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© 2014 TJ Curioso [email protected] Projecto apoiado por: Fórum Português de Ex-‐Testemunhas de Jeová http://testemunhasdejeova.forumeiros.com.pt Embora este artigo possa ser partilhado com o objetivo de divulgação e informação, o seu conteúdo não deve ser reproduzido, vendido ou copiado sem autorização expressa do autor.
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Comissão Judicativa nas Testemunhas de Jeová – em que consiste e como se processa –
Breve resenha sobre a origem das Testemunhas de Jeová e sua perspetiva doutrinal As Testemunhas de Jeová (TJ) surgiram nos E.UA. no final do séc. 19, pelas mãos de Charles Taze Russell. Este homem desde jovem interessou-‐se pelas profecias bíblicas e as especulações existentes em torno do chamado Segundo Advento de Cristo, ou seja, seu retorno como juíz e representante de Deus para julgar os vivos e os mortos, estabelecendo a partir desse momento um reino milenar que recriaria o paraíso na Terra para a humanidade e ao mesmo tempo, levando para os céus os cristãos fiéis para reinar junto com ele (arrebatamento). Ele interessou-‐se pelas profecias estabelecidas pelos milenaristas e defensores do Segundo Advento, acreditando que era possível através de determinados cálculos proféticos estabelecer o ano exato em que tal retorno se daria. A data de 1914 foi assim estabelecida como o ano em que Cristo voltaria na glória do seu reino. Desde então, as TJ têm apregoado o estabelecimento do Reino de Deus nos céus neste ano, e embora tenham havido vários ajustes na interpretação em torno desta data, ela nunca mudou como data central no cumprimento dos propósitos divinos, segundo as TJ. Desde relativamente cedo, as TJ acreditaram que a sua forma de adoração era a restauração do cristianismo original e que todas as outras religiões eram, e são, uma falsificação promovida por Satanás, de modo a desviar a humanidade de servir a Deus e serem salvos. Elas promovem por isso, um proselitismo intensivo e extenso em todo o mundo, acreditando que a menos que as pessoas a quem pregam saiam da sua religião (mesmo que se afirme cristã), e entrem para a sua religião, estas estarão condenadas por Deus, aquando do Armagedão, a Guerra do Dia de Deus Todo-‐Poderoso. Sendo assim, elas encaram com maus olhos todos aqueles que, estando na sua religião optam por sair de livre vontade (dissociação) ou que são expulsos (desassociação) por não cumprirem com as regras impostas pela religião. Para estas, tais pessoas sairam para o “mundo de Satanás” e a menos que se arrependam e regressem à “arca” simbólica de Deus, a Sua Organização terrestre, serão destruídas. Orientações da Organização sobre Desassociação/Dissociação Desde os finais dos anos 40, foram estabelecidas normas cada vez mais restritivas para com aqueles que eram expulsos, chegando com isso ao ponto de ser proibido o contato entre TJ batizadas e pessoas desassociadas (expulsas). Alguns anos mais tarde, aqueles que saíram de livre vontade (dissociação) passaram também a sofrer desta exclusão, não apenas religiosa, mas também social.
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Tal norma restritiva, estendeu-‐se não apenas aos amigos e membros da religião, mas também à família que permanece na religião, sendo incentivada a cortar praticamente todos os laços afectivos e sociais com os parentes que foram expulsos ou decidiram sair. Inúmeros artigos ao longo dos anos foram escritos, estabelecendo as regras e normas congregacionais com respeito a estes casos. Mas todas as TJ são ensinadas que as orientações provindas da Organização religiosa à qual aderiram são, na sua essência, orientações divinas, pois os seus líderes são encarados como “ungidos” ou designados por Deus. A religião funciona assim como uma teocracia, onde existe uma centralização autoritária com peso divino, chamado pelas Testemunhas de “Organização”, de onde são emanadas todas as normas e diretivas organizacionais e doutrinais a que cada TJ deve cumprir. Ela é encarada como representante de Deus na Terra. Tendo isto em mente, é preciso perceber que quando surgem notícias sobre casos em que TJ decidem não aceitar transfusões de sangue e por isso morrem, as afirmações dos líderes religiosos da seita são enganadores quando dizem que ela seguiu a sua “consciência treinada pela Bíblia”. É enganadora esta afirmação, pois o que na realidade se passou foi que ela aceitou como tendo autoridade divina, a interpretação da religião com respeito a esse assunto. Ela não chegou às suas próprias conclusões por si mesma, mas foi levada a acreditar que a religião estava certa na sua interpretação sobre esse assunto. Com respeito à forma