comissários das ordens militares

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    in Isabel Cristina Ferreira Fernandes (Coord.),As Ordens Militares. Freires, Guerreiros,Cavaleiros.Actas do VI Encontro sobre Ordens Militares, Vol. 1,GEsOS / Municpio de Palmela, Palmela, 2012.

    COMISSRIOS DASORDENS MILITARES E

    COMISSRIOS DO SANTO OFCIO:DOIS MODELOS DE ACTUAO1

    Fernanda OlivalUniversidade de vora CIDEHUS

    Pretende-se neste texto comparar a actuao das duas entidades com maior peso nadefinio e apuramento da honra em Portugal: o Santo Ofcio e as Ordens Militares. Efec-tuavam as habilitaes com os mesmos parmetros e cuidados? Que perfil e preparao

    tinham os seus agentes que operavam na periferia e fora dos tribunais?Como sabido, a honra em larga medida assentava na limpeza de sangue na socie-

    dade peninsular. Podia esta no ser plenamente efectiva, mesmo no Santo Ofcio, comorecentemente foi demonstrado2, mas era um tpico marcante na vida dos actores sociaisda poca. A este respeito as provas so inmeras, tanto mais que a honra era cotao quese obtinha e se desfazia quase sempre na arena da comunidade. Apenas dois exemplos, oprimeiro de 1730 e o segundo de 1758. Numa gazeta manuscrita relatava-se que um fradea quem outro apelidou de judeu o fes desdizer por escripto e lhe cortou hua orelha desinal3. Este tipo de ofensa era tida como profundamente gravosa, a ponto de exigir clarasdemonstraes de oposio, deixadas patentes aos olhos de todos. No segundo caso,invoquem-se as recomendaes de D. Leonor Ana Lusa de Portugal Sousa Coutinho, dafamlia do Conde do Redondo, em carta ao marido, 4 Morgado de Mateus, estando elagrvida do primognito: ...no se esquea da ama[tratava-se de escolher a ama] que no_______________________________________________

    1 Trabalho desenvolvido no mbito do projecto, financiado pela FCT, COMPETE, QREN e FEDER:PTDC/HAH/64160/2006.2Cf. Joo de Figueira-Rgo, A honra alheia por um fio: os estatutos de limpeza de sangue no espao deexpresso Ibrica (sc. XVI-XVIII), Braga, Dissertao de doutoramento em Histria Moderna, apresentada Universidade do Minho, 2009.3As Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pblica de vora, ed. de Joo Lus Lisboa, Tiago C. P. dos ReisMiranda, Fernanda Olival, Vol. I (1729-1731), Lisboa, Colibri, CIDEHUS.UE, CHC.UNL, 2002, p. 78.

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    tenha nada nem de judia nem de mulata que muito preciso estas circunstncias e desculpe

    tudo isto lembrando-se do rifo das velhas: quem no quer ser lobo no traz vista o plo4

    .A honra influa, assim, em muitas escolhas ao longo da vida e no quotidiano. Manter apureza de sangue exigia cuidados permanentes, pois podia facilmente incorrer-se em dife-rentes tipos de riscos.

    Quer a entrada no Santo Ofcio, quer nas Ordens Militares, oferecia uma maior ga-rantia contra os imprevistos neste campo. Alm disso, ajudava a consolidar a honra, emtermos globais.

    Para efectuarem as habilitaes que apuravam a qualidade dos que pretendiam in-

    gressar, tanto a Inquisio como a Mesa da Conscincia e Ordens dispunham de uma redede comissrios. sobre o modo como actuavam estes elementos que versa este texto.Pretende-se analisar o que se sabe sobre a constituio destas redes, que tipo de pre-parao tinham os comissrios e genericamente como se orientavam para intervir naelaborao das provanas.

    1.

    A historiografia tem admitido que a rede de comissrios do Santo Ofcio ter-se-iainiciado no final da dcada de 1570 ou na seguinte. O assunto est, no entanto, ainda malesclarecido.

    A da Mesa da Conscincia ter comeado na sequncia dos definitrios resultantesdo captulo geral de 1619 e seguramente ter-se-ia inspirado na rede castelhana doConselho das Ordens e, eventualmente, na do Santo Ofcio portugus.

    Os pormenores sobre a gnese destas redes continuam ainda hoje por desvendar e aescassez de fontes no que respeita s Ordens pouco contribui para o efeito.

    No Santo Ofcio, vrias habilitaes de clrigos dos anos de 1570 e 80 no indicavama que cargo se destinava o pretendente e muitas delas no incluam os despachos doInquisidor-mor ou Conselho Geral, pelo que a data precisa para os primeiros comissriosno fcil de estabelecer. H tambm a registar diversas ordens do Inquisidor Geral parao efeito, como a que foi dada em 1584, no sentido de serem criados comissrios em luga-res mays principaes que tomem informaes sumarias nas cousas que pertencem ao Santo

    _______________________________________________

    4Nem o tempo nem a distncia: correspondncia entre o 4 Morgado de Mateus e sua mulher, D. Leonor dePortugal (1757-1798), transcrio, introduo e notas de Helosa Liberalli Bellotto, Lisboa, Altheia Ed.,2007, carta 7, p. 67.

