comentarios a aristotelesfilopt
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Medieval philosophy in portugal, Translation of the classes on Aristotle, lectured in Coimbra University, in the XVIth centuryTRANSCRIPT
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 1
COMENTRIOS A ARISTTELESDO CURSO JESUTA CONIMBRICENSE
(1592-1606)ANTOLOGIA DE TEXTOS
Introduode
Mrio Santiago de Carvalho
Tradues deA. Banha de Andrade
Maria da Conceio CampsAmndio A. CoxitoPaula Barata DiasFilipa Medeiros
Augusto A. Pascoal
Editio AlteraLIF Linguagem, Interpretao e Filosofia
Faculdade de Letras
Coimbra
2011
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 2
Introduo
Um esquecimento secularenvolveu o pensamento
filosfico conimbricense(M. Baptista Pereira, Ser e Pessoa)
Quem adere s opinies de um filsofo, por maior que seja o seu engenho e excelente a sua doutrina, no se afastando dele nem uma unha, expe-se a ser considerado como algum que no pretende explorar a verdade da doutrina, mas sim seguir a
preconcebida autoridade do mestre (doctor). Nada mais alheio ao verdadeiro filsofo, a saber, a quem pesquisa a verdadeira sabedoria, do que ser mais amigo de Plato do
que amigo da verdade.(Manuel de Gis, In de Gen. I. iv. 27, 2)
1. Nos sculos XVI e XVII o tempo em que foram publicados, em
Coimbra e em Lisboa, todos os textos que integram esta Antologia
Santo Agostinho no era o nico filsofo da moda. Aristteles aparecia
tambm como um verdadeiro matre penser, contando-se por isso
entre os filsofos eleitos ou objectos de estudo em qualquer escola
europeia que se prezasse, fosse ela luterana, calvinista ou catlica.
Fazer filosofia era sobretudo a entendido como estudar e comentar
Aristteles e a sua imensa obra. No se deve pensar, no entanto, que
comentar Aristteles equivalia a repetir o Filsofo. Nada alis o
permitiria, tantos os sculos que separavam as duas obras, tanta a
distncia geogrfica, histrica, lingustica, cultural e social entre o
macednio Aristteles e os conimbricenses Jesutas.
Os professores da Companhia de Jesus (S.I.) que tomaram posse
do Colgio Real das Artes de Coimbra, a partir de 1555, passando por
isso a chamar-se Colgio de Jesus, inauguraram uma empresa filosfica
de cariz europeu1. Nesse contexto, esta participao ou contribuio
portuguesa (sobretudo originada em Coimbra e em vora) para a
Filosofia europeia conheceu um sucesso tremendo. Em pouco tempo os
oito volumes dos Comentrios a Aristteles do Curso Jesuta
Conimbricense expandiram-se do Atlntico aos Urais (o seu leitor mais
famoso deve ter sido o francs Descartes). Mais ainda: o sucesso 1 Cf. A. M. Martins, The Conimbricenses in M C. Pacheco et J. Meirinhos (ed.), Intellect et imagination dans la Philosophie Mdivale / Intellect and Imagination in Medieval Philosophy / Intelecto e Imaginao na Filosofia Medieval, Turnhout 2006, 101-117 ; ver-se- tambm a Nota que este mesmo autor publicou in http://saavedrafajardo.um.es/WEB/archivos/Conimbricenses_Presentacion.pdf; veja-se, por fim, a Bibliografia que encerra a Introduo do volume citado infra, nota 27.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 3
estendeu-se Amrica do Sul e China e no ser mrito menor do
Curso portugus o facto de se tratar da primeira obra de filosofia
ocidental a ser traduzida para chins2. O facto relevante e pode
orgulhar-nos num tempo como o nosso marcado pelo multiculturalismo
e acalentando um verdadeiro dilogo de civilizaes.
Com maior ou menor sucesso, e ultrapassando a dimenso
geogrfica, tm-se tentado rastrear as marcas e influncias destes
conspcuos textos ou manuais mais avanados de filosofia no
pensamento europeu3. Alm do mencionado Descartes, as figuras mais
citadas, ou sob esse aspecto estudadas, so as de Joo Poinsot,
Christoph Scheibler, G. Leibniz, B. Espinosa, Thomas Hobbes, o jovem
John Locke, Agostinho Loureno (pregador de Catarina de Bragana,
serenssima Rainha da Gr-Bretanha) e Charles S. Peirce, este ltimo
seguramente um dos maiores filsofos norte-americanos4. Estamos no
entanto em crer que esta lista ir ser cada vez mais alargada, e
sobretudo aprofundada, como convm.
2. Em dois textos sobretudo, o Estagirita havia delineado a sua
verso de um sistema. Num deles lia-se o seguinte: Anteriormente
tratmos das causas primeiras da natureza, de tudo o que diz respeito
ao movimento natural [sc. Physica], da translao ordenada dos astros
na regio superior [sc. De Coelo I-II], dos elementos corpreos, do seu
nmero, das suas qualidades, das suas recprocas transformaes e,
por fim, da gerao e da corrupo consideradas sob o seu aspecto geral
[sc. De Coelo III-IV e De Generatione et Corruptione]. Neste programa de
investigaes, resta examinar a parte que, nos autores que nos
precederam, recebeu o nome de meteorologia [sc. Meteororum] (). Uma
2 Cf. R. Wardy, Aristotle in China. Language, Categories and Translation, Cambridge 2000. Este assunto ainda permanece em aberto e, sobre certos ttulos aristotlicos, dever-se-ia falar antes em adaptao em vez de traduo para j no falar mesmo de texto original, tal como a nosso ver acontece, por exemplo, com o De anima da autoria de Francesco Sambiasi (1582-1649), ou melhor a Humilde discusso sobre questes da alma, vd. Isabelle Duceux, La introduccin del aristotrelismo en China a travs del De anima. Siglos XVI-XVII, Mxico 2009.3 Cf. C. Leijenhorst, The Mechanisation of Aristotelianism. The Late Aristotelian Setting of Thomas Hobbes Natural Philosophy, Leiden-Boston-Koln 2002, 191 para a expresso entre aspas.4 Cf. J.P. Doyle, Introduction, in The Conimbricenses. Some Questions on Signs. Translated with Introduction and Notes by John P. Doyle, Milwaukee 2001, 20-21 especialmente para a recepo da Lgica.
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vez estudados estes temas, teremos de ver se podemos utilizar o mesmo
mtodo para dar conta dos animais e das plantas consideradas em geral
e em particular [tratados zoolgicos e De plantis].5
A citao ilustrativa de algum pendor organizado,
eventualmente arquitectnico, com que o Estagirita articulava a filosofia
natural. A seguir voltaremos ao segundo dos textos, mas pode j ver-se
que aqueles comentadores que, no futuro, pensaram e ensinaram
Aristteles segundo um programa articulado no podiam estar muito
afastados de uma ou outra indicao do prprio Filsofo. Se a obra
aristotlica, como bem sabemos hoje, esteve longe do carcter
sistemtico que os seus seguidores lhe atriburam, indubitvel que na
histria do peripatetismo o devir de Aristteles dominam as
apresentaes sistemticas. O mesmo acontecer com os textos de
Coimbra, no obstante a sua atribulada publicao6.
Isto significa que vamos publicar a seguir os textos no pela
ordem (acidental) da sua edio7, tanto mais que privilegimos
sobretudo a traduo dos Promios, mas da sua sistematicidade ou
arquitectnica. O motivo que presidiu escolha principal dos textos a
traduzir est assim facilmente justificado. Pela sua prpria natureza, na
maior parte dos casos, os Promios fornecem uma indicao preciosa
sobre os contedos das obras e o modo como os seus autores as
dividiam ou viam. Abrem ento a srie os textos da Lgica, da autoria
de Sebastio do Couto, seguindo-se coerentemente os textos de Manuel
de Gis, pela seguinte ordem: Physica, de Coelo, de Generatione et
Corruptione, Meteororum, De Anima e Parva Naturalia. Pelas razes que
adiante se indicaro, mester que a Ethica seja o ltimo dos ttulos do
sistema, que dever, por isso, constituir-se num todo integrando as
seguintes etapas, que respeitam os textos que efectivamente saram dos 5 Aristteles, Meteorolgicos I 1, 338a-339a9, a respeito da Fsica. Os parnteses rectos so evidentemente da nossa responsabilidade. O outro texto ser As Partes dos Animais I 1, 639a1-642b4, a respeito da organizao da Biologia. Sobre este assunto, vd. A. P. Mesquita, Obras Completas de Aristteles. Introduo Geral, Lisboa 2005, 256, 258.6 Cf. sobre o assunto, M. S. de Carvalho, Introduo Geral, in Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trs livros do Tratado Da Alma de Aristteles Estagirita, Lisboa 2010, 9 e sg.7 Foi a seguinte, a ordem acidental da publicao: Physica (1592); De Coelo, Meteororum, Parva Naturalia, Ethica (1593); De Generatione et Corruptione (1597); De Anima (1598); Dialectica (1606); sobre este assunto veja-se o estudo citado na nota imediatamente anterior.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 5
prelos: lgica, fsica, biologia e tica. Tambm pelas razes de todos
conhecidas dado ocupar-se da forma do raciocnio a analtica no
tem lugar entre as cincias, constituindo-se como mero organon ou
instrumento da pesquisa a lgica (tambm denominada dialctica)
teria de ser a primeira das matrias. Sabemos mesmo que ela era talvez
excessivamente exaustiva na pedagogia jesuta coimbr.
Apresentemos ento primeiro o responsvel pelo volume da
Dialctica. Sebastio do Couto (1567-1639) nasceu em Olivena e
ingressou na Companhia de Jesus, em vora, aos quinze anos de idade,
onde, naturalmente, seguiu os vrios cursos do currculo, desde as
Humanidades Teologia, passando pela Filosofia. Faleceu em Montes
Claros, com cinquenta e sete anos de idade. Embora tivesse passado a
maior parte da sua vida acadmica (at 1620) ensinando na
Universidade de vora, Couto leu (com soa dizer-se ento), isto ,
ensinou, um curso completo de Filosofia no Colgio de Coimbra (1597-
1601). Cada curso de Filosofia tinha a durao de quatro anos lectivos8.