como as TJ encaram o processo e o tratamento da desassociação/dissociação passa-‐se a mesma coisa. Muitas vezes, quando entrevistados, os líderes da religião afirmam que a forma como as TJ tratam seus parentes desassociados e dissociados é uma decisão estritamente do foro pessoal, fazendo crer que a religião não tem qualquer influência nessa decisão. Mas as provas de que tal perspetiva é absolutamente falsa estão à vista, ao se recorrer às publicações estudadas e ensinadas nas TJ. Inúmeras publicações ao longo dos anos estabeleceram limites, cada vez mais restritivos com respeito à associação com pessoas expulsas ou que saíram de livre vontade da religião, em especial com respeito a parentes. Visto que algumas TJ têm desconsiderado tais orientações, nos últimos anos, vários artigos foram publicados em livros e revistas da seita, de modo a reforçar tais orientações segregadoras e descriminadoras, fazendo crer às TJ, que se quiserem agradar a Deus e ser-‐lhe leais, teriam que cortar ao máximo o vínculo social e familiar com familiares e ex-‐companheiros TJ. Isso acaba por criar um efeito de pressão de grupo, pois as TJ são incentivadas a delatar umas às outras, quando as vêem envolvidas em algo que viole as normas organizacionais ou doutrinais. Isso acontece, por exemplo, no caso de ver uma TJ a fumar, celebrando uma festividade condenada pela religião (aniversários, Natal, etc.), ou até mesmo ao saber que alguém aceitou uma transfusão de sangue. Estes são apenas alguns exemplos, pois existem cerca de 100 situações em potencial pela qual uma TJ pode ser expulsa da religião ou pelo menos, seriamente advertida (o que pode incluir a perda de alguns “privilégios” na congregação). Examinemos então algumas publicações que estabelecem as normas para a forma de tratar um desassociado ou dissociado.
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O livro “Mantenha-‐se no Amor de Deus”, no seu apêndice com o tema “Como tratar uma pessoa desassociada”, pág. 207, afirma o seguinte:
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Conforme se depreende desta leitura, a orientação é clara. O contato com uma TJ desassociada/dissociada é considerado um ato de deslealdade para com Jeová (Deus), e mesmo a associação ou contato regular com um parente nestas condições é considerado nessa perspetiva. Note-‐se que não se estabelece limites de parentesco. Existem casos em que filhos deixam de cuidar e ter associação com pais idosos e vice-‐versa. Netos que deixam de ter associação com avós, porque um dos lados está fora da religião e por aí adiante. Até mesmo casos de divórcio surgem quando um dos cônjugues é desassociado/dissociado, sendo encarado pelo cônjugue “fiel” como um perigo para a sua espiritualidade. Muitos casos judiciais resultantes da luta pela guarda parental têm sido abertos nestas circunstâncias. Este tipo de segregação e discriminação, é perpretado por uma religião que se tem colocado na posição de campeã internacional pelo direito à Liberdade Religiosa e Direito de Liberdade de Expressão, tendo ganho em vários tribunais internacionais o direito ao culto e à promoção da sua religião (proselitismo). No entanto, apesar de tentar mostrar-‐se como um paladino neste campo, o que se passa dentro dos muros da religião é exatamente o oposto. Os dissensores são mortos socialmente e desprezados, vilipendiados e ostracizados como merecedores da morte divina. Mas porque tal posição é assumida? Porque incentivar e pressionar o corte de laços com parentes que foram expulsos ou desejaram sair? Deixemos que seja a própria liderança a expôr os reais motivos, no seguinte artigo da revista A Sentinela, 15 de Abril de 2012, parág. 16, 17, pág. 12 (ver página seguinte).
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É fácil perceber nestes dois parágrafos, a manipulação e chantagem emocional exercida sobre aqueles que se vêem ostracizados ao sairem da religião. A liderança sabe que a pressão psicológica a que são sujeitos os ex-‐membros é intensa e provocadora de sentimentos depressivos. Casos de suicídio têm sido relatados, vez após vez, pois nem todas as pessoas conseguem gerir de forma suficientemente equilibrada os seus sentimentos ao se verem privadas, num abrir e fechar de olhos, de todo o seu núcleo social e familiar. Não se pode ignorar o facto de que uma pessoa que adere às TJ, é desde o começo da sua doutrinação na seita, incentivada a afastar-‐se de pessoas “mundanas”, sejam elas familiares ou amigos. A pessoa é levada a crer que ter associação íntima com pessoas fora da fé, é prejudicial para sua recém-‐encontrada espiritualidade e que o melhor que a fazer é desenvolver amizade apenas com aqueles que “amam a Jeová”.