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    Officio e retifiquem as testimunhas, como se faz em Castella; e so clrigos os mays idoneos

    que se acho5

    . Em Novembro desse ano pedia-se Inquisio de Coimbra para que hajaCommissarios nos lugares convenientes para fazerem os negcios do Santo officio e se tomecom elleio nos familiares fazendo numero, e lugares em que sero necessarios6. Sendoassim, alguns familiares tero assumido estas funes, o que ainda torna a abordagemdeste problema mais complexo. O primeiro familiar inequivocamente nomeado para aInquisio de vora datou de Julho 15757, mas o primeiro comissrio s o foi em 1586.Era este ltimo era vigrio perptuo da Igreja Matriz de Campo Maior. Ficava encarregadodaquela vila e das mais villas e lugares que lhe forem limitadospela Inquisio de vora8.

    A partir dos livros das criaes, este corresponde ao primeiro indivduo identificvel comsegurana como comissrio nos trs tribunais metropolitanos.

    O uso de comissrios ter-se- desenvolvido com alguma lentido. No regimento dotribunal de 1613 eram unicamente contemplados numa parte de um captulo, simples-mente para referir: Haver mais em cada um dos lugares principais de cada distrito daInquisio, mormente nos portos de mar e assim nos lugares de frica e nas Ilhas daMadeira, Terceira e S. Miguel, Cabo Verde e S. Tom e capitanias do Brasil, um comissrioe um escrivo de seu cargo(Tt. I, cap. II). Parece que estes agentes deviam dar atenosobretudo aos espaos litorneos, fossem eles de Portugal Continental ou de fora dele.

    Apenas no regimento de 1640 apareceu um ttulo inteiro (XI do L I) dedicado aoscomissrios, com um total de 14 pargrafos, dois dos quais (12 e 13) direccionados paraos notrios que os acompanhavam.

    A partir da segunda metade do sculo XVII ter sido feita uma espcie de separata

    desses artigos e foi impressa autonomamente9. Seria este um procedimento tambm re-

    gistvel pelo menos no sculo XVII, noutras instituies com prticas rotineiras, como era

    o caso das Ordens Militares castelhanas e das cerimnias de entrada10. O novo texto_______________________________________________

    5Citado por Elvira Cunha de Azevedo Mea,A Inquisio de Coimbra no sculo XVI: a instituio, os homens ea sociedade, Porto, Fund. Eng. Antnio de Almeida, 1997, p. 178.6ANTT, Conselho Geral do Santo Ofcio, L 160, fl. 2v.7Tratou-se de Jernimo de Torres, pedreiro, morador em vora, abaixo do Cho das Covas, mestre na obrade Sua Alteza, o Inquisidor-Geral, nomeado pello tempo que pareer soomente, e enquanto no mandarmoso contrajro ANTT,Inquisio de vora, L 146, fl. 139v.8Bartolomeu Galvo jurou o cargo de comissrio em 21 de Junho de 1586 Ibidem, fl. 157-157v.9Defende-se, assim, a tese oposta de Miguel Jos Rodrigues Loureno (O comissariado do Santo Ofcio emMacau (c. 1582-c. 1644): a cidade do Nome de Deus na China e a articulao da periferia no distrito daInquisio de Goa, Vol. I, Lisboa, Diss. Mestrado em Histria dos Descobrimentos e da Expanso Portuguesa -FLL, 2007, p. 109-110), que considera este regimento anterior ao de 1640.10 Cf. Forma que se ha de guardar en armar cavalleros, y dar los abitos, professiones, y colaciones de lasencomiendas a los cavalleros de la Orden de Santiago, Madrid, Catalina de Barrio, 1646. No sculo XVIII,

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    apresentava como ttulo: Regimento Dos commissarios do S. Officio, & Escrives de seu

    cargo11

    , o mais antigo que se identificou. Tinha um total de 2 flios, dentro dos quais ficouvazia a ltima pgina e parte da penltima. Houve, contudo, mais do que uma impresso

    destas directivas, com pequenas variantes. At hoje conhecem-se pelo menos quatro,

    todas guardadas na Torre do Tombo12. H tambm um exemplar na Biblioteca Nacional

    de Portugal, publicado por Isaas da Rosa Pereira13. Nenhum folheto apresenta data,

    local, ou vestgio respeitante tipografia por onde teria passado. Do ponto de vista de

    contedos, as diferenas entre estes textos e as lies de 1640 so pequenas. Com excep-

    o de um pargrafo14ou dois e de escassos pormenores, tudo o resto se mantinha igual.

    Tambm a mancha grfica e sobretudo a capital inicial no so coincidentes de impressopara impresso.

    No que respeita s Ordens Militares no se conhece nada de semelhante. O regi-mento da Mesa da Conscincia de 1608 era extenso e pormenorizado, mas era anterior aoestabelecimento deste tipo de agentes e por isso nada sobre eles podia arbitrar.

