compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - n. 01, v. 09
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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.TRANSCRIPT
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
09
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
(V. 01, N. 09)
Capa: Cândido Portinari, Garimpo (1938).
ISBN: 978-1517090654
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca
trazer para o debate uma série de assuntos
contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
Singelo painel às Recomendações de Paris de 1964 ........... 06
Singelo painel à Recomendação de Paris para a Proteção
do Patrimônio Mundial Cultural e Natural: ponderações
inaugurais ............................................................................ 42
Breves ponderações à Resolução de São Domingos de
1974 ...................................................................................... 74
Breve painel à Carta de Mar del Plata sobre Patrimônio
Intangível (1997): singelos comentários ............................. 107
6
SINGELO PAINEL ÀS RECOMENDAÇÕES DE
PARIS DE 1964
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise itinerário como instrumento apto à
promoção e salvaguarda do patrimônio cultural.
Cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói
o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira
7
é o resultado daquilo que era próprio das
populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao
se analisar o meio ambiente cultural, enquanto
complexo macrossistema, é perceptível que é algo
incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens
culturais materiais e imateriais portadores de
referência à memória, à ação e à identidade dos
distintos grupos formadores da sociedade brasileira.
O conceito de patrimônio histórico e artístico
nacional abrange todos os bens moveis e imóveis,
existentes no País, cuja conservação seja de
interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu
excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica da Ramificação
Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção de
Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Singelo Painel
às Recomendações de Paris de 1964
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
9
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13
mar. 2015, s.p.
10
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
13 mar. 2015.
11
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 13 mar. 2015.
13
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade5·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”6.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
14
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
15
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
16
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
17
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”10.
Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
18
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal12.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
19
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
20
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade15.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
21
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.
22
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
23
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
24
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
25
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”16. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 13 mar. 2015, p.
15-16.
26
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”17. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
27
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
28
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13 mar.
2015.
29
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”19, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo22, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.
30
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 SINGELO PAINEL ÀS RECOMENDAÇÕES DE
PARIS DE 1964
Em um primeiro momento, cuida anotar que
as Recomendações de Paris, promulgada em 21 de
Novembro de 196423, assentaram suas bases na
estimativa que os bens culturais se constituem em
elementos fundamentais da civilização e da cultura dos
23 BRASIL. Recomendações de Paris. Promulgada em 21 de
novembro de 1964. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em 13
mar. 2015.
31
povos, e que a familiaridade com esses bens favorece a
compreensão e a apreciação mútuas entre as nações, bem
como que cada Estado tem o dever de proteger o
patrimônio constituído pelos bens culturais existentes
em seu território contra os perigos decorrentes da
exportação, da importação e da transferência de
propriedades ilícitas. Igualmente, a Recomendação de
1964 explicitou que, para evitar esses perigos, é
indispensável que cada Estado Membro adquira uma
consciência mais clara das obrigações morais relativas ao
respeito a seu patrimônio cultural e ao de todas as
nações. Para efeito da recomendação supramencionada,
são considerados bens culturais os bens móveis e imóveis
de grande importância para o patrimônio cultural de
cada país, tais como as obras de arte e de arquitetura, os
manuscritos, os livros e outros bens de interesse
artístico, histórico ou arqueológico, os documentos
etnológicos, os espécimens-tipo da flora e da fauna, as
coleções científicas e as coleções importantes de livros e
arquivos, incluídos os arquivos musicais. Ao lado disso,
ainda em consonância com o documento, cada Estado
Membro deveria adotar os critérios para julgar mais
adequados para definir, no âmbito de seu território, os
bens culturais que haverão de se beneficiar da proteção
32
estabelecida nesta recomendação em virtude da grande
importância que apresentam.
