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COMO SE OSERVAVA ANTIGAMENTE? Maria José Costa [email protected] 1. Introdução A curiosidade do homem pelo universo já vem de longe. Como dizia a Professora Teresa Lago, na conferência subordinada ao tema “O que queremos descobrir sobre o universo?”, efectuada na Casa da Música, na cidade do Porto, no passado dia 31 de Janeiro e a propósito da abertura oficial do AIA2009, já há registos relacionados com o universo datados de 20 séculos antes de Cristo, ou seja: há mais de 40 séculos que o homem, de olho nu ou com auxiliares mais ou menos poderosos, por uma razão ou por outra, procura respostas a perguntas sobre o que o rodeia. E nos dias de hoje muitas são as notícias de objectos celestes observados por poderosos instrumentos. Proponho, por isso, que comecemos por um leve levantamento dos instrumentos de observação actuais; depois, abordaremos alguns dos mais antigos. Na apresentação procuraremos estabelecer alguma relação entre eles bem como justificar as escolhas. 1.1. Herschel descobre água, carbono e galáxias bebés No jornal intitulado Ciência Hoje, jornal de ciência em formato digital enviado gratuitamente a quem o subscrever, muitas têm sido as notícias sobre a conquista do espaço e a tentativa do homem de desvendar mistérios do Universo. Recebi no passado dia 13 de Julho uma notícia com esse título. Herschel é um telescópio de infra-vermelhos lançado pela Agência Espacial Europeia (ESA) no dia 14 de Junho de 2009, preparado para localizar luz procedente de objectos celestes, com a finalidade de estudar a formação das galáxias, a origem das estrelas e a composição de corpos celestiais. O seu nome homenageia o astrónomo alemão William Herschel que descobriu a radiação infravermelha no séc. XVIII. 1.2. Huble Já foi notícia. Situado a cerca de 600km acima da Terra, o Telescópio Espacial Huble, frequentemente identificado por Huble apenas, resultou de um projecto entre a ESA e a NASA (Agência Espacial Norte-Americana). Com um espelho de 2,4 metros de diâmetro, pesa 11

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COMO SE OSERVAVA ANTIGAMENTE?

Maria José Costa

[email protected]

1. Introdução

A curiosidade do homem pelo universo já vem de longe. Como dizia a

Professora Teresa Lago, na conferência subordinada ao tema “O que queremos

descobrir sobre o universo?”, efectuada na Casa da Música, na cidade do Porto, no

passado dia 31 de Janeiro e a propósito da abertura oficial do AIA2009, já há registos

relacionados com o universo datados de 20 séculos antes de Cristo, ou seja: há mais de

40 séculos que o homem, de olho nu ou com auxiliares mais ou menos poderosos, por

uma razão ou por outra, procura respostas a perguntas sobre o que o rodeia. E nos dias

de hoje muitas são as notícias de objectos celestes observados por poderosos

instrumentos.

Proponho, por isso, que comecemos por um leve levantamento dos instrumentos

de observação actuais; depois, abordaremos alguns dos mais antigos. Na apresentação

procuraremos estabelecer alguma relação entre eles bem como justificar as escolhas.

1.1. Herschel descobre água, carbono e galáxias bebés

No jornal intitulado Ciência Hoje, jornal de ciência em formato digital enviado

gratuitamente a quem o subscrever, muitas têm sido as notícias sobre a conquista do

espaço e a tentativa do homem de desvendar mistérios do Universo.

Recebi no passado dia 13 de Julho uma notícia com esse título.

Herschel é um telescópio de infra-vermelhos lançado pela Agência Espacial Europeia

(ESA) no dia 14 de Junho de 2009, preparado para localizar luz procedente de objectos

celestes, com a finalidade de estudar a formação das galáxias, a origem das estrelas e a

composição de corpos celestiais.

O seu nome homenageia o astrónomo alemão William Herschel que descobriu a

radiação infravermelha no séc. XVIII.

1.2. Huble

Já foi notícia. Situado a cerca de 600km acima da Terra, o Telescópio Espacial

Huble, frequentemente identificado por Huble apenas, resultou de um projecto entre a

ESA e a NASA (Agência Espacial Norte-Americana).

Com um espelho de 2,4 metros de diâmetro, pesa 11

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toneladas e tem 13,3 metros de comprimento. Tem uma visão 7 vezes mais nítida do

que os telescópios terrestres existentes na altura em que foi lançado. O seu poder de

resolução, de dois décimos de segundo de arco, é capaz de detectar objectos de

luminosidade muito ténue e observar na região do ultravioleta, uma vez que está livre da

cintilação estelar da responsabilidade atmosférica. Fez já algumas das descobertas mais

espectaculares da história da Astronomia, ao penetrar em zonas que os telescópios

terrestres não atingem mas onde provavelmente se deram fenómenos marcantes como

nascimento de estrelas ou de galáxias; pode, por isso, contribuir para solucionar alguns

dos mistérios mais antigos e profundos

Construído por módulos, permite substituições parciais no espaço, pelo que deve

ser inspeccionado frequentemente. Lançado em 1990, estava previsto que funcionasse

durante 15 anos. A primeira reparação teve lugar em 1993.