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Que dizer então daqueles que já nasceram na religião e onde toda a sua estrutura afetiva e social depende inteiramente do meio religioso congregacional? Basta fazer uma pesquisa na internet e visitar os inúmeros blogues, sites e fóruns que polulam e nascem todos os meses, onde é descrito o impacto negativo de tais políticas organizacionais e doutrinais, promovidas pela cúpula TJ. Inúmeros são também os vídeos no Youtube, onde pessoas, desde jovens a idosas, descrevem o tormento emocional de ver seus parentes e amigos, virarem-‐lhes as costas após a saída da religião, ficando absolutamente sozinhos o mundo, sem qualquer “rede” e tendo de iniciar do zero a sua vida social. Apenas se pode imaginar o que sente alguém, ao se ver confrontado com uma situação destas. Mas não sofrem apenas aqueles que são expulsos. Os familiares que ficam e que são ensinados e persuadidos a crer que o melhor para a pessoa é ser ostracizada, sofrem muitíssimo também. Vejamos como isso é reconhecido pela liderança, neste artigo da revista A Sentinela, 15 de Julho de 2011, pág. 31 (ver página seguinte). Como é claro, este artigo embora demonstre alguma empatia com os pais de alguém que “abandona a verdade”, é enfático em demonstrar que os pais não estão isentos de obedecer “às claras orientações de Jeová”, apenas porque são pais biológicos. Mais uma vez, a ostracização é ensinada como um mandado divino e aqueles que desobecem são encarados como desleais, fracos na fé e estando sujeitos à desaprovação divina. É com este tipo de manipulação e controle mental, que esta seita de alto controle consegue estabelecer critérios aparentemente desumanos e violadores das mais básicas noções de direitos humanos, sem no entanto fazer parecer isso mesmo. Tudo é feito em prol de uma suposta obediência a normas divinas superlativas, assim como acontece na questão do sangue. O indíviduo tem pouco ou nenhum valor, quando colocado na balança da obediência à liderança, pois as TJ acreditam que apenas por serem plenamente obedientes e submissos a esta, poderão ter a perspetiva de herdar o Paraíso terrestre instaurado por Jesus, aquando da Sua vinda. Milhares de famílias em todo o mundo são assim separadas e vêem seus vínculos familiares desmembrados apenas porque alguém decide abandonar a religião ou é expulso desta. É um verdadeiro desafio para todos os envolvidos e cria enormes problemas emocionais e sofrimento psicológico para quem tem esta situação em mãos.
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Apresenta-‐se ainda um breve resumo de outros artigos, escritos ao longo dos anos pela liderança das TJ sobre este assunto e que revela a mentalidade inculcada nos membros com respeito àqueles que saem de entre eles:
Sentinela 71 15/1 pág. 63 Perguntas dos Leitores “(...)Precisamos manter claramente destacado o fato de que não poder o desassociado gozar da companhia dos seus parentes cristãos não é culpa destes, como se o negligenciassem. Eles agem segundo princípios, princípios elevados, os princípios de Deus. O próprio desassociado é responsável pela sua situação; ele mesmo a causou. Que a responsabilidade recaia sobre aquele a quem cabe! (...)os cristãos fiéis têm a obrigação de manter de pé a ação de desassociação por evitarem a associação com o desassociado. Se este for parente que não mora na mesma casa, procurarão não ter associação nenhuma com ele.” Sentinela 83 1/4 pág. 31, 32 Perguntas dos Leitores “(...)se alguém for desassociado, deverá na ocasião ter realmente mau coração e/ou estar decidido a seguir um proceder que desonra a Deus. Pedro disse que a condição de tal é pior do que antes de se tornar cristão; ele é igual a 'uma porca que foi lavada, mas que volta a revolver-‐se no lamaçal'. (2 Pedro 2:20-‐22) (...)Outra espécie de falta pode ser sentida pelos avós cristãos leais, cujos filhos foram desassociados. Talvez se tenham acostumado a visitar os filhos regularmente, dando-‐lhes oportunidade de se deleitarem com os netos. Agora os pais foram desassociados por rejeitarem as normas e os modos de proceder de Jeová. De maneira que as coisas não são mais as mesmas na família. Naturalmente, os avós terão de decidir se alguns assuntos familiares necessários exigem contato limitado com os filhos desassociados. E poderão fazer, às vezes, que os netos os visitem.” NOSSO MINISTÉRIO DO REINO, AGOSTO DE 2002, pág. 3 “E quanto a falar com o desassociado? Embora a Bíblia não trate de cada situação possível, 2 João 10 nos ajuda a entender o conceito de Jeová sobre a questão: “Se alguém se chegar a vós e não trouxer este ensino, nunca o recebais nos vossos lares, nem o cumprimenteis.” Comentando