles des conditions générales peuvent entrer dans le contrat, M. Berlioz effectue a posteriori une «limitation de la portée de l’adhésion» en dressante une liste des hypothèses où les clauses envisagées par le stipulant se trouvent exclues de champ contractuel. M. Berlioz part d’un «consentemente en bloc» à la différence des contract individuels «formés par accord des volontés».")
223
O contrato de adesão não é um ato unilateral, eis que não há vontade única. Aliás,
tanto é verdade que existe manifestação de vontade do aderente que, nos termos do
art. 49 do Código de Defesa do Consumidor, é possível que este exerça o direito de
arrependimento, no prazo de (7) sete dias. Só se arrepende quem manifesta e
exercita uma dada vontade. Uma vez que é incontestável a participação do
aderente, o ato, sob esse aspecto, há de ser considerado bilateral.
5.3.3 Formação do contrato de adesão e das cláusulas contratuais gerais
Nos contratos de adesão, a fase das negociações preliminares não existe. O
esquema contratual está pronto, devendo aceitá-lo integralmente quem se proponha
a travar a relação concreta. Aceita a proposta, o contrato está formado, do mesmo
modo que em outras espécies de contrato.
Mas como observa ORLANDO GOMES,407 sempre haverá cláusulas que não podem
ser pré-estabelecidas e, de modo geral, elementos imprevisíveis. Sempre ficará uma
faixa mais larga ou mais estreita, na qual poderão caber entendimentos prévios
entre os contratantes, se bem que, na maioria das vezes, o contato prévio se destine
somente à determinação de dados pessoais, dispensáveis em vários contratos de
adesão.
Lembra o mesmo autor que, em algumas legislações do mundo, é possível a
modificação das cláusulas gerais, mediante acordo entre as partes. Em ocorrendo
esta hipótese, em que as partes travam entendimentos acerca do conteúdo do
contrato a concluir, pode se falar em negociações preliminares.
O mecanismo de formação desses contratos de adesão, compostos por cláusulas
contratuais gerais, é o mesmo da categoria geral dos contratos, exceto no tocante à
iniciativa da proposta. Tanto proposta e aceitação, nesses casos, estarão sujeitas às
regras gerais, tal como acima exposto. Nos contratos de adesão, explica
MESSINEO, existe uma situação inicial de disparidade entre as partes contratantes,
uma parte, dotada de particular força contratual, impõe o esquema a outra. É
prendere o lasciare.408
407 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 41. 408 MESSINEO, Francesco. Il contrato in genere. p. 422.
224
Importante ressaltar, permitam-nos mais uma vez, que a formação das cláusulas
contratuais gerais deve ser diferenciada da formação do contrato de adesão, o que
fica ainda mais claro apartir da apresentação deste capítulo.
As cláusulas contratuais gerais se formam em momento anterior, antes mesmo da
formação do contrato de adesão. O ato de predispor as cláusulas contratuais gerais
é ato jurídico em sentido amplo, não pode ser considerado um ato destituído de
juridicidade. No momento em que são editadas pelo predisponente e eventualmente
registradas (ex.: escritura declaratória de normas gerais de um shopping center409
para os futuros lojistas) para integrarem os contratos de adesão que eventualmente
serão concluídos, foi dada publicidade a um ato cuja existência jurídica é
inquestionável, embora dependente de eficácia concreta.
A maior parte da doutrina, que normalmente confunde cláusula contratual geral com
o próprio contrato de adesão, conclui por considerar aqueles clausulados
predispostos como irrelevantes jurídicos, antes da integração, antes de se inserirem
no contexto de um contrato individual. Para aqueles que adotam esta postura, até
então, a elaboração das cláusulas contratuais gerais não significa criação de um
negócio jurídico, mas puro e simples fato interno na esfera do proponente, de forma
que sua transcendência jurídica somente começa a partir do momento em que
passa a ser conteúdo das declarações contratuais de vontade. Segundo ORLANDO
GOMES,410 “a relação jurídica é criada contratualmente, provocando o acordo de
vontades, a incorporação das condições gerais ao seu conteúdo como parte
integrante da lex contractus".
Como observa PAULO LUIZ NETTO LÔBO,411 resgatando os ensinamentos de
PONTES DE MIRANDA, os autores que avançaram um pouco mais perceberam que
a formação das cláusulas contratuais gerais antecedem a formação do próprio
contrato, e nem por isto podem ser consideradas como fatos destituídos de
juridicidade, aproximando o seu estudo da oferta ao público e da invitação a ofertar.
409 Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto.Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.
p. 35. 410 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 43. 411 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37.
225
Segundo ORLANDO GOMES,412 quando um fornecedor ou uma empresa toma a
iniciativa da proposta, estaremos diante da chamada oferta ao público, considerando
perfeito e acabado o contrato no momento em que o cliente declara a aceitação,
freqüentemente sob a forma de comportamento típico. Quando a iniciativa é do
consumidor ou do cliente, estaremos diante do convite à oferta, considerado
concluído o contrato quando a fornecedora aceita. Ou seja, na invitação à oferta
(invitationes ad offerendum), conclui-se o contrato quando o fornecedor aceita a
manifestação de interesse do cliente. Segundo o autor, a rigor, a adesão se
manifesta, em seu significado próprio, na hipótese de oferta ao público, mas isso
não significa que o inverso não o seja.
Como vimos no Capítulo 2 da Parte II, há que ser salientado que alguns autores,
como MENEZES CORDEIRO,413 distinguem oferta ao público das cláusulas
contratuais gerais. Para o autor português, oferta ao público é uma modalidade
particular de proposta contratual, caracterizada por ser dirigida a uma generalidade
de pessoas. Como qualquer proposta contratual, a oferta ao público deve reunir três
requisitos fundamentais: deve ser completa, deve compreender a intenção
inequívoca de contratar e deve apresentar-se na forma requerida para o contrato a
celebrar. As cláusulas contratuais gerais, por sua vez, embora genéricas, não
surgem necessariamente como proposta e implicam uma rigidez que não se
conforma, de modo necessário, a oferta ao público.
412 GOMES, Orlando. Contrato de adesão - condições gerais dos contratos. p. 42. Criticando esta
distinção, ver CUSTÓDIO PIEDADE UBALDINO MIRANDA (Contrato de Adesão. p. 153-154): "Quando aquele dispositivo declara que toda a informação, veiculada por qualquer meio de comunicação, com relação a produtos e serviços apresentados, obriga o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado, está dizendo, em outras palavras, que o proponente é o estipulante das condições gerais de venda do produto ou da prestação do serviço. Além disso, custa conceber o cliente (e não a empresa) como proponente, porque, se ele propõe um negócio jurídico, cujas condições são formuladas pela contraparte, quer dizer que tomou a si as condições gerais, como proponente, não sobrando, assim, espaço para uma posterior adesão às mesmas. Dizendo de outro modo: se o usuário tomou a si as condições gerais e com base nelas fez uma proposta negocial, como falar-se em qualquer adesão?Teria, assim, de se concluir que o aderente é a empresa; nesse caso, porém, além do mais seria de se perguntar a que se presta, ou porque se exige, do próprio formulador das cláusulas predispostas, uma posterior adesão a elas. Por tudo isso, parece-nos, data vênia, que dizer-se que a inversão “não retira da figura os traços distintivos”, ou que “não se desconjunta em razão do modo como se arma”, não se torna compreensível. Aliás, o autor não explicita de que modo a inversão opera, especialmente no direito brasileiro, e que tem sido admitida por certos autores italianos, em razão da formulação do art. 1.341 do Códice Civile, parecendo-nos que só pode ocorrer quando o contrato é entre duas empresas, como se verá adiante".
413 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de Direito Civil Português. I, t. I. 3. ed. p. 557.
226
Observa PAULO LUIZ NETO LÔBO414 que, enquanto a oferta ao público se forma in
concreto, as cláusulas contratuais se formam in abstrato, razão pela qual se mostra
necessária a distinção quanto ao momento de formação:
As condições gerais formam-se independentemente da oferta ao público. A
oferta ao público (e nunca as invitações à oferta) compõe o contrato
individual quando se conclui. As condições gerais delimitam, condicionam e
regulam tanto a oferta ao público quanto o contrato de adesão,
heteronomamente, externamente. Quando o motorista do veículo ingressa
em um estacionamento pago, aceita a oferta ao público do fornecedor
desse serviço. O aviso colocado na entrada, de exoneração de
responsabilidade por furto, não integra a oferta. Impõe-se ao contrato
concluído mesmo que não tenho havido aceitação ou até rejeição expressa
pelo usuário do serviço. O contrato se concluiu com a oferta e a aceitação
e a condição geral a ele se integra no momento da conclusão, sem ter feito
parte de uma (oferta) ou de outra (aceitação). Nas condições gerais, de um
lado, existe a predisposição unilateral (predisponente), e, de outro, o
conhecimento (aderente). Sem conhecimento do aderente, o contrato não
adere às condições gerais (estas não se integram). Contudo, conhecimento
(ou dever de cognoscibilidade, no direito italiano) não é aceitação. Não
existe a presunção de conhecimento das condições gerais, o que é mais
um fator distintivo com a lei em geral (Lei de Introdução, art. 3.º A lei incide
mesmo quando não conhecida).
Mesmo que se discuta a eficácia das cláusulas contratuais gerais em relação ao
eventual contratante, bem como a necessidade da ciência por parte dos
destinatários, o fato é que estas cláusulas podem ser consideradas formadas em
abstrato. Com base nos ensinamentos de MESSINEO, aponta o autor o traço
fundamental das cláusulas contratuais gerais: o fundamento de eficácia não reside
em um fato volitivo das partes, mas em um fato cognoscitivo do aderente, sendo
irrelevante a aceitação ou até mesmo a aprovação.
As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso
nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas
pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o
contrato de adesão. Repita-se: não podem ser consideradas como irrelevantes
jurídicos pelo fato de não ter sido celebrado um contrato de adesão.
414 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 37-38.
227
5.4 O CONTROLE DE INCLUSÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS NA FORMAÇÃO DO
CONTRATO DE ADESÃO
As cláusulas contratuais gerais, como podemos observar, não possuem força de
normas legais ou regulamentos, elas necessitam ser inseridas em um contrato para
que ganhem força obrigatória em relação às partes contratantes envolvidas.
Logo, não basta que o predisponente determine ao seu departamento jurídico que
elabore uma lista de cláusulas ou condições gerais e estas fiquem nas mãos do
gerente da loja para que desta vontade unilateral do fornecedor se originem direitos
e deveres para os futuros contratantes. As cláusulas contratuais gerais terão de ser
inseridas nos contratos.
O tema da inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos de massa
fechados pelos fornecedores de bens e serviços com consumidores é um dos temas
mais delicados do novo direito dos contratos, pois, como sabemos, nem sempre
estes contratos de massa terão a forma escrita.
Quando falamos na aceitação das cláusulas contratuais gerais, ou, mais
particularmente, quando falamos na inclusão das cláusulas contratuais gerais nos
contratos individuais de consumo, segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES,415 deve ser
observado o princípio da transparência, significando que as cláusulas contratuais
gerais unilateralmente elaboradas pelo predisponente só integrarão o contrato se o
consumidor conhecimento delas ou pelo menos tiver tido a oportunidade de ter
conhecimento de sua inserção no contrato, antes ou durante a celebração do
contrato, e aceitar o seu uso. Se o consumidor não foi informado de seu uso, se não
houve transparência, o silêncio do consumidor não será interpretado como tendo
aceito a inclusão das cláusulas contratuais gerais.
A doutrina alemã preocupou-se desde cedo com o problema e desenvolveu algumas
linhas básicas para a inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos de
massa. Vejamos, é necessário que exista o chamado pacto de inserção ou pacto de
inclusão das cláusulas contratuais gerais, este pacto não constitui um contrato em
separado, mas faz parte do próprio contrato de consumo. A regra do art. 46416 do
415 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. ed. p. 70. 416 Nos termos do art. 46 do CDC, os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão
os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio do seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão
228
CDC trata do controle de incorporação das condições gerais ou do controle de
formação ou conclusão dos contratos de consumo em geral, malgrado não se refira
a esse tipo controle de forma expressa, como fazem as normas da Lei sobre as
Condições Gerais de Contratação Espanhola.417 Com efeito, ela impõe, no momento
do seu sentido e alcance". Disposição similar pode ser encontrada em algumas legislações pelo mundo, como no art. 6.º do Decreto-lei n. 446/1985 de Portugal. Não está se discutindo aqui o momento em que as cláusulas contratuais gerais se tornam eficazes, ou sobre o exercício de manifestação de vontade do aderente em aceitar tais cláusulas. Vale então a observação feita por RIBEIRO, JOAQUIM DE SOUSA. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 301-302: "Com isso queremos apenas evidenciar que aceitação do aderente tem um distinto significado, consoante se refere a cláusulas individualmente acordadas ou a ccg recebidas em bloco. Mas não estamos a pressupor a existência de declarações autónomas. Muito embora a doutrina alemã tenha falado durante muito tempo num acordo de inclusão (Einbeziehungsabrede), parecendo apontar para um acordo específico sobre a vigência das ccg, é hoje ponto assente que o contrato que inclui ccg se aperfeiçoa, como qualquer outro contrato, com a unitária declaração de aceitação, abrangendo globalmente todas as cláusulas que constam da proposta ou para que ela remete [...] Mas, se a aceitação a que se refere o art. 4.° não pressupõe um acto específico de concordância com a vigência das ccg, reportando-se antes à declaração que, conjugando-se com a proposta, aperfeiçoa o contrato, n o seu conjunto, então há que dizer que o preceito nada acrescenta, nem sequer no plano formal, à tutela do consentimento do aderente. Toda a ênfase, só esse ponto de vista, recai sobre as obrigações de comunicação e de informação impostas ao utilizador pelos arts. 5.° e 6.° do Decreto-lei n. 446/1985. Cumpridas as regras procedimentais aí cominadas, se o contrato vier a celebrar-se, (o que, naturalmente, exige a aceitação da proposta), nele se incluirão as ccg precedentemente comunicadas de modo regular, sem necessidade, sequer de uma adesão em forma expressa; se não se verificar a aceitação, é evidente que a inclusão se não dá, pela simples razão de que nem chega a haver contrato. Não se trata, pois, de um requisito de inclusão suplementar, mas, pelo contrário, da extensão do âmbito de eficácia de uma declaração – aceitação –, sempre indispensável à efectivação de qualquer contrato, como negócio jurídico bilateral. Não significando a ulterior imposição de' uma condição de vigência das ccg, para além das que sustentam o contrato, a disposição será mais explicável por um intuito de certificação e reafirmação do fundamento contratual das ccg, em rejeição clara das teses normativistas outrora defendidas.Cumpre notar, por outro lado, que o dispositivo do art. 4.° só se adequa às situações contratuais em que o aderente a ccg é simultaneamente o aceitante de uma proposta que as inclui. Já não assim quando ele assume a veste proponente, de subscritor de uma proposta formulada nos termos prefixados pelo utilizador das ccg. Nessa posição, a que alude o art. 1.° (onde aponta os proponentes indeterminados que se limitam a subscrever as ccg) e o art. 2.º in fine (na parte em que refere as ccg elaboradas pelo destinatário), muito embora as ccg só se jncluam no contrato com a aceitação, a verdade é que a adesão a essas cláusulas não nos é dada por esse acto (que compete, nestas circunstâncias, ao utilizador), mas antes pela anterior concordância do aderente em subscrever uma proposta que as incorpora ou para elas remete. E – mais importante ainda, sobretudo no quadro de um diploma cujo objectivo primordial é a tutela do aderente – a vinculação deste às ccg não é coetânea da celebração do contrato, pela aceitação, produzindo-se antes, nos termos gerais, no momento em que a proposta chega ao poder ou é conhecida do destinatário (arts. 224, 1.º, e 230 do Código Civil) – nesse caso, o próprio utilizador das ccg. O que é de particular relevo em relação às cláusulas que não se destinam a integrar o conteúdo do contrato (situando-se, medida, fora do âmbito do art. 4.°), mas antes a regular a sua formação como, por exemplo, as previstas na aI. a) do art. 19)".
417 À semelhança das já comentadas normas do art. 7.º, alíneas a e b, da Lei sobre as Condições Gerais da Contratação (LCGC), de 1998, e do art. 10, § 1.º, alínea a, da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Usuários (LGDCU), de 1984, a norma do art. 46 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), inserta no capítulo que trata da proteção contratual do consumidor, estabelece que “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance” (itálicos nossos). Segundo NELSON NERY JR, a disposição do art. 46 do CDC é a projeção, sob o
229
da formação do contrato ou previamente à sua conclusão, a observância do requisito
da cognoscibilidade, ao prescrever que “os contratos que regulam as relações de
consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de
tomar conhecimento prévio de seu conteúdo”. Por outro lado, a mesma norma impõe
que se atenda ao requisito da compreensibilidade, ao afirmar que os mesmos
contratos também não obrigarão o consumidor “se os respectivos instrumentos
forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
Cumpre esclarecer que a norma do art. 46 do CDC, em razão de sua própria
formulação, parece referir-se aos contratos de consumo concluídos por adesão a
condições gerais predispostas (ou contratos de adesão), e não aos contratos de
consumo negociados ou paritários, porque a efetiva negociação prévia e bilateral
pressupõe o conhecimento e a compreensão, por ambas as partes, das cláusulas
contratuais. Com efeito, no exercício de sua autonomia privada – ou
autodeterminação bilateral –, as partes contraentes dão conformação ao conteúdo
das cláusulas contratuais que irão regular seus interesses negociais. Talvez para
prevenir o risco de que, mesmo num contrato de consumo que não seja de adesão –
um contrato paritário (grès a grès) –, o consumidor venha a celebrar o contrato sem
pleno conhecimento ou sem compreender o exato sentido de suas cláusulas, o
legislador não tenha limitado o alcance da aludida regra aos contratos de adesão.