Ter sido durante o perodo coimbro que Couto redigiu o seu
comentrio Dialctica na sequncia alis, de um episdio com o seu
qu de rocambolesco ou mesmo de policial, ligado ao furto de um
Comentrio Lgica que veio a ser editado no centro da Europa em
1604 assim fechando a publicao do Curso (1606). Posteriormente,
Couto ter-se- envolvido numa polmica sobre o estatuto da
matemtica. Enquanto nas suas muito aplaudidas lies coimbrs
Cristvo Borri defendia a cientificidade dessa matria, Couto negava-a,
pelo que procurou inviabilizar a publicao das mesmas, contra o
parecer dos seus colegas de Coimbra e de Lisboa9. Importa notar que a
8 Entre 1552 e 1565 o curriculum era assim organizado (embora no se deva depreender que era seguido tal e qual: 1 ano: 1 trimestre: De terminorum introductione; Dialectica; Porphyrius, Isagoge; 2 trimestre: In Aristotelis Praedicamenta; Perihermeneias; Topica (incio); 3 trimestre: Topica (at VII); I-IV Ethicorum. 2 ano: 1 trimestre: Analytica Priora; VIII Topicorum; Analytica Posteriora (incio); 2 trimestre: Analytica Posteriora (continuao e concluso); V-VI Ethicorum; 3 trimestre: VII-X Ethicorum; De sophisticis elenchis; I-II Physicorum. 3 ano: 1 trimestre: II-VIII Physicorum; 2 trimestre: De coelo et mundo; De generatione et corruptione; Metaphysica (incio); 3 trimestre: I-IV Meteororum; I-II De Anima; Metaphysica (continuao). 4 ano: III De Anima; Parva naturalia; Metaphysica (concluso). Depois de 1565, o curriculum passou a ser assim definido: 1 ano: Dialctica. 2 ano: Lgica, Fsica e tica. 3 ano: Metafsica, Pequenos Naturais. 4 ano (um semestre): A Alma9 Cf. W.G.L. Randles, Le ciel chez les jsuites espagnols et portugais (1590-1651), in L. Giard (dir.), Les Jsuites la Renaissance. Systme ducatif et Production du savoir, Paris 1995, 139.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 6
Lgica ou Dialctica integrava os seguintes livros, comentados
irregularmente: de Porfrio, a Isagoge, e de Aristteles todos os ttulos
componentes do chamado Organon, ou seja: Categorias (Categoriarium),
A Interpretao (de Interpretatione), Primeiros Analticos (de Priori
Resolutione), Segundos Analticos (librum Posteriorum), Tpicos (librum
Topicorum) e Elencos Sofsticos (libros Elenchorum). Para os comentar, e
como era usana, Couto teve que sobretudo compilar, afeioando sua
maneira, os cursos manuscritos preexistentes que circulavam entre
vora e Coimbra. Isto mesmo j o havia feito o outro, o principal,
responsvel pelos restantes volumes, os primeiros a sarem do prelo.
Vinte e quatro anos mais velho do que Sebastio do Couto,
Manuel de Gis (1543-1597) nasceu em Portel e faleceu em Coimbra.
Tendo ingressado na Companhia de Jesus com dezassete anos, uma vez
concludos os estudos, leccionou no Colgio de Jesus da cidade do
Mondego dois cursos completos (1574-78 e 1578-82). Aps o abandono,
por Pedro da Fonseca (1528-1599), da organizao da impresso do
Curso Filosfico Conimbricense, Manuel de Gis tomou rapidamente a
seu cargo assaz ingente tarefa, responsabilizando-se assim pela quase
totalidade dos oito volumes, a saber: a Fsica (1592), o Cu, os
Meteorolgicos, os Pequenos Naturais e a tica (1593), A Gerao e a
Corrupo (1597) e A Alma (1598). Cabe acrescentar que este ltimo
volume pode ter contado com a colaborao editorial de Cosme de
Magalhes (1551-1624) tratava-se afinal de uma edio pstuma e
que tambm o jesuta Baltasar lvares (1560-1630) pode ter dado a sua
contribuio redactorial aos dois apndices desse mesmo volume, um
sobre A Alma Separada (cujo Promio ser adiante traduzido), outro
sobre o pseudo-aristotlico Problemas relativos aos Cinco Sentidos
(excepcionalmente traduzido em verso integral). Uma nota mais, e uma
lembrana: a de que o volume sobre O Cu publica tambm um
apndice atinente aos quatro elementos do Mundo, e que os chamados
Pequenos Naturais integram a srie seguinte de oito ttulos: Memria e
Reminiscncia, Sono e Viglia; Sono, Adivinhao pelos Sonhos;
Respirao, Juventude e Velhice, Vida e Morte, Longueza e Brevidade da
Vida.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 7
3. Uma palavra adicional sobre o desenho ou a arquitectnica do
sistema jesuta conimbricense. Nada h a fazer notar quanto ao facto de
a lgica ou dialctica representarem o princpio ou o incio dessa
enciclopdia filosfica. Alm do carcter propedutico ou instrumental
da disciplina, conforme o havia definido Aristteles e j o recordmos, a
lgica, conforme referido por um dos melhores conhecedores dos textos
dos nossos Jesutas, deveria funcionar tambm como propedutica da
teologia e como suporte racional da estrutura sistemtica desta10. No
s porque o dogma catlico, por um lado, e a superao do cepticismo,
por outro, foravam a insero no campo da lgica de questes
metafsicas, mas sobretudo porque o fim prximo da lgica ou a sua
funo consiste em indicar a via e as normas de discorrer, enquanto o
seu fim remoto ou mediato a prpria actividade discursiva11. Neste
sentido, os nossos jesutas dividem a lgica em pura ou terica (docens)
e aplicada (utens), tratando, a primeira, as leis e as formas gerais do
pensamento lgico independentemente de qualquer contedo e, a
segunda, visando a anlise dos processos do pensamento aplicados a
esta ou quela cincia12. Enquanto cincia autnoma e prtica (na
acepo de Aristteles) no fim de contas ela ensina-nos a discorrer
correctamente e sem erro , mas parte integrante da filosofia, a lgica
tem um estatuto prprio, alm de ser condio prvia para o estudo das
outras disciplinas13. O leitor encontrar adiante a traduo da
totalidade dos Promios dos vrios livros que compem a Dialectica e
ainda de alguns tpicos filosficos mais sensveis, como uma introduo
semitica (o sinal e a significao), um excerto sobre o famigerado
problema dos universais e o tratamento do grave problema da induo.
Segue-se a fsica, na qual, evidentemente, temos de
compreender a metafsica, matria, alis importa fris-lo sobre a
qual, no obstante algumas promessas feitas (nomeadamente por Gis
e Couto), jamais se deu estampa qualquer volume. Alm da
metafsica, a fsica ou filosofia natural devia explorar a matemtica.
Sobre esta disciplina pouco ou nada se encontra nos volumes do nosso
10 A. Coxito, Estudos sobre a Filosofia em Portugal no sculo XVI, Lisboa 2005, 170.11 Id., ibid. 172.12 Id., ibid. 172.13 Cf. Id., ibid. 169-85.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 8
Curso o Colgio de Santo Anto em Lisboa seria, nesta matria,
muitssimo superior14 mas, apesar de tudo, os autores preconizam
que se comecem os estudos de filosofia natural pela matemtica (da
geometria aritmtica), dada a sua maior simplicidade didctica, e se
concluam com a metafsica, a rainha de todas as cincias.
Independentemente da sua nobreza teortica, epistemolgica e
ontolgica, a metafsica s pode ser estudada a seguir fsica, pois esta
cuja autonomia tambm se reivindica de modo veemente dado
conviver com a substncia material, comea pela experincia sensvel,
sempre mais acessvel para ns15. Entenda-se, evidentemente, que ao
metafsico caberia estudar a primeira causa, as inteligncias e tudo o
que nem material nem inclui a matria como base da sua
constituio. E, por fim, que a fsica ou filosofia natural, sendo tambm
uma cincia contemplativa (isto , no prtica, na acepo de
Aristteles), mantm a sua dignidade prpria inclume ao estudar a
substncia material, tudo enfim que sujeito transformao. Sobre
todos estes domnios poder ler-se nesta Antologia algumas pginas.
No menos problemticas sero, finalmente, as componentes da
biologia e da tica (e poltica). A primeira, que evidentemente pertence
fsica por direito prprio, dada a sua relao, por exemplo, com a
psicologia, ou a ligao com os pequenos tratados de naturalibus. A
tica, depois, porque, no prprio texto, Gis discute amplamente o seu
lugar no sistema (ordo) e a sua relao com os demais saberes16. Ora,
em As Partes dos Animais o segundo dos dois textos de Aristteles a
que comemos por nos referir o Filsofo consagrara uma passagem
s vrias maneiras de se construir uma cincia da alma. O excerto
punha em questo se a fsica se devia ocupar da alma no seu todo ou
apenas de certas partes da alma17. Entrando em dilogo com algumas 14 Cf. H. Leito, A Cincia na Aula da Esfera no Colgio de Santo Anto, 1590-1759, Lisboa 2007; Sphaera Mundi: A cincia na Aula da Esfera. Manuscritos cientficos do Colgio de Santo Anto nas coleces da BNP, Lisboa 2008, passim.15 Cf. M.S. de Carvalho, A questo do comeo do saber numa Introduo Filosofia do sculo XVI portugus, in AA.VV., Razo e Liberdade. Homenagem a Manuel Jos do Carmo Ferreira, Lisboa 2010, 993-1009.16 Cf. Id., Psicologia e tica no Curso Jesuta Conimbricense, Lisboa 2010.17 Aristteles, De Part. An. I 1, 641a 32 b8: O que ficou dito levanta a questo de saber se toda a alma ou apenas uma parte dela cuja considerao cabe no campo da cincia natural. Ora bem, se for da alma toda, que ela deve tratar, ento no h lugar para qualquer outra filosofia mais, alm daquela. Dado que pertence em todos os casos a uma e a mesma cincia tratar dos temas correspondentes uma e a mesma
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 9
teorias propaladas no seu tempo, os Jesutas de Coimbra entendem que
o De Anima no aborda o estudo do corpo dotado de animao ou
movimento (assim havia ensinado, por exemplo, o filsofo Paulo de
Veneza, no sculo XV), mas da alma na sua integralidade. No caso de se
acompanhar a tese de Veneto, As Partes dos Animais deveriam ser
prvias ao De Anima, mas, na posio que os Jesutas adoptam, o livro
do De Anima deve seguir-se imediatamente ao livro dos Meteorolgicos.
Operava-se naquele livro, de facto, a transio para o que hoje
chamamos biologia. Os nossos autores querem dizer, assim, que a
psicologia parte do orgnico na sua expresso mais basilar.
Comeando no estudo da alma em geral (o orgnico-vegetativo), acabar-
se- por chegar alma intelectiva ou actividade do pensamento, a qual
se v, por isso, integrada, desde a sua raiz, no seio da prpria fsica.