    As primeiras directivas sobre o assunto apareceram na sequncia do definitrioiniciado em 1619, quando em Junho do ano seguinte se pediu ao monarca a confirmao

    do Captulo do definitrio () sobre a forma em que se devem tirar as inquiries aosprovidos em hbitos indo s prprias terras e fazendo toda a diligncia e se dar aos co-missrios antes que partam o salrio conveniente: e se vierem mal feitas se faro segundas custa dos comissrios, e sero os comissrios nomeados pelo presidente da Mesa15._______________________________________________

    tambm se fizeram impresses afins, a partir dos estatutos das Ordens portuguesas. Ver: Antonio Joze XavierMonteiro, Formulario de oraens e ceremonias para se armarem cavalleiros e se lanarem os habitos das ordense milicias de Nosso Senhor Jesus Christo, S.Tiago da Espada, S.Bento de Aviz, S.Joo de Malta, Porto, naOfficina de Joo Agathon, 1798.11

    ANTT,Armrio Jesutico, L 11, fl. 87-88v.12Alm da referida na nota anterior, h outras trs em ANTT, Conselho Geral do Santo Ofcio, L 487. Nestacota esto disponveis muitos exemplares de duas destas lies, uma delas com uma nota marginal que diz:Este paragrafo nam tem effeito. Reportava-se ao texto do 7 do regimento de 1640: Falecendo nas terras,em que vivem, alguma pessoa, que tenha livraria, mandaro fazer rol dos livros, e papeis de mo, que nellahouver, e notificar aos herdeiros do defunto, que no disponho delles sem aviso seu; e avisaro Meza doSanto Officio com toda a brevidade, enviando o rol dos livros, e papeis, e seguiro a ordem, que della lhes fordada. De facto este pargrafo desapareceu das impresses posteriores.13Documentos para a Histria da Inquisio em Portugal, Porto, Cartrio Dominicano Portugus, Sculo XVI,Fasc. 18, doc. XXVI.14O seguinte pargrafo apenas aparece na lio citada, na Torre do Tombo: Procedero em tudo de maneira, quedem de si bom exemplo: no faro aggravo, ou vexao a pessoa alguma, com o poder de seu officio, nemconsentiro que a fao seus familiares: fallaro com tal advertencia na gente de nao, que nunca delles se possacuidar que lhe tem odio: no tero trato, ou communicao com pessoas de suspeita, nem dellas se serviro, nemaceitaro dadivas, ou prezentes, ainda que sejo de pouca valia: no tomaro mercadorias, ou mantimentos apessoa alguma por menos preo do ordinario, nem pediro emprestado gente de nao (fl. 87).15BNP,Pomb., L 156, fl. 7.

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    Uma vez publicados os definitrios, estas normas foram acolhidas nas pginas im-

    pressas como estatutos da Ordem de Cristo em 1628 (tt. XIX) e da Ordem de Avis, em1631 (cap. X). As primeiras so as mais minuciosas, mas nenhum destes textos tem pro-priamente o perfil de um regimento de comissrios ou escrives, como no Santo Ofciopassou a acontecer cerca de uma dcada mais tarde. Alis, a palavra comissrio noaparece. Apenas comisso, no sentido do poder delegado pela Mesa da Conscinciapara executar determinada tarefa pontual. Assim acontecia j com os escrives, quedeviam ser freires das Ordens, e que desde 1597 tratavam das diligncias. Tambm elesrecebiam comisses para se ocuparem dos processos a efectuar nas periferias e fora da

    Mesa da Conscincia.Por esta altura, estava longe a ideia da criao de uma rede de agentes para efectuar

    as habilitaes. Aparentemente qualquer cavaleiro o podia fazer, desde que tivesse saconciencia, & pureza de vida16e desde que a Mesa antes se informasse com todo o segredose a mulher do escolhido tinha limpeza de sangue, quando o mesmo era casado.

    Nos estatutos da Ordem de Cristo (1628), as directivas para o cavaleiro e o freireorganizavam-se em funo da localizao dos territrios relativamente Mesa da Cons-cincia. Estava em causa o lugar onde efectuavam o juramento e o tipo de pessoas

    encarregues das provanas. Tipificavam-se 3 situaes.Na primeira, o cavaleiro e o freire indigitados eram chamados Mesa porque de-

    duz-se seriam de Lisboa e arredores. Ali eram inteirados da importncia da matria ejuravam como fariam bem a incumbncia e com segredo. A parte interessada e a suafamlia nada deviam saber deles.

    A segunda correspondia as inquirioens fora donde residir a Mesa de Ordens. Nestecaso, o Tribunal encarregava a tarefa a um cavaleiro que estivesse ocasionalmente nolugar ou morasse naquela comarca onde eram necessrio efectuar interrogatrios. O

    freire-escrivo jurava em Lisboa, na Mesa, e partia ao encontro do cavaleiro, levando-lheas provises com os nomes das pessoas sobre as quais havia que inquirir.

