compêndio de ensaios jurídicos: temas de direitos humanos - v. 1, n. 2
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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.TRANSCRIPT
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TAU LIMA VERDAN
RANGEL
COMPNDIO DE ENSAIOS
JURDICOS: TEMAS DE
DIREITOS HUMANOS
V.
01
N
2
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COMPNDIO DE ENSAIOS JURDICOS:
TEMAS DE DIREITOS HUMANOS
(V. 01, N. 02)
Capa: Salvador Dal, O Sono (1937).
ISBN: 978-1516800193
Editorao, padronizao e formatao de texto
Tau Lima Verdan Rangel
Projeto Grfico e capa
Tau Lima Verdan Rangel
Contedo, citaes e referncias bibliogrficas
O autor
de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reproduo dos textos autorizada
mediante citao da fonte.
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A P R E S E N T A O
Tradicionalmente, o Direito reproduzido por
meio de doutrinas, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurdica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurdico sempre foi concebido como algo
dogmtico. possvel, luz da tradicional viso
empregada, afirmar que o Direito um campo no qual
no se incluem somente as instituies legais, as ordens
legais, as decises legais; mas, ainda, so computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituies, ordens e decises,
materializando, comumente, uma meta direito. No
Direito, a construo do conhecimento advm da
interpretao de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis so os juristas.
Contudo, o alvorecer acadmico que
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prtica, utilizando
as experincias empricas e o contorno regional como
elementos indissociveis para a compreenso do Direito.
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Ultrapassa-se a tradicional viso do conhecimento
jurdico como algo dogmtico, buscando conferir
molduras acadmicas, por meio do emprego de mtodos
cientficos. Neste aspecto, o Compndio de Ensaios
Jurdico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletnea de trabalhos, reflexes e
inquietaes produzida durante a formao acadmica do
autor. Debruando-se especificamente sobre a temtica
de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o
debate uma srie de assuntos contemporneos e que
reclamam maiores reflexes.
Boa leitura!
Tau Lima Verdan Rangel
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S U M R I O
O Direito Terra Urbana como um Direito Humano: a
funo social da terra luz da Constituio de 1988 ......... 06
O Direito Humano ao Ar Atmosfrico: breve painel ao
processo de alargamento dos Direitos Humanos de
Terceira Dimenso .............................................................. 48
O acesso gua potvel alado ao status de Direito
Humano Fundamental: breve explicitao ao tema .......... 96
O reconhecimento ao acesso energia eltrica como
Direito de Segunda Dimenso ............................................ 137
O reconhecimento do direito moradia adequada como
Direito Humano: primeiros comentrios ............................ 178
O reconhecimento dos direitos lingusticos como
desdobramentos dos Direitos de Terceira Dimenso ......... 219
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O DIREITO TERRA COMO UM
DIREITO HUMANO: A FUNO SOCIAL
DA TERRA LUZ DA CONSTITUIO DE
1988
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira macia,
acerca da evoluo dos direitos humanos, os quais
deram azo ao manancial de direitos e garantias
fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos
humanos decorrem de uma construo paulatina,
consistindo em uma afirmao e consolidao em
determinado perodo histrico da humanidade.
Quadra evidenciar que sobredita construo no se
encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva
rumo conquista de direitos est em pleno
desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial,
pela difuso das informaes propiciada pelos atuais
meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com
bastante substncia a rubrica dos temas associados
aos direitos humanos. Os direitos de primeira gerao
ou direitos de liberdade tm por titular o indivduo,
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so oponveis ao Estado, traduzem-se como faculdades
ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os
direitos de segunda dimenso so os direitos sociais,
culturais e econmicos bem como os direitos coletivos
ou de coletividades, introduzidos no
constitucionalismo das distintas formas do Estado
social, depois que germinaram por ora de ideologia e
da reflexo antiliberal. Dotados de altssimo teor de
humanismo e universalidade, os direitos de terceira
gerao tendem a cristalizar-se no fim do sculo XX
enquanto direitos que no se destinam
especificamente proteo dos interesses de um
indivduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direito
Terra. Funo Social.
Sumrio: 1 Comentrios Introdutrios: Ponderaes
ao Caracterstico de Mutabilidade da Cincia
Jurdica; 2 Preldio dos Direitos Humanos: Breve
Retrospecto da Idade Antiga Idade Moderna; 3
Direitos Humanos de Primeira Dimenso: A
Consolidao dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos
Humanos de Segunda Dimenso: Os Anseios Sociais
como substrato de edificao dos Direitos de
Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimenso:
A valorao dos aspectos transindividuais dos Direitos
de Solidariedade; 6 O Direito Terra como um Direito
Humano: A Funo Social da Terra Luz da
Constituio de 1988
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1 COMENTRIOS INTRODUTRIOS:
PONDERAES AO CARACTERSTICO DE
MUTABILIDADE DA CINCIA JURDICA
Em sede de comentrios inaugurais, ao se
dispensar uma anlise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister se faz evidenciar que a Cincia Jurdica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouo
doutrinrio e tcnico, assim como as pujantes
ramificaes que a integra, reclama uma interpretao
alicerada nos mltiplos peculiares caractersticos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturao. Neste diapaso, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com nfase, que
no mais subsiste uma viso arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios s necessidades e s
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurdicos. Ora, em razo do burilado,
infere-se que no mais prospera a tica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicao das leis, sendo, em
decorrncia dos anseios da populao, suplantados em
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uma nova sistemtica. verificvel, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenrios apresentados com a evoluo da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confeco e aplicao das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilho de interpretao o prisma de avaliao o
brocardo jurdico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
est a sociedade, est o Direito', tornando explcita e
cristalina a relao de interdependncia que esse binmio
mantm1. Deste modo, com clareza solar, denota-se que
h uma interao consolidada na mtua dependncia, j
que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante
processo de evoluo da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos no fiquem inquinados
de inaptido e arcasmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependncia das regras consolidadas pelo
Ordenamento Ptrio, cujo escopo fundamental est
1 VERDAN, Tau Lima. Princpio da Legalidade: Corolrio do
Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponvel em: . Acesso em 12 jul.
2015.
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assentado em assegurar que inexista a difuso da prtica
da vingana privada, afastando, por extenso, qualquer
rano que rememore priscas eras, nas quais o homem
valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talio
(Olho por olho, dente por dente), bem como para evitar
que se robustea um cenrio catico no seio da
coletividade.