Para esses, estabeleceu regras específicas, no Capítulo VI (Da proteção contratual),
Seção III (Dos contratos de adesão), constituída esta seção por apenas três
disposições: art. 54, caput, e §§ 3.º e 4.º, que se juntam à do precitado art. 46 e
prescrevem os requisitos necessários à formação de todos os contratos de
consumo, negociados ou de adesão.
ponto de vista prático, do direito básico do consumidor à informação adequada sobre os produtos e serviços, em toda a sua extensão (qualidade, quantidade, conteúdo, riscos que apresentem etc.). Interpretando a norma em exame, explica – com o que concordamos plenamente – que “dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico [...] da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos do consumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários dos contratos de adesão (art. 54, § 4.º, CDC). (Código brasileiro de defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. p. 473).
230
Segundo CLÁUDIA LIMA MARQUES,418 são três os pré-requisitos do pacto de
inclusão: o primeiro requisito é que o consumidor tenha sido informado pelo
fornecedor de que condições gerais serão usadas no futuro contrato. Normalmente o
consumidor será informado pelo fornecedor no momento do fechamento do contrato
que o fornecedor usa cláusulas contratuais gerais para todos os seus contratos.
Para a doutrina alemã não basta que após o fechamento do contrato o fornecedor
dê um recibo para o consumidor, onde no verso estejam impressas as cláusulas
contratuais gerais pactuadas. Os consumidores têm que ter sido informados antes
do fechamento do contrato da utilização das cláusulas contratuais gerais (Lei alemã,
AGBG § 2.º, I), assim também se o contrato for por escrito, deve haver uma menção
em seu texto sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais.
A idéia básica é que, as cláusulas contratuais gerais podem influenciar a decisão do
consumidor e, portanto, seria um dever do fornecedor informar sobre o uso. Na
disciplina do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, as cláusulas contratuais
gerais fazem parte da oferta que o fornecedor faz ao público, existindo assim um
dever de informar ao consumidor dessas cláusulas contratuais gerais, que farão
parte do futuro contrato (nesse sentido, os arts. 30 e 46 do CDC419). Há também um
dever expresso de redação clara e destacada nas cláusulas contratuais gerais
(CDC, art. 46 c/c art. 54, § 4.º).
Excepcionalmente, em alguns tipos de contrato, nos quais seria difícil haver uma
menção expressa da utilização de cláusulas contratuais gerais na hora da
celebração dos contratos, como, por exemplo, nos contratos verbais, nos contratos
de transporte em ônibus, contratos automatizados, nos de guarda de automóveis em
estacionamentos, a doutrina germânica impõe a afixação das cláusulas contratuais
418 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. p. 71. 419 Em interessante observação sobre o art. 31 do CDC, SILVIO LUIS FERREIRA DA ROCHA
comenta que "Não obstante o teor do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor brasileiro, entendemos que a oferta, sem se desclassificar para simples convite a ofertar, pode deixar de observar o dever de informar estabelecido no referido artigo, bastando, para a sua obrigatoriedade, informações que permitam a identificação do bem e o seu preço. Isso porque o artigo 31 tratou de instituto diverso da oferta, quando criou o dever pré-contratual de informar; as formalidaes e garantias impostas visam proteger os consumidores e, portanto, só podem ser invocadas em benefício destes. Desta forma, a declaração de vontade que apenas indique o bem ou o serviço e o respectivo preço nem por isso deixa de ser qualificada como oferta que confere ao consumidor o poder de exigir o seu cumprimento" (ROCHA, Silvio Luís Ferreira. A oferta no Código de Defesa do Consumidor. p. 101).
231
gerais em lugar visível no local em que o contrato será fechado, para o consumidor
possa tomar conhecimento destas, se quiser.
O segundo pré-requisito para a inclusão das cláusulas contratuais gerais é subjetivo,
é a possibilidade de o consumidor tomar conhecimento do conteúdo real das
cláusulas contratuais gerais. Isto é não basta a simples menção de que cláusulas
contratuais gerais serão usadas no contrato, é necessário que o homem comum
possa ler e entender o que significam aquelas cláusulas, quais as obrigações e os
direitos que está aceitando (assim, também, a contrario sensu, art. 46, in fine, do
CDC). Relembre-se aqui, que não raramente o vendedor procura introduzir suas
cláusulas contratuais gerais no contrato de modo um pouco furtivo: um texto
impresso em letras pequenas, de cor verde, um texto longo, de difícil leitura,
impresso no verso de documentos. Nesse sentido, a exigência do CDC420 de maior
transparência e destaque (veja art. 4.º, caput, art. 46 e art. 54, § 4.º).
O terceiro requisito é a aceitação, tácita ou expressa, do consumidor. Assim, se o
fornecedor informa sobre a utilização das cláusulas contratuais gerais e o
consumidor tendo tido a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo das
cláusulas contratuais gerais impostas, aceita a oferta e fecha o contrato de
consumo, aceitou a inclusão das cláusulas contratuais gerais em seu contrato
específico. Também prevê a doutrina que possa haver uma aceitação anterior ao
contrato, em uma convenção básica ou em um pré-contrato, principalmente no caso
de relação contratual reiterada entre dois comerciantes. Note-se que o problema da
inclusão de cláusulas contratuais gerais nos contratos é em última análise, um
problema de interpretação da declaração de vontade do consumidor.
O consumidor precisa manifestar a sua concordância com a validade das cláusulas
contratuais gerais e, uma vez inseridas nos contratos de consumo, as cláusulas
contratuais gerais serão submetidas a um outro tipo de controle, que, no caso da Lei
420 O art. 54, caput, define o contrato de adesão, enquanto o § 3.º estabelece que “os contratos de
adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor” (itálicos nossos), e o § 4.º dispõe que “as cláusulas que implicarem limitação de direitos do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão” (itálicos nossos). Estas duas últimas disposições legais, como se deduz claramente do seu teor, impõem ao predisponente das condições gerais do contrato os requisitos da compreensibilidade e da perceptibilidade. Não estabelece sanção expressa para o descumprimento desses requisitos, a exemplo da norma do art.46, como já apontamos, que é a não-obrigatoriedade dos contratos celebrados em desrespeito ao nela estabelecido, vale dizer, a ineficácia desses contratos.
232
alemã, a um controle judicial, que declarará ineficazes as cláusulas abusivas
eventualmente existentes nas cláusulas contratuais gerais aceitas.
A nosso ver, os contratos de adesão celebrados sem observância do estabelecido
nos §§ 3.º e 4.º do art. 54 são ineficazes, porque contrariam expressamente
disposições legais. Adotando-se outra linha de raciocínio, da qual não concordamos,
poderia se afirmar que as cláusulas que foram redigidas em desacordo com o
estabelecido nesses dispositivos legais, por serem prejudiciais ao consumidor,
seriam nulas de pleno direito. O fundamento dessa nulidade pode ser buscado no
art. 51 do CDC, inciso XV, que considera nulas, de pleno direito, as cláusulas que
“estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor”, vale dizer, de
acordo com as norma que integram o sistema de defesa do consumidor, constituído,
fundamentalmente, pelo microssistema do Código de Defesa do Consumidor; ou no
inciso IV, que estabelece que são nulas, de pleno direito, as cláusulas que sejam
incompatíveis com a boa-fé.
Só que, esses fundamentos, invocados para defender a nulidade, dizem respeito ao
controle de conteúdo, não ao controle de incorporação. Por isso entendemos que o
caso é de ineficácia da cláusula em relação ao aderente.
Todavia, não obsta a que se combinem os dois tipos de controle, como revela a
experiência de outros ordenamentos jurídicos.421
Assim, o CDC prevê, portanto, o controle de incorporação ou formação do contrato
de consumo, nos arts. 46 e 54, §§ 3.º e 4.º, para todos os contratos de consumo,
principalmente para aqueles que formam a sua maciça maioria, que são os contratos
concluídos por adesão a cláusulas contratuais gerais predispostas. Ao lado desse
controle, disciplina o controle de conteúdo das cláusulas integrantes dos contratos
de consumo, como vimos no Capítulo 4 deste trabalho.
421 Cabe falar de uma particularidade em termos de comparação da legislação espanhola com a
brasileira. A LCGC espanhola estabelece, como sanção, que as cláusulas predispostas que não preencham os requisitos de incorporação não se incorporam aos contratos (vide art. 7.º, caput), enquanto a brasileira indica a sanção da não-obrigatoriedade das cláusulas contratuais que não atendam aos mesmos requisitos de incorporação (art. 46). É só uma questão de semântica, pois, em termos práticos, a não-incorporação ao contrato (de que fala a lei espanhola) e a não-obrigatoriedade dos contratos de consumo (de que trata a lei brasileira) têm o mesmo efeito, que é a ineficácia das cláusulas contratuais nessas condições. Tanto assim é que a LCGC espanhola, no Capítulo II, determina a ineficácia, por não incorporação, das cláusulas que não reúnam os requisitos necessários à sua incorporação ao contrato.
233
Apesar de o Código Civil de 2002 não fazer previsão detalhada sobre o
procedimento de formação dos contratos de adesão, muito menos sobre alguma
espécie específica de controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais, nem por
isso os futuros aderentes das relações civis (ou não de consumo) estarão
desprotegidos.
Nunca é demais lembrar que há também no Código Civil o dever de transparência,
oriundo do dever geral de boa-fé (CC, art. 422) que pautará o predisponente na
elaboração e oferecimento das cláusulas contratuais gerais. Como afirmamos, não
há mais dúvidas que a boa-fé estudada nos contratos é a objetiva, um standard, um
dever imposto às partes para agirem de acordo com determinados padrões (de
correção, lisura, honestidade, transparência etc.) socialmente recomendados. É
denominada boa-fé, lealdade ou confiança,422 adjetivos que realçam o escopo desse
princípio: a tutela das legitimas expectativas da contraparte, para a garantia da
estabilidade e segurança das transações, que será assegurado com o mínimo de
conhecimento do aderente. Por isso entendemos que mesmo nas relações civis, há
o direito do aderente a uma cognoscibilidade prévia, não podendo este ser alvo
surpresa, ainda que sejam características das cláusulas contratuais gerais a
unilateralidade, predisposição, generalidade, abstração e rigidez.
Há que ser lembrado, ainda, que no âmbito do Código Civil, o direito à informação
assume relevância para configurar o dolo negativo praticado por um dos
contratantes, nos termos do art. 147 do Código Civil: "Nos negócios jurídicos
bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela
o negócio não se teria celebrado". Por isso, segundo RENAN LOTUFO423 que "tem-
422 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. p. 136. 423 LOTUFO, Renan. Código civil comentado. v. 1. p. 403. ("Para se obter a correta qualificação
necessária se faz o exame do contexto relacional de uma situação dada, e aqui, no art. 147, temos clara a imposição do dever de não silenciar, do dever de comunicar. Decorrente dessa visão geral, precedente à referência especifica ao artigo, tem-se os deveres de informação no âmbito contratual, que são não só relevantes na fase pré-negocial, como na fase de execução, e, no mais das vezes o de abstenção, ou de sigilo na pós-contratual. A caracterização é efetivamente de dever e não de ônus, conforme as lições de CANARIS e F. BYDLINSKI, dois dos maiores civilistas contemporâneos, muito referidos por PAULO DA MOTA PINTO, e sem suas obras de direito privado traduzidas dentre nós. Refere em nota de rodapé o autor português, que os mestres, alemão e austríaco, vêem um dever porque a violação leva a uma responsabilidade pelo interesse contratual positivo. Em hipóteses outras pode-se ter a configuração de ônus de não manter o silêncio. O silêncio referido no artigo em exame é o intencional, que a doutrina refere como sendo o dolo por omissão, ou dolo negativo, o qual proporciona vício ao consentimento não pela conduta ativa do agente, mas por sua reticência maliciosa".
234
se os deveres de informação no âmbito contratual, que são não só relevantes na
fase pré negocial, como na fase de execução, e, no mais das vezes o de abstenção,
ou de sigilo na pós-contratual".
A grande questão fica em saber qual é o efeito civil da quebra do dever de
transparência (oriundo da cláusula geral de boa-fé) das cláusulas contratuais gerais
nos contratos individuais. Em nosso entender, caso o aderente comprove que não
teve condições de tomar ciência de uma cláusula contratual geral, ou comprovando
que esta cláusula contratual geral não é de uso corrente (o que gera, assim, seu
desconhecimento), por não estar previsto no rol do art. 166 e 167 do Código Civil,
esta deverá ser considerada ineficaz em relação a este, sofrendo os efeitos de uma
proposta não feita (CC, art. 427).424 Obviamente que, se a cláusula contratual geral
estipular renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio, esta será considerada nula, pela própria redação do art. 424 do Código
Civil.425
424 Consta do § 3º da AGB-Gesetz a proibição de cláusula surpresa, determinando que "não se
tornam parte integrante do contrato as cláusulas incluídas em condições gerais dos contratos que, de acordo com as circunstâncias e especialmente segundo a aparência externa do contrato, são tão invulgares que o aderente não deve contar com elas".
425 De certa forma, consta do Projeto-lei n. 6.960/2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, uma tentativa de controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais: "os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo aderente" Esta proposta foi vetada pelo Deputado Vicente Arruda sob a seguinte justificativa: Art. 423 – É desnecessário definir contrato de adesão e estabelecer que eles devem ser redigidos em termos claros e que suas cláusulas serão interpretadas de maneira mais favorável ao aderente, pois tudo isto já foi definido pela doutrina, jurisprudência e legislação (Código de Defesa do Consumidor). Pela manutenção do texto que dispõe que as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas em favor do aderente. Pela rejeição."
235
6
INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
6.1 INTRODUÇÃO
A interpretação do direito é costumeiramente apresentada ou descrita como
atividade de mera compreensão do significado das normas jurídicas: ou o intérprete
identifica o significado da norma, ou o determina. Apesar dessas variantes (ato de
conhecimento ou ato de vontade), permanece a idéia fundamental de que interpretar
é identificar ou determinar (= compreender) a significação426 de algo.
Interpretamos o direito, comenta EROS GRAU,427 não somente porque a linguagem
jurídica é ambígua e imprecisa, mas porque interpretação e aplicação do direito
representam uma só operação, de modo que interpretamos para aplicar o direito e,
ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar e compreender os textos normativos, mas
também compreendemos e interpretamos os fatos.428 A interpretação não é mera
compreensão dos textos e dos fatos, vai bem além disso. A interpretação do direito é
constitutiva: partimos da compreensão dos textos e dos fatos, passamos pela
produção das normas que devem ser ponderadas para a solução do caso e finda
426 O estudo da linguagem nos remete necessariamente ao sentido do vocábulo signo. Signo –
unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, tem o status lógico da relação (tipo especial de objetos, designam ou representam outros etc). No signo um suporte físico (palavra falada ou palavra escrita) se associa a um significado (algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada) e a uma significação (noção, idéia ou conceito em nossa mente). (Termos sublinhados – terminologia husserliana – outros autores atribuíram outras denominações). Suporte físico, significado e significação formam pontos da relação triádica que á a idéia do signo. Síntese: A linguagem é um sistema de sinais ou signos, os signos são objetos que indicam ou representam outros objetos. A fumaça é um signo ou sinal de fogo, a cicatriz é sinal ou signo de uma ferida; manchas na pele de um determinado formato são signos de sarampo etc. O processo de comunicação, expresso em linguagem, pode ser definido como uma mensagem transmitida por uma série de signos que possuem uma significação. Para melhor elucidar essa definição, é necessário elucidar o conceito de significação. Significação, de acordo com o autor, consiste na relação entre signo e fenômeno, cuja representação o signo traz à mente humana. A significação pode ser natural ou artificial. Já o significado é sempre artificial, intencional e mais ou menos convencional. A significação é a relação dos signos com os fenômenos e o significado é a relação dos símbolos com aquilo que simbolizam. Ver GUIBOURG, Ricardo. “Qué me dice!” Oraciones, proposiciones y estado de cosas”. Introducion al conocimento científico. Buenos Aires: Editorial Universitaria de Buenos Aires. p. 17-19.
427 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 8. 428 "Descobre-se que a interpretação de um texto não diz apenas com o sentido de cada uma das
palavras, nem mesmo apenas com a significação a ser atribuída a uma seqüência de palavras e frases, mas à significação dessas palavras e frases a partir de um contexto e das funções que a experiência indica ser atribuíveis ao que o texto descreve ou refere". MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. São Paulo: Método, 2005. p. 129.
