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CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS NO
BRASIL: AS RELAÇÕES EDITORIAIS E O OLIGOPÓLIO NO PNLD
GABRIEL PINTO DE BAIRRO1
Resumo: O artigo analisa o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) e as características de oligopolização da produção e mercado de livros didáticos no Brasil, identificando quais os desdobramentos do processo de concentração, e simultaneamente de diretrizes formativas, tais como a padronização de conteúdos e linguagens e a exclusão dos aspectos regionais. A centralidade desta análise parte do reconhecimento do papel do livro didático no processo de ensino e aprendizagem, tendo em vista que muitos professores se utilizam do material para embasar seu fazer-pedagógico. A partir da composição de uma base de dados disponibilizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) são organizadas e espacializadas a aquisição e distribuição da produção didática em Geografia, considerando o número de livros, os títulos e valores executados pelo PNLD (tendo como base a aquisição do ensino médio no ano de 2018, a reposição de livros de do ensino fundamental anos iniciais de 2016 e anos finais de 2017) na região Sudeste. As análises destes dados possibilitaram a verificação da comercialização dos livros do PNLD, produzindo a espacialização da produção didática na Região Sudeste do país em cada uma das mesorregiões dos quatro estados correspondentes. Verificou-se a concentração editorial, tomando por base o caso das editoras Ática, Scipione e Saraiva, que até 2017 compunham o Grupo “SOMOS Educação”, e que comercializaram cerca de 34% dos livros de Geografia nos estados supracitados, no ano analisado. Destaca-se que mesmo o programa estando embasado em uma política de qualidade dos materiais, o mesmo cria a partir dos Editais uma especialização produtiva no setor didático ao exigir itens que algumas empresas produtoras de material didático não conseguem atender contribuindo para uma lógica de exclusão de editoras e autores, determinando uma concentração editorial. Dentre os itens de exigência, por exemplo, se inscreve a padronização de conteúdos e padrão estético. Tais exigências ampliam o grau de competitividade do mercado editorial privado, imbricado de relações com o capital estrangeiro, e reforça os processos de concentração. Constatou-se que o Programa investe R$ 1,5 bilhão, por ano, o que resulta em um processo de transferência direta de recursos públicos ao setor privado, na lógica de apropriação dos fundos públicos e que, contraditoriamente, como política de Estado, que deveria ter como foco as funções alocativas, distributivas e estabilizadoras de relações comerciais, ratifica os processos de olipolização e fragilização setorial, apontando para uma tendência ao monopólio do livro didático em curso, haja visto grande parte dos livros do PNLD entre 2010 e 2017 terem sido comercializados junto ao FNDE pelas empresas ligadas na época ao Grupo SOMOS Educação (Editoras Ática, Saraiva e Scipione), chegando em mais de 50% dos títulos de Geografia e das aquisições totais (todos os componentes curriculares) no Brasil no ano de 2012. Este mesmo grupo que, posteriormente em 2018, é comprado pela Króton Educacional, a maior empresa privada no ramo da educação atuante no Brasil, neste ano, concentrou cerca de 35% do volume total de livros adquiridos de Geografia na Região Sudeste. Palavras-chave: Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD). Mercado editorial. Apropriação de fundos públicos. Concentração produtiva. Abstract: The article analyses the Brazilian National Program of Textbook distribution (PNLD) and the characteristics of oligopolization of the production and market of textbooks in Brazil, identifying the
1 Mestrando do Programa de Pós-Garduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unesp/Rio Claro. Laboratório de Análise Espacial de Políticas Públicas (LAPP – Ceapla – Unesp Rio Claro). E-mail de contato: [email protected]
unfolding on the concentration process, and also of formative guidelines, such as the standardization of contents and languages and the exclusion of regional aspects. The centrality of this analysis starts with the recognition of the role of the textbook in the teaching and learning process, as many teachers use the material to support their pedagogical work. Based on the composition of a database made available by the Brazilian National Education Development Fund (FNDE) and the Ministry of Education and Culture (MEC), the acquisition and distribution of didactic production in Geography were organized and spatialized, considering the number of textbooks, titles and values executed by the PNLD (based on the acquisition of secondary education in 2018, the replacement of primary school textbooks in early 2016 and the final years of 2017) in the Brazilian South-east region. The analyses of these data made possible the verifying of the commercialization of textbooks, producing the spatialisation of didactic production