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COMPARAÇÃO ENTRE MÉTODOS DE MODIFICAÇÃO EM SUPERFÍCIE DE FIBRA DE COCO VERDE PARA
COMPATIBILIZAÇÃO COM MATRIZ DE POLIPROPILENO
Priscila F. de Oliveira1, Maria de F. V. Marques1*
1Universidade Federal do Rio de Janeiro -
Instituto de Macromoléculas Professora Eloísa Mano – IMA, Rio de
Janeiro, RJ - *[email protected]
Fibras naturais têm sido consideradas para substituir fibras sintéticas em compósitos poliméricos com vantagens como baixo custo e baixa densidade, contudo, o principal desafio é superar a pobre compatibilidade com matrizes especialmente de polipropileno (PP). Assim, o tratamento químico da superfície das fibras deve ser considerado. Neste trabalho, amostras de fibras de casca de coco verde foram tratadas quimicamente para remoção de extraíveis amorfos da fibra vegetal, tendo como variável o método de tratamento, ácido ou alcalino. As características morfológicas, cristalinidade e resistência térmica das fibras modificadas foram comparadas à fibra in natura. Foi observado que o tratamento alcalino foi o mais eficiente na remoção dos componentes amorfos da fibra, o que contribui para o aumento da cristalinidade da fibra celulósica. Essas observações foram comprovadas pela análise da morfologia. Além disso, aumentou sua estabilidade térmica. Palavras-chave: Fibra de casca de coco verde, tratamento superficial, compósitos, compatibilização
Comparison between methods of modification in cellulosic fiber surface for compatibilization with polypropylene
matrix
Natural fibers have been considered to replace synthetic fiber in polymer composites with the advantages of low, cost and low density. Nevertheless, the main challenges to be overcome are related to the poor compatibility with polymer matrix. Therefore, chemical treatment in the fiber surface has to be considered. In this work, samples of green coconut fibers were chemically treated to remove the extractable amorphous fiber plant, with varying treatment method, acid or alkaline. The morphological characteristics, crystallinity and thermal stability of the modified fibers were compared to the fiber in natura. It was observed that the alkali treatment was the most efficient in the removal of amorphous components of the fiber, which contributes to the increase in crystallinity of cellulose fibers. These observations were supported by the analysis of morphology. Moreover, their thermal stability has also increased. Keywords: Green coconut fiber, surface treatment, composites, compatibilization. Introdução A aplicação das fibras lignocelulósicas na obtenção de compósitos poliméricos tem se intensificado,
pois podem melhorar as propriedades mecânicas desses materiais e, principalmente diminuir a atual
dependência dos derivados do petróleo [1].
Tais fibras têm sido investigadas para uso como reforço em compósitos de matrizes poliméricas,
pois aliam propriedades que levam em consideração aspectos que vão de encontro à nova ordem
mundial, de forte apelo ecológico, e características como baixo custo, densidade, além de serem
obtidas de fonte renovável. O fato de serem atóxicas e não abrasivas, possuírem boas propriedades
térmicas e alto módulo específico, as tornam candidatas em potencial para diversas aplicações [2,
3].
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Dentre as fibras usadas no Brasil citam-se a juta, sisal, de curauá e de coco, que já foram aplicadas
com sucesso em tecnologia aeroespacial, construção civil, artefatos gerais e moldes para a indústria
automotiva [4]. Sendo a fibra de coco obtida a partir da casca de coco verde, que é um rejeito da
indústria alimentícia de países tropicais, seu aproveitamento gera vantagens, também, no que diz
respeito à diminuição de lixo sólido. No Brasil, o consumo de água de coco é cada vez maior, só na
cidade do Rio de Janeiro o consumo diário médio (inverno/verão) é de 420 mil cocos, sendo que
cada coco gera 1,5 kg de lixo. Isso acarreta em 630 toneladas de lixo sólido, tornando-se necessárias
medidas que promovam sua utilização [5].
Já são conhecidas diversas aplicações em escala industrial para esse resíduo, tais como materiais
para forragem, decoração, placas acústicas, térmicas e ainda como reforço em matrizes poliméricas,
tal como o polipropileno. O polipropileno (PP) é uma poliolefina cuja demanda tem crescido cada
vez mais em diversos ramos da indústria. Isso se deve a importantes fatores tais como seu custo e
versatilidade, que permite inúmeras aplicações (embalagens, eletrodomésticos, fibras, autopeças,
entre outras), além da possibilidade e relativa facilidade em adicionar cargas à matriz, de tal modo
que se obtenham compósitos que sejam materiais de engenharia e, por conseguinte, aplicáveis na
produção de artefatos que requerem excelentes propriedades mecânicas, tais como parachoques ou
painéis de automóveis [6].