1.2. VLT

Um dos telescópios potentíssimos situados em terra é o VLT, conhecido pelas

iniciais de Very Large Telescope, ou seja: telescópio muito grande.

O VLT é um telescópio óptico que pesa 430 toneladas e tem 8 espelhos de mais

de 8 metros de diâmetro cada. Está em funcionamento no observatório do Paranal que

fica no deserto de Atacama, no Chile, um local muito seco e com outras características

favoráveis à observação astronómica e à utilização de aparelhos deste calibre. O local,

que fica a cerca de 2650 metros de altitude, foi estudado durante alguns anos com vista

à instalação de instrumentos deste tipo e com esta finalidade.

Neste observatório existem quatro destes

telescópios, que foram instalados sucessivamente

desde 1998 a 2001. Estes telescópios, que podem

funcionar individualmente ou combinados entre si,

permitem a observação de um mesmo objecto,

conseguindo imagens com a precisão de 0,001

segundo de arco. São coadjuvados por mais 4

telescópios móveis, estes de menores dimensões,

com espelhos de 1,8 metros de diâmetro. São

telescópios que pertencem ao ESO (Observatório

Europeu do Sul) que resulta de uma parceria de

vários países entre os quais Portugal.

VLT1: um dos telescópios do

Observatório do Paranal

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1.3. ALMA

Actualmente, também no deserto de Atacama mas no planalto de Chajnantor, e a

cerca de 5100 metros acima do nível médio das águas do mar, existe já em

funcionamento um sistema de apenas duas antenas com 12 metros de diâmetro ligadas

electronicamente entre si. São as primeiras de um conjunto previsto de 66 antenas de

alta precisão, algumas delas só com 7 metros, distanciadas entre si, no mínimo 15

metros e no máximo 18 km; quando estiverem todas ligadas formarão mais de 1000

pares, o que permitirá exceder a capacidade dos telescópios espaciais hoje existentes.

Quando completo, este conjunto cujo nome é composto pelas iniciais de Atacama Large

Millimeter/submillimeter Array, vai permitir explorar as ondas rádio milimétricas e

submilimétricas do universo, mesmo as mais ténues, o que poderá trazer novas

informações sobre estrelas e galáxias surgidas aquando da formação do Universo. É por

isso que se tem a expectativa de ele vir a constituir a ferramenta mais avançada do

mundo para explorar o universo. O ALMA permite a investigação nas zonas frias do

Universo, regiões onde a astronomia óptica não tem sucesso por ausência de luz.

Com este complexo estamos a deixar a astronomia óptica, servida apenas pelas

radiações pertencentes ao sector visível, para trabalhar com as radiações radioeléctricas

naturais do universo, as ondas electromagnéticas na frequência rádio emitidas pelas

matérias cósmicas.

Estamos já a trabalhar em Radioastronomia, área iniciada na 2ª metade do século

XX!

O complexo ALMA, que começou a ser pensado em 1995, passou por um

acordo assinado em Julho 2006 entre a Europa, o Japão e a América do Norte, em

colaboração com a república do Chile, Taiwan e Canadá (independente do contributo

ser financeiro, cientifico ou de outra natureza). Prevê-se que em 2013 o complexo esteja

em funcionamento.

Apesar do primeiro teste de um protótipo de

antena ter sido efectuado em Abril de 2003, só

em 2005 foram estabelecidos contratos para a

produção de antenas: os Estados Unidos da

América assinam a encomenda de 32 em Julho e

a Europa em Dezembro encomenda outras tantas.

ALMA na versão de artista

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1.4. E-ELT

Apesar desta esperança, está em estudo um outro telescópio óptico, cuja

designação técnica é E-ELT, o que pode ser traduzido

por o Telescópio Europeu de Dimensão Extrema.

Ainda em fase de estudo sobre ele próprio, sobre a

tecnologia que o construirá e sobre o local de

instalação, só tem uma imagem de estudo. Está

previsto que tenha 42 metros de diâmetro e pese 5500

toneladas. A sua localização será conhecida ainda este ano e prevê-se que entre em

funcionamento em 2018.

Espera-se que seja cerca de cem vezes mais sensível do que os maiores telescópios

ópticos existentes actualmente.

2. Da Luneta ao Telescópio, passando pelo tubus astronomicus

Para trás ficam as observações unipessoais para se passar a consórcios

intercontinentais entre países! O que se seguirá? Só um consórcio inter-planetário ou

inter-galáctico pode dar sequência lógica a esta escalada de ligações… O que não é de

todo impossível: um dos novos temas de estudo da Astronomia, que envolve

astrónomos, químicos e biólogos, é a Bio-astronomia, ou a Astrobiologia, no qual se

busca a existência de vida noutros planetas… noutras galáxias…

Mas de onde terá vindo a inspiração para a construção de telescópios desta

envergadura? Sem dúvida que a evolução da tecnologia tem contribuído para isso. Mas

será só por uma questão tecnológica?