Afora isso, volvendo a anlise do tema para o
cenrio ptrio, possvel evidenciar que com a
promulgao da Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988, imprescindvel se fez adot-la como
macio axioma de sustentao do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genrico e abstrato, aos
complexos anseios e mltiplas necessidades que
influenciam a realidade contempornea. Ao lado disso,
h que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ao de
Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF, o
direito um organismo vivo, peculiar porm porque no
envelhece, nem permanece jovem, pois contemporneo
realidade. O direito um dinamismo. Essa, a sua fora, o
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seu fascnio, a sua beleza2. Como bem pontuado, o
fascnio da Cincia Jurdica jaz justamente na constante
e imprescindvel mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicao dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepo ps-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequncia, uma
rotunda independncia dos estudiosos e profissionais da
Cincia Jurdica. Alis, h que se citar o entendimento
de Verdan, esta doutrina o ponto culminante de uma
progressiva evoluo acerca do valor atribudo aos
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo em Arguio de
Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF. Empresa
Pblica de Correios e Telgrafos. Privilgio de Entrega de
Correspondncias. Servio Postal. Controvrsia referente Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigaes concernentes ao Servio Postal. Previso de
Sanes nas Hipteses de Violao do Privilgio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegao de
afronta ao disposto nos artigos 1, inciso IV; 5, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e pargrafo nico, e 173 da Constituio do Brasil.
Violao dos Princpios da Livre Concorrncia e Livre Iniciativa. No
Caracterizao. Arguio Julgada Improcedente. Interpretao
conforme Constituio conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sano, se configurada a violao do privilgio postal da
Unio. Aplicao s atividades postais descritas no artigo 9, da lei.
rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurlio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponvel em: . Acesso
em 12 jul. 2015.
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princpios em face da legislao3. Destarte, a partir de
uma anlise profunda de sustentculos, infere-se que o
ponto central da corrente ps-positivista cinge-se
valorao da robusta tbua principiolgica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouo normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flmulas hasteadas a serem adotadas na aplicao e
interpretao do contedo das leis.
2 PRELDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificao as
ponderaes estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira macia, acerca da evoluo dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construo
paulatina, consistindo em uma afirmao e consolidao
em determinado perodo histrico da humanidade. A
3 VERDAN, 2009, s.p.
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evoluo histrica dos direitos inerentes pessoa humana
tambm lenta e gradual. No so reconhecidos ou
construdos todos de uma vez, mas sim conforme a
prpria experincia da vida humana em sociedade4,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construo no se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo
conquista de direitos est em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difuso das
informaes propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substncia a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
anlise histrica sobre a construo dos direitos
humanos, possvel fazer meno ao terceiro milnio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteo
individual em relao ao Estado. O Cdigo de
4 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evoluo histrica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponvel em: .
Acesso em 12 jul. 2015.
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Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificao
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
famlia, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relao aos governantes, como bem afiana Alexandre de
Moraes5. Em mesmo sedimento, proclama Rbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Cdigo de Hamurabi (na
Babilnia) foi a primeira codificao a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteo aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), h mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Cdigo de Hamurabi, j fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito
vida, famlia, honra, dignidade,
proteo especial aos rfos e aos mais
fracos. O Cdigo de Hamurabi tambm
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposies finais do Cdigo, fez constar
que aos sditos era proporcionada moradia,
justia, habitao adequada, segurana
contra os perturbadores, sade e paz6.
5 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentrio dos art. 1 ao 5 da Constituio da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudncia. 9 ed. So Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 6 ALVARENGA, Rbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015, p.
01.
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Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, verificvel,
tambm, a edificao e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidado, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo,
observvel o surgimento, na Grcia, da concepo de um
direito natural, superior ao direito positivo, pela
distino entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que justo e o que injusto pela
prpria natureza humana7, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos no eram estendidos aos
escravos e s mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidados homens8, cuja acepo, na
viso adotada, exclua aqueles. na Grcia antiga que
surgem os primeiros resqucios do que passou a ser
chamado Direito Natural, atravs da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos bsicos
sua sobrevivncia, estes direitos seriam inviolveis e
7 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009. Acesso em 12 jul. 2015. 8 MORAES, 2011, p. 06.
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fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida9.
O perodo medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela macia descentralizao poltica, isto
, a coexistncia de mltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de prticas
atividade comercial. Subsiste, neste perodo, o
esfacelamento do poder poltico e econmico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em trs estamentos, quais
sejam: o clero, cuja funo primordial estava assentada
na orao e pregao; os nobres, a quem incumbiam
proteo dos territrios; e, os servos, com a obrigao de
trabalhar para o sustento de todos. Durante a Idade
Mdia, apesar da organizao feudal e da rgida
separao de classes, com a consequente relao de
subordinao entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurdicos reconheciam a existncia dos
9 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face histria
da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015.
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direitos humanos10, tendo como trao caracterstico a
limitao do poder estatal.
Neste perodo, observvel a difuso de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados
regio em que vigiam. Dentre estes documentos,
possvel mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por Joo Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das presses
exercidas pelos bares em razo do aumento de exaes
fiscais para financiar a estruturao de campanhas
blicas, como bem explicita Comparato11. A Carta de
Joo sem Terra acampou uma srie de restries ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidado, como, por exemplo, restries tributrias,
proporcionalidade entre a pena e o delito12, devido
10 MORAES, 2011, p. 06. 11 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos
Direitos Humanos. 3 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 12 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponvel em: .
Acesso em 12 jul. 2015: Um homem livre ser punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
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processo legal13, acesso Justia14, liberdade de
locomoo15 e livre entrada e sada do pas16.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feio humanista, foram
crime ele ser punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posio; um mercador igualmente conservando o seu comrcio, e um
vilo conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa merc; e
nenhuma das referidas punies ser imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito. 13 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponvel em: .
Acesso em 12 jul. 2015: Nenhum homem livre ser capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem ns iremos contra ele,
nem enviaremos ningum contra ele, excepto pelo julgamento
legtimo dos seus pares ou pela lei do pas. 14 Ibid. A ningum venderemos, a ningum negaremos ou retardaremos direito ou justia. 15 Ibid. Ser permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a ns devida, excepto por um curto
espao em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do pas e
pessoas de pases hostis a ns e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito. 16 Ibid. Todos os mercadores tero liberdade e segurana para sair, entrar, permanecer e viajar atravs da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedgio inquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do pas que est lutando contra ns. E
se tais forem encontrados no nosso pas no incio da guerra sero
capturados sem prejuzo dos seus corpos e mercadorias, at que seja
sabido por ns, ou pelo nosso chefe de justia, como os mercadores do
nosso pas so tratados, se foram encontrados no pas em guerra
contra ns; e se os nossos estiverem a salvo l, estes estaro a salvo
no nosso pas.
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promulgados, dentre os quais possvel mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitaes ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privao da liberdade e a
proibio de detenes arbitrrias17, reafirmando, deste
modo, os princpios estruturadores do devido processo
legal18. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Ingls e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de Joo Sem Terra, os
quais no eram, at ento, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 s passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmao das instituies
parlamentares e judiciais, cenrio no qual o absolutismo
17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 18 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Petio de
Direito (1.628). Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015:
ningum seja obrigado a contribuir com qualquer ddiva, emprstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ningum seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum servio, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob priso ou
detido por qualquer das formas acima indicadas.