Na esteira da recomendação de 196424, para
garantir a proteção de seu patrimônio cultural contra
todos os perigos de empobrecimento, cada Estado
Membro deveria adotar as medidas adequadas para
exercer um controle eficaz sobre a exportação dos bens
culturais. A importação de bens culturais só deveriam
ser autorizados após haverem sido declarados livres de
qualquer restrição por parte do Estado exportador. Cada
Estado Membro deveria tomar as providências
apropriadas para impedir a transferência ilícita de
propriedade dos bens culturais, bem como estabelecer
normas que regulamentassem a aplicação dos princípios
supracitados. Ademais, qualquer exportação, importação
ou transferência da propriedade efetuada em oposição às
normas adotadas por cada Estado Membro em
conformidade com o parágrafo 6 deveria ser considerada
ilícita. Nesta trilha, oportunamente, os museus, e em
geral todos os serviços e instituições relacionados à
conservação de bens culturais, deveriam abster-se de
24 BRASIL. Recomendações de Paris. Promulgada em 21 de
novembro de 1964. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em 13
mar. 2015.
33
adquirir qualquer bem cultural procedente de
exportação, importação ou transferência de propriedades
ilícitas. Para estimular e facilitar os intercâmbios
legítimos de bens culturais, os Estados Membros
deveriam empreender os esforços necessários para por à
disposição das coleções públicas dos demais Estados
Membros, através de cessão ou intercâmbio, objetos do
mesmo tipo daqueles cuja exportação ou transferência de
propriedade não possam ser autorizadas, ou, por meio de
empréstimo ou depósito, alguns desses mesmos objetos.
Para garantir a aplicação mais eficaz dos princípios
gerais enunciados acima, cada Estado Membro deveria,
na medida do possível, estabelecer e aplicar
procedimentos para a identificação dos bens culturais
definidos que existam em seu território e estabelecer um
inventário nacional desses bens. A inclusão de um objeto
cultural nesse inventário não deveria alterar de maneira
alguma sua propriedade legal. Particularmente, um
objeto cultural de propriedade privada deveria
permanecer como tal mesmo após sua inclusão no
inventário nacional. Este inventário não teria caráter
restritivo. Cada Estado Membro deveria providenciar
para que a proteção dos bens culturais estivesse sob a
responsabilidade de órgãos oficiais adequados e, se
34
necessário, deveria instituir um serviço nacional para a
proteção dos bens culturais.
Ainda que a diversidade de disposições
constitucionais e de tradições e a desigualdade de
recursos impossibilitem a adoção por todos os Estados
Membros de uma organização uniforme, é conveniente
levar em consideração os seguintes princípios comuns,
caso se julgue necessária a criação de um serviço
nacional dos bens culturais: (i) serviço nacional de
proteção dos bens culturais deveria ser, na medida do
possível, um serviço administrativo do Estado ou um
órgão que, atuando em conformidade com a legislação
nacional, dispusesse dos meios administrativos, técnicos
e financeiros que permitissem o desempenho eficaz de
suas funções; (ii) as funções do serviço nacional de
proteção de bens culturais deveriam incluir: (ii.1) a
identificação dos bens culturais existentes no território
do Estado e, se necessário, o estabelecimento e a
manutenção de um inventário nacional desses bens; (ii.2)
cooperação com outros organismos competentes no
controle da exportação, da importação e da transferência
de propriedade de bens culturais; o controle de
exportações seria consideravelmente facilitado se os bens
culturais fossem acompanhados, por ocasião de sua
35
exportação, de um certificado apropriado, mediante o
qual o Estado exportador certificaria haveria autorizado
a exportação do bem em que questão. Em caso de dúvida
a instituição incumbida de proteção dos bens culturais
deveria comunicar-se com a instituição competente para
confirmar a legalidade da exportação; (iii) o serviço
nacional de proteção dos bens culturais deveria estar
autorizado a apresentar às autoridades nacionais
competentes propostas de outras medidas legislativas e
administrativas adequadas à proteção dos bens culturais,
inclusive sanções que impedissem a exportação, a
importação e a transferência de propriedades ilícitas. (iv)
o serviço nacional de proteção dos bens culturais deveria
poder recorrer a especialistas para assessorá-lo em
relação a problemas técnicos e na solução de casos
litigiosos; (v) cada Estado Membro deveria, se necessário,
constituir um fundo ou adotar outras medidas
financeiras apropriadas para dispor dos recursos
necessários a adquirir bens culturais de importância
excepcional.
Aduz, ainda, a Recomendação de 196425 que
25 BRASIL. Recomendações de Paris. Promulgada em 21 de
novembro de 1964. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em 13
mar. 2015.