236
com a escolha de uma determinada solução para este, consignada na norma de
decisão. O texto normativo não se completa no sentido nele impresso pelo
legislador, a completude do texto somente é atingida quando o sentido por ele
expressado é produzido, como nova forma de expressão pelo intérprete. O intérprete
desvencilha a norma de seu invólucro, operando a mediação entre o caráter geral do
texto normativo e sua aplicação particular: "opera a sua inserção na vida”.429
A interpretação, no âmbito da teoria geral dos contratos, não se distancia destas
premissas.430 Mas não podemos tratar da interpretação dos negócios jurídicos sem
constantes incursões na hermenêutica das leis. Particularmente, na interpretação de
um contrato, na verdade, estamos na procura do significado que deve ser atribuído
ao conteúdo deste contrato para, com isso, precisarmos os efeitos jurídicos que ele
deve produzir.
Como afirmamos na Parte II, Capítulo 2, as cláusulas contratuais gerais merecem
uma interpretação peculiar, ao lado da interpretação comum dos negócios jurídicos
aos que se integrarão. As peculiaridades das cláusulas contratuais gerais, pelo
caráter geral, abstrato e rígido, impõem soluções que ultrapassam o âmbito de
interesses individuais das partes diretamente atingidas. Apresentemos, agora, estas
particularidades, o que nos permitirá angariar subsídios teóricos para interpretação
de outros dispositivos do Código Civil de 2002, em especial, do art. 423 e 424.
429 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. p. 27. 430 A interpretação dos contratos apresenta peculiaridades distintas da interpretação da lei. A lei é
predisposta pela autoridade legislativa, o contrato é fruto de acordo das partes. A lei é abstrata e geral, o contrato é concreto e relativo às partes. A lei não depende de consentimento ou aprovação dos destinatários para valer e ser eficaz; o contrato vale e é eficaz a partir do consentimento tido como suficiente. A finalidade da lei é regular interesses coletivos ou públicos, a do contrato a de regular interesses particulares e determinados. A aplicação da lei não leva em conta a intenção de quem a edita, a do contrato tem como fundamental a intenção comum das partes. A lei é uma regulamentação heterônoma, o contrato é uma regulamentação autônoma. Mas, no fundo, a interpretação do contrato e a da lei são idênticas no que tem de essencial, são declarações que se revelam ao direito de forma objetivas sendo irrelevantes os aspectos subjetivos de sua criação.
237
6.2 INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS. BREVES CONSIDERAÇÕES
Interpretação contratual é a operação que viabiliza a cientificação do significado
(juridicamente relevante) do acordo contratual, assegurando o conhecimento do
conteúdo substancial do contrato.431
Para que se fale em interpretação dos contratos, devemos pressupor existência de
contrato,432 bem como uma controvérsia instaurada e não resolvida pelos
contratantes a respeito do conteúdo deste mesmo contrato. Esta controvérsia pode
recair sobre todo o conteúdo (conjunto de cláusulas articuladas que o compõem) ou
sobre apenas parte dele (uma ou algumas cláusulas contratuais). A interpretação
será necessária quando começar o dissenso, não importando mais o querer das
partes, mas o sim o querer do contrato.433
431 BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 377. 432 Operação preliminar da interpretação – verificação da existência do contrato – em primeiro lugar, é
necessário averiguar se o contrato efetivamente está no plano da existência, individualizar todas as cláusulas e as determinações sobre as quais são externadas a comum intenção das partes e em terceiro lugar, esclarecer ou decifrar eventuais expressões idiomáticas ou duvidosas elaboradas pelas partes. CARRESI, Franco. Il contrato. v. XXI. t. II. Milão: Giuffrè, 1987. p. 512.
433 LOTUFO, Renan. Aula Interpretação, na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", na Pós- Graduação em Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Segundo JUDITH MARTINS-COSTA: Os contratos constituem, precipuamente, atos de comunicação, pelo qual as pessoas intentam enquadrar a vida social dos negócios de acordo com os princípios da autonomia privada, da imputação responsável dos próprios comportamentos e da confiança, pressuposto da própria sociabilidade. (MARTINS-COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos contratos". In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p. 131.) Complementa a autora: "Se a teoria da interpretação exposta por Savigny na primeira metade do século XIX pode sobreviver até hoje com um portentoso monumento à atividade intelectiva, isso decorreu de seu ajuste à vida, vale dizer, da genial capacidade do grande jurista para pensar uma estrutura hermenêutica adaptada e adaptável à realidade. É de ajuste à vida, e não de rígidos tipos que trata a atividade hermenêutica. Bem por isso, é que carecemos no mundo dos contratos de uma teoria da hermenêutica contratual ajustada à paradoxal realidade que se conecta a despersonalização conseqüente à globalização com a subjetividade como presença concreta - assim se indicando o eu não independente de particularidades. Para lidar com tão fundo paradoxo o Código Civil oferece o postulado fático-normativo das circunstâncias do caso. Que os intérpretes logrem, pois, atendê-lo, entreouvindo, pelas linhas do sistema, o eco do mundo real, pano de fundo de uma partitura a ser laboriosamente composta entre o Direito e realidade". (MARTINS-COSTA, Judith. "O método de concreção e a interpretação dos contratos". In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.155). Segundo a mesma autora, vivemos hoje o fenômeno da pluralização da subjetividade jurídica, dando motivos para o que a autora chama de concreção contratual. "O contrato são os contratos, empregando-se o mesmo signo lingüístico como fórmula para designar: i) esquemas de ação exclusivamente interindividual, numa lógica econômica individualizadora (tais quais os contratos paritários, fundados no poder de auto-regulamentação e no dever de colaboração); ii) esquemas de ação interindividual e explicáveis, do ponto de vista econômico, numa "lógica de massa" (contratos formados por adesão e em escala massiva, mas admitindo, ainda, certa atenção à subjetividade dos contratantes, como os contratos de fornecimento de certos bens de consumo); iii) esquemas de ação metaindividual,
238
Para interpretação contratual, o intérprete deverá se valer de critérios interpretativos
fixados em lei ou em ditados das regras da experiência. Até mesmo por não ser
objeto central desse trabalho, poderíamos dizer, resumidamente, que esses critérios
filiam-se a duas correntes, denominadas subjetiva e objetiva.434,435
Na chamada interpretação subjetiva, busca-se a intenção comum das partes. É
guiada pelo princípio da investigação da vontade real, mas, ao contrário do que se
pensa, não significa que o Juiz deva se transformar num pesquisador da espera
psíquica das partes,436 nem que a vontade de cada uma delas, ao consentir, tenha
relevância por si só.437 Segundo ORLANDO GOMES,438 este princípio hermenêutico
compreensíveis, economicamente, numa lógica de massa ou grande escala (formado por adesão a condições gerais de negócios, sem considerações relevantes à individualidade dos contratantes, como os contratos bancários); iv) esquemas de ação transpessoal e cuja racionalidade ultrapassa a esfera do indivíduo, só se explicando numa dimensão comunitária (como os contratos de fornecimento de energia elétrica ou os de seguro) ou global (como os contratos firmados no âmbito de grupos, redes, cadeias ou conglomerados empresariais que ultrapassam as fronteiras nacionais). MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133.
434 Importante observar que esta separação é meramente formal, não existindo hierarquia entre estes tipos de interpretação. Esses tipos podem perfeitamente se complementar, prevalecendo um em relação a outro quando muito, em alguns casos.
435 “Na interpretação dos contratos, distingue-se a interpretação subjetiva da objetiva”. “A interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real dos contratantes, enquanto a interpretação objetiva visa a esclarecer o sentido das declarações que continuem dúbias ou ambíguas por não ter sido possível precisar a efetiva intenção das partes. A interpretação objetiva é subsidiária, pois suas regras só se invocam se falharem as que comandam a interpretação subjetiva”. (p. 224-225). “Para cumprir sua tarefa, deve o intérprete examinar o contrato precipuamente do ponto de vista da vontade das partes, como visto. O legislador o ajuda, à medida que dita preceitos interpretativos. Juntamente com as normas destinadas a orientá-lo no sentido de buscar a verdadeira intenção dos contratantes, ditam-se regras para a solução de dúvidas que perdurem após a pesquisa feita para a descoberta da vontade real do contrato em exame. Passa-se, nesses casos, da interpretação subjetiva para a objetiva, sem deixar de reconhecer que as regras desta podem ser aplicadas concomitantemente para ajudar a investigação da intenção das partes”. “Três princípios dominam a interpretação objetiva: 1 – princípio da boa-fé; 2 – princípio da conservação do contrato; 3 – princípio da extrema ratio (menor peso e equilíbrio das prestações)”. GOMES, Orlando. Contratos. p. 227.
436 Segundo EMILIO BETTI: "[...] è tenere per fermo che oggetto d'interpretazione giuridica (come, del resto, ache storica) possono essere soltanto atteggiamenti steriormente riconoscibili nel mondo sociale: non già una <<volontà>>, che sia rimasta mero fatto psicologico, senza darsi un'oggetivazione adeguata, che la renda, per l'appunto, oggetivamente riconoscibile". BETTI, Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. Milão: Giuffrè, 1971. p. 386-387.
437 Para ENZO ROPPO, “a comum intenção das partes não equivale a desenvolver uma tarefa de introspecção mental, não significa individualizar as atitudes psíquicas e volitivas reais e concretas das partes, no momento da conclusão do contrato, sendo que essa exploração psíquica levaria a resultados inconvenientes e arbitrários". ROPPO, Enzo. O contrato. p. 171.
438 GOMES, Orlando. Interpretação do contrato. Cláusula protestativa. Mora e inadimplemento. In: Novíssimas questões de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 321. Explica EMILIO BETTI que, quando falamos em recognicibilidade objetiva, "deve interndersi che gli attegiamenti in questione siano riconoscibili, non già a chicchessia, dovunque e comunque sia, ma dove e come essi avevano rilevanza giuridica in confronto della controparte interessata – quando c'è una controparte
239
é acolhido na maioria das legislações, tendo o intérprete de descobrir a intenção dos
declarantes e não a vontade de cada uma das partes do contrato. Cabe-lhe perquirir
a intenção comum, a vontade contratual, levando em consideração as duas
declarações.
Assim, tem-se que a intenção comum possui, ao menos, duas acepções: i) a
primeira, dita psicológica, identifica a comum intenção na vontade real da parte; ii)
objetiva, identifica a comum intenção no valor objetivo do contrato reconhecível das
congruentes declarações e condutas das partes.439 A interpretação subjetiva seria a
interpretação destinada a fixar a “comum intenção das partes” sobre a base de
declarações e comportamentos imediatamente referidos pelas próprias partes. Para
pesquisar a intenção comum, o intérprete tem a sua disposição algumas regras,
normatizadas ou não.
Na interpretação subjetiva, deve ser respeitada a autonomia privada como uma
possibilidade dos particulares estabelecerem as normas que disciplinarão
determinada relação intersubjetiva, e, desse modo, desdobra-se em preservar a
opção feita pelas partes, mesmo que à luz do interesse público, não seja a melhor
escolha. A princípio, será inadmissível qualquer iniciativa judicial que, a pretexto de
interpretar o contrato, atribua a este um significado não partilhado por nenhuma das
partes, ao argumento de aquele significado ser mais desejável do ponto de vista do
interesse geral. Interpretar um contrato é coisa diversa de modificá-lo.
O art. 112 prescreve que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção
nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".440 Ao se debruçar
sobre um contrato, segundo este dispositivo, deve o interprete investigar a comum
intenção das partes, tomando por base as declarações de vontade, concretizando a
autonomia privada.
Pode acontecer que, não obstante o emprego apropriado deste critério, o intérprete
não consiga reconstruir, de modo adequado, a citada comum intenção das partes
sobre a base de declarações e comportamentos imediatamente referidos às próprias
partes. Daí a necessidade de se recorrer a outros modelos interpretativos, dando ao
o nella cerchia sociale del disponente (quando contraparte non c'è) e in conformità con la struttura tipica del negozio in questione". BETTI, Emilio. Interpretazione dela legge e degli atti giuridici. p. 387.
439 Nesse sentido, ver BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. – Il contratto. p. 388. 440 Ver, por exemplo, Código Civil Francês, art. 1.156, Código Civil italiano, 1.362, BGB § 133.
240
contrato o sentido, entre os expostos em juízo pelas partes, que melhor corresponda
a valores de objetiva sensatez, equidade e funcionalidade, ditos de interpretação
objetiva.441
A interpretação objetiva se apresenta como forma subsidiária de interpretação.
Recorre-se a ela quando a atividade interpretativa subjetiva não produziu resultados
favoráveis e o juiz não conseguiu estabelecer satisfatoriamente a intenção real das
partes. Consiste na adoção de regras para solucionar dúvidas que perdurem após a
exaustão da interpretação subjetiva, tendo como resultado a valoração do acordo
sobre a base de uma valoração normativa.442
Por exemplo, se o art. 112 concretiza a autonomia privada, privilegiando-se a
comum intenção das partes, o art. 113, na medida em que prescreve que "os
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração", concretiza o princípio da boa-fé, que deverá permear todo e
qualquer negócio jurídico, não só como requisito de validade, servindo também de
base para busca de uma justiça contratual. Esta norma impõe a interpretação
objetiva do contrato, para a busca de uma justiça contratual, segundo valores
objetivamente traçados pelo legislador.
A interpretação objetiva integra as lacunas da autonomia privada, supre os modos
deficientes do seu exercício, permite-lhe funcionar, respeitando, todavia, a lógica e o
espírito das suas escolhas.
Trabalhando com a vontade das partes é interpretação, mas se o contrato não
proporciona tais dados, a necessidade de dar solução ao dissídio impele à prática de
um outro tipo de atividade: a integração. Aqui, criam-se novas normas estranhas à
vontade das partes.
É bom lembrarmos que, quanto aos critérios de interpretação contratual, expõe
RENAN LOTUFO,443 não podemos nos esquivar da teoria subjetiva ou abraçarmos a
441 ROPPO, Enzo. O contrato. p. 172.
442 BIANCA, Massimo. Diritto civile – Il contratto. p. 406. 443 Aula "Interpretação", na cadeira "Os contratos e o novo Código Civil", no Pós-Graduação em
Direito Civil da PUC/SP, em 18 de abril de 2006. Ver também LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado, v. 1. p. 309 (Assim, se "F arrendava um quarto de minha casa, ocupando eu o resto da casa. O contrato do novo arrendamento está assim redigido – dei de aluguel a F minha casa por tantos anos e pelo preço do arrendamento antecedente. Não é possível que o locatário pretenda ter alugado toda a casa, porque, ainda que as palavras – a minha casa –, no sentido gramatical signifiquem a casa inteira, não um quarto, é visível que o intuito foi renovar o
241
teoria objetiva (interpretação fiel ao texto da declaração). Devemos sempre apontar
na direção de um critério intermediário, onde avulta a preocupação com a confiança
despertada no destinatário da declaração de vontade, e onde ressalta a
responsabilidade do declarante. Nestes termos, há a conciliação com a idéia que se
deve atender à intenção objetivada e não a uma qualquer intenção, sem qualquer
correspondência com o texto da declaração.
6.3 APLICABILIDADE DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS ÀS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS GERAIS
Visto, ainda que brevemente, os caracteres gerais da interpretação contratual, é
possível agora ingressarmos, propriamente, no tema da interpretação das cláusulas
contratuais gerais.
A interpretação das cláusulas contratuais gerais, enquanto "prius relativamente à
fiscalização do conteúdo”,444 acaba por assumir um relevo decisivo, pois dela
depende a exposição de uma cláusula que, aparentando lisura ou equilíbrio, possa
vir a se revelar merecedora de censura das regras definidoras de abusividade do
conteúdo. Por sinal, antes do aparecimento de modelos positivados de controle, a
interpretação das cláusulas contratuais gerais era estudada propriamente como
modelo ou instrumento de controle oculto de conteúdo, como se vê na
sistematização proposta por GARCIA-AMIGO.445 A interpretação goza de
precedência lógica sobre eventual espécie de controle das cláusulas contratuais
gerais. Ante a ausência de regras específicas sobre o controle das cláusulas
arrendamento do quarto e esta intenção deve prevalecer às palavras do escrito”.). Ainda sobre o embate sobre interpretação subjetiva e interpretação objetiva, vale colacionar os ensinamentos de JUDITH MARTINS-COSTA que, diante das tendências culturais, econômicas, científicas e sociológicas de nosso tempo, conclui: "De tudo resulta um novo modo de pensar-se a hermenêutica contratual. O intérprete não mais – ou não mais apenas – se vê às voltas da "comum intenção" dos contratantes. Cabe-lhe, agora, compreender o ajuste, considerando a racionalidade econômica e estratégica do sistema contratual no qual eventualmente alocados os singulares acordos; atentar para as circunstâncias que ditaram a sua conformação e para a posição concreta dos contraentes, pois o princípio da desigualdade material convive com o da igualdade formal; ter presentes os motivos que ensejaram o ato comunicativo, percebendo, no espírito e na letra do Código Civil, o relevantíssimo papel reservado às circunstâncias do caso".(MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133).
444 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 64.
445 GARCIA-AMIGO, M. Condiciones generales de los contratos. p. 187 ("finalmente, el terceiro y más utilizado medio de control de las condiciones generales abusivas ha sido el de aplicar a favor del adherente algunas de las reglas de interpretación contractual"). Ver também ORLANDO GOMES. Contrato de adesão. p. 114.
242
contratuais gerais, preferia-se lançar mão da técnica interpretativa, permitindo
realizar, por via oblíqua, uma correção do conteúdo do contrato.