isso, A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, na página 21, diz: “Um simples ‘Oi’ dito a alguém pode ser o primeiro passo para uma conversa ou mesmo para amizade. Queremos dar este primeiro passo com alguém desassociado? De fato, é como diz o mesmo número de A Sentinela, na página 27: “O fato é que, quando um cristão se entrega ao pecado e tem de ser desassociado, ele perde muito: sua posição aprovada perante Deus;.., a associação agradável com os irmãos, inclusive grande parte da associação que teve com parentes cristãos.” Morando na mesma casa: Será que isso significa que os cristãos que vivem na mesma casa com um familiar desassociado devem evitar falar, comer e se associar com ele ao cuidar das atividades diárias? A Sentinela de 15 de abril de 1991, na nota da página 22, diz: “Se numa família cristã houver um parente desassociado, essa pessoa ainda poderá participar dos procedimentos e das atividades normais e cotidianos da família.” Assim, fica por conta dos membros da família decidir até que ponto o parente desassociado precisa ser incluído quando tomam as refeições ou cuidam de outras atividades domésticas. Mesmo assim, devem evitar dar a impressão aos irmãos com quem se associam de que nada mudou depois da desassociação. Porém, A Sentinela de 15 de dezembro de 1981, na página 24, diz o seguinte a respeito do desassociado ou dissociado:”Os anteriores vínculos espirituais foram totalmente cortados. Isso se dá até mesmo com respeito aos seus parentes, inclusive os dentro do seu círculo familiar imediato....
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Isto significa mudanças na associação espiritual que possa ter existido no lar. Por exemplo, se o marido for desassociado, a esposa e os filhos não se sentirão à vontade se ele dirigir um estudo bíblico familiar ou liderar na leitura da Bíblia e na oração. Se ele quiser proferir tal oração, como numa refeição, tem o direito de fazer isso na sua própria casa. Mas eles poderão fazer calados as suas próprias orações a Deus. (Pro. 28:9; Sal. 119:145, 146) O que se dá quando o desassociado no lar quer estar presente quando a família lê a Bíblia em conjunto e tem estudo bíblico? Os outros poderão deixar que ele esteja presente para escutar, se não tentar ensiná-‐los ou transmitir suas idéias religiosas.” Depois de ouvir um discurso numa assembléia de circuito, um irmão e sua irmã carnal se deram conta de que precisavam mudar o modo como tratavam a mãe, que morava em outro lugar e havia sido desassociada seis anos antes. Logo depois da assembléia, o irmão ligou para a mãe e, depois de reafirmar seu amor por ela, explicou que não falaria mais com ela, a não ser que um assunto familiar importante exigisse esse contato. Pouco depois, a mãe começou a assistir às reuniões e, com o tempo, foi readmitida. Também, o marido dela, um descrente, passou a estudar e com o tempo foi batizado.”
Apenas estas citações, poderão demonstrar o que poderá acontecer a uma família unida e amorosa, quando um dos membros é desassociado ou dissociado. Conclui-‐se assim, que o processo de desassociação/dissociação nas TJ, não tem o mesmo significado e o mesmo impacto na vida de um membro, do que a saída voluntária ou involuntária de um membro de uma qualquer sociedade, religião, clube desportivo ou organização. Enquanto nestes, a saída do membro apenas implica na relação direta com a entidade à qual fazia parte, não se estendendo aos membros que permanecem na mesma e não havendo qualquer esforço da entidade em prejudicar a vida social e familiar do ex-‐membro, entre as TJ é exatamente o oposto. O ex-‐membro é banido do convívio social, não apenas do grupo religioso a que antes pertencia, mas é completamente ostracizado pelos membros que permanecem na religião devido ao controle e doutrinação exercida neste sentido. Até mesmo os membros que não são familiares da pessoa que sai, são ameaçados com a expulsão caso não obedeçam às orientações da Organização com respeito à forma de tratar desassociados e dissociados. No que diz respeito aos familiares, apesar de existir alguma complacência, conforme se depreende dos artigos, ainda assim, aqueles que tentam manter contacto com familiares que saíram são pressionados pelos anciãos e pela pressão de grupo, a pararem com tal contacto, através da pressão psicológica exercida sobre eles, resultantes destes artigos. Foi isso mesmo que foi trazido à atenção do Ministério Público no Ceará, um Estado do Brasil, por Sebastião Ramos, anterior membro do movimento religioso conhecido pelas Testemunhas de Jeová. E que razão levou Sebastião Ramos a fazer esta queixa contra a organização religiosa das Testemunhas de Jeová, conhecida como Torre de Vigia?