O uso da fibra de coco em compósitos de PP com essa finalidade é muito importante, pois se trata
de um processo econômico, com finalidade nobre. Agindo como componente de reforço, a fibra de
coco é capaz de alterar as propriedades mecânicas da matriz de PP, tais como resistência à tração e
alongamento na ruptura, e ainda promover maior estabilidade dimensional e térmica [7]. As
pesquisas visando à obtenção de compósitos de polipropileno/fibra de coco tem se intensificado e
seu uso já é uma realidade na indústria automobilística, que é um trampolim para o emprego desses
materiais como polímeros de engenharia [7,8].
Entretanto, para que compósitos com boas propriedades, melhores que as da matriz pura, sejam
obtidos é necessário que haja compatibilização entre a fibra e a matriz, sendo esse o maior desafio
na obtenção desses materiais. Isto porque, enquanto matrizes poliolefínicas são hidrofóbicas, as
fibras celulósicas são hidrofílicas [9]. Dessa forma, devem ser aplicados métodos de
compatibilização, que consistem da modificação na superfície da fibra ou matriz, que podem ser
químicos ou físicos, e visam melhorar a adesão entre a fibra e a matriz polimérica, isto tudo sem
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prejudicar a estrutura da fibra, essencial para a transferência de tensão da matriz para a fibra e,
conseqüentemente, o aumento da resistência mecânica do compósito.
Dentre os métodos de modificação na superfície da fibra têm sido aplicados tratamentos ácido ou
alcalino, que visam à remoção de componentes amorfos da fibra, lignina, hemicelulose e outros em
menor quantidade, de modo que haja uma concentração maior de celulose, componente cristalino.
Dentre os métodos aplicados à melhora da adesão da fibra de coco, o tratamento alcalino pode ser
considerado o mais econômico, porém a desvantagem de sua aplicação é que muitas vezes pode
ocorrer a deterioração de sua resistência durante o tratamento [10]. A Figura 1 apresenta um modelo
de tratamento alcalino apresentado na literatura [11].
Figura1 – Esquema de variação da estrutura da fibra vegetal com tratamento alcalino [11]
Este trabalho teve por objetivo avaliar e comparar dois métodos de tratamento aplicados à
modificação na superfície de fibras de coco verde, a fim de melhorar sua adesão com a matriz de
polipropileno e assim tornar a fibra apropriada para o uso como reforço nesta matriz polimérica.
Experimental Materiais e métodos
As fibras de coco verde foram doadas pela EMBRAPA.
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Tratamento e caracterização das fibras de coco
As fibras de coco verde sofreram processos físicos de moagem, tendo seu comprimento reduzido
sob moagem em moinho de facas IKA WERKE, modelo MF 10 basic. A moagem foi concluída em
moinho de bolas RETSCH, modelo S100. Ainda foram submetidas ao peneiramento em peneira de
análise granulométrica Granulotest, utilizando malha de 150 µm. Tais fibras foram submetidas aos
tratamentos químicos.
Parte das fibras de coco verde foram tratadas com solução de NaOH 5% durante 1h a temperatura
ambiente e sob agitação, sendo esta amostra denominada ACTB. Outra parte das fibras foi
submetida a tratamento com H2SO4 63,5% durante 2h a temperatura de 45ºC, sendo denominada
ACTA. As fibras tratadas foram lavadas com água deionizada até pH constante e, posteriormente,
secas a temperatura ambiente com a utilização de uma bomba a vácuo.
Caracterização dos materiais
Amostra de fibra de coco verde sem tratamento (in natura), denominada AST e as tratadas, ACTB e
ACTA, foram caracterizadas por microscopia eletrônica de varredura (SEM), sendo recobertas por
uma fina camada de ouro e observadas em microscópio eletrônico de varredura (SEM) modelo
JEOL JSM- 5610LV, utilizando voltagem de aceleração do feixe de elétrons de 15 kV, a fim de
estudar sua morfologia. As mesmas amostras foram caracterizadas pela técnica de difratometria de
raios X (XRD) que é a mais indicada para a determinação das fases cristalinas de diversos
materiais, por isso as amostras AST, ACTB e ACTA, foram analisadas para avaliar a influência na
cristalinidade da fibra quando tratamentos químicos são aplicados.
O difratômetro de raios X empregado, Rigaku, modelo Miniflex, trabalhou com uma diferença de
potencial no tubo de 30 kV e corrente elétrica de 15 mA. A varredura foi realizada na faixa de 2θ de
2° a 20°, com velocidade do goniômetro de 0,05°/min. A radiação utilizada foi a de CuKα de λ =
1,5418 Å. A estabilidade térmica das amostras de fibra de coco foi avaliada através de análise
termogravimétrica sob atmosfera de N2 com taxas de 10°C/min até 700°C. A caracterização por
TGA das amostras de fibras AST, ACTB e ACTA foram realizadas em um equipamento TA
Instruments – Série Q – Modelo Q 500.
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Resultados e Discussão
A Figura 2 mostra a fotografia das amostras de fibra de casca de coco verde antes da moagem, após
a moagem, ambas in natura, e das fibras submetidas aos tratamentos alcalino e ácido, pela qual é
possível observar mudanças na estrutura macroscópica das fibras.