36
sempre que necessário ou conveniente, os Estados
Membros deveriam firmar acordos bilaterais ou
multilaterais, por exemplo, dentro da estrutura de
organizações intergovernamentais regionais, para
resolver problemas decorrentes da exportação, da
importação ou da transferência da propriedade de bens
culturais, e mais especificamente, de modo a garantir a
restituição de bens culturais ilicitamente exportados do
território de uma das partes desses acordos e localizada
no território de outra. Tais acordos poderiam, se for o
caso, ser incluídos em acordo de maior abrangência, tais
como os acordos culturais. Igualmente, sempre que
necessário ou conveniente, os acordos bilaterais ou
multilaterais deveriam conter cláusulas que garantissem
que, sempre que fosse proposta a transferência de
propriedade de um bem cultural, os serviços competentes
de cada Estado pudessem certificar-se da inexistência de
motivos para considerar o objeto como proveniente de um
roubo, de uma exportação ou de uma transferência de
propriedades ilícitas ou de qualquer outra operação
considerada ilegal pela legislação do Estado exportador,
como por exemplo, ao exigir a apresentação do
certificado. Toda oferta suspeita e todos os detalhes a ela
relacionados, deveriam ser levados ao conhecimento dos
37
serviços interessados. Os Estados Membros deveriam
empenhar-se na assistência mútua através do
intercâmbio dos resultados de suas experiências no
âmbito dos assuntos a que se refere esta recomendação.
Os Estados Membros, os serviços de proteção
dos bens culturais, os museus e todas as instituições
competentes em geral deveriam colaborar uns com os
outros no sentido de garantir ou facilitar a restituição ou
a repatriação de bens culturais ilicitamente exportados.
Essa restituição ou repatriação deveria ser efetuada em
conformidade com a legislação vigente no Estado em cujo
território se encontram os bens. O desaparecimento de
qualquer bem cultural deveria, por solicitação de Estado
que o reclamasse, ser levado ao conhecimento do público,
através de uma publicidade adequada. Cada Estado
Membro deveria, se necessário, tomar as providências
adequadas para estabelecer que sua legislação interna ou
as convenções quais possa vir a participar garantissem
ao adquirente de boa fé de um bem cultural a ser
restituído ou repatriado ao território do Estado do qual
havia sido ilegalmente exportado a possibilidade de obter
a indenização por perdas e danos ou outra compensação
equivalente. No sentido de uma colaboração
internacional que levasse em consideração tanto a
38
natureza universal da cultura quanto à necessidade de
intercâmbios para possibilitar a todos beneficiar-se do
patrimônio cultural da humanidade, cada Estado
Membro deveria agir de modo a estimular e desenvolver
entre seus cidadãos o interesse e o respeito pelo
patrimônio cultural de todas as nações. Tal ação deveria
ser empreendida pelos serviços competentes em
cooperação com os serviços educativos, com a imprensa e
com outros meios de informação e difusão, com
organizações de juventude e de educação popular e com
grupos e indivíduos ligados a atividades culturais.
REFERÊNCIA:
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Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
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Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
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__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
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dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2015.
__________. Recomendações de Paris. Promulgada em
21 de novembro de 1964. Disponível em:
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Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
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42
SINGELO PAINEL À RECOMENDAÇÃO DE PARIS
PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO MUNDIAL
CULTURAL E NATURAL: PONDERAÇÕES
INAUGURAIS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise itinerário como instrumento apto à promoção e
salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida salientar
que o meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar
que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma
intensa interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
43
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se
analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo
macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,
abstrato, fluído, constituído por bens culturais
materiais e imateriais portadores de referência à
memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos
os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja
conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou
por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Singelo Painel às Recomendações de
Paris para a Proteção do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural: Ponderações Inaugurais
44
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
45
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”26. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
26 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01
mar. 2015, s.p.
46
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”27. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
01 mar. 2015.
47
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”28. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
28 VERDAN, 2009, s.p.
48
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”29. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
29 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 01 mar. 2015.
49
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade30·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”31.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
30 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 31 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
50
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível32.