    Por fim, que modo se ter, quando na comarca nam ouver Commendador, ouCavalleiro a quem se cometo as inquirioens. Neste ltimo quadro englobava-se tambmCastela, outros Reinos e partes ultramarinas. Para solucionar a questo, a Mesa devianomear um cavaleiro de outra comarca, da que mais prxima estivesse. O freiredeslocava-se da forma acima descrita. Quando o inqurito tinha que ser feito em Castela,as habilitaes ainda eram tiradas por uma dupla cavaleiro-freire, mas nos restanteslocais apontados, a Mesa da Conscincia devia destin-las aquem lhe parecer._______________________________________________

    16Cf.Definicoens e Estatutos dos cavalleiros, e freires da Ordem de Nosso Senhor Iesu Christo com a Historia daOrigem e principio della, Lisboa, Ioam da Costa, 1671 (1 ed. 1628), Parte I, tt. XIX, 1.

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    Globalmente, ao longo deste ttulo, o freire era objecto de mais ateno do que o

    cavaleiro, apesar da experincia de trabalho que havia com os primeiros, pois desde 1597tinham um papel relevante nas provanas (ou seja, desde que estas passaram a ser tiradasnos locais de naturalidade dos implicados cf. Fig. 1).

    Fig.1 Habilitaes das Ordens Militares desde a dcada de 1520 a 1789: quem as

    efectuava como e onde as devia realizar.

    Data Por? Onde?

    N de

    testemunhas

    Testemunhas

    seleccionadas

    em segredo?

    1520s-1550 Juiz da Ordem 3-4 No1550-1564 Talvez no se efectuassem

    1564-1597Juiz Geral da

    OrdemLisboa 2-4 Sim

    1597-1627?- Freire

    - Corregedor daComarca

    Local de nasci-mento: candidato,

    pais e 4 avs

    3-45-6 (a partir

    1613?)Sim

    1628?-1789?- Comissrio

    - Freire

    Local de nasci-mento: candidato,

    pais e 4 avs6 (pelo menos) Sim

    De acordo com os novos definitrios impressos em 1628, deviam ser nomeados

    apenas freires que fossem pessoas de importncia, & considerao, pera se deles fiar

    matria to grave () aquelles de que tiver mais satisfao, & informao, & que o faro

    com pureza, & sa conscincia: o que se deixa a arbtrio da Mesa, que conforme ao

    procedimento que tiverem os ocupar quando lhe parecer. Permitia-se ainda que a Mesa da

    Conscincia recompensasse este trabalho com benefcios simples da Ordem para assi osobrigar mais17.

    Quer o cavaleiro, quer o freire apenas deviam receber salrio ao dia quando se

    deslocavam18. Fora disso, no.

    Nas Ordens de Avis e at na de Santiago19, o preconizado era o mesmo, embora no

    se aludisse a locais fora do Reino. Na primeira, justificava-se o recurso a um cavaleiro da

    localidade com a necessidade de evitar os gastos.

    _______________________________________________

    17Ibidem, 9.18Ibidem, 10.19Cf.Regra, estatutos, definio e reformao da Ordem e Cavalaria de Santiago de Espada, Lisboa, MiguelManescal, 1694, Def. V.

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    de notar que em 1614, a Mesa da Conscincia tentara acabar com a obrigato-

    riedade do freire vir jurar a Lisboa. Para o efeito alegara que nem sempre os havia nestacidade em nmero suficiente e encarecia os custos faz-los vir de mais longe; alm deque, quando saam da Corte muitos interessados identificavam-nos, e tentavam suborn-los20. O rei retorquiu pedindo ao Tribunal que analisasse se convinha ter apenas 4 ou 5para tratar de todas as diligncias21, o que no ter sido posto em prtica.

    Como se depreende, at 1628-31 no houve grandes mudanas.Na realidade, mesmo em torno dos freires, em quem mais se insistia, no se criou a

    ideia de agentes especializados na matria. Diversas medidas da poca comprovam este

    parecer. Em 1634, admitia-se a hiptese de aceitar que fossem substitudos pelos religio-sos conventuais de Tomar22, o que no ter sido posto em prtica. Tambm a partir de1721 passou a ser possvel que, na falta de freires, se usassem cavaleiros para escrever asdiligncias23. provvel que esta prtica j fosse anterior. Pessoas eclesisticas, que nofreires clrigos das Ordens, tambm chegaram a exercer esse papel.