Figura 2– Fotografias das amostras de casca de coco verde: a) antes da moagem (in natura); b) após moagem (in natura);
c) Fibra tratada com NaOH; d) Fibra tratada com H2SO4
A Figura 3 mostra micrografias de SEM da fibra de coco verde sem tratamento, enquanto as Figuras
4 e 5 apresentam as micrografias das fibras de casca de coco tratadas com H2SO4 e NaOH,
respectivamente.
Nota-se que a fibra in natura possui diâmetro de aproximadamente 100 µm, porém contém
partículas pequenas misturadas às fibras. A Figura 3b mostra uma superfície em escamas contendo
fragmentos pequenos e fibras menores em sua superfície.
Por meio destas análises é possível observar que as fibras que receberam tratamentos químicos
tiveram sua superfície atacada, onde as escamas foram retiradas e a fibra parece apresentar maior
rugosidade que a fibra in natura, e contêm vazios em sequência ao longo da fibra. Esses tratamentos
possivelmente removeram lignina, hemicelulose, ceras e óleos que cobrem a superfície externa da
fibra in natura. Comparando-se os dois tratamentos, observa-se também que a fibra tratada com
NaOH resultou em superfície ainda mais modificada do que as fibras submetidas ao ácido,
contendo vazios em sequência e sulcos mais profundos.
Assim, pode-se concluir que o tratamento alcalino foi o mais eficiente na remoção dos extraíveis
amorfos que compõem a fibra vegetal, apresentando a superfície com maior área específica, da qual
se espera a maior compatibilidade com a matriz de polipropileno
a b c d
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A
C D
E F
B
Figura 3– Fotomicrografias de SEM da superfície das fibras de coco verde in natura com ampliações de 200 x (A) e 1000 x (B)
Figura 4– Fotomicrografias de SEM da superfície das fibras de coco verde tratadas com H2SO4 com ampliações de 200 x (C) e 1000 x (D)
Figura 5– Fotomicrografias de SEM da superfície das fibras de coco verde tratadas com NaOH com ampliações de 200 x (E) e 1000 x (F)
Assim, pode-se concluir que o tratamento alcalino foi o mais eficiente na remoção dos extraíveis
amorfos que compõem a fibra vegetal, apresentando a superfície com maior área de contato, da qual
se espera maior interpenetração mecânica (mechanical interlocking) com da matriz de polipropileno
com a fibra, que produzirá compósito com melhores propriedades mecânicas
Esses resultados corroboram, ainda, com aqueles obtidos pela técnica de difratometria de raios X
(Figura 6), pela qual foi observado que as fibras submetidas aos tratamentos químicos, ACTA e
ACTB, apresentaram maior cristalinidade que a fibra in natura, AST. Dessa forma, pode-se
concluir que os tratamentos aplicados são eficientes para a remoção de fase amorfa das fibras
lignocelulósicas.
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Figura 6 – Difratogramas de raios X das amostras AST, ACTA e ACTB
Observou-se, ainda, por análise termogravimétrica, que a amostra ACTA apresentou menor
estabilidade térmica que a amostra AST (sem tratamento). Por outro lado, a fibra com tratamento
álcali (ACTB) mostrou maior estabilidade térmica que a própria fibra sem tratamento, como
demonstrado na Figura 7.
Figura 7 – Curvas termogravimétricas das amostras in natura (AST), e tratadas com NaOH 5% (ACTB) e com H2SO4 (ACTA).
Tais resultados podem ser atribuídos ao fato de que os tratamentos afetam a estrutura celulósica da
fibra, ou seja, romperam ligações na cadeia principal da celulose (despolimerização da celulose)
[12], reduzindo a massa molecular na superfície e, por conseguinte, diminuindo as propriedades
térmicas da fibra. Isso teria, então, ocorrido quando amostras da fibra foram submetidas ao
tratamento ácido. Ao contrário, quando submetidas ao tratamento alcalino, a reação teria ocorrido
especificamente removendo a fase amorfa da fibra vegetal, sem que houvesse rompimento das
cadeias celulósicas, conforme foi descrito na Figura 1 [11].
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Conclusões
Foi possível modificar a superfície das fibras lignocelulósicas a partir de tratamentos químicos,
ácido e alcalino. Ambos mostraram-se eficientes na remoção dos componentes amorfos da fibra,
sendo que o tratamento alcalino foi o que apresentou melhores resultados quanto à morfologia e,
principalmente quanto à estabilidade térmica. Portanto, espera-se que as fibras tratadas quando
usadas como reforço em matriz de polipropileno, apresentem maior compatibilidade e sejam
capazes de provocar a melhora em suas propriedades mecânicas, bem como as propriedades
térmicas, no caso da fibra tratada com álcali.
Agradecimentos Os autores agradecem a CAPES e CNPq Referências Bibliográficas 1. M.N. Belgacem; A. Gandi Polimeros 2005, 15, 114.
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