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
51
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”33. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2015. 33 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
52
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198134,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
34 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
53
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”35.
Nesta senda, ainda, Fiorillo36, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
35 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 36 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
54
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal37.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2015.
55
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”38.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198839 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
38 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
56
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade40.
40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
57
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
58
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
59
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
60
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
61
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”41. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
41 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 01 mar. 2015, p.
15-16.
62
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”42. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
42 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
63
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
64
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”43. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
43 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2015.
65
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”44, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200045,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo46, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo47, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
44 BROLLO, 2006, p. 33. 45 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2015. 46 BROLLO, 2006, p. 33. 47 FIORILLO, 2012, p. 80.
66
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 SINGELO PAINEL ÀS RECOMENDAÇÕES DE
PARIS PARA A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO
MUNDIAL, CULTURAL E NATURAL:
PONDERAÇÕES INAUGURAIS
Em um primeiro momento, cuida anotar que
as Recomendações de Paris para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, promulgada
em 16 de novembro de 197248, tiveram suas bases
48 BRASIL. Recomendações para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural. Promulgada em 16 de novembro de
1972. Disponível em: <http://whc.unesco.org/archive/convention-
67
assentadas na constatação que os patrimônios cultural e
natural estão cada vez mais ameaçados de destruição,
não apenas pelas causas tradicionais de degradação, mas
também pela evolução da vida social e econômica que as
agrava através e fenômenos de alteração ou de
destruição ainda mais importantes. Mais que isso, o
documento supramencionado reconheceu, ainda, que a
degradação ou o desaparecimento de um bem do
patrimônio cultural e natural constitui um
empobrecimento efetivo do patrimônio de todos os povos
do mundo. Ao lado disso, a convenção em comento
estabeleceu as acepções jurídicas para os bens
integrantes do patrimônio cultural e do patrimônio
natural. Na primeira situação, a convenção apresenta as
seguintes concepções:
Os monumentos. – Obras arquitetônicas, de
escultura ou de pintura monumentais,
elementos de estruturas de caráter
arqueológico, inscrições, grutas e grupos de
elementos com valor universal excepcional
do ponto de vista da história, da arte ou da
ciência;
Os conjuntos. – Grupos de construções
isoladas ou reunidos que, em virtude da sua
arquitetura, unidade ou integração na
paisagem têm valor universal excepcional
do ponto de vista da história, da arte ou da
pt.pdf>. Acesso em 01 mar. 2015.
68
ciência;
Os locais de interesse. – Obras do homem,
ou obras conjugadas do homem e da
natureza, e as zonas, incluindo os locais de
interesse arqueológico, com um valor
universal excepcional do ponto de vista
histórico, estético, etnológico ou
antropológico49.
No que concerne ao patrimônio natural, é
possível mencionar que a convenção descreveu os
monumentos naturais como aqueles constituídos por
formações físicas e biológicas ou por grupos de tais
formações com valor universal excepcional do ponto de
vista estético ou científico. Já as formações geológicas e
fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas são
aquelas que constituem habitat de espécies animais e
vegetais ameaçados, dotadas de valor universal
excepcional, tanto do ponto de vista da ciência como da
conservação. Por derradeiro, os locais de interesse
naturais ou zonas naturais estritamente delimitadas,
com valor universal excepcional do ponto de vista a
ciência, conservação ou beleza natural. Aludido diploma
explicita, oportunamente, que cada um dos Estados parte
na presente Convenção deverá reconhecer que a
49 BRASIL. Recomendações para a Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural. Promulgada em 16 de novembro de
1972. Disponível em: <http://whc.unesco.org/archive/convention-
pt.pdf>. Acesso em 01 mar. 2015.
69
obrigação de assegurar a identificação, proteção,
conservação, valorização e transmissão às gerações
futuras do patrimônio cultural e natural e situado no
seu território constitui obrigação primordial. Para tal,
deverá esforçar-se, quer por esforço próprio, utilizando no
máximo os seus recursos disponíveis, quer, se necessário,
mediante a assistência e a cooperação internacionais de
que possa beneficiar, nomeadamente no plano financeiro,
artístico, científico e técnico.