in the same region on country in each mesoregions of the four corresponding states. The editorial concentration was based on the case of the publishers Ática, Scipione and Saraiva, who until 2017 were part of the "SOMOS Educação" Group, and which commercialized about 34% of the books of Geography in the aforementioned states in the year analysed. It should be noted that even the program, based on a policy of materials quality, creates in the calls a productive specialization in the didactic sector by requiring items that some companies producing didactic material can not attend contributing to a logic of exclusion of publishers and authors, determining an editorial concentration. Among the items of requirement, for example, the standardization of contents and esthetic standard is inscribed. Such demands increase the competitiveness of the private publishing market, embedded in relations with foreign capital, and reinforce the processes of concentration. It was verified that the Program invests R$ 1.5 billion per year, which results in a process of direct transfer of public resources to the private sector, in the logic of appropriation of public funds and that, contradictorily as State policy which should focus on the allocative, distributive and stabilizing functions of commercial relations, ratifies the processes of oligopolization and sector fragilization. It tends toward a monopoly of the textbook in progress, since most of the PNLD books between 2010 and 2017 have were commercialized together with the FNDE by the companies linked at the time to the SOMOS Education Group (Ática, Saraiva and Scipione publishers), reaching more than 50% of Geography titles and total acquisitions (all curricular components) in Brazil in 2012. This same group that, later in 2018, is bought by Króton Educacional, the largest private company in the education sector in Brazil, in the concentrated around 35% of the total volume of books acquired in Geography in the Southeast. Keywords: National Program of Textbook Distribution (PNLD). Editorial Market. Appropriation of public state funds. Concentration on production.
1 – Introdução
O artigo apresenta uma análise da espacialização dos processos de
concentração e distribuição editorial de livros didáticos vinculados ao Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a partir do Programa Nacional
de Livros Didáticos (PNLD), no ano de 2018, particularmente na região Sudeste do
Brasil. A partir da base de dados obtida junto ao FNDE foram organizados os dados
de produção didática, separando-os por componente curricular, e verificando a
quantidade de recursos públicos investida na aquisição dos livros didáticos. A fim de
observar a relação entre a produção didática de Geografia e o investimento
realizado na política pública do PNLD, foram espacializados os dados a partir das
mesorregiões dos estados do Sudeste brasileiro, para que pudessem ser
visualizados os processos de distribuição e produção didática na região Sudeste no
ano de 2018.
Os dados obtidos possibilitaram a organização dos dados gerais da produção
didática por editoras, e para este artigo foram considerados os anos de 2012 e 2018
para verificar como se deram as concentrações editoriais no entorno desta política.
Os mesmos foram organizados a fim de verificar o grau de concentração das
empresas que compõem o Grupo SOMOS Educação – que atinge alto índice de
venda no PNLD 2012 – e qual a trajetória apresentada no PNLD, no componente
curricular Geografia para a região Sudeste do país.
A análise do comportamento geral das editoras Ática, Scipione e Saraiva
(antigo Grupo Abril Educacional, que formavam até o final de 2017 o Grupo SOMOS
Educação que posteriormente foi adquirido pela Króton Educacional) no programa
de livros do Brasil, no ano de 2018, possibilitou a visualização da comercialização
dos materiais didáticos por este grupo editorial. A comercialização foi especializada
a partir dos títulos de livros didáticos mais vendidos nas mesorregiões dos quatro
estados da região Sudeste brasileira, demonstrando a execução da política pública
de livros didáticos. Ainda, podem ser observadas a forma de ação das empresas de
livros didáticos a partir desta comercialização junto ao FNDE.
Verificou-se que os investimentos realizados pelo FNDE, com base no
financiamento do Estado brasileiro a partir de seus recursos públicos, são
apropriados por empresas privadas, muitas das mesmas com relações com o capital
internacional. A par disso, foi possível analisar o programa a partir da apropriação de
fundos públicos nacionais, tensionada pelas relações de força dentro do PNLD. Haja
vista que as políticas públicas deveriam tender ao investimento público a partir da
alocação, distribuição e estabilização de relações comerciais, da forma como
analisadas no PNLD corroboram muito mais para a especialização produtiva e para
o oligopólio que fragiliza o setor industrial brasileiro do que para a diversificação
produtiva e a desconcentração da produção no setor didático nacional.