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desmedido passa a ceder diante das imposies
democrticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade atravs de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisria, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juzo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para macia parte
dos ordenamentos jurdicos contemporneos, como bem
enfoca Comparato19. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transio entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma poca de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais20.
As treze colnias inglesas, instaladas no
recm-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
19 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 20 MORAES, 2011, p. 08-09.
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21
social, econmica e politicamente. Neste cenrio, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais
possvel realar a Declarao do Bom Povo da Virgnia,
de 1776. O mencionado texto farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor21, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa22, por exemplo. Como bem destaca
Comparato23, a Declarao de Direitos do Bom Povo da
Virgnia afirmava que os seres humanos so livres e
independentes, possuindo direitos inatos, tais como a
vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurana, registrando o incio do nascimento dos
direitos humanos na histria24. Basicamente, a
21 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015: Que todo poder inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados so seus mandatrios e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsveis. 22 Ibid. Que a liberdade de imprensa um dos grandes baluartes da liberdade, no podendo ser restringida jamais, a no ser por
governos despticos. 23 COMPARATO, 2003, p. 49. 24 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:
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22
Declarao se preocupa com a estrutura de um governo
democrtico, com um sistema de limitao de poderes25,
como bem anota Jos Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, at aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avano e progresso marcante, pois estabeleceu a vis a
ser alcanada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituio dos Estados
Unidos da Amrica. Inicialmente, o documento no
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificao de, pelo
menos, nove das treze colnias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formao da
Federao, desde que constasse, no texto constitucional,
a diviso e a limitao do poder e os direitos humanos
. Acesso em 12 jul. 2015: Que todos os homens so, por natureza, igualmente livres e
independentes, e tm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, no podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus psteros e que so: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurana. 25 SILVA, 2004, p.155.
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23
fundamentais26. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurana, resistncia opresso,
associao poltica, princpio da legalidade, princpio da
reserva legal e anterioridade em matria penal, princpio
da presuno da inocncia, da liberdade religiosa, da
livre manifestao do pensamento27.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSO: A CONSOLIDAO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No sculo XVIII, verificvel a instalao de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econmico, no participava da vida pblica, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observncia dos
direitos fundamentais, at ento construdos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilgio ao clero e nobreza, ao passo que a camada
26 SILVA, 2004, p.155. 27 MORAES, 2003, p. 28.
-
24
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributao, eram obrigados a sustentar os
privilgios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfao na
rbita poltica28. O mesmo ocorria com a populao pobre,
que, vinda das regies rurais, passa a ser, nos centros
urbanos, explorada em fbricas, morava em subrbios
sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe
sobejava, tinha que tributar Corte para que esta
gastasse com seus suprfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamaes pblicas tomaram conta da Frana.
Em meados de 1789, em meio a um cenrio
catico de insatisfao por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revoluo Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
28 COTRIM, Gilberto. Histria Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. So Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
-
25
tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declarao dos Direitos dos
Homens e Cidado que, ao contrrio da Declarao do
Bom Povo da Virgnia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata29 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declarao Francesa
possua trs caractersticas: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mos da
populao era obra e graa do intelecto humano; a
segunda caracterstica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles no salvaguardariam o
povo francs, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira caracterstica referia-se ao seu
carter, iminentemente individual, no se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunio. No bojo da declarao,
emergidos nos seus dezessete artigos, esto proclamados
29 SILVA, 2004, p. 157.
-
26
os corolrios e cnones da liberdade30, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, denotvel que o diploma em
comento consagrou os princpios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princpio da
legalidade31, da reserva legal32 e anterioridade em
matria penal, da presuno de inocncia33, tal como
liberdade religiosa e livre manifestao de pensamento34.
30 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
dos Direitos dos Homens e Cidado (1.789). Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015: Art. 2. A finalidade de toda associao poltica a conservao dos
direitos naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so a
liberdade, a propriedade a segurana e a resistncia opresso. 31 Ibid. Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo que no prejudique o prximo. Assim, o exerccio dos direitos naturais de
cada homem no tem por limites seno aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei. 32 Ibid. Art. 8. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessrias e ningum pode ser punido seno por
fora de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada. 33 Ibid. Art. 9. Todo acusado considerado inocente at ser declarado culpado e, se julgar indispensvel prend-lo, todo o rigor
desnecessrio guarda da sua pessoa dever ser severamente
reprimido pela lei. 34 Ibid. Art. 10. Ningum pode ser molestado por suas opinies, incluindo opinies religiosas, desde que sua manifestao no
perturbe a ordem pblica estabelecida pela lei. Art. 11. A livre
comunicao das ideias e das opinies um dos mais preciosos
direitos do homem. Todo cidado pode, portanto, falar, escrever,
-
27
Os direitos de primeira dimenso
compreendem os direitos de liberdade, tal como os
direitos civis e polticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos vida, liberdade, segurana, no
discriminao racial, propriedade privada, privacidade e
sigilo de comunicaes, ao devido processo legal, ao asilo
em decorrncia de perseguies polticas, bem como as
liberdades de culto, crena, conscincia, opinio,
expresso, associao e reunio pacficas, locomoo,
residncia, participao poltica, diretamente ou por meio
de eleies. Os direitos de primeira gerao ou direitos
de liberdade tm por titular o indivduo, so oponveis ao
Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da
pessoa e ostentam subjetividade35, aspecto este que
passa a ser caracterstico da dimenso em comento. Com
realce, so direitos de resistncia ou de oposio perante
o Estado, refletindo um iderio de afastamento daquele
das relaes individuais e sociais.
imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta
liberdade nos termos previstos na lei. 35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. So Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
-
28
4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA
DIMENSO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO
SUBSTRATO DE EDIFICAO DOS DIREITOS DE
IGUALDADE
Com o advento da Revoluo Industrial,
verificvel no continente europeu, precipuamente, a
instalao de um cenrio pautado na explorao do
proletariado. O contingente de trabalhadores no estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcanava at mesmo
crianas, os quais eram expostos a condies
degradantes, em fbricas sem nenhuma, ou quase
nenhuma, higiene, mal iluminadas e midas. Salienta-se
que, alm dessa conjuntura, os trabalhadores eram
submetidos a cargas horrias extenuantes, compensadas,
unicamente, por um salrio miservel. O Estado Liberal
absteve-se de se imiscuir na economia e, com o
beneplcito de sua omisso, assistiu a classe burguesa
explorar e coisificar a massa trabalhadora, reduzindo
seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e
procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa
essa poca, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a
-
29
maioria36. A massa de trabalhadores e desempregados
vivia em situao de robusta penria, ao passo que os
burgueses ostentavam desmedida opulncia.