    Os cavaleiros tambm eram algumas vezes sub-rogados, designadamente onde eraminexistentes. Assim, em 1638-1639, aceitava-se que as provanas das Ilhas, como era ocaso de S. Jorge e Graciosa, onde no havia cavaleiros das Ordens, se cometessem a pes-soas eclesisticas e de satisfao24. Em Fevereiro de 1640, permitiu-se um quadro maisamplo de delegao: quando nas comarcas no havia cavaleiro do hbito em causa, osinquritos podiam ser feitos por um contador ou por um cavaleiro de qualquer Ordem.Como se viu, o mesmo se devia fazer nos freires que serviam de escrives25. Mais do quecriar agentes especializados, o que se pretendia acima de tudo, era que fossem os mem-bros da Ordem a averiguar as qualidades dos candidatos a cavaleiros. A regra apenas eraquebrada onde no havia cavaleiros ou quando estava em jogo a iseno e o segredo. Por

    exemplo, em Julho de 1656, a Mesa da Conscincia consultava a realeza sobre as pro-vanas de Joo de Sousa de Almada, a quem era necessrio fazer diligncias sobre os avspaternos em Viana da Foz do Lima, para poder receber o hbito de Cristo. E porque pellaimportania, E segredo, do negocio, convem se encarregue a pessoa que no seja natural damesma Villa, E aly seno offeree outra maes que o Leceniado Inaio Pereira de Sousa,

    _______________________________________________

    20Cf. ANTT,Mesa da Conscincia, L 23, fl. 249v.21 Cf. Jos Justino de Andrade e Silva, comp., Colleco chronologica da Legislao Portugueza, Vol.II,Lisboa, Imprensa de F.X. de Souza, 1855, p. 81-82.22Cf. BNP,Pomb., L 156, fl. 7.23Cf.Ibidem, fl. 6.24Cf.Ibidem, fl. 6v.25Cf.Ibidem, fl. 6.

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    corregedor daquella Comarca, que por no ter o habito he necessrio dispenar VMgde. com

    o que nesta parte dispem os diffinitorios26

    . Pedia-se ressalva da norma pelas razesapontadas. Se o corregedor tivesse o hbito, j no seria necessrio recorrer ao rei-Mestre,que neste caso concordou com a proposta.

    Em boa verdade, a rede de comissrios das Ordens ter-se- constitudo sobretudo nofinal da segunda metade do sculo XVII, quando possvel encontrar as primeiras listasdeste tipo de indivduos. Nestas, aparecem j associados a escrives que seriam tambmdas localidades27. Tal como no Santo Ofcio, a existncia desta rede no impedia que serecorre-se a outros cavaleiros, designadamente quando os casos eram mais complexos e

    necessitavam de algum com formao jurdica ou quando de todo no havia comissriosdisponveis na localidade. No entanto, ao contrrio da Inquisio, a palavra comissrioresistiu a difundir-se entre os cavaleiros das Ordens Militares que tiravam estas Dli-gncias. At ao princpio do sculo XVIII no era corrente em Portugal, mas um assuntoque merece maior aprofundamento.

    2.

    Como se fez notar, e ao contrrio do Santo Ofcio, a rede de comissrios da Mesa daConscincia foi estabelecida tardiamente, face existncia das habilitaes. Na reali-dade, desde o incio no se teve em mente especializar pessoas em tal tarefa ou noutras.Na Inquisio, ao invs, essa preocupao esteve manifesta desde muito cedo. No foi poracaso que se exigia que fossem clrigos os mays idneose que essa rede foi criada depoisda dos familiares. Os primeiros no foram considerados aptos para o efeito. No regimento

    de 1640, foi-se ao ponto de estabelecer que achando-se letrados sero preferidos aos mais(L 1, tt. XI, 1). No era qualquer clrigo que podia desempenhar esta tarefa.

    Alm das informaes, ratificao de testemunhas e canalizao de denncias, em1620 j se esperava que os comissrios ajudassem a recolher os ris dos livros impressose manuscritos que as pessoas que os tivessem deviam fazer para mandar Inquisio28.No Regimento de 1640, este leque de atribuies foi alargado e definido: nas habilitaesque lhes fossem confiadas deviam dar parecer pelo seu prprio punho; escolher umeclesistico para escrivo das diligncias, quando no lhes era nomeado nenhum; fazer o

    _______________________________________________

    26ANTT,Mesa da Conscincia Ordens Militares Papis Diversos, M. 21, doc. 85.27Cf. BNP,Pomb.498, fl. 384-385.28Cf. ANTT, Conselho Geral do Santo Ofcio, L 160, fl. 33v.

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    rol da biblioteca das pessoas que morriam e envi-lo Inquisio, tendo antes avisado os

    herdeiros que no podiam dispor dos impressos e manuscritos sem nova ordem sua;efectuar prises e entregar os presos a familiares para os fazerem chegar ao Santo Ofcio;acolher e vigiar alguns penitenciados que fossem dirigidos para a sua zona de actuao29.

    Em paralelo, os comissrios das Ordens apenas efectuavam as diligncias do Tri-bunal, como interrogatrios para as habilitaes, interlocutrios e a consulta de um ououtro livro com intuitos de prova, fossem paroquiais ou ris de fintas.

    Um ponto todavia comum a qualquer um destes tipos de comissrios: nenhum delesrecebia formao especfica para exercer o cargo. Era a prtica e a interaco comuni-

    cativa com o Tribunal que lhes possibilitava a aprendizagem.O Santo Ofcio chegava mesmo a repreender alguns comissrios e noutros teria pouca

    confiana30, pelas omisses ou pequenos erros que cometiam.Os tribunais de distrito em geral enviavam os documentos especficos (requisitrias,

    comisses, etc) acompanhados de uma carta. Nesta davam-se algumas instrues sobre arapidez, o segredo e a necessidade de acusar a recepo e de responder na margem ou noverso da carta, de modo a garantir maior sigilo31.