A grande questão fica por conta de se saber qual é o tipo de interpretação a que as
cláusulas contratuais gerais estão sujeitas: se a elas se aplicam as regras de
interpretação dos negócios jurídicos ou não. Sobre esta questão, expõe ALMENO
DE SÁ:446
O ponto de partida é o de que a interpretação se deve processar em
conformidade com as regras gerais aplicáveis aos negócios jurídicos, pois
também aqui se trata de encontrar o sentido normativamente vinculante de
uma dada declaração. Por outro lado, a submissão de princípio àquelas
regras parece estar igualmente justificada, porque também aqui não são de
afastar as razões de tutela do tráfico e da confiança do declaratário que
conduzem a uma certa objectivação do processo de descoberta do sentido
decisivo das declarações negociais. O que não significa que não existam
ou não se tenham desenvolvido, neste domínio, regras hermenêuticas
especiais ou ajustamentos daquelas que comummente se aplicam no
âmbito dos negócios jurídicos, em consonância com a especificidade que
aqui se joga, particularmente a circunstância de se tratar de condições
contratuais que não são recortadas sobre uma concreta situação jurídica
para um cliente singular, como sucede nos contratos individuais, mas antes
de condições 'postas' para regular de modo uniforme relações contratuais a
concretizar no âmbito de uma pluralidade de futuros negócios, com um
círculo maior ou menor de potenciais clientes. É neste contexto que surge a
questão de saber se deverá acolher-se um específico princípio de
'intepretação objectiva', próprio do fenómeno das condições gerais do
contrato, ou se não deverá antes propugnar-se o recurso a cânones
hermenêuticos que acentuem a dimensão individualizada do quid
interpretando.
Quando se fala em interpretação objetiva (típica, generalizadora447) das cláusulas
contratuais gerais, deve ser entendida como a interpretação que busca a obediência
a critérios típicos, uniformes ou generalizantes, consagrando, em vez de uma
orientação que atende à diversidade de circunstâncias e momentos do caso
singular, a abstração e a rigidez do fenômeno. Importa neste método interpretar as
446 SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2. ed. p. 65. 447 MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. p. 624; SOUSA RIBEIRO,
Joaquim de Sousa. O problema do contrato: as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 309.
243
cláusulas contratuais gerais em si mesmas, a fim de obter soluções uniformes para
todos os contratos concluídos ou a concluir com base nessas cláusulas, buscando
um sentido da cláusula que venha a constituir como solução geral para a típica e
sempre repetida oposição de interesses que nela se manifestam.
Segundo esta forma de interpretar, as cláusulas contratuais gerais deveriam ser
interpretadas de forma típica, ou seja, de maneira sempre idêntica e sem
consideração ao caso concreto, precisamente porque foram redigidas de forma geral
e abstrata, anteriormente ao nascimento das relações contratuais singulares, das
quais passarão a ser normas reguladoras, assegurando a identidade de sua
interpretação. Aqui, explica EMILIO BETTI,448 parte-se do critério de classificar por
tipos ou classes as declarações ou comportamentos, levando em consideração o
gênero de circunstâncias em que se desenvolvem e a que correspondem, atribuindo
a cada um de tais tipos um significado constante, sem ter conta daquela que no caso
concreto passa ser a efetiva e diversa opinião das partes.
Essa orientação, partiu, fundamentalmente, da doutrina produzida na Alemanha.449
Explica KARL LARENZ:450
Análogos principios son también válidos para la interpretación de las
condiciones generales de contratación. Se trata de cláusulas contractuales
formuladas genéricamente – condiciones de sumistro, condiciones de
pago, especificaciones sobre garantía, responsabilidad por daños y
perjuicios, efectos de la demora y otras análogas que modifican la
regulación legal – en que un empresario en particular o todos los
empresarios de un determinado ramo acostumbran a basar todos los
negocios concluidos por ellos con sus clientes. Tales contratación no son,
ciertamente, Derecho Objetivo, por lo general obtienem validez jurídica
debido solamente a que pasan a ser parte integrante de un contrato en
particular mediante una referencia en las declaraciones contractuales. No
obstante, son una parte integrante de orden muy peculiar: no están
estipuladas para el caso particular de que se trate, sino que, conforme a la 448 BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.
406 ("L'interpretazione tipica parte, invece, dal criterio di classificare per tipi o classi le dichiarazioni e i comportamenti, avendo riguardo al genere di circunstanze in cui si svolgono e a cui rispondono, e a ciascuno di tali tipi attribuisce un significato costante, senza tener conto di quella che nel caso concreto può essere stata la effetiva, diversa opinione delle parti").
449 Citando ULMER e URSULA STEIN, que se pronunciam contra uma interpretação das ccg conforme os acordos individuais, ver SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310.
450 LARENZ, Karl. Derecho civil – parte general. p. 468.
244
voluntad de quien de ellas se sirve, deben ser válidas de forma siempre
invariable para una pluralidad indeterminada de casos. [...] Ello hace que se
excluya a su vez en su interpretación la consideración de las circunstâncias
que eran conocidas o podían ser conocidas solamente por el cliente en
cuestión [...].
Por outro lado, a chamada interpretação individual das cláusulas contratuais gerais
se volta, ao contrário, às representações individuais dos contraentes. Faz-se
prevalecer o sentido resultante da individualização da relação contratual, atendendo-
se, de forma determinante, às circunstâncias próprias do dado contrato. Considera,
portanto, declarações e comportamentos na sua específica concretude, tendo em
conta as circunstâncias individuais do caso.451 Por isso, as cláusulas contratuais
gerais deveriam se submeter a idênticas regras interpretativas do negócio jurídico
contratual.
Essa foi a opção de Portugal, como se lê no art. 10 do Decreto-lei n. 4.46/1985, que
prescreve que "as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de
harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios
jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se
incluam". Sobre a opção portuguesa, comentam MARIO JULIO DE ALMEIDA
COSTA e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:452
O princípio geral estabelecido para a interpretação e a integração das
cláusulas contratuais gerais é o da aplicação das regras relativas à
interpretação e integração dos negócios jurídicos, genericamente versadas
nos artigos 236 e seguintes do Código Civil [...]. Salienta o trecho final do
preceito um aspecto da maior importância: a interpretação e a integração
das cláusulas contratuais gerais devem fazer-se sempre dentro do contexto
de cada contrato singular em que incluam. Recusou-se a possibilidade de
interpretações ou integrações realizadas na base exclusiva das próprias
cláusulas contratuais gerais, dando-se prevalência a uma justiça
individualizadora. As circunstâncias concretas dos contratos singulares
podem, de facto, levar a resultados interpretativos ou integrativos diferentes
dos propiciados por elencos abstractos de cláusulas, permitindo uma
justiça material mais apurada.
451 BETTI, Emilio. Interpretazione Della Legge e Degli Atti Giuridici: Teoria Generale e Dogmática. p.
405. 452ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.31.
245
Em atualização ao seu Tratado, reafirma ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO:453
Esse preceito [art. 10 da LCCG] revela a dois níveis: impede as próprias
cláusulas contratuais gerais de engendrarem outras regras de
interpretação; remete para uma interpretação que tenha em conta apenas o
contrato singular. Ambos os aspectos são importantes: o primeiro por ter
conteúdo dispositivo próprio; o segundo, por cortar cerce uma dúvida bem
conhecida da doutrina especializada e que se prende com o perpétuo
confronto entre as tendências generalizadora e individualizadora da justiça:
a tendência generalizadora exigiria que as cláusulas contratuais gerais
fossem interpretadas em si mesmas, sobretudo quando surjam completas,
de modo a obter soluções idênticas para todos os contratos singulares que
se venham a formar com base nelas; a individualizadora, pelo contrário,
abriria as portas a uma interpretação singular de cada contrato em si, com
o seguinte resultado, paradoxal na aparência, as mesmas cláusulas
contratuais gerais poderiam propiciar, conforme os casos, soluções
diferentes. O artigo 10 da LCCG aponta para a segunda solução.
Não é sempre que encontramos regras positivas específicas sobre a interpretação
das cláusulas contratuais gerais, como no caso da lei portuguesa. Por isso, onde
não há prevalência expressa por uma ou outra corrente, faz-se funcionar a regra da
interpretação mais favorável à contraparte do predisponente (ao aderente), existente
no art. 1.370 do Código Civil italiano, bem como em outros ordenamentos,454 o que
453 Tratado de direito civil português. v. I, t. I. p. 625. No mesmo sentido ver SOUSA RIBEIRO,
Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310.
454 A regra da interpretação favorável ao aderente é originada de um antigo cânon do direito romano que, adaptado às vicissitudes do direito atual foi sintetizado na expressão interpretatio contra stipulatorem . Citando SALVATORE DI MARZO, PAULO LUIZ NETTO LÔBO dá a notícia que esta regra tem origem em três fragmentos do Digesto, atribuídos aos jurisconsultos Labeão, Papiniano e Ulpiano (D. 18,1,21: Labeo scripsit obscuritatem pacti nocere potius debere venditori qui, id dixerit quam emptori, quia potuit re integra apertius dicere; D.2, 14,39, de Papiano: Veteribus placet pactionem obscuram vel ambiguam venditori et qui locavit nocere in quorum fuit potestate legem apertius conscribere; D, 45,1,38,18, de Ulpiano: In stipulationibus cum quaeritur, quid actum sit, verba contra stipulatorem interpretanda sunt.). Condições Gerais dos Contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 138. Outros ordenamentos que também se valeram dessa prescrição: Codigo Civil francês (art. 1.162), Código Civil espanhol (art. 1.288), Código Civil italiano (art. 1.370), Código Civil panamenho (art. 1.139), Código Civil uruguaio (art. 1.304), Código Civil portoriquenho (art. 1.240). Código Civil de Quebec (art. 1.432), Código Civil russo (art. 428). O texto dos princípios do UNIDROIT (relativos aos contratos de comércio internacional) contém uma norma referida a este princípio (art. 4.5) que dispõe: “Se as cláusulas de um contrato ditadas por uma das partes não são claras, se preferirá interpretação que prejudique que prejudique aquela parte”. A Diretiva n. 13/1993 da Comunidade Européia também tem esta disposição (art. 5.º), o Decreto n. 446/1985 de Portugal (art. 11 – Cláusulas Ambíguas), a Lei espanhola sobre as cláusulas conratuais gerais (7/1998) também tem a mesma regra (Artículo 6. Reglas de interpretación. 1. Cuando exista contradicción entre las condiciones generales y las condiciones particulares específicamente previstas para ese contrato, prevalecerán éstas sobre aquéllas, salvo
246
foi repetido no Código Civil Brasileiro, no art. 423: "quando houver no contrato de
adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação
mais favorável ao aderente". Trata-se de um auxiliar hermenêutico, cujo sentido se
traduz, substancialmente, em fazer prevalecer os interesses do aderente sobre os
interesses do predisponente. Esta prevalência radica na idéia de que seria justo
responsabilizar o predisponente pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por
ele predispostas, introduzidas unilateralmente no regramento contratual, sem
influência da outra parte, cabendo-lhe, portanto, suportar o risco de uma possível
ambigüidade. Seria uma forma de compensação no sentido de que aquele que retira
vantagens da predisposição, deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta
de clareza das formulações utilizadas.
A grande questão neste capítulo fica por conta de saber qual dessas correntes
devemos aplicar no Brasil, levando-se em consideração a interpretação das
cláusulas contratuais gerais.
Em primeiro lugar, entendemos que nenhum desses critérios de interpretação pode
ser, a priori, desprezado. De fato, como afirmamos no curso do trabalho, as
cláusulas contratuais gerais possuem características próprias, mas não podemos
ignorar que, mais cedo ou mais tarde, elas terão eficácia dentro de uma relação
contratual individual que, ao mesmo tempo, não poderá ser desprezada.
Para a continuidade do tema, entendermos ser útil a separação em fases para o
estudo e aplicação de um processo de interpretação das cláusulas contratuais
gerais. Em primeiro lugar, analisemos as cláusulas contratuais enquanto
predispostas para, somente depois, em um segundo momento, tratarmos destas
enquanto inseridas em um dado contrato individual. Há, assim, que separar duas
fases: a da elaboração das cláusulas, que antecede e abstrai dos contratos que
venham futuramente a se celebrar; e a da celebração de cada contrato singular, isto
é, a fase em que se celebra efetivamente o contrato com alguém, em que constitui a
que las condiciones generales resulten más beneficiosas para el adherente que las condiciones particulares. 2. Las dudas en la interpretación de las condiciones generales oscuras se resolverán a favor del adherente. 3. Sin perjuicio de lo establecido en el presente artículo, y en lo no previsto en el mismo, serán de aplicación las disposiciones del Codigo Civil sobre la interpretación de los contratos). O BGB reformado manteve esta regra em seu corpo, no § 305c.
247
relação contratual, em que se conclui o contrato dito de adesão e que integra
aquelas cláusulas.455 A primeira fase seria estática, a segunda, dinâmica .
6.3.1. Interpretação das cláusulas contratuais gerais enquanto predispostas,
antes de estar inseridas em contratos individuais
Enquanto predispostas, sem estar inseridas em um contrato individual, as cláusulas
contratuais gerais existem, não exercendo, todavia, a eficácia a que foram
programadas.
Vimos no curso do trabalho que as cláusulas contratuais gerais se formam em
momento anterior, antes mesmo da formação do contrato de adesão. O ato de
predispor as cláusulas contratuais gerais não pode ser considerado um ato
destituído de juridicidade. No momento em que são editadas pelo predisponente e
eventualmente registradas (ex.: escritura declaratória de normas gerais de um
shopping center456 para os futuros lojistas) para integrarem os contratos de adesão
que eventualmente serão concluídos, foi dada publicidade a um ato cuja existência
jurídica é inquestionável, embora dependente de eficácia concreta.
Como dissemos, a maior parte da doutrina, que normalmente confunde cláusula
contratual geral com o próprio contrato de adesão, conclui por considerar aqueles
clausulados predispostos, antes da integração, de se inserirem no contexto de um
contrato individual como irrelevantes jurídicos. Para aqueles que adotam essa
postura, a elaboração das cláusulas contratuais gerais não mereceriam sequer
interpretação, eis que aquele ato representaria puro fato interno do proponente, de
forma que sua transcendência jurídica somente começa a partir do momento em que
passa a ser conteúdo das declarações contratuais de vontade, o que não é verdade.
A formação das cláusulas contratuais gerais antecedem a formação do próprio
contrato, e não podem ser consideradas como fatos destituídos de juridicidade.
As cláusulas contratuais podem existir, ser válidas e nunca produzir efeitos, caso
nenhum contrato de adesão venha a ser concluído. O fato é que, quando elaboradas
pelo predisponente, elas existem, mesmo que não exista (ou que esteja formado) o
contrato de adesão. 455 MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e
soluções. Revista trimestral de direito civil, ano 2. v. 7, p. 7, jul./set. de 2001. 456 Exemplo dado por LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas.
p. 35.
248
A maior prova de existência jurídica das cláusulas contratuais gerais (independente
do contrato de adesão, portanto) é a possibilidade de seu controle administrativo e
judicial preventivo e abstrato, ou seja, antes mesmo de serem inseridas em um
contrato individual. Vimos a importância deste controle no curso da exposição.
E nessa primeira fase, em que as cláusulas contratuais gerais ainda encontram-se
predispostas, mas sem estarem inseridas em um contrato individual, entendemos
que devem ser aplicadas as regras de interpretação típica, devendo se respeitar, em
sua inteireza, a abstração, generalidade, uniformidade e rigidez das cláusulas
contratuais gerais predispostas. Caso uma das cláusulas seja eliminada, deve se
averiguar a pertinência da subsistência das demais. Ainda que neste momento as
cláusulas predispostas sejam consideradas um negócio jurídico unilteral, o intérprete
deve ter em conta o aderente típico, o contratante indeterminado normal, para que
se avalie a repercussão e a danosidade daquelas cláusulas para a sociedade como
um todo.
Tal como a lei, as cláusulas contratuais gerais são voltadas a regular uma
pluralidade indeterminada de casos futuros, não importando as circunstâncias
individuais em que se tornaram conteúdo de um contrato no caso concreto.
Se as regras de interpretação dos contratos têm como objeto o acordo, pressupondo
que o contrato seja concluído entre as partes e que tenha tido dissenso sobre seu
conteúdo, estas não se aplicam, nesta fase, às cláusulas contratuais gerais, por
possuírem existência distinta do negócio jurídico a que serão integralizadas.