Na vereda rumo conquista dos direitos
fundamentais, econmicos e sociais, surgiram alguns
textos de grande relevncia, os quais combatiam a
explorao desmedida propiciada pelo capitalismo.
possvel citar, em um primeiro momento, como
proeminente documento elaborado durante este perodo,
a Declarao de Direitos da Constituio Francesa de
1848, que apresentou uma ampliao em termos de
direitos humanos fundamentais. Alm dos direitos
humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como
direitos dos cidados garantidos pela Constituio, a
liberdade do trabalho e da indstria, a assistncia aos
desempregados37. Posteriormente, em 1917, a
Constituio Mexicana38, refletindo os iderios
decorrentes da consolidao dos direitos de segunda
36 COTRIM, 2010, p. 160. 37 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorizao do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponvel em:
. Acesso em: 12 jul. 2015. 38 MORAES, 2011, p. 11.
-
30
dimenso, em seu texto consagrou direitos individuais
com macia tendncia social, a exemplo da limitao da
carga horria diria do trabalho e disposies acerca dos
contratos de trabalho, alm de estabelecer a
obrigatoriedade da educao primria bsica, bem como
gratuidade da educao prestada pelo Ente Estatal.
A Constituio Alem de Weimar, datada de
1919, trouxe grandes avanos nos direitos
socioeconmicos, pois previu a proteo do Estado ao
trabalho, liberdade de associao, melhores condies
de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social
para a conservao da sade, capacidade para o trabalho
e para a proteo maternidade. Alm dos direitos
sociais expressamente insculpidos, a Constituio de
Weimar apresentou robusta moldura no que concerne
defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente
ao instituir que o Imprio procuraria obter uma
regulamentao internacional da situao jurdica dos
trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe
operria da humanidade, um mnimo de direitos
sociais39, tal como estabelecer que os operrios e
39 SANTOS, 2003, s.p.
-
31
empregados seriam chamados a colaborar com os
patres, na regulamentao dos salrios e das condies
de trabalho, bem como no desenvolvimento das foras
produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituio
do Povo Trabalhador e Explorado40, elaborada pela
antiga Unio Sovitica. Esse Diploma Legal possua
ideias revolucionrias e propagandistas, pois no
enunciava, propriamente, direitos, mas princpios, tais
como a abolio da propriedade privada, o confisco dos
bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada
pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inmeras
inovaes na relao laboral. Dentre as inovaes
introduzidas, possvel destacar a liberdade sindical,
magistratura do trabalho, possibilidade de contratos
coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de
retribuio financeira em relao ao trabalho,
remunerao especial ao trabalho noturno, garantia do
repouso semanal remunerado, previso de frias aps um
ano de servio ininterrupto, indenizao em virtude de
40 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
-
32
dispensa arbitrria ou sem justa causa, previso de
previdncia, assistncia, educao e instruo sociais41.
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu
da apatia e envolveu-se nas relaes de natureza
econmica, a fim de garantir a efetivao dos direitos
fundamentais econmicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem
como fito primordial assegurar aos indivduos que o
integram as condies materiais tidas por seus
defensores como imprescindveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira
gerao. E, portanto, desenvolvem uma tendncia de
exigir do Ente Estatal intervenes na rbita social,
mediante critrios de justia distributiva. Opondo-se
diretamente a posio de Estado liberal, isto , o ente
estatal alheio vida da sociedade e que, por
consequncia, no intervinha na sociedade. Incluem os
direitos a segurana social, ao trabalho e proteo contra
o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo frias
remuneradas, a um padro de vida que assegure a sade
e o bem-estar individual e da famlia, educao,
41 SANTOS, 2003, s.p.
-
33
propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalizao.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os
direitos de segunda dimenso so os direitos sociais,
culturais e econmicos bem como os direitos coletivos ou
de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das
distintas formas do Estado social, depois que
germinaram por ora de ideologia e da reflexo
antiliberal42. Os direitos alcanados pela rubrica em
comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolrio
da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos
humanos fundamentais rumo s sendas da Histria
paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de
incorporar desafios. Sua primeira gerao enfrentou
problemas do arbtrio governamental, com as liberdades
pblicas, a segunda, o dos extremos desnveis sociais, com
os direitos econmicos e sociais43, como bem evidencia
Manoel Gonalves Ferreira Filho.
42 BONAVIDES, 2007, p. 564. 43 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
-
34
5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSO: A VALORAO DOS ASPECTOS
TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE
SOLIDARIEDADE
Conforme fora visto no tpico anterior, os
direitos humanos originaram-se ao longo da Histria e
permanecem em constante evoluo, haja vista o
surgimento de novos interesses e carncias da sociedade.
Por esta razo, alguns doutrinadores, dentre eles
Bobbio44, os consideram direitos histricos, sendo
divididos, tradicionalmente, em trs geraes ou
dimenses. A nomeada terceira dimenso encontra como
fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem
como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado,
saudvel qualidade de vida, ao progresso, paz,
autodeterminao dos povos, a proteo e defesa do
consumidor, alm de outros direitos considerados como
difusos. Dotados de altssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos de terceira gerao tendem a
cristalizar-se no fim do sculo XX enquanto direitos que
44 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1997, p. 03.
-
35
no se destinam especificamente proteo dos interesses
de um indivduo, de um grupo45 ou mesmo de um Ente
Estatal especificamente.
Ainda nesta esteira, possvel verificar que a
construo dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimenso tende a identificar a existncia de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, no mais
prosperando a tpica fragmentao individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretrito. Os direitos de terceira dimenso so
considerados como difusos, porquanto no tm titular
individual, sendo que o liame entre os seus vrios
titulares decorre de mera circunstncia factual. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderaes
vertidas, insta trazer colao o robusto entendimento
explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ao Direta de Inconstitucionalidade N. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira gerao (ou de
45 BONAVIDES, 2007, p. 569.
-
36
novssima dimenso), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribudos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princpio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta gerao
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito paz), um momento importante no
processo de expanso e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurvel46.
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo proferido em
Ao Direta de Inconstitucionalidade N 1.856/RJ. Ao Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense N 2.895/98) -
Legislao Estadual que, pertinente a exposies e a competies
entre aves das raas combatentes, favorece essa prtica criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei N 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito preservao de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu carter de
metaindividualidade - Direito de terceira gerao (ou de novssima
dimenso) que consagra o postulado da solidariedade - Proteo
constitucional da fauna (CF, Art. 225, 1, VII) - Descaracterizao
da briga de galo como manifestao cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ao Direta
procedente. Legislao Estadual que autoriza a realizao de
exposies e competies entre aves das raas combatentes - Norma
que institucionaliza a prtica de crueldade contra a fauna Inconstitucionalidade. . rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponvel em:
. Acesso em 12 jul. 2015.
-
37
Nesta feita, importa acrescentar que os direitos
de terceira dimenso possuem carter transindividual, o
que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer
restries a grupos especficos. Neste sentido, pautaram-
se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas
ponderaes, que os direitos de terceira gerao possuem
natureza essencialmente transindividual, porquanto no
possuem destinatrios especificados, como os de primeira
e segunda gerao, abrangendo a coletividade como um
todo47. Desta feita, so direitos de titularidade difusa ou
coletiva, alcanando destinatrios indeterminados ou,
ainda, de difcil determinao. Os direitos em comento
esto vinculados a valores de fraternidade ou
solidariedade, sendo traduzidos de um ideal
intergeracional, que liga as geraes presentes s
futuras, a partir da percepo de que a qualidade de vida
destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.