Leia-se adiante a questo traduzida do volume sobre A Alma, texto alis
de que tambm damos uma verso parcial da outra componente textual
dos volumes, i.e., alm da quaestio a explanatio, ajudando assim a
ver melhor, talvez, no s o elevado padro filolgico e filosfico dos
volumes como, qui, o seu perfil hipertextual18.
assaz diferente a situao da tica e da poltica. Apesar de nada
terem escrito sobre poltica diferentemente alis do que muitos outros
distintos Jesutas fizeram em outros quadrantes geogrficos (ou mesmo
Lus de Molina em vora)19 os portugueses vo retrogradamente
submeter a poltica tica. Mais do que sublinharem a maturidade
necessria ao estudo da tica, eles evidenciavam a necessidade desta
cincia, por exemplo, trata da sensao e do objecto do sentido e como portanto h uma correspondncia entre a alma intelectiva e os objectos do intelecto, eles devem pertencer a uma e a mesma cincia, segue-se que a cincia natural ter de incluir tudo no seu campo. Mas talvez no seja toda a alma, nem todas as suas partes em conjunto, que constitui o princpio do movimento; mas, semelhana das plantas, pode haver uma parte que o princpio do crescimento, outra, a saber, a parte sensitiva, princpio da mudana qualitativa, e outra ainda, que no a parte intelectiva, o princpio de locomoo. Porque outros animais alm do Homem tm a faculdade da locomoo, embora em nenhum haja o intelecto. ento manifesto que no da alma toda que devemos tratar.18 Cf. S. Waklenko, Enciclopedismo e Hipertextualidade nos Commentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra, 1606), in O. Pombo et al. (ed.), Enciclopdia e Hipertexto, Lisboa 2006, 302-357.19 Cf. I. Borges-Duarte (org.), Lus de Molina regressa a vora, vora 1998, passim; C.A. de Moura R. Zeron, O debate sobre a escravido amerndia e africana nas Universidades de Salamanca e vora, in L.M. Carolino e C. Z. Camenietzski (coord.), Jesutas. Ensino e Cincia. Sculos XVI-XVIII, Casal de Cambra 2005, 205-26; poder ver-se ainda Francisco Surez. De Legibus. Livro I: Da Lei em Geral. Apresentao M.C. Henriques; Introd. e trad. G. Moita; trad. L. Cerqueira, Lisboa 2004.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 10
para que algum se possa dotar dos conhecimentos provenientes das
demais cincias, mormente das cincias da natureza. Admitindo
embora que um cientista dominado pela tica investigaria melhor, o
saber da moral, semelhana do saber da lgica, de carcter prtico,
razo pela qual aquela deve ser sempre uma cincia inferior a qualquer
uma das contemplativas matemtica, fsica e metafsica (isto era mais
uma vez doutrina de Aristteles) no obstante reconhecerem a sua
inegvel utilidade para a sociedade civil, conforme diramos hoje.
Compreende-se desta maneira a particularidade do volume da tica no
quadro dos restantes volumes do Curso, mas importaria acrescentar
que os alunos voltariam matria tica de novo nos seus estudos de
Teologia, ento sob o prisma dos chamados Casos de Conscincia.
Acabmos por justificar a ordem da publicao dos textos desta
Antologia.
4. Tanto quanto nos dado saber, so pouqussimas as tradues
modernas dos textos dos nossos Jesutas. Contmos, primeiro, a
traduo portuguesa do volume da tica, contendo tambm uma verso
parcial da Introduo Fsica, pela mo do erudito Antnio Banha de
Andrade. Publicada em 1957, a edio encontra-se hoje totalmente
esgotada20 e os textos aqui reproduzidos deste tradutor portugus, com
a devida vnia, provm dessa mesma edio. S em 1997 que se
traduziu para ingls uma pequena parte a disputa III do volume da
tica21. A sua autora, Jill Kraye parece justificar o seu trabalho,
sobretudo destacando no artigo 2, respeitante beatitude sobrenatural
na vida futura, o combate contra o voluntarismo (especialmente o
franciscano) e tambm contra aqueles que argumentavam que o
intelecto e a vontade esto simultaneamente envolvidos na beatitude,
alm de ser sensvel ao largo e eclctico espectro de fontes citadas pelos
nossos autores22. No mesmo idioma, John P. Doyle, traduziu em 2001,
o primeiro livro da seco da Lgica dedicada ao livro dA Interpretao
20 Curso Conimbricense I. Pe. Manuel de Gis: Moral a Nicmaco, de Aristteles. Introduo, estabelecimento do texto e traduo de Antnio Alberto de Andrade, Lisboa 1957.21 Cambridge Translations of Renaissance Philosophical Texts. I: Moral Philosophy. Ed. by J. Kraye, Cambridge 1997, 81-87.22 Ibid. 80.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 11
(De Interpretatione)23. Verdadeiramente entusiasmado com aquela
seco, centrada sobretudo na semitica, o tradutor e anotador
reconhecia que these pages of the Conimbricenses represent the first
really major seventeenth treatise on signs. E acrescentava, a respeito
da questo 5: Such discussion and others like it show the
Conimbricenses to be aware of many epistemological, psychological,
metaphysical, and theological questions which can be raised with
regard to signs and signification, In this they also display an
understanding of the breadth and scope of semiotics itself.24 Talvez
tenha sido a descoberta de Doyle a justificar a tentativa de Serhii
Waklenko, primeiro, no de traduo, mas de uma parfrase na nossa
lngua de uma seco da teoria dos signos25. semelhana do trabalho
de J. Kraye, e dada importncia actual do tema, Filipa Medeiros,
assinou em 2009, uma nova verso da disputa III da tica26. Por fim, e
passando por alto tradues parcelares e espordicas, sobretudo de
extractos antolgicos ou eruditos, de assinalar a monumental traduo
do Comentrio sobre A Alma da autoria de Maria da Conceio
Camps27.
Tanto quanto nos dado saber, nada mais se divulgou. Tivemos,
tambm ns, com um absoluto lamento, de renunciar ao projecto de
traduo integral do Curso, outrora acalentado por Banha de Andrade e
por Arnaldo de Miranda Barbosa. No quisemos porm privar o pblico
leitor mais curioso e inquieto da possibilidade de, pelo menos, ficar a
conhecer algumas parcelas desta to importante iniciativa filosfica
nacional e internacional. Talvez a maior da nossa histria filosfica,
mas seguramente a mais internacional de todas as produes filosficas
portuguesas. Ficmo-nos assim por uma Antologia, decerto incompleta 23 The Conimbricenses. Some Questions on Signs. Translated with Introduction and Notes by John P. Doyle, Milwaukee 2001.24 Introduction, in The Conimbricenses. Some Questions on Signs, 17 e 18, respectivamente.25 S. Waklenko, Enciclopedismo e Hipertextualidade nos Commentarii Collegii Conimbricensis in Universam Dialecticam Aristotelis Stagiritae (Coimbra, 1606), in O. Pombo et al. (ed.), Enciclopdia e Hipertexto, Lisboa 2006, 302-357.26 Manuel de Gis, S.J. Tratado da Felicidade. Disputa III do Comentrio aos Livros das ticas a Nicmaco. Estudo e Introduo complementar de Mrio S. de Carvalho; nova traduo do original latino e notas de F. Medeiros, Lisboa 2009.27Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus Sobre os trs livros do Tratado Da Alma de Aristteles Estagirita. Traduo do original latino por Maria da Conceio Camps; Introd. geral Traduo, Apndices e Bibliografia de Mrio Santiago de Carvalho, Lisboa 2010.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 12
somos ns prprio a confess-lo a qual poder ser progressivamente
aumentada, melhorada, at que num futuro qualquer a conscincia
nacional seja merecedora de uma edio integral. No podemos ignorar
que, face crescente ignorncia do latim, arriscamo-nos a perder
definitivamente estes textos, contemplando-os como se fossem
curiosidades para bizarros e cada vez mais exticos especialistas. Os
tradutores dos textos a seguir so, por isso, credores da nossa fraterna
estima e profundo agradecimento, e a sua superior responsabilidade
autoral aparecer identificada em nota, da seguinte maneira, por ordem
alfabtica: Alberto Banha de Andrade (A.B.A.); Maria da Conceio
Camps (M.C.C.); Amndio A. Coxito (A.C.); Paula Barata Dias (P.B.D.);
Filipa Medeiros (F.M.); e Augusto A. Pascoal (A.A.P.). A Filipa Medeiros
se ficou tambm a dever o cuidado preparatrio da primeira edio
desta Antologia publicada em linha em 201028.
presente editio altera acrescentmos uma Bibliografia
actualizvel que visa favorecer a leitura mais aprofundada dos textos
traduzidos.
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 30 de Abril de 2011
Mrio Santiago de Carvalho
28 F.M. ainda responsvel pelo trabalho de fixao da quase totalidade das notas que no texto latino aparecem margem e que, por razes editoriais bvias, ou foram dispostas em p de pgina (casos, sobretudo, de citaes bibliogrficas ou autorais) ou aparecem no prprio texto assinaladas a negrito e itlico (normalmente ndices ou tpicos de facilitao da leitura).
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 13
SUMRIO DAS TRADUES- Dialctica/Dialectica (1606)
Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus a Toda a Dialctica de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii Conimbricensis e Societate Iesu, In universam Dialecticam Aristotelis StagiritaeAs artes: quem as inventou e em que pocaSobre as seitas daqueles que, ao longo dos tempos, ensinaram as artes liberais e a
filosofia, sobretudo a Itlica e a InicaDa seita dos Acadmicos e dos EsticosDa seita dos peripatticos. Do engenho e do ensino de AristtelesPromio do Comentrio Isagoge de Porfrio. Sobre o autor, o objectivo, o ttulo, a
organizao e a utilidade desta obraPromio do Comentrio aos Livros das Categorias de Aristteles Estagirita. Sobre o
autor e o ttulo deste livro. Matria, utilidade e disposio deste livroPromio aos Livros da Interpretao de Aristteles. Sobre o escopo e o objectivo desta
obra. Sobre a organizao, o ttulo e outras coisas deste tipoPromio ao Segundo Livro da InterpretaoComentrios aos Livros de Aristteles Estagirita sobre Os Primeiros Analticos. Sobre
o ttulo, o assunto, a diviso e a organizao destes livros. Sobre a organizao e a diviso destes livros.