Nas cláusulas contratuais gerais não temos interesse comum das partes, tal como
preconizado no art. 112 do Código Civil. A vontade do futuro aderente não exerce
qualquer influência na predisposição e nem pode impedir a integralização daquelas
cláusulas no dado contrato, a não ser que não as aceite integralmente. As cláusulas
contratuais gerais se dirigem uniformemente à generalidade dos contratos, de forma
abstrata, não sendo possível a obtenção de uma vontade ou intenção comum dentro
do espectro dos possíveis contratantes.457
457 "Esse fato, de a declaração negocial do estipulante, integrada por cláusulas negociais gerais, tal
como a lei, dirigir-se à coletividade, para a adesão dos que queiram contratar, logo revela que não importam, aqui, pelo menos em regra, as circunstâncias individuais ligadas à pessoa do destinatário. Isso quer dizer, em outras palavras, que não há que resolver, pelo menos em princípio, conflitos de interesses entre dois sujeitos de uma relação jurídica determinada, mas entre o estipulante das condições gerais e todos os outros sujeitos com quem, por força da
249
Ao que parece, foi essa a motivação da Diretiva Européia sobre cláusulas abusivas
(n. 13/1993) que, no art. 5.º, mesmo prescrevendo a aplicação da regra interpretatio
contra stipulatorem, deixa claro que esta regra não é aplicável no âmbito dos
processos de controle abstrato (ação inibitória do art. 7.º), até porque, nesta fase,
não existirão aderentes ou contratos individuais para que se favoreça esta ou aquela
parte. No contexto de processos de controle abstrato, não estarão em causa
cláusulas individuais, mas cláusulas contratuais gerais em seu estágio típico, voltado
a uma utilização generalizada.
Apesar de não fazer esta divisão por nós adotada, vale aqui as considerações feitas
por PAULO LUIZ NETTO LÔBO,458 para quem a interpretação típica é aplicada
incondicionalmente, em qualquer fase da existência das cláusulas contratuais gerais:
Os caracteres da interpretação contratual revelam sua inaplicação às
condições gerais. Nestas, não há vontade ou declaração comum. A
vontade ou a declaração do aderente não representa qualquer papel, não
contribui para a predisposição nem pode impedir a integração do contrato.
As condições gerais não são declarações formadoras do contrato. Não
participam da existência e da validade do contrato em si. Sua integração ao
contrato é apenas no plano da eficácia. O contrato existe, é válido, mas
seus efeitos estão delimitados pelos efeitos das condições gerais
predispostas. As condições gerais dirigem-se uniformemente à
generalidade dos contratos individuais que vierem a ser concluídos. É
inconcebível obter-se uma vontade ou intenção comum de todos os
contratantes aderentes em conjunto (atuais e potenciais). Haveria
possibilidade de investigar-se a intenção comum se as condições gerais
integrassem a oferta, mesmo como oferta ao público, e pudessem ser
objeto de acordo, de negociação em cada contrato individual. [...] A
pesquisa da intenção comum nas condições gerais conduziria a ressaltar a
vontade única do predisponente, sobretudo quando a simples interpretação
literal fosse considerada suficiente para resolver o conflito de interesses.
[...] A interpretação das condições gerais aproxima-se dogmaticamente da
declaração de aceitação destes, na forma de adesão ao conteúdo contratual, aquele firma relações jurídicas, sem prejuízo de poder havê-los também entre o estipulante e cada contratante singular, isto é, individualmente considerado. O que quer dizer que o contrato de adesão visa realizar uma composição de interesses entre, não apenas dois sujeitos de uma relação jurídica determinada, mas entre um sujeito, o estipulante, por um lado, e uma pluralidade de sujeitos, por outro lado, de relações jurídicas que se vão determinando à medida em que eles, por uma declaração de aceitação, aderem ao conteúdo contratual". MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 236.
458 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 129.
250
interpretação da lei. Mas a lei independe de qualquer pressuposto para ser
eficaz, isto é, incide automaticamente sobre o suporte fático por ela
previsto toda a vez que ela se concretiza. A lei e as condições gerais são
abstratas e gerais. No entanto, a primeira é editada por autoridade
legislativa competente e persegue interesses públicos, e as condições
gerais são pelo próprio interessado nos seus efeitos.
Assim, para a interpretação das cláusulas contratuais gerais se aplicam critérios
especiais que, de alguma forma, busquem dirimir conflitos de interesses que se
reproduzem na série de contratos em que são inseridas.459 No objeto de análise do
intérprete não há, neste período, aderente concreto, devendo ter como parâmetro
apenas o aderente abstrato a que se destinam as cláusulas contratuais gerais,
tomando em conta a conduta que se presume seja adotada por qualquer pessoa
(parte) que ingresse naquele programa predeterminado.
6.3.2 Interpretação das cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de
adesão. O art. 423 do Código Civil
Se fôssemos analisar estaticamente o fenômeno, o estudo sobre interpretação das
cláusulas contratuais gerais poderia ser encerrado no tópico anterior, enquanto
estas, em sua pureza e autonomia, ainda não estão inseridas em um contrato.
Poderia parecer que, daí em diante, seria um problema dos estudos sobre o contrato
de adesão, e não mais dos das cláusulas contratuais gerais. Mas isso seria ignorar a
dinâmica460 do estudo e a fase mais importante das cláusulas contratuais gerais,
459 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão:
Giuffrè, 1961. p. 806. 460 CARNELLUTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Ed. Lejus, 2ª reimpressão, 2000. p.
35. Ver ainda SCARPINELLA BUENO, Cássio. Execução provisória e antecipação da tutela: conserto para a efetividade do processo. Nele o autor enfatiza, com palavras singelas e exemplos ilustrativos, o caráter dinâmico do direito, fenômeno que não pode ser esquecido por aquele que faz ciência. A transcrição se faz obrigatória, não só pela clareza e pela riqueza das reflexões contidas no texto, mas também como forma de dividir com o leitor a profunda admiração que sinto pelo citado autor: “Os textos legais são meras representações gráficas de ordens de conduta na sociedade, aptas a regular relações intersubjetivas. Diferentemente, as anotações doutrinárias e jurisprudenciais em uma lei são, assim como a música que ouvimos, interpretações. E, como toda interpretação, sujeita a um momento específico, que é a combinação de vários e diversos elementos — voluntários ou involuntários — interagindo sobre ela. Resultado dessa combinação e interação de elementos? Diferenças e distinções de resultados em igual proporção às interpretações. Embora possam ter muito em comum, os “Códigos” e as “leis” editados por esta ou aquela editora, anotados ou coordenados por este ou aquele autor, não são a lei. Mais do que isso, é um erro tomarmos este ou aquele “Código” como sinônimo da lei que queremos conhecer. Mesmo, repito, o texto da lei publicada no Diário Oficial. Aí se lê sua mera representação. A lei não está no “Código” e não está no Diário Oficial. Evidente: a importância dessas “representações gráficas” para o sistema de direito brasileiro — escrito — é essencial e indesmentível. No entanto,
251
qual seja, quando efetivamente ganham eficácia no mundo jurídico, em uma relação
individualizada.
Como já dissemos, as regras de interpretação dos contratos têm como objeto o
acordo, pressupondo que o contrato seja concluído entre as partes e que tenha tido
dissenso sobre seu conteúdo. Dissemos ainda no curso do trabalho que as
cláusulas contratuais gerais são estipulações redigidas, prévia e unilateralmente,
pelo proponente, para utilização reiterada em uma série indeterminada de futuros
contratos singulares, cujos destinatários limitar-se-ão a aceitá-las em bloco, sem
essas representações simplesmente não são a própria lei e, mais amplamente, não são o próprio direito. E o exemplo que colhi nos idos de meu quinto ano da faculdade é, ao menos para mim, a demonstração inequívoca do acerto dessa conclusão. Tanto quanto cada sinfonia que escuto com aquele maestro e que me revela um ponto seu diferente. Tudo graças à interpretação da obra ou do objeto que se pretende conhecer. A lei e o direito, assim, dependem de sua interpretação para se realizarem. É nesse sentido que me tenho preocupado em encarecer o que estou denominando estática e dinâmica do ordenamento jurídico. A estática corresponde ao sentido literal do texto normativo, à compreensão de sua representação gráfica no Diário Oficial ou no “Código” que se compra na livraria. É aquilo que se lê e que se interpreta com obediência às regras gramaticais. Em suma, a primeira forma de contato com a lei. Já que somos operadores do direito (não creio que não-operadores do direito um dia pretendam ler esta introdução), é obrigação, para conhecermos um texto de lei, ao menos, lê-lo, decifrando o que sua representação gráfica significa. É o mínimo que se pode fazer. Acredito que por causa da dinâmica do direito que, ao meu ver, nada mais pretende ser do que o direito aplicado ao caso concreto, de acordo com as características de cada caso concreto, para curar os interesses do caso concreto, valorados estes (os interesses) e aquelas (as características) pelo intérprete. É a lei e o direito interpretados. E a dinâmica do direito não é o resultado de uma leitura, de um julgado, de uma conclusão. É, antes, o conjunto de todos esses fatores. Por isso nem sempre o que se lê no texto legal corresponde ao que ocorre na jurisprudência deste ou daquele outro tribunal. É o direito vivo, que se vive, que se experimenta, que se sente na sociedade: é o direito interpretado.[...] Talvez tudo isso só seja mera e insignificante conseqüência de observação que não é estranha a ninguém: o direito é daquelas matérias que se denominam humanas – ciências humanas – e que, em função de sua própria natureza, exclui, aprioristicamente, um certo ou um errado.Não digo que não seja assim. Ao contrário, é este o ponto que mais encareço nas oportunidades que tenho de referir-me ao tema. Precisamente em função dessa característica é que a distinção entre a estática e a dinâmica é fundamental. Trata-se, em verdade, da utilização de instrumentos inafastáveis de trabalho para pesquisa de um mesmo objeto, seja ele notas em uma partitura – mera representação gráfica da música –, seja ele textos de lei – mera representação gráfica de ordens de conduta intersubjetivas –, seja a combinação de ambos [...] Em consideração que tem de aplicar-se ao direito, ‘As artes da humanidade podem ser classificadas de diversas maneiras. Por exemplo, podemos dividir as artes em visuais (pintura, escultura, arquitetura, mímica), auditivas (música, declamação) e as que dependem da combinação das duas anteriores (retórica, teatro, ópera e balé). Ou, também, podemos distinguir as artes entre as que são criadas em definitivo (escultura, arquitetura, cinema) e as que precisam ser recriadas para serem vividas – assim, cada apresentação de uma peça de teatro, de uma dança ou de uma peça musical são fenômenos únicos, que podem ser similares a outras apresentações da mesma obra, mas que jamais serão idênticos entre si’. Como bem acentua Eros Grau: ‘É do presente, na vida real, que se toma as forças que conferem vida ao Direito – e à Constituição. Assim, o significado válido dos princípios é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente’. E citando, em seguida, Von Ihering: ‘Não é, pois, o conteúdo abstrato das leis, nem a justiça escrita no papel, nem a moralidade das palavras, que decidem o valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, a energia, por meio da qual o que é conhecido e proclamado, como necessário, se atinge e executa – eis o que consagra ao direito o seu verdadeiro valor’.” SCARPINELLA BUENO, Cassio. Execução provisória e antecipação da tutela: conserto para a efetividade do processo. p. 1-4.
252
nenhuma possibilidade de alterar o seu conteúdo. Visam, na verdade, moldar a
vontade461 dos intervenientes nos negócios jurídicos a que as mesmas respeitam.
Estes intervenientes, subscrevendo-as, como proponentes, ou aceitando-as, como
destinatários, assumem posições negociais. São cláusulas contratuais pré-
elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha.
Apresentam-se de maneira generalizada, ou seja, podem ser utilizadas por pessoas
indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários. Por fim,
apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes,
sem possibilidade de alterações. São atos normativo-negociais, levando em
consideração o caráter heterônomo destas.
Por mais que nosso plano de análise esteja agora voltado para um contrato
específico - uma vez que este clausulado predisposto faz parte agora de um contrato
- por mais que adotemos as regras da interpretação deste negócio jurídico, em que
os contraentes não são mais abstratos,462 as características essenciais do conceito
das cláusulas contratuais gerais (predisposição; unilateralidade; abstração e
inalterabilidade), bem como suas peculiaridades não poderão ser desprezadas nesta
segunda fase (dinâmica), agora quando inseridas em um contrato.
Só não falaremos mais em abstração no sentido de desconsiderar a existência de
um contrato e da outra parte, que exerce vontade contratual463 e agora, em caso de
ambigüidade e contrariedade, deverá ser favorecida. Mas isso não quer dizer que
deve ser abandonada a idéia de se continuar interpretando este contrato de adesão
em obediência a critérios típicos uniformes e generalizantes. Podemos até falar na
existência do sujeito concreto,464 já que estamos diante de um contrato. Todavia,
para fins de interpretação, o parâmetro continuará sendo a conduta daquele homem
típico, ou, segundo a legislação portuguesa, será o do contratante indeterminado
que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de
aderente real (Decreto-lei n. 446/1985, art. 11), que se presume seja adotada
461 Expressão usada por MARIO JULIO DE ALMEIDA COSTA E ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO.
Cf. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais – anotação ao Decreto-lei n. 446/1985, de 25 de outubro. p. 2.
462 BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). Em Realtà sociale ed effettività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002. p. 539.
463 Ainda que mínima, é bem verdade. No entanto, pode se arrepender. (CDC, art. 49). 464 Contra: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1991, p.132.
253
razoavelmente por qualquer pessoa que ingresse na qualidade de contratante
daquele determinado serviço ou bem oferecido. Este dispositivo comprova que,
mesmo optando por uma interpretação individualizada da cláusula contratual geral, a
legislação portuguesa não abandona por completo as características das cláusulas
contratuais gerais após a sua inserção em contratos individuais.
Por mais que não exista norma expressa no mesmo sentido que o artigo 10 do
Decreto-lei n. 446/1985 Português, entendemos que, inseridas em um contrato, as
cláusulas contratuais gerais deverão ser interpretadas e integradas de harmonia
com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos.465
Todavia, por mais que as representações individuais dos contraentes passem a ser
consideradas, isto não significa que, dentro da interpretação do contrato de adesão,
devemos buscar a declaração de vontade tal como preconizada pela interpretação
subjetiva, mas sim segundo uma valorização normativa, que atenda as
peculiaridades do ato de predisposição e a abstração das cláusulas contratuais
gerais, com o fim de se garantir a segurança do tráfico jurídico, impedindo
subjetivações e flutuações de sentido.
Enquanto disposições contidas em um contrato (ainda que referidas), a interpretação
das cláusulas contratuais gerais deverá observar as regras gerais de interpretação
dos contratos, sem olvidar, todavia, as características peculiares deste fenômeno,
todo o contexto jurídico, social e econômico pela qual foram predispostas.
Segundo PAULO LUIZ NETTO LÔBO:466
[...] As condições gerais, além do caráter de generalidade, são abstratas e
prosseguem sendo abstratas quando integrados seus efeitos aos contratos.
Sua interpretação é uniforme, idêntica, a todos os contratos, não se
particulariza. [...]. A pesquisa da intenção comum, nas condições gerais,
conduziria a ressaltar a vontade única do predisponente, sobretudo quando
a simples interpretação literal fosse considerada suficiente para resolver o
conflito de interesses. [...] Na aplicação do princípio pacta sunt servanda, o
juiz não pode, em princípio, revisar o conteúdo do contrato. Se a cláusula é
465 Nesse sentido, BIANCA, Massimo. Diritto civile - il contratto. Milão: Giuffrè, 1987. p. 347;
CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. In: BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p. 123-170; SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003.
466 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. p. 129.
254
clara, precisa, sem ambigüidade, não contrária à ordem pública nem aos
bons costumes, ele deverá aplicá-la sem que possa intervir a pretexto de
justiça ou equidade.
O sentido a ser atribuído às cláusulas contratuais não pode ser individualizado para
cada contrato singular, divergente em cada caso, mas geral e constante para todos
os contratos e a todos os aderentes da categoria contemplada. Prevalecem as
circunstâncias externas à vontade, partindo-se de um tipo a que se atribui um
resultado uniforme, sem ter em contata aquela que, no caso concreto, possa ser a
efetiva e diversa opinião das partes. O que importa são os pontos de vista objetivos,
julgando-se o conjunto dos casos típicos afetados. Mesmo diante de uma relação
jurídica concreta,467 deve-se partir da abstração e generalidade, características
marcantes das cláusulas contratuais gerais.
Mesmo que rapidamente, cabe ainda mencionar que, em se tratando de relações de
não-consumo, ou, mais especificadamente, de relações empresariais, deve ser
observada a praxis e a racionalidade própria que envolve esses tipos de
contratos.468 Ainda que seja dever de todo intérprete conhecer a fundo a realidade
do seu plano de análise, este se acentua quando estamos dentro de um ramo em
que a fluência das relações de mercado são, eminentemente, ditadas por normas
originadas pelos próprios comerciantes (lex mercatoria). A racionalidade do agente
econômico e a busca da eficiência do sistema, comenta PAULA FORGIONI,469 são
fatores de que o direito empresarial necessita (e sempre necessitou) para assegurar
o funcionamento adequado do mercado e a sua preservação. Ainda que a teoria
geral dos contratos se expanda para todo tipo de relação jurídica contratual, não
podemos olvidar que os contratos empresariais tem fundamento próprio, ou, na
467 Não se despreza, portanto, a utilidade do raciocínio por concreção. Pelo contrário, vale a sua
utilização também aqui, tendo em vista a função econômico-social do contrato. Por raciocínio de concreção entenda-se: "método hermenêutico pelo qual as pelo qual as normas de dever-ser, consideradas como "modelos de ordenamento materialmente determinados, são compreendidas em essencial coordenação com o caso concreto, que os complementa e lhes garanta força enunciativa". (MARTINS-COSTA, Judith. O método de concreção e a interpretação dos contratos. In: Questões Controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. v. 4. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. São Paulo: Método, 2005. p.133)
468 Vale colacionar, mais uma vez, as ponderações de JUDITH MARTINS-COSTA, para quem um dos elementos de concreção das circunstâncias do caso, que devem ser levadas em conta quando da interpretação dos contratos, é a função econômico social do negócio. Não se trata, repita-se, de acolhimento do movimento law and economics, pois, como já afirmamos, este não traz um modelo útil para compreensão do sistema jurídico como um todo.