Dos ensinamentos dos clebres doutrinadores,
percebe-se que o carter difuso de tais direitos permite a
abrangncia s geraes futuras, razo pela qual, a
valorizao destes de extrema relevncia. Tm 47 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito
Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.
-
38
primeiro por destinatrios o gnero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmao como valor
supremo em termos de existencialidade concreta48. A
respeito do assunto, Motta e Barchet49 ensinam que os
direitos de terceira dimenso surgiram como solues
degradao das liberdades, deteriorao dos direitos
fundamentais em virtude do uso prejudicial das
modernas tecnologias e desigualdade socioeconmica
vigente entre as diferentes naes.
6 O DIREITO TERRA COMO UM DIREITO
HUMANO: A FUNO SOCIAL DA TERRA LUZ
DA CONSTITUIO DE 1988
possvel evidenciar que a Constituio da
48 BONAVIDES, 2007, p. 569. 49 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. [...] Duas so as origens bsicas desses direitos: a degradao das liberdades ou a
deteriorao dos demais direitos fundamentais em virtude do uso
nocivo das modernas tecnologias e o nvel de desigualdade social e
econmica existente entre as diferentes naes. A fim de superar tais
realidades, que afetam a humanidade como um todo, impe-se o
reconhecimento de direitos que tambm tenham tal abrangncia a humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que no h
como se solucionar problemas globais a no ser atravs de solues
tambm globais. Tais solues so os direitos de terceira gerao.[...]
-
39
Repblica Federativa do Brasil de 1988, com profundos
sulcos, condicionou a propriedade ao atendimento de
sua funo social, de maneira que, uma vez ausente a
funo social ambiental, o proprietrio se v obstado do
pleno exerccio de sua propriedade. Clara a dico do
artigo 5, incisos XXII e XXIII, da Carta de Outubro, ao
consagrar, de maneira expressa, que o direito de
propriedade garantido aos titulares que comprovarem o
atendimento de sua funo social. Ao lado disso,
possvel verificar que, dentre os baldrames que norteiam
as atividades econmicas, encontra-se, novamente,
prevista a funo social da propriedade, consoante se
extrai do contedo do inciso III do artigo 170
da
Constituio Cidad. No tocante propriedade rural,
observvel que a funo social da propriedade restar
materializada quando houver a confluncia,
concomitantemente, dos seguintes fatores, quais sejam:
(i) aproveitamento racional e adequado; (ii) utilizao
adequada dos recursos naturais disponveis e
preservao do meio ambiente; (iii) observao das
disposies que regulam as relaes de trabalho; e, (iv)
explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e
-
40
trabalhadores.
Tecidos estes comentrios, ao se considerar a
indivisibilidade dos direitos humanos, cuida reconhecer
que o direito humano terra imprescindvel para a
materializao de um sucedneo de outros direitos,
sobremaneira o direito humano alimentao adequada.
Ora, o direito humano em apreo tem bases jurdicas
assentadas na Declarao Universal dos Direitos
Humanos, no PIDESC, que foi recepcionado pelo Texto
Constitucional e detalhado no Comentrio Geral 12, o
qual concede destaque as possibilidades que tm o
indivduo de alimentar-se, seja diretamente da terra
produtiva ou de outros recursos naturais, tal como por
meio de sistemas eficientes de distribuio,
processamento e venda, que possam transportar o
alimento de sua origem para o local necessrio, de acordo
com a demanda. Alm disso, insta explicitar que tal
comentrio reclama a obrigao de tratamento igual a
mulheres no que se refere ao acesso terra e a outros
insumos produtivos.
26. A estratgia deveria dedicar ateno
especial necessidade de evitar
-
41
discriminao no acesso ao alimento ou a
recursos para a alimentao. Isto deveria
incluir garantias de acesso total e igual aos
recursos econmicos, particularmente para
as mulheres, inclusive o direito de herana e
titularidade da terra e de outras
propriedades, crdito, recursos naturais e
tecnologia apropriada; medidas para fazer
respeitar e proteger o trabalho autnomo e o
trabalho que fornea uma remunerao
capaz de assegurar um padro de vida
decente para os assalariados e suas famlias
(como estipulado no artigo 7 (a) (ii) do
Pacto); manuteno de registros de direitos
terra (inclusive os florestais)50.
Com destaque, dentre os principais
dispositivos constitucionais e legislativos nacionais que
colocam o acesso terra como um direito est o princpio
da funo social da propriedade, o qual constitui o
fundamento jurdico mais destacado para a reforma
agrria. O artigo 184 da Constituio Federal de 1988
estabelece que compete ao governo federal
desapropriao de terras para fins de reforma agrria
que no cumpram a funo social. O artigo 186, por seu
turno, especifica que a funo social cumprida quando a
propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
50 ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Comentrio Geral
nmero 12: O Direito humano alimentao (art. 11). Disponvel
em: . Acesso em 12 jul. 2015.
-
42
critrios e graus de exigncia estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e
adequado; II - utilizao adequada dos recursos naturais
disponveis e preservao do meio ambiente; III -
observncia das disposies que regulam as relaes de
trabalho; IV - explorao que favorea o bem-estar dos
proprietrios e dos trabalhadores.
Ora, com a promulgao da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil de 1988, insta salientar
que o direito de propriedade perdeu o aspecto absoluto,
ilimitado e intangvel, caracterizados pela concepo
individualista contida na Lei Substantiva Civil ento
vigente, sendo revestido, por conseguinte, de uma
moldura social como fator de progresso e promoo de
bem-estar de todos. Quando se diz que a propriedade
privada tem uma funo social, na verdade est se
afirmando que ao proprietrio se impe o dever de
exercer o seu direito de propriedade, no mais
unicamente em seu prprio e exclusivo interesse, mas em
benefcio da coletividade, sendo, precisamente, o
cumprimento da funo social que legitima o exerccio do
direito de propriedade pelo seu titular. Cuida
-
43
reconhecer que a Constituio Federal, ainda que
implicitamente, reconheceu os contornos humansticos do
direito terra, conferindo-lhe, inclusive, no cenrio
jurdico nacional, uma funo social atrelada ao
desenvolvimento de seus detentores.
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-
47
-
48
O DIREITO HUMANO AO AR
ATMOSFRICO: BREVE PAINEL AO
PROCESSO DE ALARGAMENTO DOS
DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA
DIMENSO
Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira macia,
acerca da evoluo dos direitos humanos, os quais
deram azo ao manancial de direitos e garantias
fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos
humanos decorrem de uma construo paulatina,
consistindo em uma afirmao e consolidao em
determinado perodo histrico da humanidade.