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Vejamos nas suas próprias palavras:
“Como se sentiria se a partir de amanhã seus amigos cortassem relações com você e não mais lhe cumprimentassem, caso te encontrassem na rua, no trabalho ou em qualquer outro lugar? Com certeza faria o possível para evitar essa situação vexatória. O mais grave seria quando parentes diretos, incluso sua mãe, seu pai, irmãos ou filhos limitassem o contato apenas a assuntos domésticos. Pior ainda se você não tivesse feito absolutamente nada que os prejudicassem. Humilhante, não? Pois é essa a situação de uma pessoa quando é desassociada ou pede dissociação da igreja Testemunhas de Jeová.”
Pelo testemunho de Sebastião Ramos, a ostracização a que foi sujeito desde a sua desassociação, levou-‐o a repensar toda a ideologia implantada pela estrutura religiosa a que tinha dedicado anos de sua vida. Infelizmente, às TJ não é dado o direito de sair da sua religião de cabeça erguida. Elas sofrem sempre um processo doloroso e psicologicamente traumatizante, pois sair do grupo equivale a perder a associação com aqueles que lhes são mais queridos, sejam eles familiares ou amigos dentro da seita. Esta é uma verdadeira chantagem emocional, travestida de doutrina bíblica, onde um membro que sai, se vê na condição de “morto social”, banido e desprezado por todos. Nem os laços familiares são respeitados. Esta atitude da parte de determinadas seitas e grupos de alto controle, é chamado pelos especialistas em “seitas destrutivas”, de “influência social destrutiva” (ver o artigo em anexo “Psicologia das seitas e grupos que usam “influência social destrutiva” e seu impacto na vida de seus membros”). Como se desenrola um processo judicial que conduz à desassociação As Testemunhas de Jeová vêem os anciãos como a autoridade congregacional competente para lidar com casos de transgressão a nível moral ou doutrinal. Visto que estes homens são designados diretamente pela Organização, através dos seus representantes na Filial, as TJ vêem a designação destes homens imbuída de um espírito místico (elas afirmam que os anciãos são designados por Espírito Santo). Sendo assim, as decisões que estes homens tomam, quer no sentido de condenar os “pecadores” ou “absolvê-‐los”, raramente é contestada e quem o faz corre o risco de ser mal visto e ser encarado como rebelde. Coloca-‐se assim também na situação de ser expulso da religião. Vamos passar a detalhar, com base no manual dos Anciãos, chamado de “Pastoreiem o Rebanho de Deus”, os procedimentos orientadores impostos pela Organização, e pelos quais os anciãos estabelecem aquilo que é chamada de Comissão Judicativa, que é nada mais, nada menos, que um tribunal eclesiástico.
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A partir da página 58 até à 79 do manual, são estabelecidos os critérios que podem conduzir ou não, à formação de uma comissão judicativa. São delineados os casos passíveis da formação da mesma, bem como as várias nuances de situações que têm de ser analisadas à luz da política organizacional e doutrinal da religião. Os anciãos não têm margem para fazerem decisões pessoais que vão contra ou saiam fora das margens “legais” pré-‐estabelecidas pela liderança. A partir da página 81 até à 87, são dados os princípios orientadores para a criação da Comissão Judicativa propriamente dita: quem a compõe, como se preparar para ela e como existem diferentes situações que requerem diferentes abordagens na forma de se realizar. São dadas também orientações de como fazer a convocação do acusado para a audiência judicativa. O esforço feito é sempre no sentido de ser uma convocação oral e não escrita. Só em último caso, é dada a hipótese para se fazer uma convocação por escrito. Isto se dá, porque a Organização não gosta de deixar provas documentais deste tipo de processos. É um tribunal eclesiástico à porta-‐fechada e não são admitidas pessoas representando o acusado. Quando a TJ acusada decide avançar com uma ameaça processual contra os anciãos, a Organização estabelece o seguinte, na pág. 86:
Quando o acusado ameaça processar os anciãos 17. Se o acusado ameaçar processar os anciãos, eles devem suspender os procedimentos e telefonar imediatamente para o Escritório. 18. Se um membro da mídia ou um advogado representando o acusado contatar os anciãos, eles não devem dar qualquer informação sobre o caso nem confirmar que uma comissão judicativa está cuidando do assunto. Em vez disso, devem dizer o seguinte: "O bem-‐estar físico e espiritual das Testemunhas de ]eová é de máxima importância para os anciãos, que foram designados para 'pastorear o rebanho'. Eles realizam esse pastoreio em caráter confidencial. Isso permite que quem procura a ajuda dos anciãos possa fazê-‐Io sem receio de que o que disser seja divulgado mais tarde. Por essa razão, não comentamos se os anciãos estão se reunindo ou já se reuniram para ajudar algum membro da congregação." Se for necessário, os anciãos poderão obter o nome e o número de telefone de quem os abordar e dizer que seu advogado entrará em contato. A seguir, devem telefonar imediatamente para o Escritório. 19. Se as autoridades quiserem ter acesso aos arquivos confidenciais da congregação ou pedirem que os anciãos prestem depoimento sobre assuntos confidenciais da congregação, eles devem telefonar imediatamente para o Escritório.