469 Contrato de distribuição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 513.
255
expressão de FÁBIO KONDER COMPARATO,470 obedecem uma lógica diversa
daqueles civis ou consumeristas, o que influenciará, inevitavelmente, sua
interpretação. Se já estava claro que, quem ingressa em um contrato, não o faz por
amor ou por filantropia, mas visando a realizações de negócios (bons negócios), que
permitam lucro e circulação de bens e serviços, esta realidade deve ser acentuada
nestes tipos de contrato, em que todo um contexto econômico-financeiro foi levado
em conta para predisposição e oferecimento das cláusulas ao público. Essas
peculiaridades, que decorrem das práticas e causas empresariais, merecem
especial consideração quando da interpretação das cláusulas contratuais gerais.
Nesta seara, não há presunção de vulnerabilidade e, todas as técnicas protetivas a
serem utilizadas não podem abortar a lógica de funcionamento do mercado.471
Deve o magistrado optar por uma interpretação que atenda aos interesses de um
aderente padrão, observado sempre o seu círculo social, ou, ainda, o fim econômico
perseguido pelos contratantes. Explica ANTEO GENOVESE:472
Per l'interpretazione delle condizioni generali si aplicano criteri speciali,
tenendo presente che con esse si regola un conflitto di interessi che si
riproduce in modo sostanzialmente simile in tutta la serie dei contratti in cui
si inseriscono. Le stesse regole interpretative sono influenzate dalla
tipizzazione delle situazioni in cui si aplicano, tenendo a ordinare
dichiarazioni e comportamenti dei soggetti per tipi e classi, anziché ad
identificarli con criteri strettamente individuali.
Não cabe ao magistrado, portanto, a revisão discricionária dos contratos de forma
particularizada, individual, sem a devida atenção ao equilíbrio-econômico financeiro
pela qual foram concebidas as cláusulas contratuais gerais.473 Em outras palavras,
470 COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de janeiro:
Forense, 1981. p. 246. 471 Por ex.: Segundo MARCO CASSOTTANA, nas práticas empresariais, em caso de cláusulas
obscuras, devemos interpretá-las adequando-as ao significado em uso daquela particular atividade. CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. Em BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. v. I. Milão: Giuffrè, 1979. p. 149.
472 GENOVESE, Anteo. Condizioni generali di contratto. In: Enciclopedia del diritto. v. VIII. Milão: Giuffrè, 1961, p. 806; GENOVESE, Anteo. Le condizioni generali di contratto. Pádua: Cedam, 1954. p. 221.
473 Durante um certo tempo na jurisprudência, contratos do Sistema Financeiro de Habitação foram revisados indiscriminadamente, pelo uso da Tabela Price, sob o fundamento de que ela tabela seria forma de capitalização de juros. Hoje esta orientação não mais existe. Captada a dimensão do sistema de amortização e o equilíbrio econômico financeiro propiciado por este índice, o STJ passou a admitir seu uso no seguinte sentido: "CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA
256
pondera CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,474 não há que se
resolver, pelo menos em principio, conflitos de interesses entre dois sujeitos de uma
relação jurídico determinada, mas entre o estipulante das cláusulas contratuais
gerais e todos os outros sujeitos com quem, por força da declaração de aceitação
destes, formam os mesmos contratos. Neste tipo de contrato, deve-se compor
interesses não apenas entre dois sujeitos de uma relação jurídico determinada, mas
entre um sujeito, o estipulante de um lado, e uma pluralidade de sujeitos, por outro
lado, de relações jurídicas que se vão determinando à medida em que eles aderem
ao conteúdo contratual.
Ao julgador, não se atribui o juízo de discricionariedade ou de subjetividade. Não se
pode admitir a interpretação das cláusulas contratuais gerais senão de um modo
geral (não particularizado) para cada aderente, daí a necessidade de uma exposição
de critérios.
Em primeiro lugar, expõe PAULO LUIZ NETTO LÔBO,475 o princípio básico que
deverá nortear a interpretação das cláusulas contratuais gerais é o equilíbrio efetivo
dos poderes contratuais, que tentará equalizar a desigualdade preexistente nestes
tipos de situações, em que inexiste acordo em sua criação e eficácia, estando
subjacente, ainda, a desigualdade de poderes econômicos. Este princípio se
consuma por meio da antiga regra interpretatio contra stipulatorem, hoje prevista no
art. 423 do Código Civil e no art. 47 do CDC.
FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.ATUALIZAÇÃO DE SALDO DEVEDOR. TAXA REFERENCIAL. POSSIBILIDADE.AMORTIZAÇÃO. TABELA PRICE. LEGALIDADE. 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de admitir-se, nos contratos imobiliários do Sistema Financeiro da Habitação, a TR como fator de atualização monetária quando este for o índice ajustado contratualmente. 2. Não é ilegal a utilização da tabela Price para o cálculo das prestações da casa própria, pois, por meio desse sistema, o mutuário sabe o número e os valores das parcelas de seu financiamento.Todavia, tal método de cálculo não pode ser utilizado com o fim de burlar o ajuste contratual, utilizando-se de índice de juros efetivamente maiores do que os ajustados. 3. Recurso especial provido.( Resp n. 755340/MG, 2ª Turma, rel. Min. João Otávio Noronha, julg. em 11.10.2005, DJ 20.02.2006. p. 309) Sobre a legalidade da adoção do Sistema Francês de Amortização nos contratos de mútuo para aquisição de imóvel pelo SFH. Precedentes: REsp 600.497/RS, 3ª T., Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 21/02/2005; AgRg no Ag 523.632/MT, 3ª T., Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 29/11/2004; REsp 427.329/SC, 3ªT., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 09/06/2003.
474 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. São Paulo: Atlas, 2002, p. 236. 475 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 130-141.
257
Segundo CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA,476 em interpretação ao
art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, enquanto não contínhamos o art. 423
do Código Civil em nosso ordenamento:
Como no contrato de adesão, o conteúdo contratual é preenchido, na sua
maior parte, pela declaração do predisponente, sempre que o aderente
tenha entendido essa declaração num sentido diferente do atribuído pelo
declarante, há que determinar-se qual deve ser o sentido prevalente. Ora,
já se viu que não interessa aqui, pelo menos em princípio, um sentido
individual, mas típico, aquele que seria atribuído por um aderente abstrato,
hipotético, integrante do círculo social de que se trata, supondo-se que seja
de mediana inteligência e ilustração e que tenha agido com a diligência
normal. Embora seja esta, em princípio, a diretiva da interpretação, nessa
forma de contrato pode ocorrer que o intérprete, ao termo da atividade
interpretativa, não chegue a um resultado líquido, seguro, deparando-se
com dois sentidos igualmente possíveis, mas que um deles se revele mais
apto a favorecer os interesses do declarante. Nesse caso, diz a lei, o
intérprete deverá optar pelo outro sentido, por se revelar uma interpretação
mais favorável ao aderente. O que não quer dizer é que o preceito legal em
causa em nada interfere com a interpretação típica sugerida para o
contrato de adesão, no plano normativo, querendo apenas significar que,
dentre dois ou mais sentidos típicos, possíveis da declaração, deverá o
intérprete optar por aquele que se revele mais eficaz para que, no conflito
de interesses instaurado entre o estipulante e o aderente, o deste último
seja satisfeito.
Segundo este dispositivo (CC, art. 423), em caso de dúvida, as cláusulas contratuais
gerais deverão ser interpretadas a favor do aderente e contra quem as predispôs.
Aceita-se o desequilíbrio prévio das partes, de sorte que se deve interpretar a favor
de quem só pode aderir, como forma de reequilibrá-las. Fica evidente que se deve
buscar manter o contrato, mas na forma menos prejudicial ou agressiva ao que não
teve alternativa se não a de aderir, portanto numa situação que a lei toma como de
inferioridade. Busca-se o reequilíbrio, a eqüitatividade, posto que, no âmbito
contratual, deve existir paridade de sacrifícios, nunca a submissão de uma parte à
476 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 239.
258
outra, para que seja viável o cumprimento da prestação e ocorra a liberação de
quem deve prestá-la.477
Essas contradições e ambigüidades não são tão fáceis de imaginar na prática, até
porque, em regra, a predisposição das cláusulas gerais é precedida de um trabalho
intenso, recheado de cálculos e estudo minucioso do texto que será oferecido ao
público. Mas, por exemplo, se as cláusulas contratuais gerais fazem previsão de
cobertura de todos os riscos (all risks), mas, no final do mesmo formulário, fazem
remissão a uma Convenção Internacional que limita a indenização e cobertura para
mercadorias extraviadas (ex.: Convenção de Varsóvia), deve se prestigiar aquela
cláusula que beneficie o aderente, devendo o predisponente arcar com os prejuízos
da estipulação contraditória de cláusulas.478
477 Anotações ao art. 423 do Código Civil de 2002 feitas por RENAN LOTUFO. (LOTUFO, Renan.
Código Civil comentado. v. III, t. I. São Paulo: Saraiva, 2006, no prelo). 478 Outro exemplo de contradição entre os clausulados pode ser visto no julgado do STJ:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO (SFH). PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL (PES). ALTERAÇÃO DA CATEGORIA PROFISSIONAL DO MUTUÁRIO. PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA. ADEQUAÇÃO E RESTABELECIMENTO DO PERCENTUAL DE COMPROMETIMENTO DA RENDA ORIGINALMENTE PACTUADO. PREQUESTIONAMENTO. 1. Não tendo o acórdão recorrido tratado especificamente de artigos legais tidos como violados, in casu, o art. 6.º, § 1.º da LICC e o art. 1.256 do Código Civil (1916), não há como se tê-los prequestionados, mormente quando a parte não instiga o Tribunal a quo a fazê-lo, pelas vias processuais adequadas. 2. Esta Corte já firmou seu entendimento de que a União não é parte legítima para figurar no pólo passivo das ações que têm como objeto o reajuste das prestações da casa própria, sendo uníssona a jurisprudência no sentido de se consagrar a tese de que a Caixa Econômica Federal, como sucessora do BNH, deve responder por tais demandas. A ausência da União como litisconsorte não fere, portanto, o conteúdo normativo do art. 7.º, III, do Decreto-Lei n. 2.291, de 1986. 3. “Nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação há de se reconhecer a sua vinculação, de modo especial, além dos gerais, aos seguintes princípios específicos: a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas, deve imperar na formação do negócio jurídico; b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação, sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade; c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário, não só decorrente da sua fragibilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora, econômica e financeiramente muitas vezes mais forte; d) o de que os princípios da boa-fé e da eqüidade devem prevalecer na formação do contrato.”(Resp n. 85.521-PR, D.J. 03.06.1996, Rel. Min. José Delgado) 4. Nos casos de financiamento habitacional pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), as cláusulas contratuais de vinculação dos reajustes das prestações ao Plano de Equivalência Salarial (PES), bem como aquelas concernentes à relação prestação/percentual de comprometimento de renda devem ser interpretadas de modo mais favorável à parte presumidamente hipossuficiente, isto é, o mutuário. Assim, quando a Lei, a um só tempo, traz dois dispositivos que em sua aplicação se apresentam contraditórios, há de se prestigiar aquele que beneficie a parte mais fraca: o mutuário/hipossuficiente. 5. A possibilidade de “renegociação da dívida junto ao agente financeiro, visando restabelecer o comprometimento inicial da renda” (art. 9.º, § 6.º, do Decreto-lei n. 2.164/1984) deve garantir a manutenção do comprometimento da renda/prestação, conforme o percentual inicialmente acordado. Desse modo, em havendo redução de renda em decorrência de mudança de categoria profissional, pode o mutuário ter o seu contrato
259
Frise-se, por oportuno, que a regra prevista no art. 423 do Código Civil e no art. 47
CDC não interfere na tipicização da interpretação sugerida para as cláusulas
contratuais gerais.479
Por entender didático e elucidativo, colacionamos aqui alguns passos para
interpretação das cláusulas contratuais gerais, sugeridos pela doutrina especializada
e por nós consultada:480
i) Cabe ao intérprete definir se a hipótese se enquadra na fattispecie
cláusulas contratuais gerais ou se é regida pelo direito comum dos contratos,
uma vez que nem todos os contratos com redação predispostas podem ser
entendidos como cláusula contratual geral;481
ii) O intérprete deve averiguar a existência, ao lado das cláusulas contratuais
gerais, de cláusulas negociadas, sobre as quais prevalecerá a interpretação
comum dos contratos. Temos aqui, forma mais clara, a incidência de um
revisto, de forma a restabelecer a relação de comprometimento renda familiar/prestação mensal do financiamento, originalmente pactuada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, negado provimento. (Resp 568510/PB, 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, julg. 28.09.2004, DJU 08.11.2004. p. 170).
479 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 239. 480 Segue-se, em parte, a didática proposta de LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos
contratos e cláusulas abusivas. p. 133-138. ("Todos os critérios enunciados possuem em comum o cariz objetivo. Em suma, a interpretação típica das condições gerais assenta-se em: a) equilíbrio efetivo ou igualdade jurídico-material dos poderes e posições contratuais; b) defesa do aderente-consumidor; c) interpretação favorável ao aderente típico; d) conduta social típica do aderente, sendo irrelevante a vontade ou intenção; e) interpretação diferenciada para as cláusulas particulares e para as condições gerais do mesmo contrato de adesão; f) prevalecimento das cláusulas particulares quando incompatíveis com as condições gerais, g) prevalecimento das normas dispositivas do contrato nominado sobre as condições gerais; h) ocorrência dos fatores de eficácia, especialmente dos meios de cognoscibilidade prévia; i) compatibilidade com a lista de cláusulas abusivas; j) compatibilidade com o princípio da boa-fé; l) observância do princípio de conservação dos negócios jurídicos, salvo onerosidade excessiva, m) presunção de inexistência de acordo para cláusulas particulares, no caso de atividades oligopolizadas ou monopolizadas; n) interpretação uniforme e invariável, sendo irrelevantes os aspectos particulares de cada contrato individual"). Ver ainda, MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de adesão. p. 238; MONTEIRO, António Pinto. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções. Revista Trimestral de Direito Civil, ano 2, v. 7, p. 7, jul./set. 2001; SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310-315; BIANCA, Massimo. Condizioni generali di contratto (tutela dell'aderente). In: Realtà sociale ed effettività della norma. v. II, t. II. Milão: Giuffrè, 2002, p. 539 e ss.; CASSOTTANA, Marco. Il problema dell'interpretazione delle condizioni generali di contratto. In: BIANCA, Massimo. Le condizioni generali di contrato. p. 128 e ss.
481 Cabe lembrar, mais uma vez, que nem todos os contratos de adesão serão formados por cláusulas contratuais gerais. Pode acontecer, como salientamos, que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou da indeterminação) caso em que haverá contrato de adesão (estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Para nós, cláusulas contratuais gerais são previamente elaboradas, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão. A generalidade e indeterminação nem sempre serão encontradas no contrato de adesão.
260
dúplice critério de interpretação do contrato de adesão: para as cláusulas
contratuais gerais, deve ser seguido o padrão típico de interpretação,
enquanto que para as cláusulas particulares, pode se buscar a intenção
comum das partes. E quando houver incompatibilidade entre as cláusulas
contratuais gerais e as cláusulas particulares negociadas, estas terão
preferência sobre aquelas, prestigiando-se, assim, a autonomia privada das
partes;482
iii) Quando o contrato de adesão for um contrato típico ou nominado
(recebendo do ordenamento jurídico um regramento particular, portanto) e
houver incompatibilidade entre as cláusulas contratuais gerais e as normas
dispositivas a ele aplicáveis, estas preferirão àquelas. Aliás, este é o sentido
do art. 424 do Código Civil de 2002, ao declarar nula as cláusulas de contrato
de adesão que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante
da natureza do negócio. Sabendo-se que o contrato de adesão vem com
suas cláusulas predispostas, imutáveis, não se pode pretender que o
aderente entre na relação contratual renunciando direitos que irão nascer a
seu favor, em razão do próprio contrato.483
iv) Deve ser avaliado se as cláusulas contratuais gerais foram licitamente
integradas ao contrato individual. Aqui, devem ser retomadas as idéias do
controle de inclusão das cláusulas contratuais gerais;
v) As cláusulas contratuais gerais devem ser confrontadas com a lista de
cláusulas abusivas previstas em lei e, se esta não existir, deverá o intérprete
verificar a compatibilidade das cláusulas contratuais gerais com a boa-fé
objetiva, a função social dos contratos e a justiça contratual, parâmetros
482 Se constava uma cláusula que restringia a proteção do segurado na Europa, e o segurado referiu-
se expressamente ao agente que contratava tendo em vista uma viagem a Ancara (parte asiática da Turquia), deve ser entendido, neste caso, a aceitação pela companhia, sem reservadas, da proposta contratual, implicando a interpretação da cláusula em sentido conforme ao tácito acordo individual, como abrangendo também a parte asiática da Turquia. (SOUSA RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato. As cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. p. 310). Esta previsão é encontrada no BGB reformado (§ 305b – prevalenza degli accordi individuali).