Passemos então ao passado, começando por focar

Galileu que é um marco inquestionável nas observações

unipessoais com instrumentos, conseguindo esse feito

notável de deixar tão bem representadas as fases de

Vénus depois de as ter observado com uma luneta de

fabrico caseiro já lá vão 400 anos. Depois de ter sabido

da existência de um tubo e umas lentes usados como

brinquedo na Holanda, lançou mãos à obra construindo

em 1609 a sua luneta com vidros de Murano, instrumento

que também é conhecido por telescópio refractor. Mas

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não foi o inventor da luneta: ele apenas teve a primazia de a apontar para objectos

celestes e, de melhoria em melhoria, conseguir ultrapassar a capacidade de aumento

existente de seis para nove vezes!

De facto, a luneta terá sido inventada por Hans Lippershey (1587 – 1619), um

óptico holandês fabricante de óculos, que acidentalmente observou um cata-vento por

um sistema de duas lentes, uma convexa e outra côncava; ora o objecto visto deste

modo parecia mais próximo do que realmente estava. A notícia espalhou-se e a luneta

tornou-se moda em Paris.

Depois das sugestões de Kepler (utilização de duas lentes convexas em 1611) e

de Gregory (substituição de lentes por espelhos em 1663) coube a Newton a construção

do primeiro telescópio reflector usando um espelho côncavo e um espelho plano: o

primeiro colecta a luz do corpo celeste enquanto que o segundo reflecte essa luz para

uma ocular, que aumenta a imagem fornecida pelo espelho côncavo. Este telescópio

usava um espelho com 2,5 cm de diâmetro!

Curiosamente, não foi a luneta o primeiro objecto usado na observação: no séc.

IX, al- Battani mencionou e al-Biruni descreveu, um tubo cilíndrico utilizado para

observar com um côvado [medida de comprimento equivalente a 66 cm] de diâmetro e

pelo menos cinco côvados de comprimento! Este tubo era apoiado numa coluna

equipada com um quarto de círculo dividido em 90º e era dotado de dois movimentos:

um em torno de um eixo de rotação e outro que lhe permitia observar em todas as

direcções. Foi utilizado para “determinar o mais fino sinal do crescente lunar”. Terá

dado origem ao tubus astronomicus usado no Ocidente medieval.

Ao contrário da luneta, este tubo não aproximava o objecto observado mas

permitia impedir que outras luzes pudessem perturbar a observação do astro.

3. Outros instrumentos foram criados com a finalidade de fazer medidas de ângulos, de

coordenadas e não só.

3.1. Torquetum

Um deles foi, deixando de lado o latim, o torqueto, um instrumento destinado à

leitura directa das coordenadas eclípticas de um astro, frequentemente usado com

planetas, provavelmente criado no séc XIII pelo astrónomo persa Nassir-Eddin-el-Tusi.

Célebre na Europa durante os séculos XV e XVI, foi descrito pelo astrónomo alemão

Regiomontano (1436 - 1476) e aperfeiçoado pelo astrónomo alemão Peter Bennewitz

(ou Apianus) (1495 – 1552).

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Este astrónomo nasceu em Leising, na Saxónia, estudou matemática e

astronomia na Universidade de Viena e foi nomeado professor na Universidade de

Ingolstadt em 1527. Escreveu Instrumentum primi mobilis (Nuremberg, 1534), um livro

rico em cálculos trigonométricos onde descreve um sistema para encontrar senos de

ângulos; também publicou um mapa famoso com as 48 constelações de Ptolomeu

(1536).

Uma das suas obras mais aclamadas intitulada Astronomicum Caesareum,

publicada 1532 e actualmente avaliada em 30 mil euros, foi furtada do castelo de

Peuerbach, na Áustria. Este livro, uma edição ilustrada da astronomia de Ptolomeu,

apresenta alguns diagramas móveis compostos por diversos discos de papel sobrepostos,

passíveis de serem movimentados (designados por volvetes); esses diagramas serviam

para determinar parâmetros astronómicos. Segundo declarações do autor, esta obra tinha

como objectivo atrair o leitor para a Astronomia, evitando os cálculos, que eram

substituídos pela consulta de tabelas e por processos gráficos.

Após a publicação desta obra, dedicada e apresentada ao imperador alemão

Carlos V, em 1540, Apianus foi nomeado matemático da corte de Carlos V e recebeu

privilégios legais especiais (como por exemplo, o título de cavaleiro real de Apian –

talvez venha deste título o segundo nome pelo qual é conhecido), beneficiando ainda de

um grande poder e prestígio. Também escreveu sobre outros assuntos como Aritmética

Comercial (1527: curiosamente, apresentava na sua folha de rosto o triângulo de Pascal,

precisamente um século antes do nascimento deste último!).

Como operar com o Troquetum?