2 – Panorama geral do PNLD
Enquanto material, o livro didático pode ser definido enquanto um material de
apoio e uso em sala de aula que desde o final do Século XIX é utilizado em escolas
públicas e privadas do país. Porém, é a partir do Estado Novo que sua centralidade
é redefinida, por ser um material de uso escolar e que poderia veicular os ideais
nacionalistas do governo vigente (BEZERRA; LUCA, 2006). Sua centralidade
também é dada, em determinados momentos da história brasileira, pelos
investimentos realizados na política pública de distribuição de livros didáticos, com
destaque para os acordos MEC/USAID realizados durante a ditadura militar, e os
investimentos a partir da sua consolidação enquanto PNLD a partir dos anos 1990,
posterior aos grandes eventos mundiais para redefinir a educação nos países
subdesenvolvidos, ao propor mudanças nas estruturas educacionais e nos currículos
destes países (CASTELLAR, 2006; CASSIANO, 2008; FILGUEIRAS, 2011). Neste
processo, evidencia-se que a produção didática, o material em si, ganha
centralidade no âmbito da prática pedagógica e se coloca como um instrumento de
mediação de conceitos e visão social de mundo (SPOSITO, CARDOSO,
SOUZA,1990; SOUZA, 1991).
Significa dizer que as políticas públicas sempre apontaram para uma
perspectiva mercadológica e que se mantem com a atual da política pública de
financiamento da produção de livros didáticos para as escolas públicas brasileiras.
Neste caso o PNLD se realiza anualmente a partir de Editais de Convocação para a
participação no programa a ser finalizado no ano subsequente. Nestes editais, estão
aptas a participar empresas produtoras de livros didáticos e de materiais apostilados
diversos, com materiais que atendam as especificidades contidas no Edital.
Historicamente os editais modificam-se com o fito de garantir uma qualidade maior
do livro didático, na tentativa de atender a demanda da durabilidade do material e da
correspondência com os currículos vigentes no país. Tal fator também obriga as
editoras a modificarem os conteúdos dos livros, o que ultimamente têm contribuído
para a concepção de um livro cada vez mais padronizado, a fim de atender todas as
normas exigidas pelo FNDE para a comercialização dos livros didáticos.
No edital para o PNLD 20202 – o qual já está disponível no sítio do FNDE
para consulta e participação das empresas na licitação de livros – são encontradas
normativas como, por exemplo, da duração do contrato e das reposições
subsequentes que os livros didáticos aptos a serem comercializados deverão
cumprir (atualmente, quatro anos).
Os livros didáticos devem também atender às normatizações propostas no
edital correspondente ao ano que é participado. No próprio documento, já estão
informações como as formas que serão executados os processos avaliativos, bem
como as suas normativas, e também informações técnicas a respeito do nível de
ensino para produção de material didático no ano em questão.
A criteriosidade para exclusão pode ser vista no próprio edital. No edital do
PNLD 2020, são 168 critérios diferentes para excluir uma obra didática – os quais
estão todos descritos no mesmo – tendo como base os aspectos não só físicos mas
também organizacionais das empresas, por exemplo. Os critérios de exclusão
pedagógica dos materiais é previsto nos editais e são realizadas pelas comissões
avaliadores dos livros didáticos, que até o PNLD 2019 estavam nas mãos das
universidades públicas brasileiras. Tais normas têm excluído obras que foram
aprovadas em anos anteriores, o que têm recebido críticas por vezes incisivas de
autores de livros didáticos3.
Estes fatores contribuem para a concentração no PNLD, pois a quantidade de
definições para exclusão de uma obra no programa contribui para que as obras
aprovadas possuam, muitas vezes, conteúdos muito similares entre si, sem que haja
uma pretensa variação nos livros e/ou em seus conteúdos. Entretanto, tal fator não
está relacionado diretamente à avaliação, senão à exigência do FNDE sobre a
2 As informações foram extraídas do Edital de Convocação nº 01/2018 , da Coordenadoria-Geral dos Programas do Livro (CGPLI). O documento completo, assim como os editais anteriores, está disponível no sítio do FNDE. 3 Um exemplo é o livro de Márcio Vitiello, publicado em 2018. Ao ter o livro que era um dos autores reprovado no processo de seleção das obras para o PNLD 2017 o autor desenvolve suas fortes e diversas críticas ao processo de seleção, julgando ter havido censura ao seu material – justificada pela pressão da opinião pública frente a “denúncia” do prefeito do Rio de Janeiro quanto à escolha de seu livro para algumas escolas fluminenses. Tal crítica contribui para o tensionamento de disputas no campo da produção de materiais didáticos no tocante à avaliação, a qual questiona a idoneidade das avaliações realizadas em determinados PNLD.
qualidade destes materiais, o que tensiona as relações de produção para uma
mesma qualidade de produto, muitas vezes produzido somente por empresas de
grande porte, as quais podem argumentar a partir dos critérios de exclusão, uma
demanda por padronizações aos seus autores, e uma demanda por padronização
dos materiais, os quais somente poucas empresas podem executar no país.