Promio ao Primeiro Livro dos Primeiros Analticos de AristtelesComentrios aos Livros de Aristteles Estagirita sobre os Segundos Analticos. Ttulo e
mtodo destes livros, etc.Promio ao Primeiro Livro dos Segundos Analticos de AristtelesPromio ao Livro Segundo dos Segundos Analticos de AristtelesComentrios ao Primeiro Livro dos Tpicos de Aristteles Estagirita. Sobre o autor, a
matria, a ordem e a utilidade desta obraPromio do Comentrio aos Dois Livros dos Elencos de Aristteles EstagiritaOutros textos de Lgica: Sinal e Significao. Os Universais. A Induo
- Fsica/Physica (1592)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Oito Livros da
Fsica de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, In Octo Libros Physicorum Aristotelis StagiritaePromio aos oito livros da Fsica de Aristteles. Sobre a designao e a definio de
filosofiaSobre a dupla organizao da FilosofiaQuesto I: Se correcto dividir a filosofia contemplativa em Metafsica, Fisiologia e
MatemticaArtigo 1: No parece correcto dividir-seArtigo 2: Refere-se as diversas posies dos Autores e estabelece-se qual delas a
verdadeiraArtigo 3: Pode-se distinguir correctamente as partes da Filosofia Contemplativa de
acordo com a variedade das abstraces em relao matria e ao movimentoArtigo 4: Nas disciplinas matemticas no h apenas um tipo de abstraco da matriaArtigo 5: Explicao de algumas dvidas, para esclarecer melhor o que se disse
anteriormenteArtigo 6: Dissolvem-se os argumentos apresentados no incio da questo
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 14
Questo II: Ser a Filosofia natural verdadeira e propriamente uma cincia, ou no?Artigo 1: O que pensaram alguns dos Antigos sobre a questo apresentada e
argumentos a favor da sua opinioArtigo 2: A Fsica verdadeira e propriamente uma cinciaArtigo 3: Refuta-se os Acadmicos, para quem, tanto na Fsica como nas restantes
matrias, tudo era dvida e incertezaArtigo 4: Dissoluo dos argumentos do primeiro artigoQuesto III: A Filosofia Natural uma cincia contemplativa ou prtica?Artigo 1: Argumentos que parecem provar que prticaArtigo 2: Estabelece-se a posio verdadeira e dissolve-se os trs argumentos da parte
contrriaArtigo 3: Dilui-se o ltimo argumento do primeiro artigo e investiga-se se a arte de
curar contemplativaQuesto IV: O ente mvel ser um assunto da Fisiologia?Artigo 1: Dissoluo da questoArtigo 2: Argumentos contra o que se concluiu no artigo anteriorArtigo 3: Responde-se aos argumentos do artigo anteriorQuesto V: Que ordem ou lugar cabe Filosofia Natural no conjunto das restantes
disciplinas?Artigo 1: Sobre a hierarquia dos saberesArtigo 2: Com que argumentos se contesta as concluses do artigo anteriorArtigo 3: Explicao dos argumentos anterioresArtigo 4: Sobre a hierarquia da dignidade entre a Fsica e as outras partes da FilosofiaSobre a diviso da Filosofia em AristtelesPor que motivo os livros da Fsica se intitulam , ou
seja, Sobre a auscultao naturalSobre a ordenao e a matria dos livros da Auscultao FsicaPromio ao Primeiro Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Segundo Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Terceiro Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Quarto Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Quinto Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Sexto Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Stimo Livro da Fsica de AristtelesPromio ao Oitavo Livro da Fsica de AristtelesExplanao do Captulo IExplanao do Captulo II.Questo I: O que a criao e em que que se distingue da conservao.Artigo 1: A criao a produo de algo, a partir do nada.Artigo 2:: Soluo das dificuldades contra a definio de criao.Artigo 3: A Criao uma aco externa e transitria de Deus.Artigo 4: Estabelece-se a distino entre Criao e Conservao.Questo II: Se a Criao se poderia conhecer pela luz da razo e se Aristteles a
conheceu.Artigo 1: Que poderia ser conhecida e de facto foi conhecida.Artigo 2 Que verosmil Aristteles ter conhecido a criao.Questo III: Foi o mundo criado desde toda a eternidade ou no?Artigo 1: Que pensaram os antigos filsofos acerca da questo proposta.Artigo 2: Que o mundo foi criado por Deus no incio do tempo, como ensina a f: em
que ano ter sido criado o mundo.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 15
Artigo 3: A criao de um mundo novo no se pode demonstrar com argumentos naturais, ainda que abundem os argumentos a favor da sua probabilidade.
Questo IV: De que modo se devem desfazer os argumentos dos filsofos a favor da eternidade do mundo.
Artigo 1: Argumentos de Aristteles.Artigo 2: Os argumentos dos outros.Artigo 3: Responde-se aos argumentos de Aristteles.Artigo 4: Dissolvem-se os argumentos dos outros.Questo V: Se Deus criou o mundo por uma necessidade da natureza.Artigo 1: A parte que nega absolutamente verdadeira.Artigo 2: O que pensou Aristteles sobre o tema proposto.Questo VI: Se alguma coisa pde ter sido criada por Deus desde a eternidade.Artigo 1: Com que argumentos a parte negativa da questo se poder provar.Artigo 2: Constri-se a parte afirmativa da controvrsia.Artigo 3: Resoluo dos argumentos que foram propostos no incio.Questo VII: Se todas as coisas sem distino poderiam ou no existir desde a
eternidade.Artigo 1: Que se deve afirmar das coisas permanentes.Artigo 2: Nenhum movimento finito e absolutamente nenhum movimento rectilneo
pode ter existido desde a eternidade.Artigo 3: Diversas opinies sobre a eternidade do movimento circular.Artigo 4: As duas partes da controvrsia sobre o movimento circular desde a
eternidade julgada provvel; a negativa considera-se mais provvel. Esmiam-se os argumentos de ambas.
Artigo 5: No poderia haver geraes desde a eternidade como as admitiu Aristteles: discute-se agora se poderiam existir de outro modo.
Artigo 6: Desfazem-se os argumentos que foram aduzidas em ambas as partes, a favor da criao desde a eternidade.
Outros textos da Fsica: Fsica versus Metafsica. A luz inata do intelecto. O conceito de natureza. Natureza e Arte. O Acaso. Natureza e Finalidade. Como os seres naturais atingem os seus fins.
- O Cu/De Coelo (1593)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Quatro Livros
Sobre O Cu de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, In Quatuor libros de Coelo Aristotelis StagiritaePromio aos quatro Livros Sobre o Cu de AristtelesPromio ao primeiro Livro Sobre o Cu de AristtelesPromio ao segundo Livro Sobre o Cu de AristtelesLivro II. Captulo VII: Questo II: Se a luz dos astros a sua forma substancial, e
tambm se corpo ou no.Promio ao terceiro Livro Sobre o Cu de AristtelesPromio ao quarto Livro Sobre o Cu de AristtelesTratado de alguns Problemas sobre aspectos relativos aos quatro elementos do
Mundo, distribudos pelo mesmo nmero de seces. Promio
- A Gerao e a Corrupo/De Generatione et Corruptione (1597)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Dois Livros
Sobre a A Gerao e a Corrupo de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 16
Conimbricensis Societatis Iesu, In duos libros De Generatione et Corruptione Aristotelis StagiritaeSobre a organizao do ensino, sobre o assunto, o ttulo e a diviso desta obraPromio ao primeiro livroPromio ao segundo livro
- Meteorolgicos/Meteororum (1593)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros dos
Meteorolgicos de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, In libros Meteororum Aristotelis StagiritaePromioTratado III. Acerca dos Cometas.Captulo I: Algumas consideraes dos filsofos quanto matria e natureza dos
cometasCaptulo II: Refutao das afirmaes anterioresCaptulo III: Explicao de Aristteles, e declaraes verdadeiras quanto matria e
natureza dos cometasCaptulo IV: Acerca da localizao, da inflamao, da durabilidade, do movimento e
das cores dos cometasCaptulo V: O que anunciam os cometasCaptulo VI: Quanto s figuras e diversidades dos cometasCaptulo VII: Quanto estrela que brilhou aos Magos quando Cristo nasceu
- A Alma/De Anima (1598)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Trs Livros
Sobre A Alma de Aristteles Estagirita/ Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, In tres libros de Anima Aristotelis StagiritaePromio aos Trs Livros do Tratado Sobre a Alma de Aristteles: Utilidade, ordem,
matria tratada e partio destes LivrosQuesto nica: Se o estudo da alma intelectiva respeita doutrina da fisiologia, ou
noArtigo 2: Resoluo de toda a questoPromio do Livro Segundo do Tratado Da Alma de AristtelesPromio do Terceiro Livro do Tratado Da Alma de AristtelesTratado da Alma Separada. Promio.Tratado sobre alguns Problemas relativos aos cinco sentidos, divididos pelo mesmo
nmero de seces.Primeira seco: Resoluo dos problemas relativos faculdade de verSegunda seco: Resoluo dos problemas relativos audioTerceira seco: Resoluo dos problemas relativos ao som e vozQuarta seco: Resoluo dos problemas relativos ao olfactoQuinta seco: Resoluo dos problemas relativos ao paladarSexta seco: Resoluo dos problemas relativos ao tacto
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 17
- Pequenos Naturais/Parva Naturalia (1593)Comentrios do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus aos Livros de
Aristteles intitulados Os Pequenos Naturais/ Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu In libros Aristotelis, qui Parva Naturalia appellanturPromio
- tica/Ethica (1593) Algumas Disputas do Curso Conimbricense sobre os Livros da tica a Nicmaco de Aristteles integrando certos precpuos captulos da disciplina de tica/ In libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum, aliquot Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus praecipua quaedam Ethicae disciplinae capita continenturPromioAcerca dos livros morais de Aristteles, particularmente da Moral a Nicmaco1 Disputa: Acerca do Bem2 Disputa: Acerca do Fim3 Disputa: Da Felicidade4 Disputa: Dos trs princpios dos actos humanos: vontade, intelecto e apetite
sensitivo5 Disputa: Da bondade e da malcia das aces humanas em geral6 Disputa: Dos estados da alma que se chamam paixes7 Disputa: Das virtudes em geral8 Disputa: Da prudncia9 Disputa: Das restantes virtudes morais1 Questo: Da Justia2 Questo: Da Fortaleza3 Questo: Da Temperana
APOIOS BIBLIOGRFICOS
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 18
Comentrios do Colgio Conimbricense da
Companhia de Jesus a Toda a Dialctica de Aristteles
Estagirita
Lisboa 1606
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 19
PROMIOAS ARTES: QUEM AS INVENTOU E EM QUE POCA29
Os Gregos vangloriam-se de ter inventado as artes. Os Caldeus proclamam o
mesmo a seu respeito. Quem tero sido os primeiros a inventar as artes, assunto
frequentemente discutido por muitos autores. Os Gregos, tal como reivindicavam para si
o nome e a fama da sabedoria, como coisa prpria, assim se vangloriavam de terem sido
os inventores das artes. Os Caldeus, pelo contrrio, proclamavam que, muitos sculos
antes de a Grcia ter comeado quer a aprender quer a ensinar, j tinha surgido entre
eles o conhecimento dos temas maiores.
A Antiguidade venerou muitos brbaros como os primeiros inventores das
artes. Na verdade, agora manifestamente evidente que, nos tempos antigos, a sabedoria
no floresceu apenas entre os Gregos, e que muitos daqueles que a Antiguidade venerou
em nome de uma doutrina singular, como os primeiros fundadores das cincias, eram
maioritariamente oriundos de povos brbaros, visto que, deixando outros de lado, Tales
era de origem fencia; Mercrio egpcio; Zoroastro persa; Atlas lbio ou frgio; Anacrsis
cita; e Ferecides srio. E deste modo se torna claro que, tal como em outros pontos,
tambm neste Epicuro delirou, ao dizer que ningum, excepto os gregos, foi capaz de
filosofar.