O círculo graduado fixo tem de ser

colocado paralelo ao equador terrestre, pelo que o

seu ângulo com o plano horizontal terá de ser igual

à co-latitude do lugar; sobre ele gira um outro

círculo graduado cujo plano faz com o primeiro o

mesmo ângulo que a eclíptica faz com o plano do

equador. Com o instrumento devidamente

colocado, a alidade inferior desloca-se para

determinar a longitude e a superior permite ler a

latitude do astro visado no terceiro círculo

graduado que a figura mostra.

3.2. O Anel Náutico

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André Garcia de Cespedes na sua obra Regimento de la navegación (Sevilha,

1606), atribui a sua invenção a Pedro Nunes, que o descreve numa obra editada em

1573, em Coimbra; por servir apenas para medir a altura do Sol, também é chamado

anel solar.

Para obter um anel náutico segundo Pedro Nunes, a

receita é:

� tomar um anel de secção circular com a grossura

de uma polegada e três quartos de palmo de

diâmetro (ou seja: aproximadamente com 3 cm

de grossura e 12 cm de diâmetro);

� aplicar uma argola de suspensão no ponto A da

superfície exterior;

� efectuar um pequeno orifício na sua superfície situado a 45º do ponto de

suspensão, no ponto C;

� marcar um ponto a mais 45º a partir do orifício produzido (ponto E);

� graduar a partir desse ponto E um semicírculo no interior do anel,

fazendo uma marca de 2 em 2 graus; seja D o ponto último dessa

graduação.

Teoricamente, quando suspenso e orientado de modo que a luz entre no anel

pelo orifício, projecta-se na face interior num ponto. A leitura efectuada na escala

graduada anteriormente a partir do ponto E e até ao ponto obtida por projecção, dará a

distância zenital do Sol; começando a leitura no ponto D teremos a altura do Sol.

O ponto de projecção percorre 180º enquanto a altura do Sol apenas varia de 90º:

Estando Sol no zénite, marcaria 90º mas quando se encontra na linha de horizonte,

marcaria a altura de 0º. Segundo Pedro Nunes, os ângulos assim lidos eram maiores do

que se lidos no astrolábio: matematicamente falando, neste, eram ângulos ao centro

enquanto que no anel náutico eram ângulos inscritos de amplitude dupla do anterior em

círculos iguais! É a aplicação de uma das propriedades geométrica que Euclides

demonstra nos seus Elementos (proposição 20 do livro III).

Não consta que os pilotos tivessem feito um grande uso deste instrumento, talvez

devido à falta de precisão do instrumento; de facto, o Sol surge como um disco com

cerca de meio grau de diâmetro, pelo que, por mais pequeno que seja o orifício, a

imagem projectada ocupa pelo menos meio grau e não apenas um ponto.

3.3. O Astrolábio

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Outro instrumento que merece ser recordado é o Astrolábio.

É provável que a esta palavra se associe à imagem mais

difundida a propósito das comemorações dos 500 anos dos

descobrimentos portugueses. Porém, essa imagem corresponde ao

instrumento náutico, que apareceu em data incerta mas

provavelmente durante o primeiro quartel do séc. XVI, e da autoria

de portugueses: O astrolábio se inventou em Portugal em tempo del-Rei Dom João o

segundo por Mestre Rodrigo, e mestre José, seus médicos, e por Martim de Boémia,

discípulo do grande João de Monte Régio, (…); ora, uma nota no fim da frase esclarece

que esta afirmação deve provir de uma interpretação errada de um passo das Décadas de

João de Barros. De facto, haverá aqui alguma confusão: D. João II foi rei entre 1481 e o

ano em que faleceu 1495, muito antes do primeiro quartel do séc. XVI; nesta época

reinaria D. Manuel I (1495 - 1521) ou D. João III (1521 – 1557).

De facto, o Astrolábio Náutico só apresenta um disco (vazado para oferecer

menos resistência ao vento quando colocado no convés do navio) designado por roda do

astrolábio e a alidade de pínulas, chamada mediclina, com as quais se tira o alinhamento

do Sol. O limbo da roda apresenta-se graduado de 0 a 90º em dois quadrantes

diametralmente opostos e, por vezes, é acompanhado de uma

escala diagonal para tornar a leitura mais precisa.

Primeiramente, o zero da graduação estava sobre o

diâmetro horizontal, pelo que por leitura directa se obtinha a

altura do Sol e a distância zenital era calculada depois por complementação. Os

navegadores portugueses passaram a marcar o zero no diâmetro vertical, junto ao anel

de suspensão, sendo assim obtida directamente a distância zenital do Sol.

Consta que Diogo de Azambuja (administrador da expansão portuguesa ao

serviço dos reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel), Colombo (antes de se por ao

serviço de Castela), Bartolomeu Dias (primeiro navegador a dobrar o cabo das

Tormentas ao serviço de D. João II), Vasco da Gama (que descobriu o caminho

marítimo para a Índia) e por Pedro Álvares Cabral (no descobrimento do Brasil) o

utilizaram.