É importante mencionar nesta altura, que embora a reunião com a Comissão Judicativa seja feita à porta-‐fechada e em aparente sigilo, caso exista uma punição resultante em desassociação, é feito um relatório e preenchidos documentos internos fornecidos pela Organização, onde os motivos da sentença são detalhados e enviados para a Filial (conhecida pelas TJ com o nome de Betel, cujo nome no hebraico significa “Casa de Deus”). O ponto 33 a 34 descreve esse procedimento:
33. A comissão judicativa deve informar imediatamente o Escritório a respeito da desassociação, usando os formulários apropriados. Ao fazer o relatório, leiam e sigam com cuidado as instruções no formulário.
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34. Ao dar o caso por encerrado, o presidente deve guardar no arquivo confidencial da congregação num envelope lacrado, apenas as anotações e documentos necessários, um resumo detalhado do caso e os formulários S-‐77. Os anciãos da comissão não devem deixar nada guardado fora do envelope (incluindo anotações pessoais). No envelope deve-‐se escrever o nome do transgressor, os nomes de quem compôs a comissão judicativa (indicando o presidente), a acção tomada e a data da acção.
Assim, na realidade a chamada confidência eclesiástica não existe na prática e jamais a TJ acusada terá acesso a tais dados detalhando eventos da sua vida pessoal. Uma cópia destes registos fica no arquivo da congregação e talvez, por isso mesmo, o ponto 19 do manual diga de forma categórica:
19. Se as autoridades quiserem ter acesso aos arquivos confidenciais da congregação ou pedirem que os anciãos prestem depoimento sobre assuntos confidenciais da congregação, eles devem telefonar imediatamente para o Escritório.
A Organização sabe que neste respeito, existe uma lei de protecção de dados e que o cidadão tem o direito a ter acesso aos seus dados pessoais ou até mesmo a requisitar a destruição dos mesmos. Mas a maioria das TJ não sabe que tais documentos são preenchidos e enviados para a Filial, ficando alguns deles no arquivo da congregação, de modo que nunca chega a requerer acesso a eles. Existem casos em que TJ exigiram tais documentos, bem como a destruição de qualquer registo com seu nome e tal lhe foi negado, demonstrando falsamente a inexistência deles. Mas quem já serviu como ancião congregacional, sabe que tais documentos existem e são usados sempre. A partir da pág. 89, são detalhadas as orientações sobre como proceder durante a Comissão Judicativa e o modo como os anciãos devem avaliar a situação. O ponto 3, na página 90 afirma:
3. Escutem apenas as testemunhas com informações relevantes sobre a suposta transgressão. Não se devem permitir depoimentos de quem pretende falar apenas sobre o caráter do acusado. As testemunhas não devem ouvir detalhes nem depoimentos de outras testemunhas. Não é permitida a presença de observadores para dar apoio moral. Não é permitido o uso de aparelhos de gravação.
Este parágrafo mostra de forma clara e inequívoca, que a pessoa acusada não tem o direito à presença de testemunhas abonatórias, mas apenas aquelas que poderão ter algum tipo de acusação contra ela. Não sendo permitida a gravação da Comissão Judicativa, a pessoa fica absolutamente desprotegida nos seus direitos, pois poderá no futuro ser acusada de ter dito ou feito algo durante a reunião, sem que existam provas documentais ou gravações que comprovem isso mesmo. Como a palavra dos anciãos tem validade acima de qualquer outra, será sempre a palavra da pessoa contra a palavra dos anciãos, que neste aspeto têm uma posição soberana, embora exista a possibilidade de ela recorrer da decisão até no máximo um prazo de 7 dias, conforme o ponto 27, na página 100. Com este resumo, pretendeu-‐se dar um vislumbre do que de mais secreto se passa a nível congregacional, relativo a Comissões Judicativas. É claro que a pessoa que é convocada para tais reuniões, é apanhada completamente desprevenida e por vezes, nem mesmo sabe o que se passa.