Quadra evidenciar que sobredita construo no se
encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva
rumo conquista de direitos est em pleno
desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial,
pela difuso das informaes propiciada pelos atuais
meios de tecnologia, os quais permitem o
florescimento de novos direitos, alargando, com
bastante substncia a rubrica dos temas associados
aos direitos humanos. Os direitos de primeira gerao
-
49
ou direitos de liberdade tm por titular o indivduo,
so oponveis ao Estado, traduzem-se como faculdades
ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os
direitos de segunda dimenso so os direitos sociais,
culturais e econmicos bem como os direitos coletivos
ou de coletividades, introduzidos no
constitucionalismo das distintas formas do Estado
social, depois que germinaram por ora de ideologia e
da reflexo antiliberal. Dotados de altssimo teor de
humanismo e universalidade, os direitos de terceira
gerao tendem a cristalizar-se no fim do sculo XX
enquanto direitos que no se destinam
especificamente proteo dos interesses de um
indivduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal
especificamente.
Palavras-chaves: Direitos Humanos. Construo
Histrica. Iderios.
Sumrio: 1 Comentrios Introdutrios: Ponderaes
ao Caracterstico de Mutabilidade da Cincia
Jurdica; 2 Preldio dos Direitos Humanos: Breve
Retrospecto da Idade Antiga Idade Moderna; 3
Direitos Humanos de Primeira Dimenso: A
Consolidao dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos
Humanos de Segunda Dimenso: Os Anseios Sociais
como substrato de edificao dos Direitos de
Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimenso:
A valorao dos aspectos transindividuais dos Direitos
de Solidariedade; 6 O Direito Humano ao Ar
Atmosfrico: Breve Painel ao processo de Direitos
Humanos de Terceira Dimenso
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1 COMENTRIOS INTRODUTRIOS:
PONDERAES AO CARACTERSTICO DE
MUTABILIDADE DA CINCIA JURDICA
Em sede de comentrios inaugurais, ao se
dispensar uma anlise robusta sobre o tema colocado em
debate, mister faz-se evidenciar que a Cincia Jurdica,
enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouo
doutrinrio e tcnico, assim como as pujantes
ramificaes que a integra, reclama uma interpretao
alicerada nos mltiplos peculiares caractersticos
modificadores que passaram a influir em sua
estruturao. Neste diapaso, trazendo a lume os
aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o
Direito, tornou-se imperioso salientar, com nfase, que
no mais subsiste uma viso arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios s necessidades e s
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurdicos. Ora, em razo do burilado,
infere-se que no mais prospera a tica de imutabilidade
que outrora sedimentava a aplicao das leis, sendo, em
decorrncia dos anseios da populao, suplantados em
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uma nova sistemtica. verificvel, desta sorte, que os
valores adotados pela coletividade, tal como os
proeminentes cenrios apresentados com a evoluo da
sociedade, passam a figurar como elementos que
influenciam a confeco e aplicao das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear
como pavilho de interpretao o prisma de avaliao o
brocardo jurdico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde
est a sociedade, est o Direito', tornando explcita e
cristalina a relao de interdependncia que esse binmio
mantm51. Deste modo, com clareza solar, denota-se que
h uma interao consolidada na mtua dependncia, j
que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante
processo de evoluo da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos no fiquem inquinados
de inaptido e arcasmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependncia das regras consolidadas pelo
Ordenamento Ptrio, cujo escopo fundamental est
51 VERDAN, Tau Lima. Princpio da Legalidade: Corolrio do
Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponvel em: . Acesso em 28 fev.
2015.
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assentado em assegurar que inexista a difuso da prtica
da vingana privada, afastando, por extenso, qualquer
rano que rememore priscas eras, nas quais o homem
valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talio
(Olho por olho, dente por dente), bem como para evitar
que se robustea um cenrio catico no seio da
coletividade.
Afora isso, volvendo a anlise do tema para o
cenrio ptrio, possvel evidenciar que com a
promulgao da Constituio da Repblica Federativa do
Brasil de 1988, imprescindvel se fez adot-la como
macio axioma de sustentao do Ordenamento
Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a
amoldagem do texto legal, genrico e abstrato, aos
complexos anseios e mltiplas necessidades que
influenciam a realidade contempornea. Ao lado disso,
h que se citar o voto magistral voto proferido pelo
Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ao de
Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF, o
direito um organismo vivo, peculiar porm porque no
envelhece, nem permanece jovem, pois contemporneo
realidade. O direito um dinamismo. Essa, a sua fora, o
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seu fascnio, a sua beleza52. Como bem pontuado, o
fascnio da Cincia Jurdica jaz justamente na constante
e imprescindvel mutabilidade que apresenta, decorrente
do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicao dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se
evidenciar que a concepo ps-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequncia, uma
rotunda independncia dos estudiosos e profissionais da
Cincia Jurdica. Alis, h que se citar o entendimento
de Verdan, esta doutrina o ponto culminante de uma
progressiva evoluo acerca do valor atribudo aos
52 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo em Arguio de
Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF. Empresa
Pblica de Correios e Telgrafos. Privilgio de Entrega de
Correspondncias. Servio Postal. Controvrsia referente Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigaes concernentes ao Servio Postal. Previso de
Sanes nas Hipteses de Violao do Privilgio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegao de
afronta ao disposto nos artigos 1, inciso IV; 5, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e pargrafo nico, e 173 da Constituio do Brasil.
Violao dos Princpios da Livre Concorrncia e Livre Iniciativa. No
Caracterizao. Arguio Julgada Improcedente. Interpretao
conforme Constituio conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sano, se configurada a violao do privilgio postal da
Unio. Aplicao s atividades postais descritas no artigo 9, da lei.
rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurlio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponvel em: . Acesso
em 28 fev. 2015.
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princpios em face da legislao53. Destarte, a partir de
uma anlise profunda de sustentculos, infere-se que o
ponto central da corrente ps-positivista cinge-se
valorao da robusta tbua principiolgica que Direito e,
por conseguinte, o arcabouo normativo passando a
figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,
flmulas hasteadas a serem adotadas na aplicao e
interpretao do contedo das leis.
2 PRELDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE
RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA IDADE
MODERNA
Ao ter como substrato de edificao as
ponderaes estruturadas, imperioso se faz versar, de
maneira macia, acerca da evoluo dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e
garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os
direitos humanos decorrem de uma construo
paulatina, consistindo em uma afirmao e consolidao
em determinado perodo histrico da humanidade. A
53 VERDAN, 2009, s.p.
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55
evoluo histrica dos direitos inerentes pessoa humana
tambm lenta e gradual. No so reconhecidos ou
construdos todos de uma vez, mas sim conforme a
prpria experincia da vida humana em sociedade54,
como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra
evidenciar que sobredita construo no se encontra
finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo
conquista de direitos est em pleno desenvolvimento,
fomentado, de maneira substancial, pela difuso das
informaes propiciada pelos atuais meios de tecnologia,
os quais permitem o florescimento de novos direitos,
alargando, com bastante substncia a rubrica dos temas
associados aos direitos humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma
anlise histrica sobre a construo dos direitos
humanos, possvel fazer meno ao terceiro milnio
antes de Cristo, no Egito e Mesopotmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteo
individual em relao ao Estado. O Cdigo de
54 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evoluo histrica dos direitos humanos,
um longo caminho. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XII, n. 61,
fev. 2009. Disponvel em: .