O Astrolábio Náutico não nasceu autonomamente: descende do chamado

astrolábio planisférico, também dito plano, instrumento astronómico inventado por

Hiparco (séc.II a.C.) para medir a altura de um astro acima do horizonte. Os árabes

também o usavam para dar uma representação do céu num determinado instante; mas

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para isso era mais complexo: o limbo do disco principal, designado por mãe, estava

dividido em 360º e havia discos para cada latitude com a respectiva projecção

estereográfica do céu, com a representação do horizonte, do equador e dos trópicos de

Câncer e do Capricórnio… Permite determinações como a hora, quer diurna quer

nocturna, além da determinação da latitude tal como com o anterior e ainda o lugar do

Sol no Zodíaco por meio das coordenadas, longitude celeste e declinação, e outros

astros. Para tudo isso apresenta, distribuídos por ambos os lados, instrumentos de

medição de ângulos, tabelas e funções e vários discos sobrepostos, por vezes 15!

Além destes, tiveram a sua época os astrolábios

esféricos, dos quais se apresenta um exemplar, talvez de

origem islâmica e construído em 1480. O globo representa a

terra, e por meio de um eixo, que já não existe neste modelo,

podia ser utilizado em qualquer latitud.

3.4. O Astrolábio de Ptolomeu

Mas há ainda um astrolábio que não descende de nenhum dos anteriores.

Ptolomeu (140 d.C.) também construiu um astrolábio esférico similar a uma

esfera armilar mas não terá sido o primeiro a observar com o astrolábio: Apolónio de

Perga (ca. 225 a.C.) e Hiparco de Nicea (180 a.C.) também se dedicaram ao assunto,

embora só o astrolábio planisférico tenha merecido a sua atenção; vestígios da cultura

Suméria mostram que os astrólogos o utilizavam desde 5.000 a.C. para elaborar os

horóscopos. A sua descrição consta do Capítulo I do Livro V do Almagesto, com a

intenção de o ensinar a construir e a usar.

Dispensamo-nos de a apresentar pela extensão

e complexidade, mesmo em tradução livre, do registo

seguido deixado sem qualquer figura de apoio. Mas

depois de uma leitura meditada, conclui-se que a figura

que consta na folha de rosto de edição do Alamgesto

diz respeito ao astrolábio concebido:

Astrolábio de Ptolomeu (Almagesto)

Numa feliz consulta deparamo-nos com uma imagem inequívoca: trata-se de

uma reconstrução deste instrumento, elaborada em 1927, presentemente na Biblioteca

da Universidade de Cincinnati.

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Na reconstrução da esfera armilar de Ptolomeu, como por vezes é referido o

astrolábio deste astrónomo,

▪ dd’ e ee são eixos de rotação da figura.

▪ o anel 7 é fixo e é colocado no plano do

meridiano.

▪ o anel 6 roda dentro do anel 7 para ajustar o

instrumento à latitude geográfica.

▪ os anéis de 1 a 5 podem rodar como um todo

em volta do eixo dd’ simulando a rotação diurna.

▪ o anel 1 roda dentro do anel 2 e está equipado

com visores [antes referidos como pínulas]; é usado para

medir a latitude das estrelas.

Astrolábio de Ptolomeu (reconstrução)

▪ os anéis 2 e 5 podem rodar independentemente um do outro em torno do eixo

ee, atravessando o anel 4, o coluro solsticial [o meridiano dos solstícios].

▪ o anel 4 está rigidamente ligado ao anel 3, o anel da eclíptica.

▪ o anel 5 é usado para medir a longitude das estrelas.

Uma outra preocupação de Ptolomeu é como medir a longitude da Lua com este

instrumento.

Fá-lo em duas hipóteses.

1ª. O sol e a lua estão ambos acima do horizonte.

Colocar o instrumento ao longo do meridiano e ajustado à latitude local

- rodar o anel 5 para o valor da longitude do Sol marcado no anel da eclíptica 3,

lida por observação (e explica como) ou calculada teoricamente.

- rodar o anel 2, sem alterar a posição de qualquer um dos outros anéis, até que a

Lua toque o seu limbo.

- colocar o olho perto do anel 2 até se ver a Lua perto de ambos os arcos opostos

do mesmo anel.

Então, o anel 2 indica a longitude da Lua na escala do anel 3.

2.ª Depois do pôr-do-sol, seleccionar uma estrela e proceder como

anteriormente, com os anéis 2 e 5, para medir a distância longitudinal entre a Lua e essa

estrela.

O astrolábio concebido por Ptolomeu é um instrumento que entra na categoria

das esferas armilares, mecanismo articulado que permite reproduzir os movimentos da

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mecânica celeste para fins didácticos; lembra uma esfera vazada feita

de círculos (anéis) graduados, concêntricos, articulados nos pólos e

outros perpendiculares representando o equador, a eclíptica os

meridianos e os paralelos.

As esferas armilares eram utilizadas para diversos fins; a título de exemplo

mostramos dois.

- Relógios de Sol formados de anéis: modelo do século XVI, com

quatro anéis, um deles com as constelações do Zodíaco e outro

dividido em 12 partes de ambos os lados.