Os Gregos aprenderam muito com os outros. Alm disso, os mais conceituados
autores atestam que os gregos aprenderam muito com os estrangeiros, nomeadamente
Eusbio, nos livros 9 e 10 da Preparao Evanglica; Cirilo, no livro 1, Contra Juliano;
Clemente, no primeiro das Tapearias; Justino Mrtir na Parenese aos povos; Josefo nos
dois livros Contra pion, entre outros.
Estabelece-se Deus como autor das artes. De facto, se quisermos ser justos
avaliadores das coisas, devemos estabelecer que as artes liberais no foram inventadas,
em primeiro lugar, nem pelos gregos nem pelos brbaros; pelo contrrio, a sua origem
ter sido muito mais antiga e mais nobre. Com efeito, Deus, o criador de toda a
realidade, precisamente no incio da formao do mundo, atribuiu aos primeiros pais do
gnero humano, entre outros dons da natureza e da graa, o claro conhecimento, no
apenas das coisas divinas, mas tambm das humanas e das naturais. Pois no convinha
que os prncipes e criadores de to grande famlia recebessem a alma com se fosse uma
tbua rasa, como ns, mas adornada pela mo do divino artfice e polida pelas imagens
das coisas inteligveis e pelas luzes das cincias, em relao a toda a excelncia e
variedade da beleza. Foi de Deus, portanto, como fonte primeira, que emanaram as artes
29 Trad.: F.M.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 20
liberais, e depois de Ado para os seus filhos e deles para os descendentes, e ao fim de
uma longa srie de anos, como evidente a partir dos documentos dos escritores antigos,
derivaram para os Hebreus, para os Caldeus, para os Egpcios, para os Gregos, para os
Latinos e para as outras naes do orbe terrestre. De seguida, floresceram os Magos dos
Assrios e dos Persas, os sacerdotes dos Egpcios, os semaneus dos Bactros, os brmanes
e os gimnosofistas dos Indianos, os druidas dos Gauleses, os sbios Gregos, os doutores
Latinos, bem como outros homens engrandecidos pelo particular louvor da cincia.
E no obsta ao que dizemos, ou seja transmisso hereditria das cincias desde
os primrdios do mundo s idades subsequentes, o facto de alguns serem reconhecidos
como os primeiros inventores das artes. Na verdade, como a maioria delas, pela injria
dos tempos, ou pela negligncia dos homens, no s perderam o esplendor primitivo,
como foram extintas, ou por completo, ou quase; houve alguns homens eminentes pelo
seu engenho que as salvaram do desaparecimento, ou as tornaram mais ilustres, graas a
novas descobertas, a quem, por isso, foi atribuda a sua inveno, e assim se conservou a
memria de que o inventor da Dialctica foi Zeno de Eleia, o da Filosofia Natural Tales
de Mileto, o da disciplina Moral Scrates, o da Astrologia Atlante, e muitos outros
exemplos. Porque se quisermos tambm falar das artes que tratam do modo de fazer uma
obra extrema, consta que algumas delas, absolutamente desconhecidas numa dada poca,
foram descobertas alguns sculos mais tarde, como a Calcografia e aquela que inventou
o p das mquinas de guerra.
Visto que os antigos, ao procurar, com todo o empenho e assduo labor, a
verdade secreta e escondida das artes liberais no caminharam todos pela mesma via,
nem seguiram os mesmos princpios, nem sequer os mesmos mestres, mas, divididos
pela rivalidade das faces, repartiram-se em vrias seitas, quase como famlias; no
ser de modo nenhum adverso ao que se estabeleceu reduzir ao mnimo essas seitas, os
seus mentores e seguidores, e coloc-las de certa maneira sob um s ponto de vista, de
modo a que a meno destas coisas no currculo da filosofia seja recorrente, e assim
sejam evidentes e conhecidas pelos ouvintes.
SOBRE AS SEITAS DAQUELES QUE, AO LONGO DOS TEMPOS, ENSINARAM AS ARTES LIBERAIS E A FILOSOFIA, SOBRETUDO A ITLICA E A INICA.
O que motivou a designao atribuda s seitas dos filsofos. A designao das
seitas dos Filsofos, como Amnio as colige no promio s Categorias de Aristteles,
foi-lhes atribuda por vrios motivos. Por causa da escola, como os Acadmicos e os
Esticos; por causa de alguma actividade, nomeadamente pela deambulao, como os
Peripatticos; por causa do mestre, como os Pitagricos, de Pitgoras; por causa da sua
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 21
ptria, como os Cirenaicos, de Cirene, ptria de Aristipo; por causa do estilo de vida,
como os Cnicos, assim chamados por serem mordazes nos seus gracejos contra os vcios
como costume dos ces; por causa da finalidade da Filosofia, por exemplo, os
Hedonistas, isto , os voluptuosos, como os Epicuristas; por causa do modo de pensar,
como os Efcticos, os Cpticos e os Pirrnicos, isto , os inibidores, os pesquisadores e
os hesitantes, que inibiam qualquer juzo sobre qualquer questo e nada estabeleciam,
mas ocupavam-se sempre das tarefas de pesquisa e observao, e discutiam sobre tudo.
Isto relativamente aos nomes das seitas.
Das duas seitas principais provieram as outras. Depois, cumpre saber que
existiram essencialmente duas seitas de filsofos antigos, a partir das quais se
propagaram as restantes, como referem S. Agostinho, no livro 8 da Cidade de Deus,
captulo 2, e Plutarco, no livro 1, das Sentenas, captulo 3, entre outros autores.
O mentor da Itlica foi Pitgoras. O mentor da Itlica foi Pitgoras, que incitado por
uma incrvel dedicao cincia, depois de ter escutado com ateno o srio Ferecides, o
filsofo de maior renome e autoridade entre os sbios do seu tempo, deambulou para
conhecer os lugares mais longnquos da terra, e depois de iniciado em quase todos os
mistrios Gregos e brbaros, chegou quela parte da Itlia a que chamam Magna Grcia,
e nessa sede escolhida ensinou Filosofia, com grande afluncia e nobreza de ouvintes
entre os habitantes de Crotona, e chamou sua escola Pitagrica, por causa de si mesmo,
e Itlica, pela regio.
No h consenso sobre a poca. Sobre a sua poca, h um dissdio espantoso entre os
autores. Todavia, a partir dos escritos, parece poder concluir-se com maior probabilidade
que atingiu o auge no perodo que vai da sexagsima septuagsima Olimpada. A
propsito desta questo, Clemente de Alexandria, no livro 1 das Tapearias, S.
Agostinho, no livro 18 da Cidade de Deus, captulo 37; Lvio, no livro 1, dcada
primeira, e Dionsio de Halicarnasso, livro 2.
Enumeram-se os seguidores de Pitgoras. Enumeram-se, entre os seguidores de
Pitgoras, o seu filho Telauges, Empdocles, Epicarmo, Arquitas de Tarento, Alcmon de
Crotona, Hpaso de Metaponto e Filolau. Mas, no que diz respeito evoluo da seita, as
coisas deram-se deste modo: a Pitgoras sucedeu o filho Telauges, a este Xenfanes, a
ele Parmnides, a Parmnides Zeno de Eleia, a Zeno Leucipo e Demcrito, a
Demcrito muitos outros, entre os quais Nausfanes e Naucides, a quem depois sucedeu
Epicuro. Advirta-se, porm, que alguns distinguiram a seita Eletica, sob Teleauges, filho
de Pitgoras, da Inica, como se fosse uma terceira, que alguns fizeram depender da
Itlica.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 22
Os Epicuristas no tanto como filsofos, mas como gado dos Filsofos. Sobre o grupo
dos Epicuristas, nada diremos no momento presente, porque estes no foram
propriamente Filsofos, mas , ou seja, como diz S. Jernimo, o gado dos
filsofos, visto que constituram o sumo bem do homem num s prazer do corpo,
negando a providncia de Deus e a imortalidade das almas e por isso so indignos de
serem contados entre os filsofos.
O fundador da escola inica foi Tales. O primeiro dos sete sbios. Sobre a sua
poca. Quem lhe sucedeu. O fundador da escola inica foi Tales, como referem Leandro
e Herdoto; de nacionalidade fencia, e como outros consideraram mais correctamente,
milsio, da nobilssima cidade inica de Mileto. Da que (como refere Eusbio, segundo
Taciano, na Preparao Evanglica, cap. 3) tenha sido o primeiro dos sete sbios, e,
como afianou Aristteles, no livro 1 da Metafsica, captulo 3, foi o primeiro a instituir
a Filosofia Natural. Atingiu o apogeu por volta da quinquagsima olimpada, como
afirma Clemente de Alexandria, no primeiro livro das Tapearias. Sucederam-lhe, por
ordem, Anaximandro, Anaxmenes, e Anaxgoras de Clazmenas, que transferiu a escola
da Inia para Atenas, e teve como sucessor Arquelau, preceptor de Scrates, que os
orculos da Ptia consideraram o mais sbio de todos. Os seus mais nobres alunos foram
Aristipo, fundador da seita Cirenaica, Antstenes, da Cnica, e Plato, da Acadmica.
DA SEITA DOS ACADMICOS E DOS ESTICOS
Em que tempo viveu Plato. Na poca de Plato, que foi entre a octogsima
oitava e a centsima oitava olimpada, existiram muitos homens importantes em todo o
tipo de cincias.
Contemporneos de Plato. Seus elogios. Na histria, Xenofonte; na Astrologia,
Eudoxo; na Retrica, Iscrates; na filosofia pitagrica, Arquitas de Tarento; na Cnica,
Digenes. No entanto, o prprio Plato brilhou entre os restantes com um resplendor mais
forte e mais vasto, como se fosse a luz mais cintilante de todas as cincias. De facto, tinha
tal riqueza oratria e tal encanto, como atesta Ccero no De claris oratoribus, que alguns
disseram que se Jpiter falasse grego, no haveria de usar outro discurso seno o de
Plato, o que as abelhas pareceram anunciar-lhe quando, na infncia, pousaram sobre a
sua boca.
Descodificou o texto sagrado. Alm disso, escreveu tanto e de forma to hermtica sobre
as coisas divinas, que facilmente se mostra o que alguns autores deram a conhecer, que
ele deslindou os textos sagrados como um intrprete aplicado e dessas fontes irrigou os
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 23
seus pequenos jardins. Refere, pois, Clemente de Alexandria, no livro 1 das Tapearias, e
Eusbio, no livro 9, captulo 3, da Preparao Evanglica, que Aristbulo Judeu,
Peripattico de cognome, nos comentrios aos livros de Moiss, editados por ele mesmo,
que enviou ao rei Ptolomeu Filometor do Egipto, afirmou que os escritos de Moiss
tinham sido traduzidos para a lngua grega antes do imprio de Alexandre e dos Persas, e
que tinham sido lidos por Pitgoras e por Plato. Ora Plato, na Academia, que era um
verdejante espao suburbano, situado a mil passos de Atenas, ensinou Filosofia; da que
os seus discpulos fossem chamados Acadmicos, por causa do lugar.