Acesso em 28 fev. 2015.
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Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificao
a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,
tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a
famlia, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em
relao aos governantes, como bem afiana Alexandre de
Moraes55. Em mesmo sedimento, proclama Rbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Cdigo de Hamurabi (na
Babilnia) foi a primeira codificao a
relatar os direitos comuns aos homens e a
mencionar leis de proteo aos mais fracos.
O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), h mais
de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso
Cdigo de Hamurabi, j fazia constar alguns
Direitos Humanos, tais como o direito
vida, famlia, honra, dignidade,
proteo especial aos rfos e aos mais
fracos. O Cdigo de Hamurabi tambm
limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposies finais do Cdigo, fez constar
que aos sditos era proporcionada moradia,
justia, habitao adequada, segurana
contra os perturbadores, sade e paz56.
55 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentrio dos art. 1 ao 5 da Constituio da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e
Jurisprudncia. 9 ed. So Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 56 ALVARENGA, Rbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponvel em:
. Acesso em 28 fev. 2015, p.
01.
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Ainda nesta toada, nas polis gregas,
notadamente na cidade-Estado de Atenas, verificvel,
tambm, a edificao e o reconhecimento de direitos
basilares ao cidado, dentre os quais sobressai a
liberdade e igualdade dos homens. Deste modo,
observvel o surgimento, na Grcia, da concepo de um
direito natural, superior ao direito positivo, pela
distino entre lei particular sendo aquela que cada povo
da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade
de distinguir entre o que justo e o que injusto pela
prpria natureza humana57, consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,
que os direitos reconhecidos no eram estendidos aos
escravos e s mulheres, pois eram dotes destinados,
exclusivamente, aos cidados homens58, cuja acepo, na
viso adotada, exclua aqueles. na Grcia antiga que
surgem os primeiros resqucios do que passou a ser
chamado Direito Natural, atravs da ideia de que os
homens seriam possuidores de alguns direitos bsicos
sua sobrevivncia, estes direitos seriam inviolveis e
57 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 58 MORAES, 2011, p. 06.
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58
fariam parte dos seres humanos a partir do momento que
nascessem com vida59.
O perodo medieval, por sua vez, foi
caracterizado pela macia descentralizao poltica, isto
, a coexistncia de mltiplos centros de poder,
influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural
do feudalismo, motivado pela dificuldade de prticas
atividade comercial. Subsiste, neste perodo, o
esfacelamento do poder poltico e econmico. A sociedade,
no medievo, estava dividida em trs estamentos, quais
sejam: o clero, cuja funo primordial estava assentada
na orao e pregao; os nobres, a quem incumbiam
proteo dos territrios; e, os servos, com a obrigao de
trabalhar para o sustento de todos. Durante a Idade
Mdia, apesar da organizao feudal e da rgida
separao de classes, com a consequente relao de
subordinao entre o suserano e os vassalos, diversos
documentos jurdicos reconheciam a existncia dos
59 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face
histria da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponvel em:
. Acesso em 28 fev. 2015.
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direitos humanos60, tendo como trao caracterstico a
limitao do poder estatal.
Neste perodo, observvel a difuso de
documentos escritos reconhecendo direitos a
determinados estamentos, mormente por meio de forais
ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados
regio em que vigiam. Dentre estes documentos,
possvel mencionar a Magna Charta Libertati (Carta
Magna), outorgada, na Inglaterra, por Joo Sem Terra,
em 15 de junho de 1215, decorrente das presses
exercidas pelos bares em razo do aumento de exaes
fiscais para financiar a estruturao de campanhas
blicas, como bem explicita Comparato61. A Carta de
Joo sem Terra acampou uma srie de restries ao
poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao
cidado, como, por exemplo, restries tributrias,
proporcionalidade entre a pena e o delito62, devido
60 MORAES, 2011, p. 06. 61 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos
Direitos Humanos. 3 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-
72. 62 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponvel em: .
Acesso em 28 fev. 2015: Um homem livre ser punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande
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60
processo legal63, acesso Justia64, liberdade de
locomoo65 e livre entrada e sada do pas66.
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,
outros documentos, com clara feio humanista, foram
crime ele ser punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posio; um mercador igualmente conservando o seu comrcio, e um
vilo conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa merc; e
nenhuma das referidas punies ser imposta excepto pelo
juramento de homens honestos do distrito. 63 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponvel em: .
Acesso em 28 fev. 2015. Nenhum homem livre ser capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da
lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem ns iremos contra ele,
nem enviaremos ningum contra ele, excepto pelo julgamento
legtimo dos seus pares ou pela lei do pas. 64 Ibid. A ningum venderemos, a ningum negaremos ou retardaremos direito ou justia. 65 Ibid. Ser permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a ns devida, excepto por um curto
espao em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto
aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do pas e
pessoas de pases hostis a ns e mercadores, os quais devem ser
tratados como acima dito. 66 Ibid. Todos os mercadores tero liberdade e segurana para sair, entrar, permanecer e viajar atravs da Inglaterra, tanto por terra
como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de
pedgio inquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em
tempo de guerra, caso sejam do pas que est lutando contra ns. E
se tais forem encontrados no nosso pas no incio da guerra sero
capturados sem prejuzo dos seus corpos e mercadorias, at que seja
sabido por ns, ou pelo nosso chefe de justia, como os mercadores do
nosso pas so tratados, se foram encontrados no pas em guerra
contra ns; e se os nossos estiverem a salvo l, estes estaro a salvo
no nosso pas.
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61
promulgados, dentre os quais possvel mencionar o
Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitaes ao
poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o
julgamento pelos pares para a privao da liberdade e a
proibio de detenes arbitrrias67, reafirmando, deste
modo, os princpios estruturadores do devido processo
legal68. Com efeito, o diploma em comento foi
confeccionado pelo Parlamento Ingls e buscava que o
monarca reconhecesse o sucedneo de direitos e
liberdades insculpidos na Carta de Joo Sem Terra, os
quais no eram, at ento, respeitados. Cuida evidenciar,
ainda, que o texto de 1.215 s passou a ser observado
com o fortalecimento e afirmao das instituies
parlamentares e judiciais, cenrio no qual o absolutismo
67 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 68 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Petio de
Direito (1.628). Disponvel em:
. Acesso em 28 fev. 2015:
ningum seja obrigado a contribuir com qualquer ddiva, emprstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem
o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que
ningum seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a
executar algum servio, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de
outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da
recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob priso ou
detido por qualquer das formas acima indicadas.