-Modelo de sistemas solares, como este em bronze dourado,

de autor desconhecido (c. 1575), que retrata um sistema

geocêntrico numa extensão da teoria exposta por Ptolomeu

no Almagesto.

Ou seja: as esferas armilares podem contribuir para formar modelos

representativos. Ptolomeu utilizou uma para criar um modelo que permita efectuar

leituras.

3.5. O Kamal

Composto por uma pequena tábua rectangular com cerca de 9

cm por 5 cm, tem um orifício no centro ao qual está atado um fio

com nós. Cada um desses nós está associado à altura da estrela polar

num determinado local, por exemplo, os portos entre os quais os

seus utilizadores navegavam; usado inicialmente por árabes e persas,

foi introduzido na Europa em 1499. Vasco da Gama encontrou este

objecto no Oceano Índico com os nós a referenciar os portos do Mar

Vermelho; depois de aprovado pelos navegadores e cartógrafos portugueses ficou

conhecido como “tavoletas da Índia” ou “balestilha do Mouro” e os portugueses fixaram

os nós correspondentes aos portos do Oceano Atlântico.

O kamal era usado do seguinte modo: segurava-se a tabuinha levantada ao nível

dos olhos com o fio preso, pela boca ou pela outra mão, no nó correspondente à altura

de observação da estrela polar no porto que interessava; se a estrela polar estivesse

rasante ao lado superior da tabuinha e, simultaneamente, a linha do horizonte rasasse o

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lado oposto da tabuinha, então estavam a navegar na altura em que a estrela era visível

no porto de destino. Por isso se designava este método de navegação como método das

“iguais alturas”, praticado no Oceano Índico.

3.6. O Instrumento paraláctico

Também devido a Ptolomeu e descrito na mesma obra, aparece um outro

instrumento desta vez destinado a determinar a paralaxe da Lua: (…) construímos um

instrumento com ajuda do qual possamos observar o mais exactamente possível, de

quanto é a paralaxe da Lua (…).

E a seguir descreve-o:

▪ tomar duas réguas com quatro faces [provavelmente com a forma de

paralelepípedos rectangulares, as populares barras ou ripas, consoante a relação entre as

dimensões da secção], cada uma com pelo menos quatro côvados de comprimento

[unidade correspondente a 66 cm] e que sejam suficientemente proporcionadas na

espessura para não encurvar em nenhuma das suas faces.

▪ traçar a mediana da face mais larga.

▪ fixar em cada extremidade de uma das barras, perpendicularmente a esta e

sobre a mediana, pequenas pínulas prismáticas rectas e iguais, cada uma delas perfurada

no centro mas com orifícios de tamanhos diferentes.

▪ perfurar também cada uma das réguas segundo a mediana numa das

extremidades; na que tem as pínulas, este orifício fica perto da pínula que tem o maior

furo.

▪ colocar a régua com as pínulas sobre a outra e adaptar uma cavilha que as fixe

segundo o eixo, de modo que a primeira possa rodar sobre a outra com centro na

cavilha.

▪ fixar invariavelmente a régua sem pínulas de pé sobre uma base.

▪ dividir a mediana da régua fixa em 60 partes iguais, cada uma destas a ser

subdividida.

▪ em cada uma das extremidades da vara fixa prender dois prismas de faces

paralelas, centrados na mediana e de modo que cada um fique com um par de faces

paralelas ao do outro.

▪ passar um fio com um chumbo por esses prismas, para garantir a perpendicular

ao plano do horizonte [isto confere-lhe o papel de fio de prumo].

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▪ adaptar a estas duas uma outra régua, fina, disposta de

maneira que rodando por uma cavilha colocada perto da

extremidade inferior da linha graduada dê a distância desta à

extremidade da outra até à abertura máxima.

Entre a descrição surge a figura ao lado, que é,

provavelmente, o instrumento em questão.

Ptolomeu expõe como determinar a distância zenital [ângulo entre a vertical da

Lua com este instrumento]. Sugere, justificando, que a observação seja feita na

passagem no meridiano e perto de um solstício sobre a eclíptica:

▪ escolher um lugar sem sombra.

▪ desenhar no chão uma linha meridiana paralela ao plano horizontal.

▪ apontar as faces das réguas unidas pela cavilha para o meio dia, de modo que

fiquem paralelas e horizontais.

▪ fixar perpendicularmente a régua graduada numa base segura, de modo que se

possa rodar a outra régua sem que a primeira se altere.

▪ rodar a outra régua, a que tem as pínulas, paralelamente ao horizonte, em volta

da cavilha.

▪ espreitar pelo orifício mais pequeno, procurando ver a Lua pelo maior [ou seja:

o mais pequeno vai funcionar como ocular e o outro como objectiva].

▪ ler distância entre os extremos das duas barras na barra fina.

Ora esta distância agora lida, é o comprimento de uma das cordas do círculo

descrito com centro na cavilha e raio igual às 60 partes marcadas na régua fixa. A "sua"

tábua de cordas permitirá determinar a amplitude do ângulo entre as duas réguas, que

não é mais do que a declinação pretendida.