Os sucessores de Plato. Teve como sucessores Xencrates, Palmon, Crantor e Crates.
Gostavam de dissimular a sua sabedoria e no aderir obstinadamente a nenhuma das
posies em disputa.
Por que que Arcesilau o mestre da ignorncia. Seguiu-se depois Arcesilau de
Ptane, discpulo de Crates, fundador da Academia mdia, ou nova, a quem Lactncio,
com pleno direito, apelidou de mestre da ignorncia, no livro 3, captulo 5, pois foi o
primeiro, na Academia, a negar publicamente que existisse qualquer coisa que pudesse
ser conhecida. Depois de Arcesilau, aps algumas interposies, brilhou Carnades de
Cirene, que alguns afirmam ter sido o mentor de outra Academia, ou seja, da terceira,
porque concordava parcialmente com Arcesilau e parcialmente com Espeusipo.
De onde veio o nome dos Esticos. Os Esticos tambm tiraram o nome do
local, , isto , do Prtico. Houve, de facto, em Atenas, um prtico de
notvel riqueza, pintado por Polignato, onde eles costumavam reunir-se para as suas
disputas. Zeno, o fundador desta seita, chamado Ctio, seguramente por ser de Ctio, em
Chipre, presidiu escola com cinquenta e oito anos, e tal era a sua notoriedade junto dos
Atenienses que o ornaram com uma coroa de ouro e uma esttua de bronze.
Grave dissdio entre os Acadmicos e os Esticos. Houve, porm, um grave e perptuo
dissdio entre Acadmicos e Esticos. Os primeiros eram a tal ponto versteis, na
disputa, que persistiam apenas na leveza e na inconstncia. Os outros agarraram-se com
teimosia contra muitos paradoxos, e mais ainda contra muitas opinies que os Poetas
asseveraram, e no atingiram o meio-termo em nenhuma questo, todas reduziram
necessidade e inflexibilidade.
Cleantes, o Estico de nobre linhagem. Depois de Zeno, houve insignes Esticos,
como Cleantes, entre outros, a que Ccero chama o Estico de grande linhagem;
Digenes Babilnico; Crisipo, filho de Apolnio, insigne pelo elogio da Dialctica e
escritor de inmeros livros, de quem se disse ter amparado e sustentado nos seus ombros
o prtico dos Esticos; e tambm Pancio, que Ccero confessa imitar, nos livros dos
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 24
Deveres. E depois, j no imprio de Nero, o filsofo Sneca, seu preceptor, e Epicteto,
oriundo de Hierpolis, cidade da Frgia, cuja admirao pela sua vida to longa
sobressaiu entre os demais, como relata Luciano Srio, que a lanterna de barro de
Epicteto se tinha vendido por trs mil dracmas por causa da sua notoriedade.
DA SEITA DOS PERIPATTICOS. DO ENGENHO E DO ENSINO DE ARISTTELES
Aristteles foi o mentor dos Peripatticos. O mentor dos Peripatticos e o mais
importante de todos foi Aristteles, filho de Nicmaco, seguramente de Estagira da
Macednia, pelo que foi chamado Estagirita.
Em que tempo viveu. Nasceu por volta do ano 381, antes do parto da Virgem. Mas
quando decorria o dcimo stimo ano da sua vida, tendo previamente escutado as lies
de Scrates por trs anos, dedicou-se disciplina de Plato, e entregou-se ao seu Ginsio,
por volta dos vinte anos. Depois de regressar da delegao com a qual tinha sido enviado
pelos Atenienses ao rei Filipe, ao ver que, na sua ausncia, Xencrates tinha presidido
escola da Academia, escolheu o Liceu, onde viria a ensinar Filosofia.
Disputava enquanto caminhava. E porque, de facto, disputava enquanto caminhava,
rodeado pela turba dos alunos, ele prprio foi chamado Peripattico, e os seus seguidores,
Peripatticos.
Encmios de Aristteles. Sobre o admirvel engenho de Aristteles e a sua
agudeza de esprito, tanto nas descobertas como nos juzos e nas disposies, sobre a
sua singular dedicao cincia, sobre a absoluta perfeio em todo o tipo de doutrina,
h muitos encmios nos textos dos escritores. Plato ora lhe chamava Leitor, porque
se dedicava leitura dos filsofos antigos com uma dedicao incansvel, ora Filsofo
da verdade, ora mente da Academia. Isto porque, certa vez, ao entrar no ginsio,
como no estava l Aristteles, conta-se que ter dito: ,
isto , falta o filsofo da verdade. E depois, tendo faltado de novo, disse:
, ou seja, a mente no veio. E Quintiliano, sobre o mesmo assunto, diz: E
quanto a Aristteles? Duvido se hei-de consider-lo mais notvel pelo conhecimento das
matrias, pela riqueza dos escritos, pelo encanto do discurso, pela agudeza das
descobertas ou pela diversidade das obras. Plnio, por seu lado, tanto o apelida de
homem supremo em todas as cincias, como homem de uma subtileza imensa. J
Averris afirma que ele um exemplo apresentado para que nele todos os homens
possam compreender e admirar quanto a mente dos mortais capaz de perceber e
quanto permitido progredir ao engenho humano.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 25
Esttua erigida em sua honra. Pausnias, no livro 6, escreve que lhe foi dedicada uma
esttua, o que tambm ele prprio tinha procurado erigir ao seu preceptor Plato.
Seus sucessores. Sucederam a Aristteles nobres Peripatticos; para alm de
outros, Teofrasto, Estrton de Lmpsaco, fsico de cognome, Demtrio de Falero,
Jernimo, Cratipo, Boeto e muitos outros, em diferentes pocas.
Intrpretes gregos. Teve tambm ilustres intrpretes, como Alexandre de Afrodsia,
Porfrio, Temstio, Simplcio, Pselo, Amnio, Plutarco e Filpono. Entre eles, deixando de
lado os restantes, Alexandre, que foi contemporneo de Justino Mrtir e do mdico
Galeno, estudou quase todos os livros de Aristteles com tanto conhecimento que nenhum
Aristotlico haveria que no fosse Alexandrino.
Intrpretes Latinos. Tambm os Latinos esclareceram dignamente as obras de Aristteles
com os seus comentrios, nomeadamente Severino Bocio, que consta ter vivido na poca
de S. Bento e com ele ter estabelecido amizade. Depois, Averris, que por causa da sua
diligente explanao obteve o epteto de Comentador; e posteriormente Alberto Magno,
seguido de imediato por S. Toms, prncipe da Teologia escolstica.
Mas o que mais valoriza Aristteles e lhe concilia a glria imortal o facto de,
estando as seitas de outros filsofos j quase extintas e sepultadas, a famlia peripattica
crescer de dia para dia e florescer. No s abraaram a sua doutrina, nos tempos antigos,
aqueles a quem ainda no tinha aparecido a luz da disciplina celeste, com o supremo
estudo; como tambm os Filsofos e os eruditos Telogos, iluminados pelo brilho da
divina f, ho-de servir-se dela muitas vezes, ao longo de vrios sculos a partir de
agora, para explicar as questes maiores e mais importantes, e no apenas na Fsica e na
Dialctica, como tambm nas questes de ordem moral e nas divinas.
Ora, costuma perguntar-se por que razo to grande filsofo, a quem no
faltava nem a fora do engenho, nem a riqueza do discurso, para explicar claramente o
que tinha apreendido com o intelecto; por que razo, repito, tantas vezes obscuro, a
ponto de dificilmente poder ser entendido, sobretudo naqueles livros a que chamam
Acroamticos, que so de doutrina mais importante e de feitura mais polida? Cumpre
saber que, antes de Aristteles, houve duas razes para obscurecer a filosofia: a
primeira, daqueles que filosofaram poeticamente, a outra daqueles que filosofaram por
hierglifos; os primeiros teceram os princpios das artes liberais e os segredos da
natureza atravs de fbulas, os outros por enigmas e figuras. Isto era deliberadamente
feito por eles (como notaram Flon Judeu, no livro intitulado Quod omnis probus sit
liber, e Larcio, no Pitgoras), para que os mistrios da filosofia no fossem objecto de
desprezo para o vulgo e para a multido ignorante; e tambm por isto, para desviarem
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 26
do seu estudo, remetendo-as para outras coisas consentneas, as inteligncias retardadas
e inaptas para filosofar. Embora o objectivo deles no desagradasse a Aristteles, este
ingressou ento por outra via de dissimulao. E assim, seguiu a brevidade Hipocrtica
na Acroamtica, escreveu num estilo sinttico, conciso e, por esse motivo, obscuro. Por
vezes, quanto mais difceis so as controvrsias, tanto mais disputa de forma obscura,
porque no tendo a convico suficiente quanto parte onde residia a verdade, como
tinha engenho hbil e prudente, envolvia, de propsito, a sua opinio na ambiguidade
das palavras. A estas razes da obscuridade, acresceram ainda outras. De facto, depois
de Aristteles ter chegado ao fim da sua vida, os seus livros jazeram muito tempo
enterrados na terra, da que estivessem corrodos pela putrefaco em muitos locais, e
quando foram extrados, um tal de Aplicon de Teos, por seu livre arbtrio, preencheu
mal aqueles locais e emendou-os. Sobre esta questo escreveu Estrabo, no dcimo
terceiro livro da sua Geografia, nestes termos: Aristteles deixou a biblioteca e a
escola a Teofrasto, o primeiro de todos os que conhecemos a congregar os livros e a
ensinar a sua ordem aos responsveis pela biblioteca do Egipto. Teofrasto transmitiu-a a
Neleu, e Neleu levou-a para Cpsis e doou-a aos descendentes, homens sem preparao,
que tinham os livros fechados e negligentemente arrumados. Tendo conhecimento do
desejo dos reis das vestes de ouro30, que os governavam, no sentido de recolher os livros
para guarnecer a biblioteca que era a de Prgamo, esconderam-nos numa cova debaixo
da terra, onde foram molestados pelos vermes e pela humidade, e por fim, j nesse
estado, entregaram-nos a Aplicon de Teos, a troco de muita prata. Aplicon, como era
mais dedicado aos livros do que sabedoria, querendo reparar as corroses, mandou-os
transcrever, embora a escrita no fosse correctamente complementada. Por isso,
publicou os livros cheios de erros. o que diz Estrabo. Tambm as verses latinas
aumentaram a obscuridade de Aristteles. Enquanto algumas transcrevem muito
escrupulosamente palavra por palavra, copiam a sintaxe grega, e espalham as trevas
sobre Aristteles, de tal modo que nem parece falar grego nem latim, e por vezes torna-
se difcil de perceber; outras, porm, usam de excessiva liberdade na verso, na medida
em que agem mais como parafrastas do que como tradutores, procuram a afectao das
palavras e o ornato do discurso, fogem ao contexto31, e afastam-se muito da opinio de
Aristteles, de tal modo que, por causa disso, os que se agarram a essas verses,
castigam Aristteles, repreendendo com repugnncia grande parte da sua obra.