4 – O PNLD: apropriação de fundos públicos e concentração editorial
Investigações realizadas sobre o PNLD e sua forma de consecução levaram a
cabo a análise de dados estatísticos do Programa levantados junto ao FNDE desde
o ano de 2004.
20042005
20062007
20082009
20102011
20122013
20142015
20162017
0
20.000.000
40.000.000
60.000.000
80.000.000
100.000.000
120.000.000
140.000.000
160.000.000
180.000.000
200.000.000
0
500.000.000
1.000.000.000
1.500.000.000
2.000.000.000
2.500.000.000
Total de Exemplares Adquiridos Total de Invest imentos no ano (R$)
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Gráfico 1 – Investimentos na política de livros didáticos. Valores reais de 08/2017.
Fonte: FNDE, 2018. Organizado pelo autor.
Na tentativa da investigação do volume e do nível de concentração dos
investimentos no período compreendido entre tal ano e 2017, os mesmos foram
dispostos em um gráfico para facilitar a análise do comportamento dos investimentos
públicos realizados no período. Também estão dispostos no mesmo o número de
livros distribuídos em todos os componentes curriculares no país.
O comportamento da curva dos investimentos acompanha a quantidade de
livros produzidos para o PNLD no período. Entretanto, nos anos de 2006 e 2009 o
comportamento da curva de investimento não segue o padrão dos outros anos, o
que pode ter ocorrido devido à estes anos possuírem maior número de reposições
de categorias específicas do programa, tais como o PNLD Campo. Entretanto, um
fato a ser destacado é que desde a criação do Grupo SOMOS Educação – fato
ocorrido no ano de 2010 – o preço médio do material (relação entre o investimento e
a quantidade de livros adquiridos) tem diminuído, se analisados os dados gerais do
investimento.
Isto significa que o agrupamento das empresas do Grupo SOMOS Educação,
que reunia três das cinco empresas que mais comercializavam livros até então (além
das Editoras Ática, Scipione e Saraiva, as editoras FTD e Moderna (sob controle da
espanhola Santillana)) causou uma redução do preço médio pago por livro pelo
estado. No ano de 2012, as análises de dados proporcionaram que o Grupo SOMOS
Educação comercializou cerca de 52% dos livros didáticos de todos os componentes
curriculares no PNLD, e mais de 50% dos livros didáticos de Geografia. Tal fato,
detre outras questões, pode ser analisado como a apresentação de preços médios
menores (e, como consequência, o Estado brasileiro pagando em média um menor
valor pelos livros, mas concentrados nos grupos educacionais que reúnem as
maiores editoras que comercializam livros didáticos no país), forçando outras
empresas a abaixarem o preço comercial de seus livros didáticos produzidos, já que
o Estado brasileiro compra o material com menor custo para si.
Observa-se a partir da análise dos dados que as empresas do Grupo SOMOS
Educação podem ter tensionado uma queda geral dos preços, numa ideia de
especulação de capital – mais precisamente, do “capital especulativo parasitário”
(CARCANHOLO; NAKATANI, 1999) a partir dos investimentos públicos realizados
na política do PNLD. Em outras palavras, com o preço médio dos livros tende a cair,
especialmente depois de 2010 quando da criação do conglomerado de empresas –
com resultante em uma grande concentração de mercado em 2012. Ainda assim, há
concentração de capitais, pois ainda que as empresas estejam individualizadas no
mercado em geral, vinculam-se a um conglomerado educacional, o qual detém os
lucros e detém, nas mãos de empresas privadas, o investimento do capital estatal na
política pública de livros didáticos.
Outro fator passível de aferição é o crescimento dos investimentos, os quais
superam a casa dos 1,5 bilhão em praticamente todo o período analisado. Isto
colocou o Brasil, em 2010, como terceiro maior programa de distribuição de livros
didáticos, atrás somente dos Estados Unidos e da China. (SAMPAIO; CARVALHO,
2010).