    Para alm do contedo no juramento da ocupao, do eventual regimento que pudes-sem ter ou receber, era assim que os agentes do Santo Ofcio se formavam. A partir dasegunda metade do sculo XVII era altamente provvel que lhes fosse dado o regimentodo cargo, pois a Inquisio fazia-os imprimir em srie.

    Quando eram encartados, o juramento era tambm ele expressivo. Era feito na sededo tribunal do qual dependiam, e diante dos Inquisidores, salvo se fossem de fora dePortugal Continental. Prometiam o seguinte: servir bem e fielmente quanto minhas forasabrangerem; fazer e cumprir tudo fielmente; comprometiam-se a, nem por eles, nem por

    interposta pessoa, receber quaisquer ddivas dos que tivessem assuntos pendentes noSanto Ofcio; observar o segredo.

    De seguida, provavelmente j na sua localidade, o novel comissrio faria uma listadas terras s quais se podia deslocar, por no lhe ficarem muito distantes, indicando acomarca e bispado a que pertenciam e a distncia envolvida em lguas. Faria o mesmopara as freguesias aonde tambm podia ir, embora com mais dificuldade. Este documentoseria enviado ao tribunal respectivo e atravs da consulta destes roteiros encaminhar-se-_______________________________________________

    29Cf. Regimento, L 1, tt. XI - ed. Jos Eduardo Franco e Paulo Assuno, As metamorfoses de um polvo:religio e poltica nos regimentos da Inquisio portuguesa (sc. XVI-XIX), Lisboa, Prefcio, 2004.30Cf. ANTT,Habilitaes do Santo Ofcio, Manuel, M. 53, dil. 1141, fl. 1.31Cf. Nelson Vaquinhas,Da comunicao ao sistema de informao: o Santo Ofcio e o Algarve (1700-1750),Lisboa, Colibri CIDEHUS.U, 2010, p. 108.

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    -iam muitas diligncias. Quando o comissrio morria, era frequente registar-se esse facto

    naquele rol, que assim deixava de ter utilidade. O Santo Ofcio de Coimbra conserva umaboa coleco destes materiais, compilados em volumosos cdices32. Note-se que nestescasos, em funo do local onde morava o comissrio, assim se definia o seu raio de aco,que muitas vezes abrangia parcelas de vrias comarcas. Ou seja, nem sempre um destesagentes se limitava a operar apenas numa rea administrativa. A sua igreja podia estarprxima de vrias. Tudo dependeria das condies do terreno, da orografia e das acessi-bilidades.

    A cada nova diligncia de habilitao, o comissrio e o escrivo deviam voltar a jurar

    como a fariam bem e observariam os cuidados quanto ao sigilo. Efectuavam este compro-misso nos locais onde iam tratar da diligncia, pondo as mos sobre o Evangelho, e faziamum auto do juramento, que ambos assinavam.

    Na Mesa da Conscincia apenas existia este ltimo preceito. Embora fosse neces-srio solicitar o posto de comissrio, sobretudo a partir de cerca de meados do sculoXVIII, no havia qualquer livro de registo deste tipo de agentes. No entanto, o juramentoque o cavaleiro-comissrio e o escrivo davam ao iniciar a tarefa era profundamentevinculativo. Veja-se um exemplo. Em 1684, D. Mariana de Mendona renunciou o hbitode Cristo com 20.000 ris de tena efectiva que tinha para dote em Francisco GomesRibeiro, que seria seu parente em 3 ou 4 grau33. O pretexto para a renncia seria aentrada de D. Mariana no Convento de Santa Ana em Lisboa, com dote assistido por Fran-cisco Gomes Ribeiro. Feitas as habilitaes a este ltimo na Vila de Torre de Moncorvopelo cavaleiro Joo Cabral Camelo, tendo como escrivo o Padre Fr. Bartolomeu Joo, nodetectaram qualquer embarao. Porque o candidato era um contratador cujo processo demobilidade social se saberia ter sido rpido34, e que no lhe faltavam mecnicas, man-

    daram-se repetir as provanas por outra dupla. Nas segundas, concludas cerca de No-vembro de 1685, o resultado foi totalmente diferente. O prprio pretendente foi dadocomo sapateiro e cordoeiro em seus princpios de vida; o pai fora sapateiro remendo echarameleiro, a me tecedeira, o av materno alfaiate e charameleiro e a av materna

    _______________________________________________

    32Vide, a ttulo de exemplo: ANTT,Inquisio de Coimbra, L 685.33Alcanara ela a merc por servios do pai (militares e na ocupao de pagador geral da gente da guerra daProvncia da Beira) e de um tio paterno (tambm servios militares na guerra da Restaurao).34 Entre 1667-1676 fora feitor dos linhos e cnhamos do Porto da Fastua da comarca de Moncorvo, fazendonos ditos anos embarcar enxrcias e linhos para as fbricas dos galees da Ribeira do Ouro. Seria por volta de1685-1586 contratador dos portos e alfndegas do reino e assentista da gente de Tnger. Alegava que no seulocal de origem tratava-se nobremente, ocupando os cargos nobres da governana e servia havia pouco mais de2 anos o ofcio de escrivo da cmara da vila de Torre de Moncorvo.