Adiante explica como o utilizou em Alexandria para observar a paralaxe da Lua,

como relaciona os valores lidos e as razões que o levaram a optar pelo solistício de

Inverno.

Ao que parece, também conhecido como régua paraláctica, era o instrumento

astronómico de precisão mais simples usado na antiguidade e que se manteve em

utilização durante a idade média: Copérnico também o usou. É referido como o triqueto

paraláctico.

3.7. A Dioptra

No capítulo intitulado grandezas dos diâmetros aparentes du Sol, da Lua e da

sombra nas sízigas [conjunção ou oposição do Sol e um planeta; lua cheia ou lua nova]

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e para avaliar correctamente o diâmetro da Lua, Ptolomeu diz: Construimos um

instrumento especial descrito por Hiparco (com pínulas).

Descreve-o apenas como composto por uma régua com quatro côvados de

comprimento, obviamente com duas pínulas. É designada por

Dioptra. Trata-se de um aparelho muito simples, como se vê na

figura junta.

O mesmo nome é atribuído a um instrumento geodésico

descrito por Heron de Alexandria; talvez tenha sido utilizado para

construir edifícios gregos (por exemplo, o túnel de Samos). Neste

sentido poderá ser o antepassado do actual teodolito.

Ptolomeu: vida e obra

Não podemos esperar encontrar retratos fidedignos de Ptolomeu. Há diversas

imagens apresentadas como retratos do astrónomo, incluindo algumas em que ele figura

de cara rapada quando todos os filósofos gregos tinham de usar barba. Por vezes

apresentam-no com uma coroa na cabeça, talvez incluindo-o na dinastia ptolemaica

fundada por Ptolomeu I, o Sábio, general macedónico dos exércitos de Alexandre o

Grande que ficou à frente dos destinos do Egipto de 323 a.C. a 283 a.C. após a morte do

conquistador. A separação entre o cientista e a dinastia foi levada a bom porto pelo

astrónomo mouro Haly Abenrudian (séc. XI), mais tarde apoiado por Nicole Oresme

(séc. XIV): as posições das estrelas registadas por Ptolomeu já estão afectadas do valor

da precessão, fenómeno desconhecido no tempo de qualquer um dos governantes da

dinastia ptolemaica…

Vejamos uma descrição de Ptolomeu atribuída aos árabes, a civilização posterior

mais próxima da época em que ele viveu:

de estatura média,

de pele branca,

andar imponente,

pés pequeninos,

uma mancha vermelha na bochecha direita,

uma barba negra e espessa,

mas os dentes da frente salientes e descobertos.

A sua voz era doce e sonora,

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Mas o bafo era forte.

Andava muito,

Muitas vezes a cavalo;

era rápido a zangar-se e lento a acalmar-se;

por outro lado sóbrio,

e fazendo frequentes abstinências.

Há muitas datas para a sua vida, algumas bastante fáceis de rejeitar.

Registos há que provam, e o Almagesto é um deles, que Ptolomeu observou durante 14

anos; ora, juntando os anos necessários para coligir todos os elementos recolhidos, o

tempo necessário a ganhar conhecimento básico para o trabalho que se propunha levar a

cabo e ainda o número de anos que os árabes atribuem à sua vida, a mais credível será

90 – 168.

O rio Nilo viu-o nascer (em Ptolomemais Hermiu) e morrer (em Canope); terá

realizado a maioria das suas observações na cidade de Alexandria.

O Egipto que viu nascer Ptolomeu estava sob o domínio romano que se seguiu à

dinastia ptolemaica e que perdurou de 30 a.C. a 379 d.C.. A nova governação impôs

algumas restrições aos apoios criados por esta dinastia afectando as actividades

artísticas, literárias e religiosas. Por exemplo, foram suprimidos os apoios ao sustento

do culto e confiscadas as fortunas dos templos. A cidadania romana só podia ser

adquirida pelos alexandrinos e os romanos não podiam casar nem com gregos nem com

indígenas – para longe iam as recomendações de Alexandre o Grande que incentivava a

mistura das raças e o cruzamento dos que o acompanhavam com as populações locais.

Apesar de os soberanos continuaram a subsidiar os sábios do Museu de Alexandria,

estes praticamente só produziam comentários e críticas a textos, o que denotava alguma

decadência. Num contexto de relativa erosão, ganha maior interesse a postura de

Ptolomeu, ao manter de mãos dadas a observação, a teoria e a prática à boa maneira

helenística.

Ptolomeu notabilizou-se fundamentalmente na Astronomia. A sua "Composição

matemática" como ele próprio intitulou a obra, a grande compilação do saber

astronómico, mereceu da parte dos árabes o adjectivo "grande" que depois passou a

"grandíssima". Foi da união deste adjectivo com o artigo arábico al que nasceu o nome

"al-majist" e que mais tarde se converteu na designação que ainda hoje é usada:

Almagesto. Todas as outras obras existentes sobre astronomia passaram a ser designadas

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por "Pequena Astronomia". Com esta obra magistral, Ptolomeu coroou o trabalho dos

astrónomos da antiguidade.