Também analisou-se a concentração da produção didática nos estados da
Região Sudeste no tocante aos livros didáticos de Geografia no PNLD 2018. Em
todos os quatro estados, dentre as três editoras que mais comercializavam livros nas
mesorregiões que comportam as capitais e regiões metropolitanas dos estados
(Belo Horizonte, Vitória, São Paulo e Rio de Janeiro, mesorregiões estas que mais
demandam livros e investimentos no PNLD do referido ano) ao menos duas
pertenciam ao Grupo SOMOS Educação. Tomando o caso do estado do Rio de
Janeiro como exemplo, é perceptível a concentração em torno da política editorial e
da escolha de livros.
Mapa 1 – Participação editorial por mesorregião no Rio de Janeiro, no PNLD 2018. Valores nominais.
Fonte dos dados: FNDE, 2018. Organizados pelo autor
A região metropolitana do estado fluminense tem mais de 600 mil livros
comercializados para todas as suas escolas, cerca de 8 vezes mais livros do que na
região sul fluminense, sendo investidos mais de dez vezes o valor desta região na
região metropolitana do estado.
No caso dos livros didáticos de Geografia comercializados via PNLD 2018 no
mesmo estado, em três das seis mesorregiões do estado foram escolhidos pelos
professores (e consequentemente, enviados às escolas) o mesmo livro didático. O
livro “Geografia Geral e do Brasil”, da Editora Scipione S/A foi o mais vendido nas
mesorregiões do Centro Fluminense (14,01%), na Baixada Fluminense (12,76%) e
na mesorregião Metropolitana do Rio de Janeiro (16,09%).
Mapa 2
– Título mais comercializado
e Valor Nominal
pago pela produção de
livros didáticos nas
mesorregiões
do estado do Rio de Janeiro. Fonte dos dados: FNDE, 2018. Organização: BAIRRO, G., FERREIRA, J.
Os livros didáticos de Geografia das editoras relacionadas ao Grupo SOMOS
Educação compuseram 39,61% do total de livros comercializados no estado
fluminense. Outro destaque pode ser observado na análise condizentes ao preço
pago por cada título, com muitas diferenças nas mesorregiões analisadas em todos
os estados, estando os investimentos concentrados nas regiões metropolitanas dos
mesmos. Com exceção dos títulos de reposição dos PNLD anteriores (que diziam
respeito aos livros do Ensino Fundamental Anos Iniciais e Finais, respectivamente
PNLD 2016 e 2017) A concentração de vendas neste estado acompanha as
concentrações históricas do Grupo SOMOS Educação, verificadas a partir dos
dados obtidos junto ao FNDE.
Tabela 1 – Participação editorial nas vendas ao PNLD 2012, considerando todos os componentes curriculares.
Organização: BAIRRO, G.; FERREIRA, J., 2019. Fonte: FNDE, 2018
Constata-se o alto grau de concentração na comercialização de livros
didáticos naquele ano, sendo que quatro empresas (as três que compunham o
Grupo SOMOS Educação e a Editora Moderna LTDA) concentraram mais de 73%
do mercado de livros didáticos naquela ocasião. A proporção se mantém muito
parecida se analisados os livros de Geografia, totalizando cerca de 53% dos livros
comercializados pelas editoras vinculadas ao conglomerado educacional no referido
ano.
5 – Considerações finais
PNLD 2012 – Livros comercializados por editora e participação editorial
Editora Participação
Grupo SOMOS Educação 9.968.991 50,51%
Editora Moderna LTDA 4.487.715 22,74%
Editora FTD SA 1.500.586 7,60%
Edições SM LTDA 1.414.982 7,17%
Edições Escala Educacional LTDA 950.633 4,82%
Editora Positivo LTDA 832.269 4,22%
IBEP 220.833 1,12%
Editora do Brasil SA 196.640 1,00%
Companhia Editora Nacional 95.685 0,48%
SEFE - Sistema Educacional Família e Escola LTDA 43.031 0,22%
Editora Dimensão LTDA 18.090 0,09%
Editora FAPI LTDA 5.702 0,03%
TOTAL 19.735.157 100,00%
Total de Livros Comercializados
A concentração editorial no PNLD tem sido constatada a partir da análise
histórica de acontecimentos relacionados às editoras brasileiras que comercializam
livros no programa. Dado que boa parte dos rendimentos empresariais das editoras
de livros brasileiras advém da comercialização no programa de livros4, a
centralidade da política pública no setor econômico terciário (SPOSITO, 2006) passa
a ser alvo de interesses empresariais, sobretudo no que tange ao mercado de livros
didáticos brasileiro – o qual garante mercado às editoras que têm seus livros
escolhidos pelos professores brasileiros por pelo menos quatro anos.