483 O art. 424 não traduz uma tipificação completa e fechada dos limites de conteúdo, mas apenas uma menção especial de uma cláusula de cunho intensamente lesivo. Daí o alcance do princípio da boa-fé não se esgotar nessa regra, até porque, como a moderna metodologia não se cansa de salientar, os princípios normativos nunca se deixam encerrar inteiramente nas malhas dos enunciados normativos que tipificadoramente os acolhem.
261
genéricos (e constitucionais) para averiguação da existência (ou não) da
abusividade e dosviabilizadores do controle de conteúdo.
6.4 A BOA-FÉ E A FUNÇÃO SOCIAL NA INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
GERAIS
Vimos que a boa-fé objetiva,484 como dever imposto às partes para agirem de
acordo com determinados padrões (de correção, lisura, honestidade etc.)
socialmente recomendados, também exerce importante papel na interpretação das
cláusulas contratuais gerais. Aliás, como mencionamos na Parte II, Capítulo 2, e
Parte III, Capítulo 4, algumas legislações específicas ao redor do mundo485 fazem
previsão específica sobre o papel da boa-fé neste contexto, em especial para o
controle das chamadas cláusulas abusivas, como o faz a Diretiva n. 13/1993, da
Comunidade Européia, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com
os consumidores, em que é definida a cláusula abusiva da seguinte forma: "uma 484 “O princípio da boa-fé foi consagrado pela primeira vez no art. 157 do Código Civil alemão nestes
termos: “os contratos devem ser interpretados tal como o exijam a confiança e a lealdade recíprocas em correlação com os usos do comércio. Tomou, entretanto, significação especial nas legislações que o receberam como norma subsidiária da interpretação subjetiva, aplicável quando haja dúvida acerca da intenção comum dos contratantes. Trata-se de uma regra que contribui para precisar o que se deve entender como o consenso, assim considerado o encontro e a combinação de duas vontades para a produção de feitos jurídicos vinculativos. O processo interpretativo empregado para reconstruir e determinar o comum intento prático das partes de um contrato é guiado pelo critério da boa-fé, devendo assim se entender por intenção comum o que, como declaratários, podiam os contratantes entender a declaração recebida ou deduzir do comportamento de outro declarante. Consagra-se, por outras palavras, a concepção objetivista da interpretação explicitada no Código Civil português (art. 236) e explicada pela necessidade de proteger a legítima expectativa de cada um dos contraentes e de não perturbar a segurança do tráfico. Devem-se investigar os possíveis sentidos da declaração e acolher o que o destinatário podia e devia atribuir-lhe com fundamento nas regras comuns da linguagem e no particular modo de se comunicar e se entender com a outra parte. Torna-se claro, nesse entendimento, que o princípio da boa-fé na interpretação dos contratos é uma aplicação particular do princípio mais amplo da confiança e auto-responsabilidade segundo o qual deve reconhecer a validade de uma declaração negocial quem a emitiu por forma que o destinatário não possa, com a diligência ordinária, emprestar-lhe outro sentido, pouco importando o que o declarante quis realmente atribuir. O que em suma importa é o significado objetivo que o aceitante de proposta de contrato “podia e devia entender razoavelmente segundo a regra da boa-fé”. “Sob invocação da óbvia razão de que a interpretação é obra do intérprete, há quem sustente que a regra segundo a qual o contrato deve ser interpretado de boa-fé constitui norma de comportamento dirigida a quem o deva interpretar, só tendo valor quando várias soluções se apresentam como igualmente possíveis, hipótese em que deve adotar aquela que mais se harmonize à lei moral e torne o regulamento contratual mais justo e eqüitativo. Nesse modo de entender, o princípio da boa-fé na interpretação careceria de maior significação em desacordo com a opinião dominante que lhe atribui grande importância, mesmo quando seja considerado um processo interpretativo subsidiário, como na legislação italiana.” GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 227-228.
485 No nosso caso, o inc. IV do art. 51: são nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
262
cláusula que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva
quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio
significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das
partes decorrentes do contrato". (art. 3.º). A boa-fé objetiva, como preceito
normativo, exige a mediação concretizadora, deixando ao magistrado a possibilidade
de atingir toda as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências
fundamentais de justiça.486
Como dissemos, a boa-fé se traduz em três comandos, três funções distintas e
conjugadas: função interpretativa (as partes devem proceder de acordo com a boa-
fé quando se trate de determinar o sentido das estipulações contidas em
determinado contrato); função de integração ou supletiva (amplia os deveres de
comportamento de credor e devedor) e; por último, função de controle (marca os
limites dos direitos que o credor tem a faculdade de exercer contra o devedor).
Sem nos desprendermos das outras funções, para este capítulo, especial destaque
merece ser dado à função interpretativa da boa-fé. É verdade que, em matéria de
cláusulas abusivas, é esta a função sobre a qual a jurisprudência é chamada mais
freqüentemente a se pronunciar. Quando a cláusula duvidosa não corresponde a
nenhuma das cláusulas enumeradas nas listas de leis especiais, o controle de
conteúdo deve se operar com fundamento na boa-fé contratual objetiva, proibindo as
cláusulas que acarretem desvantagem ao aderente de maneira não razoável,
notadamente as que desprezavam os princípios gerais positivados nas leis ou
desnaturassem o próprio contrato.
A legislação portuguesa sobre cláusulas contratuais gerais (Decreto n. 446/1985),
também coloca a boa-fé como princípio geral para proibição das cláusulas abusivas
(art. 15) e, além disso, prescreve, no art. 16, parâmetros para sua concretização:
Na aplicação da norma anterior [são proibidas as cláusulas contratuais
gerais contrárias à boa-fé] devem ponderar-se os valores fundamentais do
direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A
confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas
contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular
celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos
486 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p.39.
263
atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente,
procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.
Sobre o papel da boa-fé nas cláusulas contratuais gerais, comentam os autores da
lei portuguesa, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA e ANTÓNIO MENEZES
CORDEIRO:487
Com o objectivo de auxiliar, sem tolher, as tarefas de concretização da
boa-fé, apontam-se directivas suficientemente elásticas. Não se ultrapassa,
todavia, o mínimo de precisão indispensável à sua utilidade nas decisões
jurídicas. A indicação básica reside numa remissão para os valores
fundamentais do direito, relevantes em face da situação concreta. [...] A
confiança legítima tem, no Código Civil, através da boa-fé, uma proteção
alargada. [...] A boa-fé objetiva, por seu turno, ao vedar comportamentos
enganosos, in contrahendo, na execução dos contratos ou no simples
exercício dos direitos, ou ao proibir práticas como a de venire contra factum
proprium prossegue os mesmos escopos. A propósito das cláusulas
contratuais gerais, o legislador não inova neste ponto: apenas expressa, no
domínio sensível do tráfico negocial de massas, a necessidade de
concretizar em moldes adaptados, um princípio reitor tradicional do direito
privado. [...] Perante a problemática das cláusulas contratuais gerais, o
legislador, sempre em termos elásticos, para que não resulte manietada a
evolução futura, indicia os factores mais significativos, susceptíveis de criar
nas partes situações de confiança: o sentido global das cláusulas
contratuais gerais, o processo de formação do contrato singular celebrado
e o teor deste. As cláusulas contratuais gerais que ofendam a confiança
legítima – portanto, a confiança não contrária a outros valores jurídicos ou
aos deveres de indagação que no caso caibam – provocada pelos referidos
factores ou por outros elementos atendíveis são opostas à boa-fé e, como
tais, proibidas. [...] As cláusulas contratuais gerais, através dos tipos
negociais que prefigurem, indiciam, no seu conjunto, os objectivos
prosseguidos pelas partes. Esses objectivos devem obter realização
prática. Em conseqüência, são opostas à boa-fé e, assim, proibidas, as
cláusulas que, sem justificação legítima, os contrariem, dificultem ou
impeçam.
Assim, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, a boa-fé exerce importante papel
para descoberta da abusividade e, conseqüentemente, do controle dos conteúdos
487 ALMEIDA COSTA, Mário Julio de; MENEZES CORDEIRO, António. Cláusulas contratuais gerais.
Anotação ao Decreto-lei n. 446/1985. p. 40-41.
264
contratuais obtidos pela adesão a estas cláusulas. Como concretização da boa-fé,
coloca-se uma "bitola de um certo equilíbrio contratual"488 entre as vantagens
auferidas, graças ao contrato, pelas partes, não se admitindo prejuízos
desproporcionados. O dever de atuação segundo a boa-fé implica não prejudicar,
mediante cláusulas contratuais gerais, de modo desproporcionado à contraparte,
desproporção esta que deverá ser investigada no caso concreto, levando-se em
conta o contexto pelo qual as cláusulas foram predispostas, atento aos fins destas,
cotejando com os fins que o contrato questionado permita obter.
Como sabemos, todo negócio jurídico deve ser interpretado segundo os ditames da
boa-fé (CC, art. 113). Aliás, como salientado por diversas vezes neste trabalho, a
boa-fé é um dos elementos de validade do negócio jurídico.489 Dessa maneira, não
há como negar a incidência da boa-fé para interpretação das cláusulas contratuais
gerais, integrando a estas os deveres de lealdade, proteção e informação, impondo,
ainda, limitações aos direitos subjetivos, quando estes conflitarem com o interesse
perseguido pelo contrato. Permite-se a tutela da razoável confiança criada pelas
cláusulas, sem ignorar os comportamentos de quaisquer das partes, levando em
conta um critério de diligência normal.
Vale, no entanto, uma observação. Não há que se esperar a formulação de lei
expressa, contendo listas de cláusulas consideradas abusivas para se punir uma
ofensa à cláusula geral de boa-fé. Justamente por ser cláusula geral, deverá o juiz
concorrer ativamente para a formulação da norma, em que considerará a noção de
boa-fé efetivamente vigente (não a dele, mas aquela objetivamente considerada) e
estabelecerá as conseqüências jurídicas desta violação. Como cláusula geral, a boa-
fé é medida e diretiva para pesquisa da norma de decisão, da regra a aplicar no
caso concreto, sem hipótese normativa preconstituída, mas que será preenchida
com a mediação concretizadora do intérprete julgador.490
Nas cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos empresariais, a boa-fé não
desempenha uma função moral, desconectada da realidade dos negócios e fundada
em valores canônicos ou em outros que não a busca do melhor funcionamento do
488 MENEZES CORDEIRO, António. Da boa-fé no direito civil. p. 656. 489 LOTUFO, Renan. Código Civil Comentado. p. 284. 490 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. p. 296-348 (A linguagem e as funções das
cláusulas gerais).
265
mercado. Nessa seara, a boa-fé reforça as possibilidades de confiança dos agentes
econômicos no sistema, diminuindo riscos e fazendo aflorar um maior grau de
segurança e de previsibilidade. A boa-fé, no sistema de direito empresarial, é um
catalisador de fluência das relações de mercado.491 Ela vem relacionada ao uso e ao
costume da praça, ou seja, ela é objetiva e não pinçada no íntimo dos partícipes da
avença.
Geralmente, a infração a boa-fé se deduz de que o predisponente criou uma
situação sobre a qual o aderente podia confiar.492 A partir do instante em que essa
quebra da confiança trabalha contra o próprio Direito, é natural e desejável que
normas jurídicas procurem forçar os agentes econômicos ao seu respeito. Por isso,
o sistema de direito empresarial como um todo (também) deve ser voltado à tutela
de princípios como a boa-fé e a confiança. Negócios que são possíveis em um
ambiente institucional com fortes garantias de cumprimento das obrigações podem
não ser viáveis em ambientes institucionais fracos – porque não seria compensador
para as partes negociarem nessa última situação. E uma das funções do direito
empresarial é, justamente, buscar a criação de um ambiente que faça as
negociações compensatórias. Conclui-se, portanto, que a interpretação segundo a
boa-fé promove o encontro dos valores das cláusulas contratuais gerais com os
valores típicos-sociais.493
A função social494 também será fundamental para interpretação das cláusulas
contratuais gerais, espraiando uma eficácia interpretativa,495 concedendo importante
491 FORGIONI, Paula. Contrato de distribuição. p. 552 e 559. 492 Por exemplo, pode ser que contratos celebrados por prazo determinado, uma das partes pode ser
levada a crer na sua prorrogação além do termo contratado. Esta é uma atuação da boa-fé, que viabiliza esta interpretação, bem como coíbe abusos. Segundo PAULA FORGIONI (Contrato de distribuição. p. 493): "Imaginemos, por exemplo, um contrato de concessão comercial celebrado pelo prazo de oito anos. No último ano de vigência, a fornecedora exige da distribuidora a realização de investimentos consideráveis, criando a legítima expectativa de renovação. O ordenamento jurídico protege o distribuidor contra uma brusca modificação da atitude esperada do fornecedor, que andaria contra a boa-fé e os usos e costumes comerciais (boa-fé objetiva, apurada conforme o comportamento normalmente esperado dos agentes econômicos daquele mercado). Em face da requisição do fornecedor, o distribuidor pode supor a extensão do prazo, com aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem suas decisões. Esse comportamento do fornecedor, em face da práxis do mercado, há de ser considerado com declaração de sua intenção de prorrogar a avença. Trata-se de um comportamento social típico, apto a produzir efeitos jurídicos. Igualmente entende-se que o distribuidor aceitou a recondução , a partir do momento em que obrou como lhe foi solicitado".
493 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 146.
494 "[...] Este princípio difere do da ordem pública, tanto quanto a sociedade difere do Estado; trata-se de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto
266
parâmetro para descoberta das cláusulas abusivas, desempenhando importante
papel de controle, uma eficácia negativa, vedando cláusulas que atentem contra
seus propósitos, servindo de ponte para aplicação de hipóteses de abusividade a
casos fora do CDC.496
Sobre a atuação da função social em contratos em que há a utilização de cláusulas
contratuais gerais, CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY497 dá interessantes
exemplos de sua incidência, como o caso de contratos de seguro-saúde, em que é
normal a presença de cláusulas de recusa do pagamento de internação, por
doenças cobertas, depois de certo tempo, pacificando-se o entendimento na
jurisprudência, com base na aplicação da função social, o entendimento pela
abusividade do limite temporal para internação em casos de urgência, bem como o
alargamento injustificado do prazo de carência. Nos casos de contratos de
fornecimento de água e luz, a função social impõe a verificação, no caso, se há
causa razoável para inadimplência, suspendendo a cobrança, fixando prazo
razoável para quitação e fornecendo cotas mínimas para atendimento básico, bem
como a necessidade, sempre, em qualquer hipótese, da notificação e do aviso
prévio ao corte.498
aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas [...]. A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1.º, inc. IV); essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem econômica, da livre iniciativa". AZEVEDO, Antonio Junqueira de. "Os princípios do atual direito contratual e a desregulamentação do mercado. Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento. Função social do contrato e responsabilidade aquilina do terceiro que contribui para inadimplemento substancial". In: Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 141.