Nesta obra, O Almagesto, organizada em 13 livros subdivididos num número

variável de capítulos, valoriza as aplicações práticas da teoria e fundamenta os

fenómenos observados desembaraçando-os das especulações e generalizações vagas.

Desenvolve a Trigonometria cujas bases tinham sido lançadas por Hiparco e

aperfeiçoa a teoria dos epiciclos [movimento de astros como a Lua, por exemplo, em

torno de um circulo chamado deferente] formulada por Apolónio: o que ensina em

detalhes trigonométricos não é coisa nova, mas está oferecido muito hábil e

metodicamente.

Apesar de defender um sistema geocêntrico deixou uma teoria planetária cuja

leitura é recomendável a todos os estudantes de Astronomia. Segundo as palavras de

Neugebauer, não se pode ler um único capítulo de Copérnico ou de Kepler sem

conhecer exaustivamente o Almagesto.

Ao longo de vários séculos, incluindo o séc. XX, o Almagesto teve diversas

traduções, umas a partir do texto grego, outras a partir do texto árabe, e deu origem a

comentários. Vejamos alguns desses trabalhos mais recentes.

Em 1939, são republicados em Roma Commentaires de Pappus et de Theon

d’Alexandrie sur l’Almageste, em dois volumes, e em 1974, Pedersen publica A Survey

of the Almagest.

Em 1952 aparece a primeira tradução inglesa devida a Taliaferro. A versão grega

elaborada por Heiberg dá origem a duas traduções: uma para alemão da

responsabilidade de Manitius, considerada muito útil e precisa (1912-13) e uma outra,

elaborada por G.J.Toomer (1998), considerada a melhor tradução disponível em língua

inglesa.

Em 1813, e da responsabilidade do Abade Nicolas Halma (1756-1828), sai em

Paris uma tradução elaborada directamente do grego para francês a partir dos

manuscritos originais existentes na Biblioteca Imperial de Paris. Esta obra, republicada

em 1988, inclui notas de Delambre, o tal astrónomo que tão crítico tinha sido antes.

Talvez tenha sido a que mais justiça fará à obra, na medida em que permite desfazer

ambiguidades e corrigir juízos.

Saíram então novos comentários, agora bastante elogiosos sobre o papel de

Ptolomeu no desenvolvimento do conhecimento astronómico, que permitem rebater as

acusações de que tinha sido alvo. Porém continua difícil identificar a verdadeira

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inovação do seu trabalho, devido à ausência dos escritos dos astrónomos seus

antecessores.

Nos dias de hoje, têm-se desenvolvido esforços no sentido de mostrar que

Ptolomeu foi um dos principais expoentes na antiguidade no que diz respeito ao método

científico e já é reconhecido como um competente e original astrónomo.

Na apresentação da obra, o autor faz saber que metas se propõe atingir:

- estudar a ciência dos movimentos celestes mas sem perder de vista tudo aquilo

que possa contribuir para a beleza da ordem e do método

- pesquisar princípios tão belos e harmoniosos como os que compõem a ciência

matemática.

Explicita também outras finalidades da obra, como:

- aumentar o gosto pelas verdades eternas

- juntar ao que ainda for recolher entre as descobertas dos antecessores os

resultados que ele próprio obtiver

- apresentar essa colecção de forma tão concisa e acessível quanto possível.

Informa ainda que tem outros objectivos como

- expor tudo o que possa servir para a teoria dos corpos celestes

- incluir o que está suficientemente explicado pelos antigos

- clarificar o que não está bem demonstrado ou bem concebido.

A obra está dividida em capítulos agrupados em 13 livros, assim intitulados:

I - Princípios da Astronomia esférica

II - Desenvolvimento dos problemas relativos à esfera segundo a altura do pólo

III - Movimentos do Sol

IV - Características principais da teoria da Lua

V - Continuação da teoria da Lua; distâncias deste astro e do Sol

VI - Tábuas da Lua e tábuas dos eclipses

VII - As estrelas fixas, com um catálogo de estrelas boreais

VIII - Catálogo de estrelas austrais, Via Láctea, nascimentos e ocasos

IX - Ordem das esferas planetárias, movimentos de Mercúrio

X - Movimentos de Vénus e de Marte

XI - Movimentos de Júpiter e de Saturno, tábuas dos planetas

XII - Retrogração dos planetas superiores, digressões dos planetas

XIII - Latitudes dos planetas.

São-lhe ainda atribuídas outras obras no campo da Astronomia:

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- Analema: analisa a projecção ortogonal de pontos da esfera celeste em três

planos fazendo entre si ângulos de 90º: horizonte, meridiano e 1º vertical

- The Planisphaerium: explica a projecção estereográfica devida a Hiparco (ca.

180 a.C.) cujo trabalho se perdeu, mas talvez lançada por Apolónio (ca. 225 a.C.).

- Hyppothes tonoplanomenon: consagrada às hipóteses planetárias, inclui uma

tabela com o nascimento e o ocaso das estrelas.

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