A centralidade do livro didático também é fator positivo na análise da
importância da manutenção do PNLD enquanto política pública no Brasil. Muitos
profissionais da educação ainda se utilizam do livro didático para planejar suas
aulas, função esta também prevista historicamente pelo MEC/FNDE nos seus
editais, solicitando que o material também traga recomendações aos professores e
sirva não só como material de apoio, mas sim para execução de suas atividades
escolares de ensino e aprendizagem.
Fatores que podem ser destacados a partir dos dados analisados nos últimos
10 anos de execução da política do PNLD dão conta não só da concentração
verificada nos últimos anos, mas também da tendência da internacionalização de
fundos públicos, apropriados por empresas ligadas à investidoras internacionais,
como o próprio caso do Grupo SOMOS Educação, que contava em 2017 com cerca
de 50% de suas ações vinculadas à Tarpon Investimentos, empresa estadunidense
(BAIRRO, 2017).
As fusões e aquisições, no entanto, seguiram ocorrendo no programa. Assim
como algumas editoras foram compradas por editoras e empresas estrangeiras
(especialmente europeias), o Grupo SOMOS Educação foi comprado pela Króton
Educacional, empresa brasileira dona de sistemas de ensino superior no país,
4 Os artigos de Bezerra e Luca, bem como de Spósito no livro “Livros didáticos de História e Geografia: avaliação e pesquisa” (2006), bem como a introdução do livro de Sampaio e Carvalho (2010) fazem considerações a respeito da importância do programa para o balanço comercial empresarial de livros no país, bem como destacam a importância do programa de livros brasileiro para tais empresas.
oriunda de uma empresa educacional pré-vestibular. Tal fator denota a tendência à
concentração de mercado em torno do mercado editorial brasileiro.
A análise dos dados também permite lançar olhares a respeito da qualidade
do material didático fornecido às escolas, e a sua padronização de conteúdos. Se
fazem necessários estudos a respeito não só dos tipos de conteúdos apresentados,
mas também do grau de padronização destes conteúdos nos livros, verificando se a
concentração editorial é refletida na qualidade dos materiais fornecidos pelo
programa.
Como conclusões foram possíveis, a partir das espacializações e análises
realizadas, a comprovação de uma concentração na produção didática nacional a
partir da política do PNLD e a verificação de uma possível tendência ao monopólio
na produção didática, dado a partir da especificidade dos itens do Edital. Tal fato
obriga a produção de livros didáticos e suas editoras correspondentes a
especializarem na produção de livros didáticos contribuindo para tal concentração.
6 – Referências
BAIRRO, G. O contexto da produção didática no Brasil: o financiamento através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Geografia) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2017. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/157038>
BEZERRA, H.G.; LUCA, T. R. de. Em busca da qualidade: PNLD História – 1996-2004. In: SPOSITO, M.E.B. (org.). Livros didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006. CARCANHOLO, R.A.; NAKATANI, P. O capital especlativo parasitário: uma precisão teórica sobre o capital financeiro, característico da globalização. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.20, n.1, p. 284-304, 1999. CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). São Paulo: PUC/SP. Tese de Doutorado. 2007. CASTELLAR, S.M.V. Currículo, Educação Geográfica e Formação Docente: desafios e perspectivas. Revista Tamoios, ano II, nº2, dez. 2006. FILGUEIRAS, J.M. Os processos de avaliação de livros didáticos no Brasil (1938-1984). São Paulo: PUC/SP. Tese de doutorado. 2011.
SAMPAIO, F.A.A.; CARVALHO, A.F. Com a palavra, o autor: em nossa defesa – um elogio à importância e uma critica às limitações do Programa Nacional do Livro Didático. São Paulo: Sarandi, 2010. SPOSITO, M.E.B. A avaliação de livros didáticos no Brasil – por quê? In: SPOSITO, M.E.B. (org.). Livros didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006. SPOSITO, E.S., FERREIRA, R.H.P.C., SOUZA, J.G. Ideologia do Livro didático. Presidente Prudente-SP. FCT/UNESP, 1991. SOUZA, J.G. O conceito de trabalho no Livro didático de Geografia. Presidente Prudente-SP: FCT/UNESP, 1991. (Monografia de