Com o fim de assegurar uma proteção e
conservação tão eficazes e uma valorização tão ativa
quanto possível do patrimônio cultural e natural situado
no seu território e nas condições apropriadas a cada país,
os Estados parte, segundo o texto contido na Convenção,
deverão se esforçar na medida do possível por: (i) adotar
uma política geral que vise determinar uma função ao
patrimônio cultural e natural na vida coletiva e integrar
a proteção do referido patrimônio nos programas de
planificação geral; (ii) instituir no seu território, caso não
existam, um ou mais serviços de proteção, conservação e
valorização do patrimônio cultural e natural, com pessoal
apropriado, e dispondo dos meios que lhe permitam
cumprir as tarefas que lhe sejam atribuídas; (iii)
70
desenvolver os estudos e as pesquisas científicas e
técnica e aperfeiçoar os métodos de intervenção que
permitem a um Estado enfrentar os perigos que
ameaçam o seu patrimônio cultural e natural; (iv) tomar
as medidas jurídicas, científicas, técnicas,
administrativas e financeiras adequadas para a
identificação, proteção, conservação, valorização e
restauro do referido patrimônio; e (v) favorecer a criação
ou o desenvolvimento de centros nacionais ou regionais
de formação nos domínios da proteção, conservação e
valorização do patrimônio cultural e natural e encorajar
a pesquisa científica neste domínio.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
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2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
71
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
72
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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar. 2015.
74
BREVES PONDERAÇÕES À RESOLUÇÃO DE SÃO
DOMINGOS DE 1974
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Resolução de São Domingos de 1974 como
proeminente diploma de proteção do patrimônio
cultural. Cuida salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
75
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Breves Ponderações à Resolução de
São Domingos de 1974
76
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
77
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”50. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
50 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21
mar. 2015, s.p.
78
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”51. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
51 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
21 mar. 2015.
79
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”52. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
52 VERDAN, 2009, s.p.
80
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”53. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
53 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 21 mar. 2015.
81
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade54·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”55.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
54 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
82
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível56.
56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
83
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”57. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 mar. 2015. 57 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
84
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198158,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
58 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
85
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”59.
Nesta senda, ainda, Fiorillo60, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
59 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 60 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
86
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal61.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 21 mar.
2015.
87
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”62.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198863 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
62 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 63 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
88
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade64.
64 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
89
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
90
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
91
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
92
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
93
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”65. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
65 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 21 mar. 2015, p.
15-16.
94
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”66. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
66 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
95
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
96
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”67. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
67 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 21 mar.
2015.
97
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”68, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200069,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo70, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo71, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
68 BROLLO, 2006, p. 33. 69 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015. 70 BROLLO, 2006, p. 33. 71 FIORILLO, 2012, p. 80.
98
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 BREVES PONDERAÇÕES À RESOLUÇÃO DE
SÃO DOMINGOS DE 1974
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Resolução de São Domingos, promulgada em dezembro
de 197472, estabelece que a salvação dos centros
históricos é um compromisso social além de cultural e
deve fazer parte da política de habilitação, para que nela
72 BRASIL. Resolução de São Domingos. Promulgada em
dezembro de 1974. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em 21
mar. 2015.
99
se levem em conta os recursos potenciais que tais centros
possam oferecer. Todos os programas de intervenção e
resgate dos centros históricos devem, portanto, trazer
soluções de saneamento integral que permitam a
permanência e melhoramento da estrutura social
existente. A iniciativa privada e o seu apoio financeiro
constituem uma contribuição fundamental para a
conservação e valorização dos centros históricos, sendo
recomendado a todos os governos estimular essa
contribuição mediante disposições legais, incentivos e
facilidades de caráter econômico. Os problemas da
preservação monumental obrigam a um trabalho prévio
de investigação documental e arqueológico, devendo
levar-se a cabo estudos integrais para resgatar a maior
quantidade de dados relacionados com a história do sítio.
Igualmente, a resolução em comento estabeleceu que,
respaldados na noção do centro monumental, tais
estudos deverão ser estendidos à proteção dos valores e
costumes tradicionais e naturais da área em questão.