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É comum anciãos tentarem negar aos convocados a razão para tal convocação, demonstrando falta de empatia por aquele que está prestes a ser julgado, onde uma decisão negativa mudará completamente o rumo da sua vida e trará consequências gravíssimas a nível social, familiar e psicológico. As Testemunhas de Jeová são levadas a crer que todas as decisões proferidas por uma Comissão Judicativa têm apoio divino e que é o Espírito Santo de Deus que guia tais homens nas decisões proferidas. Conforme mostra o manual, no cap. Oito, pág. 104, as Audiências de Apelação servem muitas vezes para reparar decisões erradas da primeira comissão, demonstrando que erros grosseiros são passíveis de acontecer. O problema é que uma TJ que se veja enredada neste processo, muitas vezes não encontra forças ou capacidade emocional para recorrer da decisão. Outras vezes, existe de tal maneira um complô entre as Comissões Judicativas e as Comissões de Apelação que dificilmente a justiça será feita. Visto ser um processo secreto, onde poucos ou nenhuns dados transparecem, a pessoa fica completamente sujeita aos caprichos e decisões pessoais dos juízes religiosos. Onde isto ocorre com maior frequência, é quando a TJ é acusada de apostasia. O manual “Pastoreiem o Rebanho de Deus”, define do seguinte modo esta expressão na página 65:
Apostasia. Apostasia significa desvio da adoração verdadeira, deserção, rebelião, abandono.
Segundo o entendimento da liderança, isto inclui:
• Celebrar feriados da religião falsa. (Êxo. 32:4-‐6; Jer. 7:16-‐19) Nem todos os feriados estão diretamente ligados à religião falsa e, por isso, nem sempre exigem acção judicativa.
• Participar em atividades ecumênicas. (2 Cor. 6:14, 15, 17, 18) Atos apóstatas incluem curvar-‐se diante de altares e imagens, e participar em cantos e orações da religião falsa. – Rev. 18:2, 4.
• Espalhar deliberadamente ensinos contrários à verdade bíblica ensinada pelas Testemunhas de Jeová. (Atos 21:21, nota; 2 João 7, 9, 10) Qualquer pessoa que tiver dúvidas sinceras deve ser ajudada. Conselhos firmes e amorosos devem ser dados. (2 Tim. 2:16-‐19, 23-‐26; Judas 22, 23) Se alguém obstinadamente persiste em promover ou divulgar de forma deliberada ensinos falsos, isso pode ser apostasia ou levar a ela. Se a pessoa não mudar de proceder após receber um ou dois avisos, deve-‐se formar uma comissão judicativa. – Tito 3:10, 11; w891/10 p. 19; w861/4 pp. 30-‐31; w8615/3 p. 15.
• Causar divisões e promover seitas. Trata-‐se de acções deliberadas para desunir a congregação ou minar a confiança dos irmãos na organização de Jeová e no modo como ele cuida dos assuntos. Isso pode envolver apostasia ou levar a ela. – Rom. 16:17, 18; Tito 3:10, 11; it-‐3 pp. 556-‐557.
• Manter um emprego que faz com que a pessoa promova a adoração falsa ou se torne cúmplice dela, mesmo após ter tido tempo suficiente para fazer os ajustes necessários (talvez ate seis meses), é base para desassociação. – w99 15/4 pp. 28-‐30; km 11/76 pp. 3-‐6.
• Prática de espiritismo. – Deut. 18:9-‐13; 1 Cor. 10:21, 22; Gál. 5:20. • Idolatria. (1 Cor. 6:9, 10; 10:14) Inclui o uso de ídolos, imagens ou qualquer outro tipo de
objeto ou gravura na adoração falsa.