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    ajudava a cozer seu marido no officio de alfaiate35. Perante estes dados, o primeiro comis-

    srio e o escrivo foram presos e mandados processar em Lisboa por terem faltado ao seujuramento. Acabaram, no entanto, soltos (Junho/Julho de 1686), pois nada se provou deculpvel, nem contra o pretendente, nem contra quem fizera o inqurito. O Juzo dosCavaleiros era frequentemente favorvel aos seus membros, mas tambm havia receios depublicitar demasiado estes casos que envolviam matria sigilosa e do foro da honra36.

    Em Portugal no havia uma literatura formativa sobre como actuar no papel de

    comissrio, fosse das Ordens ou do Santo Ofcio, como se chegou a produzir no resto da

    Pennsula37. No entanto, quer na comisso que a Inquisio mandava aos seus agentes,

    quer na proviso onde se solicitava a diligncia nas Ordens Militares, as recomendaes eas directivas eram muitas. Alm de apresentarem o modelo de perguntas a fazer, incidiam

    em primeiro lugar em torno das testemunhas. Traavam o perfil que deviam ter. Nas

    Ordens era este: pessoas de crdito, e confiana, que houver mais antigas, e que tenho

    razo de conhecer aos sobreditos, e saber das suas pessoas, e qualidades, e que no tenhamraa de Mouro, nem Judeo, nem christos novos, nem sejo por via alguma suspeytas ao

    Justificante, nem ao dito seu pay, may, e avs, nem to vis, que por esse respeyto fiquem seus

    testemunhos com pouco crdito38

    . No Santo Ofcio, insistia-se para que fossem crists-velhas, legais, fidedignas e antigas, que tenham razo de conhecer os inquiridos e com

    eles no tenham parentesco em grau conhecido.

    de realar nas Ordens Militares a ideia que as testemunhas no fossem vis. Efec-

    tivamente quase sempre eram de mais alta extraco social do que no Santo Ofcio e

    talvez por isso no fosse indispensvel que o comissrio da Mesa da Conscincia se pro-

    nunciasse sobre o crdito a atribuir s mesmas, como acontecia na Inquisio. No entanto,

    muitas vezes no Santo Ofcio caracterizam-se as testemunhas ideais como sendo crists-

    velhas, antigas, noticiosas, verdadeiras, desinteressadas e das mais principais, como se

    fazia num pedido de extra-judicial datado de 173939. Com esta ltima exigncia ia-se de

    encontro ao estabelecido nas Ordens.

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    35ANTT,Habilitaes da Ordem de Cristo, Letra F, M. 34, doc. 171.36Ver sobre a matria: ANTT, Mesa da Conscincia Ordens Militares Papis Diversos, M. 21, doc. 96(processo contra Lus Teixeira de Magalhes, cavaleiro da Ordem de Cristo e capito-mor de Vila Real, em

    1717-1718) e doc. 97 (processo de 1721-1722).37Cf. Martine Lambert-Gorges, Le brviaire du bon enquteur, ou trois sicles dinformation sur les candidats lhabit des Ordres Militaires,Mlanges de la Casa de Velzquez, Paris, XVIII, 1982, p. 167-198.38ANTT,Habilitaes da Ordem de Cristo, Letra E, M. 1, doc. 2, fl. 6.39ANTT,Habilitao do Santo Ofcio,Antnio, M. 89, doc. 1668, fl. 3.

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    Convinha que houvesse um mnimo de 6 pessoas ouvidas nas Ordens e 12 no Santo

    Ofcio. Deviam estas jurar quanto aos contedos e quanto ao imperativo de guardar sigilo.O mesmo devia observar quem tirava os interrogatrios.

    Na Inquisio davam-se igualmente instrues para a escolha da pessoa eclesistica

    que havia de servir de escrivo, pois nem sempre ia esta indigitada da sede do Tribunal e

    como se praticava de forma recorrente nas Ordens.

    Estes textos em geral tambm incluam instrues sobre o envio dos inquritos: e oinstrumento, que de seus ditos fizerdes com as folhas numeradas, cerrado, e sellado com osinete de vossas armas remetereis a este Tribunal, e Mesa de Ordens, sem em vosso poder,

    nem seu ficar treslado algum. No caso do Santo Ofcio, a ideia era a mesma. O prpriotexto da comisso devia regressar ao tribunal sem que o comissrio e o escrivo ficassem

    com cpia. A nica excepo eram os espaos insulares ou ultramarinos, nos quais era

    permitido duplicar os papis para enviar por vias, de modo a minimizar os riscos do

    mar. No se exigia era que tudo viesse com flios numerados e o conjunto fechado e

    selado com sinete, como nas Ordens Militares. Alis, normalmente, o comissrio e o freire

    destas ltimas faziam um termo de encerramento, onde declaravam que o texto tinha x

    folhas e que no apresentava rasuras. de salientar que na Inquisio faziam-se diligncias extra-judiciais, que a partir do

    incio do sculo XVIII foram passadas a escrito. Tambm o pedido desta informao ao

    comissrio ia, em geral, repleta de instrues. Era, alis, com esta tarefa que se iniciavam

    os processos. Se esta primeira avaliao do pretendente fosse negativa ou menos

    abonatria, dificilmente se prosseguia.