30 Rei Ptolomeu II, do Egipto (Cf. Estrabo, Geografia, XIII). N. T.31 Extra chorum uagantur.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 27
PROMIO DO COMENTRIO ISAGOGE DE PORFRIOSOBRE O AUTOR, O OBJECTIVO, O TTULO, A ORGANIZAO E A UTILIDADE DESTA OBRA
Acautelou-se, por lei, que, entre os Areopagitas, ningum usasse do promio
ao discursar. Foi institudo por lei, entre os Areopagitas segundo refere Aristteles no
incio da Retrica a Teodecto que os advogados das causas no pudessem, de modo
nenhum, usar do promio, isto para que no gastassem o tempo numa longa divagao
de palavras e em tortuosos meandros. Agia-se, por isso, com prudncia, no Arepago e
nos processos forenses. No entanto, no Liceu e no ensino das artes liberais, h outra
norma. Nestes domnios, quando se pretende narrar alguma coisa de forma apurada e de
acordo com o mtodo filosfico, convm fazer uma apresentao prvia, de modo a que
os espritos se preparem para aprender. Isso o que ns vamos fazer, nesta primeira
abordagem ao comentrio, mas com muito menos palavras do que os intrpretes
costumavam fazer.
Nacionalidade, origem, vida e ensinamentos de Porfrio. Assim sendo,
comecemos pelo que acontece em primeiro lugar. O autor desta obra foi Malco,
cognominado Porfrio, de nacionalidade fencia, originrio de Tiro, ou (como Barnio
afirma por certo, no tomo II, dos seus Anais) de nacionalidade judia, nascido na Batnia,
que uma cidade da Judeia. Quanto aos ensinamentos, no era to aristotlico como
platnico, conforme demonstram os seus escritos. Viveu durante o imprio de
Aureliano, Diocleciano, e depois de Constantino. Teve como preceptores Plotino e
Longino Crtico; foi condiscpulo de Orgenes, como lembra Eunpio na Vida de
Porfrio. Teve como aluno, entre outros, Crisario, patrcio Romano, a pedido de quem
publicou esta obra. Isto porque, Crisario, que vivia em Roma, tendo debruado a sua
ateno sobre as Categorias de Aristteles sem conseguir compreend-las, pediu por
carta ao seu preceptor, que ento, segundo parece, estaria junto do Lilibeu, o
promontrio da Siclia, ocupado a compor a histria da erupo do Etna, e conseguiu
que o mestre compusesse especialmente para si, este livrinho , sobre As
Categorias de Aristteles.
Porfrio, mgico, desertor e opositor da f crist. De facto, Porfrio no s foi
adepto das supersties das artes mgicas, como tambm um desertor e um opositor
muito insolente da religio crist, segundo atestam S. Jernimo, na Epstola aos
Glatas, S. Agostinho, no livro 19 da Cidade de Deus, captulo 23, bem como Suidas e
outros autores. No ser verdadeiramente indigno de ser contabilizado entre os
Filsofos, apesar de ser lido nas escolas?
Por que razo se l nas escolas. L-se, porm, no s porque as matrias que
compila neste livro, tirou-as em grande parte das fontes da doutrina de Plato e de
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 28
Aristteles; mas tambm porque, tal como o povo Hebreu enriquecia com o ouro dos
Egpcios, desprezando as imagens dos deuses que nesse material tinham sido moldadas;
assim a filosofia crist enriquece de bom grado com as doutrinas de quaisquer outros,
mesmo dos adversrios (se, porm, nada tm que falte verdade). A isso reporta o dito
de S. Agostinho, no livro 2 da Doutrina Crist, captulo 40: os que so chamados
filsofos, se por acaso disseram o que verdade e se adequa nossa f, sobretudo os
platnicos, no s no se devem temer, mas alm disso, devem-lhe ser reivindicadas
essas verdades, enquanto injustos possuidores, para que ns as possamos utilizar.
Ttulo da obra. O ttulo da obra , isto introduo, que no mais
do que o princpio pelo qual algum comea a ser instrudo, desde os primeiros
elementos, em alguma arte ou doutrina. Ccero, no Luculo, chama-lhe primeira instruo.
Aulo Glio, no livro 16, captulo 8, diz: Querendo ns seguir e aprender as disciplinas
dialcticas, foi necessrio procurar e conhecer aquelas a que os Dialcticos chamam
.
Razo deste ttulo. Mas, perguntam, e bem, os intrpretes, por que razo este
tratado tomou um nome comum como prprio, pois no se intitula introduo
Dialctica, mas ambiguamente introduo. Importa pensar que a razo o facto de a
Dialctica anteceder as restantes partes da filosofia, na ordenao do ensino, e com todo
o direito era a introduo que preparava para a aprendizagem, e por isso devia chamar-
se por esse nome, como se fosse prprio, por antonomsia, na qualidade de primeira de
todas, como promio comum a toda a filosofia. Isto foi notado por Simplcio, Bocio,
Alberto Magno e outros comentadores.
O objectivo de Porfrio tratar dos cinco conceitos universais. O objectivo de
Porfrio tratar dos cinco conceitos: Gnero, Espcie, Diferena, Prprio e Acidente, os
quais se designam com o termo comum de Universais ou Predicveis. Todavia, caiu em
controvrsia, entre os autores, qual seria, de facto, o assunto desta obra.
Primeira posio sobre o assunto deste tratado. Na verdade, Amnio, no prefcio a
Porfrio, e Bocio, no dilogo primeiro, coluna 2, bem como Averris no grande prlogo
aos Posteriores, alm de outros, asseguram que o assunto so esses tais cinco conceitos,
na medida em que so teis para conhecer a doutrina das Categorias.
Segunda opinio. No entanto, Escoto, na questo 7 sobre este livro, bem como os seus
seguidores e os Lovanienses, pensam ser o Universal. Tanto uns como outros recorrem a
argumentos plausveis.
Argumentos a favor da primeira opinio. Eis os argumentos dos que
defendem a primeira opinio:
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 29
Primeiro. O objecto de uma obra aquele que o autor se prope explanar, mas Porfrio
afirma que vai explicar estes cinco conceitos; logo, estes conceitos so a matria tratada.
Segundo. Crisario pediu a explanao desses mesmos conceitos para compreender as
Categorias de Aristteles; logo, se Porfrio correspondeu ao pedido, indicou esse
mesmo assunto.
Terceiro. Toda a lgica sobre a linguagem; este livro parte da Lgica; logo, a sua
matria a linguagem, e em particular, nada mais do que estes cinco conceitos.
Argumentos a favor da segunda posio. Os outros argumentam assim:
Primeiro. O assunto deste tratado, na medida em que isso pode ser feito, convm ser
uno: ora, aqueles cinco universais no tm unidade, a no ser no Universal em geral;
no s se supe que o Universal est presente neste tratado, como so demonstradas as
suas espcies, e tudo o que se predica sobre as espcies, excepto o que lhes diz respeito
segundo as razes prprias, atribudo ao Universal; estas so as condies do assunto;
logo, o assunto da Isagoge o Universal.
Segundo. A explicao do Universal pertence Lgica; no h, porm, outra parte desta
cincia em que se trate abertamente e numa perspectiva geral; logo, deve atribuir-se a
esta obra como assunto prprio.
Conciliam-se as opinies anteriores. Se estas duas posies contm alguma
diferena, deve preferir-se a segunda, com a tal moderao que vamos aplicar.
Dissemos, se so diferentes, porque provvel que uns e outros autores pensem o
mesmo. Porque os que constituem os conceitos como assunto, no os tomam na acepo
material, enquanto sons, nem apenas como significados que dizem respeito ao
gramtico, mas como um certo conhecimento das coisas em si mesmas, na medida em
que servem para compreender as Categorias e os modos de construir o discurso. Mas,
isto equivale a considerar que estes universais, na medida em que conduzem s outras
partes da Dialctica, so matria do presente tratado. Todavia, como tudo converge
numa nica razo comum do Universal, considera-se, e bem, que o assunto o prprio
universal. O que uns aceitam, por ser uno; e outros, por compreender claramente as suas
partes.
O Universal, como predicvel, constitui o assunto desta obra. Porque se no
quiserem chegar a acordo os autores da primeira posio, dizemos com Escoto que o
Universal o assunto desta obra, no tanto de acordo com a razo do Universal, como
do Predicvel. Visto que a Dialctica direcciona, de facto, todas as suas foras para a
verdade ou falsidade, necessidade ou contingncia das proposies, em qualquer
circunstncia presta mais ateno ao modo de predicar do que ao modo de ser (como
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 30
iremos explicar de forma mais alargada na questo sobre a diviso dos Universais). E
como o modo de ser diz respeito ao Universal, enquanto Universal; o modo de predicar,
pelo contrrio, diz respeito ao mesmo, enquanto predicvel; segundo esta razo, nesta
obra disserta-se essencialmente sobre o Universal.
Objecta-se. De onde se pode resolver a instncia, que contra esta posio
costuma levantar-se, nestes termos: perscrutar o que o Universal compete ao primeiro
filsofo, pois este considera a ordem e a distino dos superiores e dos inferiores, a
unidade formal e numrica, e sem o conhecimento destas coisas dificilmente se
distingue o Universal. Sobre isto disserta Aristteles, em parte no livro 4 e em parte no
livro 7, a partir do captulo 13.
Responde-se. Mas respondemos que a considerao do Universal, enquanto Universal,
compete ao Metafsico; embora a sua considerao, enquanto predicvel, seja
especulao Lgica, prpria desta obra. Na verdade, nos Tpicos disserta-se pouco
sobre os Universais e apenas o modo como se aplicam s questes dialcticas.
Dissolvem-se os argumentos da primeira posio. Os argumentos a favor da
posio que constitui os conceitos como assunto da Isagoge so fceis de esclarecer:
Primeiro. Ao primeiro respondemos que Porfrio designou neste lugar todas as espcies
do gnero, para indicar de forma mais precisa a matria de que iria tratar.
Segundo. Ao segundo, que talvez Porfrio respondesse demanda de forma mais cabal
do que tinha sido proposto por Crisario, porque no seria verosmil que o filsofo
romano tivesse dvidas apenas sobre o sentido das palavras. Um e outro pretendiam,
pois, uma explicao dos universais. Um fez o pedido, o outro fez a exposio.
Terceiro. Relativamente ao terceiro, ns no negamos que a linguagem seja o assunto
desta parte da Dialctica, tal como se diz que a linguagem o assunto das restantes
partes. Na verdade, esta essencialmente interna e favorvel razo comum do
Universal. De facto, do mesmo modo que no objecto significado est o Universal e
esto as espcies sob ele contidas, assim nos signos internos est o Uno, prprio do
Universal em si, e outras coisas que dizem directamente respeito s espcies. Mas sobre
este ponto diremos mais nos Antepredicamentos.