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A TJ acusada de apostasia, raramente sai absolvida de uma Comissão Judicativa, a menos que faça uma retratação ou consiga provar que aquilo que disse foi mal interpretado pelas testemunhas acusatórias. Ser acusado de apostasia, é uma das acusações mais sérias que uma TJ enfrenta, pois falar sobre a Organização de forma negativa, seja por questionar os seus procedimentos organizacionais, seja por pôr em causa entendimentos doutrinais, é equivalente a falar contra o próprio Deus, pois a Organização é encarada como representante de Deus na Terra, bem à semelhança da forma como o Papa e a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) são encarados pelos católicos. Nas Testemunhas de Jeová, não existe um líder singular como na ICAR, mas existe um grupo pequeno de líderes, denominado Corpo Governante, bem semelhante ao Colégio Cardinalício na ICAR. É o Corpo Governante, composto atualmente por 8 homens, que governa toda a comunidade religiosa das TJ, em toda a terra, ultrapassando atualmente mais de 7 milhões de pessoas. Não apenas decidem os destinos da Organização, como estabelecem as doutrinas pelas quais as TJ se devem reger e as políticas organizacionais a serem seguidas pelas Filiais, Congregações e corpos de anciãos em toda a terra. Nos últimos anos, devido à expansão da internet, muitas TJ têm vindo a público desmascarar e demonstrar os erros grosseiros, alguns deles com muitos anos de história desta organização religiosa. Muitos destes têm pago tal postura, com o ostracismo decorrente das Comissões Judicativas aqui discriminadas e reveladas. É o único meio que a religião tem para calar os dissidentes que vêm a público, de forma livre, falar sobre aquilo que sabem da religião. Um apóstata é encarado como estando sendo manipulado por Satanás, e é encarado à partida pelas restantes TJ como sendo mentiroso, independentemente das provas e evidências que apresente. Ao ser tachado de apóstata, ele passa a ser evitado por seus anteriores irmãos da fé e repudiado como merecedor da morte no Armagedão. É a forma mais fácil que a Organização tem de silenciar aqueles que têm coragem de discordar da mesma e expôr as suas falhas organizacionais e/ou doutrinais. Foi isso que aconteceu, por exemplo, com Barbara Anderson e Will H. Bowen, quando resolveram expôr em público políticas organizacionais que demonstravam o encobrimento e protecção dadas a predadores sexuais dentro das congregações, demonstrando que a política das duas testemunhas, exigida pela Organização para desassociar um abusador, ia contra os melhores interesses das vítimas menores, bem como as orientações de não entregar tais abusadores às autoridades e mantê-‐los incógnitos. A Organização mesmo sabendo que tais políticas eram prejudiciais para as crianças e que centenas delas tinham sido abusadas, decidiu continuar com tais políticas, preferindo negar tudo, incluindo a posse de uma lista nos seus arquivos dos E.U.A. com mais de 20.000 suspostos abusadores, e expulsando aqueles que vieram a público expôr tal situação.
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Desde então, caso após caso, tem surgido nas notícias, demonstrando como tal política de protecção de abusadores tem sido nefasto para tantas crianças nas congregações. Um dos casos mais recentes ganhou protagonismo, ao ser declarado em tribunal, uma pena de cerca de 20 milhões de dólares à Watchtower (Torre de Vigia), por ter encoberto o abuso sexual que resultou em várias violações de menores, incluindo a de Candace Conti, aos nove anos de idade. Ela ganhou o processo e tornou-‐se mundialmente famosa, por ter demonstrado publicamente coragem em se expôr e contar a sua história. Foi uma verdadeira luta entre David e Golias, em que mais uma vez, o David venceu de forma retumbante perante a colossal e poderosa organização religiosa conhecida como Watchtower (Torre de Vigia). Embora este caso não seja singular, ainda assim serviu para trazer a lume estas políticas organizacionais nefastas, que estão longe da imagem de pureza e santidade que a Organização das Testemunhas de Jeová tenta passar para o público. Esta breve descrição serve assim para mostrar como os interesses da religião, estão acima dos melhores interesses do indíviduo e que muitas vezes, nestas comissões judicativas, é a imagem da Organização que interessa e não a “saúde espiritual” do indivíduo. Tudo dependerá em grande medida do assunto em pauta e do corpo de anciãos que formará a Comissão Judicativa. Mas também dependerá em muito das orientações provindas da Filial. Em último caso, será ela que irá destinar o futuro da pessoa que está sendo julgada, sem quaisquer direitos ou pretensões a uma defesa imparcial, justa e clara. Sendo tudo feito como que numa câmara secreta, bem ao estilo do processo inquisitório de há centenas de anos, nada garante que a pessoa será tratada de forma justa e será, em último caso, a opinião dos seus inquisidores que resultará na sua absolvição ou condenação. Trata-‐se assim de um julgamento sumário, digno de regimes totalitários, onde os direitos do réu são inexistentes e onde o poder concentra-‐se sempre do lado dos acusadores e juízes. Esperamos que este resumo tenha servido para elucidar a todos, o que está envolvido num processo judicial, naquilo que é conhecido entre as TJ como Comissão Judicativa.