Em apoio ao estabelecido nas Normas de
Quito, o Centro Interamericano do Inventário do
Patrimônio Histórico e Artístico, recentemente criado em
Bogotá, deve resgatar, de acordo com os governos de
Espanha e Portugal, a documentação de interesse
100
monumental existente em seus arquivos; cabe-lhe, ainda,
realizar, com atividade prioritária, um inventário dos
monumentos que, em território americano, tenham um
significado transcendental para o patrimônio da
humanidade. Criar uma Associação Interamericana de
Arquitetos e Especialistas na Proteção do Patrimônio
Monumental, que divulgue o trabalho dos seus membros
mediante uma publicação a cargo de um centro ou
instituto especializado. Essa associação se formou em
São Domingos e serão seus membros fundadores os
delegados ao Seminário Interamericano sobre
Experiências na Conservação do Patrimônio
Monumental dos Períodos Colonial e Republicano.
Também serão membros os especialistas participantes
que formalizarem sua inscrição de acordo com os
regulamentos estabelecidos.
Reconhecendo o trabalho positivo realizado
pela Unidade Técnica de Patrimônio Cultural do
Departamento de Assuntos Culturais a cargo do Projeto
de Proteção do Patrimônio Cultural Histórico e Artístico
instituído pela OEA e constatando que, no campo da
preservação do patrimônio monumental da América,
existem necessidades que não puderam ser satisfeitas
pelo mencionado projeto devido à falta de recursos
101
adequados, solicitamos que na próxima Assembleia Geral
da OEA se destinem maiores fundos, que permitam ao
mencionado projeto cumprir cabalmente objetivos para
os quais foi criado. Ao lado disso, os Estados Membros da
OEA deveriam criar um fundo de emergência que
permita a rápida disponibilidade de recursos para a
salvação de bens monumentais americanos nos países de
menor desenvolvimento relativo, que constituem
monumentos inalienáveis para ao patrimônio da
humanidade e estão em iminente perigo de
desaparecimento.
Os projetos de preservação monumental devem
fazer parte de um programa integral de valorização, que
defina não apenas a sua função monumental, como
também o seu destino e manutenção, e leve
prioritariamente em conta a melhoria socioeconômica de
seus habitantes. Sendo o turismo um meio de
preservação dos monumentos, os planos de
desenvolvimento turístico devem constituir uma via
mediante a qual, com a utilização de alto nível técnico, se
logrem objetivos importantes na proteção e preservação
do patrimônio cultural americano. O Centro
Interamericano de Restauração de Bens Culturais, que
atualmente funciona no México, deveria atuar como o
102
organismo que recopile e difunda as atividades
empreendidas pelos países que integram o sistema
interamericano no campo da preservação monumental.
Independentemente da fonte anterior de informação,
torna-se indispensável o intercâmbio pessoal de
experiências, devendo realizar-se seminários como este a
cada dois anos, com o patrocínio da OEA, em um dos seus
Estados Membros, o segundo dos quais se realizará na
Colômbia, no ano de 1976.
Ao lado disso, a Resolução de São Domingos de
197473 estabelecia que fossem criadas oficinas de ensino
nível artesanal para formação de operários que sejam
eficazes auxiliares na tarefa da restauração
monumental, respaldando-se e ampliando-se em nível
interamericano a atual escola-oficina de obras de pedra
que funciona no Museu das Casas Reais, na República
Dominicana. Tendo-se iniciado em São Domingos, antiga
Espanhola, o processo cultural ibero-americano e
contando a República Dominicana com um centro como o
Museu das Casas Reais, que se dedica ao estudo
científico desse processo histórico, recomenda-se a
73 BRASIL. Resolução de São Domingos. Promulgada em
dezembro de 1974. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>. Acesso em 21
mar. 2015.
103
ampliação de suas atividades em nível internacional,
procurando que, tanto nos trabalhos de investigação
como na formação acadêmica, orientem-se os seus
trabalhos em todo o continente para a mais cabal
compreensão da integração cultural americana.