Demonstra-se que o ensino destes conceitos universais pertence Dialctica.
E assim, torna-se evidente que este ensino pertence Dialctica e faz parte dela, ainda
que Bocio o tenha negado com aquela conjectura por que razo se chamava introduo
Lgica. Deixa-se levar, porm, por um leve indcio, pois no inconveniente haver
uma ordem entre as inmeras partes de uma mesma cincia, para que uma prepare o
caminho que leva a outra. Porfrio no disse que esta Isagoge conduzia Dialctica,
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 31
mas s categorias, divises, definies, etc., de modo a que no parecesse exclu-la do
conjunto das partes da Dialctica.
Estrutura da obra. A estrutura da obra resume-se a duas partes: a primeira
delas contm o prefcio; a outra o comentrio aos cinco conceitos. Mas esta segunda
bipartida. Na primeira parte, revela-se cada um dos universais em separado. Na ltima,
comparam-se todos entre si, para que se torne visvel o que tm de comum, de prprio e
de peculiar. Sobre a sua utilidade, com Porfrio, dispensamo-nos de a referir.
PROMIO DO COMENTRIO AOS LIVROS DAS CATEGORIAS DE ARISTTELES ESTAGIRITA32SOBRE O AUTOR E O TTULO DESTE LIVRO
Alguns negaram que Aristteles fosse o autor deste livro. O que nesta
primeira abordagem aos livros de Aristteles parecia dever dizer-se, tanto sobre a razo
de os ensinar como de os escrever, foi genericamente insinuado, em parte no incio da
Dialctica, em parte no promio da Fsica. Pelo que, na explanao de cada uma das
obras, falta apenas este trabalho de demonstrar quem o seu autor e qual o seu
objectivo particular.
Bocio demonstra, atravs de trs argumentos, que Aristteles foi o autor deste livro.
Ora, o facto de Aristteles Estagirita ser o autor deste livro, embora Jmblico tenha
duvidado (da autoria de Bocio) e alguns autores de menor importncia o tenham
negado, todavia ponto assente entre todos os Peripatticos, o que confirma Bocio
atravs de trs argumentos sobre este ponto. Primeiro, porque Aristteles, nas restantes
obras, em tudo concorda consigo mesmo nesta obra. Segundo, porque a brevidade e a
subtileza do estilo levam a identificar Aristteles. Terceiro, porque de outro modo teria
elaborado uma obra incompleta, se, com a inteno de escrever sobre os silogismos,
tivesse omitido as proposies, de que derivam directamente, ou os simples conceitos,
de forma mais indirecta.
Demonstra-se que h vrias obras de variados autores sobre os predicados.
Existiram, pois, muitas obras semelhantes sobre os predicados, elaboradas por outros
autores, que muitas vezes chegaram a dar lugar a enganos. De facto, ainda que
omitamos Arquitas de Tarento, que foi o primeiro de todos a distribuir o ente em dez
classes, e cuja obra, escrita em lngua drica, Mirandula afirma ter perdurado at ao
momento, no livro 4, De examine vaniitatis. Teofrasto, Eudemo e Fnias de reso
discpulos de Aristteles, escreveram, seguindo o seu exemplo, sobre os dez gneros
supremos, e Adrasto de Afrodsia publicou um outro livro sobre o mesmo assunto, que
costuma ser apresentado como de matriz aristotlica. Tambm na Biblioteca de
32 Trad.: F.M.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 32
Filadelfo, foram encontrados dois, cujo autor Amnio, que afirma que um deles de
Aristteles.
Verdadeiro ttulo da obra. O ttulo da obra, da autoria de Porfrio, ainda que se
afirme muitas outras coisas, foi todavia vulgarizado e aceite como Categorias de
Aristteles.
De onde vem o nome de Categorias. Porfrio acreditou que este vocbulo fora trazido
por Aristteles do uso forense para as escolas; significa, de facto, aquele
discurso de acusao que se executa nos julgamentos para incriminar, pois
significa acuso. E no invulgar diz Porfrio que os grandes filsofos, quando
descobrem algo desconhecido, ou inventem vocbulos, ou transfiram alguns do uso
corrente que revestem de nova significao.
O nome de Categorias ou Predicados entendido de vrios modos. ais
fecunda, porm, a interpretao de outros, que por entenderem que o verbo
significa o mesmo que predico ou enuncio, consideram que o mesmo
que a enunciao de algo sobre outra coisa, e por isso dispem as coisas nestas dez
classes, de tal modo que as superiores sejam afirmadas sobre as inferiores, de acordo
com a ordem da natureza; e com razo essas mesmas classes so designadas em grego
por Categorias, e em latim por Predicados, um vocbulo cujo autor, entre os latinos,
parece ter sido Bocio. Admite-se, todavia, seja Categorias, seja Predicados, por
vezes em relao a toda a srie constituda pelos superiores e inferiores; outras vezes
apenas em relao ao gnero supremo de cada predicado. Ora, o que significa
formalmente o predicado, o que vamos apreciar nas questes.
MATRIA, ORDEM, UTILIDADE E DISPOSIO DESTE LIVRO.
Sobre a matria deste livro h duas posies. To certo , entre todos os
intrpretes, que neste livro se trata dos predicados, como entre eles ambguo se a
matria principal so os conceitos ou as coisas.
Primeira posio. Averris e Caetano, neste livro, bem como Avicena, no incio da sua
Lgica, afirmam que so as coisas.
1 argumento. Primeiro porque se disserta sobre os aspectos a partir dos quais os
predicados se desenvolvem, pois um tratado sobre os predicados, mas os predicados
apenas se desenvolvem a partir das coisas; as coisas, e no os conceitos, que se dizem
gneros, espcies e indivduos.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 33
2 argumento. Em segundo lugar, trata-se principalmente daquilo cujas propriedades se
transmitem, mas as propriedades, que so atribudas a cada um dos predicados, dizem
respeito s coisas e no aos conceitos; portanto, as coisas so o assunto principal.
2 posio. Alexandre, Simplcio, Amnio, Porfrio, Siriano e Bocio ensinam o
contrrio, ou seja, que a matria mais importante so os conceitos, o que parece ter
querido dizer Aristteles, no captulo 4 desta obra, quando ao distinguir os predicados o
faz atravs dos conceitos, e assim, afirma que aqueles que se dizem no ter qualquer
composio significam os singulares ou a substncia, ou a quantidade, ou a qualidade,
etc.
Opta-se pela segunda posio. A ltima posio muito mais verdadeira, desde
que no negue que na presente obra tambm se disputa sobre as coisas, que constituem os
predicados, embora com uma importncia secundria.
1 razo. Fundamenta-se a primeira parte desta resoluo. Primeiro, porque a Dialctica
uma cincia totalmente lingustica; portanto, todas as suas partes, enquanto tal, dizem
especial respeito linguagem, sobretudo interior.
2 razo. Alm disso, neste livro d-se a conhecer os princpios para constituir
proposies e silogismos; e como as proposies e os silogismos so constitudos por
palavras significantes, e no por coisas significadas; logo, as palavras so o principal
assunto tratado nesta obra. Segunda parte, de onde se torna evidente por que razo nem as
palavras, enquanto significativas, podem ser suficientemente inteligidas sem alguma
revelao das coisas significadas, nem Aristteles as revelou de outro modo nos captulos
seguintes; na verdade, pela explicao da substncia, da quantidade, etc., exps o que
eram os vocbulos simples que exprimem o seu significado.
Resolvem-se os argumentos da primeira posio. Daqui se torna manifesta a
resposta aos argumentos da primeira posio, na medida em que contrariam a segunda.
Em relao ao primeiro, embora possamos admitir que nos Predicados se coloca em
primeiro lugar as coisas; negamos, todavia, que este tratado seja sobre o que se pe em
primeiro lugar nos Predicados, mas sobre os signos pelos quais se exprimem, e que
tambm tm a designao dos gneros, das espcies, etc. Quanto segunda, deve negar-
se que se trate em primeiro lugar as coisas cujas propriedades se explicam, pois como as
palavras simples so mais evidentes, os seus significados so explicados no s pelas
partes essenciais, mas tambm pelas propriedades. Acrescente-se que no s as
propriedades das coisas mas tambm das palavras so tratadas nesta obra, pois, no
captulo 5, Aristteles afirma que prprio das substncias significar algo que apenas se
pode adequar s palavras.
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Curso Jesuta Conimbricense. Antologia 34
Que lugar na ordem das artes cabe a este livro. No que diz respeito ordem,
este livro pode ser comparado, quer a outras partes da filosofia, quer s restantes partes
da Lgica; se for considerado no primeiro modo, no falta quem lhe impute o ltimo
lugar, ou seja, o mesmo que atribuem Metafsica (da qual alguns autores acreditam
fazer parte este livro).
Muitos negam que tenha um lugar certo e provam-nos com argumentos. Outros no
lhe concedem um lugar definido na ordem das artes, mas asseveram que pertence
simultaneamente a todas as artes. Os primeiros recorrem a estes argumentos.
1 argumento. De todas as cincias prprias, s a Metafsica considera o ente como
objecto proporcionado; logo, s ela deve considerar a imediata diviso do ente em dez
gneros, que nesta obra se estudam aprofundadamente, pois a ela compete explicar uma
certa natureza da qual prprio perscrutar uma diviso semelhante nos inferiores.
2 Argumento. Os modos de predicar, a partir dos quais Aristteles e os outros filsofos
coligem os Predicados neste livro, fundam-se nos modos do ser, como foi dito em
Porfrio, mas os modos de ser pertencem ao Metafsico, no ao Lgico; logo, os modos
de predicar tambm lhe dizem respeito; alm disso, as artes progridem na ordem do
ensino, se a forma for explicada pela primeira arte e o fundamento, sem o qual esta
forma no pode ser inteligida perfeitamente, pela ltima.
3 Argumento. O Dialctico no considera quais so os materiais predicados, mas quais
e quantos so os modos formais de predicar, e separados de toda a matria; logo, inquire
quantos so os gneros das coisas; o que predicado no lhe diz minimamente respeito,
mas ao Metafsico.
Alguns autores consideram que o estudo dos Predicados no diz respeito a
nenhum filsofo33 em particular. Quem nega que a explicao dos Predicados diga
respeito a um determinado filsofo argumenta deste modo. No h cincia nem arte que
se debruce sobre todos os gneros de coisas, mas cada uma assume o encargo de
ponderar uma determinada parte; logo, o trabalho de explicar todas as Categorias, que
contm todas as coisas, no h-de pertencer apenas a uma, mas a todas as artes em
simultneo.
Os Predicados dizem respeito ao Metafsico e ao Lgico por razes
diferentes. Todavia, a posio comum de todos os intrpretes importantes de que os
Predicados dizem respeito simultaneamente ao Metafsico e ao Lgico, por diferentes
razes; porque,