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62
desmedido passa a ceder diante das imposies
democrticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus
Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando
que um indivduo que estivesse preso poderia obter a
liberdade atravs de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe
concederia a liberdade provisria, ficando o acusado,
apenas, comprometido a apresentar-se em juzo quando
solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi
considerada como axioma inspirador para macia parte
dos ordenamentos jurdicos contemporneos, como bem
enfoca Comparato69. Enfim, diversos foram os
documentos surgidos no velho continente que trouxeram
o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os
marcos de uma transio entre o autoritarismo e o
absolutismo estatal para uma poca de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais70.
As treze colnias inglesas, instaladas no
recm-descoberto continente americano, em busca de
liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se
69 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 70 MORAES, 2011, p. 08-09.
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63
social, econmica e politicamente. Neste cenrio, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os
direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais
possvel realar a Declarao do Bom Povo da Virgnia,
de 1776. O mencionado texto farto em estabelecer
direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,
reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro
detentor71, e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa72, por exemplo. Como bem destaca
Comparato73, a Declarao de Direitos do Bom Povo da
Virgnia afirmava que os seres humanos so livres e
independentes, possuindo direitos inatos, tais como a
vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurana, registrando o incio do nascimento dos
direitos humanos na histria74. Basicamente, a
71 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:
. Acesso em 28 fev. 2015: Que todo poder inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;
que os magistrados so seus mandatrios e seus servidores e, em
qualquer momento, perante ele responsveis. 72 Ibid. Que a liberdade de imprensa um dos grandes baluartes da liberdade, no podendo ser restringida jamais, a no ser por
governos despticos. 73 COMPARATO, 2003, p. 49. 74 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:
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64
Declarao se preocupa com a estrutura de um governo
democrtico, com um sistema de limitao de poderes75,
como bem anota Jos Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, at aquele
momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o
poder do soberano, proteger os indivduos e exaltar a
superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe
avano e progresso marcante, pois estabeleceu a vis a
ser alcanada naquele futuro, qual seja, a democracia.
Em 1791, foi ratificada a Constituio dos Estados
Unidos da Amrica. Inicialmente, o documento no
mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que
fosse aprovado, o texto necessitava da ratificao de, pelo
menos, nove das treze colnias. Estas concordaram em
abnegar de sua soberania, cedendo-a para formao da
Federao, desde que constasse, no texto constitucional,
a diviso e a limitao do poder e os direitos humanos
. Acesso em 28 fev. 2015: Que todos os homens so, por natureza, igualmente livres e
independentes, e tm certos direitos inatos, dos quais, quando
entram em estado de sociedade, no podem por qualquer acordo
privar ou despojar seus psteros e que so: o gozo da vida e da
liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurana. 75 SILVA, 2004, p.155.
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65
fundamentais76. Assim, surgiram as primeiras dez
emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes
direitos fundamentais: igualdade, liberdade,
propriedade, segurana, resistncia opresso,
associao poltica, princpio da legalidade, princpio da
reserva legal e anterioridade em matria penal, princpio
da presuno da inocncia, da liberdade religiosa, da
livre manifestao do pensamento77.
3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA
DIMENSO: A CONSOLIDAO DOS DIREITOS
DE LIBERDADE
No sculo XVIII, verificvel a instalao de
um momento de crise no continente europeu, porquanto a
classe burguesa que emergia, com grande poderio
econmico, no participava da vida pblica, pois
inexistia, por parte dos governantes, a observncia dos
direitos fundamentais, at ento construdos. Afora isso,
apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o
privilgio ao clero e nobreza, ao passo que a camada
76 SILVA, 2004, p. 155. 77 MORAES, 2003, p. 28.
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66
mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por
meio da tributao, eram obrigados a sustentar os
privilgios das minorias que detinham o poder. Com
efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da
nova classe que surgia, em especial no que concerne aos
tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfao na
rbita poltica78. O mesmo ocorria com a populao pobre,
que, vinda das regies rurais, passa a ser, nos centros
urbanos, explorada em fbricas, morava em subrbios
sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe
sobejava, tinha que tributar Corte para que esta
gastasse com seus suprfluos interesses. Essas duas
subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de
contenda contra os detentores do poder, protestos e
aclamaes pblicas tomaram conta da Frana.
Em meados de 1789, em meio a um cenrio
catico de insatisfao por parte das classes sociais
exploradas, notadamente para manterem os interesses
dos detentores do poder, implode a Revoluo Francesa,
que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do
poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco
78 COTRIM, Gilberto. Histria Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. So Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
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tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta
suprimiu os direitos das minorias, as imunidades
estatais e proclamou a Declarao dos Direitos dos
Homens e Cidado que, ao contrrio da Declarao do
Bom Povo da Virgnia, que tinha um enfoque
regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata79 e, por isso,
universalista. Ressalta-se que a Declarao Francesa
possua trs caractersticas: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
A primeira pressupunha que as garantias de
direito dos homens e a entrega do poder nas mos da
populao era obra e graa do intelecto humano; a
segunda caracterstica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles no salvaguardariam o
povo francs, mas se estenderiam a todos os povos. Por
derradeiro, a terceira caracterstica referia-se ao seu
carter, iminentemente individual, no se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades
associativas ou de reunio. No bojo da declarao,
emergidos nos seus dezessete artigos, esto proclamados
79 SILVA, 2004, p. 157.
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68
os corolrios e cnones da liberdade80, da igualdade, da
propriedade, da legalidade e as demais garantias
individuais. Ao lado disso, denotvel que o diploma em
comento consagrou os princpios fundantes do direito
penal, dentre os quais sobreleva destacar princpio da
legalidade81, da reserva legal82 e anterioridade em
matria penal, da presuno de inocncia83, tal como
liberdade religiosa e livre manifestao de pensamento84.
80 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao
dos Direitos dos Homens e Cidado (1.789). Disponvel em:
. Acesso em 28 fev. 2015: Art. 2. A finalidade de toda associao poltica a conservao dos
direitos naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so a
liberdade, a propriedade a segurana e a resistncia opresso. 81 Ibid. Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo que no prejudique o prximo. Assim, o exerccio dos direitos naturais de
cada homem no tem por limites seno aqueles que asseguram aos
outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes
limites apenas podem ser determinados pela lei. 82 Ibid. Art. 8. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessrias e ningum pode ser punido seno por
fora de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada. 83 Ibid. Art. 9. Todo acusado considerado inocente at ser declarado culpado e, se julgar indispensvel prend-lo, todo o rigor
desnecessrio guarda da sua pessoa dever ser severamente
reprimido pela lei. 84 Ibid. Art. 10. Ningum pode ser molestado por suas opinies, incluindo opinies religiosas, desde que sua manifestao no
perturbe a ordem pblica estabelecida pela lei. Art. 11. A livre
comunicao das ideias e das opinies um dos mais preciosos