O primeiro Seminário Interamericano sobre
Experiência na Conservação e Restauração do
Patrimônio Monumental dos Períodos Colonial e
Republicano, do qual resultou a resolução em comento,
quer fazer constar o seu reconhecimento pelo patrocínio
assumido pelo Governo da República Dominicana e pela
Secretaria Geral da Organização dos Estados
Americanos (OEA), para realização deste Primeiro
Seminário Interamericano, cujo proveito se fará sentir no
âmbito de todo o hemisfério. São Domingos é um ponto
de partida para o fortalecimento e a integração
profissional dos especialistas em conservação do
patrimônio monumental da América. O Primeiro
Seminário Interamericano sobre Experiências na
Conservação do Patrimônio Monumental dos Períodos
Colonial e Republicano quer igualmente fazer constar o
trabalho exemplar que o Governo Dominicano
empreende para a preservação e a valorização do
patrimônio monumental da República Dominicana.
104
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
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2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
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artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 21 mar. 2015.
105
__________. Resolução de São Domingos. Promulgada
em dezembro de 1974. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf>.
Acesso em 21 mar. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
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THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21 mar. 2015.
107
BREVE PAINEL À CARTA DE MAR DEL PLATA
SOBRE PATRIMÔNIO INTANGÍVEL (1997):
SINGELOS COMENTÁRIOS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise da Carta de Mar del Plata sobre Patrimônio
Intangível (1997). Cuida salientar que o meio
ambiente cultural é constituído por bens culturais,
cuja acepção compreende aqueles que possuem valor
histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,
espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo
as características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
108
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Documentos Internacionais.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Breve Painel à Carta de Mar del Plata
sobre Patrimônio Intangível (1997): Singelos
Comentários
109
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
110
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”74. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
74 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 mai.
2015, s.p.
111
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”75. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
75 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
16 mai. 2015.
112
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”76. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
76 VERDAN, 2009, s.p.
113
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”77. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
77 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 16 mai. 2015.
114
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade78·. Ora, daí se
verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”79.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
78 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
115
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível80.
80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
116
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”81. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2015. 81 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
117
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198182,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
82 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
118
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”83.
Nesta senda, ainda, Fiorillo84, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
83 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 84 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
119
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal85.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai.
2015.
120
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”86.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198887 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
86 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 87 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
121
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade88.
88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
122
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 mai. 2015.
123
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
124
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
125
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
126
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”89. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
89 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 16 mai. 2015, p.
15-16.
127
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”90. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
90 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
128
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
129
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”91. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
91 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 16 mai.
2015.
130
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”92, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200093,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo94, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,
segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo95, que
os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
92 BROLLO, 2006, p. 33. 93 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 mai. 2015. 94 BROLLO, 2006, p. 33. 95 FIORILLO, 2012, p. 80.
131
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. Necessário se
faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto
seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em
razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado
de valor especial, notadamente em decorrência de
produzir um sentimento de identidade no grupo em que
se encontra inserido, bem como é propiciada a constante
evolução fomentada pela atenção à diversidade e à
criatividade humana.
4 BREVE PAINEL À CARTA DE MAR DEL PLATA
SOBRE PATRIMÔNIO INTANGÍVEL (1997):
SINGELOS COMENTÁRIOS
Em um primeiro momento, cuida anotar que a
Carta de Mal del Plata é fruto dos esforços dos países
que constituem o MERCOSUL, organizada pelo CICOP
Argentina, e o órgão de cultura da municipalidade de
General Pueyrredon, realizadas na cidade de Mar del
Plata, de 10 a 13 de junho de 1997. O documento
explicitou que convencidos de que o processo de
132
integração concretizado através do MERCOSUL, que
expressa as legitimas aspirações de nossos povos a uma
vida melhor, deve sustentar-se sobre a diversidade dos
sistemas e subsistemas culturais. Igualmente,
compartilhando a preocupação sobre as consequências
que, eventualmente, podem sofrer ditas identidades em
um processo de globalização avassalador, que limita seus
horizontes a metas econômicas e financeiras. A carta em
comento estabeleceu os seguintes princípios: (i) A
integração cultural deve ser definida como genuína
prioridade do MERCOSUL e não meta marginal, para a
qual irá requerer meios adequados a seus objetivos,
assim como o indispensável respaldo político dos
governos; (ii) Dita integração deve aceitar a pluralidade
de culturas da região como fato positivo e enriquecedor
da nossa visão de mundo e do próprio desenvolvimento
da personalidade humana; (iii) O conceito de integração
supõe o intercambio e a complementaridade de partes
distintas entre si, e que, portanto, excluem toda a
tentação de uniformizar nossos povos em um modelo
cultural único, expresso em uma deformação ideológica
que em alguns casos recebe o nome de globalização; (iv)
O fato de que o patrimônio cultural da região seja
constituído por grande quantidade de contribuições – as
133
que provêm das diversas e também muito distintas
culturas pré-colombianas, das sucessivas e igualmente
diversas contribuições europeias, seguidas daquelas
provenientes da África e agora da Ásia – que, por sua
vez, têm produzido surpreendentes formas de
mestiçagem, define uma fisionomia peculiar que devemos
assumir positivamente como fator de fortalecimento de
nosso patrimônio comum; (v) Convencidos igualmente da
necessidade de fixar algumas metas concretas para
avançar no caminho assinalado pelos princípios
anteriormente enunciados, aos organismos
internacionais e aos organismos da região e às
instituições privadas interessadas em assegurar e gerar
ações participativas que promovam o desenvolvimento
material e espiritual dos povos.