    Convm ainda realar que os materiais que eram enviados aos comissrios do SantoOfcio para dar incio a um processo de habilitao, que se antevia normal, podiam ser

    agrupados em duas grandes tipologias, no sculo XVIII, quando estas diligncias setornaram mais complexas. Assim acontecia, fossem extra-judiciais ou comisses para in-terrogatrios. Numa delas o comissrio, por no ser da localidade, recebia por escritoinstrues para recorrer ao proco ou a algum familiar do Santo Ofcio que fosse dos maisantigos para este lhe nomear as testemunhas; noutro, o comissrio e o seu escrivoestavam entregues a sim mesmos porque conheciam a zona. Desta forma, o clero local e osfamiliares eram mais importantes nas localidades do que se podia pensar. A honra da

    comunidade podia estar frequentemente nas suas mos.Ora, na actuao dos comissrios enviados pela Mesa da Conscincia no sedetectam estas conexes com o clero local ou com os familiares do Santo Ofcio, apesar denem todos serem oriundos do local exacto onde se faziam as provanas.

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    Havia assim diferenas nos procedimentos. As Ordens eram globalmente mais

    minuciosas nas directivas que enviavam a cada um dos seus agentes, diante de cada casoconcreto, e deixavam menos espao para o arbtrio dos seus comissrios. Desde cedo

    tiveram os seus formulrios de comisso, com as perguntas a efectuar s testemunhas,

    impressos. Pelo menos em 1633 j os havia e verosmil que esta introduo datasse de

    alguns anos antes. Bastava preencher mo as informaes de cada candidato e o papel

    seguia para as mos da dupla que tratava do interrogatrio. Durante muito tempo os seus

    comissrios teriam variado mais e teriam menos interaco com o tribunal. Tudo isto

    significava que tinham, partida, menor preparao. No foi por acaso que depois de

    1773, quando acabou oficialmente a limpeza de sangue, as Ordens se apressaram a im-primir novos formulrios e novas instrues.

    O Santo Ofcio, por seu lado, pedia mais aos comissrios, mas deixava-lhes mais

    campo aberto em matria de habilitaes. Tendeu a aproximar-se mais dos preceitos

    postos em marcha pelos Ordinrios nas habilitaes de genere, onde o proco tinha grande

    peso na escolha das testemunhas. No seria por acaso que os comissrios do Santo Ofcio

    eram todos clrigos. Cada comisso inquisitorial era redigida de princpio ao fim mo,

    ajustada ao caso preciso, e apenas na segunda metade do sculo XVIII, cerca de 1762, seimprimiram formulrios para o efeito. possvel que nem todos os tribunais os tenham

    comeado a usar rigorosamente ao mesmo tempo. Em 27 de Fevereiro do ano em causa, o

    Conselho Geral escreveu Inquisio de Coimbra o seguinte: Se o secreto dessa Inquisio

    quiser usar de comisses de habilitandos impressas, sem prejuzo das rendas da casa, pode

    faz-lo40. E de facto, nesse ano principiaram a ter uso naquele tribunal41.

    Por fim, de realar que os comissrios do Santo Ofcio no se ocupavam na periferia

    apenas das habilitaes dos novos candidatos, como acontecia com os das Ordens Mili-

    tares. Em boa verdade, o tribunal ocup-los-ia em diversos afazeres, pelo que tinha maior

    interaco com eles. Havia mesmo ocasies em que o Conselho Geral mandava que os

    tribunais escrevessem a todos os seus comissrios, dando a todos uma mesma tarefa.

    Assim, aconteceu, por exemplo, em 1761, quando o Tribunal inquisitorial da Galiza soli-

    citou que fosse retido um padre jesuta (Pe. Jos Zueco), que descrevia. Nessa altura, o

    Conselho Geral recomendou aos tribunais metropolitanos que mandassem um alerta res-

    pectiva rede de comissrios para que se o indivduo em apreo fosse localizado nas suas

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    40ANTT, Conselho Geral do Santo Ofcio, L 366, fl. 50v.41Cf., a ttulo de exemplo: ANTT, Habilitao do Santo Ofcio, Antnio, M. 145, doc. 2351; Bernardo,M. 11, doc. 462.

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    terras o retivessem e avisassem os inquisidores42. Enfim, nesta altura a prprio Conselho

    Geral tinha a noo que esta rede era relativamente eficaz em muitos aspectos. A dasOrdens, no era assim.

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    42Cf. ANTT, Conselho Geral do Santo Ofcio, L 366, fl. 46-46v.