495 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 166. 496 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 167. 497 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social dos Contratos. p. 173 e 177 498 Como não pode a concessionária deixar de fornecer o serviço, também não pode o usuário negar-
se a pagar o que consumiu sob pena de se admitir o enriquecimento sem causa, com a quebra do princípio da igualdade de tratamento das partes. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que endossou o corte do fornecimento de energia elétrica de usuário inadimplente no pagamento de suas contas. No caso, a Light Serviços de Eletricidade S.A. suspendeu, por falta de pagamento, o fornecimento de energia elétrica à empresa Mottasport Academia Ltda., após prévio aviso comprovado nos autos do processo. Inconformada com a decisão, a empresa recorreu ao STJ alegando ilegalidade da suspensão devido à violação dos princípios da continuidade e da dignidade da pessoa humana. Acompanhando o voto da relatora, ministra Eliana Calmon, a Turma negou provimento ao recurso especial e manteve acórdão do
267
A nosso ver, outra aplicação da função social dos contratos precedidos de cláusulas
contratuais gerais é a correção de abusividade na eleição de foro. Em sendo
TJRJ. De acordo com a ministra, a paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência, repudiando-se a interrupção abrupta, sem o aviso prévio, como meio de pressão para o pagamento das contas em atraso. Ou seja, é permitido o corte de serviço, mas com o precedente aviso de advertência. Na hipótese dos autos, sustentou a relatora, a suspensão ocorreu em virtude do inadimplemento do recorrente no pagamento de suas contas, estando o consumidor avisado previamente de que tal fornecimento seria interrompido. Segundo a ministra Eliana Calmon, admitir o inadimplemento por um período indeterminado sem a possibilidade de suspensão do serviço é consentir com o enriquecimento sem causa de uma das partes, fomentando a inadimplência generalizada e comprometendo o equilíbrio financeiro da relação e a própria continuidade do serviço, com reflexos, inclusive, no princípio da modicidade. "O custo do serviço será imensurável a partir do percentual de inadimplência, e os usuários que pagam em dia serão penalizados com possíveis aumentos de tarifa", sustentou a relatora. Em seu voto, a ministra também ressaltou que a política tarifária do setor de fornecimento de energia é fortemente regulada e estabelecida pelo Poder Público, tanto é que as tarifas têm valores diferenciados, sendo classificadas por faixas distintas conforme a atividade ou nível socioeconômico do consumidor, estando fora de questão admitir-se a prestação gratuita dos serviços. "Se à prestadora do serviço exige-se o fornecimento de serviço continuado e de boa qualidade, respondendo ela pelos defeitos, acidentes ou paralisações, pois é objetiva a sua responsabilidade civil; como então aceitar-se a paralisação no cumprimento da obrigação por parte do consumidor?", questiona a ministra em seu voto. Segundo a ministra Eliana Calmon, tal aceitação levaria à idéia de se ter como gratuito o serviço, o que não pode ser suportado por quem fez enormes investimentos e conta com uma receita compatível com o oferecimento dos serviços. Para a ministra, na atualidade, os serviços essenciais são prestados por empresas privadas que recompõem os altos investimentos com o valor recebido dos usuários por meio dos preços públicos ou tarifas, sendo certa a existência de um contrato estabelecido entre concessionária e usuário e não sendo possível a gratuidade de tais serviços. A ministra Eliana Calmon concluiu o voto explicando seu posicionamento em termos normativo, ontológico e capitalista: "Sob o aspecto da norma específica, estão as concessionárias autorizadas a suspender os serviços quando não pagas as tarifas; sob o aspecto ontológico, não se conhece contrato de prestação de serviço firmado com empresa pública, cujo não-pagamento seja irrelevante para o contratado; sob o ângulo da lógica capitalista, é impossível a manutenção de serviço gratuito por parte de grandes empresas que fazem altos investimentos". O tema é polêmico. Em seu voto, de nove páginas, a ministra Eliana Calmon reconhece que a suspensão de serviço público por falta de pagamento não constitui um direito absoluto e admite que o tema encontra divergências no próprio STJ, embora hoje, majoritariamente, colham-se depoimentos em favor da legalidade do corte de fornecimento em razão do inadimplemento.Citando vários autores e juristas, a ministra ressalta que o que define a natureza jurídica da prestação do serviço essencial é o seu do sistema de remuneração. Assim, sustenta a ministra Eliana Calmon, não se há de confundir taxa com tarifa ou preço público, como já advertido pela Súmula 545/STF: se o serviço público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a prestação ou a contraprestação por conta própria; se for por tarifa, que é uma remuneração facultativa oriunda da relação contratual na qual impera a manifestação da vontade, o particular pode interromper o contrato. Segundo a ministra, doutrinariamente ainda não há unidade sobre o tema, pois uma corrente defende a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) somente aos serviços remunerados por tarifa e uma outra entende que o CDC é aplicável indistintamente a todos os serviços, sejam eles remunerados por taxa ou tarifa. "Lamentavelmente o impasse doutrinário não foi ainda solucionado pela jurisprudência, extremamente vacilante nesse especial aspecto, inclusive nesta Corte de Justiça", ressalta a ministra em seu voto, acrescentando que se filia à primeira corrente. Embora seja permitida a suspensão do serviço público por falta de pagamento, a ministra Eliana Calmon adverte que ela não constitui direito absoluto: "o fornecedor tem o dever de colaborar para que o consumidor possa adimplir o contrato, criando condições para o regular pagamento". Isso porque o pequeno inadimplemento do consumidor se confunde com a mera impontualidade, sem gerar as conseqüências de um corte de fornecimento. "Daí a obrigatoriedade de o fornecedor estabelecer ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus débitos, além de prazo para proceder-se à interrupção quando houver inadimplência". ( STJ, Resp 798204/RJ, rel. Min. ELIANA CALMON, julg. em 17.08.2006).
268
cláusula integrante de um negócio mais vasto,499 independentemente do tipo
contratual (de adesão ou paritário) ou da modalidade de relação jurídica em questão
(de consumo, civis, empresariais) deverá sempre ser observado os princípios da
função social e do equilíbrio dos contratos. Uma cláusula eletiva de foro não poderá,
por exemplo, colocar uma das partes em nítida desvantagem, causando profundo
desequilíbrio, dificultando o cumprimento de uma dada obrigação ou o próprio direito
de defesa de um dos sujeitos etc.
Os tribunais, aos poucos, vão consolidando o entendimento já pacificado em
doutrina, no sentido de se considerar ineficaz a cláusula contratual que estipula o
foro de eleição em contrato de adesão, que imponha o desequilíbrio à parte
aderente, em especial nas relações de consumo, em que é presumida a
vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4.º, I), sendo-lhes garantido, como direito
básico, a facilitação da defesa de seus direitos (CDC, art. 6.º, VIII). Em sucessivas
decisões,500 o Superior Tribunal de Justiça afastou a incidência da Súmula 33501 do
próprio STJ, permitindo com que a cláusula de eleição de foro, inserta no contrato de
adesão, fosse declarada nula de ofício, permitindo que o juiz declinasse sua
competência em favor do foro do domicílio do consumidor.
Na verdade, mesmo que a relação não seja de consumo, não se pode perder de
vista que a função social do contrato representa um princípio de ordem pública (CC,
art. 2.035, parágrafo único), cuja violação, portanto, poderá ser reconhecida de ofício
pelo magistrado, independentemente de pedido da parte ou do interessado, a
qualquer tempo e em qualquer grau ordinário de jurisdição (CPC, art. 303, III). Se a
499 António Menezes Cordeiro. Tratado de direito civil português. I, t. III. p. 365. 500 "Competência. Conflito. Foro de Eleição. Código de Defesa do Consumidor. Banco. Contrato de
Abertura de Crédito em conta especial. - O Código de Defesa do Consumidor orienta a fixação da competência segundo o interesse público e na esteira do que determinam os princípios constitucionais do acesso à justiça, do contraditório, ampla defesa e igualdade das partes. Prestadoras de serviços, as instituições financeiras sujeitam-se à orientação consumerista. – É nula a cláusula de eleição de foro inserida em contrato de adesão quando gerar maior ônus para a parte hipossuficiente defender-se ou invocar a jurisdição, propondo a ação de consumo em local distante daquele em que reside. – Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Canoas". (CC 32868/SC, 2ª Seção, rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 18.02.2002, DJ 11.03.2002, p. 160). "Execução - Foro de eleição. Hipótese em que a eleição de foro diverso daquele em que domiciliado o devedor acarreta-lhe notáveis dificuldades para o exercício de sua defesa. Nulidade da cláusula de eleição e reconhecimento de que, tendo em vista o disposto no Código de Defesa do Consumidor (arts. 1.º e 6.º, VIII), possível o reconhecimento, de ofício, da incompetência. Inaplicabilidade da Súmula 33. Precedentes do STJ". (Resp n. 196067/MG, 3ª Turma, rel. Min. Eduardo Ribeiro, julg. 24.08.1999, DJ 03.11.1999, p. 112).
501 "A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício".
269
cláusula de eleição não cumprir a função social – cláusula geral, cujo
descumprimento deverá ser avaliado em cada caso concreto – esta poderá ser
anulada, mesmo sem provocação das partes. O acesso à justiça deve ser
preservado, como direito fundamental (CF, art. 5.º, XXV). Aliás, diante dessas
diretrizes de direito material, a Lei n. 11.208, publicada em 16 de fevereiro de 2006,
acrescentou o parágrafo único ao art. 112 do CPC, tornando agora expresso que: "A
nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada
de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu."
Os contratos existem para instrumentalizar as relações econômicas, mas que a
função social do contrato surge para reafirmar princípios fundamentais como o da
dignidade humana e da solidariedade (CF, art. 1.º, III, e 3.º, I). A caracterização da
função social como princípio não é antagônica, muito pelo contrário, deve ser
amplamente compreendida, tendo por efeito a funcionalização das situações
jurídicas à ordem constitucional.502 Isso não quer dizer que a função econômica do
contrato foi afastada: ao mesmo tempo em que deve haver conciliação entre os
interesses particulares e os da coletividade, os direitos individuais devem ser
respeitados, posto que protegidos constitucionalmente.
As cláusulas contratuais gerais, portanto, continuam sendo importante instrumento
de racionalização das atividades empresariais, evitando a repetição de atos
idênticos, propiciando a redução dos custos e dos preços dos bens e serviços
disponibilizados ao público. Representam a simplificação (e a aceleração) da
conclusão dos negócios, e ainda, sob o ponto de vista do gestor predisponente, um
maior controle dos riscos comuns nas relações de mercado, e que devem ser
entendidas em apartado dos contratos que fazem parte. Mas para cumprir esses
objetivos, os princípios fundamentais impostos pela Constituição Federal devem ser
preservados, e a função social permite a integração desses princípios, sem que seja
afastada sua função econômica, viabilizando, assim, o favorecimento da sociedade
como um todo.
502 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.
209.
270
CONCLUSÃO
O contrato não deve ser valorado como um fenômeno psíquico nem como um
simples acordo de vontades, mas como um fenômeno social, um valor objetivo no
qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação própria (patrimonial
ou não), sobre o qual recaem novos princípios e novas premissas, realçados em
novas bases constitucionais que exercerão influência direta no estudo das cláusulas
contratuais gerais.
A expansão econômica do capitalismo, bem como as correlativas transformações do
modelo social, provoca sensíveis alterações com reflexos no papel do contrato na
esfera econômica. A aceleração do processo produtivo e o incremento geral das
trocas, com acesso cada vez mais alargado da população às relações de consumo,
a universalização do mercado e a empresarialização da atividade econômica são
fatores que, paralela e conjugadamente, não só impulsionam um enorme acréscimo
do uso e da importância do instrumento contratual como contribuem para a sua
mudança de fisionomia. Por isso vimos (Parte I) que não há como estudar as
cláusulas contratuais gerais sem que seja feito, ao menos, a consideração jurídica
do econômico, uma vez que estas estão intimamente ligadas à exigência de plena
utilização da capacidade produtiva empresarial, responsável por assegurar a grande
movimentação econômica nacional e transacional.
A racionalização e a conseqüente redução dos custos de comercialização para a
empresa, a uniformização de procedimentos no âmbito administrativo, com reflexo
sobre o preço cobrado do adquirente final (consumidor ou não), a necessidade de
fornecimento de bens e serviços em grande escala, a necessidade de racionalização
e a redução dos riscos das empresas em suas relações com outras empresas e com
o consumidor final, a impossibilidade real de tratativas individuais entre o grande
fornecedor e todos os que necessitam dos bens e serviços são algumas dentre as
inúmeras razões da utilização das cláusulas contratuais gerais.
Cláusulas contratuais gerais não se confundem com os contratos de adesão, nem
são partes indispensáveis de um mesmo processo. A rigor, a fórmula contratos de
adesão é mais ampla, normalmente concluído por meio de cláusulas contratuais
gerais, mas pode acontecer que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da
271
generalidade (ou da indeterminação) caso em que teremos o contrato de adesão
(estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez)
sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são previamente
elaboradas, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que
serão de adesão, mas tais contratos não deixarão de o ser, se faltarem às cláusulas
pré-formuladas os requisitos da generalidade e indeterminação. Os contratos de
adesão nem sempre conterão cláusulas contratuais gerais e nem sempre são
voltados à multiplicidade e à generalidade de contratantes.
São estipulações redigidas, prévia e unilateralmente, pelo predisponente, para
utilização reiterada em uma série indeterminada de futuros contratos singulares,
cujos destinatários limitar-se-ão a aceitá-las integralmente, sem nenhuma
possibilidade de alterar o seu conteúdo. Os intervenientes, subscrevendo-as ou
aceitando-as, como destinatários, assumem posições negociais. São pré-
elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração que as perfilha.
Voltam-se a um número múltiplo de contratos, a uma infinidade de operações de
fornecimento de mercadorias e serviços e a uma generalidade de pessoas, para
serem aceitas em bloco, sem possibilidade de alteração, tornando-se
individualmente eficazes na medida em que são integradas, de modo uniforme, em
um dado contrato de adesão. Ostentam, pois, as características da unilateralidade,
predisposição, generalidade, abstração, rigidez (Parte II, Capítulo 2) que não se
alteram quando incorporadas aos contratos individuais.
As cláusulas contratuais gerais não são normas jurídicas, mas originadas do ato de
autonomia privada do predisponente, sendo possível, para fins de interpretação,
uma aplicação analógica com aquelas. Antes da integração do contrato de adesão,
as cláusulas contratuais gerais existem juridicamente, sendo, inclusive, alvo de
possível controle abstrato e preventivo. Todavia, não podemos afirmar que estas
possuem, exclusivamente, natureza contratual. Para nós, as cláusulas contratuais
gerais possuem natureza mista, típica de ato normativo e de ato negocial, como
regulamento contratual abstrato que pressupõe validade, eficácia e interpretação
típicas.
Antes da sua integração ao contrato de adesão, as cláusulas contratuais gerais não
possuem natureza de negócio jurídico contratual. Nem por isso deverão ser
consideradas irrelevantes jurídicos. Somente atentos a estas peculiaridades é que
272
será possível entendermos o modo peculiar de interpretação das cláusulas
contratuais gerais, que se diferenciam, por tais razões, do controle de um contrato
individual, constituindo a melhor fundamentação para o controle abstrato e para o
caráter objetivo que hoje predominam no direito das cláusulas contratuais gerais.
Estas, antes de estarem inseridas em um contrato, possuem eficácia jurídica, prova
que estão sujeitas a controle, e ainda, porque despertam a confiança dos
destinatários quanto aos seus aspectos.
Dentre as diversas formas de se coibir as cláusulas contratuais gerais abusivas,
foram descritos no trabalho as características gerais do chamado controle
administrativo, judicial e legislativo (ou de conteúdo).
Em relação ao controle judicial, ficou demonstrado que este, se puramente
individual, voltado a um número escasso de contratantes, será insuficiente. O
controle judicial (e administrativo) das cláusulas contratuais gerais deve obedecer as
suas características, em especial, a abstração, rigidez e uniformidade destas. O
controle judicial abstrato e homogêneo é o que se apresenta mais eficaz e o que
melhor atende as peculiaridades do instituto, mas que, infelizmente, tem se
restringido à tutela do consumidor. Se o direito processual é informado pelas
peculiaridades do direito material, o controle judicial das cláusulas contratuais gerais
não pode ser feito tendo em conta, tão somente, os aspectos pessoais do futuro ou
do atual contratante. Muitos erros são cometidos no dia-a-dia forense, justamente
pela desatenção dos operadores do direito às peculiaridades da relação jurídica
material, em face da qual é deduzido o pedido de tutela jurisdicional, com a
inadmissível fragmentação de um verdadeiramente abstrato e coletivo conflito.
No plano do controle de conteúdo, as cláusulas contratuais gerais deverão ser
consideradas abusivas quando promoverem o desequilíbrio significativo da relação
de equivalência entre direitos e obrigações de uma e outra parte, podendo motivar,
daí, controle preventivo e abstrato, como também um controle individual e concreto.
Essa patologia das cláusulas contratuais gerais não é fenômeno exclusivo dos
contratos de consumo, podendo aparecer também noutros contratos. E no Código
Civil de 2002 há vários dispositivos servirão de parâmetro para esta caracterização,
bem como os princípios da boa-fé, da justiça contratual e da função social dos
contratos. (Parte III, Capítulo 4).
273
Os efeitos do reconhecimento desta abusividade dependerão do caso concreto, que
poderá variar entre a ineficácia, anulabilidade ou até nulidade das cláusulas
contratuais gerais.
Enquanto não inseridas em contratos individuais, não há dúvidas que as cláusulas
contratuais gerais deverão seguir as regras de interpretação típica, atendendo a
abstração, indeterminação e rigidez do fenômeno. As cláusulas são interpretadas
entre si mesmas, até porque não há, neste momento, relação jurídica subjacente.
Mas mesmo incorporadas aos negócios jurídicos, ainda que façam parte de um dado
programa contratual, ou que existam partes contratuais individualizadas, as
características das cláusulas contratuais gerais nos permitem concluir que o sentido
a ser atribuído a estas cláusulas não pode ser individual e divergente, mas constante
a todos os aderentes da categoria contemplada. Sendo composto por cláusulas
contratuais gerais, abstratas e rígidas, só pode valer, também nesta fase, uma
interpretação típica, aplicando-se critérios especiais que, de alguma forma,
respeitem estas características das cláusulas e busquem dirimir conflitos de
interesses reproduzindo a série de contratos em que são (e serão) inseridas. E para
que haja a constante interligação e comunicação dos programas constitucionais ao
programa contratual, também na interpretação das cláusulas contratuais gerais, a
boa-fé e a função social exercerão importante papel.
O art. 423 do Código Civil de 2002 em nada interfere com a interpretação típica
sugerida para as cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos de adesão,
querendo apenas significar que, dentre dois ou mais sentidos típicos, possíveis da
declaração, deverá o intérprete optar por aquele que se revele mais eficaz para que,
no conflito de interesses instaurado entre o estipulante e o aderente, o deste último
seja satisfeito. Trata-se de um auxiliar hermenêutico, presente em diversos
ordenamentos, radicado na idéia de que seria justo responsabilizar o predisponente
pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais por ele predispostas, introduzidas
unilateralmente no regramento contratual, sem influência da outra parte, cabendo-
lhe, portanto, suportar o risco de uma possível ambigüidade, como forma de
compensação, no sentido de que aquele que retira vantagens da predisposição,
deve igualmente suportar os incômodos ligados à falta de clareza das formulações
utilizadas.
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