De igual maneira, a carta estabeleceu as
seguintes recomendações: (i) promover, em caráter
urgente, o registro documental e a catalogação das
expressões do patrimônio cultural intangível; (ii) criar
um banco de dados com todas as publicações da região
que se refiram ao patrimônio intangível e com
informações sobre as manifestações culturais próprias
dos respectivos países, com a consequente publicação de
Cadernos sobre as distintas expressões culturais; (iii)
134
incrementar pesquisas sobre as afinidades,
particularidades e fontes das tradições comuns da região;
(iv) apoiar pesquisas sobre o patrimônio intangível das
culturas indígenas da região, especialmente as que
suportam a pressão da sociedade ocidental e que,
portanto, se encontram ameaçados de extinção; (v)
elaborar um modelo de cartilha sobre patrimônio cultural
intangível como meio para informar a população, para
ser utilizada pelos Ministérios da Cultura e da Educação
e outras instituições públicas ou privadas envolvidas na
atividade docente, com o objetivo de empregá-la no
sistema de educação formal e informal; (vi) organizar
uma rede de informações entre especialistas e
instituições dedicadas ao patrimônio cultural intangível,
que possibilite o intercâmbio de conhecimentos e de
experiências em programas de ação nos diferentes países;
(vii) solicitar aos governos e aos organismos financeiros
internacionais que, aos estudos de impacto ambiental,
acrescentem outros que ajudem a identificar o impacto
cultural, para o qual devem ser convocados profissionais
de reconhecida experiência na matéria; (viii) recomendar
aos meios de comunicação de massa ligados ao Estado
que ofereçam espaços para a difusão das expressões
culturais dos subsistemas regionais e étnicos dos
135
respectivos países; (ix) estimular os governos a
incorporarem os conteúdos de Patrimônio Cultural
Intangível nos currículos escolar a propiciar a realização
de oficinas nas disciplinas afins;.
Em igual dicção, são erigidas, ainda, as
seguintes recomendações: (x) fomentar a realização de
cursos de formatação de gestores culturais que possam
ser convocados para trabalhar nas diversas áreas da
cultura, como agentes de animação; (xi) chamar a
atenção para a necessidade de que os projetos de
desenvolvimento cultural sejam elaborados segundo um
critério de busca de qualidade e que, portanto,
contenham propostas razoavelmente competitivas; (xii)
difundir entre os interessados modelos de gestão de
financiamento de planos e projetos pertinentes, dentro do
campo do patrimônio cultural intangível; (xiii) estimular
os governos para que, nas atividades do MERCOSUL
Cultural, incorporem em suas agendas o tema do
patrimônio intangível e consultem organizações que
estejam trabalhando sobre ele; (xiv) solicitar a
colaboração da UNESCO para a realização das Segundas
Jornadas do MERCOSUL sobre o Patrimônio Intangível,
evento a ser realizado na metade do segundo semestre de
1999; (xv) fomentar a articulação entre as políticas de
136
preservação patrimonial e turismo para possibilitar o
desenvolvimento social produtivo.
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